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SEMIÓTICA E MÍDIA
textos, práticas, estratégias
SEMIÓTICA E MÍDIA
textos, práticas, estratégias
Unesp – Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
Bauru, São Paulo, Brasil
Reitor
Marcos Macari
Vice-Reitor
Herman Jacobus Cornelis Voorwald
Diretor
Antônio Carlos de Jesus
Vice-Diretor
Roberto Deganutti
Organizadores
Maria Lúcia Vissotto Paiva Diniz
Jean Cristtus Portela
Comissão editorial
Jean Cristtus Portela
Loredana Limoli
Maria Lúcia Vissotto Paiva Diniz
Mariza Bianconcini Teixeira Mendes
Matheus Nogueira Schwartzmann
Revisão
Adriane Ribeiro Andaló Tenuta
Fouad Camargo Abboud Matuck
Mariza Bianconcini Teixeira Mendes
Matheus Nogueira Schwartzmann
Normalização
Dimas Alexandre Soldi
Fouad Camargo Abboud Matuck
Luiz Augusto Seguin Dias e Silva
Tânia Ferrarin Olivatti
organização
SEMIÓTICA E MÍDIA
textos, práticas, estratégias
Unesp/FAAC
2008
Copyright © 2008 Unesp/FAAC
ISBN 978-85-99679-11-1
Os organizadores 265
Os autores 267
Semiótica midiática e níveis de pertinência | 95
SEMIÓTICA MIDIÁTICA
E NÍVEIS DE PERTINÊNCIA
Jean Cristtus Portela
1 Algumas publicações francesas e brasileiras no domínio da semiótica midiática (em alguns casos, em sua
derivação mercadológica) serão citadas e comentadas ao longo deste artigo. Quanto às italianas, as seguintes
obras constituem uma pequena mas representativa amostra da produção editorial em semiótica midiática na
Itália: Bertetti e Scolari (2007), Pezzini (2006), Marrone (2005, 1998), Rutelli e Pezzini (2005), Semprini (2005)
e Bettetini (1996).
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2 Todo inventário corre o risco de pecar por inclusões e exclusões obscuras. Preocupei-me aqui em citar, sem
qualquer pretensão de exaustividade, alguns livros recentes e periódicos já consolidados que atestam a ferti-
lidade da pesquisa em semiótica midiática, especialmente em sua vertente greimasiana. Vale lembrar que a
influência da mídia na pesquisa semiótica atual é tão abrangente que chegou até mesmo a revistas como Alfa
(Unesp) e Estudos Lingüísticos (GEL), em que é cada vez mais comum encontrar análises lingüísticas e semió-
ticas da mídia impressa, televisiva, radiofônica e digital.
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3 Cf. o diagrama dos níveis de pertinência no artigo de Fontanille traduzido para esta coletânea (p. 18). Aqui, o
diagrama será chamado de “percurso gerativo da expressão”, “percurso da expressão” ou, ainda, “percurso dos
níveis de pertinência”.
4 Essa e as demais traduções de obras sem tradução em língua portuguesa são de minha autoria.
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“distância” que ele mantém de seu objeto, estamos sempre diante do problema
da esquematização e da valoração das unidades de significação e da forma como
nos relacionamos com elas. De uma maneira geral, o que está sempre em jogo
na nossa relação com o mundo dos signos são as questões (1) da abstração e da
figuração, das (2) propriedades intrínsecas e das contingentes e dos (3) valores
de esquema e de uso.
Os signos, mesmo tomados como entidades isoladas, exercem um fascínio
inegável sobre nossa inteligência. O menor ruído, a quase imperceptível osci-
lação da luz, a ínfima variação na temperatura ambiente ou o discreto irrom-
pimento de um gosto ou cheiro desconhecidos convidam o sujeito senciente a
mobilizar sua visada na busca de uma apreensão.
É essa propriedade de espontânea e imediata captação do fluxo de atenção
que dá ao nível de pertinência dos signos uma fértil aplicação no campo da se-
miótica midiática, na medida em que as mídias vivem em busca daquilo que de
forma mais rápida e eficiente toca a sensibilidade do sujeito. O ícono-texto que
é a primeira página do jornal, por exemplo, deixa claro o papel proeminente da
seleção e combinação de signos (formas, cores, contrastes, projeções, volumes).
atribuída a São Cipriano de Cartago: “fora do texto não há salvação, todo o tex-
to, nada mais que o texto, nada fora do texto” (Greimas, 1974: 25).
O estudo do texto midiático impresso, televisivo, radiofônico e digital pro-
vavelmente jamais será deixado de lado, pois a preocupação com a concreção
dos textos-enunciados, por mais que a semiótica atual coloque-a em questão, é
uma característica fundadora da episteme semiótica greimasiana. No entanto,
na abordagem do texto midiático percebe-se que o problema-chave da análise
não é descrever a enunciação enunciada e o enunciado enunciado simplesmente,
mas recuperar, por catálise, os elementos enunciativos que permitem ao analista
restituir o sentido do enunciado não enunciado.
