Você está na página 1de 20

Mestrado em História e Património

Ramo Arquivos Históricos

Estruturas Sócio-Económicas

“Família, Poder e Casa: o estudo da Casa do Porto”

Trabalho realizado no âmbito da


disciplina de Estruturas Sócio-Económicas,
sob regência da Professora Doutora Inês Amorim,
pela aluna Carla Torres Moreira.

Porto
2008
Introdução
Este trabalho enquadra-se no âmbito da disciplina de Estruturas Sócio-
Económicas, sob proposta da respectiva regente Professora Doutora e surge
como o ponto capitular e fulcral de desenvolvimento do futuro projecto de
estágio a realizar no 2º ano do curso de mestrado em História e Património –
ramo Arquivos Históricos - “O património documental como elemento de
valorização histórica: estudo da Casa do Porto do concelho de Lousada”, em
que a disciplina se insere.
Pretendemos neste trabalho realizar uma breve abordagem ao contexto
da Casa do Porto no que concerne à sua construção simbólica enquanto
estrutura familiar e como casa que suporta. Tentamos assim conhecer e
contextualizar o caso da Casa do Porto, enquanto elemento histórico, em
algumas vertentes das suas diversas dimensões, para obtermos uma melhor
percepção dos agentes que produziram documentação que será alvo de estudo
no trabalho científico final.
Deste modo, o presente trabalho inicia-se com uma abordagem à família
“Pinto Peixoto de Sousa Vilas Boas”, considerando a importância deste
elemento nas suas diversas representações, no qual também realizamos
alguns parâmetros de análise com estudos realizados com outras famílias,
integrando também a temática da nobreza. Seguidamente apresentamos de
que forma(s) o poder tinha influência ao nível local e de como seria imanado
pela Casa do Porto. Na segunda parte é analisada a casa e de que modo esse
elemento poderá ser analisado e contextualizado a partir de estudos
generalistas existentes da área. Apesar de apresentarmos estes pontos em
momentos diferentes, salientamos a importância dos mesmos estarem
interligados e que essa dissociação apenas decorre na respectiva transposição
da informação, de forma a seguirmos uma linha condutora no presente
trabalho.
Pretende-se que este estudo, seja um dos momentos de avaliação para
a investigação contínua e sumária que fizemos e que temos vindo a realizar, e
que consideramos que a mesma não se esgotará e que nos levará para outros
caminhos do conhecimento.

2
A Família
 À parecença do que sucedeu noutras áreas da historiografia, os estudos
sobre a família têm sofrido alterações notórias nas últimas décadas,
designadamente a partir dos finais da década de 70, do século XX. Por um
lado, os historiadores começaram a valorizar algumas temáticas que até então
nem sequer eram equacionadas, entre muitos temas podemos destacar a vida
conjugal, a criança, a mulher, o quotidiano. Esta “descoberta” desencadeou
uma procura e um debate sobre a metodologia a seguir nestes estudos. Neste
sentido, os últimos anos têm sido de redefinição de metodologias e também de
delimitação das fontes que servem de sustentáculo aos trabalhos
desenvolvidos (VENTURA: 2002).
A família é a primeira unidade de comunicação, através da qual se
transmite a sub cultura e a religião do grupo social ao qual se pertence. Aqui
vive-se em profundidade o processo de socialização. A família é a primeira
escola de comunicação, mas também de tensão, de tolerância, de discussão,
de difíceis adaptações, de pluralismo (HOFSTEDE: 1997). De qualquer forma,
a educação recebida através dos meios de comunicação de massas adquiriu
hoje uma importância considerável. O meio de comunicação por excelência é a
linguagem, e a mesma serve para estabelecer contacto entre duas ou mais
pessoas e é um fenómeno de psicologia social. Assim, a linguagem é "social"
num sentido mais restrito do que a simples comunicação interpessoal: tem
origem na sociedade e, por isso, deve de ser estudado sob o ponto de vista da
sociologia e não somente da psicologia social. Existe socialização mesmo
quando a mensagem não é aceite, havendo desacordo e oposição aberta
(HOFSTEDE: 1997).
Cada um de nós transporta consigo padrões de pensamento, de
sentimentos e acção potencial, que são o resultado de uma aprendizagem
contínua. Uma boa parte foi adquirida no decurso da infância, período do
desenvolvimento onde somos mais susceptíveis à aprendizagem e
assimilação. Quando certos padrões de pensamento, sentimentos e
comportamentos se instalam na mente de cada um, toma-se necessário
desaprender, antes de aprender algo diferente, e desaprender é mais difícil que
aprender pela primeira vez. O comportamento do ser humano é apenas

