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A multiplicação de desastres naturais vitimando populações Continua acesa a discussão em torno dos resultados da
inteiras é inquietante: tsunamis, terremotos, secas e inundações reunião da convenção do clima em Bali. E talvez uma síntese
devastadoras, destruição da camada de ozônio, degelo das calotas dos argumentos colocados tanto pelos que vêem avanços como
polares, aumento dos oceanos, aquecimento do planeta, pelos que se decepcionaram possa estar no velho dito popular
envenenamento de mananciais, desmatamentos, ocupação "ruim com ele, pior sem ele". De fato, o resultado é modesto.
irresponsável do solo, impermeabilização abusiva nas grandes Mas, sem o que se decidiu, continuaríamos avançando em
cidades. Alguns desses fenômenos não estão diretamente direção a situações cada vez mais graves, interrompendo um
vinculados à conduta humana. Outros, porém, são uma processo de negociações que possa levar a compromissos de
conseqüência direta de nossas maneiras de sentir, pensar e agir. redução das emissões de gases.
É aqui que avulta o exemplo de Hans Jonas.
Em 1979 ele publicou O Princípio Responsabilidade. A O acordo de Bali reconhece que o aquecimento já
obra mostra que as éticas tradicionais - antropocêntricas e apontado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
baseadas numa concepção instrumental da tecnologia – não é inequívoco, que retardar um acordo para reduzir
estavam à altura das consequências danosas do progresso emissões aumenta o risco de impactos graves, que os cortes a
tecnológico sobre as condições de vida humana na Terra e o futuro definir terão de ser profundos e que é preciso chegar a um
acordo sobre eles, negociando já a partir do início de 2008, para especialistas, são necessárias soluções tecnológicas e políticas.
aprovar, até o final de 2009, um texto que inclua os compromissos O engenheiro agrônomo uruguaio Juan Izquierdo, do Programa
de todos os países, a vigorar em 2013, quando cessa a das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, propõe que
vigência do Protocolo de Kyoto. Além disso, pela primeira vez, o se concedam incentivos e subsídios a agricultores que
G77, que inclui os países em desenvolvimento, aceitou que produzam de forma sustentável. "Hoje a produtividade de uma
serão necessárias, de sua parte, metas de redução das lavoura é calculada com base nos quilos de alimentos produzidos
emissões. E o texto, também pela primeira vez, explicita que o por hectare. No futuro, deverá ser baseada na capacidade
futuro tratado deve incluir entre seus objetivos a redução do de economizar recursos escassos, como a água", diz ele.
desmatamento em florestas tropicais.
visíveis. A cada ano, desaparece uma área equivalente a duas No lado oposto estão os países com maior capacidade
vezes o território da Holanda. Metade dos rios do mundo está de produzir alimentos. Enquanto muitos países importadores
contaminada por esgoto, agrotóxicos e lixo industrial. A enfrentam o agravamento das condições sociais e perdas na
degradação balança comercial, os exportadores têm obtido ganhos comerciais
e a pesca predatória ameaçam reduzir em 90% a oferta significativos. Não estão livres das pressões inflacionárias
de peixes utilizados para a alimentação. As emissões de CO2 originadas no mercado internacional, mas têm melhores condições
cresceram em ritmo geométrico nas últimas décadas, provocando para se ajustar às novas conjunturas. O Brasil é um
o aumento da temperatura do globo. desses países.
Evitar uma catástrofe planetária é possível. O grande Há muito espaço para maiores investimentos na produção
desafio é conciliar o desenvolvimento dos países com a agrícola. Para o Brasil, trata-se de aperfeiçoar políticas que
preservação dos recursos naturais. Para isso, segundo os têm dado certo. Mas será preciso, também, contribuir para que
os países pobres, especialmente os da África, possam explorar
sua potencialidade agrícola. O Brasil tem uma respeitável
experiência na área da pesquisa agropecuária e pode partilhá-la
com outros países. Nenhum homem é uma ilha", escreveu o inglês John
Donne em 1624, frase que atravessaria os séculos como um
dos lugares-comuns mais citados de todos os tempos. Todo lugar-
comum, porém, tem um alicerce na realidade ou nos sentimentos
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) atingiu sua humanos - e esse não é exceção. Durante toda a história
maioridade plena em março de 2009, já que sua vigência se da espécie, a biologia e a cultura conspiraram juntas para
iniciou 180 dias após sua promulgação, em 11 de setembro de que a vida humana adquirisse exatamente esse contorno, o de
1990. Primeiro regulamento específico do mercado de consumo um continente, um relevo que se espraia, abraça e se interliga.