A problemática da depreensão do enunciado na mídia impressa cotidiana,
por exemplo, passa por algumas questões fundamentais que nos fazem pensar
sobre a natureza e os limites do nível de pertinência do texto: (1) a notícia ou
o artigo são enunciados resultantes de uma demanda contínua e orientada, de-
terminada pela organização das pautas do jornal; (2) esses enunciados têm um
contexto de ocorrência preestabelecido (a página, o caderno, a publicação como
um todo, o grupo de comunicação no comando); (3) eles tratam de narrativas
e valores cuja elaboração quase sempre está inacabada (a produção da notícia,
segundo as várias tendências editoriais, tenta estabilizar, por exemplo, as narra-
tivas políticas, mas o fato é que ela não tem controle – ou não deveria ter – sobre
os acontecimentos políticos).
Assim, fica evidente como o nível de pertinência do texto-enunciado por si
só não consegue sincretizar de forma coerente e satisfatória toda a problemática
da depreensão do enunciado nas mídias. É o percurso da expressão que orga-
niza, então, essa heterogeneidade multimodal (cada modo de funcionamento
equivalendo a um nível do percurso) a partir da introdução e da articulação de
outros níveis de pertinência, sendo este o fenômeno que Fontanille (2005: 32-3)
chama de resolução sincrética.
5 O campo mercadológico, tanto pelos objetos que tem analisado (jornal, cartaz, panfleto, música, vídeo, websi-
te e artefatos em geral) quanto por sua tessitura enunciativa (que supõe a primazia do actante coletivo), pode
ser situado no interior do campo midiático, que seria responsável pelo instrumental (os gêneros e os formatos
das diversas mídias) que a empresa, seja organização pública ou privada, dispõe para comunicar-se com seus
destinatários.
6 A esse respeito, é exemplar a frase visionária de Floch (1990: 12): “A semiótica pode ajudar a administrar um
sucesso”.
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Cenas práticas
Assim, por meio de uma programação prévia que prevê sucessivas adapta-
ções (ajustamentos) e combinações com outras práticas, a cena predicativa es-
tabiliza o sentido da significação valendo-se de uma narrativização da situação
semiótica, que faz as vezes de “contexto” do texto prático.7
A importância da experiência prática na compreensão da mídia revela-se
pertinente, por exemplo, nos trabalhos de Oliveira (2006a; 2006b) que estudam
o jornal impresso tanto em sua plasticidade quanto na experiência corporal for-
necida por sua leitura. De maneira semelhante, é com a cena predicativa e sua
experiência prática que estamos lidando quando Diniz (2002) reflete sobre as
práticas orais e escritas e seus estereótipos consagrados pelo uso, investigan-
do sua manifestação no telejornal. Ainda no domínio da mídia televisiva, é só
pensar na maneira como o mobiliário de um programa de comportamento e
sua distribuição topológica participam das práticas de troca conversacional do
apresentador com os entrevistados, com o auditório e com os telespectadores
(Soldi, 2008).
7 A semiotização do “contexto” em situação semiótica (Landowski, 1989: 189-99; 2004: 15-37) é amplamente
aceita na semiótica atual, que se preocupa, aliás, em desvencilhar-se da noção de “contexto”, que supõe um
acréscimo exterior ao texto propriamente dito e não uma mudança de nível de pertinência da ordem da conti-
nuidade do fenômeno semiótico. Cf. Fontanille (2008; 2007).
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8 No caso da televisão, a proposta de organização dos gêneros televisivos de François Jost (1999: 21-34), que
prevê a existência dos modos lúdico, autentificante (real) e ficcional, pode servir de base para uma abordagem
socioletal das formas de vida, em detrimento das abordagens de cunho idioletal que até hoje predominaram.
9 Nesse sentido, são oportunas as críticas que lhe fazem Sémir Badir (2006; 2007; 2008) para quem o percurso
da expressão de Fontanille mistura expressão e conteúdo e não leva em consideração a distinção entre práticas
interpretativas e práticas produtivas.
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pergunta a essa resposta virá certamente com o tempo: tempo de análise e veri-
ficação, tempo de experimentação, partilha e consolidação do saber semiótico.
O devir do percurso gerativo da expressão seguirá de perto o devir da pró-
pria semiótica e dependerá, entre outros fatores, do lugar que a semiótica ocu-
pará em um futuro próximo nas ciências humanas e sociais, na medida em que
a elaboração dos níveis de pertinência de que trata uma disciplina está intima-
mente ligada à maneira como a disciplina recorta o campo científico.
Diante da produção constante e fecunda e de sua penetração generalizada
na elaboração dos novos desdobramentos em semiótica geral, à semiótica mi-
diática caberá provavelmente a tarefa de liderar o projeto que estabelecerá os
limites da atuação da semiótica enquanto aventura axiológica.
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ANEXO
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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