3
parcialmente predeterminado pelos seus programas mentais: o ser humano
tem uma capacidade básica de se desviar deles e reagir através de formas que
sejam novas, criativas, destrutivas ou inesperadas (ARANGUREN: 1967).
Numa abrangência histórica e sociológica remetemo-nos a Max Weber
que refere o conceito de família tradicional (ou “família extensa) com os
elementos – pai, mulher, ascendentes, descendentes, outros parentes vivendo
em economia comum, criados e servos (HESPANHA: 1982). Nesta acepção do
pater poder, ou senhor da casa, era exercido em todos os membros da família
um poder integral que compreendia todos os domínios da vida em comum,
desde o sustento, organização dos trabalhos produtivos e disciplina doméstica,
até à regulamentação dos conflitos e a representação política (HESPANHA:
1982).
O estudo da estrutura da família tem verificado um especial incidência
pelos investigadores, dado que o mesmo permite situar correctamente
inúmeros factos e a conhecer estruturas cujas formas e funcionamento
condicionam os movimentos mais profundos do passado, como acontece,
designadamente, com as realidades económicas e com os dados demográficos
(MATTOSO: 2001).
A família era entendida como um conceito mais de foro filosófico do que
histórico, até à publicação de Lévi-Strauss – “Les structures élementaires de la
parenté”, em 1947, que desencadeou o interesse desta área pelos
historiadores (MATTOSO: 2001). Em Portugal, surge em 1941 uma importante
tese enquadrada na área pelo Professor Guilherme Braga da Cruz, com o
“Direito da Troncalidade”, que contribuiu, entre os demais estudos, para
diversas investigações que se têm verificado, cada vez mais intensas, até aos
dias de hoje.
Ao nível da demografia histórica, no final da década de 50 do século
passado, Louis Henry, apresenta um método de exploração dos registos
paroquiais, que aplica ao estudo de uma paróquia, sendo o seu objectivo,
fundamentalmente, estudar o fenómeno da fecundidade conjugal. Este trabalho
precursor atraiu o interesse dos historiadores da família que encaravam esta
metodologia como o iniciar de investigações que até então lhes eram negadas
– as dinâmicas demográficas das sociedades dos séculos passados. A grande
exuberância deste procedimento pode ser dimensionada pelo número de

4
paróquias estudadas, particularmente na Europa, o que permitiu aos
investigadores dispor de uma série de indicadores demográficos que, sem
sombra de dúvida, insurgiram no nosso conhecimento das populações do
passado. O percurso da demografia histórica em Portugal seguiu um trajecto
diferente graças ao contributo de Norberta Amorim. Esta investigadora
incrementou, desde 1971, um processo adequado para exploração dos registos
paroquiais, ajustado ao caso português (FERREIRA: 2002).
Ao nível da História Social poderemos também verificar o conceito de
comunidade, o qual se reflecte numa noção bastante básica, mas que forma
uma rede bem mais complexa se atendermos às influências que lhe são
inerentes. Relacionando comunidade com meio ambiente, com bens
apropriados e equipamentos colectivos, com parentesco e sentimentos de
pertença, resta delimitar esse espaço onde um grupo de pessoas encontrou
condições mínimas de sobrevivência, sociabilidade e reprodução.
Em termos de História da Família, a privilegiar tradicionalmente as
abordagens micro, as bases de dados demográficas posicionam-se cada vez
mais como incontornáveis. Não são só as questões sobre a dimensão da
família, a idade ao casamento, os comportamentos diferenciais, as concepções
pré-nupciais, os nascimentos fora do casamento, os casamentos
consanguíneos, a homogamia social, a endogamia ou a exogamia geográficas,
que interessam ao historiador da família e cujas respostas podem ser
encontradas nas bases de dados demográficas. São também os problemas da
propriedade, da reprodução social da família, da formação dos grupos
domésticos, da proximidade da parentela, dos compadrios, e muitos outros
problemas que encontram esclarecimento no cruzamento de fontes
(FERREIRA: 2002). No sentido oposto a este estudo situam-se os que têm
privilegiado a tentativa de reconstruir os sentimentos, isto é, os sentidos
atribuídos pelos actores às relações e comportamentos familiares, utilizando
predominantemente fontes qualitativas (HESPANHA: 1994). Esta amplitude
teve escassa repercussão na investigação histórica, em Portugal, isto porque a
acepção do conceito de família teve diversas significações que dificultam este
tipo de estudo. Veja-se, designadamente, o vocabulário corrente das elites
portuguesas setecentistas que, apenas e só, aplicavam o termo família aos

5
criados, sendo que o sentido mais habitual de família era o de linhagem
(HESPANHA: 1994).

