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SÃO PAULO
2013
DIEUDONNÉ BUKASA N'DALA
SÃO PAULO
2013
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
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______________________________________
Às pessoas de boa vontade.
AGRADECIMENTOS
dissertação de Mestrado.
RESUMO
Our objective for this study is to write about the Syncretism Afro
Brazilian, particularly, and the syncretism Afro Catholic with the
case of Ibeji e saints Cosmas and Damian, particularly. This way we
wrote about the twins in Africa first and about the twins in Brazil at
the second moment. After this, we made our considerations
INTRODUÇÃO................................................................................... 09
1 O SINCRETISMO AFRO-CATÓLICO............................................... 17
1.1 Uma breve história do sincretismo.................................................... 17
1.2 Sincretismo a partir do princípio de corte.......................................... 22
1.3 Os pontos onde coincidem o catolicismo e a religião africana......... 23
1.4 Sincretismo: fenômeno de aproximação........................................... 24
1.5 Sincretismo religioso no caso dos gêmeos: Ibejis e São Cosme e
Damião............................................................................................... 28
1.5.1 Quem são os Ibeji? Como veio esse culto aos Ibeji e como
sobreviveu ao longo do tempo?......................................................... 28
1.5.2 Quem são os Santos Cosme e Damião?.......................................... 31
1.5.3 O sincretismo entre São Cosme e São Damião com os orixás
Ibeji.................................................................................................... 32
1.6 Conclusão.......................................................................................... 33
2 OS GÊMEOS NA ÁFRICA................................................................ 34
2.1 Os gêmeos Iorubas........................................................................... 34
2.1.1 Yoruba, povo gemelário..................................................................... 34
2.1.2 Nascimento gemelário, antigamente e hoje...................................... 34
2.1.3 Nascimento gemelário, uma bênção!................................................ 36
2.1.4 Nascimento gemelário, uma festa!.................................................... 36
2.1.5 Nascimento gemelário, uma nova ordem.......................................... 37
2.1.6 Os gêmeos e a morte........................................................................ 38
2.2 Os gêmeos na África em geral.......................................................... 39
2.2.1 Os nomes dos gêmeos em algumas etnias africanas....................... 39
2.2.2 Dos gêmeos, quem é o mais velho?................................................. 41
2.2.3 Proibições e cerimônias..................................................................... 42
2.2.4 Gêmeos, gênios!................................................................................ 44
2.2.5 Morte e reencarnação dos gêmeos................................................... 44
2.2.6 Algumas proibições e obrigações dos gêmeos na África do
oeste.................................................................................................. 46
2.2.7 Considerações culturais.................................................................... 47
2.2.8 Verdadeiros e falsos gêmeos............................................................ 48
2.2.9 Casamento de uma das Gêmeas...................................................... 49
3 OS GÊMEOS NO BRASIL................................................................ 50
3.1 Cândido Godói, Terra dos Gêmeos................................................... 50
3.2 O Que é o Caruru?............................................................................ 52
3.3 Por que deve oferecer o Caruru?...................................................... 53
3.4 Quem deve oferecer o Caruru?......................................................... 54
3.5 A quem deve ser oferecido o Caruru?............................................... 55
3.6 Com que é feito o Caruru.................................................................. 57
3.7 Quando é oferecido o Caruru............................................................ 58
3.8 Comportamentos dos pais dos Gêmeos........................................... 58
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................. 65
ANEXOS............................................................................................ 68
9
INTRODUÇÃO
As Motivações do Trabalho
Vim diretamente para São Paulo, capital, para completar a formação teológica
(Unifai, hoje PUC-SP) e fazer a pastoral. Na zona leste de São Paulo e na cidade de
Santo André trabalhei com a Pastoral Afro. Neste período participei também do
Grupo de Reflexão dos religiosos negros e indígenas. Período em que comecei a
sentir a necessidade de conhecer as religiões de matriz africana devido à falta de
conhecimento. Motivo pelo qual multipliquei as minhas idas para Salvador desde
1999 até hoje.
Santa Isabel é uma cidade da grande São Paulo situada ao lado norte
beirando a Rodovia Dutra que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. A cidade de Santa
Isabel tem hoje 50.453 habitantes. Sua área geográfica tem 363 km2 de espaço
físico. Sua origem remonta ao século XVII. Na época, o espaço físico servia como
pouso de tropeiros e viajantes que vindo de Minas, ou indo, passavam por aí. Eles
foram se instalando e povoando o lugar.
11
Metodologia
Os Entrevistados
ajuda nas oficinas de arte, percussão e danças. A entrevista com Dona Ceci
prosseguiu nas outras três viagens feitas à Bahia: na ocasião da lavagem da
escadaria do Bonfim de 2011 e 2013 e em outra viagem em setembro de
2012 na ocasião da festa de são Cosme e Damião.
Nas nossas entrevistas aqui em São Paulo, muito mais precisamente aqui em
Mogi das Cruzes, entrevistamos dois casais pais de gêmeos, mas resolvemos
publicar o nome de um só:
Como os nossos entrevistados eram diferentes uns dos outros assim como o
objeto específico da entrevista com cada entrevistado não era o mesmo, decidimos
de não ter um roteiro específico e fechado. Partimos de uma conversa para deixá-los
à vontade para falar. Temos a certeza que isso foi o melhor procedimento que
poderíamos adotar para este trabalho.
nossa reflexão sobre o sincretismo entre Ibeji e são Cosme e Damião. Fechamos o
capítulo com uma conclusão.
