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“O desenvolvimento da criança e do adolescente” Michael Cole & Sheila Cole – Ed

Artmed, 2004

CAPÍTULO 1 – ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

PRIMEIRAS INVESTIGAÇÕES
A ascensão de uma nova disciplina
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO MODERNA
QUESTÕES FUNDAMENTAIS DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Questões sobre continuidade
Questões sobre as fontes de desenvolvimento
Questões sobre as diferenças individuais
A DISCIPLINA DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Critérios de descrição científica
Métodos de coleta de dados
Delineamentos da pesquisa
Delineamentos da pesquisa e técnicas de coleta de dados em perspectiva
O papel da teoria
ESTE LIVRO E O CAMPO DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

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“A pessoa madura é um dos produtos mais notáveis que qualquer sociedade pode
produzir. É uma catedral viva, a obra de muitos indivíduos durante muitos anos.”
David W. Plath, Long Engagements

O estudo do desenvolvimento da criança é o estudo das mudanças físicas, cognitivas e


psicossociais que as crianças sofrem a partir do momento da concepção. Cada um de
nós inicia a vida como uma única célula, não maior que a cabeça de um alfinete.
Quando nascemos, nove meses depois, somos organismos inacreditavelmente
complexos, compostos de bilhões de células de muitos tipos diferentes. Respiramos por
nós mesmos, exploramos o mundo com nossos sentidos, comemos, e começamos a
assumir o nosso lugar na família e na comunidade que nos criou. Mas somos totalmente
indefesos. Não conseguimos nos virar na cama, nos alimentar, nos manter limpos e
aquecidos, ou nos comunicar, exceto para demonstrar nosso incômodo através do choro
e da inquietação.
Dois anos depois, conseguimos andar, falar, alimentar-nos (com ajuda, certamente) e
brincar de faz-de-conta. Quando atingimos os sete, oito anos de idade, conseguimos
transmitir recados, participar de jogos organizados sem a supervisão de adultos, e
começar a aprender as habilidades especializadas que precisaremos como adultos.
Alguns anos mais tarde, conseguimos raciocinar hipoteticamente, assumir a
responsabilidade por nós mesmos e pelos outros, e até gerar nossos próprios filhos.
A tarefa científica básica da psicologia do desenvolvimento é entender como esse
processo notável acontece.

PRIMEIRAS INVESTIGAÇÕES

Embora muitos eventos pudessem ser identificados como o ponto de partida do estudo
do desenvolvimento da criança, nossa história começa certa manhã, na França, no
inverno de 1800, quando um menino nu e sujo entrou em uma aldeia na província de
Aveyron, procurando por comida. Há alguns meses, algumas pessoas do local já haviam
percebido o menino enquanto ele escavava procurando raízes, subia em árvores e corria
sobre os quatro membros. Diziam que ele era um animal selvagem. A notícia espalhou-
se rapidamente quando o menino apareceu na aldeia e todos foram vê-lo.
Entre os curiosos estava um funcionário do governo, que levou o menino para casa e o
alimentou. A criança, que parecia ter cerca de 12 anos de idade, parecia ignorar os
costumes e os confortos da civilização. Quando lhe puseram roupas, ele as rasgou.
Recusava-se a comer qualquer coisa que não fossem batatas cruas, raízes e nozes.
Urinava e defecava quando e onde surgisse a necessidade. Os únicos sons que produzia
eram gritos sem significado, e ele parecia indiferente às vozes humanas. Em seu
relatório, o oficial responsável por ele concluiu que o menino havia vivido sozinho
desde o início da sua infância: "um estranho às necessidades e práticas sociais... Há...
algo extraordinário em seu comportamento, que o faz parecer próximo à condição dos
animais selvagens" (citado em Lane, 1976, p. 8-9).
Quando o relatório do funcionário chegou a Paris causou sensação. As pessoas ficaram
fascinadas pela história bizarra da criança que os jornais aclamavam como o "Menino
Selvagem de Aveyron". Os estudiosos esperavam que, estudando a maneira como essa
criatura não-civilizada mudou quando passou a participar da sociedade, pudessem
resolver questões há muito tempo em busca de respostas sobre a natureza e o
desenvolvimento dos seres humanos - perguntas como, por exemplo: Como nos
diferimos dos outros animais? O que aconteceria se crescêssemos totalmente isolados da
sociedade humana? Até que ponto somos produtos da nossa criação e experiência, e até
que ponto nosso caráter é uma expressão de traços inatos?

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No entanto, os planos para estudar o Menino Selvagem quase malograram. Os primeiros
médicos a examiná-lo diagnosticaram-no como mentalmente deficiente e especularam
que, por isso, seus pais o haviam abandonado para morrer. Recomendaram que ele fosse
colocado num hospício. E, inicialmente, foi lá colocado, até que Jean-Marc Itard (1744-
1838), um jovem médico, discutiu o diagnóstico de retardo. Itard argumentava que o
menino só parecia ser deficiente porque havia sido isolado da sociedade e, por isso,
impedido de se desenvolver normalmente. Na França do final do século XVIII, pelo
menos uma em cada três crianças normais era abandonada por seus pais, em geral
porque a família era pobre demais para sustentar mais uma criança (Kessen, 1965). Itard
acreditava que o menino fosse uma dessas crianças. O fato de ele ter sido capaz de
sobreviver sozinho nas florestas de Aveyron argumentava contra a suposição de ele ser
mentalmente deficiente.
Itard assumiu pessoalmente o encargo de cuidar do menino. Achou que podia ensiná-lo
a se tornar um francês totalmente competente, com o domínio da língua francesa e o
melhor do conhecimento civilizado. A França havia recentemente derrubado a
monarquia e abraçado as idéias políticas de liberdade, igualdade e fraternidade. Itard e
outros defensores da república queriam demonstrar que era possível! melhorar o
desenvolvimento dos filhos dos camponeses, educando-os. Para testar; sua teoria de que
o ambiente social é o responsável pelo desenvolvimento das crianças, Itard criou um
conjunto elaborado de procedimentos experimentais de treinamento para ensinar o
Menino Selvagem a categorizar objetos, raciocinar e se comunicar (Itard, 1801/1982).
No início, Victor, como Itard chamou o Menino Selvagem, fez um progresso rápido. Ele
aprendeu a comunicar necessidades simples, assim como a reconhecer e a escrever
algumas palavras. Aprendeu a usar um urinol. Também desenvolveu afeição pelas
pessoas que cuidavam dele. Mas Victor jamais aprendeu a falar e a interagir
normalmente com as outras pessoas.
Após cinco anos de trabalho intenso, Itard abandonou sua experiência. Victor não havia
feito progresso suficiente para satisfazer os superiores de Itard, e o próprio Itard estava
em dúvida se o menino poderia fazer mais progressos. Victor foi mantido sob os
cuidados de uma mulher que era paga para cuidar dele. Morreu em 1828, ainda
chamado de o Menino Selvagem de Aveyron. Suas experiências incomuns na vida
deixaram sem resposta importantes questões sobre a natureza humana, sobre a
influência da sociedade civilizada e sobre o grau em que os indivíduos são moldados
por uma ou outra dessas forças que os estudiosos esperavam que fossem respondidas
pela sua descoberta.
A maior parte dos médicos e estudiosos da época finalmente concluíram que Victor,
realmente, havia nascido com uma deficiência mental. Mas até hoje ainda há dúvidas
quanto a isso. Alguns estudiosos modernos acham que Itard podia estar certo em sua
pressuposição de que Victor era normal quando nasceu, mas que foi retardado em seu
desenvolvimento como resultado do seu isolamento social (Lane, 1976). Quando foi
encontrado, Victor já havia passado muitos de seus anos de formação sozinho. Ele já
ultrapassara a idade que atualmente se considera ser o limite máximo para a aquisição
normal da linguagem. Outros acreditam que Victor sofria de autismo, uma condição
mental patológica cujos sintomas incluem um déficit de linguagem e uma incapacidade
para interagir normalmente com as outras pessoas (Frith, 1989). Também é possível que
os métodos de ensino de Itard tenham falhado e que abordagens diferentes pudessem ter
tido sucesso. Não podemos ter certeza.
As tentativas de Itard para educar Victor marcam o ponto de partida da ciência da
psicologia do desenvolvimento porque Itard estava entre os primeiros estudiosos a ir
além da especulação e a conduzir experiências para testar suas idéias.

A ASCENSÃO DE UMA NOVA DISCIPLINA

Embora na época de Itard ainda não houvesse uma especialidade científica chamada
psicologia do desenvolvimento, o interesse nas crianças e no seu desenvolvimento

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estava começando a aumentar entre os reformadores sociais e também entre os cientistas
(Cairns, 1998). Durante o século XIX, a industrialização da Europa e da América do
Norte transformou a organização social das pessoas. A industrialização também
transformou o papel das crianças na sociedade e os ambientes em que elas se
desenvolviam. Em vez de crescer em fazendas, onde contribuíam com sua mão-de-obra
e eram cuidadas por suas mães e pais até atingirem a idade adulta, muitas crianças
foram empregadas em fábricas nas cidades industriais que se expandiam, juntamente - e
às vezes no lugar - de seus pais (Clement, 1997).
Foi nessa época que o ensino foi disseminado. As crianças urbanas que não trabalhavam
eram, em geral, encaradas como uma responsabilidade da comunidade, que as
encaravam como desordeiras. As escolas públicas foram criadas tanto para aumentar o
controle social sobre as crianças quanto por qualquer razão acadêmica. Elas consistiam
em locais para supervisionar o desenvolvimento das crianças, quando nem os pais nem
os empregadores as estavam supervisionando.
Para aquelas crianças que faziam parte da força de trabalho, o trabalho freqüentemente
envolvia longas horas em fábricas ou minas, sob condições perigosas e insalubres.
Quando essas condições se tornaram uma preocupação social, provocaram maior
atenção social e aumentaram a atividade científica. O Comitê de Investigação das
Fábricas na Inglaterra, por exemplo, realizou um estudo em 1833 para descobrir se as
crianças conseguiam trabalhar 12 horas por dia sem sofrer danos. A maioria dos
membros do comitê decidiu que 12 horas era um período de trabalho aceitável para as
crianças. Outros, que achavam que seria preferível um período de trabalho de 10 horas,
estavam menos preocupados com o bem-estar intelectual ou emocional das crianças
pequenas do que com a sua conduta moral. Eles recomendavam que as duas horas
remanescentes fossem dedicadas à educação religiosa e moral das crianças (Lomax et
al., 1978).
Essa pesquisa inicial envolveu mais que uma resposta prática às preocupações sociais.
Os primeiros psicólogos do desenvolvimento e os médicos usaram os dados coletados
para esclarecer questões básicas sobre o desenvolvimento humano e sobre como estudá-
lo. Os primeiros estudos sobre o crescimento e a capacidade de trabalho

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das crianças, por exemplo, chegaram à importante conclusão teórica de que o efeito do
ambiente sobre o desenvolvimento pode ser mensurado. Os pesquisadores descobriram
que devido às suas longas horas de trabalho, e ao repouso e à nutrição inadequados, as
crianças que trabalhavam em moinhos têxteis tinham menor estatura e menos peso do
que as crianças locais da mesma idade, que não eram submetidas a essas condições de
vida. As avaliações de desenvolvimento intelectual mostraram grandes variações nas
aquisições das crianças, que pareciam depender da origem familiar e da experiência
individual. Tais achados estimularam a continuação de um debate científico e social
sobre os fatores primariamente responsáveis pelo desenvolvimento.
Um acontecimento crucial que estimulou um maior interesse no estudo científico das
crianças foi a publicação, em 1859, de A origem das espécies, de Charles Darwin. A
tese de Darwin, de que os seres humanos evoluíram a partir de espécies anteriores
mudou fundamentalmente a maneira de pensar das pessoas a respeito das crianças.
Em vez de adultos imperfeitos - para serem vistos, mas não ouvidos -, as crianças
passaram a ser encaradas como cientificamente interessantes porque seu comportamento
proporcionava indícios sobre as maneiras como os seres humanos estão relacionados a
outras espécies. Tornou-se moda, por exemplo, comparar o comportamento das crianças
com o comportamento de primatas mais evoluídos para ver se as crianças passavam por
um "estágio de chimpanzé" similar àquele através do qual imaginava-se que a espécie
humana havia evoluído (ver Figura 1.1). Embora esses paralelos entre as espécies
tenham se comprovado supersimplificados, a idéia de que o desenvolvimento humano
deve ser estudado como uma parte da evolução humana tem conquistado aceitação
geral.
Mais para o final do século XIX, a psicologia do desenvolvimento tornou-se uma forma
legítima de pesquisa e prática. Institutos e departamentos especiais dedicados ao estudo
do desenvolvimento começaram a surgir nas principais universidades norte-americanas
e tanto agências governamentais quanto fundações filantrópicas

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começaram a subvencionar esforços de pesquisa em desenvolvimento infantil, assim
como a apoiar revistas especializadas no cuidado infantil e no papel dos pais.
Atualmente, há uma ampla aceitação popular da idéia de que a condução de pesquisas
científicas sobre crianças seja uma boa maneira de "tornar este mundo um mundo
melhor através do desenvolvimento de pessoas melhores" (Young, 1990, p. 17).
FIGURA SEM NÚMERO
Victor, o Menino Selvagem de Aveyron [Foto]
Jean-Marc Itard, que tentou transformar o Menino Selvagem em um francês civilizado.
[Foto]
FIGURA SEM NÚMERO
A mão de obra infantil proporcionava uma contribuição vital para a renda familiar de
muitas famílias do século XIX. Estes meninos e meninas fotografados em um
apartamento em Nova York em torno de 1890, faziam flores artificiais. Se trabalhassem
regularmente desde de manhã até a noite, conseguiam ganhar US$ 1,20 por dia. [Foto
de seis crianças e uma mulher com um bebê no colo sentados em volta de uma mesa
trabalhando.]
FIGURA SEM NÚMERO
As crianças constituíam mão-de-obra essencial em muitas indústrias, até mesmo no
inicio do século XX. Estes meninos trabalhavam em minas de carvão na, Pennsylvania
em 1911. Alguns deles tinham apenas seis anos de idade. [ Foto de 33 meninos em um
mina.]

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO MODERNA

A principal preocupação dos psicólogos do desenvolvimento contemporâneos é adquirir


um entendimento sistemático do desenvolvimento da criança, ou seja, da seqüência de
mudanças físicas, cognitivas e psicossociais que as crianças experimentam à medida que
vão crescendo - mudanças que começam com a concepção e que continuam durante a
vida toda. O interesse no desenvolvimento da criança baseia-se na antiga pressuposição
de que, se conseguirmos entender nossas raízes e a história das mudanças que nos
trouxeram até o presente momento, poderemos entender melhor a nós mesmos e, assim,
antecipar o futuro e nos prepararmos para enfrentá-lo.
A disciplina da psicologia do desenvolvimento transforma esses objetivos pessoais em
procedimentos sistemáticos para estudar, prever e dar forma ao processo de
desenvolvimento. Os psicólogos do desenvolvimento também estão reunindo
conhecimento que contribua para - e se beneficie de - os insights das disciplinas afins,
como a biologia, a antropologia, a lingüística e a sociologia.
No século XX, desde que começaram as preocupações com o estudo sistemático do
desenvolvimento humano, os psicólogos descobriram muito sobre os seres humanos em
todas as faixas etárias, começando mesmo antes do nascimento. Nas duas últimas
décadas, o progresso desse trabalho, auxiliado por importantes avanços na tecnologia,
acelerou-se muito. Os psicólogos estão atualmente investigando uma vasta série de
questões interessantes, como as seguintes:
- Mudanças na dieta e na educação podem compensar anormalidades genéticas?
- Como os fetos ainda no útero são influenciados pelos acontecimentos do mundo
exterior, e como essas influências afetam o seu desenvolvimento após o nascimento?
- O que possibilita aos bebês aprender sua língua natal tão depressa, sem treinamento
especial?
- De que maneira o desenvolvimento cerebral é afetado pela experiência?
- O que provoca diferenças marcantes nos níveis e nas formas de agressão entre
meninos e meninas desde bem pequenos?
- Quando as crianças se tornam conscientes de que outras pessoas também pensam, e o
que possibilita essa consciência?
- Quando as crianças começam a raciocinar sistematicamente, e o que possibilita essa
forma de pensamento?
- O que faz com que algumas crianças sejam agressivas?
- Por que algumas crianças aprendem a ler com pouco esforço, enquanto outras
requerem bastante ajuda?
- O conflito pais-filhos é uma parte necessária da adolescência?
Além de buscar as respostas para essas questões, os psicólogos do desenvolvimento são
ativos na promoção do desenvolvimento saudável das crianças. Eles trabalham em
hospitais, em centros de atenção à criança, em escolas, em locais de recreação e em
clínicas. Avaliam a situação do desenvolvimento infantil e prescrevem medidas para
ajudar as crianças que estão experimentando dificuldades. Eles auxiliam na criação de
ambientes e objetos especiais, como berços que permitem que bebês prematuros se
desenvolvam normalmente fora do útero materno, por exemplo. Criam terapias para
crianças que têm dificuldade para controlar seu temperamento e desenvolvem técnicas
mais eficientes para ensinar as crianças a ler.