A estrutura social do Antigo Regime


A periodização da história permite a introdução de pausas de forma a
que se faça uma ligação entre as várias séries cronológicas de
acontecimentos. Sendo que essa periodização corresponde a necessidades
internas de uma historiografia para considerar uma construção do real,
subordinando o modo de ser dos factores isolados à natureza das estruturas
sociais subjacentes (HESPANHA: 1982).
O Antigo Regime surge com a expansão ultramarina, a qual passa pelos
anos de glória, reflectidos pela aceleração da vida económica e consequente
crescimento de população. Ao nível político, este período corresponde à
monarquia absoluta, e a sua acepção decorre até às revoluções liberais do
primeiro terço do século XIX.
Na sociedade do Antigo Regime, evidencia-se a divisão em estados ou
ordens – clero, nobreza, braço popular. Esta acepção passa tanto por uma
divisão jurídica como por uma divisão de valores, e de comportamentos que
estão estereotipados e enraizados até aos nossos dias. Cada um desses
estados comporta uma posição numa “hierarquia rígida, segundo tem, ou não,
títulos e tem, ou não, direito a certas formas de tratamento” (GODINHO: 1975).
A disparidade entre os direitos destes estados é observável pelas formas
de tratamento entre os mesmos, designadamente as formas nominais, em que
surgiram diversas leis que inclusivamente regulamentavam a forma de se
dirigirem a outrem. Contudo outros meios eram normalizados de forma a que
cada indivíduo seja circunscrito em categorias, como sejam o nome, o traje e
inclusivamente a efeitos penais a que estão sujeitos. Na Crónica de D. João I
são enumerados quatro estados do reino: prelados, fidalgos, letrados, cidadãos
ou povo no sentido político, onde há a grande massa, sem representação em
cortes. O rei, quando se dirige às categorias sociais-jurídicas, escreve pela
respectiva ordem, que se traduz pelos juízes e oficiais, fidalgos, cavaleiros,
escudeiros, homens bons, e por fim o povo. Em cortes e nas cerimónias
principais, surgem em primeiro lugar os grandes prelados, em segundo os

6
grandes senhores de título, seguidos de outros fidalgos, e depois os cavaleiros,
em terceira categoria os cidadãos, e por último o povo, o qual não aparece nas
cortes (GODINHO: 1975).

A Nobreza
A definição de nobreza, na sua génese, foi desde sempre muito dúbia,
no que concerne ao debate ancestral entre filósofos e políticos, mas de que de
uma forma ou de outra remete para um princípio que assenta numa virtude que
atenta a um prémio honroso (VERA: 2005). Desta forma os nobres eram
homens singulares, que pelas suas virtudes ou façanhas vieram a conseguir
uma estima e vantagem sobre os outros homens, que admirados das suas
virtudes, os diferenciavam entre os demais, parecendo-lhes que eram homens
quase divinos, que com forças mais que ordinárias se haviam adiantado
(VERA: 2005). O reconhecimento aos nobres efectivava-se por serem dignos
de honra e reverência, bem como pelas suas características virtuosas, mesmo
que sendo fruto de sua primeira causa e raiz (VERA: 2005).
A existência de uma taxonomia institucionalizada validada pela tradição
e reconhecida pelo privilégio, formava o quadro de organização dos grupos
sociais, distinguidos por esquemas de percepção do mundo social recebidos e
incorporados, dentro dos quais tinham de se legitimar (MONTEIRO: 1998). A
acção de justificação de nobreza decorria de uma acção judicial que o autor
movia para a obtenção de uma sentença judicial, reconhecendo-o da ordem
social de nobreza e nobre de geração, isto é, descendente de determinada(s)
pessoa(s) que haviam usufruído desta condição social (SÃO PAIO: 2001). Esta
acção poderia ser instaurada para diversas finalidades, como sejam o de
simples certificado para efeitos de mera exibição pessoal, como para efeitos
penais, ou ainda, e em grande maioria, para se obter uma Carta de Brasão de
Armas de Sucessão (SÃO PAIO: 2001). Estes processos considerado por
muitos “atrabiliários”, nem sempre eram instruídos de provas válidas, sobretudo
porque os magistrados, que os julgavam, aceitavam provas documentais que
não eram comummente sujeitas a critica ou contestação (SÃO PAIO: 2001).
O termo nobreza, assumiu diversas acepções ao longo dos tempos,
sendo que a sua designação em concreto apenas surge no século XVIII, e até

