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Artigo Marcia Final
Artigo Marcia Final
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Aluna do Curso de Licenciatura em Filosofia da UFRGS e bolsista do PIBID Filosofia/UFRGS.
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Na pesquisa acerca da obra “Sobre a Pedagogia” nos deparamos com a discussão sobre a autenticidade do
texto, como possivelmente não sendo de autoria exclusiva de Kant. A própria obra apresenta, em seu prefácio
da edição brasileira aqui utilizada, uma breve explicação acerca do modo peculiar de sua elaboração, tendo
sido finalizada e publicada (e provavelmente organizada) por Theodor Rink, discípulo de Kant. O manuscrito
“O problema da autenticidade das preleções de Pedagogia”, de Santos R., nos apresenta uma minuciosa
análise das pesquisas e argumentos existentes em torno do problema, a partir da qual se conclui que não há
qualquer razão para, sem maior acuidade, desconsiderar a obra como parte legítima do conjunto da obra
completa de Kant. É possível identificarmos diversas passagens do texto da Pedagogia com o pensamento
kantiano, identificação que pode ser feita e sustentada por meio da comparação com outros textos que não
apresentam tal controvérsia com relação à sua autoria. No presente escrito, recorremos a este recurso, a fim
de indicar a unidade do pensamento kantiano no que diz respeito ao seu discurso sobre a educação.
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O homem possui uma “dupla cidadania”, pois deve considerar-se a si mesmo como inteligência, enquanto
pertencendo ao mundo inteligível; assim, por um lado está submetido às leis naturais enquanto ser sensível e
portanto pertencente do mundo sensível e, ao mesmo tempo, como pertencente do mundo inteligível
submetido à leis que independem da natureza, que não são empíricas, mas fundadas somente na razão. (Cf.
FMC, IV: 452. 2005, p.102)
4
Do termo original “Naturanlagen” (Pedagogia, IX). Na edição brasileira utilizada, o termo é traduzido como
"disposições naturais". Entretanto, em virtude da abordagem no presente artigo em termos da “dupla
1
diferentemente dos outros animais, precisa desenvolvê-las pelo seu próprio esforço, uma vez
que a natureza não faz isto por ele 5. Assim, a importante tarefa de desenvolver plenamente as
disposições é designada à educação, que segundo Kant, representa por isso o maior e mais
árduo problema que pode ser proposto aos homens.
Na Pedagogia, Kant apresenta uma teoria da educação que orienta como desenvolver
as disposições físicas e intelectuais do homem, observando os cuidados adequados às
diferentes etapas de crescimento. Apesar de suas especificidades, o estímulo ao pensamento
crítico está presente em todas as etapas, mostrando a necessidade de cultivar-se desde cedo no
homem a capacidade de usar a própria razão6. Como meio de desenvolver o pensamento
crítico, Kant afirma: “no cultivo da razão é preciso praticar o método de Sócrates”7 (Cf.
IX:477. 1999, p. 70). No Manual dos cursos de lógica geral 8, Kant afirma que o método
socrático é o método ideal para o ensino de filosofia. Vemos claramente nesse modo de
conceber a filosofia a sua concepção de que o pensamento filosófico está intimamente ligado
ao pensamento crítico, concepção que é igualmente sustentada na Crítica da Razão Pura e é
ilustrada pelo jargão “não se pode aprender a filosofia (...) só se pode aprender a
filosofar”(CRP, A838/B866). A afirmação é inteligível a partir da perspectiva que aponta a
filosofia como disciplina que só pode ser aprendida pelo próprio exercício da razão; dito de
outro modo, como expressão legítima do pensamento de um ser autônomo.
dimensão”, foi necessário utilizar somente “disposições”. Isto porque o termo relativo à “natural” em
“Naturanlagen” faz referência às disposições com as quais o homem nasce – portanto, sendo a ele “naturais”
-, enquanto na distinção aqui utilizada entre dimensão natural e dimensão inteligível, o termo "natural"
reporta-se ao aspecto sensível, material, corpóreo. Assim, optou-se por utilizar simplesmente o termo
“disposições” e explicitar de outras formas que estas nascem com o homem e, portanto, são próprias e
originárias dele. Ainda, é conveniente dizer que talvez seria mais fiel à ideia que Kant pretende transmitir
utilizar a noção de “potencialidade”, uma vez que na literatura filosófica o termo “disposição” é usado para
expressar algo atual, enquanto Kant se refere a uma potencialidade, entendida como a capacidade para
desenvolver algo, que, portanto, não é atual. Contudo, para não haver discrepância nos usos do termo, em
meu texto e na tradução disponível, mantive o verbete utilizado pelo tradutor.