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Os conhecimentos detalhados que os psicólogos do desenvolvimento têm acumulado no
decorrer da sua pesquisa através de seus métodos e achados são importantes. É essencial
ter em mente que o objetivo mais geral da investigação do desenvolvimento é: agregar
os fatos acumulados a padrões maiores, chamados teorias ou estruturas, para aumentar o
entendimento da natureza humana e o seu desenvolvimento como um todo.

FIGURA 1.1
Os primeiros evolucionistas pesquisaram o desenvolvimento motor das crianças em
busca de evidências que recapitulassem os estágios evolucionários. Aqui, um bebê (a)
engatinha sobre os quatro membros, como muitos animais, (b) usa seus pés para agarrar
os objetos, como fazem os primatas e (c) dorme enrascado como um animal (segundo
Hrdlicka, 1931). [Figura de um bebê em três situações, engatinhando sobre os quatro
membros, deitado tomando mamadeira e segurando-a com os quatro membros e
dormindo abraçado às pernas.]
CONCEITO
desenvolvimento da criança A seqüência de mudanças físicas, cognitivas, psicológicas e
sociais que as crianças experimentam à medida em que vão crescendo.

QUESTÕES FUNDAMENTAIS DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

Apesar da grande variedade de trabalho que realizam e das teorias que orientam sua
pesquisa, os psicólogos do desenvolvimento compartilham interesse em três questões
fundamentais sobre o processo de desenvolvimento:
1. Continuidade. O desenvolvimento é um processo gradual de mudança ou é pontuado
por períodos de rápida mudança e da repentina emergência de novas formas de
pensamento e de comportamento?
2. Fontes de desenvolvimento. Quais são as contribuições da hereditariedade genética e
do ambiente para o processo da mudança desenvolvimental?
3. Diferenças individuais. Não há dois seres humanos exatamente iguais. Como uma
pessoa vem a possuir características individuais estáveis que a tornam diferente de todas
as outras pessoas?
Os psicólogos estão profundamente divididos sobre muitos aspectos dessas três
questões fundamentais. Suas suposições diferentes sobre continuidade, fontes de
mudança e diferenças individuais deram origem a estruturas teóricas concorrentes.
QUESTÕES SOBRE A CONTINUIDADE

Os psicólogos do desenvolvimento formulam três questões básicas sobre a


continuidade: (1) Qual a semelhança entre os princípios do desenvolvimento dos seres
humanos e os de outras espécies? Em outras palavras, quanta continuidade existe

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entre o desenvolvimento dos seres humanos e de outra vida animal? (2) O
desenvolvimento individual é contínuo, consistindo na acumulação gradual de pequenas
mudanças quantitativas, ou é descontínuo, envolvendo uma série de transformações
qualitativas à medida que vamos ficando mais velhos? (3) A maneira que o ambiente
afeta o desenvolvimento é contínua ou há períodos na vida de uma pessoa durante os
quais algumas experiências são críticas para dar continuidade ao desenvolvimento
normal?

Os princípios do desenvolvimento humano são distintos?


Durante séculos, as pessoas têm debatido a extensão em que nós humanos nos diferimos
das outras criaturas e a extensão em que estamos sujeitos às mesmas leis naturais que
outras formas de vida. O estudo da singularidade humana diz respeito à filogenia, a
história evolucionária de uma espécie.
A questão da continuidade e da descontinuidade entre os humanos e outras espécies é
fundamental para a maneira como os psicólogos pensam sobre as leis que regem o
desenvolvimento humano. Considerando similaridade na relação do Homo sapiens com
outras espécies, o estudo de outros animais pode proporcionar evidências úteis sobre o
processo do desenvolvimento humano, quando estão em ação os mesmos princípios. Em
aspectos nos quais os seres humanos são distintos, os achados de pesquisa concernentes
ao desenvolvimento de outras espécies podem ser enganosos quando a eles aplicados.
Quando Charles Darwin (1809-1882) publicou A origem das espécies, a idéia de
evolução já era um tema de grande especulação. Darwin acreditava firmemente na
continuidade entre as espécies. Ele via a evolução como um processo de acumulação de
mudança. Em sua opinião, a diferença entre Homo sapiens e nossos quase vizinhos
evolutivos é "uma diferença de grau, não de tipo" (Darwin, 1859/1958, p. 107).
Para testar a afirmação de Darwin de que a nossa espécie evoluiu continuamente como
parte da ordem natural, os cientistas buscaram evidências de elos evolucionários
-formas intermediárias que nos conectam com outras formas de vida - e compararam
nossa composição genética e o nosso comportamento com aqueles de outros
organismos.
Do lado da continuidade entre nós mesmos e entre outros animais, foi verificado que
compartilhamos 99% do nosso material genético com os chimpanzés (D'Andrade e
Morín, 1996). Não obstante, está claro que há algo distinto no que se refere às
características da nossa espécie. A questão difícil é: Qual é esse algo?
Várias características que distinguem os humanos de outros primatas foram observadas
por Michael Tomasello (1999). Em seus habitats naturais, os primatas não-humanos:
não apontam objetos para outros;
não seguram objetos para mostrá-los a outros;
não tentam levar outros a lugares onde possam observar eventos;
não oferecem ativamente objetos a outros indivíduos, entregando-os;
não ensinam intencionalmente os outros.
Essas características parecem estar intimamente relacionadas a dois fenômenos gerais
que há muito têm sido associados ao caráter distinto dos humanos.
Em primeiro lugar, o Homo sapiens desenvolve-se em um ambiente singular que foi
moldado por inúmeras gerações anteriores de pessoas em sua luta pela sobrevivência
(Bruner, 1996; Cole, 1996). Esse ambiente especial consiste de artefatos (como
instrumentos, roupas, palavras), conhecimento sobre como construir e usar esses
artefatos, crenças sobre o mundo e valores (idéias sobre o que vale a pena), e tudo o que
guia as interações dos adultos com o mundo físico, um com o outro e com seus filhos.
Os antropólogos chamam esse acúmulo de artefatos, conhecimento, crenças e valores,
de cultura. Cultura é a parte do ambiente "feita pelo homem" que nos saúda no
nascimento (Herskovitz, 1948) e o "padrão de vida" que adquirimos da nossa
comunidade (Kluckhohn e Kelly, 1945).

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Em segundo lugar, o Homo sapiens molda e transmite a sua cultura para as gerações que
se seguem principalmente através da linguagem. Não surpreende, portanto, que, desde a
Antigüidade, a linguagem tenha sido proposta como uma característica definidora da
nossa espécie. No século XVII, o filósofo René Descartes expressou eloqüentemente a
perspectiva tradicional:
A linguagem é, na verdade, o único sinal seguro do pensamento latente no corpo;
todos os homens a usam, mesmo aqueles que são obtusos ou perturbados, que não
têm língua ou carecem dos órgãos da voz, mas nenhum animal consegue usá-la, e,
por isso, é permissível considerar a linguagem a verdadeira diferença entre o
homem e a besta (Citado em Lane, 1976, p. 23).
Até mesmo Darvvin, que acreditava tanto na continuidade da espécie, concordava que o
nosso caráter distinto, na medida em que o Homo sapiens é único, fosse o resultado da
nossa capacidade de nos comunicar através da linguagem. Nos últimos anos, os
cientistas demonstraram que os chimpanzés e outros primatas têm rudimentos de cultura
e de linguagem (Savage-Rumbaugh, Shanker e Taylor, 1998; Tomasello, 1999).
Entretanto, como veremos nos últimos capítulos, as habilidades para usar a cultura e a
linguagem, consideradas como um conjunto, são bem maiores nos humanos que em
outras espécies.

O desenvolvimento individual é contínuo?


A segunda questão mais importante diz respeito à ontogenia, o desenvolvimento de um
organismo durante seu tempo de vida. Via de regra, os psicólogos que acreditam que a
ontogenia é, antes de tudo, um processo de acumulação contínua e gradual de pequenas
mudanças, enfatizam que a mudança quantitativa ocorre pelo aumento do vocabulário
ou da capacidade de memória. Aqueles que encaram a ontogenia como um processo
pontuado por mudanças abruptas e descontínuas enfatizam a emergência de padrões
qualitativamente novos em pontos específicos do desenvolvimento, como na mudança
do balbucio para a fala. Os padrões qualitativamente novos que emergem durante o
desenvolvimento são chamados de estágios de desenvolvimento. O contraste entre as
perspectivas da continuidade e da descontinuidade está ilustrado na Figura 1.2.
O psicólogo John Flavell (1971) sugere quatro critérios que são fundamentais para o
conceito de um estágio de desenvolvimento:
1. Os estágios de desenvolvimento são distinguidos por mudanças qualitativas. A
mudança na atividade motora associada com a transição do engatinhar para o andar
ereto ilustra o que significa uma mudança qualitativa para um novo estágio de
desenvolvimento. O andar não se origina do aperfeiçoamento dos movimentos usados
para engatinhar. Para andar, a criança passa por uma total reorganização do movimento,
usando diferentes músculos em diferentes combinações.
2. A transição de um estágio para o seguinte é marcada por mudanças simultâneas em
muitos aspectos - se não em todos - do comportamento de uma criança. A transição do
engatinhar para o andar é acompanhada por uma nova qualidade de ligação emocional
entre as crianças e seus cuidadores, assim como por novas formas de relação entre a
criança e o cuidador, requerida pelo aumento da mobilidade da criança.
3. Quando acontece a mudança de um estágio para o seguinte, ela é rápida. A transição
do engatinhar para o andar ocorre, caracteristicamente, no espaço de cerca de 90 dias.
4. As muitas mudanças comportamentais e físicas que marcam o surgimento de um
estágio constituem um padrão coerente. O andar ocorre quase ao mesmo tempo que o
apontar, que o acompanhar ao olhar de outra pessoa, que o expressar das primeiras
palavras e que o estabelecimento de um novo relacionamento entre as crianças e seus
pais.

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Os proponentes do conceito de estágio declaram que uma perspectiva de estágio é
fundamental para se entender o desenvolvimento, pois, na medida em que o
desenvolvimento é caracterizado por mudanças qualitativas descontínuas, a maneira
como a criança experimenta o mundo e a maneira como o mundo influencia a criança
vai diferir de um estágio para o seguinte. Por exemplo, os bebês são especialmente
sensíveis a diferenças nos sons da linguagem (Aslin, Jusczyk e Pisoni, 1998), mas não
entendem o que está sendo dito. Quando começam a entender e a produzir linguagem
própria, a maneira como percebem o mundo parece mudar fundamentalmente e assim
também a natureza da sua interação com os outros. A descontinuidade representada pela
emergência da participação ativa da criança na conversa é tão notável que determina o
final da etapa de bebê no desenvolvimento em um grande número de sociedades.
Alguns psicólogos negam que o conceito de estágio seja crucial para entender o
desenvolvimento. Albert Bandura (1986), por exemplo, declara que a mudança
desenvolvimental é basicamente contínua, porque os processos pelos quais as pessoas
aprendem novos comportamentos permanecem os mesmos em todas as idades. Na sua
opinião, as descontinuidades no desenvolvimento são ocorrências relativamente raras
produzidas por mudanças abruptas no ambiente (por exemplo, as mudanças que
ocorrem quando as crianças começam a freqüentar a escola) ou na composição
biológica das crianças (por exemplo, as mudanças associadas com a maturação sexual).
Robert Siegler, psicólogo especializado no estudo do desenvolvimento do pensamento
das crianças, faz uma declaração similar: "O pensamento das crianças", escreve ele,
"está continuamente mudando, e a maior parte das mudanças parece ser mais gradual do
que repentina" (1991, p. 8).
Durante a maior parte do século XX, as teorias dos estágios do desenvolvimento foram
mais numerosas e mais influentes que as teorias da continuidade, mas as

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teorias dos estágios são confrontadas com vários fatos que parecem violar um ou mais
dos critérios para o desenvolvimento propostos por Flavell.
Um problema grave das teorias modernas dos estágios é que, ao contrário da sua
descrição de mudanças qualitativamente consistentes e abrangentes no comportamento e
no modo de pensar, as crianças freqüentemente parecem estar em estágios diferentes,
dependendo da ocasião. Segundo uma importante teoria dos estágios do
desenvolvimento cognitivo, por exemplo, as crianças de quatro anos de idade estão em
um estágio em que o seu pensamento é, em grande parte, egocêntrico, tornando muito
difícil enxergar outro ponto de vista que não o seu próprio. E, na verdade, as crianças de
quatro anos de idade freqüentemente parecem limitadas à sua própria perspectiva - elas,
em geral, não conseguem entender que alguém que está olhando um objeto de um local
diferente do seu pode não enxergar o objeto da mesma forma que elas mesmas
enxergam, ou que alguém que acabou de entrar na sala não sabe, como elas, o que
aconteceu ali antes de ter entrado. Mas, quando estão falando com uma criança de dois
anos de idade, em geral, simplificam sua fala, aparentemente assumindo a perspectiva
da criança menor e compreendendo que, do contrário, ela pode ter dificuldade para
entendê-las. Aos quatro anos de idade, é provável também que as crianças ignorem as
necessidades de um irmão mais moço, mas freqüentemente se tornem solícitas quando a
criança menor parece perturbada (Dunn, 1988; Eisenberg, 1992). O fato de, em
determinado ponto do seu desenvolvimento, uma criança exibir comportamentos
associados com diferentes estágios parece rebater a idéia de que estar em um estágio
particular define as capacidades gerais da criança e sua composição psicológica.

Há períodos de desenvolvimento "críticos" ou "sensíveis"?


Outra questão sobre a continuidade do desenvolvimento humano individual é se há
períodos de crescimento durante os quais os eventos ambientais ou biológicos
específicos devem ocorrer para que o desenvolvimento proceda normalmente. Em
alguns animais, esses períodos de prontidão biológica e de sensibilidade aos eventos do
ambiente são referidos como períodos críticos porque eles, com freqüência, ocorrem no
decorrer de algumas horas. Por exemplo, em algumas aves que podem caminhar assim
que nascem - e, por isso, poderiam ficar separadas de suas mães -, há um período crítico
imediatamente após o choco, durante o qual os filhotes ficam ligados ao primeiro objeto
em movimento que eles vêem - que, é claro, em geral é a

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sua mãe - e, em seguida, seguem o objeto para onde ele vá. A natureza crítica desse
período é ilustrada pelo fato de que, se o primeiro objeto em movimento que eles virem
for um homem (como o etologista Konrad Lorenz, mostrado na Figura 1.3), os filhotes
ficam ligados àquela pessoa como ficariam à sua mãe. Se forem impedidos de ver
qualquer objeto em movimento durante um determinado número de horas após o choco,
eles não ficam ligados a nada.
Embora a noção de períodos críticos de "tudo-ou-nada" pareça restritiva com relação ao
desenvolvimento humano, muitos psicólogos do desenvolvimento defendem a idéia de
períodos "sensíveis". Um período sensível é uma época propícia para a ocorrência de
algumas mudanças evolutivas e é quando as influências ambientais têm maior
probabilidade de ser eficientes no estímulo da sua ocorrência. Por exemplo, para as
crianças desenvolverem habilidades de linguagem normais, é essencial que elas estejam
expostas à linguagem durante a infância, mas não há um período específico durante a
infância em que se saiba que a produção de linguagem seja essencial. As crianças
parecem ser mais sensíveis à produção de linguagem nos primeiros anos da vida, mas,
mesmo que não sejam regularmente expostas à linguagem até os seis ou sete anos de
idade, parece que ainda são capazes de adquiri-la. Depois disso, o risco de não
conseguir adquirir linguagem aumenta (Grimshaw et al, 1998; Johnson e Newport,
1989).
Os períodos sensíveis podem não se limitar a mudanças evolutivas que envolvem a
prontidão biológica. Yasuko Minoura (1992) relata a existência de um "período sensível
cultural". Ela descobriu que as crianças japonesas que haviam residido nos Estados
Unidos durante quatro anos, entre as idades de 9 e 13 anos, tiveram grande dificuldade
em se reincorporar à sociedade japonesa quando voltaram à sua terra natal como
adolescentes. Elas haviam aprendido e aceitado uma maneira de pensar e sentir
americana que fazia a maneira de interagir e pensar japonesa parecer estranha. Por
exemplo, aquelas que retornaram ao Japão relatavam que achavam difícil evitar ser
abertos e explícitos sobre seus sentimentos, e isso lhes causava problemas com as
crianças japonesas que encontravam. Não aconteceu o mesmo com as crianças menores
que passaram um período de tempo igual nos Estados Unidos, mas que voltaram ao
Japão antes dos 11 anos de idade. A reinserção das crianças menores na cultura
japonesa, embora não isenta de problemas, foi rápida e completa.

