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Aula 04 – Condições históricas para o surgimento da psicanálise

1-Contexto histórico-filosófico

Podemos considerar o pensamento moderno (séc. XVII / XVIII


Iluminismo) como sendo caracterizado por sua ruptura com o pensamento
medieval (séc.V até séc. XV). Valoriza o indivíduo, a consciência, a
subjetividade, a experiência e a atividade crítica, em oposição às instituições, à
hierarquia, ao sistema e à aceitação dos dogmas e verdades estabelecidas, que
caracterizam a ordem social medieval.

Situando historicamente: Desenvolvimento da economia mercantilista, o


descobrimento do Novo Mundo, as grandes navegações, a Reforma
protestante, as novas teorias científicas no campo da física e da astronomia
(Galileu e Copérnico), são fatos que ocorrem em torno dos sécs XV a XVII e
marcam uma visão de mundo que se contrapõe à visão medieval,
caracterizando, assim, o surgimento do mundo moderno

-Modernidade: Nova forma de pensamento e de visão de mundo


inaugurada pelo Renascimento e que se contrapõe ao espírito medieval,
desenvolvendo-se nos sécs. XVI e XVII com Francis Bacon, Galileu e
Descartes, dentre outros, até o Iluminismo do séc.XVII, do qual é a principal
expressão
- René Descartes1[1] (1596-1650) XVI e XVII França A dúvida
metódica: Se eu duvido de tudo o que me vem pelos sentidos, e se duvido até
mesmo das verdades matemáticas, não posso duvidar de que tenho
consciência de duvidar, portanto de que existo enquanto tenho essa
consciência. Sua filosofia parte da presença do pensamento e não da presença
do mundo. Descartes afirma a universalidade da consciência.

Galileo Galilei (1564-1642) (Renascimento) nos mostrou que a nossa percepção a olho nu
pode nos enganar (defendendo as idéias de Copérnico1473-1543), de que a Terra gira em
torno do sol, golpe no antropocentrismo), que a Natureza escreve em linguagem
matemática. A partir da idéia de que a percepção pode nos enganar, nos iludir, Descartes
desenvolve a idéia de que nossa única certeza é o pensamento e todos os outros processos
eram funções do corpo. Desse modo ele introduz uma dualidade físico/psicológica que
desvia a atenção do conceito abstrato de alma para o estudo da mente e suas operações.
Como resultado, os métodos de pesquisa deixaram a análise metafísica e abraçaram a
observação objetiva.

Com Descartes temos a idéia de mecanismo aplicada ao corpo humano.


A filosofia mecanicista era de uma influência tão grande que foi só uma
questão de tempo para que fosse aplicada também à mente humana.

1[1]
O pensamento de René Descartes (1ª metade do séc. XVII 1596- 1650)
simbolizou a transição da época Renascentista para a Moderna. Desde a
época de Platão a maioria dos pensadores sustentava que mente (ou alma,
ou espírito) e corpo tinham naturezas diferentes. Mas qual é o
relacionamento entre eles? Um influencia o outro ou eles são
independentes? Antes de Descartes se aceitava a idéia de que a mente
estava para o corpo assim como um manipulador para sua marionete. Na
Idade Média (séc.X, por exemplo, se acreditava que a mente não só era
responsável pelo pensamento e pela razão, mas também pela reprodução,
percepção e locomoção. O que Descartes mudou nesta idéia foi propor 1-
que mente e corpo se influenciam mutuamente e 2-que a função da mente
era a de pensar.
Sendo assim, foi Descartes que abriu um campo que possibilitou o
surgimento dos estudos sobre os mecanismos da mente.

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Se na Idade Média o conhecimento era concebido de maneira totalizadora e


totalizante, onde a separação sujeito-objeto não era considerada, será, principalmente, a
partir de Descartes que o objeto do conhecimento poderá ser decomposto e representado.

2-A doença mental no séc. XIX

Foi a visão cartesiana (séc XVII) de mundo que impôs a oposição entre
razão e desrazão. Para Descartes não havia um pensamento louco, mas sim um
homem louco. Portanto, o que distingue o homem do animal é a racionalidade.
Loucos eram vistos como animais a serem domados.Foucault nos diz que a
loucura é uma produção do séc. XVIII (Inglaterra-1798), através dos seus
saberes, suas práticas e suas instituições.

Séc. XIX: psiquiatria visualizadora, morfológica, atomizadora e baseada


no naturalismo positivista2[2]. A loucura era identificada com a desrazão.

&n bsp;A medicina e a psiquiatria do séc.XIX eram excessivamente visuais e


descritivas dos fenômenos. Freud introduz a dimensão “auditiva” ao tratamento e a

2[2]
Os neurologistas estavam agrupando os distúrbios
neurológicos em síndromes e doenças

Os neuropatologistas estavam localizando lesões para explicar


fenômenos clínicos

&n bsp;Os neuropsiquiatras começavam a aplicar princípios semelhantes aos do


comportamento
dimensão histórica do Homem. Mostrou que o passado tinha importância para o presente e
para os acontecimentos da vida do paciente, inclusive o adoecimento.

No séc.XIX a medicina tenta diferenciar a loucura da simulação. A


principal busca dos médicos era por uma lesão anatômica que explicasse a
doença.

William Cullen (séc. XVIII) classificou as doenças mentais e foi o


primeiro a utilizar o termo neurose para designar uma doença que não
é acompanhada de febre ou patologia localizada. Ele preparou o
caminho para o surgimento da psiquiatria como ramo científico, no
séc. XIX.