5
Cf. Pedagogia, IX:441. 1999, p.12.
6
“(...) não é suficiente treinar as crianças, urge que aprendam a pensar”. (Pedagogia, IX:450. 1999, p. 27)
7
O método socrático é caracterizado por ser uma investigação dialógica, isto é, o tema ou questão em pauta é
investigado por meio de perguntas e respostas mútuas. No contexto da educação, esta investigação dialógica
se dá entre professor e aluno.
8
Kant, I. Manual dos cursos de Lógica geral. Trad. Fausto Castilho. 2. ed. Campinas: Editorada UNICAMP,
2003. Obra que apresenta uma definição de quais seriam os métodos mais adequados para o ensino e
aprendizagem dos diferentes tipos de conhecimento.
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o desenvolvimento da autonomia, uma vez que esta é condição para o avanço 9 da humanidade
rumo ao esclarecimento e à moralidade.
Nas páginas iniciais de “Sobre a Pedagogia”, Kant anuncia: “o homem não pode se
tornar um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz”
(Pedagogia, IX:443.1999, p.15). Não é evidente, à primeira vista, como devemos
compreender a afirmação feita por Kant, que aponta para uma espécie de poder transformador
da educação, um poder tal capaz de formar o “verdadeiro” homem. Contudo, a obra desvela
satisfatoriamente o significado da expressão, colocando a perfectibilidade humana como
ponto de partida para o desenvolvimento da pedagogia. Isto é, a partir da possibilidade de
aperfeiçoamento da natureza humana e de uma identificação das disposições a serem
desenvolvidas é que se deve elaborar um projeto pedagógico para a humanidade. Ao nascer, o
homem possui disposições que não estão nele prontas e que precisam ser desenvolvidas. Mas
uma vez que não nasce imediatamente apto a fazer isto sozinho, o homem necessita da ajuda
de outros10: é precisamente este o papel que cabe à educação. Assim, a pedagogia kantiana
pretende dar conta de uma formação que vai da educação física à educação moral ou prática,
cobrindo as distintas disposições do homem. A educação física trata da dimensão natural do
homem, enquanto a educação moral11 trata da dimensão inteligível.
Enquanto ser natural, o homem não se distingue dos outros animais. Contudo,
distintamente dos outros animais, o homem é capaz de pensar e agir segundo regras. Nas
palavras de Kant, o homem encontra em si mesmo uma faculdade pela qual se distingue de
todas as outras coisas, e até de si mesmo, na medida em que ele é afetado por objetos; essa
faculdade é a razão(Cf. FMC, IV:452. 2005, p. 101) 12. Assim, enquanto racional, o homem
deve educar sua natureza inteligível. Tal dimensão abrange dois aspectos a serem
desenvolvidos: a sua disposição para a sociabilidade e a sua disposição para a moralidade. O
9
Este “avanço” deve ser compreendido a partir da perspectiva do respeito pela dignidade humana. Pode-se
dizer que houve um avanço considerável neste sentido, se observarmos o gradual aumento, na história da
humanidade, da preocupação com o estabelecimento e cumprimento de leis que visam assegurar o respeito
pela vida e pela dignidade humanas.
10
Cf. Pedagogia, IX:441. 1999, p.12.
11
A partir daqui, utilizarei apenas “educação moral”, o que equivale à “educação prática”.
12
Cf. Antropologia, VII:127. 2006, p. 27.
3
desenvolvimento da moralidade é o ponto mais importante, uma vez que esta representa o
destino do homem, enquanto ser racional.
A ordem imposta indica de modo enfático que, uma vez que o homem apresenta em si
mesmo disposições com naturezas distintas, deve-se dar distinto tratamento ao modo de
desenvolvimento destas. Na obra “A Religião nos limites da simples razão” encontramos uma
13
“ A disciplina submete o homem às leis da humanidade e começa a fazê-lo sentir a força das próprias
leis”. (Cf. Pedagogia, IX:442. 1999, p. 13)
14
Kant relaciona a formação da prudência com o desenvolvimento de uma aptidão para relacionar-se e
comportar-se em sociedade com civilidade.
4
divisão semelhante:
Da disposição originária para o bem na natureza humana. Quanto ao seu fim, podemos
com justiça reduzi-la a três classes como elementos da determinação do homem: 1°. a
disposição para a animalidade do homem, como ser vivo; 2° a sua disposição para a
humanidade enquanto ser vivo e racional e 3°. a disposição para a sua personalidade,
como ser racional e, simultaneamente, suscetível de imputação. (...) são originárias
porque pertencem à possibilidade da natureza humana. (Religião, VI:26-28. 1992, p.