no Direito brasileiro, o CDC é um documento normativo A vida moderna, porém, alterou-o de maneira drástica.
inovador pois, além de patrocinar uma mudança de paradigma Em certos aspectos partiu o continente humano em um arquipélago
nas relações de consumo, cujo campo de atuação é bastante tão fragmentado que uma pessoa pode se sentir totalmente
amplo, serviu de inspiração para muitos países na construção separada das demais. Vencer tal distância e se reunir
de suas leis. aos outros, entretanto, é um dos nossos instintos básicos. E é a
ele que atende um setor do mercado editorial que cresce a
A cada ano, diferentemente do que se imaginava no passos largos: o da autoajuda e, em particular, de uma
início, vê-se que tanto os consumidores quanto as empresas autoajuda que se pode descrever como espiritual. Não porque
estão mais conscientes e seletivos em relação aos seus direitos tenha necessariamente tonalidades religiosas (embora elas, às
e deveres. Isso se deve ao crescimento e ao fortalecimento dos vezes, sejam nítidas), mas porque se dirige àquelas questões
órgãos públicos de defesa do consumidor, das entidades civis de alma que sempre atormentam os homens. Como a perda de
de defesa, além da adoção de estratégias das empresas para uma pessoa querida, a rejeição ou o abandono, a dificuldade de
aprimorar seu canal de comunicação com a clientela. conviver com os próprios defeitos e os alheios, o medo da
velhice e da morte, conflitos com os pais e os filhos, a frustração
Devemos comemorar a maioridade do Código ao com as aspirações que não se realizaram, a perplexidade diante
constatar que a sociedade brasileira conta com mecanismos do fim e a dúvida sobre o propósito da existência. Questões
jurídicos adequados para a defesa de seus direitos. No entanto, que, como séculos de filosofia já explicitaram, nem sempre têm
ainda há muito o que fazer para que se tenha um mercado de solução clara - mas que são suportáveis quando se tem com
consumo de qualidade, justo e equilibrado. quem dividir seu peso, e esmagadoras quando se está só.
As mudanças que conduziram a isso não são poucas
No século XXI é prioritária a necessidade de manter o nem sutis: na sua segunda metade, em particular, o século XX
diálogo aberto entre todos os atores desse mercado, como a foi pródigo em abalos de natureza social que reconfiguraram o
principal ferramenta para a construção de práticas jurídicas modo como vivemos. O campo, com suas relações próximas, foi
sociais e responsáveis, levando-se em conta a transparência e trocado em massa pelas cidades, onde vigora o anonimato. As
os princípios éticos. As empresas devem ver no consumidor um mulheres saíram de casa para o trabalho, e a instituição da
parceiro e aliado, e jamais tratá-lo como adversário, pois ele é "comadre" virtualmente desapareceu. Desmanchou-se também
fonte de sustentabilidade para a sobrevivência de qualquer a ligação quase compulsória que se tinha com a religião, as
fornecedor. É importante também que o consumidor desenvolva famílias encolheram drasticamente não só em número de filhos
a consciência de seu papel e de sua importância para a mas também em sua extensão. A vida profissional se tornou
economia nacional. Para tanto, deve valorizar empresas terrivelmente competitiva, o que acrescenta ansiedade e reduz as
preocupadas com questões relativas à responsabilidade social e chances de fazer amizades verdadeiras no local de trabalho.
ao desenvolvimento sustentável. Também o celular e o computador fazem sua parte, aumentando
o número de contatos de que se desfruta, mas reduzindo
sua profundidade e qualidade.
Mas só isso não basta, ele deve estar atento para suas
reais demandas e possibilidades, para o desperdício e o
desequilíbrio de seu orçamento doméstico. Ou seja, precisa Perdeu-se aquela vasta rede de segurança que, é certo,
mudar seus hábitos de consumo, como, por exemplo, originava fofoca e intromissão, mas também implicava conselhos
economizar água e energia elétrica, separar o lixo para e experiência, valores sólidos e afeição desprendida, que
reciclagem e também evitar compromissos com que não não aumenta nem diminui em função do sucesso ou da beleza.
consiga, posteriormente, arcar. Em outras palavras, o Essa é a lacuna da vida moderna que a autoajuda vem se propondo
consumidor consciente é aquele que leva em conta não só suas a preencher: esse sentido de desconexão que faz com
necessidades pessoais ao consumir, mas o impacto que essa que em certas ocasiões cada um se sinta como uma ilha desgarrada
ação possa trazer ao meio ambiente e ao bem-estar social. do continente e sem meios de se reunir novamente a
ele.