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Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

ENSAIO CRÍTICO
A DECADÊNCIA DA DEMOCRACIA BURGUESA

GONÇALO REIS P2 T2 Nº 2020225256


RELAÇÕES INTERNACIONAIS – CIÊNCIA POLÍTICA
Prof. D. Fernanda Barreto Alves e Prof. D. Miguel Borba de Sá.
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A Decadência da Democracia Burguesa

Apesar da aparente complexidade do fenómeno norte-americano, as suas origens


são bastantes claras e residem, na sua essência, no aprofundamento da crise estrutural
do capitalismo (1). A situação pandémica veio acentuar ainda mais este processo,
provocando ainda mais desigualdades socioeconómicas, assim como também um estado
de desesperado no seio da população (2). A classe trabalhadora estadunidense,
revoltada, contínua a ser vítima de políticas pouco favoráveis à sua realidade, pois a
prioridade de Washington concentra-se no avanço das multinacionais e da burguesia
internacional, acentuando a exploração do Terceiro Mundo, em detrimento do
desenvolvimento das zonas periféricas dos Estados Unido ( 3). Os trabalhadores, muito
apoiantes de Trump, saem agora às ruas, em manifestação, prevendo uma administração
Biden pouco favorável à manutenção dos seus postos de trabalho. No entanto, a
população negra sai simultaneamente em protesto também, contestando a violência
exercida pelo Estado contra si, exigindo a reforma da polícia ( 4); todavia, sem sucesso,
já que o Estado intensifica a sua violência, afastando quaisquer possibilidades de
reforma. Tudo este fenómeno descrito articula-se na dinâmica de crise do capitalismo,
marginalizando cada vez mais a classe trabalhadora, como também reduzindo a
democracia estadunidense a um aspeto formal e pouco representativo.

Em qualquer época as relações de produção, a economia, determinam


inevitavelmente a natureza do Estado e por consequência as relações socias dentro da
sociedade (5). Se nos EUA os meios de produção são privados, assim como toda a
atividade produtiva dirigida em conformidade com a lei do lucro e do interesse privado,
a natureza do Estado assume-se em correlação com a classe dominante, neste caso a
burguesia, uma vez que este grupo de interesse tem o capital político/económico
necessário para conduzir, juntos dos atores políticos, a administração pública ( 6). A
democracia norte-americana é política, porém, não assume um caracter democrático no
âmbito da economia, da cultura e do social, pois a produção/distribuição é decidida por
privados arbitrariamente; o acesso à cultura de qualidade não é universal; e socialmente
as desigualdades persistem entre negros e brancos, como também entre mulheres e
homens (7). Na democracia norte-americana também existem assimetrias explícitas de
poder, entre a classe trabalhadora e a classe dominante. Esta desigualdade de poder
acontece devido à natureza das relações de produção, como também devido à

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desorganização de organismos políticos ligados às revindicações da classe trabalhadora,
por exemplo, sindicatos ou partidos socialistas (8).

Neste contexto, o trumpismo surge como resposta institucional aos problemas da


população, visto que a retórica desta corrente proclama proteger a indústria nacional,
postos de trabalho, as tradições estadunidenses, sem abordar a contradição fundamental
do sistema económico. O trumpismo não é um elemento novo no quadro ideológico da
democracia liberal, dado que este fenómeno político surge quando a pauta liberal
progressista é incapaz de resolver os problemas económicos, assim como quando as
forças políticas de esquerda não estão suficientemente organizadas para alcançar o
poder ou conduzir, no âmbito institucional, reformas. Este fenómeno político não é
novo no Partido Republicano, contudo, estava escondido nas fações mais extremadas e
menos vocais (9). O trumpismo ocupa o espaço onde a esquerda está desorganizada e
procura assimilar a classe trabalhadora com uma retórica messiânica, bem como dividir
a população numa lógica Nós VS Eles, sem nunca tentar ter uma análise clara das
origens da falta de representatividade das medidas tomadas no âmbito do executivo e do
legislativo. Donald Trump procura aproveitar-se das lógicas sensacionalistas dos meios
de comunicação para publicitar a sua campanha e consegue fazê-lo perfeitamente. Os
meios de comunicação devido à sua lógica de consumo imediato revelaram ser
perigosos para a democracia estadunidense (10), uma vez que perante o cenário eleitoral
de 2016, repleto de notícias falsas, não procuraram ter uma função pedagógica junto da
população, aproveitando-se da marginalização, falta de conhecimentos e cultura
presentes nas pessoas mais desfavorecidas dos Estados Unidos para maximizar os seus
lucros.