QUESTÕES SOBRE AS FONTES DE DESENVOLVIMENTO


A segunda questão importante que preocupa os psicólogos do desenvolvimento é a
maneira pela qual os fatores biológicos geneticamente determinados interagem com os
fatores ambientais para produzir resultados desenvolvimentais. Esta questão é
freqüentemente colocada como um debate sobre a importância relativa da "natureza"
(nature) e da "educação"(nurture). Natureza refere-se às predisposições biológicas
herdadas do indivíduo; educação refere-se às influências do ambiente social e
culturalsobre o indivíduo, particularmente aquelas advindas da família e da comunidade.
Grande parte das discussões sobre Victor, o Menino Selvagem de Aveyron, dizia
respeito às influências relativas da natureza e da educação: Victor era incapaz de falar e
de expressar outros comportamentos normais para um menino da sua idade devido a
uma dotação biológica deficiente (natureza) ou por causa de uma educação inadequada?
(As primeiras formulações filosóficas dessa questão estão discutidas no Destaque 1.1.)
As crenças sobre as contribuições da natureza e da educação para o desenvolvimento
podem ter efeitos de longo alcance sobre a maneira como a sociedade trata as crianças.
Se, por exemplo, supõe-se que as meninas, por natureza, têm pouco interesse por
matemática e ciências, não é provável que sejam encorajadas por seus pais, professores
e outros membros da sociedade a se tornarem matemáticas ou cientistas. Se, por outro
lado, supõe-se que os talentos matemático e científico são, em grande parte, resultado da
educação, uma sociedade pode treinar meninas e meninos igualmente nessas atividades.

36
Os psicólogos modernos enfatizam que não podemos descrever adequadamente o
desenvolvimento considerando a natureza ou a educação isoladas uma da outra porque o
organismo e seu ambiente constituem um único processo de vida (Gottlieb, 1997). Não
obstante, é prática comum estudar os sistemas de vida tentando separar os efeitos dessas
duas influências e analisá-las independentemente. O problema, então, é duplo: (1)
determinar as contribuições relativas da natureza e da educação para vários tipos de
comportamento e (2) descobrir como a criança em desenvolvimento é criada a partir da
interação da natureza com a educação.

QUESTÕES SOBRE AS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS


Cada pessoa é, em alguns aspectos, como todas as outras pessoas, como alguma outra
pessoa e como nenhuma outra pessoa. Todos os humanos são parecidos porque todos
nós somos membros da mesma espécie; todos os humanos são parecidos com algumas
pessoas, mas não com outras, na medida em que compartilham importantes
características biológicas (os homens são parecidos um com o outro e diferentes das
mulheres) ou características culturais (os aborígenes australianos são parecidos se em
comparação com o povo Inuit da América do Norte); e toda pessoa é psicológica e
fisicamente única. Até gêmeos idênticos, que têm exatamente as mesmas constituições
genéticas, não são parecidos em todos os aspectos.
Para se tentar entender a natureza do desenvolvimento devem ser levadas em conta duas
questões sobre as diferenças individuais: (1) o que torna os indivíduos diferentes um do
outro e (2) em que extensão as características individuais são estáveis no decorrer do
tempo?
A questão sobre o que torna os indivíduos diferentes uns dos outros é realmente outra
forma de discutir as fontes de desenvolvimento: Somos diferentes um do outro
principalmente por causa da nossa natureza ou por causa da nossa educação? Se o bebê
Sam é extremamente inquieto é porque ele herdou uma tendência a ficar facilmente
irritado ou porque seus pais o estimulam o tempo todo em excesso? Se o bebê Geórgia
está extremamente gorda, isso é por que ela herdou uma tendência para a obesidade ou
por que seus pais lhe dão alimentos que contêm muita gordura c açúcar? Embora
importantes técnicas estatísticas e engenhosos métodos de coleta de dados tenham sido
usados em um esforço para separar as fontes de variação fundamentais entre os
indivíduos, persistem os desacordos entre a teoria e o fato (Gottlieb et al, 1998;
Lewontin, 1994; Plomin et ai., 1997).
Na medida em que as características individuais são inatas e estáveis, elas proporcionam
um vislumbre do que as crianças deverão ser no futuro. Se o bebê Sam é um inquieto
inato, talvez venha a se tornar uma criança irritável. Se o bebê Geórgia herdou uma taxa
de metabolismo baixa, talvez seja uma adolescente com excesso de peso. Determinar a
extensão em que o passado proporciona um guia para o futuro é uma tarefa importante
enfrentada pelos psicólogos do desenvolvimento.
A idéia que algumas das nossas características psicológicas permanecem estáveis
durante períodos extensos de tempo é sugestiva. Os pais, às vezes, comentam que seus
filhos são amigáveis, ou tímidos, ou atentos desde bebês. No entanto, demonstrar essa
estabilidade cientificamente - pelo menos desde muito cedo - tem-se mostrado difícil. O
problema é que medidas que parecem apropriadas para avaliar traços psicológicos,
como a memória ou a afabilidade quando bebê, provavelmente não são apropriadas para
avaliar os mesmos traços aos oito anos de idade ou em um adolescente. Talvez por isso
muitos estudos tenham falhado na observação de traços psicológicos estáveis na
infância (Eaton, 1994). Contudo, o aprimoramento das técnicas de pesquisa, nos últimos
anos, tem permitido que alguns investigadores encontrem diferenças individuais
moderadamente estáveis em várias características psicológicas. Há evidências, por
exemplo, de que as crianças que eram tímidas e inseguras aos 21 meses de idade ainda
têm probabilidade de ser tímidas e cautelosas aos 12 anos ou mais (Kagan, 1994), e que
os bebês que processavam rapidamente

37
as informações visuais aos sete meses de idade exibem um processamento perceptual
rápido quando testados aos 11 anos de idade (Rose e Feldman, 1997).
A estabilidade das características psicológicas das crianças, no decorrer do tempo,
depende do ambiente e da composição genética (Aspendorf e Valsiner, 1992). Alguns
estudos revelaram que crianças que permanecem em um orfanato, que só proporciona
um cuidado mínimo desde bebês até a adolescência, são letárgicas e pouco inteligentes.
Elas também correm o risco de experimentar dificuldades intelectuais e emocionais
quando adultas. Mas se o ambiente das crianças pequenas institucionalizadas é
modificado - ou seja, se elas recebem uma atenção extra e estimulante por parte da
equipe do orfanato ou se são adotadas por famílias carinhosas -, sua condição melhora
significativamente e muitas delas tornam-se adultos intelectualmente normais (Clarke e
Clarke, 1986).
FIGURA SEM NÚMERO
Embora os chimpanzés e os seres humanos compartilhem mais de 99% do seu material
genético, as diferenças entre as duas espécies são enormes. [Foto de cinco garotos e um
chimpanzé. Os garotos parecem estar curiosos e empolgados com a presença do
chimpanzé. Um dos garotos segura a mão do chimpanzé.]
FIGURA 1.2
(a) Os cursos contrastantes do desenvolvimento da estrela-do-mar e dos insetos
proporcionam exemplos idealizados de desenvolvimento contínuo e descontínuo. Na
perspectiva da continuidade, o desenvolvimento é um processo de crescimento gradual
(estrela-do-mar pequena, estrela-do-mar média, estrela-do-mar grande). Na perspectiva
da descontinuidade, o desenvolvimento é uma série de transformações que se processam
por meio de estágios (larva, pupa, adulto). [ Em (a) gráfico nível de desenvolvimento X
idade, mostra o desenvolvimento contínuo da estrela-do-mar, uma parábola. E o
desenvolvimento descontínuo de uma libélula: três patamares (larva, pupa e libélula
adulta).]
(b) O desenvolvimento humano inclui elementos de continuidade e de descontinuidade.
[Em (b), um gráfico de nível de desenvolvimento X idade (anos), mostra o
desenvolvimento de um humano, com dois gráficos sobrepostos, um contínuo e outro
com três patamares (bebê, primeira infância e segunda infância).]
FIGURA 1.3
O etologista Konrad Lorenz propôs a existência de um período crítico no
desenvolvimento de gansos recém-chocados, durante o qual eles criam uma ligação com
o primeiro objeto em movimento que eles vêem. Estes filhotes de gansos, que foram
colocados na situação de ver Lorenz, em vez de um ganso adulto, quando saíram da
casca, seguiram-no na água enquanto ele nadava. [ Foto do etologista mergulhado em
um lago com a cabeça fora da água e três gansos em volta. Dois deles beliscando seu
cabelo.]
CONCEITOS
Filogenia A história evolucionária de uma espécie.
Cultura O padrão de vida de uma pessoa codificado na sua linguagem e observado nos
produtos físicos, nas crenças, nos valores, nos costumes e nas atividades que foram
transmitidas de geração para geração.
ontogenia O desenvolvimento de um organismo durante seu tempo de vida.
estágio de desenvolvimento Um padrão de comportamento qualitativamente distinto e
coerente em si mesmo que emerge no decorrer do desenvolvimento.
período crítico Um período durante o qual eventos específicos, biológicos ou ambientais
são requeridos para que ocorra um desenvolvimento normal.
Período sensível Um período ideal para que ocorram alguns desenvolvimentos porque
os eventos ambientais são mais eficazes para estimular seu desenvolvimento naquele
período.
Natureza as predisposições biológicas herdadas do indivíduo.
Educação a influencia do ambiente social e cultura sobre o individuo.
DESTAQUE 1.1 ANTECEDENTES FILOSÓFICOS DA PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO
Quando os europeus tomaram conhecimento sobre os povos da África e da Ásia, nos
séculos XV e XVI, eles debateram a fonte das diferenças físicas e comportamentais
óbvias entre esses povos e eles próprios. Será que essas criaturas eram humanas,
pensaram eles? Será que eram também filhos de Deus, e se eram, por que tinham uma
aparência tão diversa e agiam tão diferente deles? Nos tempos modernos, esse debate
questionaria se essas pessoas de fora eram diferentes em sua natureza básica ou se eram
diferentes devido às condições da sua educação.
Os europeus faziam perguntas similares uns sobre os outros. Os camponeses e os
príncipes eram diferentes por que Deus quis assim? Ou eram diferentes porque tinham
sido expostos a experiências diferentes depois que entraram no mundo? Essas não eram
questões abstratas, de interesse apenas para os filósofos. Eram questões de profundo
significado político. Durante séculos, os reis e os nobres declararam que tinham um
direito concedido por Deus de governar os outros, pelo fato de serem naturalmente
superiores em virtude do seu nascimento.
No início da era moderna, dois filósofos cujos escritos teriam grande influência na
história do desenvolvimento da criança, John Locke e Jean-Jacques Rousseau,
desafiaram o ponto de vista segundo o qual as diferenças humanas eram determinadas
principalmente pelo nascimento. Suas opiniões sobre as diferenças humanas e a
desigualdade social estavam diretamente relacionadas às suas crenças sobre o
desenvolvimento da criança.
John Locke
O filósofo inglês John Locke (1632-1704) propôs que a mente da criança é uma tabula
rasa, uma folha em branco sobre a qual a experiência escreve a sua história. Em “Some
thoughts concerning education” (1699/1938), Locke expressou o pressuposto central
que guiou seu pensamento:
As pequenas e quase insensíveis Impressões sobre a nossa mais tenra Infância
têm Conseqüências muito importantes e duradouras: E são elas, como acontece
nas Fontes de alguns Rios, em que uma suave Aplicação da Mão transforma as
águas flexíveis em Canais, que as fazem seguir Cursos totalmente contrários e,
por esta pequena Direção a elas dada de início na Fonte, elas recebem diferentes
Tendências, e chegam finalmente a Locais muito remotos e distantes, (p. 1 -2)
Locke não negava que há limites que a "Aplicação da Mão" pode alcançar. Não se pode
fazer a água correr rio acima. Ele acreditava que as crianças nasciam com
"temperamentos e propensões" diferentes e aconselhava que a instrução fosse adaptada
de modo a se adequar a essas diferenças, uma visão que permanece central às modernas
teorias da educação. Mas Locke afirmou claramente que a educação, na forma de
adultos que "canalizam" os impulsos iniciais das crianças, é o fator-chave na criação das
principais diferenças entre as pessoas.
Jean-Jacques Rousseau
O filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) também declarou que as
diferenças entre as pessoas são fundamentalmente resultado da experiência, mas sua
visão das crianças e do papel dos adultos no seu treinamento diferia daquela de Locke.
Rousseau afirmava que as crianças não nascem como folhas em branco nem – como era
comumente defendido por muitos pensadores da época - como seres pecadores por
natureza. Em vez disso, Rousseau dizia que, em um estado natural, o homem nasce puro
e vai ser corrompido pela exposição à civilização moderna. Além disso, declarava que
as crianças nascem com uma percepção inata da virtude que gradualmente emergeria
com o tempo, não fosse sua exposição à civilização.
Em Emile (1762/1911), livro que era em parte novela e em parte um tratado sobre
educação, Rousseau apresentou sua opinião sobre as tentativas dos adultos de educar as
crianças para a virtude:
Deus faz todas as coisas boas. O homem se mistura com elas e elas se tornam
más. Ele obriga um solo a produzir os produtos de outro, uma árvore a dar os
frutos de outra. Ele confunde e mistura tempo, lugar e condições naturais. Ele
mutila o seu cão, o seu cavalo e o seu escravo. Ele destrói e desfigura todas as
coisas; ... ele não terá nada como a natureza fez, nem mesmo o próprio
homem, que deve aprender o seu caminho como um cavalo selado e ser
moldado segundo o gosto do seu dono, como as árvores do seu jardim, (p. 5)
Nessa história da educação de Emile, Rousseau proporcionou uma visão da infância e
da educação em que o papel do cuidador é proteger a criança das pressões da sociedade
adulta. Emile, que representa Toda Criança, é descrito não como um adulto incompleto
que precisa ser aperfeiçoado através da instrução, mas como um ser humano integral
cujas habilidades são adequadas à sua idade. Emile passa por vários estágios naturais de
desenvolvimento. Em cada um deles, suas atividades são apropriadas às suas
necessidades na época e elas são guiadas por um adulto que usa práticas educacionais
adequadamente reguladas. Como declarou William Kessen (1965), essas idéias sobre
estágios de desenvolvimento foram, mais tarde, assumidas por psicólogos do
desenvolvimento e permanecem influentes até hoje.
Locke, Rousseau e o mundo moderno
A noção de tábula rasa de Locke e a visão do homem natural de Rousseau têm sido
corretamente criticadas e, às vezes, ridicularizadas nos séculos decorridos desde que os
dois filósofos morreram. A pesquisa moderna deixa claro que não somos folhas em
branco quando nascemos; entramos no mundo com cérebros extremamente estruturados.
Nem é plausível que algum dia tenha existido um estado puramente "natural" da
humanidade, que o mundo moderno corrompe. Quando Victor, o Menino Selvagem que
realmente cresceu em um "estado de natureza", comportou-se de maneira ultrajante
durante uma de suas saídas com Itard, as pessoas brincaram: "Se Rousseau pudesse ver
seu nobre selvagem agora!"
No entanto, a sabedoria comum subjacente às visões de Locke e de Rousseau sobre o
papel crucial da experiência na moldagem do comportamento humano permanece
válida. Em 1776, os Estados Unidos da América foram fundados como uma república
baseada em uma profunda fé na verdade "auto-evidente" de que "todos os homens são
criados iguais". Em uma época anterior, quando reis e nobres eram regulados pelo
"direito divino", a expressão aberta dessas idéias teria sido impensável. Uma indicação
clara da importância política da crença de que os seres humanos podem moldar o curso
do seu desenvolvimento organizando seus ambientes é o fato de que, quando o
arcebispo de Paris leu Emile, fez tudo para que prendessem Rousseau. Alertado por
amigos, Rousseau fugiu da França.
Com a aceitação da idéia de que as crianças nascem boas, ou pelo menos não más, veio
uma profunda obrigação de confrontar desigualdades óbvias nas condições de
desenvolvimento das vidas das crianças. Finalmente, a maioria das pessoas passou a
aceitara idéia de que a sociedade deve assumir alguma responsabilidade pelo bem-estar
das crianças - e, na verdade, pelo bem-estar de todo o povo.

