Você está na página 1de 44

9

A Maneira de Pensar na Primeira Infância: Ilhas de Competência


O RELATO DE PIAGET SOBRE O DESENVOLVIMENTO MENTAL NA
PRIMEIRA INFÂNCIA
Egocentrismo
Confusão entre aparência e realidade
Raciocínio pré-causal
O ESTUDO DO PENSAMENTO DE CRIANÇAS PEQUENAS DEPOIS DE PIAGET
O problema de níveis desiguais de desempenho
Explicações pós-piagetianas do desenvolvimento na primeira infância
Teorias neopiagetianas do desenvolvimento cognitivo
Abordagens do processamento de informação
Um relato da aprendizagem ambiental: quantidade de experiência
Relatos biológicos do desenvolvimento mental na
primeira infância
Cultura e desenvolvimento mental na primeira infância
O DESENVOLVIMENTO DO DESENHO: APLICAÇÃO DAS PERSPECTIVAS
TEÓRICAS
Construção das etapas do desenho
Um relato sobre o processamento de informação do
desenho
O desenho como um módulo mental
Uma consideração sobre o desenvolvimento do desenho
do ponto de vista do culturalismo
RECONCILIANDO PERSPECTIVAS ALTERNATIVAS

352

Em toda sentença, ... em todo ato infantil [dos dois aos cinco anos de idade] é revelada
uma completa ignorância das coisas mais simples. É claro que eu não cito estas
expressões para desprezar os absurdos infantis. Ao contrário, eles me inspiram respeito,
porque são a evidência do trabalho gigantesco que acontece na mente da criança que,
aos sete anos de idade, resulta na conquista deste caos mental.
Kornei Chukovsky, From Two to Five

Um grupo de crianças de cinco anos de idade estava ouvindo "A sopa de pedras", uma
história do folclore recontada por Mareia Brown. "A sopa de pedras" é a história de três
soldados famintos que fizeram alguns camponeses lhes dar comida, fingindo fazer sopa
de pedras. "As pedras derretem?" pergunta Rose, uma das crianças? A professora
Vivian Paley relata a conversa que seguiu a essa pergunta:

"Você acha que elas derretem, Rose?"


"Acho."
"Alguém concorda com Rose?"
"Elas derretem se a gente cozinhar elas", disse Lisa.
"Se a gente ferver elas", acrescentou Eddie.

Ninguém duvidava que as pedras da história haviam-se derretido e que as nossas


também derretiam.
"Podemos cozinhá-las e descobrir", disse eu. "Como vamos poder dizer que elas
derreteram?"
"Elas vão ficar menores", disse Deana.
As pedras foram colocadas na água fervendo durante uma hora e, depois, colocadas, na
mesa para serem inspecionadas.
Ellen: Elas estão muito menores.
Fred: Muito, muito. Quase derretidas.
Rose: Eu não consigo comer pedras derretidas.
Professora: Não se preocupe, Rose. Você não vai comê-las. Mas eu não estou
convencida de que elas derreteram. Podemos provar isso?

A Sra. Paley sugere pesar as pedras para ver se elas vão perder peso enquanto fervem.
As crianças descobrem que elas pesam um quilo no início. Depois de terem fervido
novamente, acontece a seguinte conversa:
Eddie: Ainda pesam um quilo. Mas estão menores.
Wally: Muito menores.
Professora: Elas têm o mesmo peso. Um quilo antes e um quilo agora. Isso significa que
elas não perderam peso.
Eddie: Elas só ficaram um pouquinho menores.
Wally: A balança não consegue ver as pedras. Ei, uma vez em Michigan havia três
pedras emuma fogueira e elas derreteram. Desapareceram. Nós vimos.
Deana: Talvez as pedras da história sejam mágicas.
Wally: Mas estas não são.
(Adaptada por Paley, 1981, p. 16-18.)

Podemos ver que, quando a Sra. Paley provoca as crianças a ajustar o mundo da história
e o mundo dos seus sentidos, as crianças exibem um padrão de pensamento que é típico
durante os anos de pré-escola - uma mistura de lógica profunda e pensamento mágico.
As crianças acreditam, corretamente, que, quando as pedras são "cozidas", elas ficam
menores e que as pequenas devem ser mais leves do que as grandes. Ao mesmo tempo,
estão dispostas a acreditar que, realmente, existem pedras mágicas que derretem e, por
isso, não entendem a mensagem de "A sopa de pedras". Sua maneira de pensar parece
oscilar de um lado para o outro, entre a lógica e a mágica, a ponderação e a ignorância,
o racional e o irracional.

Ler para crianças pequenas transmite a idéia de que ler é uma atividade agradável;
também serve para revelar uma riqueza de conhecimentos culturais amplamente
arraigados.

353
Uma colcha de retalhos similar, composta de competência e incompetência, pode ser
encontrada na capacidade de lembrar dos pré-escolares. É muito comum as crianças
pequenas lembrarem os nomes e as descrições de seus dinossauros favoritos, detalhes
das idas ao consultório do médico, ou a localização do seu brinquedo preferido com
uma precisão que pode surpreender seus pais (Baker-Ward et ai., 1993; De Loache et
ai., 1985). Ao mesmo tempo, elas têm dificuldade para se lembrar de um conjunto de
palavras ou de brinquedos imediatamente depois de serem solicitadas a se lembrar eles,
tarefa que seria fácil para crianças mais velhas e adultos (Schneider e Bjorklund, 1998).
A qualidade dos desempenhos intelectuais das crianças pequenas suscita, de uma nova
maneira, as questões básicas do desenvolvimento. Será que a primeira infância deve ser
considerada um estágio distinto do desenvolvimento? Mas, se trata de um estágio, como
vamos considerar a desigualdade do pensamento das crianças pequenas? Será que as
crianças pequenas são simplesmente inconsistentes? Ou, se seus processos de
pensamento variam de uma tarefa para a próxima, porque estão mais familiarizadas com
algumas tarefas do que com outras? Ou quem sabe suas habilidades variam, porque as
partes do seu cérebro que governam essas habilidades amadurecem em velocidades
diferentes? Na tentativa de responder essas perguntas, os estudiosos do
desenvolvimento devem ser sensíveis à possibilidade de que os pré-escolares possam, às
vezes, parecer ilógicos ou incapazes de se lembrar de eventos apenas porque suas
habilidades de linguagem, ainda frágeis impedem-nos de entender completamente o que
lhes é dito ou de comunicar adequadamente seus pensamentos às outras pessoas.

Começamos nossa discussão sobre essas questões esboçando o relato de Piaget sobre o
desenvolvimento cognitivo na primeira infância, um relato que dominou o estudo do
desenvolvimento mental na segunda metade do século XX. Como no caso da fase de
bebê, as observações empíricas de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo das
crianças têm sido amplamente repetidas, mesmo quando explicações teóricas de suas
causas tenham sido desafiadas. Sua influência tem sido tão grande que muitos
especialistas que discordam das teorias de Piaget usam o trabalho dele como ponto de
partida para o seu próprio trabalho.

Em seguida, resumiremos a pesquisa que questiona as interpretações de Piaget sobre os


dados que ele coletou e indicaremos as diferentes explicações do desenvolvimento
cognitivo durante a primeira infância. Mais uma vez, como no caso da fase de bebê, a
pesquisa atual sugere que as crianças pequenas são mais competentes do que Piaget
acreditava, mas ainda persistem muitos desacordos sobre a natureza das habilidades
cognitivas das crianças e os processos de mudança cognitiva que caracterizam a
primeira infância.

O RELATO DE PIAGET SOBRE O DESENVOLVIMENTO MENTAL NA


PRIMEIRA INFÂNCIA

Na estrutura teórica de Piaget, a primeira infância é um momento de transição entre o


pensamento da fase de bebê, que é baseado em atos claramente físicos (esquemas
sensório-motores), como pegar e sugar objeto, e o pensamento da segunda infância, que
envolve a manipulação de símbolos, ou ações internalizadas (mentais) (Piaget e
Inhelder, 1969). Quando as crianças completam o subestágio sensório-motor final
(descrito no Capítulo 6), elas adquirem os rudimentos do pensamento simbólico ou
representacional. A partir daí, são capazes de pensar simbolicamente, usando um objeto
para representar outro. Essa é a capacidade fundamental na qual se baseia sua
capacidade recém-descoberta de usar a linguagem verbal.

Em torno dos sete ou oito anos de idade, acreditava Piaget, as crianças tornam-se
capazes de realizar operações mentais, "ações" mentais em que elas combinam, separam
e transformam as informações de uma maneira lógica, como fazem, por exemplo,
quando arrumam sua coleção de selos de acordo com o país de origem e o valor
estimado ou montam um brinquedo novo e complexo recém-tirado da caixa. Elas estão
mais capacitadas para formular estratégias explícitas porque conseguem pensar através
de ações alternativas e modificá-las mentalmente antes de realmente agir. Até as
crianças conseguirem envolver-se em operações mentais, seu pensamento está sujeito a
limitações do tipo que era evidente quando a classe da Sra. Paley tentou responder às
perguntas sobre "A sopa de pedras".

A crença de Piaget de que as crianças pequenas são freqüentemente levadas a cometer


erros e a fazer confusão porque ainda são incapazes de se envolver em verdadeiras
operações mentais, é captada pelo nome que ele deu ao seu segundo estágio de
desenvolvimento, o estágio pré-operatório. Na opinião de Piaget, o pensamento das
crianças de três, quatro e cinco anos de idade ainda não é totalmente operatório, e, por
isso, o desenvolvimento cognitivo durante a primeira infância pode ser encarado como
um processo de superação das limitações que estão no caminho do verdadeiro
pensamento operatório.

Piaget acreditava que a característica fundamental do pensamento durante a primeira


infância era sua "unilateralidade". As crianças de idade pré-escolar concentram sua
atenção (ou "centram-se" como dizia Piaget) em não mais de um aspecto saliente de
qualquer evento sobre o qual estejam tentando pensar. Piaget achava que, só depois de
superar essa limitação, as crianças faziam a transição para o estágio do pensamento
operatório, em que seriam capazes de coordenar duas perspectivas ao mesmo tempo.
Dois exemplos clássicos de centração da obra de Piaget influenciaram muito toda
pesquisa subseqüente sobre o desenvolvimento cognitivo na primeira infância; diz-se
que cada um deles ilustra como o se concentrar em um aspecto isolado de um problema,
excluindo todos os outros, limita a capacidade de raciocínio da criança pequena.

O primeiro exemplo talvez seja a mais famosa demonstração de Piaget da diferença


entre o pensamento pré-operatório e o pensamento operatório concreto da segunda
infância, em que as crianças podem mentalmente combinar e manipular informações
sobre objetos e acontecimentos concretos. A criança recebe duas canecas idênticas, cada
uma cheia com exatamente a mesma quantidade de água. Enquanto a criança observa, a
água de uma das canecas é derramada em uma terceira caneca, mais estreita e mais alta,
resultando que o nível da água na nova caneca é mais alto que aquele da água da caneca
original. Testemunhando esse evento, as crianças de três e quatro anos de idade, em
geral, concluem que a quantidade de água da nova caneca, de alguma maneira,
aumentou.

Piaget afirmava que as crianças pequenas cometem esse erro porque se concentram em
apenas uma dimensão do problema - nesse caso, a altura da água nas canecas. Elas são
incapazes de considerar a altura e a largura das canecas simultaneamente. Entretanto,
uma vez que sejam capazes de operações mentais, as crianças negam firmemente que a
quantidade de água tenha mudado, presumivelmente porque podem considerar vários
aspectos do problema ao mesmo tempo. Essa capacidade permite a elas coordenar
mentalmente os efeitos relativos das mudanças na largura e na altura. Também lhes
permite imaginar o inverso do processo que testemunharam e, assim, pensar através do
que aconteceria se a água fosse despejada de volta em sua caneca original.
Retornaremos à pesquisa baseada nesses exemplos no Capítulo 12, porque ela também
desempenha um papel fundamental nas discussões sobre a natureza do desenvolvimento
mental na segunda infância.)
No segundo exemplo clássico da incapacidade de coordenar duas perspectivas, é
mostrado às crianças pequenas um conjunto de contas de madeira, a maioria delas
marrons e as restantes brancas. Quando lhes perguntam "o que há mais, contas marrons
ou contas de madeira?", elas respondem que há mais contas marrons. Segundo Piaget,
os pré-escolares cometem esse erro porque se concentram em apenas um nível de
categorização de cada vez. Ou seja, eles conseguem pensar nas contas como divididas
em duas subclasses (marrons versus brancas) e conseguem pensar na classe comum
unida (contas de madeira), mas não conseguem pensar nos dois níveis simultaneamente.
Segundo Piaget, na segunda infância, as crianças podem manter em mente os dois níveis
de categorização e, por isso, não são conduzidas a esse tipo de erro.

Piaget considerava a incapacidade das crianças pequenas para manter em mente dois
aspectos de um problema como o cerne do que ele considerava as três características
mais salientes do pensamento durante a primeira infância: (1) egocentrismo, (2) a
confusão entre aparência e realidade, e (3) raciocínio não-lógico.

EGOCENTRISMO

O egocentrismo tem um significado mais estrito na teoria de Piaget do que na fala


cotidiana. Não significa egoísmo ou arrogância. Em vez disso, egocentrismo refere-se à
tendência para se "concentrar em si mesmo", em considerar o mundo inteiramente em
termos do próprio ponto de vista. Segundo Piaget, os pré-escolares não conseguem
"descentrar"; eles estão presos no seu próprio ponto de vista, incapazes de enxergar a
partir da perspectiva de outra pessoa.

As limitações cognitivas que correspondem ao egocentrismo foram documentadas por


Piaget e por muitos pesquisadores posteriores que foram inspirados pelo seu trabalho.
As limitações particulares que se vê dependem da tarefa específica que se tem à mão.
Vamos examinar três dessas tarefas: considerar a perspectiva, conversar com os colegas
e pensar sobre os processos de pensamento das outras pessoas.

Ausência de percepção da perspectiva espacial

Uma maneira como a natureza egocêntrica do pensamento das crianças pequenas se


expressa é na dificuldade que têm de imaginar a partir da perspectiva visual de outra
pessoa. O exemplo clássico dessa forma de egocentrismo é o problema das três
montanhas. Piaget e Inhelder (1956) mostraram a crianças pequenas um grande diorama
contendo modelos de três montanhas bastante diferentes em tamanho, forma e marcos
de referência (ver a Figura 9.1). Em primeiro lugar, foi dito às crianças que andassem
em torno do diorama e ficassem familiarizadas com a paisagem de todos os lados.
Depois que as crianças fizeram isso, elas se sentaram diante de um lado do diorama. Em
seguida, uma boneca foi colocada no lado oposto do diorama, para que ela tivesse uma
"visão diferente" da paisagem. Foram mostradas às crianças gravuras do diorama a
partir de várias perspectivas, e elas foram solicitadas a identificar a gravura que
correspondia ao ponto de vista da boneca. Mesmo que elas tivessem visto o diorama a
partir do local em que a boneca estava, as crianças quase sempre escolheram a gravura
correspondente ao seu ponto de vista, não ao da boneca.

Fala egocêntrica
A qualidade egocêntrica do pensamento das crianças também aparece em sua fala.
Recorde do Capítulo 8, por exemplo, a tendência das crianças pequenas para se
envolverem em "monólogos coletivos", em vez de verdadeiros diálogos, quando
brincam juntas. Esse comportamento sugeriu a Piaget que as crianças pequenas, devido
à sua incapacidade de descentralizar, nem sequer tentam se comunicar. Essa mesma
qualidade torna-se evidente em experimentos em que duas crianças pequenas estão
sentadas diante de uma mesa e são solicitadas a se comunicar uma com a outra sobre
conjuntos de objetos idênticos dispostos diante delas. Em experiências desse tipo, uma
pequena tela é colocada entre as crianças para que elas não consigam ver uma à outra.
Uma criança é indicada para falar; a outra é o ouvinte. Aquela que fala deve descrever
os objetos que estão do seu lado da tela, um de cada vez e a que escuta deve pegar o
objeto correspondente do seu próprio conjunto de objetos. Uma disposição experimental
típica está mostrada na Figura 9.2. (Yule [1997] faz uma revisão da literatura sobre esse
tópico.)

A maior parte das crianças de quatro e cinco anos de idade, no papel de quem fala,
proporcionam muito pouca informação para o ouvinte conseguir escolher o objeto
correto. Se os objetos são, por exemplo, cachorros, gatos e elefantes de brinquedo,
aquele que fala pode dizer apenas "Este é um cachorro", ou até "Pegue este aqui", não
percebendo que o ouvinte não tem informação suficiente para saber exatamente que
objeto está sendo indicado. Os ouvintes muito pequenos também têm dificuldade com
essa tarefa: quando têm a oportunidade de pedir mais informação, eles não conseguem
fazê-lo. Esses problemas de comunicação persistem até o fim da primeira infância,
como está evidenciado pelos estudos conduzidos na Inglaterra e na Itália, que
descobriram que as crianças de seis anos de idade tinham as mesmas dificuldades. Aos
nove anos de idade, as crianças eram tão boas quanto os adultos em buscar informações
adicionais, quando a mensagem que estavam recebendo era ambígua (Lloyd et ai.,
1995).