7
então era designado por nobre (palavra genérica), como acontece ao nível de
legislações, as quais até utilizavam denominações mais específicas, tais como
escudeiro, cavaleiro, fidalgo ou senhor das terras (VASCONCELOS: 2003).
O universo nobiliárquico poderia ser representado, de uma forma geral,
em dois círculos, um nos quais se integravam os nobres a título pessoal e o
outro a nobreza hereditária. O primeiro grupo englobava os que tinham alguns
privilégios da nobreza ou eram nobres a título pessoal, como os privilegiados
da nobreza civil ou da simples nobreza, por vezes também designada de
estado do meio, na qual se enquadravam os oficiais do exército, doutores,
advogados, desembargadores, professores régios, negociantes matriculados
na Junta de Comércio, cavaleiros e escudeiros. O segundo âmbito tratava-se
da nobreza hereditária, assente em alvarás régios ou sentenças da alta
magistratura. Esta seria uma nobreza legalmente transmissível, em que os
respectivos diplomas se passavam de pais para filhos, considerando esses
diplomas como os oficiais de mercê ou de confirmação das seguintes
qualificações: títulos de duque, marquês, conde, visconde, barão, senhor (ou
capitão donatário) de terras com jurisdição e alcaide-mor; foros de fidalgo,
cavaleiro e escudeiro da Casa Real; fidalgo de linhagem, cota d’armas ou de
solar; o tratamento de dom ou de Parente d’El-Rei e os Pares do Reino
(VASCONCELOS: 2003).
As transformações que afectaram a composição nobiliárquica
portuguesa efectuaram-se no quadro do empenho da monarquia para controlar
o taxonomia social oficial (MONTEIRO: 1998) e a circunscrição das hierarquias.
Esta acção gerou um esforço conducente a êxitos desiguais, de que o século
XV é representativo, com a concessão dos novos títulos e a criação das
matrículas da Casa Real (MONTEIRO: 1998). Também neste sentido de
exasperação dos conflitos de classificação surge a Lei dos Tratamentos de
1739, por Alvará de 29 de Janeiro de 1739, que consagra e delimita com
reformada perceptibilidade a primeira elite da monarquia, limitada aos Grandes
eclesiásticos e seculares e a alguns dignitários, nos quais se reserva o
tratamento de Excelência (GODINHO: 1975). Uma outra manifestação da
monarquia, neste sentido, foi o Alvará de D. José I de 5 de Outubro de 1768,
que restringe a acção das famílias da alta nobreza de excluírem outras famílias
das suas alianças matrimoniais (MONTEIRO: 1998).

8
De salientar que a nobreza de Entre Douro e Minho é bastante peculiar e
diferenciada, dado que possui bastante documentação que consegue recuperar
a génese. Trata-se essencialmente de livros de linhagens, listas genealógicas
intercaladas de notícias pessoais, lendas e episódios diversos. Embora os
livros de linhagens possuam erros de transcrição, entre outros apontamentos
coercíveis, os mesmos possuem dados valiosos que são passíveis de estudar,
tendo em conta essa documentação de maneira sistemática e aprofundada
(MATTOSO: 2001).

O Poder
Poder (do latim potere) é, literalmente, o direito de deliberar, agir e
mandar e também, dependendo do contexto, a faculdade de exercer a
autoridade, a soberania, ou o império de dada circunstância ou a posse do
domínio, da influência ou da força.
A sociologia define poder, geralmente, como a aptidão de aplicar a sua
vontade sobre os outros, mesmo se estes resistirem de alguma maneira.
Existem, dentro do contexto sociológico, diversos tipos de poder: o poder
social, o poder económico, o poder militar, o poder político, entre outros. Foi
neste sentido que os trabalhos de Michel Foucault, Max Weber,Pierre Bourdieu
ocuparam um lugar de destaque na actual concepção de poder.
A política define o poder como a capacidade de impor algo sem
alternativa para a desobediência. O poder político, quando reconhecido como
legítimo e sancionado como executor da ordem estabelecida, coincide com a
autoridade, mas há poder político distinto desta e que até se lhe opõe, como
acontece na revolução ou nas ditaduras.
Uma das características mais evidentes do sistema de poder é, sem
dúvida, a complexa trama de relações informais de poder, as quais coexistem
muitas vezes com as relações institucionais formais. Deste modo, o poder
efectivava-se em relações de natureza meramente institucional ou jurídica que
tinham propensão para se misturarem e coexistirem com outras relações
paralelas que se assumiam como tão ou mais importantes do que as primeiras,
e se fundavam em critérios de amizade, parentesco, fidelidade, honra, serviço
(HESPANHA (coord): 1994)

9
Tendo em consideração esta diversidade de relacionamentos informais,
verifica-se a necessidade sentida pelos indivíduos em integrarem redes que
lhes permitissem, ainda que indirectamente, usufruir dos privilégios de se
contactar com as esferas mais altas de poder; o bom serviço e a fidelidade
eram ressarcidos mas, em contrapartida, o patrono também carecia dos seus
dependentes para efectivar o seu poder. Portanto, estamos perante conexões
bi-direccionais, não se tratando de simples laços de dependência.