A DISCIPLINA DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

Entre as ciências que estudam o desenvolvimento, a psicologia é aquela que focaliza o


ser humano individual. Em contraste, a sociologia e a antropologia concentram sua
atenção nos grupos humanos, enquanto as ciências biológicas estudam nossa espécie
como um todo, encarando-a em relação a outras formas de vida. Essa divisão do
trabalho científico cria um paradoxo. Por um lado, os psicólogos tentam entender o
desenvolvimento em termos da pessoa como indivíduo; por outro lado, a tradição das
ciências naturais, que dominou a psicologia durante o século passado, estuda as pessoas
em geral ou como membros de grupos, não como indivíduos isolados e únicos
(Danzinger, 1990). Esse paradoxo é eloqüentemente descrito pelo romancista e filósofo
Walker Percy:
Há um segredo a respeito do método científico que cada cientista conhece e
assume como um fato lógico, mas que o leigo não sabe ... O segredo é: a
ciência não pode
proferir uma única palavra sobre uma molécula, coisa ou criatura
individuais, na medida em que sejam um indivíduo, mas somente na medida
em que forem parecidas com
outros indivíduos. (1975, p. 22)
A diferença entre estas duas formas de saber - uma baseada no conhecimento íntimo dos
indivíduos e de suas biografias, e a outra baseada nas características comuns a muitas
pessoas - é uma fonte de constante tensão nas tentativas dos psicólogos de entender o
desenvolvimento. Quanto mais os psicólogos querem saber sobre os indivíduos, mais
precisam saber sobre a história de vida de cada pessoa e as circunstâncias atuais. Mas,
quanto mais se concentram nas histórias individuais e nos padrões de influência, menos
podem generalizar seus achados para outros indivíduos.
Por exemplo, se o objetivo de um determinado projeto de pesquisa é criar um ambiente
benéfico para os bebês nascidos prematuramente ou entender o papel do jogo simbólico
no desenvolvimento intelectual das crianças entre um e três anos de idade, pode ser
apropriado tratar todas as crianças como equivalentes no que concerne à questão
referida. Mas se o objetivo é ajudar Johnny, que de repente começou a faltar à escola e a
se comportar mal na classe, o psicólogo pode querer saber as circunstâncias do
nascimento de Johnny, mudanças recentes em sua vida familiar e, talvez, até a mistura
específica de crianças e atividades com que Johnny está lidando na escola. As dúvidas
sobre como tirar conclusões corretas com referência ao relacionamento entre as
tendências gerais e os casos individuais ocorrem por todo o amplo espectro dos métodos
que os psicólogos usam em sua pesquisa.

CRITÉRIOS DE DESCRIÇÃO CIENTÍFICA


Seja lidando com uma criança ou com um grupo de crianças, os psicólogos do
desenvolvimento, como qualquer outro cientista, iniciam sua pesquisa com observações

38
e especulações do senso comum. Depois, tentam testar suas idéias de maneira que
proporcionem respostas claras e que permitam às outras pessoas comprovar seu
raciocínio e seus procedimentos. Os psicólogos usam quatro critérios gerais para julgar
as conclusões derivadas de investigações do comportamento das crianças: objetividade,
confiabilidade, validade e replicabilidade.
Para serem úteis na construção de um relato disciplinado do desenvolvimento humano,
os dados devem ser coletados e analisados com objetividade, ou seja, não devem ser
distorcidos por preconceitos do investigador. A objetividade total é impossível de ser
conseguida na prática porque todos os seres humanos - inclusive os psicólogos -já
chegam ao estudo do comportamento com crenças que influenciam suas interpretações a
respeito do que vêem. Mas a objetividade continua sendo um ideal importante com o
qual trabalhar.
Os dados de pesquisa devem exibir a propriedade da confiabilidade em dois sentidos.
Em primeiro lugar, a cada vez que as condições que produziram os dados originais são
repetidas, elas devem produzir os mesmos resultados. Em segundo lugar, observadores
independentes devem concordar em suas descrições dos resultados. Suponhamos que
um queira saber como bebês inquietos comportar-se-ão quando uma chupeta for retirada
deles enquanto estiverem sugando-na (Goldsmith e Campos, 1982). As declarações
sobre o grau de aflição do bebê são consideradas confiáveis no primeiro sentido, caso o
primeiro nível de aflição (medido em termos do choro ou da inquietação) encontrado
seja mais ou menos o mesmo em ocasiões sucessivas em que a sucção do bebê for
interrompida. As declarações são consideradas confiáveis no segundo sentido se
observadores independentes concordam sobre a maneira como o bebê se torna aflito
cada vez que se tira a chupeta dele.
A validade significa que os dados que estão sendo coletados realmente refletem o
fenômeno que o pesquisador declara estar estudando. Digamos, por exemplo, que um
pesquisador tenha formulado a hipótese de que a aflição que os bebês exibem quando
sua sucção é interrompida reflita uma permanente predisposição para se tornar irritável
quando frustrados. Para testar essa hipótese, o pesquisador deve observar como os bebês
reagem quando um chocalho é removido da sua mão ou quando eles não são
alimentados na hora. Se não se tornam aflitos nessas condições, isso pode significar que
a hipótese está incorreta. Contudo, poderia também significar que retirar um chocalho
ou não manter um horário de alimentação não seja uma medida válida da frustração
infantil.
Na pesquisa científica, a replicabilidade, a quarta exigência, significa que outros
pesquisadores podem usar os mesmos procedimentos que um investigador inicial
utilizou e obter os mesmos resultados. Nos estudos da capacidade de imitação dos
recém-nascidos, por exemplo, alguns pesquisadores relatam que os recém-nascidos
imitam algumas expressões faciais exageradas que eles vêem outra pessoa fazer
diretamente na frente deles. Entretanto, usando os mesmos métodos, outros
investigadores não encontraram evidência dessa imitação em recém-nascidos (ver
Capítulo 4, p. 146). Somente se algum achado, sob as mesmas condições, for obtido
repetidas vezes por investigadores diferentes, há a probabilidade de ser considerado
firmemente estabelecido pela comunidade científica.
Quando os estudiosos do desenvolvimento estão analisando grupos, um quinto critério,
a amostragem representativa, em geral entra em jogo. Na maioria das vezes, as
populações que os pesquisadores estão interessados em conhecer são grandes demais
para serem estudadas em sua totalidade e, por isso, devem estudar amostras dessas
populações. Nesses casos, é importante que eles estudem uma amostra representativa da
população do seu interesse, ou seja, uma amostra que reflita todas as características -
inclusive idade, sexo, situação socioeconômica, etnia, etc. - da população geral do seu
interesse. Isso porque conclusões extraídas de dados coletados de um grupo de pessoas
podem não ser aplicáveis a outros grupos com características diferentes. Por exemplo,
um estudo da quantidade de ansiedade que os bebês exibem quando são brevemente
separados de suas mães pode produzir um conjunto de resultados se o estudo examina
bebês de famílias de classe média e um outro conjunto

39
de resultados se examina bebês de lares da classe operária da mesma localidade ou de
lares da classe média de uma localidade diferente.
CONCEITOS
objetividade A exigência de que o conhecimento científico não seja distorcido por
preconceitos do investigador.
confiabilidade A exigência científica de que, quando o mesmo comportamento é
avaliado em duas ou mais ocasiões pelo mesmo observador ou por observadores
diferentes, as avaliações sejam consistentes uma em relação à outra.
validade A exigência científica de que os dados que estão sendo coletados realmente
reflitam o fenômeno que está sendo estudado.
replicabilidade A exigência científica de que outros pesquisadores possam usar os
mesmos procedimentos como fez um investigador inicial e obter os mesmos resultados.
amostra representativa Uma amostra de pessoas que reflita todas as características da
população em geral que o pesquisador está interessado em conhecer.
auto-relato Um método de coleta de dados pelo qual as pessoas relatam seus próprios
estados psicológicos e seu comportamento.
observação naturalista Observação do comportamento real das pessoas durante sua vida
cotidiana.
biografia do bebê Um relato detalhado feito pelo pai/mãe sobre o comportamento de um
bebê durante um extenso período de tempo.

MÉTODOS DE COLETA DE DADOS


No último século, os psicólogos aprimoraram vários métodos para a coleta de
informações sobre o desenvolvimento das crianças. Entre os mais amplamente usados
estão os auto-relatos, as observações naturalistas, as experiências e as entrevistas
clínicas. Nenhum método pode responder a todas as questões sobre o desenvolvimento
humano, mas cada um tem um papel estratégico a desempenhar sobre o tópico.
Freqüentemente, os pesquisadores usam um ou mais métodos combinados para
confirmar suas conclusões.

Auto-relatos
Talvez a maneira mais direta de se obter informações sobre o desenvolvimento
psicológico seja por meio de auto-relatos, ou seja, respostas das pessoas a perguntas
sobre elas próprias. Os psicólogos, em geral, realizam entrevistas para obter auto-
relatos, mas podem também usar questionários escritos ou uma folha de verificação
comportamental (uma lista dos comportamentos que o indivíduo assinala quando
ocorrem). Tópicos diferentes como o desenvolvimento de pensamentos e sentimentos
dos adolescentes sobre si mesmos (Harter, 1998) e técnicas disciplinares dos pais
(McGillicuddy-DeLisi e Sigel, 1995) foram investigados dessa maneira.
Alguns pesquisadores proporcionam bipes aos adolescentes, que soam a intervalos
aleatórios no decorrer do dia, lembrando aos adolescentes de preencher um questionário
sobre o que estavam fazendo e sentindo quando o bipe tocou (Larson e Richards, 1998).
Os auto-relatos obtidos por meio de entrevistas e questionários podem proporcionar
informações detalhadas das experiências de vida da pessoa que, do contrário, poderiam
escapar à percepção dos investigadores. Contudo, são também extremamente suscetíveis
a imprecisões. Essa dificuldade é óbvia no caso de crianças muito pequenas, que podem
não entender as perguntas que lhes estão sendo feitas. Mas é também uma dificuldade
séria com adultos, que, provavelmente, serão seletivos naquilo que estão dispostos a
relatar sobre si mesmos e sobre seus filhos (Brewin," Andrews e Gotlib, 1993). A
memória seletiva dos pais também é um problema nos relatos retrospectivos a longo
prazo, em que os pais lembram como era o comportamento dos seus filhos quando eles
eram bem pequenos e quais eram suas próprias reações a ele.

Observações naturalistas
A maneira mais direta de reunir informações objetivas sobre as crianças é estudá-las
através de observações naturalistas, ou seja, observá-las durante suas vidas cotidianas e
registrar o que acontece. Como a presença de um estranho (ou seja, do pesquisador)
pode ser invasiva em muitas situações, a estratégia ideal é conseguir que as crianças
sejam observadas por alguém que, em geral, passe algum tempo com elas - pai/mãe ou
uma professora, por exemplo.
No século XIX, vários cientistas começaram a escrever biografias do bebê, diários em
que registravam observações de seus próprios filhos. O mais famoso desses relatos é o
registro diário de Darwin (1877) do desenvolvimento inicial do seu filho mais velho
(Figura 1.4). Documentando o desenvolvimento do seu filho e determinando que
características ele compartilhava com outras espécies em diferentes idades, Darwin
esperava encontrar apoio para sua tese da evolução humana. Jean Piaget (1952b, 1954),
psicólogo do desenvolvimento, também manteve um diário do desenvolvimento de seus
filhos, o qual serviu de base para sua importante teoria do desenvolvimento cognitivo.
(Vamos encontrar trechos dessa obra em vários momentos no decorrer deste livro.)
Outra forma de manutenção de diário, em que os pais documentam cuidadosamente o
desenvolvimento das habilidades de linguagem

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dos seus filhos, tem sido extremamente útil no estudo da aquisição da linguagem
(Fenson et ai., 1994; Tomasello, 1992).
Uma importante virtude das biografias do bebê escritas por familiares é que os autores
passam muito tempo com seus pesquisados e têm a oportunidade de observá-los tanto
nas situações de rotina como em circunstâncias não-usuais. Por exemplo, Marilyn Shatz
(1994) foi capaz de documentar o desenvolvimento de seu neto sobre a percepção dos
processos de pensamento das outras pessoas porque ela passava muito tempo com ele e
ele a conhecia bem. Um dos muitos momentos comoventes de revelação dessa
evidência surgiu quando ela equivocadamente achou que ele havia urinado no pijama.
Percebendo a reação dela, ele disse: "Você pensou que eu tivesse feito xixi". Esse
comentário claro indicava que ele havia atingido um marco no seu desenvolvimento
cognitivo: a percepção de que as pessoas podem ter idéias que sejam contrárias ao fato.
Um achado sutil como esse pode não ser revelado em testes conduzidos por uma pessoa
estranha.
Apesar de suas virtudes, especialmente quando escritas por estudiosos do
desenvolvimento bem treinados, as biografias dos bebês devem ser usadas com grande
cautela porque nem mesmo cientistas conseguem, em geral, manter a objetividade
quando descrevem seus próprios filhos. Como comenta o psicólogo William Kessen,
"ninguém consegue distorcer de maneira tão convincente quanto um pai/mãe amoroso"
(1965, p. 117).
Outras formas de observação naturalista são mais comumente usadas. Para os
etologistas, por exemplo, a observação naturalista é um instrumento de pesquisa
importante. A etologia é uma ciência interdisciplinar que estuda as bases biológicas,
evolucionárias do comportamento (Hinde, 1987). Os etologistas enfatizam muito a
observação naturalista porque acreditam que comportamentos biologicamente
importantes que afetam o desenvolvimento humano são melhor estudados nos
ambientes que são importantes para as vidas cotidianas das pessoas (Savin-Williams,
1987).
F. Francis Strayer e A. J. Santos (1996) realizaram observações naturalistas, nessa
tradição, quando estudaram a maneira como as crianças interagem em salas de aula de
pré-escola. Observando e registrando quem interagia com quem e a natureza das
interações, Strayer e Santos descobriram que as hierarquias sociais desenvolvem-se
espontaneamente nas classes de pré-escola, assim como acontece com algumas espécies
animais. Uma vez desenvolvidas, essas hierarquias sociais regulam as interações que as
crianças realizam umas com as outras.
A observação naturalista é também favorecida pelos etnógrafos, que estudam a
organização cultural do comportamento. Nas mãos dos estudiosos do desenvolvimento,
as descrições etnográficas proporcionam um conhecimento detalhado das maneiras que
as experiências das crianças são organizadas pelos pais e pelas comunidades, assim
como as muitas maneiras que as crianças reagem a essa organização. Edward Tronick e
sua equipe, por exemplo, documentaram como os bebês nascidos na tribo dos
forrageiros Efe da floresta Ituri do Congo são rotineiramente cuidados por várias
pessoas e, provavelmente, amamentados por várias mulheres. Esse padrão, que parece
tão estranho em relação às idéias ocidentais sobre criação de filhos, é essencial à
maneira de viver dos forrageiros Efe e aceita pelas crianças Efe como naturais (Tronick,
Winn e Morelli, 1985).
Observação em muitos contextos. As observações naturalistas podem ser confinadas a
um único contexto ou podem ser empregadas para reunir dados em muitos contextos.
Esse último tipo de estratégia de observação é freqüentemente usada para estudar a
ecologia de uma criança, termo derivado da palavra grega que significa "casa". Nas
ciências biológicas, a "casa" é o hábitat de uma população de plantas ou animais e a
ecologia dessa população é o padrão do seu relacionamento com seu ambiente. Em
psicologia, a ecologia se refere à variedade de situações em que as pessoas são atores,
os papéis que desempenham, as situações que encontram e as conseqüências desses
encontros (ver Figura 1.5) (Bronfenbrenner e Morris, 1998).