1 O SINCRETISMO AFRO-CATÓLICO
1
MEDEIROS, Sandra. Epega: a volta à África. Na contramão do Orixá in Faces da Tradição Afro-
Brasileira. Religiosidade, Sincretismo, Anti-sincretismo, Reafricanização, Prática terapêuticas,
Etnobotânica e Comida. CIP-Brasil, p. 159.
2
Idem.
3
CONSORTE, Josildeth Gomes. Sincretismo ou Antissincretismo? Aspectos Políticos e religiosos
da Construção de uma Identidade Negra na Diáspora in “Dos Yorùbá Ao Candomblé Ketu”. Edusp, p.
201.
18
por ordem de Cristo: “Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem
meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo4”, e
no final da sua vida teria direito digno de um sepultamento que lhe garantisse a
passagem adequada para a vida eterna.
Por isso, segundo Roger Bastide, para subsistir, durante todo o período de
escravidão, os deuses negros foram obrigados a se dissimular atrás da imagem de
um santo ou de uma virgem católica. Assim, a formação do sincretismo católico-
africano parte da imposição que o regime de escravidão coloca ao negro a fim de
salvar seus próprios valores5 no país em construção. Isso foi o ponto de partida de
um casamento entre o cristianismo e a religião africana no qual, como em todos os
casamentos, os dois cônjuges devem igualmente mudar profundamente, mais ou
menos, para poder se adaptar um ao outro. Este casamento é o que chamamos de
sincretismo6. Esta opinião é de muitas pessoas, também as ialorixás baianas que
irão assinar, séculos depois, o manifesto antissincretista. Mas se o sincretismo assim
fosse, seria como se afirmassem que: “as crenças e práticas católicas impostas aos
escravos teriam assim permanecido como um corpo estranho, como algo sobreposto
às suas crenças e práticas de origem, cuja adoção era apenas de fachada, um
artificio para enganar seus senhores ou a sociedade, de um modo geral. Assim
superpostas, tais crenças e práticas católicas atravessaram os tempos, porque outra
4
Mateus 28, 19 in Bíblia Sagrada. Edição Pastoral de Paulus. 1990.
5
BASTIDE, Roger. Sociologie du folklor bresilien: Etudes afro-brésiliennes. Paris: L´harmattan,
2007, p. XIII.
6
RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. 5ª ed. São Paulo: Companhia editor nacional, 1977,
p.88.
19
7
Idem, pag. 201.
8
Ibidem.
9
PEREIRA, José Carlos. Sincretismo religioso e rito sacrificais: Influências das religiões afro no
catolicismo brasileiro. São Paulo: Zouk, 2004. p. 7.
10
RODRIGUES, Nina. Idem. p.89.
20
11
Ibidem. p. 203.
21
12
Ibidem. p. 202.
22
13
BASTIDE, Roger. O princípio de corte e o comportamento afro-brasileiro. p. 5.
14
Id. p. 6.
23
15
BASTIDE, Roger. Les religions africaines au Brésil. Paris: Presses Universitaires de France,
1960, p. 363.
16
BASTIDE, Roger; Idem p. 364.
24
A religião espírita é triste, até pelo ambiente do local, mas a religião africana é
alegre, ela celebra no clima de músicas, cantos, danças, no clima de festa onde
todos os rostos são de alegria18.
17
Id, p. 363.
18
Id, p. 364.
19
Id, p. 372.
25
¾ Omoulou, Deus da varíola, só pode ser identificado com São Lázaro, cujo
corpo é coberto de feridas e cura as doenças de pele ou com São Roque,
cujo cachorro lambe as feridas ou, ainda, com São Sebastião que é
representado sobre as litografias populares amarrado a uma árvore e
sangrando da flecha que lhe foi atirada.
¾ Nesta mesma concepção, Iansã, que come a magia do seu marido Xangô e
consequentemente cospe relâmpago, é edificada a Santa Bárbara, a patroa
dos artilheiros e a protetora contra raios e incêndio.
Diante de tudo isso, notamos que o sincretismo é fluido e móvel, não rígido e
não cristalizado. Por isso, na época de Nina Rodrigues, Xangô era identificado com
Santa Bárbara, protetora contra os raios. Isso é o exemplo típico de que não havia
lógica quanto a justaposição dos santos e orixás em relação ao sexo. Um santo
masculino pode ser identificado com um orixá feminino.
27
Os negros tinham que, muitas vezes, se mostrar como bons católicos, por
isso, em alguns terreiros, em particular os bantos, ornavam ambiente de acordo com
o que eles encontravam de bonito no catolicismo. Nisso, mesmo um altar com as
imagens dos santos ocupava um lugar de destaque no terreiro simplesmente para
20
BASTIDE, Roger. Idem. p. 377.
21
PEREIRA, José Carlos Idem. p. 21.
28
aparentar se. Por isso, Bastide afirma que os graus do sincretismo psíquico vão
junto com os graus de sincretismo ecológico e a distância espacial é acabada muito
mais que a distância social, quer dizer que o sincretismo morfológico não se traduz
por uma identificação de divindades e dos santos.
1.5 Sincretismo religioso no caso dos gêmeos: Ibeji e São Cosme e Damião.
1.5.1 Quem são os Ibeji? Como veio esse culto aos Ibeji e como sobreviveu ao
longo do tempo?