Poder monárquico
Ao delimitarmos o poder real do Antigo Regime poderemos abordar as
relações entre o mesmo e as cortes. O poder do rei dependia essencialmente
do modo como era entendido, desde a sua natureza e fins da sociedade até à
relação entre o poder do rei e os restantes poderes políticos coexistentes na
sociedade do Antigo Regime. A limitação do poder real dependeria de um
conjunto de normas do governo, decorrentes do ofício de reinar e que
sujeitariam o rei, quer à observância dos fins últimos da sociedade (lei divina,
moral), quer ao respeito dos equilíbrios tradicionais nesta verificados(justiça).
Esta questão de limites correspondeu a uma desatenção pelos seus conteúdos
prático-institucionais, passando a ser estudados quase exclusivamente no
plano da doutrina política por um complexo conjunto de aparelhos institucionais
(HESPANHA: 1994). No sistema jurídico dogmático do antigo regime, em que
as analogias entre o poder e os particulares se configuravam
fundamentalmente nos quadros dogmáticos, sendo que as aspirações do poder
se equivaliam às pretensões dos particulares, tornando o tratamento normativo
e dogmático, dos limites do poder, próximo dos conflitos de direitos entre
privados (HESPANHA: 1994).
As atribuições jurídicas do rei decorrem da função dominante, que de
acordo com a teoria corporativa da sociedade e do poder era o de “Garantir a
Justiça” secundariamente a de garantir a Paz (HESPANHA: 1994). Daqui
decorria não apenas o direito de regular a paz, como a trégua e a guerra, como
também o direito de regular as formas privadas de desforra, de autorizar o
porte de armas, de proteger os súbditos de violências, designadamente dos
poderosos, e do direito de punir. Com o direito de punir, o rei podia garantir

10
uma certa disciplina da sociedade. Também ao rei compreendia o direito ao
uso de símbolos reais e do reino e, por extensão, o direito de conferir brasões e
dignidades inferiores, e o direito a dispor do reino ou de parte dele. Sendo que
deste último direito entendia-se de um “domínio geral e eminente”
(HESPANHA: 1994). Todos os direitos e prerrogativas eram incluídos pelos
juristas no conceito dos “direitos reais” (HESPANHA: 1994), que apenas é
compreendido pelos dados históricos de cada constituição de cada reino. Nesta
percepção contínua é também perceptível o modo como a acção da coroa foi
alheando à Igreja e aos senhores, importantes prerrogativas, que penas são
discutidas nos finais do século XVIII (HESPANHA: 1994).

Poder senhorial
É na mudança do século X para o XI que se verifica o aparecimento de
senhores detentores de vastos territórios, que gozam de imunidades. Tal facto
deve-se ao costume mais ou menos generalizado de doar terras - dar
préstamos - como reconhecimento de serviços prestados. Esta prática
aplicava-se em toda a extensão da escala social, denominando-se honras a
concessão de terrenos pelo rei aos senhores que administravam um território
bastante vasto pertencente à coroa. As quais e a partir de então, eram
transmitidas por via hereditária, e o termo passou a considerar os domínios de
senhores da nobreza, glorificando a sua categoria social. Salientando que a
esta alienação da coroa de direitos reais tinha que ser feita por acto expresso,
princípio este que se fundava no texto das Ordenações (HESPANHA: 1982).
É de sublinhar, contudo, que havia muitas ocasiões em que os
administradores de propriedades reais (ou públicas) se apropriavam
indevidamente dos terrenos, aproveitando a instabilidade política e social que
impedia em bastantes alturas da Idade Média o controlo apertado destes
mecanismos de gestão. Acresce ainda o facto de os senhores menos
escrupulosos sobrecarregarem aqueles que viviam nas terras que lhes
pertenciam ou naquelas de que tomaram posse devida ou indevidamente de
taxas e impostos bastas vezes insuportáveis. Como se aplicavam penas
variadas aos que não pagavam os tributos, a apropriação das terras

11
pertencentes a estes últimos por parte dos senhores aumentava ainda mais a
área dos seus domínios.
A temática do poder senhorial é considerada como uma redescoberta da
historiografia recente, considerando que o elemento monárquico foi anulando
os elementos aristocrático e democrático, mas que teve a sua importância
enquanto elemento constitutivo da matriz fundamental do sistema de poder do
Antigo Regime (MONTEIRO: 1998). Por forma a compreender a dimensão
senhorial do sistema de poder torna-se relevante apreciar as clientelas
senhoriais, tendo como temática as relações patrono-cliente e redes
clientelares, que ao nível de poder se traduziram nas relações clientelares no
universo político da corte, as clientelas de grande nobreza, as clientelas
propriamente senhoriais e as relações de dependência nascidas da
propriedade e outros dispositivos locais (MONTEIRO: 1998).
O exercício concreto dos poderes senhoriais extrapola diversas
dimensões em que era aplicado, tendo como base de consideração os tipos de
instituições senhoriais que exerciam a efectivação dos seus poderes e os
contextos dessa acção (MONTEIRO: 1998).

