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Ficha Técnica

CRÔNICAS DE UM MALUCO
Autor: Martinho Santos (Sharrawy)

Monólogos Team
Luanda • Angola

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor


© 2021, Martinho Santos e Monólogos Team

Design: Martinho Santos


Revisão: Martinho Santos e Kléber Santana

Esta é uma obra de ficção. Os nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descrito são produto da imaginação do autor.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

Versão digital – 2021


Playlist do Livro

1. Angola País Novo – Matias Damásio


2. Wanga – Ângela Ferrão
3. Story Of My Life - Naviband
4. Spirit - Beyoncé
5. Yamore – Salif Keita & Cesária Évora
6. Ndeteketeka – Justino Handanga
7. África Está Viva – C4 Pedro
8. Pele Negra – C4 Pedro
9. Filho do Mato – C4 Pedro
10. Devinha Só – C4 Pedro
11. Avó – C4 Pedro
12. Saudades – C4 Pedro
13. Inocenti – Paulo Flores
14. Luami – Lu Domingues & Kianda Kiami
15. A Louca – Aline Frazão
16. 113 – Djee M
17. Família de Rua – Djee M
18. Recruta – Lizzy & Phedilson
Para Kianda e Deian, que me ajudaram a ter luzes para essa viagem e para
C4 Pedro por compor músicas que levaram a criar o universo de Guedes
O crepúsculo da madrugada no bairro era sempre orquestrado pela música dos
disparos dos jovens meliantes. Normalmente os disparos eram ouvidos mais longe,
próximo aos lotes, mas nessa aurora parece que os canos cantam mais perto. Érica
está encolhida no chão com os dedos tapando os ouvidos e tremia levemente.
Enquanto isso, eu devorava um cigarro da marca SL, e bebia um pobre whisky da
marca BEST, já tinha me acostumado aos disparos, Erica por sua vez ouvia-os pela
primeira vez, pobre garota, tinha chegado a um dia à Luanda e está a ouvir pela
primeira vez à música dos musseques.
A luz da lâmpada incandescente segurada por fio amarrado numa haste de metal
suspensa entre as paredes por rebocar da minha humilde moradia, começou a soluçar
até apagar-se por completo, a pequena luz da ponta acessa do cigarro tornou-se na
única coisa visível na tangente escuridão que se abateu pelo quarto.
Sem mais conseguir suportar aquele circo de horrores, Érica finalmente gritou. No
brilho da escuridão tenho a certeza que ela conseguiu ver os meus dentes sorrindo
pela sua aflição, rispidamente o meu sorriso se tornou numa gargalhada abafada pelo
cigarro preso entre os meus dentes. Então ouvi um disparo sobre a porta de uma
moradia próxima e o consequente grito de aflição da família que lá habita.
Sem me aperceber minhas gargalhadas se tornaram maiores, sinto o estômago
doendo pelas gargalhadas e sento-me perto da janela, no silencio entre um disparo e
outro, ouço o ressonar do meu tio que está dormindo numa pequena esteira perto da
porta do quarto.
Aonde estão os meus modos? Não me apresentei, chamo-me Guedes, e dizem que
sou maluco.
(...)
Horas depois, continuo sentado perto da janela, fazia uma hora que a música do
musseque fora substituída pelo silencio da madrugada, Érica agora dormia
sossegadamente no pequeno colchão de espuma coberto por um lençol rasgado, meu
tio continuou a recitar o belo poema da “ressonância”, pequenos raios de sol entram
pelos furos do tecto de zinco, a lâmpada incandescente voltou a acender-se e o galo
do vizinho atreveu-se a cantar.
Aonde estão os meus modos? Não me apresentei, chamo-me Guedes, e dizem que
sou maluco.
Érica acorda assustada e me vê sentado na mesma posição que deixará quando
adormeceu, os cigarros tinham acabado a meia-hora atrás, desenha uma palavra em
seus lábios, mas não a pronuncia talvez logo após lembrar que eu era maluco, espera
aí? Serei maluco? Talvez, é o que dizem, já disse que o meu nome é Guedes?
Érica recolhe as bitucas de cigarro espalhadas, sem tirar os olhos de mim, serei
perigoso? Talvez, quem é o Guedes? Lembrei, sou eu!
O meu cubículo é demasiado quente, vive cá, o meu tio, a minha prima, e agora a
Érica, quem era ela? Lembro-me que ela tinha acabado de chegar.
Foi na tarde de ontem, espera? Quando foi ontem? Não sei, apenas lembro-me de
que ela trajava um vestido feito de panos de Samakaka, tinha uma mala em suas
mãos e um sorriso em seus lábios, minha prima que lavava uma grande quantidade
de roupas no quintal largou bruscamente uma calça e correu até ela para a abraçar.
Eu estava a falar com um homem chamado Guedes, espera aí? Não serei eu o
Guedes?
Elas sentaram-se em dois pequenos blocos de cimentos perto da árvore de né, no
quintal.
- É, mana Elsa a quanto tempo, ya! Exclamou Erica
- Nem consigo acreditar que estás mesmo aqui, estás bem grande Érica, como
está a família lá no Lubango?
- Ó vitangue lika! (É só problemas!) o tio Ngueve está muito doente e dizem que
é feitiço da família da tia Vicunga – Bufou aborrecida numa língua que eu conhecia,
mas não me vinha na mente qual era.
- Yuna kalakala umunu uwa (Aquela nunca foi boa pessoa), eu ainda lhe avisei
da última vez que fui para lá, ó Nganga i nene (Grande feiticeira) – minha prima
respondeu na mesma língua
- Deixa só, vamos fazer mais o quê? Essa é a família que A Ñgala Yangue (Meu
Deus) nos deu.

