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2020/2021

Gonçalo Pereira Reis 2020225246 P2 T1


Relações Internacionais – Ciência Política
Prof. D. Fernanda Barreto Alves
O Nacionalismo e as Contradições Internacionais

No âmbito da disciplina de Ciência Política, procuro neste ensaio explicar o


fenómeno sucedido e evidenciado pela reportagem do jornal Deutsche Welle. No artigo
jornalístico são descritas as tensões provocadas pelo comentário proferido pelo
Presidente Emmanuel Macron acerca do islamismo e a violenta reação do mundo
islâmico. Ora, este fenómeno envolve uma análise complexa das diferenças entre o
nacionalismo francês e o nacionalismo “islâmico”, das dinâmicas de poder entre os
vários Estados e a forma como estes impõem a sua soberania num panorama
internacional. Na minha opinião, este fenómeno insere-se mais numa dinâmica de
conflito entre Estados, excluindo o terrorismo como o acontecimento fundamental de
todo este processo.

Para iniciar esta análise é crucial compreender quais foram os impactos da


doença Covid-19 na nossa realidade política. No caso dos países islâmicos, a situação
político-económica está bastante grave, devido ao acentuar das desigualdades sociais e à
crescente desconfiança face à ordem internacional e à própria legitimidade de cada
Estado.

Para entender a situação também é necessário compreender a construção do


nacionalismo islâmico. A identidade nacional dos Estados, da comunidade islâmica,
desenvolve-se num processo de dinâmicas anticoloniais e fortemente influenciada pelas
tradições e costumes de cada povo. Após a descolonização, os novos Estados
emergentes buscaram no nacionalismo religioso uma identidade nacional própria,
fundamentando a construção dos seus modelos políticos sobre bases tradicionalistas e
conservadoras. Todavia, a falta de soberania e a excessiva intervenção estrangeira
nestes Estados impediu um desenvolvimento político-económico ordeiro, provocando
crises de emigração e surgimento de grupos extremistas, que atestam contra a ordem
não só nacional, como também internacional, assim como em certos países, como a
Turquia, o ressurgimento do autoritarismo. Esta instabilidade económico-social provoca
a radicalização das forças política e o surgimento de forças separatistas, que sepultam a
viabilidade e sucesso de qualquer modelo político.

Diante do agitamento social, os atores políticos, da comunidade islâmica,


utilizam as ferramentas de coerção do Estado para evitar o colapso dos seus projetos

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políticos. Os “governos nacionalistas usam programas escolares para perpetuar mitos
nacionais e construir uma cultura nacional” (Mayall. 1999. Pag. 478). Esta coerção
acontece através da repressão estatal e imposição de uma identidade nacional. Estes
fenómenos acontecem na Turquia, por exemplo, com a repressão sobre os curdos e o
salientar do nacionalismo turco. Países como a Turquia, por exemplo, também
representam o radicalização dos movimentos políticos e a sua institucionalização como
Estados salienta a instabilidade social e a inviabilidade do projeto liberal nestes sítios.

Também, estes atores políticos e Estados financiam, por vezes, ações de


terrorismo contra outros países. Contemporaneamente, o terrorismo islâmico surge
devido as grandes contradições político-económicas existentes nos países islâmicos e
este fenómeno, devido à globalização, assombra o mundo inteiro. O radicalismo do
movimento islâmico está associado também a uma forte repulsa contra a civilização
ocidental. As contradições também político-culturais no seio da sociedade francesa
provocam o levantamento destes fenómenos de terrorismo. O terrorismo na França
surge como uma arma política, por parte de quem o pratica, numa luta contra a
hegemonia do pensamento ocidental e numa tentativa de abrir espaço para outros
projetos político-culturais. No entanto, obviamente, que os valores defendidos, pelos
terroristas são bastante extremados e incompreensíveis para a sociedade francesa, que
não partilha da mesma matriz cultural.

No caso francês, houve um aprofundamento das desigualdades e do


descontentamento social face ao modelo político-económico vivido. O desconcerto
social veio a intensificar a retórica política do nacionalismo exacerbado, que o
Presidente Emmanuel Macron também resolveu utilizar, apesar de isto ir ligeiramente
contra o seu ideário de cariz mais liberal e globalista. A pandemia também assentou o
declínio político-económico da Europa e, neste caso, da França no panorama
internacional.

