Você está na página 1de 4

Poucos lugares têm cenas tão diversificadas quanto as das novas gerações.

novas gerações. Jonas propõe uma ética para a civilização


telas de videogame. Esses jogos estão derrubando a fronteira que tecnológica, capaz de reconhecer para a natureza um direito
separa a brincadeira da realidade, e há muito tempo deixaram de próprio. O filósofo detectou a propensão de nossa civilização para
ser coisa de garotos trancados em casa. Os viciados em Atari e em degenerar de maneira desmesurada, em virtude das forças
fliperama durante os anos 80 cresceram, mas não abandonaram o econômicas e de outra índole que aceleram o curso do
hábito. O mercado de videogames movimenta bilhões de dólares, desenvolvimento tecnológico, subtraindo o processo de nosso
mais do que a receita das bilheterias de cinema. controle.
Tanto dinheiro transformou os consoles de jogo em
máquinas sofisticadíssimas. Para os jogadores, o avanço Tudo se passa como se a aquisição de novas competências
tecnológico significou uma enorme evolução sobre os jogos de tecnológicas gerasse uma compulsão a seu aproveitamento
algumas décadas atrás. Os games são hoje bastante complexos, industrial, de modo que a sobrevivência de nossas sociedades
capazes de simular muitos aspectos da realidade. Os dribles e depende da atualização do potencial tecnológico, sendo as
manobras dos atuais jogos de esporte, por exemplo, são feitos por tecnociências suas principais forças produtivas. Funcionando de
atletas profissionais, filmados e depois transferidos para o modo autônomo, essa dinâmica tende a se reproduzir
videogame. Outra tendência é criar uma cidade com infinitas coercitivamente e a se impor como único meio de resolução dos
possibilidades e deixar o jogador fazer nela o que quiser, problemas sociais surgidos na esteira do desenvolvimento. O
interagindo com personagens e descobrindo novos lugares. paradoxo consiste em que o progresso converte o sonho de
A empolgação com passatempos não é recente. Em felicidade em pesadelo apocalíptico - profecia macabra que tem
1920, foram encontrados no Iraque tabuleiros, peças e dados com hoje a figura da catástrofe ecológica. [...] Jonas percebeu o
2.600 anos de idade. Jogos como o xadrez, criado no século VI, simples: para que um "basta" derradeiro não seja imposto pela
sobrevivem até hoje. "Os seres humanos são feitos para gostar de catástrofe, é preciso uma nova conscientização, que não advém do
desafios que não sejam tão fáceis a ponto de perder a graça nem saber oficial nem da conduta privada, mas de um novo sentimento
tão difíceis que se tornem frustrantes", afirma o psicólogo alemão coletivo de responsabilidade e temor. Tornar-se inventivo no
Dietrich Dörner. Os videogames conseguem preencher essa medo, não só reagir com a esperteza de "poupar a galinha dos ovos
disposição inata de forma eficiente graças a algumas de ouro", mas ensaiar novos estilos de vida, comprometidos com o
características: eles possuem objetivos claros, vários modos de futuro das próximas gerações.
atingir o sucesso e feedback rápido, ou seja, o jogador recebe uma
conseqüência imediata após cada
ação. O resultado é uma das atividades mais envolventes que a Texto I
humanidade já inventou.
O poder de imersão dos videogames e a seqüência Representantes de 190 países acordaram ontem, na
constante de desafios podem levar à perda do sentido de tempo e Indonésia, diretrizes para um novo regime político contra o
de espaço e do limite entre a pessoa e a atividade. Os criadores de aquecimento global. O chamado "mapa do caminho de Bali",
software sabem disso e se esforçam para aumentar o caráter festejado por diplomatas e visto com ceticismo por ambientalistas,
viciador dos jogos. Uma estratégia é dar a eles o máximo de foi aceito no encerramento da 13º Conferência do Clima
realismo e a sensação de que aquela realidade existe de fato. Há, (COP-13). Frente à resistência por ações concretas, o
no entanto, o risco de se passar da conta e, de fato, viciar. Por resultado é histórico.
outro lado, pesquisadores mostraram que jogos de ação são
capazes de melhorar a (Cristina Amorim. O Estado de S. Paulo, 16 de dezembro de
percepção visual e podem dar ao jogador um raciocínio mais 2007)
complexo.
Texto II