22
CONSORTE, Josildeth Gomes. Sincretismo ou Antissincretismo? Aspectos Politicos e
Religiosos da Construção de uma identidade Negra na Diáspora in Dos yorùbá ao camdomblé Ketu.
p. 204.
23
Idem.
24
MEDEIROS, Sandra. Epega. A volta à África na contramão do orixá in Faces da Tradição Afro-
Brasileira. Religiosidade, Sincretismo, Anti-sincretismo, Reafricanização, Prática terapêuticas,
Etnobotânica e Comida. CIP-Brasil. 1999, p. 160.
29
Ibeji é o menor dos orixás segundo Ladislas Segy. Este orixá é tutor, guardião
e bom protetor dos gêmeos. Não há um consenso sobre a sua natureza. Ibeji
aparece ora ligado a Iansã e Oxossi, ora ligado a Xangô e a Oxun. Os Ibeji são
gulosos e travessos e recebem o carinho de todos os orixás25. Por outro lado, Oxun,
por ser encarregada do útero, é considerada a mãe de Ibeji, como é a mãe adotiva
de todas as crianças até certa idade26.
Na língua iorubá Ibeji significa gêmeos: IBI = Nascido e EJI = dois (cfr. Fausto
Polo Jean David: Catalogue des Ibeji). Ibeji ou “dois” e Dona Ceci sublinhava o
aspecto de nascido em dois. Por isso, a tradição religiosa iorubá considera os
gêmeos como seres que têm uma única alma, unida e inseparável (aqui, diga-se de
passagem, Monique Augras nos traz um aspecto muito importante sobre a
alteridade: o outro que é intimamente ligado com a questão da dualidade). Por esse
motivo, quando um gêmeo morre, a vida do outro está em perigo visto que a sua
alma não tem mais equilíbrio (cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji).
Deste modo, a raiva do gêmeo morto pode fazer acontecer graves riscos a
toda a família, visto que esta raiva pode trazer doença e falta de sorte ou até mesmo
provocar a esterilidade da mãe.
Para isso, o Babalaô deve presidir uma cerimônia pública que tem como
objetivo transferir a alma do gêmeo para a escultura de madeira. Assim, o Ibeji é o
25
SOUZA JUNIOR, Vilson Caetano de. O banquete Sagrado. Notas sobre os “de Comer” em terreiro
de Candomblé. p. 171.
26
Ibidem.
30
guardião da alma do gêmeo morto. Por esta razão, o Ibeji é tratado com as mesmas
atenções que o gêmeo vivo. Exemplificando, quando a mãe amamenta o gêmeo
vivo, o Ibeji é posicionado no outro seio. Quando o gêmeo vivo toma banho, o Ibeji
também é lavado e depois passa por cima dele uma massa vermelha chamada
Camwood que é uma mistura de madeira vermelha com o azeite de dendê.
mãe que pode implorar a intercessão e a ajuda dos Ibeji, contrariamente, nas
culturas Luba e Kongo, qualquer pessoa da família pode fazer isso.
Segundo o missal romano do Paulo VI, os dois são santos e mártires. Cosme
e Damião eram médicos que exerciam gratuitamente a profissão. Segundo a antiga
tradição da Igreja, padeceram o martírio em Ciro (Síria) e seu culto difundiu-se muito
em toda a Igreja desde o século IV. Deles se faz memória no Cânon Romano
(Missal Romano de Paulo VI).
27
Ibidem. p. 172.
32
na Cilicia, para exercer a profissão. Eles curavam mais por meio dos dons
sobrenaturais, como autênticos taumaturgos, do que com a arte médica. Eles
curavam mesmo quando o paciente não tinha dinheiro. Apesar de toda a sua
dedicação, com a perseguição de Diocleciano, eles foram presos, induzidos a negar
a fé, depois submetidos à tortura e por fim decapitados. Os seus corpos foram
trasladados à Síria e sepultados em Ciro. Mais tarde, o imperador Justiniano
construiu a Igreja em sua honra por ser curado pela intercessão dos santos gêmeos.
No culto dado a eles, são considerados padroeiros dos médicos (Mario Sgarbossa).
Para o catolicismo popular, são Cosme e Damião são protetores das crianças, dos
gêmeos e dos partos de gêmeos. Neste sentido, Edison Carneiro nos oferece mais
informações. Cosme e Damião - os Ibeji nagôs - são objeto de grande culto
essencialmente doméstico, familiar na Bahia. Muitas famílias têm sempre duas velas
diante da imagem dos meninos: os gêmeos são casamenteiros, ajudam a encontrar
objetos perdidos, protegem contra doenças, abrem os caminhos, - mudam para
melhor a sorte dos devotos. Diante desta imagem, nos dias de quarta-feira e de
sábado, põem-se pequeninos pratos de barros com caruru e quartinhas de água
nova da torneira. Esta água não deveria ser desperdiçada e nem desrespeitada.
Os santos médicos são associados com o Ibeji. O sincretismo que ocorre aqui
é de oferecer culto a são Cosme e Damião que deveria ser oferecido aos Ibeji: culto
aos deuses de alegria, das brincadeiras e protetores da infância e dos pequenos. Os
Ibeji são considerados protetores dos gêmeos, dos partos múltiplos e da
fecundidade e também são invocados nas festas de aniversário de crianças.