Seguiu-se um vasto falatório, ao que parecia Érica era sobrinha da minha prima, e era
a primeira que vinha a Luanda, até então sempre viveu na Huíla outra província dessa
louca pátria a quem chamam de Angola, uma jovem de apenas 19 anos, minha prima
tinha pedido a sua mãe, que a deixasse vir para Luanda para poder fazer o ensino
médio, seus grossos olhos se encontraram com os meus durante poucos segundos,
abriu-me um curto sorriso, me mantive imóvel e olhei para suas tranças, diferente das
que a minha prima tinha, eram feita com seus cabelos, não com cabelo postiço
comprado na praça, estavam todas bem alinhadas para trás da cabeça, tinha
pequenas conchas suspensas nelas que faziam som sempre que ela movia a cabeça.
- Esse aí é o Guedes, é filho da mana Teresa que morreu na guerra, vivia com
a irmã dele, mas ela casou e o marido expulsou ele de casa, ele “não bate bem”, então
lhe evita só, não é agressivo, mas às vezes fala à toa – disse minha tia apontado para
mim
No mesmo momento Érica olhou para outro lado e mudou a sua expressão facial, não
voltou a sorrir para mim, e vi que seu semblante se encheu de medo, não é a primeira
vez que alguém me olhava desse jeito, já tinha me acostumado a muita coisa.
Minha prima disse que passaria a noite em um óbito e que teria que deixar a Érica
com o meu tio e comigo por uma noite apenas, só que ela não sabia que naquela noite
tocaria a música do musseque.
Aonde estão os meus modos? Não me apresentei, chamo-me Guedes, e dizem que
sou maluco.
- Malditos brancos, nunca foi uma boa ideia deixar que eles entrassem no
Kongo – cuspiu Nzinga enchendo o peito – Nós vamos a batalha e deixar que o
sangue e o poder nossos ancestrais nos guiem, agora vão para casa e descansem o
nosso rei conta conosco no campo de batalha.
Os homens se retiravam para seus aposentos, era uma tarde ensolarada de 17 de
outubro de 1665, as relações entre o povo do Kongo e os portugueses tinha chegado
a níveis extremos, pouco restava da amizade comercial que começará com o reinado
de Nimi-a-Lukeni, agora eles queriam dominar as terras desde o norte do Kongo ao
Sul do Reino dos Kwanamas, do mar ao leste do Reino das Lundas, jamais os
congolenses se renderiam sem dar luta.
Nzinga, o general da tropa que se preparava para a batalha de Mbwila andava
apreensivo enquanto se dirigia até seus aposentos, aonde sua mulher Ikir na altura
em estado de gestação de seu quarto filho servia o seu jantar, recebera ordens restrita
de seu rei que treinasse perfeitamente as tropas, o fecho dessa batalha iria anunciar
o destino do Kongo.
Mbali, primogênito de Nzinga era um guerreiro sagaz e tivera sobrevivido a inúmeras
batalhas e era muito popular entre os habitantes do reino, degustava das delicias
preparadas pela mãe quando olha de relance para o semblante carregado de seu pai.
- O que tanto o aflige meu pai? Perguntou Mbali
- Apenas a pensar da batalha, sei que temos que proteger o Kongo pelos
nossos ancestrais e sucessores, mas sejamos sensatos, esses brancos são muito