Incapacidade para compreender outras mentes

Uma forma relacionada de egocentrismo na primeira infância é a incapacidade de


compreender que os outros podem ter pensamentos diferentes do seu (Astington, 1993;
Flavell e Miller, 1998). Um dos principais métodos que estão sendo atualmente usados
para estudar o desenvolvimento do pensamento das crianças sobre os processos de
pensamento de outras pessoas concentram-se na capacidade das crianças para
compreender que a outra pessoa pode abrigar uma falsa crença. Dois exemplos indicam
os tipos de métodos que os pesquisadores do desenvolvimento usam para determinar a
capacidade das crianças pequenas em entender a possibilidade de falsas crenças.
No primeiro método, é apresentado às crianças um breve enredo e depois lhes é
solicitado que prevejam como um dos personagens do enredo vai se comportar. O
enredo e a pergunta sobre a previsão são planejados para revelar a capacidade da criança
de se envolver na percepção da perspectiva mental - pensar sobre o que se passa na
mente de outra pessoa. Eis um enredo típico e uma pergunta de acompanhamento:

FIGURA 9.2
Os pré-escolares freqüentemente experimentam dificuldade com a tarefa de manter na
mente o que é preciso dizer para a outra pessoa, para que ocorro uma comunicação
eficiente. A menina da esquerda precisa descrever os blocos que estão do seu lado da
tela, tomando cuidado para mencionar suas características distintas, para que o menino à
direita os coloque na mesma ordem que ela. (Extraída de Krauss e Glucksberg, 1969.)

357
ENREDO: Era uma vez um menininho que adorava doces. Um dia, ele colocou uma
barra de chocolate dentro de uma caixa, em cima da mesa, e se afastou um pouco.
Enquanto ele estava afastado, sua mãe veio, tirou o chocolate da caixa e o colocou na
gaveta de cima da cômoda, onde ele guardava suas meias. O menininho voltou. Estava
com fome e queria seu chocolate.

PERGUNTA: Onde você acha que o menininho vai procurar seu chocolate?

Quando se faz essa pergunta a crianças de três anos de idade, elas respondem como se o
menino que saiu do aposento tivesse a mesma informação que elas têm; dizem que ele
vai procurar na gaveta de cima da cômoda. As crianças de cinco anos de idade,
provavelmente, vão dizer que o menininho vai procurar o chocolate na caixa que está
em cima da mesa; presumivelmente, eles entendem que a criança que saiu do aposento
tem uma falsa crença sobre a localização do chocolate.

No segundo método, as crianças são diretamente envolvidas em uma tarefa em que elas
próprias experimentam uma falsa crença (Gopnik e Astington, 1988; Perner et ai.,
1987). Nessa tarefa, é mostrada às crianças uma caixa coberta de embalagens de balas,
como M & Ms, e lhes é perguntado o que acham que tem dentro da caixa. Todos, é
claro, respondem "Balas". Então, lhes é mostrado que eles estão errados -a caixa, na
verdade, contém outros objetos, como lápis, por exemplo. Em seguida, é perguntado às
crianças o que um amigo que ainda não olhou dentro da caixa acharia que ela contém.
Mesmo que eles tenham acabado de passar pelo processo de eles próprios terem se
enganado, a maioria das crianças de três anos de idade diz que o amigo acharia que a
caixa contém um lápis.

Várias evidências baseadas em dados dessas tarefas indicam que a capacidade de pensar
sobre os estados mentais de outra pessoa, freqüentemente referida como uma teoria da
mente, só aparece quando a criança está com quatro ou cinco anos de idade (Astington,
1993; Flavell e Miller, 1998).

Consideradas juntas, as evidências de que as crianças pequenas têm dificuldade com a


percepção da perspectiva espacial do tipo requerido pelo problema das três montanhas,
a incapacidade de proporcionar informações adequadas às outras pessoas que participam
da conversa, e a não-avaliação de que alguém possa abrigar uma falsa crença
corroboram a teoria piagetiana da natureza egocêntrica do pensamento das crianças.

358
CONFUSÃO ENTRE APARÊNCIA E REALIDADE

Como acabamos de observar, uma importante manifestação das limitações do


pensamento na primeira infância é a tendência das crianças a se concentrar
exclusivamente nos aspectos mais evidentes de um objeto - ou seja, em sua aparência
superficial (Figura 9.3). Piaget acreditava que essa tendência perceptual dificulta para a
criança pequena distinguir entre a maneira como as coisas parecem ser e a maneira
como elas são. Como as crianças de dois anos e meio de idade têm dificuldade para
distinguir entre aparência e realidade, elas podem ficar amedrontadas quando uma
criança mais velha coloca uma máscara no Halloween, como se a máscara tivesse, na
verdade, transformado aquele que a usou em uma bruxa ou em um dragão (Flavell et ai.,
1993).

Rheta de Vries (1969) estudou o desenvolvimento da distinção entre aparência e


realidade com a ajuda de Maynard, um gato preto incomumente bem-comportado.
Depois de brincarem com Maynard durante um curto espaço de tempo, de Vries
escondeu a metade da frente de Maynard atrás de uma tela, enquanto prendeu uma
máscara realística de um cachorro feroz à sua cabeça (ver Figura 9.4a). Enquanto
removia a tela, De Vries fez várias perguntas para avaliar a capacidade das crianças para
distinguir entre a identidade real do animal e sua aparência: "Que tipo de animal ele é
agora?" "Ele é realmente um cachorro?" "Ele consegue latir?" O ponto forte da
capacidade das crianças para distinguir entre aparência e realidade foi avaliada em uma
escala de 11 pontos. As crianças que disseram que o gato havia se transformado em um
cachorro receberam um ponto, enquanto as crianças que disseram que o gato só parecia
ter-se transformado em um cachorro, mas, na verdade, nunca poderia se tornar um,
receberam onze pontos.

De um modo geral, as crianças de três anos de idade concentraram-se quase


inteiramente na aparência de Maynard (ver a Figura 9.4b). Elas disseram que ele havia
realmente se transformado em um cachorro feroz e, algumas delas, temiam que ele as
mordesse. A maioria das crianças de seis anos de idade zombou dessa idéia, percebendo
que o gato só parecia um cachorro. As crianças de quatro e cinco anos mostraram
considerável confusão. Elas não acreditavam que um gato pudesse se transformar em
um cachorro, mas nem sempre responderam corretamente às perguntas de De Vries.

Confusões similares entre aparência e realidade foram relatadas por John Flavell e seus
colegas, que mostraram a crianças pequenas vários objetos que pareciam ser uma coisa,
mas, na verdade, eram outra: uma esponja que parecia ser uma rocha, uma pedra que
parecia ser um ovo e um pequeno pedaço de papel branco colocado atrás de um pedaço
de plástico rosa, de tal modo que o papel parecia ser rosa. Os objetos foram mostrados
às crianças e lhes foi perguntado "O que isso parece?" (a pergunta da aparência) e "O
que é isso na verdade?" (a pergunta da realidade) (Flavell et ai., 1986; Melot e Houde,
1998).

Consistente com as declarações de Piaget sobre as dificuldades que as crianças


pequenas experimentam ao distinguir a realidade da aparência, Flavell e outros
pesquisadores descobriram que as crianças de três anos de idade podem responder
incorretamente a perguntas sobre aparência e realidade. Por exemplo, deve ser esperado
que as crianças inicialmente pensassem que a esponja "rocha" fosse uma rocha, porque
era realística o suficiente para "enganar o observador mais perspicaz". Mas quando
descobriram pelo toque que a "rocha" era realmente uma esponja, começaram a insistir
que ela não apenas dava a sensação de ser uma esponja, mas também parecia uma
esponja! As crianças de quatro anos de idade parecem estar em um estado de transição;
às vezes respondem corretamente, outras vezes, incorretamente. As crianças de cinco
anos têm uma percepção muito mais firme da distinção entre aparência e realidade
nessas circunstâncias e, em geral, respondem corretamente às perguntas do
experimentador.
Flavell (1990, p. 14-15) apresenta três linhas de evidência para declarar que as
dificuldades das crianças pequenas com a distinção entre aparência e realidade "não são
triviais, profundamente assimiladas [e] genuinamente intelectuais":

FIGURA 9.3
Um fenômeno que requer que a pessoa que vê distinga entre a aparência e a realidade é
a inclinação da luz que ocorre quando um canudo reto é parcialmente submergido na
água: o canudo parece quebrado, mas sabemos que essa aparência não é a realidade, e
uma ilusão. As crianças pequenas, no entanto, podem acreditar que o canudo realmente
mudou.

FIGURA 9.4
(a)Maynard, o gato, com e sem urna máscara de cachorro, (b) Um gráfico mostrando o
aumento da capacidade de entendimento das crianças, em relação à idade, de que
Maynard permanecia um gato, mesmo que sua aparência fosse modificada para que ele
parecesse um cachorro. (Adaptada de De Vries, 1969).

359
1. Crianças chinesas, japonesas e britânicas de três anos de idade experimentam
dificuldades similares (Flavell et ai., 1983; Harris e Gross, 1988).
2. Várias tentativas para simplificar a tarefa não ajudam as crianças pequenas a
superar suas dificuldades (Flavell, et ai., 1987).
3. As tentativas de treinar as crianças pequenas para fazer as distinções adequadas
falharam (Melot e Houde, 1998; Taylor e Hort, 1990).

RACIOCÍNIO PRÉ-CAUSAL
Nada é mais característico dos pré-escolares do que sua paixão por fazer perguntas. "Por
que o céu é azul?" "O que produz as nuvens?" "De onde vêm os bebês?".
Evidentemente, as crianças estão interessadas nas causas dos eventos.

Apesar desse interesse, Piaget acreditava que, pelo fato de as crianças pequenas ainda
não serem capazes de realizar operações mentais de verdade, elas não poderiam
envolver-se no raciocínio de causa e efeito como as crianças mais velhas e como os
adultos. Ele declarou que, em vez de raciocinar a partir de premissas gerais para os
casos particulares (dedução) ou de casos específicos para casos gerais (indução), as
crianças pequenas pensam transdutivamente, de um particular para outro. Como
exemplo, ele descreveu como sua filha caçula perdeu seu costumeiro cochilo certa tarde,
e observou, "Eu não dormi, então não é de tarde". Como conseqüência desse raciocínio,
é provável que as crianças pequenas confundam causa e efeito. Como ele acreditava que
o raciocínio transdutivo precede o raciocínio causal verdadeiro, Piaget referiu-se a esse
aspecto do pensamento das crianças pequenas como pensamento pré-causal (Piaget,
1930).

Nossa própria filha deu uma esplêndida demonstração de como o raciocínio transdutivo
pode levar uma criança pequena a confundir causa e efeito. Quando estava com três
anos e meio, Jenny estava caminhando conosco por um antigo cemitério. Ouvindo-nos
ler as inscrições nas lápides, ela percebeu que, de alguma maneira, as velhas pedras
cobertas de musgo representavam pessoas. "Onde ela está agora?" perguntou ela,
quando acabamos de ler a inscrição em uma lápide.
"Ela está morta", dissemos.
"Mas onde ela está?"

Tentamos explicar que, quando as pessoas morrem, elas são enterradas em cemitérios.
Depois disso, Jenny passou a se recusar terminantemente a ir a cemitérios conosco e
ficava perturbada quando nos aproximávamos de um. Toda noite, ao se deitar,
perguntava-nos repetidamente sobre morte, enterro e cemitérios. Nós respondemos suas
perguntas da melhor maneira que podíamos, mas ela continuava repetindo as mesmas
perguntas e estava claramente perturbada com aquele assunto. A razão do seu medo
ficou clara quando nos mudamos para a cidade de Nova York. "Há cemitérios na cidade
de Nova York?" perguntou ela, ansiosa. Estávamos exaustos das suas perguntas
insistentes e a nossa crença de que deveríamos ser francos e honestos estava
desmoronando.
"Não", mentimos. "Não há cemitérios na cidade de Nova York." Diante dessa resposta,
Jenny ficou visivelmente relaxada.
"Então as pessoas não morrem em Nova York", acrescentou ela alguns minutos depois.

Jenny havia raciocinado que, como os cemitérios são lugares onde ficam as pessoas
mortas, os cemitérios deviam ser a causa da morte. Esse raciocínio a conduziu à
conclusão confortante, porém incorreta, de que, se ficássemos afastados dos cemitérios,
não correríamos o risco de morrer.

360
O ESTUDO DO PENSAMENTO DE CRIANÇAS PEQUENAS DEPOIS DE PIAGET

Os exemplos que proporcionamos até agora (resumidos na Tabela 9.1) são apenas uma
amostra dos fenômenos que corroboram a idéia de que há um modo de pensamento
distinto associado com a primeira infância. Mas eles são suficientes para dar uma idéia
dos tipos de evidência coletados por Piaget e outros, para defender a idéia de um estágio
pré-operatório. Nessa idade, o pensamento das crianças é dominado pela incapacidade
de "descentrar", o que as impede de considerar os pontos de vista e as crenças dos
outros, manter a aparência e a realidade separadas e raciocinar de maneira lógica.

Nas últimas décadas, no entanto, as evidências coletadas usando-se vários novos


métodos inspiraram um amplo reexame da idéia de que o pensamento pré-operatório
seja, em geral, característico do pensamento da primeira infância (Case, 1998; Fischer e
Biddel, 1998; Gelman e Williams, 1998; Wellman e Gelman, 1998).

TABELA 9.1 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DE PIAGET:


PRÉ-OPERATÓRIO
Idade (anos) Estágio Descrição Características e
exemplos
Nascimento aos 2 Sensório-motor As realizações dos Centralização, a
anos bebês consistem, tendência de se
em grande parte, concentrar
em coordenar suas (centralizar) no
percepções aspecto mais
sensoriais e os saliente de quala
comportamentos coisa sobre a qual
motores simples. Á se esteja tentando
medida que se pensar, l
movem através dos manifestação
seis subestágios importante
desse período, os disso é o
bebês passam a egocentrismo ou
reconhecer a considerar o mundo
existência de um inteiramente em
mundo fora deles e termos próprio
começam a ponto de vista.
interagir com ele de As crianças
maneiras envolvem-se em
deliberadas. monólogos
coletivos, em vez
de diálogos, em
compoi de outras
pessoas.
2a6 Pré-operatório As crianças As crianças têm
pequenas podem dificuldade de levar
representar a em o conhecimento
realidade para si do ouvinte para se
mesmas através do comi
uso de símbolos, eficientemente.
incluindo imagens As crianças não
mentais, palavras e conseguem
gestos. Os objetos e considerar to altura
os eventos não têm quanto a largura dos
mais que estar recipientes p
presentes para comparar seus
serem volumes.
considerados, mas As crianças
as crianças confundem classes
freqüentemente com subcbs Elas
falham em não conseguem
distinguir seu ponto confiável mente
de vista de outros, dizer se há mais
em perceber contas de madeira
facilmente as ou mais contas
aparências marrons em um
superficiais e conjunto composto
freqüentemente apenas de contas de
ficam confusas com madeira.
as relações causais.
6 a 12 Operatório concreto Quando entram na
segunda infância, as Confusão entre
crianças tornam-se aparência e
capazes de realidade.
operações mentais, As crianças agem
ações internalizadas como se uma
que se ajustam a máscara de
um sistema lógico. Halloween
O pensamento realmente mudasse
operatório permite a identidade da
às crianças pessoa que a usa.
combinar As crianças podem
mentalmente, acreditar que um
separar, ordenar e canií parcialmente
transformar objetos submergido na água
e ações. Essas realmente se torna
operações são inclinado.
consideradas Raciocínio pré-
concretas porque causal,
são realizadas na caracterizado pelo
presença dos pensamento ilógico
objetos e eventos e por uma
que estão sendo indiferença às
considerados. relações de: causa e
efeito.

12 a 19 Operatório formal Na adolescência, a Uma criança pode


pessoa em pensar que um
desenvolvimento cemitério é uma
adquire a causa de morte,
capacidade de porque as pessoas
pensar mortas são
sistematicamente enterradas ali.
sobre todas as Uma forma de
relações lógicas raciocínio moral
existentes em um que vê a moralidade
problema. Os como sendo
adolescentes imposta de fora e
exibem um vivo que não leva em
interesse em ideais consideração as
abstratos e no intenções.
processo do
pensamento em si.