A Casa
O termo “casa” abrange um complexo universo de significantes e de
significados. Weber destacou a “casa” como elemento no qual as sociedades
europeias tradicionais se organizavam politicamente, tomando também a
percepção do conceito de agregado humano constituído pela família
tradicional, em que o senhor exercia poder sobre todos os elementos da
família, abarcando todos os domínios da vida em comum, desde o sustento até
à regulamentação dos conflitos e a representação política. Aliás o conceito de
poder económico passava na sus génese como arte de dirigir a casa
(HESPANHA: 1982).
No acesso aos títulos nobiliárquicos, as entidades consideradas são as
casas titulares, e não os títulos, ou os indivíduos usando título. Aliás na
extinção dos mesmos, o difícil é comprovar quando uma casa titular
desaparece e quando é criada de novo, sendo que mormente considera-se

12
uma casa extinta quando entre a morte do anterior titular e a renovação do
título seguinte decorrem mais de cinquenta anos (MONTEIRO:1998).
O século XVI e os inícios do século XVII ficaram assinalados por uma
profunda competição entre as casas nobiliárquicas, na busca de status,
património e poder. Embora muitas famílias tenham conseguido elevar-se à
Grandeza, certo é que muitos dos títulos também foram concebidos a ramos
secundários das respectivas varonias, e outros nunca foram a famílias, mesmo
tendo senhorios jurisdicionais.

Estudo de Caso

A Família Pinto Peixoto de Sousa Vilas Boas


A primeira data que surge da genealogia desta família, é a de 9 de
Agosto de 1568, aquando da realização do crisma dos filhos de Amador Pinto
de Sousa, bisneto de António de Sousa. Poderemos considerar que este
primeiro senhor da Casa do Porto foi o que originou as sucessivas funções na
Administração do Concelho de Lousada dos subsequentes senhores da Casa,
considerando que tal situação verificou-se com o facto de o mesmo António de
Sousa ter sido donatário do concelho de Lousada e de sua jurisdição
(FREITAS: vol. IX). Observando, ainda no século XVI, a quinta geração da
família, constatamos que Gonçalo Pinto de Oliveira, capitão-mor do concelho
de Lousada, tentou habilitar-se para Familiar do Santo Ofício, em 1624, embora
não tenha sido admitido por justificação de viver amancebado e ter filhos
bastardos (FREITAS: vol. IX).
A informação apresentada é resultante da justificação de nobreza de
Pantaleão Pinto Ribeiro, a 25 de Junho de 1649 (NÓBREGA: 1999).
Nas diversas passagens de sucessão apercebe-se que a família
assegura um elo familiar com as famílias das casas nobres da região, sendo
por vezes senhores entre duas e quatro casas em simultâneo.
No século XVIII revela-se também uma insigne figura da Casa do Porto
– Manuel do Vale Peixoto Pinto de Sousa Vilas Boas, que nasceu a 13 de
Março de 1770 na Casa do Porto, senhor das Casas do Porto, Bairro, Baceiras
e Ribeira, tendo ocupado as seguintes funções: almotacé e escrivão da

13
Câmara de Lousada; Comandante do Batalhão Nacional de Lousada e de
Aguiar de Sousa, em 1834 e 1835; Cavaleiro e Comendador da Ordem de
Cristo, a 23 de Março de 1838; Fidalgo da Casa Real, por Alvará de 18 de Maio
de 1840 (FREITAS: vol. IX). O seu filho Manuel Pinto Peixoto de Sousa e Vilas
Boas, que por Alvará de 5 de Junho de 1840 é também Fidalgo da Casa Real,
foi o responsável pela actual componente arquitectónica da Casa do Porto,
inclusivamente a pedra de armas existente na frontaria da Casa (NÓBREGA:
1999).
Actualmente a Casa do Porto ainda está na propriedade da família
através de João Maria Cabral Peixoto Magalhães.