inteligentes e têm equipamentos mais eficazes que o nosso, além de serem hábeis
soldados, acredito que uma batalha contra eles será um enorme banho de sangue
para o Kongo – anunciou Nzinga
- Como te atreves a dizer isso meu pai, o Kongo é o mais poderoso dos reinos
e tem os melhores soldados, com a protecção de Deus sairemos vitoriosos dessa
batalha – respondeu Mbali batendo os punhos nas coxas
- Tu esperas proteção de um Deus que eles trouxeram, o que tu achas, será
que ele vai proteger a nós ou a eles que são os seus donos?
- Não blasfeme contra o senhor, meu marido – Contestou Ikir após o comentário
rude de Nzinga.
- Amanhã vou expor a minha inquietação com rei, e meu filho durma cedo que
amanhã será um grande dia de treinamento.
(...)
Kambi estava de sentinela naquela noite quando ouviu ruídos vindo de uma vegetação
próxima, inicialmente pensou que fosse um animal que por aí passava, porém, o ruído
era constante e a curiosidade foi maior e então acompanhado de uma lança decidiu
aproximar-se da vegetação.
Seus passos eram lentos e silenciosos, não queria que seja lá o que fosse aquilo
notasse a sua presença, se fosse um coelho podia caça-lo e o comer ao almoço no
dia seguinte, se fosse uma cobra era conveniente que a matasse para não perigar a
vida de nenhum habitante do reino. Os metros entre si e a vegetação se tornaram
mais curtos e numa lançada desesperada Kambi abriu a vegetação e... Nada viu a
não ser folhas, riu-se da figura de parvo que fizera e assim que ele vira é surpreendido
com uma espada que transpassa sua garganta e cai soluçando e sentindo-se afogar
em seu próprio sangue.
Entre as inúmeras piscadelas ele viu uma sombra em pé, da espada pingava gotas
de sangue, era um homem e lentamente ele se inclinou até o rosto de Kambi e ele o
viu, era um branco.
(...)
Nzinga acorda atordoado pelos gritos e choros que correm em todo reino, vê que a
lua ainda brilhava assim que sai de seus aposentos.
Nota uma invulgar concentração de pessoas junto ao portão, com o sono ainda
estampado em seu rosto aproximou-se do portão empurrando as pessoas, e ali
estendido no chão morto, estava seu segundo filho, Kambi.
Tivera sido morto por um branco segundo os relatos que correm entre os soldados
que tinham acabado de o encontrar.
Kambi era um jovem guerreiro estava na tropa do reino a pouco menos de seis de
meses, fazia uma ronda noturna quando foi surpreendido pelo ataque um branco.
Ikir chegou correndo e ao abriu caminho entre a multidão, viu seu filho morto não
conseguiu evitar o grito e caiu em prantos, Nzinga se mantinha imóvel olhando o filho,
até sentir um braço apertando fortemente o seu ombro, era o Rei.
- Veem o que eles fazem! – Exclamou o Rei – eles matam os nossos filhos
enquanto dormimos, não podemos aceitar isso, o sangue desse jovem será vingado
em batalha, esses brancos terão que entender que ninguém pode contra o Kongo.
Ouviram-se gritos de raiva em todo Kongo, com sede de vingança pelo sangue de um
filho do Kongo.