361
O PROBLEMA DE NÍVEIS DESIGUAIS DE DESEMPENHO

Grande parte das novas evidências com relação à teoria de Piaget indica que o
desenvolvimento cognitivo é bem mais irregular do que a descrição de Piaget parecia
sugerir, e que, em algumas circunstâncias, as crianças mostram sinais de possuir
algumas habilidades cognitivas em um período anterior do que Piaget imaginava. O
próprio Piaget estava bem consciente de que o desempenho de uma criança poderia
variar um pouco de uma versão para outra de um problema, mesmo que os problemas
parecessem requerer as mesmas operações lógicas. Ele se referia a esses casos como
exemplos de décalage horizontal (literalmente, desalinhamento horizontal). Ele,
acreditava que diferenças sutis nas exigências lógicas das diferentes versões de uma
tarefa fossem uma importante fonte de variações no desempenho das crianças naquilo
que parecia ser tarefas cognitivas logicamente idênticas. Ele também estava consciente
de que a técnica de entrevista, a partir da qual grande parte de seus dados derivaram,
podia em si obscurecer o processo de pensamento que estava sendo estudado,
produzindo uma aparente desigualdade no desempenho, especialmente em crianças
pequenas que ainda eram novatas no uso da linguagem verbal (Piaget, 1929/1979).
Entretanto, sua própria obra o convenceu de que ele havia superado os problemas de
entrevistar crianças pequenas e que a sua pesquisa demonstrava com precisão que as
crianças pré-operatórias falham consistentemente em distinguir seu ponto de vista do de
outra pessoa, que são facilmente enganadas pelas aparências superficiais e que ficam,
freqüentemente confusas com as relações causais.

Não obstante, vários estudos têm parecido mostrar que Piaget interpretou mal as
dificuldades especiais causadas por sua confiança nas entrevistas verbais e nas tarefas
planejadas como sua principal fonte de dados. Embora as dúvidas permaneçam, há
agora um corpo de evidências segundo o qual, dependendo dos métodos de teste
utilizados, o desempenho cognitivo das crianças pode variar mais do que Piaget
imaginava, e que métodos de avaliação mais sensíveis revelam maior competência
cognitiva em crianças pequenas do que ele foi capaz de revelar. (Flavell et ai., [1933],
Gelman e Williams [1998] e Wellman e Gelman [1998] reexaminaram as evidências.)

Raciocínio não-egocêntrico sobre perspectivas espaciais

Em um teste freqüentemente citado das idéias de Piaget sobre o egocentrismo espacial,


Helen Borke (1975) replicou a experiência das três montanhas (Figura 9.1) de Piaget e
Inhelder com crianças entre três e quatro anos de idade. Ela, posteriormente, apresentou
às crianças uma forma alternativa do problema, uma cena de fazenda que incluía marcos
como um pequeno lago com um barco sobre ele, um cavalo e uma vaca, patos, pessoas,
árvores e uma construção (Figura 9.5). Nessa versão alternativa, Grover, um
personagem de Vila Sésamo, dirige o seu carro em volta da paisagem. De vez em
quando, ele pára e dá uma olhada na paisagem. A tarefa da criança é indicar como se
parece essa visão a partir da perspectiva de Grover.

Crianças de três anos de idade tiveram um bom desempenho nesse problema de


percepção da perspectiva, enquanto seu desempenho na versão das três montanhas do
problema havia sido pobre, como havia previsto o trabalho de Piaget e Inhelder. Esses
níveis contrastantes de desempenho levaram Borke a concluir que, quando as tarefas de
percepção da perspectiva envolvem objetos familiares, facilmente diferenciados, e
quando se toma o cuidado de torná-la fácil para as crianças pequenas conseguirem
expressar seu entendimento, essas crianças pequenas demonstram que são capazes de
perceber outras perspectivas espaciais além da sua.

Compreendendo outras mentes

Já vimos que as crianças pequenas, em geral, não têm um bom desempenho nas tarefas
experimentais envolvendo um entendimento de falsas crenças dos outros. Não obstante,
os pesquisadores reuniram ampla evidência de que, em algumas circunstâncias, as
crianças podem apreciar os estados mentais de outras pessoas com muito menos idade
do que Piaget imaginava que elas pudessem fazer.

362
Mudando o papel da criança nas tarefas de falsa crença, de enganado para de enganador,
Kate Sullivan e Ellen Winner descobriram que até mesmo as crianças de três anos de
idade exibem alguma apreciação dos processos de pensamento das outras pessoas
(Sullivan e Winner, 1993). Usando uma variação da tarefa do lápis-na-caixa-de-balas,
Sullivan e Winner criaram uma situação na qual a criança era acompanhada por um
adulto, que era, na verdade, um cúmplice na experiência. Nessa versão, o
experimentador primeiro aplica o truque-padrão da caixa de balas na criança e no
adulto, e depois sai do aposento. Em seguida, a acompanhante adulta sugere que ela e a
criança façam um truque para o experimentador, assim como o truque que o
experimentador aplicou nelas. Representando muito bem o papel de um conspirador que
pretendia fazer o experimentador de tolo, o adulto tira uma caixa de lápis da sua bolsa e
ajuda a criança a tirar os lápis e os substitui por algo inesperado. Finalmente, enquanto o
experimentador ainda está fora do aposento, o adulto, em um tom baixo e conspirador,
pergunta à criança o que o experimentador vai achar que está na caixa de lápis quando
voltar. Nesta situação tipo jogo, 75% das crianças de três anos de idade previram que o
experimentador iria erroneamente responder lápis, indicando que as crianças foram,
pelo menos nessas circunstâncias, capazes de pensar sobre os processos de pensamento
de outra pessoa. Em comparação, somente 25% responderam certo na tarefa-padrão da
falsa crença, um índice que acompanhava os resultados tipicamente relatados. Os
pesquisadores sugerem que sua versão da tarefa engajou as crianças na atividade-
modelo de fazer o outro de tolo, o que instruiu as crianças para pensar sobre os estados
mentais de outras pessoas.

Distinguindo a aparência da realidade

Segundo os dados que apresentamos anteriormente, as crianças só começam a distinguir


consistentemente entre aparência e realidade em algum momento entre as idades de
quatro e seis anos. Entretanto, pesquisas adicionais sugerem que as dificuldades
experimentadas pelas crianças menores para fazer a distinção dependem, em parte, das
características especiais dos procedimentos que estão sendo usados.

Catherine Rice e seus colegas (1997) repetiram e estenderam os estudos da capacidade


das crianças de três a quatro anos de idade para julgar a realidade das "rochas" de
esponja e outros objetos enganosos, usando um procedimento que engajou as crianças
em uma atividade de roteiro de decepção. O experimentador começava classificando as
crianças em um esforço para tentar fazer outro adulto de tolo com um objeto, falso
como uma rocha de esponja. Embora o segundo adulto estivesse convenientemente fora
do aposento, o experimentador e a criança colocaram o objeto do truque sobre a mesa.
Enquanto esperava o segundo adulto retornar, o experimentador fez várias perguntas às
crianças: Qual é o objeto, na verdade? Qual o seu aspecto? O que o adulto ausente
pensaria que ela era? Nesse contexto de conspiração, como uma brincadeira, as crianças
foram capazes de dizer que o objeto era uma esponja, mas parecia uma rocha - e o
adulto iria pensar que era uma rocha. Assim, foram claramente capazes de distinguir a
realidade da aparência. Os pesquisadores sugerem que, ao contrário dos resultados de
Flavell anteriormente descritos, as crianças têm uma percepção conceitual da distinção
entre realidade e aparência, mas, para serem capazes de usar esse conhecimento, têm de
ser instruídas para tornar o conhecimento parte de uma atividade contínua que possam
entender. Esses achados ilustram exatamente como os experimentadores devem ser
cuidadosos para criar versões adequadas de suas tarefas, para que elas sejam
significativas para as crianças pequenas.

FIGURA 9.5
Modificação de Borke da tarefa das três montanhas para percepção da perspectiva
idealizada por Piaget. Quando um diorama contém objetos familiares, os pré-escolares
têm maior probabilidade de dizer como ele é visto de um outro ponto de vista diferente
do seu.

FIGURA 9.6
Estes desenhos mostram como crianças de diferentes idades e habilidades mentais
percebem a maneira como uma bicicleta funciona, (a) A criança que tem cinco anos e
três meses de idade não tem idéia clara de como as diferentes partes da bicicleta se
ajustam, (b) Uma criança de nove anos de idade, deficiente, captou parte do mecanismo
na ilustração, mas não conseguiu ligar o pedal à roda dentada e à corrente, (c) uma
criança normal de oito anos e três meses de idade consegue representar todos os
mecanismos essenciais. traída de Piaget, 1930.)

363
Raciocínio causal eficiente

Um dos exemplos mais conhecidos de Piaget do raciocínio pré-causal veio de suas


entrevistas com crianças sobre como as bicicletas funcionam. No decorrer da entrevista,
ele também pedia às crianças para fazerem um desenho ilustrando suas explicações (ver
a Figura 9.6). Durante a entrevista, uma bicicleta foi apoiada em uma cadeira diante da
criança. Uma entrevista com Grim, de cinco anos e meio de idade, proporciona o tipo de
evidência que levou Piaget a concluir que o raciocínio das crianças pequenas é pré-
causal (Piaget, 1930, p. 206):

Piaget: Como a bicicleta se move?


Grim: Com o freio no alto da bicicleta.
Piaget: Para que serve o freio?
Grim: Para fazer ela andar, porque a gente empurra.
Piaget: Com que a gente empurra?
Grim: Com os pés.
Piaget: O que isso faz?
Grim: Faz ela andar.
Piaget: Como?
Grim: Com o freio.

No final da década de 1920, Piaget visitou a Malting Housc School, em Cam-bridge, na


Inglaterra, onde Susan Isaacs também estava conduzindo uma pesquisa sobre crianças
pequenas. Isaacs foi céptica em relação às idéias de Piaget sobre o pensamento pré-
operatório. Quando ela reconheceu um de seus pré-escolares dirigindo um triciclo,
colocou a teoria do seu visitante em um teste improvisado:

Naquele momento, Dan [com cinco anos e nove meses de idade] estava sentado em um
triciclo no jardim, pedalando para trás. Eu fui até ele e disse: "O velocípede não está
andando para frente, não é?" "É claro que não. Eu estou pedalando para trás", disse ele.
"Bem", perguntei, "como ele anda para a frente?" "Oh, bem", replicou ele, "meus pés
apertam os pedais, que fazem a manivela girar, e as manivelas dão a volta" (apontando
para a roda dentada), "e isso faz a corrente rodar, e a corrente gira, e então as rodas
giram- e lá vou eu!" (Isaacs, 1966, p. 44)
Isaacs apresentou essa história como evidência contra a teoria de Piaget de que as
crianças pequenas são incapazes de raciocínio causal. Antes de aceitar uma ou outra
dessas conclusões, a maior parte dos pesquisadores do desenvolvimento requereria mais
informações sobre os dois meninos, sua experiência com triciclos e bicicletas e a
maneira como as entrevistas foram conduzidas. Será que Dan é apenas um pré-escolar
especialmente adiantado? Será que a diferença em seus desempenhos é o resultado de
diferenças na maneira como o problema foi colocado para eles? Respostas sistemáticas
a essas perguntas requerem experiências que, deliberadamente, variam a maneira como
os problemas são apresentados.

Merry Bullock e Rochel Gelman, por exemplo, testaram a capacidade de crianças de


três a cinco anos de idade para entender o princípio básico de que as causas vêm antes
dos efeitos, usando o aparato mostrado na Figura 9.7 (Bullock, 1984; Bullock e Gelman,
1979). As crianças observaram duas seqüências de eventos. Na primeira, uma bolinha
de gude foi colocada em uma das duas aberturas de uma caixa, ambas visíveis através
da lateral da caixa. Dois segundos depois de a bolinha desaparecer no fundo da abertura,
um Snoopy de papel foi projetado para fora do buraco existente no meio do aparato.
Nesse momento, uma segunda bola foi colocada na outra abertura. Ela também
desapareceu, sem que nada acontecesse em seguida. As crianças foram, então,
solicitadas a dizer qual das bolas fez o Snoopy aparecer e dar uma explicação para isso.

Até mesmo crianças de apenas três anos de idade, em geral, dizem que a primeira bola
fez com que Snoopy fosse projetado. As crianças de cinco anos de idade não tiveram
nenhuma dificuldade em realizar a tarefa. No entanto, houve uma diferença marcante
entre os grupos de idade em sua capacidade para explicar o que aconteceu.

364

Muitas crianças de três anos de idade não conseguiram dar nenhuma explicação ou
disseram algo completamente irrelevante ("Ele tem dentes grandes"). Quase todas as
crianças de cinco anos de idade conseguiram dar pelo menos uma explicação parcial do
princípio, segundo o qual a causa precede os efeitos. Esse achado sugere uma razão por
que Piaget pode ter subestimado a competência cognitiva de crianças pequenas: suas
técnicas de pesquisa baseavam-se muito nos problemas verbalmente apresentados e nas
justificações verbais do raciocínio, ambas colocando em desvantagem as crianças
menores (ver o Destaque 9.1).

Em geral, o peso da evidência de significativa desigualdade no desenvolvimento


cognitivo das crianças menores é hoje amplamente considerado importante demais para
ser ignorado. Por isso, vários pesquisadores estão atualmente usando teorias e métodos
de pesquisa, tanto da perspectiva piagetiana quanto de outras perspectivas, para
entender o fenômeno das ilhas de competência.

EXPLICAÇÕES PÓS-PIAGETIANAS DO DESENVOLVIMENTO

Nas últimas décadas, várias escolas de pensamento se desenvolveram para lidar com as
falhas percebidas no relato de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo. Muitos
pesquisadores do desenvolvimento continuam a declarar que a teoria de Piaget continua
correta em seu quadro geral do desenvolvimento e que as evidências aparentemente
contraditórias resultam de experimentação errada ou de um malogro no entendimento da
teoria de Piaget. Orlando Lourenço e Armando Machado, por exemplo, declaram que as
crianças pequenas podem ser mais competentes do que acreditava Piaget, mas a maior
parte dos estudos que têm desafiado seus resultados baseiam-se em "erros
metodológicos e confusões conceituais" (Lourenço e Machado, 1996, p. 146).

Outros psicólogos acham que os problemas da teoria de Piaget são mais sérios. Uma
característica compartilhada por muitos desses críticos é a sua crença de que a cognição
começa como um processo que é específico dos domínios do conhecimento, como a
música, o espaço e o número e se modifica diferentemente em cada domínio. Entretanto,
esses estudiosos diferem na maneira como concebem os domínios e na extensão do que
acreditam que sejam as modificações desenvolvimentais nos processos cognitivos
gerais, como a memória e a atenção, que operam entre os domínios (Case, 1998;
Goswami, 1999).

estrutura conceitual central


Oequivalente mental do conhecimento
comum a uma ampla extensão de
exemplos em um dado domínio.

365
TEORIAS NEOPIAGETIANAS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

O termo neopiagetiano refere-se aos psicólogos do desenvolvimento que concordam


com características importantes da abordagem de Piaget, mas que buscam modificar
alguns aspectos da sua teoria em resposta a críticas modernas. Os neopiagetianos
conservam a idéia de que a aquisição de conhecimento ocorre através de mudanças que
se processam por meio de estágios, mas acreditam que a passagem dos indivíduos pelos
estágios ocorre em velocidades diferentes em domínios diferentes. Uma criança pode
ser um incrível jogador de xadrez ou um musicista precoce, mas, no desempenho das
tarefas piagetianas, não se comporta melhor do que os companheiros da sua idade
(Feldman, 1999).

Entretanto, ao mesmo tempo em que enfatizam o desenvolvimento específico de


domínio, os neopiagetianos enfatizam que há também limites gerais relacionados à
idade nas habilidades cognitivas das crianças, particularmente limitações da memória,
que se aplicam a todas as formas de pensamento. Por isso, o problema enfrentado pelos
neopiagetianos é reconciliar as transformações específicas do domínio e as
transformações desenvolvimentais gerais. Para isso, Robbie Case e seus colegas
concentram-se no que Case chamou de estruturas conceituais centrais (Case, 1992; Case
e Okamoto, 1996). Uma estrutura conceitual central é uma rede de conceitos e de
relações conceituais que permite às crianças pensar da mesma maneira sobre uma ampla
extensão de problemas em um dado domínio, como jogar damas, seguir mapas e
desenhar - todos exemplos de tarefas do domínio espacial. Segundo Case, quando os
pesquisadores se certificam de que tarefas diferentes do mesmo domínio são familiares,
envolvem um conteúdo igualmente exigente e têm as mesmas exigências de memória,
as crianças vão passar pelas mesmas modificações desenvolvimentais em cada tarefa,
aproximadamente na mesma idade, refletindo uma mudança coordenada com as
estruturas conceituais centrais.
Em uma demonstração da possibilidade de identificar o desenvolvimento coordenado
em duas tarefas diferentes que são parte da mesma estrutura conceitual central, Case e
seus colegas construíram dois conjuntos de problemas numéricos que diferiam em seu
conteúdo específico mas que compartilhavam de estruturas lógicas idênticas. O primeiro
requeria que as crianças julgassem a "qualidade" de uma bebida feita de diferentes
misturas de suco de laranja e água. Será que uma mistura de cinco partes de suco e três
partes de água, por exemplo, teria tanto sabor quanto uma mistura composta de quatro
partes de suco e uma parte de água? O segundo, um problema logicamente equivalente,
dizia respeito a dois meninos, cada um deles tendo uma festa de aniversário e cada um
deles querendo pedras polidas de presente de aniversário (na escola onde os
investigadores estavam conduzindo sua pesquisa, as pedras polidas eram extremamente
valorizadas). Foi mostrado às crianças quantas pedras cada menino queria e quantas ele
realmente recebeu. Então, foi-lhes perguntado: "Que criança ficaria mais feliz?".