Na Bahia, este dia é o dia preferido para o casamento das classes pobres.
Cada família pode dar culto aos santos arbitrariamente, desde que se cumpra certas
33
obrigações estabelecidas (fato sincrético, visto que para o catolicismo oficial não
existem obrigações). Três vezes, em dias diversos, antes do sábado ou do domingo
geralmente escolhidos para festa, saem os santos dentro de uma caixa de papelão
cheia de pétalas de rosa, a pedir esmolas publicamente, conduzidos por algumas
crianças. O dinheiro recebido deve ser gasto com as crianças. Existem obrigações
de ir à missa e de oferecer comida para a criançada.
1.6 Conclusão
2 OS GÊMEOS NA ÁFRICA
Para este capítulo, falaremos dos gêmeos na África, primeiro dos gêmeos
Iorubas, em particular, para depois falar dos gêmeos africanos em geral. Este
capítulo é resultado de pesquisa de campo com muitas pessoas conhecedoras da
cultura e das religiões tradicionais africanas e também resultado de pesquisa
bibliográfica.
Antigamente, para os ioruba e para os seus vizinhos e ainda para quase toda
a África, o nascimento gemelário não era considerado normal; era inexplicável,
misterioso e acompanhado de “superstições” diversas. Assim tal nascimento
35
causava medo, como nos fala Ladislas Segy. A este respeito, Monique Augras
argumenta que este nascimento era considerado monstruoso no passado.
9 A infidelidade da mãe ao seu marido. Ela dormiu com ele e logo depois
dormiu com outro, por isso ela teve dois filhos ao mesmo tempo. Assim,
segundo eles, os gêmeos tinham cada um o seu pai. Isso implicava muitas
vezes a morte da mãe e dos gêmeos.
Alguns fiéis do Candomblé no Brasil dizem que é santa Bárbara, Iansã, a mãe
mística dos Ibeji - algo de misterioso. Eles marcam o dia de nascer e o dia de morrer
(alusão aos abiku).
Outra história fala que o legendário rei ioruba AJAKA, irmão do deus Shango
parou o assassinato dos gêmeos, depois que a sua mulher teve dois gêmeos (cfr.
Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji).
Também o povo Kongo (do antigo reinado Kongo) como o povo Luba celebra
a vida dos gêmeos e da mãe também que venceu a morte com o nascimento dos
seus filhos. Esta celebração da vida é caracterizada pelos gestos e movimentos das
danças nesta ocasião. Os que vão dançar refazem o gesto do ato sexual, o gesto do
nascimento etc.
Monique Augras traz para nós um elemento muito importante que acontece
com o nascimento de todos os gêmeos africanos: a nomeação. Quando nascem
crianças gêmeas, elas não recebem quaisquer nomes, nem as crianças que vêm
depois delas e até aquela que nasceu antes delas tem troca de nome. Isso
28
SOUZA JUNIOR, Vilson Caetano de. O Banquete Sagrado. Notas sobre os “de comer” em terreiro
de candomblé. p. 171.
38
especifica a nova ordem colocada pelo nascimento gemelário. Os pais dos gêmeos
Luba recebem os nomes de Sha Mbuyi e Ma Mbuyi. Mudando portanto a identidade
a partir dos filhos gêmeos.
No candomblé, os Abiku não podem ser preparados para os santos, uma vez
que a sua cabeça não pode ser raspada.
Temor e não medo, porque os gêmeos são seres que podem ser benéficos
ou maléficos, dependendo do que a família ou a sociedade fazem ou deixam de
fazer para eles. Isso é porque a sociedade tem deveres a serem cumpridos a favor
deles pelo fato de serem extraordinários. Fato que dá a eles o direito de ter nomes
diferentes.
• Para os mina:
Akouété e Akouètè: para dois meninos.
Akoko e Akouélé: para duas meninas.
Akouété e Akouélé: para um menino e uma menina. Quando são triplo!
Akouété, Akouètè e Akouélé: para dois meninos e uma menina.
40
• Para os mongo:
Os mongo, da República Democrática do Congo, chamam os gêmeos de
Mboyo e Boketshu. A criança que vem depois dos gêmeos chama-se Lutendji e se
depois dele vem outra criança, ela vai se chamar Mbela.
• Para os luba:
- Mbuyi é o primeiro.
- Kabanga ou Nkanku.
Esses nomes são títulos que afirmam que são crianças especiais, não são como os
outros. Lembrando que os nomes, para luba, costuram os laços familiares. A criança
que vem antes dos gêmeos troca o seu nome pelo nome de Tshituala; quer dizer:
aquele que chamou os gêmeos.
• Para os kongo.
Os kongo chamam os gêmeos de Nsimba (o primeiro) e Nzuzi (o segundo).
Para os Ioruba, até a criança que nasce depois de Alabá tem nome
específico: Idobé.
Assim percebemos que o nascimento dos gêmeos introduz uma nova ordem
vinda com os nomes que todas as crianças levam e pelo fato de que todas elas
passam a se referir e a viver a partir dos gêmeos.
41
Essa ordem nova tem influência até na vida da mãe. Se ela não tiver mais
filho depois dos gêmeos, ela corre o risco de morrer. De fato, o nascimento dos
gêmeos é sentido como o aparecimento de uma desordem que deve ser resolvida
com a chegada de outra criança. Quando ela nasce, a ordem natural das coisas é
retomada. Por isso a nomeação determinada da criança que vem depois dos
gêmeos tem como função a delimitação, no tempo, da extensão dessa desordem.