Batia um forte temporal sobre o Kongo naquela manhã de 19 de Outubro de 1665,


quando Kambi foi a enterrar, Singa, terceira filha de Nzinga chorava
inconsolavelmente perto da mãe que já tivera perdido as forças para chorar pelo filho,
recordava do irmão e companheiro de brincadeiras, tinham somente um ano de
diferença, Kambi sempre fora protector de Singa, apesar de muitas vezes deixá-la
chateada quando batia nos rapazes que se aproximassem dela, Singa sempre via em
Kambi um porto seguro, e agora estava ai prestes a ser enterrado, morto por um
branco.
Mbali por sua vez se mantinha rígido, não se lia quaisquer emoções em seu rosto
marcado pela enorme cicatriz que tivera sido deixada em uma batalha, as pessoas
pensaram eu talvez ele queria fingir estar forte para não abalar mais a família, mas
nos pensamentos de Mbali apenas a vingança rondava, queria uma revanche com os
brancos pela morte de seu irmão.
Nzinga, homem de meia idade olhava pensativo para o rosto de todos os presentes,
desde a mulher, os filhos, os guerreiros, os amigos, e pensava na forma mais prudente
de os proteger a todos.
“Não podemos vingar o sangue derramado, com mais sangue derramado”, pensou.
(...)
Manhã ensolarada de 20 de outubro de 1665, Nzinga se dirigiu ao palácio do Rei, por
outro lado Mbali terminou de reunir as tropas, mais de 28000 homens se preparavam
para avançar para Mbwila.
- Meu rei desculpa por incomoda-lo em seus aposentos, mas a uma situação
que me deixa inquieto – disse Nzinga fazendo uma vênia a seu soberano
- Por favor Nzinga, diga-me o que é, tu és general do exército do Kongo, mas
uma vez meus pêsames pelo passamento físico de seu filho, sei como é duro ter que
passar por isso
- Agradeço pelo voto de condolência meu rei realmente não está a ser nada
fácil ter que lidar com isso, voltando no assunto que traz para cá, gostaria de pedir
encarecidamente que o meu soberano, cancele a batalha em Mbwila, nós não temos
noção de quantos eles são e que tipo de...
- Você ouviu o disparate que acabou de dizer? Como um homem que perdeu o
filho nas mãos daqueles brancos, quer recuar agora?
- Não me entenda mal meu rei, mas a paz com os brancos jamais será
conquistada pela força, sim, é verdade eu perdi meu filho, mas valerá a pena o sangue
que será derramado no campo de batalha?
- Meu nobre Nzinga, a força é única linguagem que os homens entendem de
verdade, para alcançarmos a paz desses brancos precisamos mostrar para eles a
força, o mais forte prevalece.
- A lei da força é a lei do sangue, quantas mais mães terão que chorar seus
filhos mortos em batalha?
- Olha para meu filho, tem apenas sete anos e é por ele que estamos lutando,
é preciso sangue para obter mais sangue, para que o reinado de meu filho seja longo,
é necessário fazer cabeças rolarem.
- Não lhe contestaria em outa ocasião meu rei, mas acho que a conversa é a
única maneira de lidar com os brancos e evitar que mais sangue do Kongo seja
derramado.
- Quão tolo e inocente és meu nobre Nzinga, você acha que esses brancos
querem conversar? Eles querem a nossa terra, nossas mulheres, nosso ouro, tudo.
Eles vão continuar a matar os nossos, manipular os nossos, venderam sempre gato
por lebre, para conseguirem o que querem, nem que isso dure anos, séculos... os
brancos são o cancro que inserimos no Kongo e apenas a força será o único recurso
eficaz para combatê-los – disse o Rei girando a sala – espero encontra-lo mais tarde
a frente das tropas, lembre-se eu nós somos o Kongo, e ninguém mais.
(...)
O sol estava mais brando e os seus raios eram mais fracos por volta das três da tarde,
Mbali caminhava sedento de vingança em seus olhos, Nzinga mantéu o seu rosto
isento de qualquer emoção, mas em seu peito residia o medo, a raiva, a ansiedade e
todas as outras demais emoções que o calor do momento passava entre os mais de