Os pesquisadores questionaram crianças de diferentes idades e descobriram que seus


níveis de desempenho passavam por uma série de mudanças processadas por meio de
estágios para cada um dos dois tipos de problemas, confirmando assim a noção de
mudança por estágio. Além disso, para 89% das crianças testadas, o nível de
desenvolvimento por cognitivo foi o mesmo para os dois tipos de problemas ou apenas
levemente diferente (Case et ai., 1986). O fato de as crianças terem alcançado
virtualmente os mesmos níveis de raciocínio nas duas tarefas que pertencem ao domínio
dos números, mas que tinham conteúdos diferentes, corroboram a idéia neopiagetiana
de que o momento das mudanças para diferentes problemas em um mesmo domínio
pode ser o mesmo. Mas a desigualdade será a regra em domínios diferentes, a menos
que se tome cuidado para garantir que as tarefas sejam equivalentes em todos os
aspectos, incluindo a estrutura conceitual central na qual eles se baseiam. Case deixa em
aberto a possibilidade de poder haver formas gerais de entendimento conceitual que se
apliquem a todos os domínios que as crianças experimentam, como sugeriu Piaget, mas
até agora, escreve Case, ele foi incapaz de identificar alguma (Case e Okamoto, 1996, p.
288).

366
DESTAQUE 9.1 AS CRIANÇAS PEQUENAS COMO TESTEMUNHAS

A natureza dos processos de pensamento das crianças pequenas torna-se uma questão
social importante quando elas são chamadas para dar testemunho em uma corte legal,
seja como testemunhas de um crime ou como possíveis vítimas de um crime. Os adultos
têm relutado bastante em acreditar na palavra de uma criança pequena. Os psicólogos
têm tradicionalmente encarado as crianças como sugestionáveis (Stern, 1910); incapazes
de distinguir a fantasia da realidade (Piaget, 1926, 1928; Werner, 1948); e propensas a
fantasiar os eventos sexuais (Freud, 1905/1953a). Juizes, advogados e promotores têm
também expressado reservas sobre a confiabilidade das crianças como testemunhas
(Goodman et ai., 1998). As regras legais sobre a admissibilidade do testemunho das
crianças continuam a refletir essas dúvidas há muito estabelecidas. Em muitos Estados,
por exemplo, o juiz determina se uma criança abaixo de uma determinada idade (que
varia de Estado para Estado) é competente para testemunhar.

Devido a uma preocupação crescente com relação à prevalência de abuso sexual e físico
das crianças nos últimos anos, a comunidade legal tem reexaminado a confiabilidade do
testemunho das crianças. Ao mesmo tempo, psicólogos estão tentando determinar
quando e sob que condições as crianças pequenas podem testemunhar de maneira
confiável sobre eventos passados (Ceei e Bruck, 1998; Wright e Loftus, 1998). Duas
questões estão no cerne dadiscussão atual do testemunho infantil: Até que ponto são
confiáveis as lembranças de crianças de várias idades? Até que ponto as crianças
pequenas são suscetíveis a sugestões que podem mudar suas lembranças?

A razão dessa preocupação é proporcionada pelo comportamento das crianças, tanto nos
julgamentos criminais reais quanto em estudos experimentais conduzidos por
psicólogos. Quando os pesquisadores fazem perguntas a crianças pequenas sobre
eventos que tiveram importância pessoal para elas, como se elas tomaram ou não
injeção quando foram ao consultório do médico, é provável que elas proporcionem
respostas corretas (Goodman et ai., 1990). Entretanto, uma série de estudos em que
crianças cujas idades variavam entre três e sete anos foram entrevistadas imediatamente
depois de uma visita ao médico e, depois, novamente em intervalos de um a 12 meses
mais tarde, descobriu-se que, à medida que o tempo passava, a probabilidade de as
crianças menores se tornarem imprecisas em suas respostas (Ornstein et ai., 1997). Esse
achado é importante para os procedimentos legais em que é provável que as crianças
sejam entrevistadas repetidas vezes, sobre o mesmo evento, durante um período de
meses, se não anos.

Um problema adicional destacado nesses estudos é que as crianças pequenas geralmente


proporcionam poucas informações em resposta à pergunta aberta "Você pode me dizer o
que aconteceu quando você foi ao médico?" (Ornstein et ai., 1997). Em suas tentativas
para testar mais amplamente a sua memória e a probabilidade de darem informações
erradas, os entrevistadores formularam, então, às crianças, várias perguntas estranhas e
tolas, como "O doutor cortou seu cabelo?" ou "A enfermeira lambeu o seu joelho?" As
crianças menores mostraram uma probabilidade muito maior que as crianças maiores de
dizer que essas coisas aconteceram, embora não tivessem acontecido.

Stephen Ceei e Maggie Bruck (1998) sugerem que uma razão para as crianças mais
velhas serem mais consistentes que as menores em suas respostas a perguntas estranhas
é o fato de elas terem um melhor conhecimento dos roteiros para as visitas ao médico e
não precisarem puxar por sua memória antes de responder. Elas já sabem que "coisas
como essas" não acontecem no consultório do médico.

Em procedimentos criminais reais, as crianças são freqüentemente solicitadas a contar e


recontar suas histórias a várias pessoas, que as questionam e, às vezes, em uma tentativa
de testar mais profundamente sua lembrança dos acontecimentos e constituir um
processo judicial, formulam perguntas sugestivas baseadas em suposições erradas. Há
várias maneiras em que esses procedimentos de questionamento podem conduzir a
criança pequena a fazer declarações falsas. Em primeiro lugar, quando um interrogador,
investigando o testemunho de uma criança, faz uma sugestão errada sobre o que
aconteceu, a sugestão tende a se tornar misturada com a lembrança original da criança
para produzir uma "lembrança" nova, híbrida. Essa lembrança híbrida pode bloqueara
lembrança original, evitando que a criança se lembre com precisão dos acontecimentos
reais. É, também, possível que a criança se lembre tanto do que o adulto sugeriu que
tenha acontecido quanto do que realmente aconteceu, mas não pode mais dizer qual
versão é autêntica (Ceei e Bruck, 1993).
A transcrição que se segue, de um interrogatório real no processo de Kelly Michaels,
uma professora de um berçário de Nova Jersey que foi condenada e presa por abusar
sexualmente das crianças da sua escola, fornece um exemplo de como essas sugestões
podem ser feitas:

Interrogador. Bem, o que me diz da brincadeira do gato?


Criança: Brincadeira do gato?
Interrogador: Aquela em que todos dizem
"Miau, miau"?
Criança: Acho que faltei nesse dia.

Apesar do fato de a criança negar conhecer a brincadeira do gato quando foi


entrevistada, mais tarde, no tribunal, ela descreveu uma brincadeira do gato em que
todas as crianças ficavam nuas e lambiam uma a outra (extraído de Cede Bruck, 1998).

Embora não saibamos por que essa criança testemunhou da maneira que o fez, depois de
dizer ao interrogador que achava ter faltado nesse dia, podemos especular que ela pode
ter realmente vindo a se lembrar de uma brincadeira do gato, depois que o interrogador
falou sobre ela. Sua resposta pode também ter refletido o fato de que as crianças
pequenas são mais propensas a acreditar que os adultos sabem mais do que realmente
sabem. Quando estão sendo questionadas em um procedimento legal, como foi essa
criança, podem incorporar as sugestões do adulto em suas respostas para agradar o
adulto, mesmo sabendo que as sugestões do adulto estão erradas. Quando as mesmas
perguntas são formuladas mais de uma vez, elas mudam suas respostas, porque supõem
que algo estava errado com sua primeira resposta (Siegal, 1991).

As crianças não são, de modo algum, as únicas cujas lembranças são vulneráveis às
sugestões das pessoas que as questionam. Os adultos também podem ser desviados em
situações desse tipo (Loftus, 1996; Massoni et ai., 1999). Entretanto, as crianças
pequenas são consideradas especialmente suscetíveis devido à sua capacidade limitada
para se lembrar, à sua falta de experiência com procedimentos legais e à sua tendência a
tentar agradar os adultos.

Amanda Conklin, de três anos de idade, olha para um tribunal superlotado em Van
Nuys, na Califórnia, enquanto o juiz a interroga durante o julgamento de seu pai,
acusado do assassinato de sua mãe.

ABORDAGENS DO PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO

Durante a década de 1960, quando as idéias de Piaget estavam se tornando populares


entre os psicólogos do desenvolvimento, uma visão diferente do funcionamento
cognitivo estava também chamando atenção: a abordagem do processamento de
informação. Segundo os teóricos do processamento de informação, o pensamento pode
ser melhor entendido através da analogia com o funcionamento de um computador
digital. Os investigadores que empregam a metáfora da criança como um processador de
informações em geral concebe o desenvolvimento cognitivo como o resultado de
modificações, tanto no hardware neural das crianças, como a mielinização aumentada
de uma determinada região do cérebro, quanto no software das crianças, como a
aquisição de uma nova estratégia para desenvolver a memória (Siegler, 1996).
Os principais componentes dessa visão da mente estão ilustrados na Figura 9.8. No lado
esquerdo está o suposto ponto de partida de qualquer processo de resolução de
problemas, o registro sensorial, que armazena a informação que está chegando uma
fração de segundo antes de ela ser seletivamente processada. A estimulação do ambiente
(o input, na linguagem da programação de computadores) é detectada pelos órgãos
sensoriais e é transmitida para o registro sensorial. Se o input não é considerado, vai
desaparecer quase imediatamente. Se é considerado, pode ser "lido" pela memória de
curto prazo (de trabalho), onde pode ser retido durante vários segundos. A memória de
trabalho é a parte do sistema de processamento da informação em que ocorre o
pensamento ativo. A memória de trabalho funciona através da combinação da
informação que chega do registro sensorial com a memória das experiências passadas,
ou memória de longo prazo, modificando a informação para lhe dar novas formas. Se a
informação da memória de trabalho não é combinada com a informação da memória de
longo prazo, ela é facilmente esquecida.

A Figura 9.8 mostra também a maneira como o fluxo de informação entre o registro
sensorial, a memória de trabalho e a memória de longo prazo é coordenada pelos
processos de controle, que determinam como as informações temporariamente retidas
na memória de trabalho devem ser aplicadas ao problema atual. Os processos de
controle importantes incluem atenção, repetição e tomada de decisão. O software, que é
uma parte fundamental dos processos de controle, determina as informações particulares
que devem ser tratadas, bem como se a memória de longo prazo deve ser sondada mais
profundamente para dar uma resposta adequada, ou bem como se uma determinada
estratégia de resolução de problemas deve ser utilizada. Os processos de controle
também determinam se uma informação da memória de curto prazo deve ser retida, ou
se pode ser esquecida.

Podemos dar uma idéia geral da abordagem de processamento de informação,


considerando o que ocorre quando uma mãe tenta ensinar sua filha de quatro anos de
idade a guardar na memória o número de telefone da sua casa. A mãe senta-se com a
criança diante do telefone e lhe mostra a seqüência das teclas a serem apertadas,
digamos, 543-1234. A criança observa o que a mãe faz e escuta o que sua mãe está
dizendo. O primeiro conjunto de números entra no registro sensorial da criança como
uma seqüência de sons e é transferido para a memória de curto prazo. Em seguida, os
significados correspondentes àqueles sons são recuperados da memória de longo prazo e
comparados com os sons da memória de trabalho, de curto prazo. A criança reconhece
cada número e aplica os processos de controle para "tentar lembrar", talvez repetindo
cada item para si mesma. A armazenagem na memória ocorre quando a informação
relacionada à seqüência numérica entra na memória de longo prazo.

A criança pequena do nosso exemplo pode experimentar dificuldade em alguma das


fases desse processo. Ela pode não prestar atenção suficiente ao que a sua mãe está
dizendo, e, nesse caso, a informação não vai entrar em seu registro sensorial. Sendo
pequena, ela tem uma capacidade de memória de trabalho pequena (imatura) e pode não
conseguir reter todos os números na mente enquanto tenta recordá-los. A velocidade
com a qual ela consegue transferir a informação do registro sensorial para a memória de
trabalho e daí para a memória de longo prazo pode ser relativamente lenta, fazendo com
que ela esqueça alguns números antes de eles poderem ser armazenados na memória de
longo prazo. Finalmente, ela pode ter pouca experiência com a memorização intencional
e, por isso, não possuir repertório de estratégias para guardar a informação na memória
de trabalho por um período ampliado ou para manipular números na memória de
trabalho.

Em suma, a partir de uma perspectiva de processamento da informação, as dificuldades


cognitivas da criança pequena são causadas por limitações no conhecimento, na
memória, no controle da atenção e na velocidade com que elas conseguem processar a
informação, assim como pelas estratégias limitadas para adquirir e usar a informação
(Siegler, 1996). O desempenho das crianças melhora à medida que elas ficam mais
velhas, porque essas limitações são pouco a pouco reduzidas através do
amadurecimento do hardware e do desenvolvimento de rotinas mais eficientes de
processamento de informações (software).

Figura 9.8
Principais componentes de um modelo de processamento de informação de ações
mentais (adaptada de Atkinson de Shiffrin, 1968).
Conceitos:
Abordagem do processamento de informação: Uma estratégia para explicar o
desenvolvimento cognitivo baseada em uma analogia com o funcionamento de um
computador digital.
Registro sensorial: Aquela parte do sistema de processamento da informação que
armazena a informação que chega durante uma fração de segundo antes de ela ser
seletivamente processada.
Memória de curto prazo (de trabalho): Aparte do sistema de processamento da
informação que retém a informação sensorial que chega, até que ela seja levada para a
memória de longo prazo ou, então, esquecida.
Memória de longo prazo: A memória que é retida durante um longo período de tempo.

UM RELATO DA APRENDIZAGEM AMBIENTAL: QUANTIDADE DE


EXPERIÊNCIA

A perspectiva da aprendizagem ambiental também proporciona importantes introjeções


nas fontes do desenvolvimento intelectual das crianças pequenas e nas razões para a
irregularidade do seu desempenho cognitivo. Quer se observe o desenvolvimento
cognitivo através de uma lente piagetiana, neopiagetiana, do processamento de
informações ou culturalista, é óbvio que as crianças exibem uma maior competência
quando têm uma experiência profunda em um determinado domínio. Na verdade, pode
ser mostrado que muitas diferenças relacionadas à idade no desenvolvimento cognitivo
dependem da quantidade de experiência que as crianças têm nesse domínio e na riqueza
da base de conhecimentos produzida por uma grande quantidade de experiência.

Por exemplo, um estudo realizado por Michelline Chi e Randi Koeske concentrou-se na
memória de um menino de quatro anos de idade para os dinossauros. Chi e Koeske
(1983), primeiro, evocaram os nomes de todos os dinossauros que a criança conhecia
(46 ao todo, para essa criança incrivelmente bem-informada), questionando-a em várias
ocasiões. Em seguida, fizeram duas listas em que constavam os 20 dinossauros que ele
mencionava mais freqüentemente e os 20 dinossauros que ele mencionava menos
freqüentemente. Para estudar como o conhecimento comparativo da criança
influenciava sua memória e seu raciocínio sobre cada grupo, Chi e Koeske leram as
duas listas de dinossauros para a criança, três vezes cada lista, pedindo-lhe que
memorizasse quantos ela conseguisse da lista. O menino se lembrou do dobro de itens
da lista dos dinossauros que ele mais conhecia do que da lista dos dinossauros com os
quais estava menos familiarizado (uma média de 9,7 dinossauros versus 5,0
dinossauros). Os pesquisadores concluíram que, quanto mais se sabe sobre um tópico,
mais fácil lembrar os itens a ele pertencentes.

A pesquisa subseqüente mostrou que o extenso conhecimento do domínio também afeta


o raciocínio: quanto mais você souber, maior será a sua capacidade de raciocínio. Chi e
seus colegas (1989) mostraram que as crianças menores "especialistas" em dinossauros
organizam seu conhecimento sobre dinossauros de maneiras mais integradas e coerentes
do que os novatos no assunto. Por exemplo, eles agrupam mentalmente os dinossauros
segundo os seus comportamentos comuns "carnívoros" versus "herbívoros") e os
atributos que acompanham essas classes ("dentes afiados" versus "bico semelhante ao
do pato"), enquanto aqueles que sabem menos sobre dinossauros os agrupam
mentalmente segundo características menos importantes, como o tamanho. A passagem
de novato para especialista é, em geral, lenta e parece ser contínua. Mas, se
desenvolvem uma base de conhecimento suficientemente rica, as crianças tornam-se
especialistas e parecem se engajar na tarefa de maneiras qualitativamente novas. Na
medida em que a mudança de noviço para especialista representa uma mudança no
estágio de desenvolvimento da criança no domínio em questão, a explicação da
aprendizagem ambiental parece capaz de explicar as mudanças que se processam por
meio de estágios. Esses novos "estágios" serão, evidentemente, apenas ilhas de
especialidade.