Assim também podemos ver como a criança que vem depois dos gêmeos tem uma
grande importância, para os ioruba. Nos momentos dos aniversários, é a ela que
deve se oferecer primeiro o presente (Monique Augras).
Parece que este pensamento instaura até mesmo outra ordem biológica, uma
nova hierarquia de valores com seus novos deveres e direitos. Nesta ótica, os
gêmeos parecem construir uma comunidade e como qualquer comunidade, tem uma
hierarquia onde cada um tem prescrições a respeitar. Fato que faz que o mais novo
nasça primeiro como um mensageiro que anuncia a chegada do seu irmão mais
velho e busca saber se este mundo vai lhe ser agradável.
42
Um dia, um caçador vai à roça. A sua mulher tinha acabado de ter gêmeos.
Na roça, ele assiste a um espetáculo que lhe permite assegurar uma vida tranquila
aos seus filhos. De fato, ele tinha visto os macacos procederem às cerimônias para
gêmeos. Assim, ele entendeu que seus filhos eram da raça dos macacos. De volta
para casa, ele cumpriu as mesmas cerimônias para os "venavi". Desde aquele
tempo, de uma maneira geral, sempre se cumpre essas cerimônias para os gêmeos
a fim de lhes preservar a vida e de assegurar para os "venavi" e para os seus pais
uma paz durante a sua existência.
A partir daí, vêm algumas restrições a serem cumpridas pelos gêmeos e seus
pais. Um gêmeo não pode nem matar e nem comer um macaco. Caso ele
desrespeite isso, ele estará comendo ou matando seu próprio irmão. Estas
restrições são válidas e devem ser respeitadas, caso contrário acontecem coisas
piores como nos mostra esta história:
Um pai de família foi para a roça com o seu fuzil nos ombros. Ao chegar à sua
roça, encontrou um bando de macacos saqueando a sua roça de milhos. Pegando a
29
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das letras, 2009, p. 371.
43
sua arma, saiu atirando e matou um. Alguns momentos depois, chegou um
mensageiro lhe informando da morte de um de seus filhos gêmeos que acabara de
acontecer subitamente e aparentemente sem razão. Mas como as pessoas, na
África em geral, não morrem de morte natural, eles foram consultar as nozes
sagradas. O Ifá responde, depois de ser interrogado, que a morte tem como autor o
pai. Como isso? Agora é preciso perguntar a Ifá como o pai é o responsável por esta
morte. O Ifá percebe que ele tinha atirado no seu filho, sem saber, quando matou um
macaco.
Assim, o pai dos gêmeos nunca mais matou macacos, mesmo quando estes
estão saqueando a sua roça. Ele só pode expulsá-los tranquilamente.
Estas cerimônias são de proveito também das duas crianças que nascem
depois dos gêmeos. Visto que estas também são colocadas ao mesmo nível dos
gêmeos, elas, definitivamente, têm a missão de fechar o buraco, como dizem os
Minas. O menino ou a menina que vem depois dos "venavi" tem como nome: Edo. O
menino que segue Edo se chama Dossè e Dopé quando é uma menina. De fato,
Edo, Dossè e Dopé fazem parte da comunidade dos gêmeos.
O altar elevado para os gêmeos é um lugar sagrado que tem que ser cuidado
pelos pais, regularmente. A mãe tem que, periodicamente, fazer alguns sacrifícios.
Não se pode esquecer, na época da colheita, de oferecer aos "venavis" e aos seus
Edo (quer dizer Edo, Dossè e Dopè) as premissas de milhos e inhames. Este altar é
como se fosse a casa dos "venavis", um lugar de segurança para não os deixar
vagar como os macacos. Por isso, é proibido pegar qualquer objeto deste altar. Por
exemplo, aquele que rouba o dinheiro se torna cleptomaníaco. Vai precisar de
cerimônias de exorcismo para tirá-lo deste mal.
sobrevivente pode ser chamado para o além, a qualquer hora pelo seu irmão
falecido. É preciso realizar práticas especiais para evitar que o segundo gêmeo sofra
a mesma sorte que seu irmão. Nesse sentido, é preciso, desde que acontece a
morte de um gêmeo, até antes do enterro, diante da bebida do defunto, bater com a
madeira o gêmeo sobrevivente e os seus irmãos e irmãs: Edo, Dossè e Dopè. Essa
prática deve acontecer antes do enterro para que o gêmeo defunto não interprete
mal os corretivos que poderiam acontecer aos seus irmãos como atos de maldade e
vir a chamá-los. Essa prática é para tirar todo e qualquer tipo de ambiguidade.
Diante da sua morte, ninguém deve dizer que ele morreu, mas que foi
procurar a lenha para o aquecimento. Dizer que ele morreu pode ser a causa da
morte do seu irmão, visto que eles são apegados um ao outro. Chatear um pode
levar o outro a reagir. A essas práticas, deve-se acrescentar a reencarnação do
defunto. Os pais devem ou comprar uma estatueta de madeira ou mandar fazer
uma. Se o gêmeo falecido é macho, a estátua tem que representar um homem.