28000 homens (cerca de 5000 soldados de infantaria pesada equipados com escudos
e espadas) que se aproximavam do campo de batalha de Mbwila, O rei era
acompanhado pelos seus dois filhos e dois dos seus mais destemidos sobrinho, pelas
leis do Kongo, todo homem deve comparecer ao campo de batalha para defender o
seu povo.
Não muito longe Lopes Sequeira, comandava o seu exército composto por mais de
400 mosquiteiros e duas peças de artilharia.
Sequeira até então sempre foi um homem meticuloso, um homem de guerra e
navegação conhecia os campos de batalha melhor que qualquer um dos homens do
seu exército como ele carinhosa o chamava de “núcleo da força portuguesa”.
Faziam parte do exército de Sequeira também soldados do Brasil, africanos e nativos
americanos, bem como de Imbangala e outras forças africanas somando cerca de
15000 soldados, um número muito inferior ao dos homens que vinham do Kongo.
Os homens do Kongo instalar suas bases perto do Rio Ulanga, que ficava a sul da
capital de Mbwila, Nzinga passava instruções de ataque as forças de infantaria
enquanto o Rei passava instruções aos arqueiros para atacarem pelos flancos, Mbali
por sua tinha saído com um pequeno grupo para fazer uma vistoria pelo local aonde
aconteceria a batalha dentro de alguns dias.
Sequeira tinha seu exército perto das montanhas íngremes de Mbwila, passava
informações e comando bem detalhado a seus homens, não estava nos seus planos
perder para um exército pouco preparados de negros liderados por um Rei
temperamental, Sequeira estava otimista com o exército que tinha sua disposição,
prometerá a seu Rei que traria a cabeça do soberano do Kongo em uma bandeja e
ele não pararia até atingir esse objetivo.
Entre o exército do Kongo havia uma grande confusão e rodaram um soldado invulgar
que conseguirá se infiltrar entre os homens do Kongo e criará um tumulto entre os
presentes.
- É uma mulher! Como ela conseguiu se misturar entre os homens do Kongo e
ninguém se apercebeu? – Perguntou Makimba líder da infantaria pesada do exército
do Kongo
- Essa deve ser uma feiticeira de Imbangala, aconselho a matá-la antes que
nos faça algum mal
- Quem se atrever a tocar um dedo na minha irmã, ira conhecer a fúria de Mbali,
filho de Nzinga! – Mbali falou empurrando a multidão – Levanta Singa e me segue!
Singa conseguira se infiltrar entre os homens, vestindo o manto de Kambi e entrando
entre os vários escravos do Kongo que pouco se importaram com a presença dela,
Singa fez-se passar por um homem novo do exército o que não fora muito difícil graças
aos seus pequenos peitos, cabelos curtos e o rosto perfeitamente simétrico ao do
irmão Mbali, os escravos não a conheciam, pois passavam maior parte do tempo
trabalhando nos campos de cultivo, se ela tivesse tentando se esconder entre os
arqueiros era facilmente reconhecida.
Seu plano era batalhar com o exército do Kongo e vingar o sangue de seu irmão
Kambi, que fora morto por um branco a poucos dias, mas seu plano fora frustrado
quando chegou a base do Kongo e bateu contra um homem da infantaria pesada que
reparou que se tratava de uma mulher.
- O que você faz aqui Singa? Ficou louca? – Gritou Mbali apertando o braço da
irmã
- Vim vingar o sangue de Kambi, eu mesma matarei o assassino do meu irmão
– respondeu friamente Singa
- Você está louca só pode, que treinamento de guerra você tem? E por fim você
deixou a mãe grávida e sozinha, eu vou falar tudo agora mesmo ao pai!
- Por favor Mbali, meu irmão, não diga nada a nosso pai, eu juro que vou me
cuidar, e além do mais o Kambi me ensinou a usar uma espada, eu consigo me virar,
mas não conta nada ao pai!
- Está bem sua louca, mas você vai ficar escondida nas bases do flanco para
que ele não te veja, e no dia da batalha você me procura e fique sempre ao pé de mim