Phillip Pinel (1745-1826) é quem lança os fundamentos de uma


psiquiatria científica. Ele acreditava que o ambiente social influenciava para o
surgimento da doença. Achava que a loucura deveria ser tratada e vista como
um problema da sociedade.

Maureau de Tours (discípulo de Esquirol), dizia que delírio e sonho são


absolutamente idênticos. “Sonhar é psicopatologia transitória de pessoa
normal”

A hipnose é uma técnica introduzida por James Braid (segunda metade


do sécXIX) como um meio de controle de uma pessoa sobre a outra.

3-Psicanálise: metapsicologia

A psicanálise se instituiu como saber fazendo crítica ao discurso


médico, que desde o início do séc. XIX procurava ligar os sintomas das
doenças às possíveis lesões existentes na estrutura anatômica do corpo. A
medicina clínica se fundava no discurso da anatomia patológica.
Sobre a religião e a medicina da época:

No fim do XVIII e início do XIX, a noção de riqueza de uma nação vai estar
fundamentalmente relacionada com a qualidade de sua população. O século XIX tem
instituições sanitárias (saúde pública e medicina social) e pedagógicas (escolarização
obrigatória) que garantem a qualidade da população, diferentemente do século anterior
onde os recursos naturais e o território eram o foco de atenção das políticas de poder.

Sendo a população o grande objeto de cuidados do Estado Moderno, a


reprodução, o sexo enquanto meio de reprodução, se torna tema central. O
cuidado com as crianças e sua saúde é, então, responsabilidade da mãe.
Portanto, o papel da mulher, sua saúde e o bom desenvolvimento das crianças
evoluem com a ginecologia, a obstetrícia e a pediatria.

Foi escutando as histéricas e positivando seu discurso, que Freud situou


os impasses produzidos pelo discurso anátomo-clínico. Nas histéricas a
manifestação sintomática não se reduzia a materialidade de uma lesão
anatômica. As histéricas eram vistas como mentirosas que inventavam
doenças inexistentes.

Freud destacou a dimensão de verdade inserida nas estruturas psicopatológicas e


rompeu, definitivamente, com a tradição psiquiátrica baseada no cartesianismo, na qual a
loucura era identificada com a desrazão. A cena histérica trazia os fantasmas sexuais
inconscientes. A categoria de inconsciente seria justamente a materialização do
descentramento do sujeito moderno.

A metapsicologia freudiana é um estudo do que está para além da


consciência, o inconsciente.

ICS: processos primários, energia livre

CS: processos secundários energia ligada

.4- Modernidade e interpretação


“... a visão psicanalítica da relação do ego consciente com um inconsciente irresistível constituía
um golpe severo para o amor-próprio humano. Descrevi-o como sendo o golpe psicológico ao
narcisismo dos homens, e o comparei com o golpe biológico desfechado pela teoria da
descendência e o golpe cosmológico, mais antigo, a ele dirigido pela descoberta de Copérnico”.

Sigmund Freud, 1924< /span>

&n bsp;As formas de interpretação sofreram mudanças na tradição do

conhecimento ocidental. Na modernidade se instaura uma nova forma de

pensamento inaugurada por René Descartes (1596-1650), que postulava o

homem com sendo o centro detentor do saber, partindo do princípio de que para

que o conhecimento fosse verdadeiro, esse deveria possuir uma fundamentação

metafísica. Como se sabe, o cogito é a fundação da idéia moderna de uma

autoconsciência do sujeito. A tradição que daí decorre terá homem como medida

do conhecimento. O antropocentrismo será, portanto a marca do pensamento

moderno.

Evidentemente Freud teve sua teoria influenciada por essa tradição consciencialista.

Um exemplo disto é a idéia de “trazer à luz o inconsciente”, que estava presente desde seus

“Estudos sobre a Histeria”. Como afirma Birman:“O modernismo é um sintoma da

modernidade o que faz retornar de forma trágica o que esta quis recusar com a pretensões

do sujeito de ser autônomo e soberano, isto é, auto-centrado nos registros do eu e da

consciência.
Podemos vislumbrar na obra de Freud, principalmente, na “Interpretação dos

Sonhos” tanto a soberania da consciência como a queda desse ideal, através do umbigo do

sonho. Queremos apenas apontar com isso, que a psicanálise, por meio de uma

de suas principais obras, pode ser vista como sintoma da modernidade.

Como afirma Michel Foucault: “Cada forma cultural da civilização ocidental teve

seu sistema de interpretação, as suas técnicas, os seus métodos, as suas formas próprias de

suspeitar que a linguagem quer dizer algo diferente do que diz, e entrever que há linguagens

dentro de uma mesma linguagem.” Nessa perspectiva, Freud pode ser considerado um autor

moderno e ao mesmo tempo crítico da modernidade, pois bem sabemos que sua obra se

produziu em cima de conceitos que oscilavam entre o que é arbitrário (traumático) e o que é

passível de apreensão (representável). Um exemplo disso são as diferentes concepções de

pulsão( de vida e de morte). Foucault sinaliza que a interpretação na modernidade tem um

caráter hermenêutico porque:

“... encontra-se diante da obrigação de interpretar-se a si mesma até o


infinito; de voltar a encontrar-se consigo mesma. (...) a morte da
interpretação é o crer que há símbolos que existem primariamente,
originalmente, realmente como marcas coerentes, pertinentes e
sistemáticas. A vida da interpretação, pelo contrário, é o crer que não há
mais do que interpretações.” (FOUCAULT, 1975:26).

&n bsp;Na modernidade a concepção de um sujeito está fadada a uma

produção incessante por meio dos jogos de verdade. Essa noção introduzida por
Foucault nos indica mais uma vez, que não há um ponto de chegada na aventura

interpretativa moderna.

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