A Casa do Porto
A Casa do Porto, a que J. Augusto Vieira designou de palacete quando
se lhe referiu no Minho Pitoresco, estabelece-se entre vinhas e outros espaços
agrícolas. Situa-se muito próxima da estrada nacional que liga Lousada a
Felgueiras e que teve origem no eixo urbano de que abordamos anteriormente.
Acede-se à casa através de um portal de ferro forjado, datado de 1862
(OLIVEIRA: 1993).
O imóvel possui dois pisos, sendo no andar superior, destinado a
habitação, em que se dilatam as dependências privadas (salas, quartos e
cozinha), enquanto o rés-do-chão é ocupado por dependências agrícolas e
administrativas. O jardim possui espécies variadas, espelho de água,
elementos em topiária e encontra-se muito bem conservado. A restante zona
envolvente caracteriza-se pela presença de vinha e terrenos de cultivo.
Em termos arquitectónicos é uma casa com planta em forma de L e
capela integrada no topo esquerdo da fachada principal, a qual esta dividida
verticalmente por pilastras em três zonas. O frontispício, onde se abre uma
portada moldurada com chave ao centro, é ladeada por duas janelas de peitoril
gradeadas e no andar nobre, uma janela de sacada, encimada por um painel
côncavo que o une à cornija (SILVA: 2007). O seu frontão e as suas aberturas,
tem uma ordenação neoclássica, conforme os padrões do gosto dos meados
do séc. XIX, sendo que no frontão ostenta as suas pedras de Armas, feitas à
volta de 1862, que servem comummente para datar a casa.

14
Conclusão
Não pretendemos com o presente trabalho esgotar o nosso estudo,
muito pelo contrário, consideramos que foram assinalados pontos importantes
que necessitam e merecem o respectivo desenvolvimento de estudo. Aliás a
concepção deste tipo de estudo, apesar de já possuir alguns estudos, o certo é
que a maioria desses estudos são dissertações que acabam por ficar
armazenadas no seu espaço próprio, dificultando o acesso e a leitura de
inúmeros casos de estudo realizados ao nível nacional, com a temática
presente.
Apesar de conseguirmos estudar e delinear os percursos controversos
da temática que apresentamos, julgamos que com o pertinente estágio no
segundo ano permitirá verificar documentação que possa corroborar os dados
que possuímos e de extrapolar para as amplitudes de uma investigação mais
profunda e analítica.

15
16
Bibliografia
ARANGUREN, J. L. – Sociologie de L'information. Paris: Hachette,
1967.
BARROCA, Mário Jorge. – Torres, casas-torres ou casas-fortes: A
concepção do Espaço de Habitação da Pequena e Média Nobreza na Baixa
Idade Média (sécs. XII- XV). Coimbra: Faculdade de Letras, 1998. Separata da
Revista de História das Ideias, vol. XIX
BORGES, Emília Salvado. – Homens, fazenda e poder no Alentejo de
setecentos: o caso de Cuba. [S.I.]: Edições Colibri, 2000.
COELHO, Maria Helena da Cruz. – O Poder Concelhio em tempos
medievais – o “deve” e “haver” historiográfico. Porto: Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, 2006.
COSTA, Francisco Barbosa da. – História do Governo Civil do Distrito do
Porto. Porto: Governo Civil do Distrito, 2004.
FREITAS, Eugénio de Andrea da Cunha e [et. al.] – Carvalhos de Basto:
a descendência de Martim Pires de Carvalho, cavaleiro de Basto. Porto,
Edições Carvalhos de Basto, [1977– ]. Vols. IX.
GODINHO, Vitorino Magalhães. – Estrutura da antiga sociedade
portuguesa. Lisboa: Arcádia, 1975. 2ª ed.
HESPANHA, António Manuel. – As vésperas do Leviathan: instituições e
poder político, Portugal – séc. XVII. Coimbra: Livraria Almedina, 1994.
HESPANHA, António Manuel. – História das Instituições: épocas
medieval e moderna. Coimbra: Livraria Almedina, 1982.
HESPANHA, António Manuel (coord.). – História de Portugal: O Antigo
Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.
HOFSTEDE, Geert. – Culturas e Organizações. Lisboa: Edições Sílabo,
1997.
LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Pinho. – Portugal antigo e
moderno: diccionario geographico, estatistico, chorographico, heraldico,
archeologico, historico, biographico e etymologico. Lisboa: Livraria Editora de
Mattos Moreira & Companhia, 1873-1890. vol IV. 
LOPES, Eduardo Teixeira. - Lousada e as suas freguesias na Idade
Média / Eduardo Teixeira Lopes. - Lousada: Câmara Municipal, 2004.