41
Charles Super e Sarah Harkness (1997), que têm estudado o desenvolvimento das
crianças em vários países, enfatizam os elos entre o desenvolvimento das crianças e a
comunidade nas quais elas nasceram. Referem-se ao local da criança dentro da
comunidade como um nicho desenvolvimentaL. Eles sugerem que todo nicho
desenvolvimental seja analisado em termos de três componentes: (1) o contexto físico e
social em que a criança vive, (2) as práticas educacionais e culturalmente determinadas
de criação dos filhos da sociedade na qual a criança se desenvolve e (3) as
características psicológicas dos pais da criança. Descrições completas das experiências
da vida real das crianças em seus contextos socioculturais proporcionam uma percepção
da criança por inteiro e as muitas influências experienciadas. Essas descrições podem
nos dizer que oportunidades e dificuldades as crianças enfrentam em suas vidas e como
as circunstâncias podem ser mudadas para estimular o seu desenvolvimento.
Provavelmente, o estudo mais ambicioso jamais realizado sobre a ecologia do
desenvolvimento foi conduzido por Roger Barker e Herbert Wright (1951, 1955) Esses
pesquisadores passaram centenas de horas observando e descrevendo a ecologia natural
das crianças em idade escolar em várias comunidades dos Estados Unidos e do exterior.
Em um desses estudos, observaram um menino norte-americano de sete anos de idade
desde o momento em que ele acordou, em 26 de abril de 1949 até o momento em que
foi dormir aquela noite. Barker e Wright descobriram que nesse único dia, o menino
participou de aproximadamente 1.300 atividades distintas em uma grande variedade de
ambientes, envolvendo centenas de objetos e dezenas de pessoas. Essas observações
deram alguma idéia da grande extensão de habilidade

42
que as crianças possuem aos sete anos de idade e das muitas exigências sociais que são
rotineiramente feitas às crianças. (Você vai obter mais informações sobre esse estudo no
Capítulo 12).
Por várias razões práticas, poucos estudos ecológicos se aproximam do escopo do
estudo de Barker e Wright. A maioria dos investigadores que estudam as crianças em
uma variedade de contextos é obrigada a ser mais eletiva. Eles, em geral, decidem
antecipadamente observar um tipo específico de comportamento em diferentes
contextos ou escolhem alguns importantes contextos e observam os vários
comportamentos que as crianças exibem neles. Por exemplo, em um estudo do papel do
brinquedo nas vidas de crianças pequenas maias de diferentes idades, morando em uma
afastada aldeia rural do sudeste do México, Susan Gaskins (1999) usou a última
abordagem, observando as crianças por um total de várias horas no decorrer de vários
dias. Ela fez "observações pontuais", registrando o que as crianças estavam fazendo em
momentos diferentes do dia para ter a certeza de haver captado toda a variedade de
atividades das crianças. Cada período de observação durava uma hora, período em que
Gaskins tentava realizar um registro detalhado de como as crianças estavam e o que
estavam fazendo. Descobriu que, em comparação com as crianças que vivem nos
Estados Unidos, as crianças pequenas maias que vivem na zona rural passam grande
parte do tempo observando as atividades rotineiras dos adultos e começam a ter um
papel ativo nas tarefas domésticas diárias desde tenra idade, pegando lenha, tirando
água e ajudando na preparação de alimentos. Como resultado, as crianças maias passam
um tempo consideravelmente menor envolvidas em brincadeiras de faz-de-conta, que
talvez seja a atividade dominante das crianças pequenas nas sociedades industrializadas.
Observação em um contexto isolado. A própria amplitude da abordagem ecológica
torna-a demorada e de aplicação dispendiosa. Em vista disso, os psicólogos do
desenvolvimento freqüentemente restringem suas observações a um único ambiente
social, que é amplamente observado e importante nas vidas das crianças, observando em
detalhes minuciosos as interações face a face entre as crianças ou entre crianças e
adultos.
Um estudo clássico realizado por Lisa Serbin e sua equipe (1973), por exemplo,
examinou as interações dos professores e alunos em 15 salas de aula de pré-escola para
ver se algum comportamento da professora poderia estar involuntariamente encorajando
a agressividade nos meninos e a dependência nas meninas. Verificaram que as
professoras não prestavam igual atenção ao mau comportamento de meninos e meninas.
As professoras castigavam os meninos publicamente por uma proporção maior dos seus
maus comportamentos do que às meninas pelos delas. Com freqüência, esse tratamento
seletivo parecia aumentar a agressividade entre os meninos. Em um conjunto de
observações paralelas, os pesquisadores descobriram que as professoras
recompensavam o comportamento dependente das meninas prestando mais atenção
àquelas que se sentavam mais próximo, ao mesmo tempo, prestavam igual atenção a
todos os meninos, não importando onde eles estivessem sentados na classe. Esses
achados foram confirmados em um grande número de estudos (Ruble e Martin, 1998).
Uma vez descobertas tais práticas, novos padrões de interação puderam ser sugeridos às
professoras a fim de estimular um comportamento mais adequado em alunos de ambos
os sexos. Um importante destaque dessa linha de pesquisa tem sido a introdução, em
algumas escolas, de classes só femininas em algumas áreas do currículo, como
matemática, como uma maneira de melhorar o desempenho educacional das meninas.
Limitações das observações naturalistas. Os estudos de observação são um marco na
pesquisa de desenvolvimento da criança e uma fonte fundamental de dados sobre

43
tal desenvolvimento. O que podemos aprender com isso é, no entanto, limitado. Os
observadores entram em cena com expectativas sobre o que vão ver, e todos nós
tendemos a observar seletivamente, segundo as nossas expectativas. Um observador não
consegue escrever tudo e, por isso, algumas informações são inevitavelmente perdidas.
Em alguns estudos, esquemas de anotação pré-estabelecidos especificam o que observar
e como relatá-lo. A desvantagem desses esquemas é que eles não são flexíveis o
bastante para levar em conta eventos inesperados, de forma que os detalhes também são
freqüentemente perdidos. Se passa algum tempo entre um evento e a anotação, as
observações podem ser ainda mais distorcidas, porque a lembrança seletiva das pessoas
acentua o problema de uma observação também seletiva (D'Andrade, 1974). Os
registros do comportamento em fitas de vídeo ou filmes são úteis, mas requerem um
tempo excessivo para serem analisados.
Outra dificuldade da pesquisa de observação é que, quando as pessoas sabem que estão
sendo observadas, muitas vezes se comportam diferentemente do que se comportariam
normalmente (Hoff-Ginsberg e Tardiff, 1995). Esse problema foi claramente
demonstrado por um estudo de laboratório em que Zoe Graves e Joseph Glick (1978)
pediram às mães para ajudar seus filhos de 18 a 25 meses a completar um jogo de
quebra-cabeça. Para determinar a influência do fato de estar sendo observado sobre o
comportamento das mães, Graves e Glick disseram à metade das mães que o
equipamento de vídeo que seria usado para registrar suas interações não estava
funcionando. Eles descobriram que as mães que acreditaram que não estavam sendo
filmadas foram de menor ajuda a seus filhos do que aquelas que acreditavam que suas
ações estavam sendo registradas.
Talvez o principal problema da observação naturalista seja o fato de ela raramente
permitir aos pesquisadores estabelecer a existência de relacionamentos causais entre os
fenômenos, um objetivo básico da ciência. As observações naturalistas podem
estabelecer se existe uma correlação entre dois fatores, ou seja, se as mudanças em um
fator variam de acordo com as mudanças em outro. Mas uma correlação não nos pode
dizer se um fator causa o outro ou se ambos os fatores são causados por um terceiro
fator, não-determinado (ver Destaque 1.2). Em seu estudo ecológico, por exemplo,
Barker e Wright descobriram que as crianças agiam de maneira mais amadurecida na
igreja do que em uma loja. Mas não houve como saber, por exemplo, se isso acontecia
porque a natureza do ambiente da igreja evocava um comportamento amadurecido ou
porque os pais das crianças estavam ali para observá-las. Questões similares surgem no
estudo realizado por Serbin e sua equipe. As professoras castigavam os meninos por seu
mau comportamento com mais freqüência do que castigavam as meninas porque tinham
estereotipado os meninos como desordeiros que precisavam de disciplina para serem
mantidos na linha ou porque simplesmente percebiam com mais freqüência o mau
comportamento dos meninos do que das meninas? Questões similares podem ser
levantadas sobre quase qualquer estudo de observação do comportamento. Para tentar
resolver essas questões, os psicólogos recorrem a métodos experimentais.

FIGURA 1.4
O naturalista Charles Darwin ficou famoso por sua teoria da evolução. Suas
observações sobre seu filho, que ele registrou em uma biografia do bebê, proporcionam
uma das primeiras descrições sistemáticas do desenvolvimento do bebê. [Foto de
Charles Darwin com uma criança sentada em seu colo.]
FIGURA 1.5
A abordagem ecológica vê as crianças no contexto formado por todos os vários
ambientes em que ela habita em seu cotidiano (microssistemas). Esses ambientes são
relacionados uns com os outros de várias maneiras (mesossistemas), que são por sua vez
ligados a ambientes e a instituições sociais em que as crianças não estão presentes, mas
que têm uma importante influência no seu desenvolvimento (exossistemas). Todos esses
sistemas são organizados em termos das crenças e ideologias dominantes da cultura (o
macrossistema). [Figura de uma criança dentro de vários círculos, cada um
simbolizando algo. O primeiro círculo em que a criança está simboliza microssistemas.
Há quatro círculos atrás da criança: um simbolizando o lar (irmão, crianças, pais), outro
“ambiente religioso (crianças pares adultos), outro, escola (criança, pares, professores) e
outro, vizinhança (criança, adultos, pares). Um circulo mais externo simboliza os
Mesossistemas ( lar, família, escola, vizinhança, ambiente religioso). Um círculo mais
externo representa os exossistemas (Indústria local, meios de comunicação de massa,
local de trabalho dos pais, governo local, conselho escolar) e o mais externo representa
o macrossistema (crenças e ideologias dominantes). Há setas conectando os vários
círculos da gravura.]
FIGURA SEM NÚMERO
O Cartunista Gary Trudeau comenta sobre o fenômeno estabelecido na pesquisa de
observação de que as professoras reagem diferentemente aos meninos e às meninas em
sala de aula. [ Charge. Mãe colocando a filha para dormir: Mãe: Como está a pré-escola,
querida? Filha: Bem, eu acho. Fora que eu nunca consigo dizer nada. Mãe: O que quer
dizer, Alex? Filha: Os meninos fortes têm toda atenção. A sra. Jasper não é justa em não
deixar as meninas responder às perguntas. Mãe: Hmmm. Talvez eu deva ter uma
conversinha com ela. Filha: Mamãe, ela nunca vai ouvir você. Mande o papai.
CONCEITOS
etologia Uma ciência interdisciplinar que estuda as bases biológicas e evolucionárias do
comportamento.
etnógrafos Estudiosos que estudam a organização cultural do comportamento.
ecologia A variedade de situações em que as pessoas são atores e os papéis que
desempenham, as dificuldades que encontram e as conseqüências desses encontros.
nicho desenvolvimental O contexto físico e social em que uma criança vive, incluindo
as práticas de criação de filhos e educacionais da sociedade, além das características
psicológicas dos pais.
correlação A condição que existe entre dois fatores, quando as mudanças em um fator
são associadas a mudanças no outro.
experimento Em psicologia, a pesquisa em que uma mudança é introduzida na
experiência de uma pessoa e o efeito dessa mudança é medido.
hipótese científica Uma suposição precisa o bastante para ser testada e mostrar-se
incorreta.

Métodos experimentais
Um experimento psicológico, em geral, consiste em introduzir alguma mudança na
experiência de uma pessoa ou de um animal e, depois, medir qualquer efeito que a
mudança provoque no comportamento da pessoa ou do animal. O ideal é que todas as
outras possíveis influências causais sejam mantidas constantes enquanto o fator de
interesse é variado para determinar se esse fator realmente produz uma diferença. Se
uma experiência é bem planejada e executada, deve proporcionar um meio de confirmar
ou não confirmar uma hipótese científica sobre as causas do comportamento observado.
Uma hipótese científica é uma suposição precisa o bastante para ser testada e poder
mostrar-se incorreta. Se não há como refutar a hipótese, ela tem pouco valor científico.

44
Uma investigação sobre a emergência do medo em bebês quando em lugares altos
demonstra como o método experimental pode ajudar a resolver dúvidas sobre os fatores
causais no desenvolvimento. Durante muitos anos, acreditou-se que o medo de altura
fosse inato ao bebê humano, emergindo de acordo com um programa de maturação por
volta da época em que os bebês começam a se locomover, ou a se mover sem ajuda
(Richards e Rader, 1983). Joseph Campos e sua equipe discordaram dessa hipótese
(Bertenthal et al., 1984; Campos et al., 1992). Eles acreditavam que o medo de altura
dos bebês é resultado da experiência especialmente adquirida quando os bebês
engatinham pelo seu ambiente.
Para testar sua hipótese, Campos e sua equipe inicialmente estudaram um grupo de
bebês de seis a oito meses de idade que estavam engatinhando há uma ou duas semanas.
Os pesquisadores começaram observando se os bebês conseguiam atravessar um
"abismo visual", uma plataforma transparente que lhes dava a ilusão de uma queda
abrupta na elevação (Figura 1.6). Nas primeiras tentativas, todos os bebês engatinharam
pelo abismo, sem hesitação. No entanto, nas tentativas subseqüentes, realizadas nas
várias semanas seguintes, os bebês se tornaram cada vez mais relutantes em transpor o
abismo visual, mesmo sabendo que nada de mau lhes aconteceria. Algo parecia ter sido
construído nas mentes dos bebês à medida que ganhavam experiência. Mas o que foi
construído e que experiência provocou isso?
Para confirmar sua hipótese de que o início do medo de altura dos bebês resulta da
experiência de se movimentarem sozinhos, Campos e sua equipe conduziram um
experimento (Bertenthal et al., 1984). Selecionaram 92 bebês que estavam próximos da
idade em que se espera que comecem a engatinhar e a mostrar medo de altura. Os bebês
foram aleatoriamente designados a um de dois grupos. Um grupo foi designado como o
grupo experimental - o grupo em um experimento cujo ambiente é modificado. Durante
vários dias, os bebês desse grupo tiveram mais de 40 horas de experiência se
movimentando em andadores especiais para bebês, antes de aprenderem a engatinhar
(ver Figura 1.7). As outras crianças, chamadas grupo-controle - o grupo em um
experimento que é tratado da maneira mais parecida possível com o grupo experimental,
exceto pelo fato de não participar da manipulação experimental - não participaram de
nenhuma experiência especial em locomoção. Se Campos e sua equipe estivessem
certos, os bebês dos grupos experimentais deveriam reagir ao abismo visual de maneira
diferente dos bebês do grupo-controle porque os bebês do grupo experimental tinham
mais experiência em se movimentar sozinhos.
Quarenta horas andando de um lado para o outro em uma sala com um andador pode
não parecer muita experiência, mas, aparentemente, fez uma grande diferença na
maneira como os bebês do grupo experimental responderam ao abismo visual. Embora
as reações tenham variado um pouco, em geral os bebês do grupo experimental
demonstraram medo em sua primeira exposição ao abismo visual, enquanto os bebês do
grupo-controle não o demonstraram.
Esse experimento demonstrou um forte apoio à hipótese de que o desenvolvimento da
capacidade de locomoção desempenha um grande papel no aparecimento do medo de
altura. Seria conveniente a realização de mais pesquisas para determinar outros fatores
possíveis que essa pesquisa não aprofundou. Suponhamos, por exemplo, que as crianças
se movimentassem em pequenos veículos que lhes permitissem explorar o ambiente
sem nenhum movimento da sua parte. Será que ainda assim elas sentiriam medo diante
do abismo visual? Essas dúvidas sobre os resultados das pesquisas são quase
inevitáveis. Em geral, é necessário realizar uma série de experimentos para isolar causas
específicas porque as complexidades do comportamento humano excedem a capacidade
do pesquisador de controlar todos os fatos importantes em um único experimento (Cole
e Means, 1981).
46
Em geral, a força visível do método experimental é a sua capacidade para isolar fatores
causais de uma maneira que nenhum outro método de investigação consegue. No
entanto, dois fatores importantes limitam sua utilidade como uma fonte de informação
sobre o desenvolvimento: (1) por razões éticas, muitos tipos de experimentos não
podem ser realizados, e (2) o simples controle do ambiente requerido pelos
experimentos pode distorcer a validade dos resultados obtidos.
Ética e experimentação. A maneira mais fácil de descobrir se a experiência de ouvir
uma linguagem é necessária para aprender a falar seria criar condições de audição em
que a criança fosse cuidada, mas jamais se falasse com ela. Obviamente, um
experimento desse tipo poderia prejudicar os participantes e não deve ser realizado. Na
verdade, o princípio ético fundamental de toda pesquisa psicológica é que, se um
procedimento de pesquisa causar dano a alguém, ele não deve ser realizado. No entanto,
as questões éticas na pesquisa psicológica nem sempre são tão definidas quanto sugere
esse princípio. O que é prejudicial e como avaliamos os riscos? Praticamente qualquer
intervenção na vida de outra pessoa pode envolver algum risco e, por isso, pode ser
difícil julgar.
Para proteger os direitos dos outros, os pesquisadores modernos são monitorados de
perto por suas próprias instituições e pelas agências governamentais. Antes de expor sua
pesquisa, precisam demonstrar a um comitê constituído por colegas que não vão
prejudicar as pessoas que participam de suas investigações e de que a pesquisa promete,
a longo prazo, alguns benefícios às pessoas (ver Destaque 1.3).
Experimentos e artificialidade. Às vezes, as pessoas se comportam diferentemente em
uma situação experimental artificial do que se comportariam normalmente. As crianças,
particularmente, têm uma probabilidade maior de se comportar de maneira diferente em
um ambiente de laboratório não-familiar, com pesquisadores que elas nunca viram
antes. Isso, é claro, levanta dúvidas sobre o valor dos resultados experimentais. Na
verdade, esse problema é tão sério que o psicólogo Urie Bronfenbrenner (1979)
descreveu os experimentos característicos de laboratório envolvendo crianças como
estudos do "comportamento estranho das crianças em situações estranhas com adultos
estranhos pelo período de tempo mais breve possível" (p. 19).
Os pesquisadores, em geral, têm de conviver com a artificialidade do ambiente
experimental porque os fatores que estão sendo estudados passam muito freqüentemente
a ser estudados de forma sistemática na vida real. Em alguns casos, contudo, os
pesquisadores têm superado em parte o problema da artificialidade, introduzindo uma
variação experimental nas situações que ocorrem naturalmente, sem destruir
significativamente o curso normal dos acontecimentos. Por exemplo, para investigar
como as crianças pequenas adicionam novas palavras a seus vocabulários em
circunstâncias normais, Elsa Bartlett (1977) e Susan Carey (1978) fizeram uma
professora de pré-escola introduzir uma cor incomum, verde-oliva, no seu ensino no
decorrer da rotina normal da sua sala de aula. Para evitar a possibilidade de que algumas
crianças já soubessem o nome da cor, a professora se referia a ela como "cromo". As
pesquisadoras descobriram que, quando a nova palavra foi introduzida casualmente
-"Por favor, passe o lápis cromo" -, as crianças adquiriram a palavra após poucas
exposições. Esse achado contrasta com os estudos de laboratório de aquisição de
palavras, que, caracteristicamente, descobrem que as crianças requerem instrução
extensiva por parte de um adulto para aprender uma palavra nova. Assim, introduzindo
novas palavras às crianças de uma maneira natural, Bartlett e Carey produziram uma
mudança básica no entendimento dos psicólogos de um aspecto vital importante do
desenvolvimento.
(Voltaremos a seus achados no Capítulo 8.)