Quando é fêmea, deve representar uma mulher. Durante uma cerimônia, vai invocar
o defunto e operar assim a reencarnação. Esta estatueta reencarnada, o venavi
djodjo tomará o nome do gêmeo falecido. Ele será chamado ou Akouété, Akouètè,
Akoko ou Akouélé de acordo com o que ele era.
a causa profunda e escondida de uma desgraça que pode acontecer quando os pais
manifestam a preferência de um em detrimento do outro. Os gêmeos não admitem
que coloque diferença entre eles. Por isso, os pais tentam sempre comprar os
objetos em pares para os gêmeos para evitar qualquer problema.
sepultado sem cerimônia. Somente quando o segundo morre, aí sim, tudo vai ser
feito como se os dois gêmeos tivessem acabado de morrer. Quando um gêmeo
morre, o outro é pego e levado a outra casa onde deve ficar até o enterro do seu
irmão. Tendo certa idade, o gêmeo sobrevivente troca de aldeia e de nome. O
cadáver do seu irmão passará por uma nova porta aberta para esta circunstância.
Porque, caso ele passe na mesma porta, o sobrevivente não poderá mais voltar a
casa pela mesma porta. Após o enterro, o corpo velado e enterrado, todo mundo
volta a casa. Assim, a família passa a proteger o gêmeo vivo. Ele tem o rosto lavado
e esta lavagem inicia-se pelo queixo e termina na fronte. Quando é um menino, isto
é feito três vezes e quando é uma menina, quatro vezes.
Os falsos gêmeos são aqueles que vêm de dois óvulos diferentes fecundados
separadamente por dois espermatozoides. Estes não são muito parecidos e podem
ser tanto do mesmo sexo ou de sexos diferentes.
Os verdadeiros gêmeos tem uma identidade física muito parecida. Muitos até
têm as mesmas digitais. E na África, em geral, ouvimos falar de telepatia existente
entre os verdadeiros gêmeos.
Quando uma gêmea se casa, a outra vai para o casamento junto, para não se
sentir abandonada. Quando se tratam de gêmeos, mulher e homem, se a mulher se
casa, o marido deve presentear ao seu cunhado, gêmeo da sua esposa, algo que
possa lhe acalmar. Se não, este pode causar doenças ou alguns incômodos à sua
irmã no casamento.
50
3 OS GÊMEOS NO BRASIL
Ao falar do povo yorubano como o povo mais gemelar do mundo, nós não
poderíamos deixar de falar dos gêmeos no Brasil. Por isso, queríamos ver os
números dos nascimentos gemelares aqui. A cidade mais gemelar do Brasil é a
cidade gaúcha de Cândido Godói, terra dos gêmeos30. Cidade situada a mais de 500
km a noroeste de Porto Alegre e de pouco menos de 7000 habitantes. A cidade tem
a fama de ser a terra dos gêmeos, por isso até mesmo no arco de entrada da cidade
encontra-se este título. Ela, também, já foi objeto de muitas reportagens e de
publicações.
30
G1, o portal de notícias da TV Globo.
31
Idem.
32
Globo Repórter da TV Globo.
51
africanos. A taxa dos gêmeos na África é o dobro da Europa e o triplo da Ásia. Vinte
nascimentos por mil, na África, são gêmeos contra doze da Europa e somente sete
da Ásia. Em toda África, o caso recorde é de 40 gêmeos por mil nascimentos, no
povo ioruba da Nigéria. Isso confirma o que Monique Augras nos assinalava antes.
9 Uma explicação à polêmica que foi até conteúdo de livro diz respeito aos
supostos experimentos genéticos na população da cidade pelo médico
nazista Joseph Mengele.
O caruru é sagrado não só por isso, mas também pelo lugar, os utensílios
utilizados, as pessoas que a prepararam e o que eles tinham que observar com
rituais antes da preparação36. A comida principal de Caruru é o amala, o prato feito
com quiabo.
33
Vídeos da Internet produzido pela TV Bandeirante.
34
LÉVI-STRAUSS, Claude. O feiticeiro e sua magia in Antropologia Estrutural. Tradução de Beatriz
Perrone-Moises. Cosacnaify, 2008, p. 182.
35
SOUZA JR, Vilson Caetano de. O Banquete Sagrado, nota sobre os “de comer” em terreiros de
candomblé. p. 172. ,
36
SOUZA JR, Vilson Caetano de. Cozinha de Santos in Blog de Candomblé: Mistérios e Magia.
53
Quando é servido, é preciso tirar sete pratos para serem colocados na casa e
no mato ou na rua para as crianças pagãs. Estas crianças são regidas por Idou ou
Doú (criança parida depois de Ibeji), o mais levado parecido com Exu. Ele é o
protetor das crianças que ficam na rua. Um é colocado para o Ibeji no lugar
determinado, abre-se o prato e faz-se o agradecimento; o segundo no jardim e o
terceiro vai para o lado de fora. Não há problema caso venha um cachorro e o come,
porque é o Ibeji que mandou comer no lugar dele. Outras pessoas tiram dois pratos
de comida, antes de servir, para Ibeji ou para Cosme e Damião. Esses dois pratos
são colocados no mato com a imagem de são Cosme e Damião e se acendem três
velas perto da comida.
37
SOUZA JR, Vilson Caetano de. O Banquete Sagrado. Notas sobre os “de comer” em terreiro de
candomblé. p. 173.
54
oferenda em troca de alguma coisa. Quando não se faz, a pessoa começa a ter
transtorno em sua vida. Quando se é devoto, a pessoa é obrigada a oferecer sempre
o caruru prometido.