É também necessário entender o que é o nacionalismo francês e explicitar a sua


construção histórica e o que o leva agora a tornar-se num fenómeno, de certo modo,
extremista dentro do discurso político atual. A identidade nacional francesa desenvolve-
se sobre uma retórica profundamente influenciada pelo pensamento iluminista, assim
como uma visão eurocêntrica do mundo. O Estado francês moderno constrói-se sobre as
bases do primado da liberdade e, de certo modo, do secularismo das suas instituições,
embora seja inegável a influência do catolicismo na história política da França.
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Atualmente, a identidade nacional francesa desenvolve-se dentro das dinâmicas
da democracia liberal e do Projeto Europeu. Para perceber a crise política que leva ao
exacerbar da retórica nacionalista, é preciso compreender quais são os problemas
provocados pela integração europeia e o resultado dos antagonismo do modelo liberal.
Primeiramente, a União Europeia, um órgão político supranacional, veio aprofundar e
problematizar, ainda mais, o debate sobre o que é o Estado-Nação e isto entra em
choque com certas figuras políticas eurocéticas, do vida política francesa, cuja ideologia
é marcadamente de direita tradicionalista e conservadora. Outro aspeto é importante é a
incapacidade da democracia liberal lidar com os problemas do capitalismo e a falta de
alternativa política real à esquerda. Ora, estes problemas trouxeram uma nova vida ao
nacionalismo exacerbado e aos políticos destas correntes ideológicas, que incendiaram o
espaço público com o seu ideário populista e nacionalista.

Perante este cenário político, o Presidente Emmanuel Macron decidiu também


adotar uma posição nacionalista e impor a posição francesa no espaço internacional. A
estratégia política de Macron tem dois objetivos: em primeiro lugar, no plano nacional,
fazer frente aos seus adversários políticos, como Marine le Pen, e também fazer cumprir
a Constituição francesa, já que esta afirma: “Ninguém pode ser assediado por causa de
suas opiniões, mesmo religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem
pública estabelecida pela lei” (Artigo X) .As autoridades francesas, face ao grande
descontentamento social, criam e problematizam o problema do terrorismo islâmico,
desviando a atenção da população sobre outros assuntos importantes. Em segundo lugar,
impor o Estado francês no panorama internacional.

Finalizada a minha explicação sobre a situação da França e dos países da


comunidade islâmica fica mais fácil entender as dinâmicas de poder entre os vários
Estados e como estes interagem entre si no panorama das relações internacionais. “A lei
da não-intervenção foi seriamente modificada no sentido que a abertura criou uma
legitimidade para intervenção estrangeira por países membros em assuntos nacionais”.
Ora, os países islâmicos, perante o comentário do Presidente francês, adotam uma
atitude de solidariedade entre si, contestando a França internacionalmente. Estes
Estados não só utilizam as suas ferramentas diplomáticas para impor a sua soberania no
plano internacional, como conseguem persuadir as suas sociedades civis a apoiar as
decisões tomadas contra o Estado francês. De certo modo, exercitam a sua soberania
numa forma contra-hegemónica, já que procuram contestar a palavra do presidente

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francês nas esferas internacionais. O fenómeno da violência e do terrorismo é utilizada
como uma arma política para atacar o Estado o francês e legitima-se esta ação em nome
da defesa da religião. Os Estados e os seus atores políticos, aproveitando-se da
instabilidade social, estão a movimentar as suas populações para a um inimigo, neste
caso o Presidente Emmanuel Macron e o seu comentário sobre o islão.

O Estado francês ameaçado por esta vaga de terrorismo tenta exercer a sua
soberania doméstica dentro do seu território, porém, devido ao clima conflituoso vivido
numa sociedade francesa, que é atualmente multicultural, falha e isto só provoca um
maior desacato e tensão entre os franceses e as outras comunidades culturais. O
terrorismo resulta deste conflito cultural e do pânico vivido pela população tanto
francesa, como muçulmana. O Estado francês procura exercer poder e pressão junto dos
países islâmico, não obstante, este exercício de poder é frustrado pela posição, já
referida, adotada por estes Estados. “Coerção e imposição, ao contrário de convenções e
contratos, deverão envolver assimetrias de poder” (Krasner. 1999. Pág. 37) que países,
como a França, utilizam no cenário internacional para impor a sua vontade face a
Estados mais fracos.

“Um estado muito limitado no seu controlo doméstico efetivo pode ter completa
soberania legal internacional” (Sorense. 1999. Pág. 603) Isto está neste momento a
acontecer, de certo modo, com a França já que a sua administração doméstica está a
atravessar vários problemas e, no entanto, tenta exercer a sua soberania, enquanto
potência, no panorama internacional.

Em conclusão, a situação atual, entre a França e os vários Estados, da


comunidade islâmica, resulta de um processo longo de intensificação e radicalização das
forças políticas, como também a sua institucionalização sobre um clima de
desagregação do Estado-Nação e do ressurgimento do autoritarismo em vários Estados e
a exportação do terrorismo e a luta política através do terror.

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Referência/Bibliografia

Deutsche Welle (www.dw.com). “Muçulmanos Protestam Contra Macron Em Vários

Países.” DW.COM, 2020, www.dw.com/pt-br/mu%C3%A7ulmanos-protestam-contra-

macron-em-v%C3%A1rios-pa%C3%ADses/a-55443650.

Krasner, Stephen. Sovereignty. First Edition, Princeton University Press, 1999.

Mayall, James. Soverignty, Nationalism and Self-determination. 1999.

Sorense, Gborg. Soverignty: Change and continuity in Fundamental Institution. 1999

Vv., Aa. Constitution de La République Française: 2020 (French Edition).

Independently published, 2020.

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