A multiplicação de desastres naturais vitimando populações Continua acesa a discussão em torno dos resultados da
inteiras é inquietante: tsunamis, terremotos, secas e inundações reunião da convenção do clima em Bali. E talvez uma síntese
devastadoras, destruição da camada de ozônio, degelo das calotas dos argumentos colocados tanto pelos que vêem avanços como
polares, aumento dos oceanos, aquecimento do planeta, pelos que se decepcionaram possa estar no velho dito popular
envenenamento de mananciais, desmatamentos, ocupação "ruim com ele, pior sem ele". De fato, o resultado é modesto.
irresponsável do solo, impermeabilização abusiva nas grandes Mas, sem o que se decidiu, continuaríamos avançando em
cidades. Alguns desses fenômenos não estão diretamente direção a situações cada vez mais graves, interrompendo um
vinculados à conduta humana. Outros, porém, são uma processo de negociações que possa levar a compromissos de
conseqüência direta de nossas maneiras de sentir, pensar e agir. redução das emissões de gases.
É aqui que avulta o exemplo de Hans Jonas.
Em 1979 ele publicou O Princípio Responsabilidade. A O acordo de Bali reconhece que o aquecimento já
obra mostra que as éticas tradicionais - antropocêntricas e apontado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
baseadas numa concepção instrumental da tecnologia – não é inequívoco, que retardar um acordo para reduzir
estavam à altura das consequências danosas do progresso emissões aumenta o risco de impactos graves, que os cortes a
tecnológico sobre as condições de vida humana na Terra e o futuro definir terão de ser profundos e que é preciso chegar a um
acordo sobre eles, negociando já a partir do início de 2008, para especialistas, são necessárias soluções tecnológicas e políticas.
aprovar, até o final de 2009, um texto que inclua os compromissos O engenheiro agrônomo uruguaio Juan Izquierdo, do Programa
de todos os países, a vigorar em 2013, quando cessa a das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, propõe que
vigência do Protocolo de Kyoto. Além disso, pela primeira vez, o se concedam incentivos e subsídios a agricultores que
G77, que inclui os países em desenvolvimento, aceitou que produzam de forma sustentável. "Hoje a produtividade de uma
serão necessárias, de sua parte, metas de redução das lavoura é calculada com base nos quilos de alimentos produzidos
emissões. E o texto, também pela primeira vez, explicita que o por hectare. No futuro, deverá ser baseada na capacidade
futuro tratado deve incluir entre seus objetivos a redução do de economizar recursos escassos, como a água", diz ele.
desmatamento em florestas tropicais.