32-34)
5
entendimento e enquanto relacionada à vontade. Intelectualmente livre é o homem que
desenvolveu sua autonomia no campo teórico; enquanto que moralmente livre é o homem que
desenvolveu inteiramente sua autonomia – no campo teórico e prático – uma vez que, para
Kant, a autonomia representa a própria liberdade da vontade de um ser racional 17. Contudo,
ainda que a educação moral expresse o sentido forte de autonomia na educação e, portanto,
deva receber uma atenção mais acurada, o ensino na educação física também deve em certa
medida desenvolver a independência do homem. Para que tenha consciência da necessidade
da autodisciplina e dos limites das próprias forças, deve-se impedir que o homem crie hábitos,
quando estes não são para o próprio bem e em conformidade com as suas disposições
naturais.
Um homem sem dúvida pode, no que respeita à sua pessoa, e mesmo assim só por
algum tempo, na parte que lhe incumbe, adiar o esclarecimento [Aufklärung]. Mas
renunciar a ele, quer para si mesmo quer ainda mais para sua descendência, significa
ferir e pisar nos sagrados direitos da humanidade. (VIII:039. 2005, p. 69).
Se uma época não realiza este passo, estará de alguma forma retardando o processo de
aperfeiçoamento ao qual a humanidade está destinada. A saída da menoridade intelectual na
direção do esclarecimento pode ser compreendida como o desenvolvimento da autonomia
intelectual do homem, já apontada na Pedagogia como fundamental na educação. Essa saída
da menoridade representa a libertação do homem do jugo dos interesses e pensamentos de
outrem; de plena posse de sua autonomia, o homem é capaz de posicionar-se livremente. Na
Pedagogia também há a referência explícita à importância fundamental de cada geração no
aperfeiçoamento da educação:
17
“(...) vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e mesma coisa”. (FMC, IV:447. 2005, P. 94)
18
“Diversos motivos levam-nos a julgar que, sem ser perfeita, a transcrição pela palavra “esclarecimento”
talvez seja de todas a melhor, principalmente porque acentua o aspecto essencial da Aufklärung, o de ser um
processo (...) que a razão humana efetua por si mesma para sair do estado que Kant chama menoridade (…)”.
(Resposta à pergunta: Que é Esclarecimento?”, 2005. p. 63).
6
Cada geração, de posse dos conhecimentos das gerações precedentes, está sempre
melhor aparelhada para exercer uma educação que desenvolva todas as disposições
naturais na justa proporção e de conformidade com a finalidade daquelas, e, assim,
guie toda a humana espécie a seu destino”. (Pedagogia, IX:446. 1999, p. 19)
Talvez a educação se torne sempre melhor e cada uma das gerações futuras dê um
passo a mais em direção ao aperfeiçoamento da humanidade, uma vez que o grande
segredo da perfeição da natureza humana se esconde no próprio problema da
educação. (Pedagogia, IX:444. 1999, p. 16)
Educar é educar tendo em vista este ideal de humanidade 19, cujo ápice encontra-se na
moralidade. Assim, a educação deve guiar todos os seus esforços na construção de uma
civilização orientada na direção desse ideal.
Por fim, podemos dizer que uma educação voltada para a autonomia, é, em última
análise, uma educação para a liberdade. Desse modo, torna-se forçoso investigar se Kant
aponta algum meio ou atividade conducentes ao desenvolvimento da autonomia. Ainda é
possível perguntar acerca da natureza de um conhecimento adquirido de maneira racional, isto
é, a partir de princípios. Partindo da resposta à segunda questão, encontrada na primeira das
Críticas, vamos sugerir que a atividade filosófica, pelo seu universo de investigação e modo
peculiar de aprendizado, representa um meio legítimo de desenvolver a autonomia. Com isto,
não está a se afirmar que só a disciplina de filosofia possa desenvolver essa capacidade, mas
que, uma vez que se pretenda ensinar ao aluno a atividade filosófica – o próprio filosofar -,
isto só pode ser feito pelo desenvolvimento de um pensamento crítico.