– respondeu Mbali após um breve momento de reflexão.
- Obrigado meu irmão! – Exclamou Singa abraçando o irmão que
instantaneamente a afastou.
Madrugada de 27 de outubro de 1665, Nzinga estava reunido com o Rei e os demais
governantes e líderes de batalha para discutir pela última vez a estratégia de ataque
do exército do Kongo.
- Vamos avançar sobre eles com uma vanguarda, seguida por três divisões de
sua infantaria pesada e os arqueiros nos flancos. Nzinga você comandará a reserva
– Declarou o Rei e todos os presentes assentiram as ordens.
Naquela noite diversos soldados ficaram indigestos após comerem a sopa de gazela,
que tinha sido feita para o jantar, aparentemente a carne estava estragada, então
naquela noite muitos soldados não descansaram cuidando dos outros.
(...)
O vento forte do campo aberto batia sobre o rosto de Mbali que se encontrava na
frente do exército com o Rei para comandarem as tropas, as forças de Sequeira
tomaram posições entre os dois, com suas forças africanas implantadas nos flancos
e os mosqueteiros tomando uma formação em forma de diamante no centro, ancorada
por sua artilharia. As forças de Imbangala ficaram na reserva.
Já começava a nascer o sol naquela manhã do dia 29 de outubro de 1665, quando o
Rei do Kongo ergueu o seu cetro e ordenou que as suas tropas avançassem contra o
exército de Sequeira que reagiu de igual modo, e assim começou a batalha de Mbwila.
Mbali ordenou que os arqueiros atacassem a linha de frente dos arqueiros africanos
do núcleo da força portuguesa, e com muita habilidade e com alguma facilidade os
homens de Mbali conseguiram varrer maior parte dos arqueiros africanos de Sequeira
- Negros nojentos, como foram capazes de lutar com os brancos para
eliminarem negros iguais, vocês merecem a morte – gritou Mbali no mais alto de seus
pulmões.
O Kongo liderava a batalha no estágio e inicial e com muita facilidade derrotava a os
arqueiros e pequena parte da infantaria do núcleo de força portuguesa.
Makimba ordenou que a infantaria pesada lançasse ataques contra os mosqueteiros
portugueses, apoiados pelos homens que combatiam com o Rei, Sequeira ordenou
que o seu exército fizesse uma formação que permitiria que os mosquiteiros contra-
atacassem e os artilheiros lhes fizerem coberturas, mas mesmo assim Makimba, o Rei
e a infantaria pesada avançaram contra eles.
Na reserva Nzinga comandava as forças de retaguarda equipados com escudos e
espadas. Singa procurava Mbali entre as forças da reserva evitando o contacto com
os soldados e sempre andando com a cabeça voltada para o chão.
Nzinga estava pensativo lembrando da conversa que tivera a nove dias com o rei no
seu castelo.
- Nobre Nzinga você não deixa de estar errado, muito sangue do Kongo vai
jorrar em Mbwila, mas preciso que me faça um favor – disse o Rei cruzando os dedos
e a eleva-los para perto de seu queixo.
- Diga-me o que deseja meu Rei que eu cumprirei com toda honra – respondeu
Nzinga fazendo uma vênia
- Eu trocarei o teu lugar na batalha com o teu filho Mbali, ele é o melhor de
meus guerreiros e dará um nobre General de combate
- Sem querer duvidar da sua decisão meu Rei, mas Mbali é apenas um garoto,
combateu em pequenas batalhas e saiu vitorioso, mas isso não significa que ele esteja
pronto para comandar um batalhão
- Apenas siga minhas instruções Nzinga, eu sei o que faço, continuando, você
vai comandar a retaguarda, caso falhemos na frente quero que você tire o meu filho
do campo de batalha, se esse reino ficar sem um herdeiro será um caos, haverá muita
morte entre os filhos do Kongo, e eu não posso permitir que o povo volte a se matar
pelo trono, você me promete que trará o herdeiro de volta ao reino são e salvo Nzinga?
- Eu prometo que darei até a minha vida se puder para trazer o príncipe de
voltas as terras do Kongo!