A derrota eleitoral de Donald Trump não marcará o fim do trumpismo, enquanto


fenómeno ideológica conectado com o nacionalismo exacerbado e o divisionismo, já
que este estará sempre presente nas margens políticas do sistema. Por agora, o
trumpismo influenciará a manifestação política da população até a economia, sobre uma
pauta progressista, resolver minimamente os seus problemas e voltar a entrar numa
lógica de crescimento. Neste momento, não é possível ter a certeza se as manifestações
de apoio a Trump continuaram ou não, mas provavelmente quando a administração
Biden principiar este fenómeno, ligado à imagem do presidente derrotado, irá
desaparecer. As manifestações trumpistas só poderão continuaram se irem além do
personalismo conectado com a imagem de Trump e se desenvolverem características

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políticas distintas, como também irem além do próprio Partido Republicano. Nesta
situação, o Partido Republicano, enquanto um pilar institucional da democracia norte-
americana, poderá funcionar como travão ao extremismo se regressar à moderação
política (11).

Contudo, este movimento, protagonizado por apoiantes de Trump, é bastante


interessante, pois conseguimos compreender o desgaste da democracia política dos
Estados Unidos. As eleições para a população norte-americana tornaram-se numa mera
formalidade e o próprio presidente derrotado entende somente as eleições como uma
fonte explícita de legitimar o seu poder, não como um pilar fundamental da democracia
e da liberdade política. As eleições assumem agora um carácter quase formal, em vez de
serem uma fonte de expressão popular, de soberania da vontade popular sobre o
aparelho burocrático das instituições. A desconfiança da população estadunidense é
tanta que para muitos a possibilidade de fraude eleitoral é legítima. Esta desconfiança
fundamenta-se na incapacidade da democracia, em ligação com seu sistema económico,
ser incapaz de traduzir realmente os desejos da população, formando apenas quadros
burocrático para administrar o Estado sobre uma retórica política claramente limitada
(12).

Embora a erosão do sistema partidário norte-americano se tenha agravado, as


forças políticas do arco da governação ainda conseguem restringir o discurso político
dentro dos limites da institucionalidade da democracia burguesa; ou seja a
administração do Estado é conduzida entre o liberalismo progressista até o nacionalismo
trumpista, sendo nunca contestado realmente a ordem económica vigente, que é a
origem fundamental dos problemas. Este limite da retórica política, como também o
atraso de reformas profundas, tem causado distúrbios violentos na população
estadunidense, pois esta não sente o melhoramento no seu bem-estar, assim como sente-
se cética em relação à democracia do país, pois esta não tem conseguido resolver as
contradições principais das desigualdades a nível regional, entre estados, como também
a nível social, entre negros e brancos, por exemplo, e ainda mais a pouca
representatividade popular dada pelo aparelho partidário no âmbito das instituições do
poder.