Na “Crítica da Razão Pura” Kant apresenta dois aspectos sob os quais podemos
distinguir o conhecimento: ele pode ser considerado objetiva e subjetivamente. Com esta
distinção, o filósofo pretende chamar a atenção para o modo como é produzido o
conhecimento no sujeito (subjetivamente), particularmente o conhecimento racional (em
19
Para compreender melhor o “ideal de humanidade” para Kant, é importante conhecer o que ele considera por
“Reino dos Fins”. Por “Reino dos fins”, considerando os propósitos do presente artigo, a seguinte citação
deve bastar para esclarecer: “O filósofo de Königsberg é tributário, entre seus feitos, do tribunal da auto-
crítica da razão e da elaboração de um sistema ético que culmina na autonomia moral do ser humano. Este
sistema ético permite pensarmos a humanidade simultaneamente, enquanto um indivíduo que oferece a si
mesmo a lei pela qual regula sua ação e enquanto coletivo de indivíduos que se orientam pelos mesmos
princípios e que, deste modo, abrem caminho para a concretização de uma comunidade ética universal, o que
Kant denomina como Reino dos Fins.” (SANTOS, R., 2007, p. 2).
7
oposição ao histórico) e, mais especificamente, a peculiaridade do conhecimento filosófico.
Mesmo entre os conhecimentos racionais20, a Filosofia apresenta uma peculiaridade no seu
modo de apreensão que resulta naquela caracterização segundo a qual ela é uma disciplina
necessariamente vinculada ao pensamento crítico. É a partir da distinção entre conhecimento
objetivo e subjetivo que tentaremos compreender o célebre jargão kantiano encontrado na
Crítica da Razão Pura, o qual inevitavelmente suscita uma profunda questão sobre o ensino de
filosofia:
(...) não é possível aprender qualquer filosofia (...) Só é possível aprender a filosofar,
ou seja, exercitar o talento da razão, fazendo-a seguir os seus princípios universais em
certas tentativas filosóficas já existentes, mas sempre reservando à razão o direito de
investigar aqueles princípios até mesmo em suas fontes, confirmando-os ou
rejeitando-os. (CRP, A838/B866).
8
quando alguém memoriza um sistema filosófico e é capaz de recitar todos os seus princípios e
mesmo sua organização interna; contudo, se lhe for solicitada qualquer nova formulação ou
princípio será incapaz de fornecer22.
No contexto desta passagem, Kant afirma que a Matemática é a única disciplina que só
pode ser aprendida racionalmente. O conhecimento matemático, pela sua própria natureza,
não possibilita um conhecimento histórico: uma vez que é impossível aprendê-la senão pelo
exercício da razão. Por isso, “dentre todas as ciências racionais (a priori), portanto, só é
possível aprender Matemática, mas jamais Filosofia (a não ser historicamente); no que tange à
razão, o máximo que se pode é aprender a filosofar” (CRP, A837/B865). Essa afirmação pode
ser compreendida a partir da tese que Kant endossa na primeira Crítica, sobre a inexistência
da Filosofia como ciência efetiva. O que existem são diversas tentativas filosóficas, nenhuma
delas tendo se mostrado, até então, correta e duradoura, tal como o sistema de conhecimentos
que constitui a ciência Matemática. De qualquer modo, mesmo que suponhamos a existência
de uma Filosofia única, ainda assim, o conhecimento daquele que a aprendesse não deixaria
de ser um conhecimento apenas histórico (Cf. OBIOLS, 2002, p. 74-75). Nas palavras de
22
“Formou-se segundo uma razão alheia, mas a faculdade imitativa não é a faculdade produtiva, ou seja, o
conhecimento não se lhe originou a partir da razão; embora, é verdade, se trate objetivamente de um
conhecimento racional, subjetivamente não passa de um conhecimento histórico”. (CRP, A836/B864)
9
Kant:
Aquele que quer aprender a filosofar (...) só pode considerar todos os sistemas de
filosofia como história do uso da razão e como objetos para o exercício de seu talento
filosófico. (apud. OBIOLS, 2002, p. 75)
Dado isto, podemos dizer que o conhecimento filosófico que na sua constituição é
destituído desta forma autônoma de pensar – isto é, destituído de sua racionalidade -, consiste
em um conhecimento puramente histórico. De modo que a autonomia é condição essencial
para a construção de um saber ou conhecimento filosófico que se pretenda como
conhecimento racional, não meramente histórico. Racionalmente, só nos é possível percorrer
e analisar de maneira crítica cada uma das tentativas filosóficas existentes, o que já constitui
propriamente mais uma tentativa filosófica.
Mas como desenvolver no aluno um pensamento crítico, tal qual o indicado pela
perspectiva kantiana como constitutivo do “filosofar” e qualquer outro conhecimento
constituído de modo racional? Encontramos em pelo menos duas obras kantianas uma
indicação de resposta à questão. No “Manual dos cursos de Lógica geral” Kant define o
método “dialógico” ou “socrático”24 como aquele que envolve aluno e professor num processo
de investigação onde as perguntas se dirigem ao intelecto e não meramente à memória (para
este último o método ideal é chamado “catequético”25). Em “Sobre a Pedagogia” Kant aponta
explicitamente “o método de Sócrates” como o método ideal no cultivo da razão (Cf.