Nzinga suspirou e passou o dedo entre os olhos e saiu para a sua tenda, aonde tinha
deixado o príncipe a descansar protegido por quatro soldado, o outro herdeiro insistiu
fervorosamente que o pai o deixasse partir para linha da frente com os seus primos,
enquanto caminhava calmante em direção a sua tenda um invulgar soldado bateu em
seu peito e continuou andando com o rosto voltado para o chão.
- Ei, soldado pare! – ordenou Nzinga mas o soldado continua a sua caminhada
agora mais rápida sem sequer olhar para ele – eu mandei você parar!
Nzinga pegou pelo braço do soldado e quão grande foi a sua surpresa ao descobrir
que o soldado se tratava da sua terceira filha, Singa.
- Singa, minha filha? Como? O que você faz aqui?
- Eu vim vingar o san... – tentou falar Singa quando foi interrompida pelo pai
- Cala-te imediatamente! Como você se atreveu a deixar a sua mãe sozinha,
menina insolente
- Pai eu...
- Nem mais uma palavra menina, apenas me siga para tenda.

Nas linhas de frente da batalha, a infantaria pesada combatia com os mosquiteiros,


mas acção dos artilheiros na segunda linha começava a varrer boa parte da infantaria
do Kongo, e apesar dos esforços de Makimba, o príncipe foi pego, e numa acção
desesperada para tentar salvar o filho, o Rei lança-se contra o exército de Sequeira,
e após fazer quatro ataques, é transpassado por uma espada no estômago e enquanto
caía um dos soldados portugueses, o pegou pelos ombros e o ouro com uma espada
afiada decapitou-o, e a seguir levantou a cabeça do Rei do Kongo para que todos a
pudessem ver. Makimba cego de raiva ordenou que o restante dos homens atacassem
com tudo. Mas sem um líder para os dirigir a infantaria do Kongo tornou-se alvo fácil
para núcleo das forças portuguesas que varreram com facilidade mais de 400 homens
da infantaria pesada do Kongo.
Mbali comandava os ataques a distância quando viu de longe a cabeça de seu Rei
nas mãos dos brancos, e cego pela raiva ergueu duas espadas e correu até a linha
da infantaria, mas sua corrida fora interrompida por um dos sobrinhos do rei que se
lançou sobre o seu corpo.
- Esqueça isso Mbali, vá até a reserva e ordene que o teu pai, faça a retirada
por lá, vá agora mesmo! – Ordenou o sobrinho do Rei
Apesar da vontade em querer continuar Mbali voltou correndo a reserva, que já era
mobilizada para o ataque e seu pai já dava as últimas instruções quando Mbali chegou
correndo:
- Bater retirada pai, eles mataram o Rei e o príncipe – enunciou Mbali
- Vocês ouviram ele, bater retirada agora, peguem no príncipe, Mbali você
coordena a retirada por aqui, eu vou buscar os sobreviventes na linha da frente –
ordenou Nzinga!
Mbali assentiu e começou a mover a os homens, para fazer com que eles voltassem
para o Kongo, na confusão entre desmontar a tenda e levar o príncipe, Singa
conseguir pegar uma espada e escapulir-se entre a multidão.
Nzinga chegará a linha de frente e via o quanto o exército de Sequeira avançava e
varria com os seus homens mais de 4000 homens do Kongo já tinham sido mortos,
Makimba estava ferido e recuava apoiando-se em dois homens
- Recuar, recuar, vamos retirada! – Exclamou Nzinga
Sua ordem foi passada entre os homens do exército que logo que a ouviam se punham