RELATOS BIOLÓGICOS DO DESENVOLVIMENTO MENTAL NA


PRIMEIRA INFÂNCIA

Até agora a nossa discussão sobre a desigualdade que as crianças pequenas exibem nos
testes de capacidade cognitiva concentrou-se no conteúdo dos testes, na situação social
em que eles são apresentados, nas exigências que as tarefas colocam à memória e às
habilidades lógicas das crianças e ao conhecimento específico do domínio que as tarefas
envolvem. Entretanto, é também possível que a desigualdade nas habilidades cognitivas
das crianças pequenas seja o resultado de processos cerebrais inatos que se desenvolvem
em uma programação ampla da espécie.

O desenvolvimento do cérebro

No início da primeira infância, o cérebro atingiu cerca de 50% do seu peso adulto.
Quando as crianças estão com seis anos, ele já desenvolveu 90% do seu peso total
(Huttenlocher, 1994; LeCours, 1982). Grande parte desse aumento total resulta do
processo contínuo de mielinização, que acelera a transmissão dos impulsos
neuraisdentro e entre as diferentes áreas do cérebro. Consistentes com as evidências na
velocidade da mielinização, os estudos das modificações na atividade elétrica do
cérebro mostram um aumento rápido durante a primeira infância na freqüência geral e
no tamanho das ondas cerebrais quando as crianças estão envolvidas em tarefas
cognitivas (Fischer e Rose, 1996; Thatcher, 1997). (A Figura 4.2 proporciona uma visão
geral das principais áreas do cérebro.)

Não é difícil perceber como a relativa imaturidade do cérebro pode explicar as


limitações gerais na resolução de problemas das crianças. Por exemplo, níveis baixos de
mielinização no hipocampo, que dão suporte à memória de trabalho de curto prazo,
podem explicar as memórias de trabalho restritas das crianças pequenas, e daí suas
dificuldades em tarefas que requerem que elas guardem na mente várias informações ao
mesmo tempo. Similarmente, a imaturidade do córtex frontal ou das conexões entre o
córtex frontal e outras áreas poderia explicar os malogros em considerar o ponto de vista
do outro ou em pensar nas conseqüências das próprias ações. Como essas limitações
biológicas gerais têm diferentes conseqüências psicológicas, dependendo de
determinadas exigências cognitivas das tarefas que as crianças pequenas são solicitadas
a enfrentar, elas proporcionam uma maneira de entender a irregularidade do
desenvolvimento durante essa faixa etária.

Uma fonte adicional de irregularidade no desenvolvimento cognitivo é que processos


como a formação de dendrito e a mielinização não ocorrem em uma velocidade regular
em todo o sistema nervoso. Quando uma parte do cérebro se desenvolve mais
rapidamente que outras, ou quando as vias neurais que conectam uma determinada
combinação de áreas corticais sofre uma explosão de mielinização, pode-se esperar que
os processos psicológicos apoiados por esses sistemas cerebrais também sofram uma
rápida mudança. São esperados níveis elevados de desempenho quando uma
determinada tarefa requer sistemas cerebrais altamente desenvolvidos, assim como são
esperados níveis baixos de desempenho quando uma determinada tarefa requer sistemas
cerebrais que ainda não estão maduros.

Módulos mentais

O papel visivelmente importante do desenvolvimento e funcionamento cerebral pré-


programado no desenvolvimento cognitivo levou alguns teóricos a conceber o
desenvolvimento cognitivo em termos de módulos mentais, faculdades mentais
altamente específicas que respondem aos inputs ambientais relacionados a domínios
específicos (Atran, 1998; Fodor, 1983). O termo módulo mental originou-se da obra de
Noam Chomsky e seus seguidores (ver Capítulo 8), que declararam que muitos
processos cognitivos são como a linguagem, pois "consistem de sistemas separados com
suas próprias propriedades" (Chomsky, 1988, p. 161). Eles não precisam de uma tutela
especial para se desenvolverem. Essa linha de pensamento é conhecida como teoria da
modularidade.

Segundo a teoria da modularidade, devido à organização geral do cérebro, há sistemas


hard-wired dos processos cerebrais que recebem input de classes particulares de objetos
do ambiente e produzem output correspondentes às informações sobre o mundo
específicas do domínio. O reconhecimento das faces, a percepção da música e a
percepção elementar da causalidade proporcionam exemplos populares de módulos
mentais (Hirschfeld e Gelman, 1994; Wellman e Gelman, 1998). A maneira como a
teoria da modularidade conduz as idéias de Chomsky sobre o desenvolvimento em geral
é revelada pelas suposições fundamentais que a teoria da modularidade cognitiva
compartilha com o conceito da faculdade da linguagem de Chomsky.

1. Presume-se que as operações psicológicas sejam específicas do domínio. Para cada


domínio, elas recorrem a diferentes objetos, seguem diferentes princípios e organizam a
experiência humana de uma maneira distinta. As operações mentais requeridas para se
perceber e criar música são diferentes daquelas requeridas para se reconhecer um rosto;
e as operações de ambos os processos diferem daquelas requeridas para descrever o
rosto de alguém quando essa pessoa está ouvindo uma determinada peça musical.
2. Supõe-se que os princípios psicológicos que organizam a operação de cada módulo
mental sejam inatamente especificados, ou seja, que eles estejam codificados nos genes
e não precisem de instrução especial para se desenvolverem. Dependem de uma
estrutura neural fixa, operam automaticamente e só precisam ser "desencadeados" pelo
ambiente.
3. Supõe-se que os diferentes módulos não interajam diretamente e cada um represente
um domínio mental separado, apenas frouxamente conectados com o resto através de
um "processador central" que reúne as informações dos módulos separados.

Segundo os teóricos da modularidade, as evidências das origens modulares do


desenvolvimento cognitivo podem ser observadas desde a fase de bebê. Eles apontam
para dados, examinados nos Capítulos 4 e 5, que mostram que, poucos meses após o
nascimento, os bebês exibem um conhecimento rudimentar das pessoas e muitos
princípios físicos, incluindo causalidade física e uma sensibilidade para o número e a
freqüência dos eventos. E, é claro, os teóricos da modularidade baseiam-se nas
proposições de Chomsky sobre a modularidade da linguagem, como está discutido no
Capítulo 8.

Uma segunda linha de evidência que defende a posição da modularidade vem dos
prodígios - crianças cujo nível geral de desenvolvimento é normal, mas que demonstram
ilhas de brilhantismo. Wolfgang Amadeus Mozart, por exemplo, era compositor e
músico completo ainda muito criança, mas de outras maneiras não era visivelmente
diferente das outras crianças da sua idade. As extraordinárias realizações de Mozart e de
outras crianças-prodígio parecem ajustar-se à idéia dos módulos mentais. Cada uma de
suas realizações cai em um domínio que possui sua própria estrutura distinta - música,
linguagem, aritmética, etc. (Feldman, 1994).

Domínios fundamentais e princípios estruturais

A evidência de que várias capacidades mentais exibem as propriedades da


especificidade do domínio propostas pelos teóricos da modularidade empresta
credenciais à idéia de que a aquisição de conhecimento é específica do domínio e está
ligada aos processos evolucionários de longo prazo que controlam a maturação.
Entretanto, como todas as teorias que propõem mecanismos inatos, as teorias da
modularidade pouco fazem para especificar, com precisão, que tipos de interações com
o ambiente são requeridas para que ocorra o desenvolvimento. Usando a linguagem
como exemplo, a evidência mostrada no Capítulo 8 deixa claro que a língua não pode
ocorrer sem o input da linguagem e de interações normais com outros seres humanos. E
um ambiente que é organizado pela linguagem a que as crianças não têm acesso (como
no exemplo de filhos surdos de pais que escutam) não é suficiente para produzir formas
maduras de linguagem. Mas uma teoria de modularidade da linguagem como a de
Chomsky não tem nada a dizer sobre os inputs requeridos para o suposto módulo operar
eficientemente.

O mesmo fracasso aplica-se a outros exemplos de funcionamento cognitivo ditos


modulares em sua origem e funcionamento. Por exemplo, o fato de que as crianças
reagem ao movimento de uma bola, depois que outra bola bate nela como um evento
distinto (considerado por alguns como evidência de um "módulo de causalidade física")
não significa que eles alcançaram o nível de entendimento da causalidade física
característica das crianças e dos adultos que as cercam. Grande parte da aprendizagem
está envolvida para se conseguir, desde as realizações extremamente limitadas do
recém-nascido, até o entendimento dos adultos.

Princípios estruturais Essas considerações conduziram outros pesquisadores do


desenvolvimento simpáticos à posição modular a formular alternativas para conceber o
desenvolvimento específico do domínio, que proporciona um papel mais explícito para
a experiência ambiental (Carey e Wellman, 1998; Gelman e Williams, 1998). Rochel
Gelman e Earl Williams (1998) declaram que, em vez de módulos que proporcionem às
crianças processos cognitivos "prontos", é mais adequado pensar em um apoio ao
desenvolvimento específico do domínio, como resultado de princípios estruturais,
princípios cognitivos básicos e inatos que dirigem os processos mentais, como a atenção
e a memória, para aspectos importantes do problema atual. Os princípios estruturais dão
início a um processo cognitivo e proporcionam uma direção inicial, mas requerem
experiências subseqüentes para se compreender o potencial dos princípios para dar
suporte a processos cognitivos sofisticados.

Já vimos evidências de que algo como princípios cognitivos básicos foram encontrados
em suas formas iniciais durante a fase de bebê quando as crianças reagem a estímulos
que envolvem as operações de movimentos físicos diferentes, as correspondências entre
número de sons e número de movimentos do objeto e a imitação de intenções humanas,
para citar apenas alguns. Uma grande variedade de evidências foi coletada nos últimos
anos para ilustrar que crianças de quatro a cinco anos de idade, e às vezes até mesmo de
três anos de idade, revelam um conhecimento rico quando o conteúdo das tarefas que
lhes são apresentadas envolve questões sobre domínios cognitivos fundamentais para os
quais há princípios estruturais inatos. As criaturas vivas proporcionam um exemplo de
um domínio fundamental sobre o qual tem havido muita pesquisa.

O domínio das criaturas vivas

A capacidade das crianças para pensar sobre a diferença entre as entidades vivas e não-
vivas é um exemplo notável de como os princípios estruturais subjacentes a um domínio
fundamental podem guiar a aquisição de conhecimento. Quando têm um ano de idade,
os bebês reagem de maneiras diferentes aos movimentos de objetos no seu ambiente que
são autogerados e aos movimentos que são externamente causados (Gergely et ai.,
1995). A distinção entre movimento autogerado e movimento externamente causado
proporciona um princípio estrutural para a aquisição de informações sobre as criaturas
vivas que é essencial à ponderação sobre o mundo.

Por exemplo, Christine Massey e Rochel Gelman (1988) demonstraram as


generalizações feitas por crianças de três a quatro anos de idade tendo como base uma
distinção entre movimentos auto-iniciados e movimentos externamente iniciados,
mostrando-lhes fotografias de objetos não-familiares e lhes perguntando se cada um dos
objetos podia subir uma montanha "sozinho". As fotografias incluíam criaturas
animadas não-familiares (por exemplo, sagüi, tarântula) e artefatos (estátuas de animais,
objetos com rodas como um carrinho de golfe e objetos rígidos e complexos, como uma
câmera fotográfica).

A maioria das crianças de três anos de idade e quase todos de quatro anos de idade
sabiam que somente os objetos animados podiam subir sozinhos a montanha. Ainda que
os animais mostrados não estivessem em movimento e seus pés, em geral, não
estivessem retratados, os comentários das crianças freqüentemente se concentraram em
pés e pernas. Por exemplo, em um caso em que os pés dos animais não estavam visíveis,
a conversa foi a seguinte (Gelman, 1990, p. 93):

Criança: Ele consegue se mover muito devagar ... tem essas perninhas pequenas.
Adulto: Onde estão as pernas?
Criança: Debaixo da terra.

373
A distinção entre animado e inanimado que se desenvolve a partir de diferentes formas
de movimento é acompanhada por outro conhecimento importante para os domínios das
coisas vivas e não-vivas, como a diferença entre "dentro" e "fora". Quando os
pesquisadores perguntaram a crianças de três e quatro anos de idade sobre os aspectos
internos e externos de várias combinações de objetos animados e inanimados, as
crianças atribuíram tipos diferentes de aspectos internos aos animais. Disseram que os
animais tinham ossos, sangue e "coisas moles", enquanto artefatos como a câmera ou
objetos naturais como uma rocha tinham "coisas duras" dentro, assim como tinham
"coisas duras" fora.

As crianças pequenas também sabem que os objetos animados crescem e mudam sua
aparência, ao contrário dos artefatos, que podem ser desgastados ou quebrados, mas não
crescem. E sabem que os artefatos não ingerem comida. Em seu estudo dos conceitos
iniciais de biologia, Giyoo Hatano e Keiko Inagaki descobriram que a maioria das
crianças de cinco e seis anos de idade declaram que seria impossível manter um coelho
bebê pequenininho. Uma criança exclamou: "Não podemos fazer o bebê ficar sempre do
mesmo tamanho porque ele come! Se ele come, vai ficar maior e maior até ser um
adulto" (Inagaki e Hatano, 1987, p. 1015).

Outro aspecto ainda dos seres animados entendido pelos pré-escolares é que as coisas
vivas têm filhos, e que os filhos herdam características de seus pais; os artefatos não se
reproduzem e não podem transmitir suas propriedades. Gelman e Wellman (1991)
demonstraram esse entendimento entre crianças de quatro anos de idade, contando às
crianças sobre os bebês animais que eram criados por membros de outras espécies - por
exemplo, cangurus que eram criados por gansos. Mostraram às crianças uma foto de um
pequeno ponto distante que eles chamaram de "bebê canguru" e uma foto de um ganso
de fazenda e perguntaram que características teria um bebê canguru que fosse criado
num lugar como aquele. Quase todas as crianças estavam certas de que aquele "bebê"
cresceria com uma bolsa e pularia como um canguru.

Certamente, as crianças pequenas têm pouco conhecimento detalhado sobre as criaturas


biológicas e os artefatos - por exemplo, sobre o real interior dos animais ou dos
automóveis e como eles funcionam. Mas, com certeza, têm uma série de "teorias de
funcionamento" sobre os seres vivos e não-vivos que eles usam para confrontar a
experiência, se estão em um zoológico ou em uma loja de brinquedos. O
desenvolvimento cognitivo subseqüente no domínio das criaturas vivas envolve a
testagem contínua das atuais teorias na prática cotidiana, a partir da qual pode ocorrer o
desenvolvimento de uma teoria ainda mais poderosa.

A mesma história pode ser contada, como já vimos, para uma teoria fundamental da
física, das pessoas, etc. Quando o conteúdo dos problemas apresentados às crianças
envolve domínios fundamentais, é provável que apareça uma ilha de competência.
Entretanto, como já observamos no Capítulo 6, quando as crianças têm que lidar com o
domínio cultural, ainda têm muita aprendizagem pela frente.

Conceito:
princípios estruturais Princípios específicos do domínio que dão inicio a um processo
cognitivo e proporcione uma direção inicial, mas requerem experiências subseqüentes
para compreender o seu potencial.

CULTURA E DESENVOLVIMENTO MENTAL NA PRIMEIRA INFÂNCIA

Há várias maneiras óbvias pelas quais a abordagem culturalista contribui para a


discussão da irregularidade do desenvolvimento cognitivo durante a primeira infância.
Como observamos no Capítulo 1, a abordagem culturalista concentra-se nas maneiras
como as influências biológicas, sociais e físico-ecológicas sobre o desenvolvimento são
reunidas e moldadas pelos contextos culturais particulares da atividade humana. Os
contextos culturais que as crianças habitam podem ser pensados como nichos
desenvolvimentais, locais onde o contexto físico e social em que as crianças vivem, a
educação dos filhos e a experiência educacional que são organizadas para as crianças, e
as crenças e práticas culturalmente organizadas dos adultos interagem com a herança
genética da criança, produzindo oportunidades específicas para – e limitações a - o
desenvolvimento da criança (Super e Harkness, 1986).

374
Em termos de desenvolvimento mental, os nichos desenvolvimentais são os contextos
em que a sociedade torna disponíveis os recursos culturais essenciais para o
desenvolvimento do pensamento e da ação. Entre os mais importantes desses recursos
culturais está a linguagem.