17
MAGALHÃES, Pedro. – A Casa do Cáscere. In Oppidum: Revista de
História, Arqueologia e Património. Lousada: Câmara Municipal de Lousada,
2006. N.º 1.
MATOS, Lourenço Correia de. – O Conselho de Nobreza: do crédito ao
descrédito. Lisboa: [s. n.], 2002.
MATTOSO, José. – A Nobreza medieval portuguesa: a família e o poder.
Lisboa: Círculo de Leitores, 2001.
MATTOSO, José. – Ricos-homens, infacções e cavaleiros: a nobreza
medieval portuguesa nos séculos XI e XII. Lisboa: Guimarães Editores, 1985.
MIGUÉIS, Cristina (coord.). – Presidentes da Câmara Municipal de
Lousada desde 1833 até 1900. Lousada : Arquivo Municipal, 2003.
MONTEIRO, Nuno Gonçalo (coord.); OLIVEIRA, César (dir.). – História
dos Municípios e do Poder Local. Dos finais da Idade Média à União Europeia.
Lisboa: Círculo de Leitores, 1996.
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. – O crepúsculo dos grandes. A casa e o
património da aristocracia em Portugal (1750-1850). Lisboa: Imprensa nacional,
1998.
NÓBREGA, Artur Vaz-Osório da. – A heráldica de família no concelho de
Lousada : aditamento a "Pedras de armas no concelho de Lousada (heráldica
de família)" (1959).- Lousada: Câmara Municipal, 1999. Em apêndice: "Armas e
vestes armoriadas" por Jorge Tavares.
NORTON, Manuel Artur Norton, [1935-]; Borrego, Nuno, [1969-]. – A
Heráldica em Portugal. Lisboa : Dislivro Histórica, 2004.
OLIVEIRA, Luís da Silva Pereira. – Privilégios da nobreza e fidalguia em
Portugal. Lisboa: ANHP (Associação da Nobreza Histórica de Portugal), 2002.
OLIVEIRA, Rosa Maria. - Portões e fontes do concelho de Lousada.
Lousada : Câmara Municipal, 1993.
PINTO, Sandra – Memórias Paroquiais de 1758: transcrição das
Memórias Paroquiais das freguesias do concelho de Lousada. Lousada:
Câmara Municipal de Lousada, 2002. (Policopiado).
REZENDE, Conde de; SILVA, António de Matos; e, BORREGO, Nuno
Matos Lourenço Correia de. – Tratado jurídico das pessoas honradas : escrito
segundo a legislação vigente à morte d'El-Rei D. João VI. Lisboa : DisLivro,
2003. 2ª ed.

18
SÃO PAIO, 3º Marquês de [1902-1981]. – Do processo judicial de acção
de justificação de nobreza no antigo direito adjectivo português e do seu
merecimento historiográfico. Porto: Centro de Estudos de Genealogia,
Heráldica da Família da UMP, D.L. 2001.
SILVA, Francisco Ribeiro da. – As elites portuenses do século XVIII:
caracterização social e vias de mobilidade. Porto: Centro de Estudos de
Genealogia, Heráldica da Família da UMP, D.L. 2001.
SILVA, Francisco Ribeiro da Silva. – História Local: objectivos, métodos
e fontes. Sep. de Carlos Alberto Ferreira de Almeida : in memoriam. vol.II.
SILVA, Francisco Ribeiro da Silva. – O Porto e o seu termo (1580-1640):
os homens, as instituições e o poder. Porto: Câmara Municipal. Arquivo
Histórico, 1988.
SILVA, Francisco Ribeiro da Silva. – Venealidade e hereditariedade dos
ofícios públicos em Portugal nos sécs. XVI e XVII: alguns aspectos. Porto:
Centro de História da Universidade do Porto, 1988. Separata da “Revista de
História”, vol. VIII.
SILVA, José Carlos Ribeiro da. – A Casa Nobre no Concelho de
Lousada. Porto: [Edição de Autor], 2007. Dissertação de mestrado em História
de Arte em Portugal, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do
Porto.
VASCONCELOS, Francisco de. – A Nobreza do século XIX em Portugal .
Porto : Centro de Estudos de Genealogia, Heráldica da Família da UMP, D.L.
2003.
VENTURA, Maria da Graça Mateus. – Portugueses no Peru ao tempo da
União Ibérica: Mobilidade, cumplicidades e vivências. Dissertação de
Doutoramento em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa
apresentada à Universidade de Lisboa, 3 tomos, Lisboa, 2002.
VERA, Álvaro Ferreira de [15---]; et al. – Origem da nobreza política.
Lisboa: Livro Aberto, 2005.
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins (dir. e coord.) – Armorial
lusitano: genealogia e heráldica. Lisboa : Enciclopédia, 2000.

19
Índice

Introdução_________________________________________________2

A Família__________________________________________________3

A estrutura social do Antigo Regime___________________________6

A Nobreza_________________________________________________7

O Poder___________________________________________________9

Poder monárquico________________________________________10

Poder senhorial__________________________________________11

A Casa___________________________________________________12

Estudo de Caso____________________________________________13

A Família Pinto Peixoto de Sousa Vilas Boas___________________13

A Casa do Porto__________________________________________14

Conclusão________________________________________________15

Bibliografia________________________________________________17

20

Você também pode gostar