De fato, não há como fugir aos temas que se referem


aos países em desenvolvimento. Eles respondem por 74% do
aumento da demanda de energia previsto para as próximas O Brasil é um dos países mais preparados para responder
décadas, e a maior parte continuará a vir da queima de aos desafios da crise gerada pela alta de preços dos
combustíveis fósseis. E as emissões provocadas por alimentos. A agricultura brasileira pode produzir mais e atender
desmatamentos, à demanda crescente de comida, devida principalmente à
queimadas e mudanças no uso do solo em florestas já expansão econômica de grandes países emergentes e à
respondem por 20% do total das emissões globais. Esses incorporação de grandes massas de consumidores.
países têm argumentado que os industrializados emitem mais e
há mais tempo; a eles, portanto, cabe a maior responsabilidade A nova situação dos preços tem efeitos dramáticos nos
pela redução. É verdade, mas isso não isenta os demais países. países pobres e mais dependentes da importação de alimentos.
E é possível calcular com quanto cada um deles, desenvolvido ou Os problemas causados por esse encarecimento podem
em desenvolvimento, contribuiu para a concentração de gases que equivaler à perda de sete anos de programas de redução da
já estão na atmosfera, provocando as mudanças do clima. O pobreza, segundo o presidente do Banco Mundial. Também o
argumento de que reduzir as emissões prejudicaria o diretor-gerente do FMI está preocupado com o risco de se
desenvolvimento econômico pode ser respondido dizendo que só perder boa parte do esforço de resgate dos mais pobres.
prejudica formas insustentáveis de desenvolvimento, centrado
apenas no crescimento econômico a qualquer custo Ainda não se pode, a rigor, falar em escassez de
comida. As cotações não dependem somente das quantidades
de fato comercializadas, mas também dos estoques, que
A exploração dos recursos naturais da Terra permite à diminuíram depois de episódios de seca em algumas áreas
humanidade atingir patamares de conforto cada vez maiores. produtoras, especialmente na Austrália. Outro fator importante,
Diante da abundância de riquezas proporcionada pela natureza, quanto à oferta, foi o aumento do uso do milho nos EUA para a
sempre se aproveitou dela como se o dote fosse inesgotável. produção de etanol. Quanto à procura, o grande fator tem sido o
Essa visão foi reformulada. Hoje se sabe que a maioria dos aumento da renda de milhões de trabalhadores na Ásia.
recursos naturais de que o homem depende para manter seu
padrão de vida pode desaparecer num prazo relativamente curto, Ganhos maiores também resultam em novos hábitos,
e que é urgente evitar o desperdício. Um relatório publicado como um maior consumo de carne. Assim, a procura de
recentemente dá a dimensão de como a exploração desses alimentos de origem animal cresceu naqueles países e criou um
recursos saiu do controle e das consequências que isso pode desafio para os produtores e também para os plantadores de
ter no futuro. O estudo mostra que o atual padrão de consumo soja e de cereais usados na fabricação de rações. Os
de recursos naturais pela humanidade supera em 30% a problemas no momento resultam essencialmente do aumento
capacidade do planeta de recuperá-los. Ou seja, a natureza não muito veloz dos preços. Boa parte da população africana e das
dá mais conta de repor tudo o que o bicho-homem tira dela. áreas mais pobres da Ásia não ganha o suficiente para suportar
A exploração abusiva do planeta já tem consequências um grande aumento de gastos com alimentação.

visíveis. A cada ano, desaparece uma área equivalente a duas No lado oposto estão os países com maior capacidade
vezes o território da Holanda. Metade dos rios do mundo está de produzir alimentos. Enquanto muitos países importadores
contaminada por esgoto, agrotóxicos e lixo industrial. A enfrentam o agravamento das condições sociais e perdas na
degradação balança comercial, os exportadores têm obtido ganhos comerciais
e a pesca predatória ameaçam reduzir em 90% a oferta significativos. Não estão livres das pressões inflacionárias
de peixes utilizados para a alimentação. As emissões de CO2 originadas no mercado internacional, mas têm melhores condições
cresceram em ritmo geométrico nas últimas décadas, provocando para se ajustar às novas conjunturas. O Brasil é um
o aumento da temperatura do globo. desses países.