Deste processo emergem os movimentos sociais e em particular o ressurgimento


dos movimentos articulados com o combate contra o racismo presente nas instituições
norte-americanas, bem como na própria sociedade. Movimentos sociais, como Black
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Lives Matter, assumem características visivelmente diferentes, em comparação com
fenómenos semelhantes ocorridos no passado. Se comparamos o movimento
preconizado por Martin Luther King, Angela David ou MalcoLm X, com a atual
situação podemos compreender diferenças radicais na sua origem ideológica e
construção. Atualmente, o Black Lives Matter e outras correntes contra o racismo não
adotam posições de carácter radial na transformação da sociedade, optando por exigir
reformas circunscritas à área mais superficial do problema, como por exemplo: a
reforma policial. Estes novos movimentos socias não atuam numa lógica contra o
sistema na sua totalidade, apesar da sua faceta apartidária, mas contra as falhas mais
visíveis do modelo político-económico. Embora haja fações mais politizadas deste
movimento que compreendem a natureza economia do racismo. Apesar do crescimento
do bem-estar material e social da população negra, esta continua a ser vítima de um
racismo sistémico, oriundo da exploração económica, da segregação racial, estando
cristalizado nas instituições de poder dos Estados Unidos. A maioria da população
afroamericana ainda é vítima de uma grave exclusão social comparativamente com o
resto da classe trabalhadora branca norte-americana.

Em conclusão, a irresolução dos problemas socioeconómicos por parte das


autoridade políticas leva a estes fenómenos novos, como também contribui para
acentuar do declínio da hegemonia dos Estados Unidos. A democracia deste país está
numa grave crise e o seu futuro deste modelo político é difícil de prever. As reformas
são necessárias e urgentes e talvez Joe Biden não terá capital político, como também
vontade, para as realizar. O destino dos Estados Unidos da América, a primeira potência
mundial, é neste momento um mistério…

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Referências

(1) - Partido Comunista Português. 2020. “Teses: Projeto de Resolução Política”.


Pág. 5. Avante.
(2) – Adamczyk, Alicia. 2020. “Inequality has been building for decades in the
U.S., but experts say the panemic ‘ripped it open’”. CNBC, outubro 23.
https://www.cnbc.com/2020/10/23/coronavirus-is-exacerbating-economic-
inequality-in-the-us.html
(3) - Dos Santos, Thetonio. 1975. Imperialismo e Empresas Multinacionais. Pág.
160. Coimbra: Centelha.
(4) – Buchanan, Larry, Quoctrung, Bui e Jugal K. Patel. 2020. “Black Lives Matter
May Be the Largest Movement in U.S History”. The New York Times, julho 3.
https://www.nytimes.com/interactive/2020/07/03/us/george-floyd-protests-
crowd-size.html
(5) – Engels, Friedrich e Marx, Karl. 2008. O Manifesto Comunista. Pág. 16.
Lisboa: Padrões Culturais.
(6) – Heywood, A. 1997. Politics. Pág. 246-247. Basingstoke: Palgrave.
(7) – V., Krapívine. 1983. O socialismo real: as relações sociais e o individuo. Pág.
68. Moscovo: Edições Progresso Moscovo.
(8) – Greenhouse, Steven. 2019. “American unions have been decimated. No
wonder Inequality is booming.”. The Guardian, agusto 29.
https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/aug/15/valuing-corporations-
over-workers-has-led-to-americas-income-inequality-problem
(9) – Beauchamp, Zack. 2020. “The Republican Party is an authoritarian outlier”.
VOX, setembro 22. https://www.vox.com/policy-and-
politics/21449634/republicans-supreme-court-gop-trump-authoritarian
(10) – Condry Jonhn e Popper, Karl. 1995. Televisão: Um Perigo Para A
Democracia. Pág. 8. Lisboa: Gradiva.
(11)- Kabaservice, Geoffrey. 2020. “What’s driving so many Republicans to
supoort Joe Biden”. The Washington Post, outubro 30.
https://www.washingtonpost.com/outlook/2020/10/30/whats-driving-so-many-
republicans-support-joe-biden/
(12) – Pasquino. 2002. “Curso de Ciência Política”. Pág. 159. Lisboa:
Estampa.

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