FIGURA 1.6
Um bebê hesita diante da beira de um abismo visual: uma plataforma transparente que
faz parecer ao bebê que há uma queda abrupta bem à sua frente. [ Foto de um bebê
engatinhando sobre um vidro. Abaixo do vidro há uma superfície de dois níveis, coberta
por um tecido quadriculado. O bebê está parado no vidro sobre a superfície mais alta
(que chega a tocar o vidro) exatamente no limite do desnível (onde há a “queda” para o
próximo nível, aproximadamente um metro abaixo), de frente para o nível mais baixo.
Há duas mãos abertas, em direção ao bebê, do outro lado do vidro (o bebê deve
atravessar o vidro sobre o desnível para chegar à pessoa do outro lado).]
FIGURA 1.7
Um andador expõe bebês à experiência da locomoção antes de eles aprenderem a andar
ou engatinhar. Como o uso de um andador influencia o desempenho no abismo visual?
[Foto de um bebê em um andador.]
CONCEITOS
grupo experimental As pessoas de um experimento cuja experiência é mudada como
parte do experimento.
grupo-controle O grupo em um experimento que é tratado da maneira mais parecida
possível com o grupo experimental, exceto pelo fato de não participar da manipulação
experimental.
DESTAQUE 1.2 CORRELAÇÃO E CAUSA
Em suas tentativas para identificar os fatores específicos que influenciam um aspecto
particular do desenvolvimento, os psicólogos freqüentemente começam determinando
se há uma correlação entre os fatores que parecem estar associados com o
desenvolvimento em questão. Diz-se que dois fatores são correlatos um ao outro quando
as mudanças em um estão relacionadas às mudanças no outro. A medida que as crianças
vão crescendo, por exemplo, elas exibem uma maior capacidade para recordar listas de
palavras, ou seja, a idade das crianças está relacionada à sua capacidade de se lembrar.
Similarmente, quanto mais elevada a classe social dos pais, maior a realização de seus
filhos na escola, ou seja, a realização na escola está correlacionada à classe social.
Correlações como essas podem proporcionar importantes sugestões sobre os fatores
causais no desenvolvimento, mas, como veremos, elas não conseguem especificar a
causa real.
O primeiro passo na determinação da possível importância de uma correlação é
estabelecer sua força. Para isso, os pesquisadores usam um coeficiente de correlação
(simbolizado como r), que proporciona um índice quantitativo do grau de associação
entre dois fatores. Um coeficiente de correlação permite aos psicólogos distinguir entre
relacionamentos que ocorrem com significativa regularidade e aqueles que ocorrem por
acaso.
Um coeficiente de correlação que descreve o relacionamento entre fator X e fator Y
pode variar tanto em tamanho quanto em direção. Quando r = 1,00, há uma correlação
positiva perfeita entre os dois fatores, significando que, quando o fator X muda, o fator
Y muda na mesma direção. Quando r = - 1,00, há uma correlação negativa perfeita entre
o fator X e o fator Y, significando que quando o fator X muda, o fator Y muda na
direção oposta. Por exemplo, se cada aumento na idade em uma população fosse
acompanhada por um aumento no peso, a correlação entre a idade e o peso seria 1,00.
Se, em vez disso, as pessoas sempre perdessem peso à medida que envelhecessem, a
correlação seria - 1,00. Se a idade e o peso não estão de modo algum relacionados, a
correlação seria 0,00. Os valores intermediários positivos ou negativos de um
coeficiente de correlação indicam níveis intermediários de associação. Por exemplo, há
uma correlação de aproximadamente 0,50 entre a altura dos pais e de seus filhos,
indicando que pais altos tendem a ter filhos altos (Tanner, 1990).
Uma correlação pode apontar para um relacionamento causal entre dois eventos, mas,
como foi apontado acima, correlação não é o mesmo que causa. Ou seja, a correlação
não estabelece que a ocorrência de um evento cause a ocorrência de outro. Em alguns
casos, pode ser tão provável que o fator X seja causado pelo fator Y, como que o fator X
esteja causando o fator Y. Em outros casos, pode ser que as mudanças correlacionadas
em X e Y estejam sendo causadas por algum terceiro fator.
A dificuldade em distinguir a correlação da causa é freqüentemente uma fonte de
controvérsia científica. Em um caso, como a altura de pais e de seus filhos, o problema
não é sério. A altura da criança obviamente não causa a altura de seus pais. Nem há
probabilidade de haver confusão por causa do relacionamento entre a idade de uma
criança e o seu peso. A idade em si não pode causar aumento no peso porque "idade" é
simplesmente outro termo para o tempo que passou desde um ponto de partida
estabelecido, e, certamente, o peso não pode causar um aumento na idade.
Outras causas são menos definidas. Entre as crianças em idade escolar, por exemplo, foi
encontrada uma correlação de cerca de 0,30 entre a altura e a pontuação nos testes de
capacidade mental, ou seja, as crianças mais altas tendem a conseguir uma pontuação
mais alta nos testes de inteligência do que seus companheiros da mesma idade, mas
mais baixos (Tanner, 1990). Como nada em relação à altura das crianças pode,
plausivelmente, ser considerado causa da sua inteligência, e nada com referência à
inteligência das crianças pode ser dito que cause a sua altura elevada, algum outro fator
(como nutrição, por exemplo) deve ser a causa de ambos.
Os casos mais enganosos são aqueles em que o possível relacionamento de causa e
efeito entre duas variáveis poderia plausivelmente atuar em qualquer direção. Por
exemplo, há uma correlação de 0,50 entre as notas atuais das crianças na escola e suas
pontuações nos testes de QI padronizados (Minton e Schneider, 1980). Tendo como
base essa associação, poderia ser tentador concluir que a inteligência causa sucesso na
escola. Embora essa explicação se ajuste às idéias de muitas pessoas sobre o sucesso na
escola, pode ser plausivelmente declarado que os alunos que conseguem boas notas
estudam muito e aprendem mais, impulsionando, assim, suas pontuações de QI.
O uso de coeficientes de correlação para descrever relacionamentos entre fenômenos é
importante no estudo do desenvolvimento humano porque muitos fatores de interesse
para os estudiosos do desenvolvimento (como classe social, origem étnica e constituição
genética) não podem ser controlados experimentalmente. Como as correlações
freqüentemente sugerem relacionamentos causais, mas não proporcionam evidências
cruciais de causação, podem surgir controvérsias que não tenham uma resolução clara,
requerendo que os estudiosos do desenvolvimento tenham cautela na interpretação dos
seus dados.

Métodos de entrevista clínica


Com exceção dos estudos de observação diária, todos os métodos de pesquisa discutidos
até agora destinam-se à aplicação de procedimentos uniformes de coleta de dados a cada
indivíduo observado. Nesse aspecto, os métodos de entrevista clínica

47
diferem fundamentalmente dos outros. A essência do método clínico c moldar as
questões para a pessoa. Cada questão depende da resposta dada àquela que a precede,
permitindo que o pesquisador acompanhe qualquer questão dada, verifique seu
entendimento das respostas do indivíduo e penetre mais profundamente nos
pensamentos e sentimentos da pessoa.
Como indica o termo "clínico", os métodos de entrevista clínica são freqüentemente
usados para investigar os problemas de pessoas perturbadas ou doentes. Quando os
psicólogos do desenvolvimento usam os métodos de entrevista clínica dessa maneira,
eles, como os médicos clínicos, estão buscando um conjunto de alívios adequados. A
mais famosa aplicação de métodos de entrevista clínica na psicologia desenvolvimental
é encontrada no trabalho de Sigmund Freud, que acreditava que a história familiar
inicial da criança fosse essencial para o desenvolvimento da sua personalidade posterior.
A partir do relato de um paciente dos eventos da sua vida, de suas fantasias, de seus
medos e de seus sonhos, Freud procurou identificar os fatores cruciais que produziram a
dificuldade que essa pessoa estava experimentando.
Os métodos clínicos não são restritos à patologia. Além dos diários que ele mantinha do
desenvolvimento de seus filhos, o psicólogo do desenvolvimento Jean Piaget
freqüentemente usava técnicas de entrevista clínica para explorar o desenvolvimento das
crianças no que se refere às percepções do mundo. Em um dos seus primeiros estudos
sobre o desenvolvimento do pensamento das crianças, ele usou um procedimento de
entrevista clínica para se concentrar na percepção das crianças sobre a idéia de
"pensamento". Nos exemplos que se seguem, observe que teria sido impossível para
Piaget prever exatamente como as crianças iriam reagir. Por isso, ele adaptou suas
questões ao fluxo da conversa.
7 anos de idade
Piaget: ... Você sabe o que significa pensar? Criança: Sim.
Piaget: Então pense na sua casa. Com que você pensa? Criança: Com a boca.
(Adaptado de Piaget, 1929/1979, p. 39.)

11 anos de idade
Piaget: Onde está o pensamento?
Criança: Na cabeça.
Piaget: Se alguém abrir a sua cabeça, você vai ver seu pensamento?
Criança: Não.
(Neste ponto, Piaget muda sua linha de questionamento para chegar à concepção da
criança sobre o pensamento a partir de uma direção diferente.)
Piaget: O que é um sonho?
Criança: É um pensamento.
Piaget: Com que você sonha?
Criança: Com a cabeça.
Piaget: Os olhos ficam abertos ou fechados?
Criança: Fechados.
Piaget: Onde está o sonho enquanto você está sonhando?
Criança: Na cabeça.
Piaget: Não está na sua frente?
Criança: É como se (!) a gente conseguisse vê-lo.
(Extraído de Piaget, 1929/1979, p. 54.)

O aprofundamento de Piaget nas entrevistas dessas crianças revelou dois padrões de


percepção, relacionados à idade, a respeito do que seja pensar. Para a criança menor,
pensar é um processo corporal - o ato de falar. Pode-se vê-lo acontecer Em contraste, a
criança mais velha concebe o pensamento como algo invisível e não
48
observável, um processo mental. Piaget usou esses dados para defender a existência de
um desenvolvimento que se processa por meio de uma mudança em etapas ou estágios
na maneira como as crianças entendem e experimentam o mundo. Ele acreditava que,
em torno dos 10 a 11 anos de idade, a criança começaria a se tornar capaz de imaginar o
pensamento como um processo mental que não pode ser visto.
Alexander Luria (1902-1977), psicólogo russo, usou o método de entrevista clínica para
revelar diferenças qualitativas no pensamento em ambientes culturais distintos. Ele
acreditava, por exemplo, que as pessoas que vivem em sociedades pré-industrializadas,
onde há pouca ou nenhuma alfabetização e ensino, categorizariam os objetos segundo a
maneira como eles são usados na vida cotidiana, em vez de segundo algum critério
abstrato. Em um estudo, ele apresentou desenhos de quatro objetos - um martelo, um
serrote, uma tora de madeira e uma machadinha - a um grupo de vaqueiros criadores de
gado e perguntou-lhes quais dos objetos eram similares e qual não correspondia aos
outros. A maior parte de nós enxergaria dois

49
critérios óbvios pelos quais esses objetos poderiam ser categorizados: ou como "coisas
necessárias para se conseguir lenha" (o que exclui o martelo) ou como ferramentas (o
que exclui a tora). Os indivíduos de Luria viram os objetos em termos completamente
diferentes, como está indicado pela seguinte conversa típica:
Homem: Eles todos se correspondem! O serrote é para serrar a tora, o martelo
para martelá-la e a machadinha para cortá-la. E, se quiser serrar realmente bem
a tora,
precisa do martelo. Não pode dispensar nenhuma dessas coisas. Não há nenhuma
que você não precise.
Luria: Mas um companheiro me disse que a tora não pertence a este grupo.
Homem: Por que ele disse isso? Se dizemos que a tora não é como as outras
coisas e a colocamos de lado, estamos cometendo um erro. Todas essas coisas
são necessárias
para a tora.
Luria: Mas esse companheiro disse que o serrote, o martelo e a machadinha são
de algum modo semelhantes, enquanto a tora não é.
Homem: E dai que não sejam semelhantes? Elas todas trabalham juntas e cortam
a tora. Aqui tudo funciona direito, aqui tudo isso é ótimo.
(Luria, 1976, p. 58)
A abordagem de Luria é um uso clássico da entrevista clínica. O investigador testa a
percepção do indivíduo desafiando suas respostas às perguntas e sugerindo pontos de
vista alternativos (às vezes incorretos). Como foi indicado pela entrevista acima, para os
indivíduos de Luria, "similar" com referência aos objetos apresentados parecia
significar "executar a mesma atividade". Contrapondo as respostas dos seus indivíduos
às respostas dadas pelas pessoas que haviam freqüentado a escola e começado a
participar das formas industrializadas da atividade econômica e das relações sociais,
Luria chegou à conclusão de que os vaqueiros tradicionais organizam seu pensamento
em termos de conceitos que relacionam de perto os objetos com suas funções e não
desenvolvem o pensamento tendo como base os objetos pertencerem à mesma categoria
abstrata.
O ponto forte dos métodos de entrevista clínica é que eles proporcionam um insight na
dinâmica do desenvolvimento individual. Cada pessoa entrevistada proporciona um
padrão distinto de respostas que corresponde às suas experiências individuais. Mas o
método de entrevista clínica tem suas limitações. Em primeiro lugar para chegar a
conclusões gerais sobre o tópico da entrevista, o clínico precisa ignorar as diferenças
individuais entre as entrevistas a fim de poder chegar ao padrão geral. Mas, quando o
padrão geral aparece, o quadro individual desaparece. Em segundo lugar, como o
método se baseia primordialmente na expressão verbal, não é adequado para o uso com
crianças muito pequenas, que têm dificuldade para se expressar plena ou precisamente.
Isso acontece especialmente quando se tenta avaliar a capacidade cognitiva das crianças,
pois as pequenas, em geral, entendem muito ant de elas próprias conseguirem explicar o
seu entendimento.