em fuga em direção as bases do Kongo.
O Exército de Sequeira continuava a correr atrás dos homens do Kongo, não
aceitando a sua rendição.
Mbali pegava o príncipe ao colo e corria desesperadamente para o mais longe
possível das forças portuguesas consigo iam mais de 50 homens, mas quando
atravessaram o Rio Ulanga, eles são surpreendidos com homens do exército de
Sequeira que aparentemente já sabiam que eles tentariam escapar por aí. Os homens
eram artilheiros e mosquiteiros. Mbali pousou o príncipe e sacou a espada da sua
bainha.
- Vocês só vão levar o meu príncipe por cima do meu cadáver – afirmou Mbali
correndo sozinho em direção aos portugueses
Após corrido poucos metros foi acertado com uma lança que transpassou seu peito,
os restantes homens se rendaram e foram feitos prisioneiros juntamente com o
príncipe de apenas sete anos de idade.
Nzinga estava encurralado lutando contra sozinho contra três homens do exército de
Sequeira, quando outro que encontrava a uma pequena distância acertou-lhe uma
flecha no seu peito, ele caiu suspirando cansado, quando um dos homens tentou
decapita-lo foi estranhamente interrompido.
- Não o mate, esse é meu! – Ordenou Sequeira se aproximando com uma
espada
Sequeira pegou Nzinga na cabeça e viu a aflição em seus olhos, viu também raiva, e
em seguida soltou uma gargalhada, e cuspiu-lhe no rosto.
- Seu preto de merda, vocês realmente acharam que podiam contra nós, nós
somos o mundo, vocês não passam de um erro da natureza, essas terras serão
nossas, as vossas filhas e mulheres serão nossas escravas, seus bens serão nossos,
ninguém pode contra nós!
Sequeira ergueu a espada e já se preparava para executar Nzinga, quando uma
garota surge correndo entre os soldados e lança-se com uma espada em sua direção,
institivamente Sequeira defendeu-se do ataque, mas não conseguiu evitar que a ponta
da espada lhe rasgasse o rosto. Os soldados pontapearam o estômago de Singa e
um deles já se preparava para lhe cortar a garganta quando Sequeira o interrompeu
gargalhando e pegando no rosto de escorria sangue do corte
- Não a matem, eu tenho planos melhores para ela, quem diria encontraria uma
negra destemida por aqui, prendam-na, quem sabe no futuro não a uso para fazer uns
bebês negros – Ironizou Sequeira voltando a pegar na cabeça de Nzinga que se
limitava a repetir o nome da filha com suas últimas forças.
Singa, gritava enquanto os soldados a carregavam para longe do pai, e ela viu
Sequeira o decapitando, com um sorriso em seus lábios.
- Me perdoe Kambi, me perdoe pai, não mereço o vosso sangue, eu amaldiçoo
o meu ventre, que o meu primogênito nasça louco assim como eu, que essa maldição
se estenda em toda minha descendência – enunciou Singa antes de desmaiar entre
os braços dos soldados.

(...)
E foi assim que acabou a batalha de Mbwila que ditou a queda do reino do Kongo, ou
pelo menos é assim que eu acho que acabou, espera aí, eu acho? Talvez, já me
disseram que não foi assim que aconteceram os factos, mas foi, e depois dizem que
eu sou o maluco.
Aonde estão os meus modos? Não me apresentei, chamo-me Guedes, e dizem que
sou maluco.

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