Representação mental dos contextos

Uma tarefa fundamental de todas as teorias do desenvolvimento cognitivo é explicar


como as crianças convertem o mundo em estruturas mentais no decorrer do seu
desenvolvimento. Como já vimos, Piaget sustentava que, no curso da sua atividade, as
crianças constróem esquemas, padrões organizados de conhecimento individual que
representam objetos e seus inter-relacionamentos. Esses esquemas são concebidos como
estruturas mentais internas que determinam a maneira como a criança entende e age;
eles se desenvolvem em uma progressão lógica.

Os esquemas são, também, importantes nas explicações culturalistas do


desenvolvimento, mas, aqui, eles são concebidos de maneira um pouco diferente.
Katherine Nelson (1981, 1996) sugere que, como resultado da sua participação em
eventos rotineiros, culturalmente organizados, as crianças adquirem representações
generalizadas do evento ou roteiros. Roteiros são esquemas que especificam quem
participa de um evento, que papéis sociais eles desempenham, que objetos eles devem
usar durante o evento e a seqüência de ações que compõem o evento. Os roteiros
existem tanto como artefatos externos, culturais - as palavras, os procedimentos
costumeiros, os costumes e as rotinas que pontuam a experiência cotidiana – quanto
como representações internas desses artefatos. Os roteiros são, tanto em seus aspectos
internos quanto externos, ferramentas do pensamento.
Inicialmente, os roteiros são, em grande parte, mais externos que internos. Qualquer um
que tenha feito a tentativa sabe que "dar banho" é algo que um adulto faz para um bebê
de dois meses de idade. Um adulto enche uma banheira apropriada com água morna,
estende uma toalha, uma fralda limpa e roupas, depois coloca o bebê na água, enquanto
segura o bebê com firmeza para manter sua cabeça acima da água. A contribuição do
bebê consiste em se contorcer. Pouco a pouco, no entanto, à medida que se vão tornando
mais fortes e mais familiarizados com o roteiro do banho (e seus cuidadores
aperfeiçoam seu papel como aqueles que dão o banho), os bebês adquirem mais
competência em partes da atividade e assumem um papel maior no processo.

Aos dois anos de idade, a maioria das crianças já "tomou" muitos banhos. A cada vez,
segue-se mais ou menos a mesma rotina, os mesmo tipos de objetos são usados, o
mesmo elenco de personagens participa, e os mesmos tipos de conversa acompanham as
ações necessárias. A água é despejada em uma banheira, as roupas são retiradas, a
criança é colocada na água, o sabonete é aplicado e removido, a criança é retirada da
água, enxugada e vestida. Pode haver variações - um amigo que está visitando pode
tomar banho com a criança ou pode-se deixar a criança brincar com seus brinquedos de
água, depois de se lavar - mas a seqüência básica tem um padrão claro.

Durante o período da pré-escola, os adultos ainda desempenham o papel importante


daquele que "dá o banho", na atividade que segue um roteiro chamada "tomar banho".
Os adultos iniciam os banhos das crianças, esfregam suas orelhas, lavam seu cabelo ou
os ajudam a se enxugar. Só na idade adulta a criança será responsável por todo o evento,
incluindo limpar a banheira e se preocupar com toalhas limpas, água quente e o dinheiro
para pagar por eles.

Nelson comenta que, como no roteiro de "tomar banho", as crianças crescem dentro dos
roteiros de outras pessoas. Em conseqüência disso, os seres humanos raramente, se é
que alguma vez, experimentam o ambiente natural "como ele é". Em vez disso,
experimentam o mundo, incluindo atividades simples como tomar banho e comer uma
refeição, de uma maneira que foi preparada (cozinhada), segundo os roteiros prescritos
por sua cultura.

375
Nelson e seus colegas estudaram o desenvolvimento do conhecimento dos roteiros,
entrevistando crianças e gravando as conversas de crianças brincando juntas. Quando
Nelson pediu às crianças para lhe contarem sobre a "ida a um restaurante", por exemplo,
ela obteve relatos como o seguinte:

Menino de três anos e um mês: "Bem, a gente come e depois vai a algum lugar.".
Menina de quatro anos e dez meses: "Muito bem. Primeiro, nós vamos a restaurantes de
noite e nós, hum, nós... nós vamos e esperamos um pouco e depois vem o garçom e nos
dá aquele papel com as comidas escritas e, então, nós esperamos um pouquinho, meia
hora ou alguns minutos ou alguma coisa assim, e ... hum, então chega a nossa pizza ou
qualquer outra coisa e ... hum [interrupção] ... [O adulto diz, 'Então, chega a comida.'.]
Então, nós comemos, e ... hum, então, quando acabamos de comer a salada que
pedimos, podemos comer a nossa pizza, quando ela está pronta, porque a salada chega
antes da pizza estar pronta. Então, quando terminamos toda a pizza e toda a nossa
salada, nós vamos embora." (Nelson, 1981, p. 103).
Até mesmo esses simples relatos demonstram que os roteiros representam um
conhecimento generalizado. Por uma razão - as crianças estão descrevendo o conteúdo
geral: elas estão claramente se referindo a mais que uma refeição só, isolada. As
crianças de três anos de idade usam a forma generalizada "a gente come" em vez de
uma referência específica a um momento particular em que ela come. A introdução da
menina ("Primeiro nós vamos a restaurantes de noite") indica que ela também está
falando das idas em geral ao restaurante.

Além de possuir o conteúdo geral, os roteiros são organizados em uma estrutura geral,
similar àquela dos roteiros dos adultos. Mesmo crianças muito pequenas sabem que os
eventos envolvidos em "comer em um restaurante" não acontecem por acaso. Em vez
disso, descrevem uma seqüência: "Primeiro fazemos isso, depois aquilo". As crianças
evidentemente abstraem o conteúdo de um roteiro e sua estrutura de muitos eventos e ,
então, usam esse conhecimento para organizar seu comportamento.

As funções dos roteiros

Os roteiros são guias da ação. São representações mentais que as crianças e os adultos
usam para descobrir o que é provável que aconteça em seguida em circunstâncias
familiares. Até as crianças terem adquirido um grande repertório de conhecimento sob a
forma de roteiro, elas precisam usar muito esforço mental para construir roteiros quando
participam de eventos não-familiares. Quando não têm conhecimento do roteiro,
precisam prestar atenção aos detalhes de cada nova atividade. Em conseqüência disso, é
menos provável que distingam entre as características essenciais e superficiais de um
novo contexto. A menina entrevistada por Nelson, por exemplo, parecia pensar que
comer pizza é uma parte básica do roteiro da "ida a um restaurante", enquanto pagar
pela refeição estava inteiramente ausente. No entanto, como a menina captou uma
pequena parte do roteiro do restaurante, ela vai estar livre para prestar atenção a novos
aspectos do local na próxima vez que for lá. Com o tempo, vai adquirir um
entendimento mais profundo dos eventos de que participa e dos contextos dos quais eles
fazem parte.

Uma segunda função dos roteiros é permitir que as pessoas de um determinado grupo
social coordenem suas ações. Essa função dos roteiros torna-se possível porque,
segundo a perspectiva culturalista, o conhecimento do roteiro é um conhecimento
geralmente mantido em comum, incluindo sua incorporação como uma linguagem
comum. "Sem roteiros compartilhados", diz Nelson, "todo ato social precisaria ser
negociado de novo". Nesse sentido, "a aquisição de roteiros é fundamental para a
aquisição de cultura" (Nelson, 1981, p. 109, 110). Quando as crianças vão à, pelo
menos, metade dos restaurantes nos Estados Unidos, elas aprendem que primeiro se
pede uma mesa ao maiter e que depois se recebe uma indicação de lugar. Um roteiro um
pouco diferente aplica-se aos restaurantes/así-/oal Pode haver descoordenação se o
roteiro for violado (por exemplo, se a criança entrasse em um restaurante e se sentasse
em uma mesa de uma pessoa estranha no meio da sua refeição).

Uma terceira função dos roteiros é proporcionar um meio pelo qual conceitos que se
aplicam a muitos tipos de eventos possam ser adquiridos e organizados. Por exemplo,
quando as crianças adquirem roteiros para brincar com blocos, brincar no caixote de
areia e brincar de casinha, elas estão acumulando exemplos específicos de brincadeiras
que elas podem, depois, incluir em uma categoria geral (Lucariello e Rifkin, 1986). (Ver
o Destaque 9.2.)

O contexto cultural e a irregularidade do desenvolvimento

Uma vez que as crianças deixam os limites de seus berços e dos braços de seus
cuidadores, elas começam imediatamente a experimentar uma grande variedade de
contextos que os impelem a adquirir vários novos roteiros, mesmo que aperfeiçoem seu
conhecimento dos roteiros com os quais já estão familiarizadas. Por isso, é natural,
segundo a abordagem culturalista, que o desenvolvimento durante a primeira infância
pareça tão irregular. O conteúdo e a estrutura de novos eventos em que as crianças
pequenas participam vai depender fundamentalmente dos contextos proporcionados pela
sua cultura e dos papéis que se espera que elas desempenhem nesses contextos. Em
contextos familiares, onde elas conhecem a seqüência de ações esperada e podem
interpretar adequadamente as exigências da situação, as crianças pequenas têm maior
probabilidade de se comportar de uma maneira lógica e em conformidade com os
padrões de pensamento do adulto. Mas, quando os contextos não são familiares, elas
podem aplicar roteiros inadequados e recorrer ao pensamento mágico ou ilógico.

Em geral, as culturas influenciam a irregularidade do desenvolvimento das crianças de


várias maneiras básicas (Laboratory of Comparative Human Cognition, 1983; Rogoff,
1998, 2000; Super e Harkness, 1997):

1. A ocorrência e a não-ocorrência de atividades específicas: Não se pode aprender


sobre algo sem observá-lo ou ouvir falar nele. É improvável que uma criança de quatro
anos de idade criada entre os IKungs do Deserto de Kalahari aprenda a tomar banhos
em banheiras ou despejar água de um copo para o outro.

377
Assim como é improvável que as crianças criadas em Seattle ou Singapura sejam hábeis
em seguir o rastro de animais ou encontrar raízes que armazenem água no deserto.

2. A freqüência das atividades básicas: Dançar é uma atividade encontrada em todas as


sociedades, mas nem todas as sociedades dão um enfoque igual à dança. Devido à
importância conferida à dança tradicional na cultura balinesa, muitas crianças criadas
em Bali tornam-se hábeis dançarinos aos quatro anos de idade (McPhee, 1970),
enquanto as crianças norueguesas estão mais propensas a se tornar bons esquiadores e
skatistas. Da mesma forma, as crianças criadas em uma aldeia mexicana famosa por sua
cerâmica podem se tornar ceramistas hábeis, enquanto as crianças que moram em uma
cidade próxima conhecida por seus tecidos têm maior probabilidade de se tornar hábeis
tecelãs, pois tiveram pouco contato com a fabricação de cerâmica (Price-Williams et ai.,
1969). Na medida em que a prática faz a perfeição, quanto maior a freqüência da
prática, mais elevado o nível de desempenho.

3. A maneira como relacionam diferentes atividades: Se moldar argila está associado à


fabricação de cerâmica, isso é experimentado juntamente com toda uma série de
atividades relacionadas: cavar uma pedreira, queimar a argila, esmaltar a argila, vender
os produtos. Moldar a argila como parte do currículo de uma creche estará associado a
um padrão de experiência e conhecimento inteiramente diferente.
4. O papel da criança na atividade: As crianças entram na maior parte das atividades
como novatos que têm pouca responsabilidade pelo resultado. Eles dependem dos
outros como guias para o que é importante dominar.

O ambiente social e cultural também proporciona uma fonte geral de apoio para as
crianças, selecionando e moldando suas atividades. Barbara Rogoff (1990, 2000),
importante teórica culturalista, chama o processo geral pelo qual os adultos selecionam
e moldam as ações das crianças pequenas nas atividades cotidianas de participação
guiada. Através da participação guiada, as crianças recebem ajuda na adaptação do seu
entendimento a novas situações, na estruturação das suas tentativas para resolver
problemas e, finalmente, para adquirir domínio sobre eles. Uma forma dessa interação
cooperativa ocorre quando um adulto ou par mais competente proporciona ajuda na
participação de uma criança, oferecendo sugestões sobre como lidar com a tarefa ou
assumindo partes da tarefa quando necessário, permitindo que a criança estenda suas
habilidades além dos limites previstos, se a criança estivesse realizando a tarefa sozinha.
Esse tipo de interação é um exemplo do que Vygotsky chamou de uma zona do
desenvolvimento proximal (ver Capítulo 5).

Às vezes, a forma de orientação representada por uma zona de desenvolvimento


proximal é deliberada, mas freqüentemente essas interações de apoio são realizadas
implicitamente e sem um esforço deliberado para instruir. Caracteristicamente, o
processo da descoberta e da criação guiadas ou zonas de desenvolvimento proximal,
estão profundamente incorporadas nas interações casuais que são parte das atividades
cotidianas. Uma interação entre Rogoff e sua filha de três anos e meio ilustra a natureza
implícita e bilateral do processo da participação guiada.

Eu estava me preparando para sair de casa, quando percebi que começou a correr um fio
no pé da minha meia. Minha filha se ofereceu para ajudar a costurar o fio, mas eu estava
com pressa e tentei evitar seu envolvimento, explicando que eu não queria que a agulha
furasse o meu pé. Comecei a costurar, mas mal conseguia enxergar onde estava
costurando, porque a cabeça da minha filha estava no caminho, enfiada na costura. Logo
ela sugeriu que eu podia colocar a agulha na meia e ela a puxaria, evitando, assim, furar
o meu pé. Eu concordei e seguimos essa divisão de trabalho por vários pontos. (Rogoff,
1990, p. 109)

Outra forma comum de interação casual que proporciona a orientação e o apoio de uma
zona de desenvolvimento proximal é o jogo sociodramático (ver o Destaque 9.2), a
brincadeira de faz-de-conta em que dois ou mais participantes representam vários papéis
sociais.

É uma expectativa geral das abordagens culturalistas que interações que tenham esse
tipo de estrutura de apoio sejam especialmente produtoras de mudança
desenvolvimental e de níveis elevados de desempenho.

Avaliando a explicação culturalista

Na visão piagetiana do desenvolvimento, as estruturas cognitivas sofrem transformações


generalizadas quando as crianças amadurecem e ganham experiência. Na visão
culturalista, ao contrário, as habilidades de desenvolvimento das crianças são vistas
como ligadas ao conteúdo e à estrutura das atividades em que elas participam. A
extensão em que maneiras de pensar e agir novas e mais sofisticadas tornam-se gerais
entre os contextos depende, fundamentalmente, da extensão em que esses processos
psicológicos são úteis também em outros locais (Laboratory of Comparative Human
Cognition, 1983). Na verdade, segundo os teóricos culturalistas, o pensamento mágico,
o fracasso em perceber a perspectiva do outro e a confusão entre aparência e realidade,
realmente, não desaparecem depois da primeira infância; eles também são observados
em crianças mais velhas e em adultos (Subbotski, 1991). Mas as crianças mais velhas e
os adultos exibem esses traços mais raramente em determinados contextos, que são
externos às experiências que eles acumularam na realidade do cotidiano.

Embora não descontando a possibilidade de processos específicos, tipo módulos, uma


visão culturalista do desenvolvimento é mais compatível com a idéia de que as crianças
herdam princípios estruturais, em domínios amplamente definidos que são "ampliados"
através de interações nos contextos culturais, para produzir habilidades cognitivas mais
desenvolvidas. Assim como Bruner propôs que um SAAL deve acompanhar o DAL de
Chomsky para produzir linguagem, as teorias culturalistas propõem que os princípios
estruturais específicos do domínio requerem ambientes adequados, culturalmente
organizados, para poderem emergir e se desenvolver.

FIGURA 9.9
O desenho da figura humana desenvolve-se através de uma seqüência de passos.
Inicialmente, a criança desenha um grande círculo que representa a pessoa inteira. A
representação global que a criança faz de uma pessoa logo evolui para um círculo ou
uma elipse com a face na parte superior e duas linhas que saem da sua parte inferior
(uma "aparência de girino"). Pouco a pouco, o círculo passa a representar apenas a
cabeça e o corpo desce entre as duas linhas verticais. Alguns meses mais tarde, a criança
acrescenta um segundo círculo para apresentar o corpo, com outro par de linhas saindo
dele como se fossem braços, (Extraída de Goodnow, 1977.)

FIGURA 9.10
O desenho de uma xícara feito por uma criança de seis anos de idade. Observe que a
alça está incluída, embora a cora tenha sido mostrada à criança de uma perspectiva em
que a alça não estava visível.

Conceito:
participação guiada As maneiras como adultos e crianças colaboram nas atividades
rotineiras de resolução de problemas para que as crianças recebam ajuda para adaptar
seu entendimento a novas situações, estruturando suas tentativas de resolução de
problemas e, finalmente, adquirindo domínio.