FIGURA SEM NÚMERO


John B. Watson e Rosalie Rayner realizando experiência com os medos dos bebês
[ Foto de Watson com uma máscara diante de um bebê]
FIGURA SEM NÚMERO
Margaret Beale Spencer usou extensivamente os métodos da entrevista e da observação
em seu trabalho sobre a auto-estima das crianças. Aqui, ela trabalha com alunos de
ensino especial do ensino médio que estão participando de um programa de
aprendizagem baseado em computador. [Foto]
CONCEITOS
método clínico Um método de pesquisa em que as questões são moldadas ao individuo,
com cada questão dependendo da resposta anterior.
DESTAQUE 1.3 PADRÕES ÉTICOS PARA A PESQUISA COM CRIANÇAS
As diretrizes que se seguem são adaptadas e condensadas dos Padrões Éticos para a
Pesquisa com Crianças lançados pela Sociedade de Pesquisa de Desenvolvimento
Infantil (Society for Research in Child Development - SRCD).
As crianças como sujeitos de pesquisa apresentam problemas éticos para o investigador
que são diferentes daqueles apresentados por pessoas adultas. Não somente as crianças
são freqüentemente encaradas como mais vulneráveis ao estresse, mas, tendo menos
conhecimento e experiência, são menos capazes de avaliar o que pode significar a
participação na pesquisa. Além disso, além do consentimento dos pais para o estudo
com a criança, deve ser obtido também o consentimento da criança. Seguem-se algumas
diferenças importantes entre a pesquisa com crianças e a pesquisa com adultos.
* Não importa o quão pequenas sejam as crianças, seus direitos são maiores que os
direitos do investigador.
* A responsabilidade final do estabelecimento e da manutenção de práticas éticas na
pesquisa continua sendo do investigador principal.
* O investigador é responsável pelas práticas éticas de seus colaboradores, assistentes,
alunos e empregados, embora todos eles incorram em obrigações paralelas.
* O investigador deve informar as crianças sobre todos os aspectos da pesquisa que
podem afetar sua disposição de participar e deve responder às perguntas das crianças em
termos apropriados para sua compreensão.
* O investigador deve respeitar a liberdade das crianças de decidir participar ou não da
pesquisa, assim como interromper a participação a qualquer momento.
* O consentimento informado dos pais ou daqueles que atuam in loco parentis (por
exemplo, professores, superintendentes de instituições) também deve ser obtido, de
preferência por escrito. O consentimento informado requer que os pais ou outros adultos
responsáveis sejam informados de todas as características da pesquisa que possam afetar
sua disposição de permitir que as crianças dela participem.
* O consentimento informado de qualquer pessoa cuja interação com a criança seja
tema do estudo deve também ser obtido.
* O investigador não pode usar procedimentos de pesquisa que possam prejudicar física
ou psicologicamente às crianças.
* Embora aceitemos a idéia ética de plena revelação das informações, um determinado
estudo pode necessitar de sigilo ou dissimulação sobre seus objetivos. Quando o sigilo
ou a dissimulação é considerado essencial para a condução do estudo, os investigadores
devem provar a um comitê de ética que seu julgamento está correto.
* O investigador deve manter em sigilo todas as informações obtidas sobre os
participantes da pesquisa.
* Imediatamente depois de os dados serem coletados, o investigador deve esclarecer
para o participante da pesquisa quaisquer concepções errôneas que possam ter surgido.
O investigador também reconhece o dever de relatar achados gerais para os
participantes em termos apropriados ao seu entendimento. Quando valores científicos
ou humanos podem justificar a retenção de informações, todo esforço deve ser feito para
que a retenção da informação não tenha conseqüências danosas para o participante.
* Quando, no decorrer da pesquisa, chegarem ao investigador informações que possam
afetar seriamente o bem-estar da criança, o investigador tem a responsabilidade de
discutir essas informações com especialistas da área, para que os pais possam conseguir
a necessária assistência para seu filho.
* Quando se percebe que os procedimentos de pesquisa podem resultar em
conseqüências indesejáveis para o participante, o investigador deve empregar medidas
adequadas para corrigir essas conseqüências e considerar o replanejamento do
procedimento.
* Os investigadores devem ser criteriosos com relação às implicações sociais, políticas e
humanas da sua pesquisa e devem ser especialmente cuidadosos na apresentação dos
seus achados. Esse padrão, no entanto, de modo algum nega aos investigadores o direito
de seguir qualquer área de pesquisa ou o direito de observar padrões adequados de
relato científico.
* Quando se acredita que um tratamento experimental sob investigação é benéfico às
crianças, os grupos-controle devem receber outros tratamentos alternativos benéficos, se
disponíveis, em vez de nenhum tratamento.
N. de R.T No Brasil, os psicólogos do desenvolvimento utilizam a Resolução 196/1996
do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas com seres humanos (Ministério da
Saúde, 1996). Recentemente, o Conselho Federal de Psicologia (2000) editou a
Resolução 016 sobre as exigências éticas para pesquisas em Psicologia.

DELINEAMENTOS DA PESQUISA

Se o objetivo da pesquisa é esclarecer o processo da mudança desenvolvimental, deve


ser planejada para revelar como os fatores responsáveis pela mudança atuam no
decorrer do tempo - ou seja, como a mudança é produzida nas diferentes idades. Há dois
delineamentos básicos de pesquisa usados pelos psicólogos para esse propósito:
longitudinal e transversal. Cada um leva em conta a passagem do tempo uma forma
diferente. O pesquisador que usa o delineamento longitudinal reúne informações de um
grupo de crianças à medida que elas crescem, durante um período de tempo ampliado. O
pesquisador que usa o delineamento transversal reúne as informações sobre crianças de
várias idades ao mesmo tempo. Esses delineamentos podem ser usados em conjunção
um com o outro e com quaisquer técnicas de coleta de dados já discutidas. Cada
delineamento tem suas próprias vantagens e desvantagens.
50
Delineamentos longitudinais
Os pesquisadores que escolhem um delineamento longitudinal selecionam uma amostra
representativa da população que desejam estudar e coletam dados de cada pessoa em
duas ou mais idades. Por exemplo, Jerome Kagan (1994) conduziu uma equipe de
pesquisa na Universidade de Harvard que acompanhou o comportamento de um grupo
de crianças desde pouco depois do seu nascimento até o início da adolescência. Esse
estudo proporcionou a evidência, anteriormente mencionada, de que as crianças que são
tímidas e inseguras aos 21 meses têm probabilidade de ser tímidas e cautelosas até 12 e
14 anos. Sem as mensurações longitudinais seria impossível descobrir se há
continuidade nos padrões de comportamento ou se os processos mudam à medida que a
criança cresce. Outros estudos longitudinais importantes concentraram-se em tópicos
variados, tais como personalidade (Friedman et ai., 1995), saúde mental (Werner e
Smith, 1992), temperamento e inteligência (DeFries et ai., 1994), desenvolvimento da
linguagem (Fenson et ai., 1994) e ajustamento social (Cairns e Cairns, 1994).
Os delineamentos longitudinais pareceriam ser uma maneira ideal de se estudar o
desenvolvimento porque se ajustam às exigências de que o desenvolvimento seja
estudado no decorrer do tempo. Infelizmente, as pesquisas longitudinais têm algumas
falhas práticas e metodológicas que restringiram seu uso. Para começar, elas são
dispendiosas de realizar, particularmente se devem ser conduzidas durante vários anos.
Requerem o compromisso a longo prazo de um pesquisador para com uma aventura
incerta. Além disso, alguns pais se recusam a permitir que seus filhos participem de um
estudo prolongado. Se essas recusas são mais freqüentes em um grupo social,
econômico ou étnico do que em outro, podem tornar a amostra não representativa da
população do estudo como um todo. É também comum que algumas das crianças que
começam um estudo desse tipo saiam dele, mudando, assim, a amostra de várias
maneiras, o que enfraquece as conclusões a serem extraídas.
Outra dificuldade com os delineamentos longitudinais é que as pessoas da amostra
podem ficar acostumadas com os vários procedimentos dos testes e das entrevistas. Em
outras palavras, elas podem aprender a responder da maneira esperada. Em
conseqüência disso, é difícil saber se as mudanças nas respostas da pessoa no decorrer
do tempo representam um desenvolvimento normal ou, simplesmente, o efeito da
prática em se submeter aos testes e em responder às entrevistas.
Finalmente, os delineamentos longitudinais, às vezes, confundem (misturam) a
influência das mudanças relacionadas com a idade e a influência de fatores relacionados
especificamente à coorte do grupo da amostra. Uma coorte é uma população de pessoas
nascidas mais ou menos na mesma época, e as pessoas de uma determinada coorte
podem compartilhar experiências que difiram daquelas de pessoas nascidas antes ou
depois. Na pesquisa longitudinal, as diferenças que

51
parecem estar relacionadas às diferenças na idade podem, realmente, surgir devido a
diferenças na coorte. Consideremos, por exemplo, um estudo longitudinal do
desenvolvimento dos medos das crianças a partir do seu nascimento, iniciado em
Londres, em 1932. Em seus primeiros anos, as crianças desse estudo viveram durante a
Grande Depressão. Aos nove ou dez anos, muitas delas perderam pai ou mãe ou ambos
na Segunda Guerra Mundial e muitas outras foram separadas dos pais e enviadas para o
campo, em uma tentativa de mantê-las a salvo dos bombardeios noturnos da cidade.
Se os resultados de um tal estudo indicassem que os medos das crianças concentravam-
se inicialmente na fome e, mais tarde, em torno dos nove anos de idade, passavam a
temer que pudessem perder seus pais, não seria possível determinar se as tendências da
idade observada refletiam leis gerais do desenvolvimento -na verdade, em qualquer
tempo e em qualquer lugar -, ou se eram o resultado de experiências vividas em uma
época e local particular, ou ambos (Elder, 1998).
Se os recursos permitirem, os pesquisadores podem usar vários meios para superar essas
falhas. Alguns têm usado um delineamento seqüencial da coorte, em que o método
longitudinal é replicado com várias coortes, cada uma delas estudada longitudinalmente.
Essa modificação do delineamento longitudinal permite que os fatores relacionados à
idade sejam separados dos fatores relacionados à coorte.

Delineamentos transversais
O delineamento de pesquisa desenvolvimental mais amplamente usado é chamado de
delineamento transversal (ou cross-sectional) porque os grupos que representam uma
faixa de idade são estudados ao mesmo tempo. Para estudar o desenvolvimento da
memória, por exemplo, podemos primeiro testar amostras de pessoas de 4, 10, 20 e 60
anos, para ver como elas recordam uma lista de palavras familiares. Ao comparar como
as pessoas do grupo de quatro anos de idade realizam a tarefa e quais são os resultados
dos seus esforços, pode-se, então, formular hipóteses sobre mudanças
desenvolvimentais nos processos de memória. (A Figura 1.8 compara delineamentos de
pesquisa longitudinais e transversais.) Na verdade, os pesquisadores têm

52

realizado muitos estudos transversais do desenvolvimento da memória que têm


demonstrado mudanças desenvolvimentais tanto quantitativas quanto qualitativas, que
vamos examinar nos capítulos posteriores (Schneider e Bjorklund, 1998).
As vantagens do delineamento transversal são visíveis. Como ele realiza a amostragem
de vários níveis de idade ao mesmo tempo, consome menos tempo e é menos
dispendioso que uma abordagem longitudinal. O compromisso de curto prazo requerido
dos participantes também torna mais provável que uma amostra representativa seja
recrutada e que poucos participantes saiam do estudo.
Apesar dessas características atraentes, os estudos transversais também têm falhas. Para
serem adequadamente conduzidos, esses estudos precisam garantir que todos os outros
fatores relevantes além da idade sejam mantidos constantes. Ou seja, a composição de
todos os grupos de idade deve ser a mesma em termos de sexo, etnia, escolarização,
condição socioeconômica, etc. Entretanto, assim como os estudos longitudinais, os
transversais podem confundir as mudanças e as características particulares relacionadas
à idade com uma determinada coorte. Consideremos as possibilidades de um estudo
hipotético de desenvolvimento da memória. Suponhamos que o estudo tenha sido
conduzido em 2000. Suponhamos também que o estudo tenha mostrado que as pessoas
de 70 anos de idade tiveram um desempenho pior que aquelas de 20 anos de idade.
Esses resultados podem refletir uma tendência universal para o declínio da memória
com a idade. Mas a diferença pode também ser causada por diferenças na nutrição na
infância, que têm mostrado afetar o desenvolvimento intelectual (Pollitt, 1994). A
nutrição em geral não foi tão boa na década de 1930, quando as pessoas de 70 anos de
idade eram crianças, . quanto na década de 1980, quando as pessoas de 20 anos de idade
eram crianças. As pessoas de 70 anos também têm probabilidade de ter recebido menos
educação que aquelas de 20 anos. Uma formação universitária era muito mais comum
na década de 1990 do que na década de 1950, e foi demonstrado que a educação
melhora o desempenho em testes de memória (Cole, 1996). Além disso, como o
desempenho da memória é mantido pela prática constante proporcionada pelo ensino, é
possível que as pessoas de 70 anos tenham tido um desempenho pior porque estão fora
da escola há muito tempo. A possível presença desses efeitos desconcertantes da coorte
significa que se deve tomar muito cuidado ao interpretar estudos transversais.
Uma segunda dificuldade dos estudos transversais é que, através da amostragem do
comportamento de pessoas de idades diferentes em um mesmo momento, eles cortam o
processo contínuo de desenvolvimento em uma série de impressões breves e
desconectadas. Embora um estudo desse tipo possa ser usado para contrastar as
maneiras gerais em que crianças de quatro e 10 anos de idade se lembram de uma lista
de palavras, por exemplo, não pode levar em conta o processo desenvolvimental pelo
qual a capacidade e as estratégias de memória mudam no decorrer do tempo, uma vez
que não acompanha as mesmas crianças por esse período de tempo. Assim, quando os
teóricos formulam hipóteses sobre o desenvolvimento partindo da base de um estudo
transversal, eles devem utilizar extrapolação e conjetura com relação aos processos de
mudança.

Métodos microgenéticos
Uma preocupação comum, tanto com os métodos longitudinais quanto com os métodos
transversais, é o fato de eles não proporcionarem evidências diretas sobre o processo de
mudança no desenvolvimento. Para tentar aproximar-se mais na observação dos
processos de mudança, os desenvolvimentalistas, às vezes, usam procedimentos
especiais chamados métodos microgenéticos, a partir dos quais estudam intensivamente
o desenvolvimento das crianças durante períodos de tempo relativamente curtos, às
vezes apenas algumas horas ou alguns dias (Miller e Coyle, 1999; Siegler e Stern, 1998;
Vygotsky, 1978). Via de regra, os métodos microgenéticos são usados com crianças que
se considera estarem à beira de uma importante mudança desenvolvimental, de tal
forma que, se lhes for proporcionada uma densa experiência

53
em que encontrem a maneira certa de lidar com um desafio desenvolvimental complexo,
será possível vê-las desenvolver formas de comportamento mais sofisticadas bem diante
dos olhos do observador.
Robert Siegler (1996) oferece uma analogia útil para se entender como os métodos
microgenéticos diferem de estudos que fazem uma amostragem do comportamento das
crianças em intervalos de meses ou anos. Os métodos padronizados, escreve ele, nos
proporcionam impressões breves do desenvolvimento. Em contraste, os métodos
microgenéticos nos proporcionam um filme, um registro da mudança mais ou menos
contínuo.

