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Cláudio Pastro: tão diferente da maioria das igrejas. Cláudio Pastro, artista que revestiu a Basílica interiormente usou a
fauna e flora brasileiras e também elementos da arte afro-indígena. Nesse artigo pretendo contar por que
elementos da cultura indígena em seu aspecto simbólico permeiam o piso e alguns aspectos das paredes
A inculturação e a arte indígena no interiores do Santuário Nacional de Aparecida e por que motivos o artista fez essa opção. A Basílica de
Aparecida é o maior Santuário Mariano do mundo e, além do povo brasileiro, acolhe muitos estrangeiros
PASTRO, Cláudio.
Guia do espaço sagrado. (1a Ed. 1993).
São Paulo: Edições Loyola, 2007.
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Doutora em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Possui experiência nas áreas de Educação e Filosofia, com ênfase em
Arte-Sacra
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pelo menos de indicar em que direção ela deveria bus- o Antigo e o Novo Testamentos como exemplo de
car essa solução. Um bom caminho seria seguir pela vida e morte, nascimento e purificação. Contém toda
ideia de uma inculturação do Evangelho nas linguagens simbologia em si, ocorre no Batismo e na Eucaristia.
da arte. Segundo Pastro, esse sinal deve ser bem explícito no
recinto litúrgico e nas celebrações.
Piso desenhado em zigue-zague - forma indígena de representação da água. Arquivo da autora.
Nas declarações conciliares referentes à arte, os depoi- O presbitério da Basílica é representado por círculos
mentos feitos por Pastro e sua autodenominação como de água, tipo indígena, sai da pedra central e corre
artista “pós-conciliar” de arte sacra ficam transparen- em todas as direções: Norte, Sul, Leste e Oeste. Esse
tes. Podem-se distinguir alguns aspectos referentes à centro foi feito no dia nove de agosto de 2001. A ideia
arte no Concílio presentes na obra do artista tais como do altar é baseada na leitura de Ezequiel (47, 3-6), onde
a volta às fontes, a nobreza da arte, o lugar que ocupa do altar jorrava água para os quatro cantos da Terra e
na fé cristã, a arte como ministério, o serviço à liturgia, fertiliza a terra. É o Espírito que fertiliza a terra.
O Concílio Vaticano II e a inculturação e bela. Ele não compreendia por que em nossa arte a relação entre a liberdade da arte e a inculturação.
O Brasil é país de dimensão continental e com uma
O piso central do presbitério com a representação
indígena da água e o piso entre as arcadas e de todos
na obra de Cláudio Pastro sacra não entrava o elemento negro nem índio, dizia
que a arte barroca sempre foi uma arte branca, salvo população composta ao início por brancos, indíge- os barrados em um movimento de águas indicam a
a latino-americana espanhola que ainda adotou um nase afrodescendentes e ao lado destas etnias foram ação contínua do Espírito Santo que dá vida a este
Cláudio Pastro (1948-2016) artista sacro brasileiro
surgindo os caboclos e mestiços. Pastro, seguindo as espaço, que é um lugar por excelência batismal. Entrar
nascido em São Paulo, Capital, desenvolveu e realizou pouco mais da cultura indígena. Mas na arte de origem
indicações do Concílio Vaticano II, coloca elementos no Santuário é mergulhar no Cristo que é a fonte da
o projeto iconográfico interiordo Santuário Nacional portuguesa, o índio e o negro não entravam.
simbólicos das culturas afro-indígenas nas paredes Vida Nova.
de Aparecida desde o ano 2000. Seu projeto a prin-
do Santuário criando uma arte de beleza ímpar que
cípio causou estranhamento a muitos que estavam O Concílio Ecumênico Vaticano II (1961-1965), no
encanta os milhares de romeiros de todo o Brasil que Há também no piso a referência às águas do Rio Para-
habituados culturalmente à tradição da arte barroca. capítulo VII da Constituição da Liturgia, Sacrosanctum
visitam a Mãe Aparecida. íba do Sul, onde a imagem foi encontrada. Entre as
Cláudio se autodenominava um artista pós Concílio Concilium, estabelece o princípio do reconhecimento
arcadas externas, no piso do adro principal, temos o
Vaticano II, pois se inspirou nos documentos conci- da liberdade estilística dos artistas e correlativamente Os católicos brasileiros veem em Nossa Senhora Apa- brasão da Basílica. A forma indígena de cestaria sim-
liares os quais sugerem que a arte sacra que reveste as o direito de adotar uma arte sacra que fale a lingua- recida, nossa Mãe – Rainha – Padroeira, forte elo e boliza a terra brasileira que recebeu o Mistério cristão.
igrejas deve conter elementos que expressem a cultura gem de sua época e de sua região. Pode-se dizer que a pertença à Igreja. A pequena imagem encontrada nas Cláudio Pastro em depoimento a Zenilda Cunha escla-
de cada povo em sua nação. Igreja Católica renuncia a toda ideia de programação águas do Rio Paraíba do Sul pelos pescadores em 12 rece: “em Aparecida, o espaço nuclear do Santuário foi
ou de regulamento romano da arte e admite que a arte de outubro de 1717 parecia aos olhos dos que a viam, concebido na forma circular, perfeita, indicando-nos
Não foi, portanto, uma extravagância de Pastro, mas a cristã, na Europa como nos ex-países das missões, deve um retrato personalizado da miscigenação brasileira. o Mistério Divino aí celebrado e, nesse ponto central,
compreensão deuma demanda conciliar que o inspirou se adaptar, evoluir, ou mesmo se reinventar continu- Possui traços europeus e está vestida à moda dos bran- tem-se o Altar de granito maciço de forma quadrada, a
a utilizar-se de elementos das culturas afro-indígenas amente, pois uma programação normativa e centrali- cos, com cabelos indígenas e de cor negra. forma humana, limitada. É o Verbo de Deus que se fez
assim como a fauna e a flora brasileiras. zada da arte é impensável e até indesejada. Homem e habitou entre nós; o Cristo, Novo Adão que
Desde o início de sua carreira, o artista dizia que sem- A Água e o Altar da Basílica de Aparecida nos devolveu o Paraíso. Sendo o Cristo o Altar, d’Ele
pre gostou da arte primitiva e desejava mostrar como O Concílio se ocupou, sobretudo, de resolver o pro- parte seu Espírito, movimentando a forma das águas
a arte indígena genuinamente brasileira é primitiva blema da arte de inspiração cristã fora da Europa ou A água, um dos elementos vitais do homem, permeia no piso, o qual está em zigue-zague, forma indígena de
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No baldaquino: o índio e a rã (muiraquitã)
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