379
O DESENVOLVIMENTO DO DESENHO: APLICAÇÃO DAS
PERSPECTIVAS TEÓRICAS

Cada uma das atuais teorias da cognição na primeira infância proporciona uma
perspectiva distinta, a partir da qual se deve encarar o desenvolvimento. Os relativos
pontos fortes e fracos das visões alternativas podem ser melhor considerados quando as
várias abordagens tentam explicar o mesmo fenômeno. Fazer um desenho - uma
atividade com muitos componentes cognitivos - é um exemplo característico, e todo
ponto de vista teórico tem algo a dizer a respeito. Segundo a abordagem construtivista
de Piaget, o desenho das crianças parece passar por uma série regular de estágios.
Segundo uma abordagem de processamento de informação, as mudanças no desenho
podem, em alguns casos, estar intimamente ligadas à capacidade de captar na mente
vários aspectos de um objeto ao mesmo tempo. No entanto, segundo a abordagem da
modularidade, as crianças cujo desenvolvimento lingüístico, mental ou social é
gravemente deficiente podem desenhar com um alto nível de competência. E, segundo a
abordagem culturalísta, o desenvolvimento da capacidade de desenhar depende das
oportunidades proporcionadas à criança de se envolver nessa atividade e das maneiras
como essas oportunidades são estruturadas pelos adultos.

CONSTRUÇÃO DAS ETAPAS DO DESENHO

Em toda cultura em que é dada às crianças uma oportunidade de desenhar desde tenra
idade, seus desenhos parecem passar pelas mesmas seqüências de estágios (Gardner,
1980; Golomb, 1974; Lange-Küttner e Thomas, 1995). No início, elas rabiscam. As
crianças não estão "fazendo desenhos" quando rabiscam. O que parece importar para
elas não é o aspecto do produto, mas a alegria de mover suas mãos e a trilha dos seus
movimentos à qual o rabisco testemunha.

As crianças dão um passo gigantesco além do rabisco em torno dos três anos de idade,
quando começam a reconhecer que as marcas e as linhas que elas fazem podem
representar objetos do mundo. Essa percepção reflete-se desde cedo, quando as crianças
começam a desenhar círculos e elipses que são extraídos das espirais e das linhas que
antes enchiam seus rabiscos. A linha circular encerra uma área interna que lhes parece
mais sólida do que o campo em que ela está, indicando que o desenho está claramente
representando alguma coisa. Esses desenhos iniciais desenvolvem-se em duas
dimensões: começam a incluir mais detalhes nos objetos que descrevem e incluem
relacionamentos espaciais - ambos relacionamentos entre os objetos descritos e entre
esses objetos e a criança que está fazendo o desenho.

Os desenhos de crianças mais detalhados provavelmente envolvem a inclusão de


elementos cada vez mais estereotipados. Uma casa é um pentágono; o sol é um círculo
com linhas que se estendem a partir da sua superfície; uma flor é um círculo cercado de
elipses; os humanos e os animais aparecem como figuras de girinos (ver a Figura 9.9).

As crianças de três e quatro anos de idade parecem representar em seus desenhos o que
elas sabem sobre os objetos e não o que enxergam com seus próprios olhos. Se lhes for
mostrada uma xícara no nível dos seus olhos, de forma que sua alça não possa ser vista,
as crianças, apesar disso, vão desenhar a xícara com uma alça, colocando-a em algum
lugar lateral, porque elas sabem que as xícaras têm alças (ver a Figura 9.10). Entre os
seis e os 11 a 12 anos de idade, as crianças cada vez mais desenham o que realmente
vêem de um objeto. Ao mesmo tempo, seus desenhos começam a representar a
perspectiva a partir da qual o objeto é visto. Finalmente, as crianças começam a
combinar representações de pessoas e objetos para fazer cenas descrevendo
váriasexperiências (ver a Figura 9.11).

380
DESTAQUE 9.2 JOGO SOCIODRAMÁTICO
A brincadeira ocupa um papel importante no desenvolvimento cognitivo das crianças
pequenas, assim como no seu desenvolvimento físico e social. Aos dois anos de idade,
as crianças são capazes de fingir que uma caixa de fósforos é um carro que pode zunir
em torno de um caixote de areia, ou que um bloco é uma ferramenta. Essa brincadeira,
no entanto, é muito solitária, no sentido de que, mesmo quando várias crianças pequenas
estão juntas em um aposento, é improvável que sua brincadeira seja interconectada
(Bretherton, 1984). Na primeira infância, a brincadeira de faz-de-conta torna-se mais
social e mais complexa (Gõncü e Kessel, 1988). Em vez de um faz-de-conta solitário, as
crianças começam a se envolver em um jogo sociodramático - uma brincadeira de faz-
de-conta em que dois ou mais participantes representam vários papéis sociais
relacionados. O jogo sociodramático requer um entendimento compartilhado do que a
situação da brincadeira envolve e que, freqüentemente, deve ser negociado como parte
da brincadeira.

Nos Estados Unidos e em muitos países europeus, a primeira infância pode ser
considerada a "alta estação do jogo imaginativo" (Singer e Singer, 1990). As crianças
ficam com vários brinquedos à sua disposição e o jogo simbólico é encorajado como um
importante contribuinte para o desenvolvimento. Esse tipo de brincadeira é ilustrado
pela cena que se segue, envolvendo várias crianças na idade pré-escolar. Quando
entramos na cena, as meninas do grupo já haviam combinado os papéis que iriam
desempenhar: mãe, irmã, bebê e empregada.

Karen: Estou com fome. Ua-a-ah!


Charlotte: Deita, bebê.
Karen: Eu sou um bebê que sabe sentar.
Charlotte: Primeiro você deita e a irmã cobre você, e depois eu
faço o seu cereal e então você se senta.
Karen: Está bem.
Karen: (para Teddy, que estava observando) Você pode ser o pai.
Chorlotte: Você é o pai?
Teddy: Sim.
Charlotte: Coloque uma gravata vermelha.
Janie: (na voz de falsete da "empregada") Eu pego para você,
querida. Esse bebê não está lindo? Este é o seu papai, bebê.
(Adaptado de Paley, 1984, p. 1)

Essa transcrição ilustra várias características do jogo sociodramático das crianças


pequenas americanas. As crianças estão representando papéis sociais e usando roteiros
que encontraram várias vezes em suas vidas cotidianas, na televisão ou nas histórias. Os
bebês fazem ruídos estereotipados de bebês, as empregadas pegam coisas para as
pessoas, e os pais usam gravatas. Ao mesmo tempo em que estão representando seus
papéis no mundo do faz-de-conta, as crianças estão também fora dele, dando direções
de cena uma à outra e comentando a ação. O "bebê" que se senta tem de ser instruído a
se deitar e o menino é comunicado sobre o papel que ele pode representar.

Embora as crianças se baseiem em cenas familiares em seu jogo sociodramático, os


roteiros e os fenômenos sociais que eles representam estão longe de ser imitações
precisas. Como comenta Catherine Garvey, quando um menino envolvido em um jogo
sociodramático entra na casa e anuncia, "Muito bem, eu estou cheio de trabalho,
querida. Trouxe mil dólares para casa", ele provavelmente jamais ouviu alguém dizer
essa frase antes. Ao contrário, ele abstraiu alguns comportamentos característicos dos
maridos na sua sociedade e os embelezou com fantasia (Garvey, 1990).

Durante muitas décadas, os psicólogos do desenvolvimento procuraram determinar se o


jogo sociodramático tem algum significado especial para o desenvolvimento cognitivo
posterior (Sutton-Smitb, 1997). Jean Piaget e Lev Vygotsky têm sido especialmente
influente nessas investigações. Piaget minimizou a importância da brincadeira para o
desenvolvimento cognitivo. Em sua opinião, a qualidade especial da brincadeira durante
o período pré-operatório deriva diretamente das características do egocentrismo.
Segundo suas próprias palavras, "Para o pensamento egocêntrico, a lei suprema é a
brincadeira" (Piaget, 1928, p. 401). Ele acreditava que as crianças pudessem consolidar
esquemas de ação que elas já haviam adquirido mas a natureza egocêntrica da
brincadeira evita a ocorrência de novos níveis de desenvolvimento. Em vez disso, a
natureza da brincadeira depende da natureza dos processos de pensamento da criança.
Ele declarou que uma vez que elas atingem o estágio das operações concretas e seu
egocentrismo diminui, o jogo sociodramático diminui à medida que as crianças passam
a se interessar por jogos com regras e tentam distanciar-se daquelas "coisas de crianças
pequenas".

Diferentemente de Piaget, Lev Vygotsky (1978) acreditava que a brincadeira de faz-de-


conta proporcionasse às crianças uma zona de desenvolvimento proximal que lhes
permitisse pensar e agir de maneiras mais complexas do que é provável que agissem
fora de um contexto de brincadeira. Na vida real, as crianças dependem dos adultos para
ajudá-los, proporcionando-lhes as regras e cunprindo-as para eles de pequenas maneiras.
Vigostsky acreditava que a liberdade para negociar a realidade, que é essencial aos
jogos de "vamos fazer-de-conta", proporciona às crianças um apoio análogo. Como
conseqüência disso, Vygotsky escreveu, "Na brincadeira, uma criança está sempre
acima da sua média de idade, acima do seu comportamento cotidiano; na brincadeira, é
como se ela fosse 20 centímetros mais alta do que é" (p. 102).

M. G. Dias e Paul Harris (1988, 1990) proporcionaram um apoio interessante à idéia de


Vygotsky de que a brincadeira cria uma zona de desenvolvimento proximal em um
estudo sobre a maneira como o faz-de-conta influencia a capacidade de raciocinar
dedutivamente das crianças pequenas. Dias e Harris apresentaram a crianças de quatro a
seis anos de idade uma série de problemas lógicos em que eles tinham de raciocinar a
partir de duas premissas para chegar a uma conclusão. A maior parte das crianças não
resolve esse tipo de problema até estarem consideravelmente mais velhos. Na verdade,
Piaget acreditava que esse raciocínio não emerge antes da adolescência .

Os problemas apresentados por Dias e Harris eram do seguinte tipo:

Todos os peixes vivem em árvores.


Tot é um peixe.
Tot vive na água?

Esses problemas foram apresentados à metade das crianças em um tom de voz trivial.
Com a outra metade das crianças, o experimentador começou dizendo: "Vamos fazer-
de-conta que eu sou de outro planeta", e continuou, apresentando o problema naquele
tipo de voz dramática que normalmente é usado ao se contar histórias.
A capacidade das crianças para resolver esses problemas de raciocínio variou muito de
uma condição de apresentação para a outra. As crianças que foram instruídas em um
tom de voz trivial tiveram dificuldade de raciocinar segundo a premissa do problema.
Elas disseram, por exemplo, que Tot, o peixe, vive na água, e justificaram suas
respostas afirmando o seu conhecimento de onde os peixes vivem. Em compensação, as
crianças que participaram da versão "vamos fazer-de-conta" do problema tiveram um
sucesso muito maior, e a maneira como justificaram suas respostas proporcionaram uma
evidência clara de que haviam entrado na natureza hipotética das tarefas. Justificações
típicas para suas respostas corretas foram afirmações como "Eu disse que Tot mora em
uma árvore, porque nós estávamos fazendo-de-conta que os peixes moram em árvores".

Embora a brincadeira de faz-de-conta possa ser encontrada em toda sociedade, há


amplas variações no quando, onde e com que freqüência essa brincadeira ocorre, quem
são seus participantes e o papel que os adultos atribuem às atividades de brincadeira de
seus filhos (Gõncü, 1999). Em algumas sociedades, os adultos providenciam para seus
filhos se engajarem em muitas brincadeiras de faz-de-conta com outras crianças da sua
idade (a brincadeira ocupa um papel importante em muitas pré-escolas européias, por
exemplo). Em outras sociedades, a brincadeira ocupa um papel muito menos valorizado
nas atividades cotidianas das crianças pequenas, porque, aos três a quatro anos de idade,
espera-se que as crianças dêem contribuições econômicas à família (Gaskins, 1999).
Mesmo nas sociedades industriais, em que as crianças pequenas freqüentam a pré-escola
como preparação para o ensino formal, o conteúdo da brincadeira, os companheiros de
brincadeira e o papel dos adultos na organização da brincadeira varia muito (Farver,
1999; Gõncü, 1999; Roopnarine et ai., 1998).

Joanne Farver observou várias diferenças nas brincadeiras de dois grupos de crianças
pré-escolares em Los Angeles, um de origem européia e o outro composto de crianças
coreano-americanas cujos pais haviam emigrado para os Estados Unidos nos últimos
anos farver, 1999). As crianças euro-americanas participaram de muito mais
brincadeiras envolvendo personagens fantásticos e temas de perigo. O jogo
sociodramático das crianças coreano-americanas concentrava-se fundamentalmente nos
papéis familiares e nas atividades do cotidiano. Farver acompanhou essas diferenças em
relação a várias fontes, uma delas sendo as crenças dos adultos. Os adultos coreano-
americanos atribuíam menos valor que os adultos euro-americanos à brincadeira de faz-
de-conta. As pré-escolas que eles organizavam eram muito mais parecidas com a escola,
com as crianças sentando em carteiras e praticando habilidades acadêmicas das quais
elas iriam precisar mais tarde. Outro fator que moldava o nível da brincadeira de faz-de-
conta era a natureza das oportunidades de brincar proporcionadas às crianças. As
diferenças na brincadeira das crianças coreano-americanas e euro-americanas eram mais
visíveis em um ambiente de brincadeira não-estruturado. Entretanto, quando as crianças
recebiam um brinquedo complexo para brincar (um castelo de brinquedo com reis,
princesas, cavalos e outros objetos de brinquedo que poderiam ser usados em um jogo),
as diferenças entre os dois grupos desapareciam.

Seja qual for a sociedade em que vivam, à medida que as crianças crescem, o jogo
sociodramático vai ocupando uma parte cada vez menor do seu tempo. Contudo, isso
não significa que o faz-de-conta desapareça com a idade. Ao contrário, sua forma muda.
Dorothy e Jerome Singer (1990) acreditam que uma vez atingida a segunda infância, a
brincadeira de faz-de-conta "passa a ocorrer às escondidas", porque outras formas de
brincar são consideradas socialmente mais aceitáveis. Douglas Hofstader declara que a
brincadeira de faz-de-conta nunca desaparece, porque, durante suas vidas, as pessoas
constantemente criam variantes mentais das situações que elas enfrentam:

[A invenção dos mundos "como se"] ocorre de maneira tão casual, tão natural, que
dificilmente percebemos o que estamos fazendo. Escolhemos da nossa fantasia um
mundo que seja próximo, em algum sentido mental interno, do mundo real.
Comparamos o que é real com o que percebemos como sendo quase real. Assim
fazendo, o que obtemos é algum tipo intangível de perspectiva da realidade. (1979, p.
643).

Atualmente, não há razões firmes para se afirmar que o jogo sociodramático é essencial
para o desenvolvimento normal. Quer cresçam em uma sociedade que desvalorize a
brincadeira de faz-de-conta e enfatize as responsabilidades de trabalho das crianças, ou
em uma sociedade que se esforce muito para proporcionar às crianças pequenas a
oportunidade de se envolver na brincadeira de faz-de-conta, as crianças, em geral, são
criadas para se tornar membros competentes das suas sociedades.

382
FIGURA 9.11
Uma seqüência de desenhos feitos por uma criança americana.(a) Aos dois anos e meio,
Carrie desenhava linhas de diferentes cores; (b) Aos três anos e meio, começou a
desenhar representações globais de uma pessoa; (c) Aos cinco anos, ela acrescentava
um corpo e pernas às criaturas que desenhava, e colocava sua figura principal em uma
cena. (d) Movimento, ritmo e maior realismo estão evidentes nos desenhos que ela
produzia aos sete anos e meio. (e) Aos 12 anos de idade, ela conseguia desenhar uma
cena realística. (Cortesia de Carrie Hogan.).

Muitos desses estágios, observados nos desenhos de crianças norte-americanas e


européias, podem ser encontrados em todas as sociedades em que o desenho é uma
prática cultural. As proposições universais no desenvolvimento da representação
artística são os tipos de fenômenos fundamentais para a teoria do desenvolvimento
cognitivo de Piaget.