Quem tem a devoção aos Ibeji tem que ter imagens (os érés) em casa.
A devoção dos Ibeji é para quem tem filho ou filhos gêmeos ou mesmo aquele
que não tem filho e nem gêmeos, mas é devoto dos Ibeji.
38
SOUZA JR, Vilson Caetano de. Ibeji, orixá kolobô in Blog.
39
Idem.
55
Diante desta pergunta, Dona Ceci não teve dúvida de apontar os Ibeji como
receptores da oferenda. Ela me contou esta história para mostrar como os Ibeji
ganharam o direito do caruru.
A lenda iorubana de Ifá conta que a comida de Xangô era o amalá com muita
pimenta.
O Xangô é pai de Ibeji. Ele teve estes gêmeos com Oyá Iansã. Xangô era
gigante, muito alto e muito forte. Sua comida preferida é o amalá com bastante
pimenta. O amalá é o quiabo cortado miudinho e no Brasil se tempera com cebola e
camarão. No final, coloca-se azeite de cheiro, o dendê. Numa gamela, coloca-se
inhame ralado no fundo para que seja a base; coloca-se o caruru, ou seja, o amalá
com muita pimenta. Nessa comida vai camarão, cebola, pimenta e azeite de dendê
no final. Essa comida é cheirosa.
Todo dia, na hora do almoço de Xangô, vinha aquela gamela com a comida
cheirosa. Mas na frente de Xangô aparecia Exu, chamado Igelô, dono do tambor Ilô
(tambor grande que é chamado também de Rum no candomblé). Ele chegava, vinha
dançando e arrebatava o amalá, comia e no final agradecia e ia embora. Xangô
ficava com raiva até que o céu e a terra tremiam a ponto de cair relâmpagos. Os
orixás já estavam com medo das raivas de Xangô, porque este Exu só chegava na
hora do almoço.
filhos como vocês podem me ajudar sendo tão pequeninos diante de um homem tão
grande e ardiloso? Porque Exu é muito ardiloso”. Eles pediram ao pai um tambor
Bata (pequeno). Tambor sagrado de Xangô, Iansã e de Babaegun. Este tambor toca
um ritmo preferido, que eles dançam, chamado Bata, ritmo compassado que se
dança com elegância. Eles pedem ao pai a confiança e o pai faz o tambor Bata. As
crianças pedem para convidar toda a corte. O pai, com reticência, convida. Eles
pedem para colocar o tambor Bata atrás da pilastra, entre a pilastra e a parede do
palácio. Xangô se perguntava o que as crianças iam fazer. Os Ibeji disseram ao pai
que a criança entra no lugar que o adulto não cabe e pediram segredo ao pai. Xangô
convidou todos para a festa. Não devia convidar Exu porque ele mesmo viria.
Quando ia começar a festa, as crianças estavam bem enfeitadas com coroa de
dinheiro e roupas brilhantes. As duas sentadas nas pernas de Xangô. Quando
começou a saudação, Exu entrou todo elegante e sem cerimônia disse: “Eu acho
que estou sendo enganado, vai ter festa mas não estou sentindo o cheiro de
comida”. Os pequeninos disseram: “é uma festa para você”. Exu responde: “é uma
festa para mim e eu não sei”! A menina disse: “é agora que acabamos de te
convidar”. Exu disse ás crianças: “o que vocês têm de pequeno têm de ousado”.
Xangô e a corte estavam sentados e quietos. As crianças disseram: “queremos fazer
um trato com você. Você não gosta da comida cheirosa do palácio”? Ele respondeu:
“gosto”. Uma das crianças lhe disse: “eu vou tocar para você, se você dançar,
cansar e parar nunca mais entra aqui”. Exu olhou para o menino e disse: “Você vai
tocar para eu dançar? Eu quero ver”. As crianças desapareceram e apareceu só o
menino que começou a tocar. Exu dançou e dançou no estilo de grande bailarino.
Ficou inebriado pelo toque da dança. Os braços das crianças começaram a cansar.
O fato de serem parecidos lhe permitiam trocar de tocador sem que Exu percebesse.
A menina trocou com o menino de posição e continuou a tocar. Como os dois
trocavam freqüentemente, sem cansar, Exu começou a cansar e perguntou: “Essa
música não vai terminar? Ora tocava a menina, ora tocava o menino. Numa certa
hora, o menino começou a tocar um ritmo chamado Agabi que fez Exu cansar por
ser rápido. Caiu ao chão e disse: “vocês me venceram”. Cavalheiro que era
reconheceu a derrota e pediu que quando fizessem a festa, podiam colocar a
comida dele do lado de fora que ele viria, comeria e iria embora feliz.
57
Dois dos meus entrevistados, tanto Dona Ceci e Carlos Miranda, me falaram
que existem diferenças no caruru. Há caruru de três, de cinco e de sete.
Se a pessoa que está oferecendo tiver dinheiro, pode acrescentar feijão preto
temperado de Nanã, bola de inhame ou pedaço de inhame de Oxaguiã, rapadura, as
pedrinhas (as doces de açúcar) que são de Ibeji, acaça que é de Oxalá e Oxaguiã,
farofa de milho, pedaço de abóbora, cana de açúcar, a bebida chamada aruá, etc.