Evitar uma catástrofe planetária é possível. O grande Há muito espaço para maiores investimentos na produção
desafio é conciliar o desenvolvimento dos países com a agrícola. Para o Brasil, trata-se de aperfeiçoar políticas que
preservação dos recursos naturais. Para isso, segundo os têm dado certo. Mas será preciso, também, contribuir para que
os países pobres, especialmente os da África, possam explorar
sua potencialidade agrícola. O Brasil tem uma respeitável
experiência na área da pesquisa agropecuária e pode partilhá-la
com outros países. Nenhum homem é uma ilha", escreveu o inglês John
Donne em 1624, frase que atravessaria os séculos como um
dos lugares-comuns mais citados de todos os tempos. Todo lugar-
comum, porém, tem um alicerce na realidade ou nos sentimentos
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) atingiu sua humanos - e esse não é exceção. Durante toda a história
maioridade plena em março de 2009, já que sua vigência se da espécie, a biologia e a cultura conspiraram juntas para
iniciou 180 dias após sua promulgação, em 11 de setembro de que a vida humana adquirisse exatamente esse contorno, o de
1990. Primeiro regulamento específico do mercado de consumo um continente, um relevo que se espraia, abraça e se interliga.
no Direito brasileiro, o CDC é um documento normativo A vida moderna, porém, alterou-o de maneira drástica.
inovador pois, além de patrocinar uma mudança de paradigma Em certos aspectos partiu o continente humano em um arquipélago
nas relações de consumo, cujo campo de atuação é bastante tão fragmentado que uma pessoa pode se sentir totalmente
amplo, serviu de inspiração para muitos países na construção separada das demais. Vencer tal distância e se reunir
de suas leis. aos outros, entretanto, é um dos nossos instintos básicos. E é a
ele que atende um setor do mercado editorial que cresce a
A cada ano, diferentemente do que se imaginava no passos largos: o da autoajuda e, em particular, de uma
início, vê-se que tanto os consumidores quanto as empresas autoajuda que se pode descrever como espiritual. Não porque
estão mais conscientes e seletivos em relação aos seus direitos tenha necessariamente tonalidades religiosas (embora elas, às
e deveres. Isso se deve ao crescimento e ao fortalecimento dos vezes, sejam nítidas), mas porque se dirige àquelas questões
órgãos públicos de defesa do consumidor, das entidades civis de alma que sempre atormentam os homens. Como a perda de
de defesa, além da adoção de estratégias das empresas para uma pessoa querida, a rejeição ou o abandono, a dificuldade de
aprimorar seu canal de comunicação com a clientela. conviver com os próprios defeitos e os alheios, o medo da
velhice e da morte, conflitos com os pais e os filhos, a frustração
Devemos comemorar a maioridade do Código ao com as aspirações que não se realizaram, a perplexidade diante
constatar que a sociedade brasileira conta com mecanismos do fim e a dúvida sobre o propósito da existência. Questões
jurídicos adequados para a defesa de seus direitos. No entanto, que, como séculos de filosofia já explicitaram, nem sempre têm
ainda há muito o que fazer para que se tenha um mercado de solução clara - mas que são suportáveis quando se tem com
consumo de qualidade, justo e equilibrado. quem dividir seu peso, e esmagadoras quando se está só.
As mudanças que conduziram a isso não são poucas
No século XXI é prioritária a necessidade de manter o nem sutis: na sua segunda metade, em particular, o século XX
diálogo aberto entre todos os atores desse mercado, como a foi pródigo em abalos de natureza social que reconfiguraram o
principal ferramenta para a construção de práticas jurídicas modo como vivemos. O campo, com suas relações próximas, foi
sociais e responsáveis, levando-se em conta a transparência e trocado em massa pelas cidades, onde vigora o anonimato. As
os princípios éticos. As empresas devem ver no consumidor um mulheres saíram de casa para o trabalho, e a instituição da
parceiro e aliado, e jamais tratá-lo como adversário, pois ele é "comadre" virtualmente desapareceu. Desmanchou-se também
fonte de sustentabilidade para a sobrevivência de qualquer a ligação quase compulsória que se tinha com a religião, as
fornecedor. É importante também que o consumidor desenvolva famílias encolheram drasticamente não só em número de filhos
a consciência de seu papel e de sua importância para a mas também em sua extensão. A vida profissional se tornou
economia nacional. Para tanto, deve valorizar empresas terrivelmente competitiva, o que acrescenta ansiedade e reduz as
preocupadas com questões relativas à responsabilidade social e chances de fazer amizades verdadeiras no local de trabalho.
ao desenvolvimento sustentável. Também o celular e o computador fazem sua parte, aumentando
o número de contatos de que se desfruta, mas reduzindo
sua profundidade e qualidade.
Mas só isso não basta, ele deve estar atento para suas
reais demandas e possibilidades, para o desperdício e o
desequilíbrio de seu orçamento doméstico. Ou seja, precisa Perdeu-se aquela vasta rede de segurança que, é certo,
mudar seus hábitos de consumo, como, por exemplo, originava fofoca e intromissão, mas também implicava conselhos
economizar água e energia elétrica, separar o lixo para e experiência, valores sólidos e afeição desprendida, que
reciclagem e também evitar compromissos com que não não aumenta nem diminui em função do sucesso ou da beleza.
consiga, posteriormente, arcar. Em outras palavras, o Essa é a lacuna da vida moderna que a autoajuda vem se propondo
consumidor consciente é aquele que leva em conta não só suas a preencher: esse sentido de desconexão que faz com
necessidades pessoais ao consumir, mas o impacto que essa que em certas ocasiões cada um se sinta como uma ilha desgarrada
ação possa trazer ao meio ambiente e ao bem-estar social. do continente e sem meios de se reunir novamente a
ele.

Você também pode gostar