383
UM RELATO SOBRE O PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO DO DESENHO

A partir da perspectiva do processamento de informação, a crescente sofisticação dos


desenhos das crianças surge de uma combinação de habilidades motoras finas
melhoradas, maior conhecimento das regras e das convenções do desenho, e uma maior
capacidade para manter em mente vários aspectos da tarefa do desenho (Willats, 1995).
A Figura 9.12 mostra a seqüência desenvolvimental que as crianças seguem ao aprender
a desenhar uma casa esquemática em três dimensões. As crianças menores reduzem as
três dimensões para duas. Mais tarde, a terceira dimensão é parcialmente acrescentada,
mas é parcialmente reduzida a uma das outras duas, criando desenhos que parecem um
pouco ilógicos. Finalmente, as crianças adquirem maneiras de representar a terceira
dimensão (Willats, 1987). A partir de uma perspectiva do processamento de informação,
essa seqüência segue diretamente o conhecimento crescente das crianças das regras do
desenho e da sua capacidade para recordar a necessidade de representar todas as três
coordenadas espaciais em seus desenhos.
O DESENHO COMO UM MÓDULO MENTAL

Embora o desenvolvimento da capacidade de desenhar das crianças, em geral, passe por


uma série de estágios que acabamos de descrever, algumas exceções importantes
sugerem que o desenho é um domínio cognitivo distinto e a capacidade de desenhar
pode ser modular em algumas condições. Um exemplo sugestivo é proporcionado por
Nadia, uma criança que sofre de autismo, uma condição que interfere com o
desenvolvimento social e cognitivo normal (Selfe, 1983). De início, Nadia parecia
desenvolver-se normalmente, mas, aos três anos de idade, ela havia esquecido as poucas
palavras que havia aprendido, seu comportamento era letárgico e ela não se envolvia na
brincadeira do faz-de-conta. Aos três anos e meio, Nadia começou a exibir uma
habilidade artística incomum. Sem nenhuma prática aparente, ela começou a incorporar
perspectiva e outras técnicas artísticas quando copiava gravuras, uma capacidade que,
em geral, só é adquirida após anos de experiência em desenho (Figura 9.13). A destreza
de Nadia quando estava desenhando era absolutamente notável, embora nas atividades
do cotidiano os movimentos da sua mão fossem em geral descoordenados. A aplicação
de muitos testes mostrou que Nadia tinha uma extraordinária habilidade para compor e
recordar imagens visuais. Ela freqüentemente estudava um desenho durante semanas
antes de produzir uma versão de memória. Parecia que ela estava construindo uma
imagem mental para que, em algum momento posterior, os "olhos da sua mente"
pudessem guiar sua mão na recriação da imagem no papel. Howard Gardner (1980), que
conduziu pesquisas sobre a base cognitiva da arte, usa, na sua discussão do caso de
Nadia, termos reminiscentes da idéia de Chomsky e Fodor dos módulos mentais:

Nadia pode ter estado operando com um dispositivo computacional mental altamente
poderoso - dispositivo este raramente, se algum dia, explorado por outras pessoas, mas
talvez disponível para pelo menos alguns membros da espécie humana, (p. 186-187)

384
O desenvolvimento incomum de Nadia não é único. Os pesquisadores têm identificado
várias crianças cuja capacidade de linguagem e funcionamento mental geral são
bastante baixos, mas cuja capacidade para criar imagens gráficas é excepcionalmente
elevada (Sacks, 1995). Esses casos ajustam-se muito bem à idéia de que os módulos
mentais, como a linguagem e a percepção, podem desenvolver-se de maneira
relativamente isolada um do outro.

As evidências de casos menos extremos também sugerem que passar pela seqüência
comum dos estágios não é necessária para o domínio. Gardner (1980) relata que as
crianças privadas da oportunidade de desenhar durante a primeira infância podem
"pular" totalmente, os estágios iniciais do desenho quando, finalmente, têm a
oportunidade de desenhar. Se isso é verdade, esse achado se contraporia à posição
piagetiana, segundo a qual os estágios seguem um ao outro em uma seqüência
invariável.

UMA CONSIDERAÇÃO SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO


DESENHO DO PONTO DE VISTA DO CULTURALISMO

Uma visão culturalista do desenvolvimento do desenho concentra-se na natureza


culturalmente organizada dos processos que transformam o potencial das crianças para
o desenho, na execução real de tipos específicos de representações significativas.
Um indicador importante da natureza culturalmente organizada do desenho da criança é
encontrado nas maneiras como os adultos conversam com as crianças sobre o que elas
estão fazendo. Por exemplo, quando um adulto pergunta a uma criança pequena "O que
você está desenhando?", a própria forma da pergunta supõe que há algo a ser desenhado
e que a criança está tentando representá-lo. Em resposta à pergunta, as crianças
freqüentemente seguem a maneira como o adulto compôs o roteiro da interação, criando
histórias posteriores sobre o que desenharam, histórias que não estão ligadas a nada que
um adulto possa perceber no papel. No entanto, depois que as crianças adquiriram
alguma experiência, suas explicações dos seus desenhos tornam-se conectados com a
descoberta de que os traços que eles fizeram se assemelham a um objeto real do mundo
- mas essa descoberta só é feita depois que o desenho está pronto (Golomb, 1974).

O diálogo que se segue, entre Roslyn e Don, ambos com três anos de idade, registrado
em uma pré-escola dos Estados Unidos, ilustra a natureza rudimentar do entendimento
do desenho pelas crianças pequenas e também algumas das maneiras como esses
entendimentos mudam (adaptado de Gearhart e Newman, 1980, p. 172):

Roslyn: Eu peguei o marrom. (Levanta o seu lápis.)


Don: Eu peguei outra cor. (Desenha linhas curtas para a frente e para trás.)
Roslyn: Eu fiz um círculo marrom. (Ilustra com um gesto circular num movimento
anti-horário, mantendo o lápis sobre o papel.)
Don: Peguei outra cor.
Roslyn: Eu, eu, eu fiz um grande quadrado redondo marrom. (Repete o gesto
ilustrativo.)
Don: (Faz uma forma num movimento anti-horário em seu papel.) Olhe o que eu
estou fazendo, Roslyn.
Roslyn: Hum! Hein! (Olha.)
Don: Eu, eu fiz redondo assim. (Ilustra com amplos movimentos anti-horários.)
Roslyn: Bem ... agora veja o que eu estou fazendo. Estou fazendo montanhas.
(Imediatamente desenha uma série de linhas verticais curtas.)

385
As palavras e ações dessas crianças indicam claramente que nenhuma das duas crianças
tem em mente um desenho individual, determinado. Toda a sua conversa se refere a
algo que acabaram de fazer ("Fiz um círculo marrom") ou a algo que estão fazendo
("Estou fazendo"). Fala-se pouco sobre os planos para seus desenhos. Cada criança
imita os elementos introduzidos pela outra, sem um plano geral de como esse elemento
pode adaptar-se ao todo.

No entanto, mesmo os desenhos dessas crianças progrediram além do rabisco. Quando


elas mostram um para o outro lápis e figuras, trocando comentários e idéias, elas estão
falando como se os desenhos representassem algo (círculos, quadrados, montanhas),
mesmo que a correspondência não fosse, de jeito nenhum, clara para outras pessoas.

A maneira que a professora arranjou para dar um desenho como "acabado" foi também
importante para ajudar as crianças a descobrir o que significa fazer um desenho. Antes
de escrever o nome da criança no desenho e pregá-lo no quadro, ela fez perguntas
abertas sobre o que a criança havia desenhado, mais uma vez se comportando como se a
criança tivesse desenhado alguma coisa em particular.
Professora: Jeff? Fale-me sobre o seu desenho. (Jeffrey aproxima-se e olha para o seu
desenho.)
Jeffrey: Hum, ele tem duas montanhas laranja, dois círculos laranja.
Professora: Dois círculos laranja (enquanto escreve o nome dele no desenho).
(Adaptado de Gearhart e Newman, 1980, p. 182.)

Nesse diálogo, a professora aceita seletivamente a parte do relato da criança (dois


círculos laranja) que combina com a sua noção de "coisa". As "montanhas" rabiscadas
são ignoradas. Em conseqüência disso, Jeffrey aprende algo sobre que tipos de traços,
aos olhos dos adultos, são considerados e não são considerados quando se desenha
montanhas ou círculos.

A existência de atividades com roteiro para o desenho não contradiz a possibilidade de


haver um módulo mental para o desenho ou a idéia de que o desenho passa por estágios
de crescente complexidade. Em vez disso, sugere que as maneiras como os adultos
organizam a instrução proporciona oportunidades essenciais para o potencial modular
ser desencadeado e os estágios construídos. No decorrer de um ano ou dois, as
suposições da professora tornam-se uma segunda natureza para as crianças. Elas
aprendem não somente a possibilidade de desenhar "coisas", mas muitas técnicas para
fazer essas coisas tomarem forma no papel. Mais importante ainda, elas passam a
entender o conceito da professora e compartilhar dele no que significa "fazer um
desenho". Esse entendimento comum torna-se, então, a base para a instrução posterior.

FIGURA 9.13
Nadia, uma pré-escolar autista com apenas uma exposição mínima o modelos, exibia
uma capacidade fantástica para captar a forma e o movimento em seus desenhos. Este
desenho é a sua cópia do quadro de um cavalo. As crianças pequenas aprendem a
representar a realidade em seus desenhos e pinturas em parte devido à maneira como os
adultos interpretam seus quadros depois que eles estão terminados.

RECONCILIANDO PERSPECTIVAS ALTERNATIVAS

As explicações acadêmicas dos fenômenos do pensamento das crianças pequenas são


reminiscências da parábola dos homens cegos sentindo um elefante pelo tato: o homem
que pega na tromba, acha que a criatura é uma cobra; o homem que pega na perna, acha
que a criatura é uma árvore e o homem que pega no rabo tem certeza de que pegou uma
corda. Na falta de um entendimento coordenado, cada homem confunde sua parte com o
todo, que é distintamente diferente das partes. Parece que a irregularidade do
pensamento das crianças pequenas é comparável à irregularidade com que seu
pensamento é explicado pelos psicólogos do desenvolvimento.

Não obstante, a última década testemunhou vários esforços para se chegar a uma síntese
que incorpora as principais preocupações de cada uma das posições teóricas
concorrentes. Ao que parece, um número cada vez maior de psicólogos do
desenvolvimento acredita que essas abordagens concorrentes são mais proveitosamente
encaradas como complementares uma à outra. Observamos neste capítulo vários
movimentos parciais na direção de uma síntese. As abordagens de processamento da
informação são combinadas com a teoria dos estágios piagetiana. A especificidade do
domínio é amplamente aceita como um fenômeno real, embora persistam os argumentos
sobre a maneira precisa como os domínios devem ser identificados e se a sua origem
está na biologia (como módulos ou restrições estruturais) ou na cultura (como atividades
e contextos culturais). Atualmente, há inclusive vários esforços promissores que visam a
proporcionar uma estrutura de explicação abrangente, em que todas as abordagens
concorrentes sejam reunidas em uma única e ampla estrutura (Case e Okamoto, 1995;
Feldman, 1994; Fischer e Biddel, 1998; Gelman e Williams, 1998; Greenfield, 1997;
Siegler, 1996). No entanto, o acordo sobre precisamente como os vários fatores
interagem um com o outro para produzir desenvolvimento cognitivo permanece tão
enganoso para os cientistas maduros quanto um acordo entre os pré-escolares sobre,
precisamente, que efeito a fervura tem no tamanho e no peso das pedras.

Também precisamos manter em mente que o desenvolvimento psicológico total de uma


criança abrange bem mais que as habilidades restritas aqui expostas. Restam ainda a
explorar as maneiras como o pensamento das crianças pequenas influenciam na maneira
de elas pensarem sobre si mesmas e de se comportarem como membros de seus mundos
sociais e nas maneiras como elas são influenciadas pelos locais de atividade e os
contextos culturais em que vivem. Tendo em mãos essas informações, estaremos numa
posição melhor para pensar sobre a primeira infância como um todo e nos tipos de
mudanças que esperam o início da segunda infância.

RESUMO
Os processos de pensamento das crianças pequenas são caracterizados por uma grande
irregularidade; existem ilhas de competência em um mar de incerteza e ingenuidade.
O RELATO DE PIAGET SOBRE O DESENVOLVIMENTO MENTAL NA
PRIMEIRA INFÂNCIA

A explicação de Piaget sobre o pensamento na primeira infância enfatiza sua natureza


unilateral: a incapacidade de pensar, simultaneamente, sobre dois aspectos de um
problema, em relação um ao outro, faz com que as crianças se "concentrem" no aspecto
mais saliente do problema.

As limitações cognitivas que Piaget associava com o pensamento egocêntrico incluem a


incapacidade de perceber a perspectiva de outra pessoa, entender os processos de
pensamento das outras pessoas, distinguir a aparência da realidade e raciocinar sobre a
causa e o efeito.

O ESTUDO DO PENSAMENTO DE CRIANÇAS PEQUENAS DEPOIS DE PIAGET

Muitos acreditam que a irregularidade do pensamento das crianças é maior do que


Piaget imaginava, questionando sua explicação do estágio pré-operatório. Alguns
psicólogos do desenvolvimento querem aperfeiçoar sua teoria, enquanto outros têm
sugerido alternativas.

As explicações neopiagetianas para o pensamento das crianças pequenas conservam a


teoria dos estágios de Piaget, mas consideram o desenvolvimento irregular

1. Criticando as evidências usadas para caracterizar a extrema irregularidade


do desenvolvimento.
2. Propondo que os estágios ocorrem dentro de domínios específicos do conhecimento,
cada qual com sua própria estrutura conceitual, e não de forma geral.

Segundo a visão do processamento da informação, o desenvolvimento cognitivo é um


processo de expansão das capacidades limitadas da atenção, da memória e da resolução
de problemas da criança pequena. A irregularidade do pensamento das crianças
pequenas é explicada pelas diferenças na familiaridade das crianças com ambientes
específicos da tarefa e nas exigências colocadas pelos vários ambientes.

388
As teorias biologicamente orientadas enfatizam a organização inata do cérebro no
desenvolvimento do pensamento das crianças pequenas. Segundo alguns, o cérebro é
organizado em módulos mentais que são específicos do domínio, inatamente
estruturados e relativamente isolados um do outro. As habilidades mentais dos prodígios
(crianças que têm um desempenho precoce muito acima do comum em um determinado
domínio) e de algumas crianças autistas corroboram essa hipótese. Segundo outros, a
organização inata do cérebro é restrita a princípios estruturais que devem ser
confirmados pela experiência. A partir dessa perspectiva, tanto o desenvolvimento
diferencial das distintas estruturas cerebrais quanto a experiência diferencial explicam a
irregularidade do desenvolvimento cognitivo das crianças pequenas.

Na visão culturalista, os contextos dão coerência a fontes de desenvolvimento, do


contrário, isoladas nas interações cotidianas com outras pessoas.

Os contextos são representados mentalmente na forma de roteiros – estruturas


conceituais que são guias para a ação, um meio de coordenação entre as pessoas, e uma
estrutura em que são formados conceitos abstratos aplicáveis nos contextos.

A cultura media a influência da sociedade no desenvolvimento mental, providenciando


a ocorrência e a freqüência de contextos específicos e roteiros associados com a
participação das crianças, organizando como as diferentes atividades se relacionam uma
com a outra e determinando o papel da criança na atividade.

O DESENVOLVIMENTO DO DESENHO: APLICAÇÃO DAS PERSPECTIVAS


TEÓRICAS

Normalmente, a habilidade para desenhar da criança passa por uma série de estágios.

Em muitos casos, esses estágios são específicos do domínio, em maneiras que se


ajustam às teorias neopiagetiana e modular.

Como um estágio segue outro, os desenhos da criança representam cada vez mais
aspectos dos objetos desenhados, de acordo com uma abordagem do processamento de
informação.

Aprender a desenhar é culturalmente organizado em maneiras que se ajustam às teorias


culturalistas. As maneiras como os adultos interpretam o esforço das crianças é
fundamental para esse processo.

RECONCILIANDO PERSPECTIVAS ALTERNATIVAS


As várias teorias do desenvolvimento da primeira infância são mais bem tratadas como
perspectivas complementares, do que como explicações concorrentes.

PALAVRAS-CHAVE
abordagem do processamento de informação, p. 366
décalage horizontal, p. 361
egocentrismo, p. 355
estágio pré-operatório, p. 354
estrutura conceitual central, p. 365
jogo sociodramático, p. 378
memória de curto prazo (de trabalho), p. 367
memória de longo prazo, p. 367
operações mentais, p. 354
participação guiada, p. 377
pensamento pré-causal, p. 359

389
percepção da perspectiva mental, p. 356
princípios estruturais, p. 372
registro sensorial, p. 366
roteiros, p. 374
teoria da mente, p. 357
teoria da modularidade, p. 370

QUESTÕES PARA PENSAR


1. As crianças pequenas parecem ficar confusas com referência ao relacionamento entre
uma classe geral de objetos e suas subclasses. Como essa dificuldade se relaciona às
características do desenvolvimento lingüístico discutidas no Capítulo 8?
2. Suponha que você fosse Piaget e que tivesse confrontado com evidências de que até
os bebês bem pequenos parecem ficar surpresos quando os eventos que observam
contradizem as leis da situação física. Como você poderia interpretar os dados para se
ajustarem à sua teoria de que as crianças pequenas são pensadores pré-causais?
3. De que maneiras o conceito biologicamente inspirado de um módulo mental é
similar ao conceito construtivista de um princípio estrutural? De que maneiras as duas
abordagens diferem?
4. Escreva seu próprio roteiro da ida a um restaurante. De que maneiras ele difere dos
roteiros citados nas p. 374-376? Quais poderiam ser algumas razões para essas
diferenças?
5. Usando diferentes teorias da aprendizagem como base, como você planejaria um
programa de instrução para o ensino do desenho?

Você também pode gostar