23
Cf. OBIOLS, em “Uma introdução ao ensino da Filosofia”, para Kant não é possível que aprendamos
Filosofia porque para ele não há um saber filosófico aceito, como há um saber matemático; o que existe são
tentativas de saber filosófico em sistemas que não foram duradouras em todas as suas partes. (2002, p. 75)
24
“Com efeito, o diálogo socrático por perguntas ensina o aprendiz a conhecer seus próprios princípios
racionais e aguça sua atenção para eles.” (KANT, MCLG, IX:150. 2003, p. 297)
25
“(...) o método catequético vale tão somente para os conhecimentos empíricos e históricos, ao passo que o
dialógico vale, ao oposto, para os racionais”. (KANT, IX:150. 2003, p. 297).
10
Pedagogia, IX:477). Ainda no Manual de Lógica, Kant aponta o método pelo diálogo
socrático como o método adequado para o ensino dos conhecimentos racionais, a Filosofia e a
Matemática.
Considerações finais
Assim, inspirados em Kant, por duas razões sugerimos a Filosofia - enquanto objeto
de aprendizado – como representando um meio legítimo para o desenvolvimento da
autonomia. Primeiro, uma vez que o pensamento crítico se manifesta na capacidade de
compreender, analisar, saber avaliar e questionar o que foi aprendido mediante critérios
racionais - o que torna possível a nossa aceitação e rejeição de ideias -, infere-se que o próprio
aprendizado de filosofia, como exercício racional, que emerge do próprio uso que o homem
faz da sua razão, exemplifica um genuíno processo de conhecimento caracterizado
essencialmente pela autonomia. Segundo, o universo de investigação da Filosofia se estende
por toda a dimensão da compreensão humana, nas palavras de Kant, podendo ser resumido na
pergunta “o que é o homem?”26. Assim, a Filosofia é capaz de desenvolver a autonomia
teórica e prática do indivíduo. Pelas razões expostas, fica evidente o porquê de a Filosofia –
como disciplina escolar – ser frequentemente chamada à responsabilidade no sentido de
desenvolver um pensamento crítico que não se limite ao campo teórico, mas se estenda ao
campo prático (frequentemente referido na preparação para o exercício pleno da cidadania).
Especialmente no que diz respeito ao erro que consiste em apresentar a filosofia como
algo acabado, o que ocorre no ensino que substitui a filosofia por história da filosofia,
podemos dizer que, para Kant, todo o ensino deveria ter como espinha dorsal o estímulo ao
aprimoramento contínuo visando à produção de novos conhecimentos. As demais disciplinas
além da filosofia também deveriam ser ministradas com um espírito crítico, tornando possível
pela educação, a formação de homens capazes de dar continuidade à ciência e à busca pelo
esclarecimento, viabilizando às próximas gerações sempre um avanço maior que o das
gerações anteriores.
26
“Kant define a Filosofia como um sistema de conhecimentos racionais a partir de conceitos em estreita
relação com os últimos fins da razão humana. A Filosofia, deste modo, deixa-se resumir nas seguintes
questões: “o que posso conhecer?”, “o que devo fazer?” e “o que posso esperar?” e “o que é o homem?”.
Conforme Kant, a última indagação incorpora as anteriores. A pergunta sobre o ser humano é, portanto,
central no sistema filosófico de Kant”. (SANTOS, R.. 2007, p.3)
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REFERÊNCIAS
______. A religião nos limites da simples razão. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1992.
210 p.
______. Crítica da razão pura. Trad. Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. 2 ed. São
Paulo: Abril Cultural, 1983. 421 p.
______. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições
70, 2005. 117 p.
______. Manual dos cursos de Lógica geral (Lógica de Jäsche). Trad. Fausto Castilho. 2 ed.
Campinas: UNICAMP, 2003. 318 p.
______. Sobre a pedagogia. Trad. Francisco Cock Fontanella. 2 ed. Piracicaba: Unimep,
1999. 107 p.
OBIOLS, Guillermo. Uma introdução ao ensino da Filosofia. Trad. Sílvio Gallo. Ijuí: Ed.
Unijuí, 2002. 144 p.
PERRIN, André. A história das idéias e a didática: dois perigos para o ensino filosófico. Trad.
Leonardo Sartori Porto. Original: L'histoire des idées et la didactique: deux dangers pour
l'enseigment philosophique. Disponível em:
<http://philo.pourtous.free.fr/Articles/A.Perrin/histoiredidact.htm>. Acesso em: julho de 2011.
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