O senhor Carlos Miranda, que é pai de gêmeos, me disse que ele oferece o
caruru. Perguntei se ele oferecia de três ou de cinco ou ainda de sete, ele me disse
58
que oferece de sete. Para sete crianças. Mas, de acordo com ele os ingredientes
para o caruru são estes: quiabo, camarão, azeite de dendê, castanha, amendoim, o
milho branco, feijão fradinho, feijão preto, rapadura, ovo, coco e cana de açúcar.
Conversando com Carlos e sua esposa, eles disseram que oferecem o caruru
no mês de setembro, fazem tudo para oferecer no dia de são Cosme e Damião.
Quando não dá certo neste dia, nem no mês dos santos, eles oferecem o caruru na
ocasião dos aniversários das crianças.
1. Como vocês receberam a notícia de que vocês iam ser pais de gêmeos?
A. No momento que recebemos a notícia, pensamos que era brincadeira do médico.
Com exame, percebemos que era verdade. Logo, começamos a nos perguntar:
Como, por que nós e por que não outro casal?
B. Houve preocupação ao saber, mas logo nos tranquilizamos porque sabíamos que
Deus é grande e os orixás ajudam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi dito anteriormente, muitos se sentem bem em fazer e outros fazem
porque todos fazem. Outros, ainda, querem proteção divina ou realização de um
milagre e vão à procura sem orientação adequada da parte da Igreja, como no caso
da personagem Zé do Burro do filme "Pagador de promessa". Nestes casos, o
sincretismo está intimamente ligado ao catolicismo popular. Alias, é bom lembrar que
o espaço favorito do sincretismo, na maioria das vezes, é o catolicismo popular onde
a vivência da teologia da retribuição se faz concreta com a prática das promessas.
Na maioria das vezes porque também no espaço da Igreja oficial vemos muitos
católicos sincretizarem.
40
PEREIRA, José Carlos. Sincretismo religioso e ritos sacrificiais, p. 90.
62
chega a ser quase uma nova religião41. Com o sincretismo neste nível, devemos
afirmar que ele se torna uma realidade que não se pode mais refazer.
Manifesto do Anti-Sincretismo
41
Idem. p. 7.
42
Professora Titular do departamento de Antropologia da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. PUC-SP.
43
CONSORTE, Josildeth Gomes. Sincretismo ou Antissincretismo? Aspectos Politicos e
Religiosos da Construção de uma identidade Negra na Diáspora in Dos yorùbá ao camdomblé Ketu.
p. 197.
44
Idem. p. 198.
63
Vinte anos depois, fomos conversar com a mãe Stella (Maria Stella de
Azevedo Santos). Na véspera da lavagem de escadaria da Igreja do Bonfim, em
2013, perguntávamos a ela, o que ela pensava sobre o acontecimento levando em
conta os vinte anos do manifesto. Ela respondeu: “A voz do povo é a voz de Deus".
Continuando com as perguntas, queríamos saber por que razão ela era contra o
sincretismo. Ela nos disse que o camdomblé e o catolicismo são duas coisas
diferentes. Quando você mistura, não faz nem uma coisa melhor nem outra.
Esta posição de mãe Stella, embora esteja longe da realidade para a maioria do
povo de santo, é compartilhada por muitos outros líderes das religiões tradicionais
africanas como por exemplo ialorixá Sandra que disse: “fazer o sincretismo é como
se fosse misturar óleo e água. Um não serve mais para fritar e outra nem para lavar”.
Considerações
45
PERIERA, José Carlos. Idem. p. 120.
64
O sincretismo como fusão de crenças pode causar crise de fé sim. Mas isto
no âmbito do catolicismo oficial e na vivência da fé comunitária. Por este fato, muitos
que têm a consciência da unicidade e da indivisibilidade da sua fé podem ser fiéis e
não praticar o sincretismo a exemplo do casal que tem gêmeos e não oferece o
caruru.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
46
BASTIDE, Roger. O princípio de corte e o comportamento afro-brasileiro. p. 5
65
AUGRAS, Monique. Les Jumeaux et la Mort. Notes sur lês mythes des Ibeji et des
Abiku das la culture afro-brésilienne. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1991.
______. O candomblé da Bahia: rito nagô. Nova ed. Ver. Ampl. São Paulo:
Schwarcz, 2005.
FAUSTO, Pólo Jean David. Catalogue des Ibeji. African Art since, 1975.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. Companhia das Letras. São Paulo.
2009.
REY-MERMET, TH., C.SS.R. Croire. Vol. 3. Vivre la foi avec le Concile Vatican II.
Nihil Obstat. Paris. 1980.
SEGY, Ladislas. The Yoruba Ibeji Statue. Acta tropical XXVII, 2, 1970 – Ethnology.
ZACHARIAS, José Jorge de Morais. Ori Axea. Dimensão arquetípica dos Orixás.
São Paulo: Vetor, 1998.
Referência eletrônica:
67
ANEXOS
68
Imagem 2: Uma representação dos Ibeji adotado no Brasil. Esta representação vem
provavelmente de um país africano.
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Imagem 5: três estatuetas representando os dois gêmeos e o seu irmão mais novo
que é Doú.
72
Imagem 6: A representação dos Ibeji, esta vez vestidos com panos africanos.
73
Imagem 9:Uma representação dos Ibeji já com as suas estatuetas. Esta imagem é
de site de Umbanda chamado Povo do Axé.
76
Imagem 12: Uma Imagem do candomblé representando são Cosme e Damião mais
Doú, no sincretismo, no dia da festa.
79