FIGURA SEM NÚMERO


Os delineamentos longitudinais acompanham as mesmas pessoas através dos anos.
[Cinco fotos de uma mulher desde bebê até a idade adulta.]
FIGURA 1.8
A diferença entre is delineamentos de pesquisa longitudinal e transversal. [Gráfico. Eixo
vertical representa a idade na época da observação e o eixo horizontal representa os
anos (1965 à 2000). Há uma faixa diagonal atravessando o gráfico, representando o
delineamento longitudinal (“os mesmos indivíduos observados em idades diferentes”) e
uma faixa vertical no ano de 1994 representando o delineamento transversal
(“indivíduos de idades diferentes observados ao mesmo tempo”)
CONCEITOS
delineamento longitudinal Pesquisa na qual os dados são coletados do mesmo grupo de
crianças à medida que elas crescem, durante um período de tempo extenso.
delineamento transversal Pesquisa na qual as crianças de várias idades são estudadas ao
mesmo tempo.
coorte Um grupo de pessoas nascidas mais ou menos na mesma época, sendo provável,
portanto, que compartilhem algumas experiências.
Delineamento seqüencial da coorte Um delineamento experimental em que o método
longitudinal é replicado com várias coortes.
Método microgenético Um método de pesquisa em que o desenvolvimento das crianças
é estudado intensivamente durante um período de tempo relativamente curto.

DELINEAMENTOS DA PESQUISA E TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS


EM PERSPECTIVA

Cada delineamento e cada método para coleta de dados tem seus usos, mas não é
provável que nenhum delineamento ou método sirva a todos os propósitos (Tabela 1.1).
Os delineamentos longitudinais mostram o comportamento dos mesmos indivíduos no
decorrer do tempo, mas, a menos que sejam suplementados por procedimentos mais
complexos, há um risco de que confundam idade com coorte e que as amostras sejam
tendenciosas. Os delineamentos transversais são mais eficientes, mas podem fragmentar
artificialmente o processo de desenvolvimento. Os métodos microgenéticos podem
revelar o processo de mudança em uma pequena escala de tempo, mas os resultados
podem não ser generalizáveis para períodos de tempo mais longos. Os auto-relatos
proporcionam um insight único no processo de desenvolvimento a partir da perspectiva
do indivíduo, mas são, às vezes, de validade questionável. Observações naturalistas
coletadas de forma sistemática produzem informações essenciais sobre as atividades da
vida real das pessoas, mas são fracas quando se trata de estabelecer relacionamentos
causais. Os experimentos podem isolar fatores causais em ambientes específicos, mas os
resultados obtidos podem não ser generalizáveis além dos limites artificiais da situação
experimental. Os métodos de entrevista clínica podem revelar a dinâmica do
pensamento e dos sentimentos do indivíduo, mas são difíceis de generalizar além do
caso particular. Nos capítulos que se seguem, as vantagens e os problemas dos vários
métodos de pesquisa serão citados repetidas vezes, na medida em que se aplicarem a
aspectos específicos do desenvolvimento.

TABELA 1.1 TÉCNICAS E DELINEAMENTOS DA PESQUISA

VANTAGENS
1-Técnica
1.2-Auto-relato - Proporciona acesso à informação singular.
1.3-Observação naturalista - Revela a total complexidade do comportamento e sua
ecologia.
1.3-Experimento - Melhor método para testar hipóteses causais.
1.4-Entrevista clínica - Focaliza a dinâmica do desenvolvimento individual.
2-Delineamento
2.1-Longitudinal - Acompanha o desenvolvimento como um processo que ocorre no
decorrer do tempo.
2.2-Microgenético - Observa o processo de mudança em períodos curtos de tempo.
2.3-Transversal - Toma relativamente pouco tempo para administrar. Revela tendências
de idade.
DESVANTAGENS
1-Técnica
1.1-Auto-relato - Validade inconfiável ou incerta.
1.2-Observação naturalista - Difícil estabelecer relações causais.
1.3-Experimento - Ás vezes impossível por razões éticas. Os procedimentos artificiais
podem distorcer a validade dos resultados.
1.4-Entrevista clínica - Dificuldade para generalizar além do caso único ou estabelecer
relações causais.
2-Delineamento
2.1-Longitudinal - A repetição do teste pode invalidar os resultados. Dispendioso e
difícil de usar. Os resultados podem ser confundidos com o tempo histórico.
2.2-Microgenético - Deve-se tomar cuidado ao generalizar períodos de tempo mais
longos.
2.3-Transversal - Perde o sentido de continuidade no desenvolvimento. Os achados são
vulneráveis de se confundir com outras variáveis além da idade.

54
O PAPEL DA TEORIA

Ao contrário da crença amplamente defendida, os fatos não "falam por si". Os fatos que
os psicólogos desenvolvimentais coletam só nos ajudam a entender o desenvolvimento
quando são reunidos e interpretados em termos de uma teoria, uma estrutura de idéias
ou corpo de princípios que podem ser usados para guiar a coleta e interpretação de um
conjunto de fatos. Como a hereditariedade e o ambiente, os fatos e as teorias seguem
juntos. Nenhum dos dois vem "primeiro", eles surgem e existem juntos.
Para citar um exemplo ao qual retornaremos no Capítulo 11 (p. 439), as pessoas de duas
culturas podem concordar que uma criança está se comportando de maneira selvagem e
irreverente em uma sala de aula de pré-escola, mas interpretam os mesmos fatos de
maneiras muito diferentes. Os psicólogos do desenvolvimento (assim como os pais) do
Japão e dos Estados Unidos defendem teorias diferentes sobre aquilo que faz com que
as crianças se comportem mal. Essas teorias fazem com que elas observem e enfatizem
aspectos diferentes do mesmo comportamento. Onde um investigador americano
provavelmente verá uma agressão descontrolada, um investigador japonês
provavelmente verá uma expressão de distúrbio da dependência. Suas teorias diferentes
e os dados que enfocam para avaliar essas teorias conduzem, por sua vez, a prescrições
diferentes sobre a maneira de lidar com esse comportamento preocupante.
Albert Einstein observou que a teoria está silenciosamente presente, mesmo quando
achamos estar "observando objetivamente o mundo". A observação do mundo pode ser
útil, diz ele,
mas, era princípio, é absolutamente errado tentar fundamentar uma teoria
apenas em magnitudes observáveis. Na realidade, o que ocorre é bem o
contrário. É a teoria
que decide o que podemos observar. (Citado em Sameroff, 1983, p. 243.)
A observação de Einstein aplica-se tanto às tentativas dos psicólogos de entender o
mundo humano quanto se aplica vigorosamente às investigações do mundo físico. Um
entendimento mais profundo do desenvolvimento humano não surge automaticamente
do acúmulo contínuo dos fatos. Em vez disso, virá através de novas tentativas para
extrair sentido do acúmulo de evidências no desenvolvimento, à luz de uma teoria
relevante.
Atualmente, não há uma perspectiva teórica ampla e única que unifique todo corpo de
conhecimento científico relevante sobre o desenvolvimento humano. Em vez disso, o
campo é abordado a partir de várias perspectivas teóricas. Essas perspectivas podem ser
agrupadas em quatro abordagens, de acordo com as respostas básicas que dão às três
questões fundamentais do desenvolvimento anteriormente citadas: (1) Quais são as
contribuições relativas da natureza e da educação para o desenvolvimento? (2) O
processo da mudança desenvolvimental é contínuo ou descontínuo? (3)O que causa as
diferenças individuais? Por todo este livro vamos nos referir a estas quatro abordagens
amplas: maturação biológica, aprendizagem, construtivismo e contexto cultural (ver
Figura 1.9).
A dificuldade de qualquer categorização simplificada do estudo do desenvolvimento
humano é a omissão de casos importantes. Em nosso uso de quatro estruturas amplas,
por exemplo, temos omitido a abordagem psicodinâmica, associada aos nomes de
Sigmund Freud e Erik Erikson, duas figuras fundamentais da psicologia
desenvolvimental. Embora suas obras permaneçam influentes, são controvertidas,
porque tanto Freud quanto Erikson derivaram a maior parte de seus dados de entrevistas
clínicas realizadas com adultos sobre sua infância e porque, sendo antes de tudo
clínicos, ambos encaravam, em geral, o desenvolvimento normal através do prisma da
doença mental.

55
Cada uma das abordagens amplas abrange muitas teorias específicas que se concentram
em aspectos particulares do desenvolvimento humano. Nos capítulos posteriores,
encontraremos teorias sobre esses tópicos, como as origens dos conceitos no início do
desenvolvimento pós-natal, na emergência de novas formas do brinquedo na segunda
infância e no desenvolvimento da capacidade de raciocinar hipoteticamente na
adolescência. As abordagens amplas que identificamos proporcionam maneiras distintas
e valiosas de se encarar todo o processo do desenvolvimento. O que se segue aqui é
apenas uma visão geral breve das quatro estruturas. Nos capítulos que se seguem,
vamos retornar a elas para explorar o que podem nos dizer sobre aspectos particulares
da mudança desenvolvimental.

A abordagem da maturação biológica


Todas as teorias sobre a maturação biológica compartilham uma visão central de que a
fonte das mudanças que caracterizam o desenvolvimento humano é endógena, ou

56
seja, que a mudança vem de dentro do organismo como uma conseqüência dos genes
que o organismo herda. Desse ponto de vista, a principal causa de desenvolvimento é a
maturação, uma seqüência de mudanças geneticamente determinadas que ocorrem desde
um ponto inicial imaturo, na concepção, até a plena idade adulta.
Os psicólogos cujas teorias são embasadas na maturação biológica têm maior
probabilidade de encarar o desenvolvimento psicológico como uma progressão em
etapas que acompanham (e são causadas por) mudanças biológicas do organismo. Em
sua opinião, o papel do ambiente é secundário na moldagem do curso básico do
desenvolvimento. Esse ponto de vista foi claramente expressado por Arnold Gesell
(1880-1961), um dos psicólogos do desenvolvimento mais influentes do início do
século XX:
O ambiente ... determina a ocasião, a intensidade e a correlação de muitos
aspectos do comportamento, mas não engendra as progressões básicas do
desenvolvimento
do comportamento. Estas são determinadas por mecanismos inerentes à
maturação. (1940, p. 13)
Como já mencionamos anteriormente, as idéias de Sigmund Freud (1856-1939)
exerceram uma enorme influência sobre os conceitos modernos da natureza humana.
Entre os teóricos do desenvolvimento, Freud foi o primeiro a enfatizar a importância da
vida emocional para a formação e o funcionamento da personalidade humana. A
conhecida crença de Freud de que a gratificação de demandas biológicas básicas fosse o
motivo primário do comportamento humano situa-o entre os teóricos da maturação
biológica. Contudo, quando consideramos o processo do desenvolvimento individual,
Freud, como Gesell, atribuíram algum papel ao ambiente. "O fator constitucional",
escreveu ele, "precisa antecipar as experiências antes de poder se fazer sentir" (Freud,
1905/1953a, p. 239). Em outras palavras, as tendências humanas

57
básicas são biologicamente determinadas mas é o ambiente social que dirige a maneira
como essas tendências serão satisfeitas, moldando, assim, as personalidades individuais.
A perspectiva da maturação biológica sobre o desenvolvimento humano foi esquecida
nos meados do século XX mas, nas últimas décadas, desfrutou de uma atenção
renovada. Os estudos modernos da aquisição de linguagem são um exemplo
proeminente disso. A capacidade de usar a linguagem é herdada por todos os seres
humanos e parece amadurecer em uma velocidade determinada, sugerindo a alguns
pesquisadores que o ambiente desempenha um papel apenas desencadeante da
realização do potencial lingüístico (Pinker, 1994). Além disso, os pesquisadores têm
mostrado que alguns aspectos da personalidade e da inteligência têm uma forte base
genética (Plomin et al., 1997). Diz-se também que várias habilidades intelectuais
básicas estão presentes de forma rudimentar antes ou próximo ao nascimento, assim,
parece que sua origem não depende de interações com o ambiente pós-natal
(Baillargeon, 1998; Spelke e Newport, 1998).

A abordagem da aprendizagem
As teorias que recaem na perspectiva da aprendizagem não negam que os fatores
biológicos proporcionam uma base para o desenvolvimento, mas declaram que as
principais causas da mudança desenvolvimental são exógenas, ou seja, que elas provêm
do ambiente, particularmente dos adultos (que moldam o comportamento e as crenças
das crianças) através de recompensas e punições. De acordo com essas teorias, a
aprendizagem, definida como o processo pelo qual o comportamento de um organismo
é modificado pela experiência, é o principal mecanismo para o desenvolvimento. John
B. Watson (1878-1958), um dos primeiros teóricos da aprendizagem, tinha tanta certeza
do papel primordial da aprendizagem no desenvolvimento que se vangloriava:
Dê-me uma dúzia de bebês saudáveis, bem-formados, e o meu próprio mundo
especificado para criá-los, e eu garanto pegar qualquer um deles
aleatoriamente e treiná-lo para se tornar qualquer tipo de especialista que eu
escolha - médico, advogado, artista, negociante e, sim, até mesmo mendigo e
ladrão, independente dos seus talentos, inclinações, tendências, capacidade,
vocações e raça dos seus ancestrais. (1930, p. 104)
Embora as teorias modernas da aprendizagem ambiental não mais compartilhem da
visão extremada de Watson, declaram que o ambiente, atuando através dos mecanismos
de aprendizagem, é fundamental para a moldagem do desenvolvimento (Gewirtz e
Pelaez-Nogueras, 1992). Talvez a maior evidência em apoio a essas teorias venha de
estudos realizados com crianças que viviam quase isoladas devido a alguma
circunstância ou que foram criadas em orfanatos com pouco estímulo intelectual. Essas
pesquisas mostram que o enriquecimento das experiências sociais e cognitivas dessas
crianças aumenta dramaticamente seu desenvolvimento social e cognitivo posterior
(Clarke e Clarke, 1986). As pesquisas também têm mostrado que a aprendizagem
desempenha um papel importante em processos "biológicos", como desenvolvimento do
gênero e agressividade (Maccoby, 1998; Patterson et al., 1998).
Seu enfoque no ambiente como a principal influência sobre o desenvolvimento conduz
muitos teóricos da aprendizagem ambiental a enfatizar a natureza gradual e contínua da
mudança. Essa pressuposição é bem captada pela descrição metafórica de B.F. Skinner
sobre a maneira como o ambiente

58
molda o comportamento como um escultor molda um pedaço de argila. Embora, em
algum ponto, o escultor pareça ter produzido um objeto inteiramente novo, podemos
sempre seguir o processo de volta ao pedaço de argila original e informe e podemos,
ainda, estabelecer os estágios sucessivos pelos quais retornamos a essa condição, por
mais insignificante que seja, se assim o quisermos. Em nenhum ponto emerge algo que
seja muito diferente daquilo que o precedeu. O produto final parece ter uma unidade
especial ou uma integridade, mas não conseguimos encontrar um ponto em que isso de
repente apareça. (1953, p. 91)

A abordagem do construtivismo
Em contraste com a maturação biológica e os teóricos da aprendizagem, os psicólogos
cujas teorias recaem na visão construtivista acham inadequado atribuir mais importância
à natureza ou à educação. Eles afirmam que a natureza e a educação são igualmente
necessárias para o desenvolvimento. Um importante defensor dessa perspectiva foi o
psicólogo do desenvolvimento suíço Jean Piaget (1896-1980). Piaget iniciou sua
carreira científica como biólogo e continuou a se preocupar com o desenvolvimento
biológico, similarmente aos teóricos maturacionistas. Ao mesmo tempo, ele, assim
como os defensores da aprendizagem, acreditava que o papel do ambiente no
desenvolvimento vai bem além do desencadeamento do potencial inato da criança:
O ser humano está imerso, desde o nascimento, em um ambiente que o afeta
tanto quanto o seu ambiente físico. A sociedade, em certo sentido, mais ainda
que o ambiente físico, muda a própria estrutura do indivíduo ... Toda relação
entre indivíduos (de dois em diante) literalmente os modifica... (Piaget, 1973,
p. 156)
O que distingue especialmente as teorias construtivistas das teorias maturacionistas e
das de aprendizagem é a importância que os construtivistas dão ao papel ativo das
crianças na moldagem do seu próprio desenvolvimento. Piaget dizia que "o
conhecimento não é uma cópia da realidade" (1964, p. 8), enfatizando o fato de que o
conhecimento que adquirimos resulta da maneira como modificamos e transformamos o
mundo. Segundo a maneira de pensar construtivista, as crianças constroem níveis de
conhecimento sucessivamente mais elevados, lutando ativamente para dominar seu
ambiente. São seres biossociais, porque tanto as circunstâncias do amadurecimento
quanto as circunstâncias ambientais estão reciprocamente envolvidas no processo de
mudança.
Piaget e seus seguidores também afirmam que o ambiente não influencia as crianças da
mesma maneira em todas as idades. Em vez disso, as influências do ambiente dependem
do atual estágio de desenvolvimento da criança. O grupo de pares, sua constituição,
mistura de gêneros e influências dependem da idade da criança. Um grupo de crianças
de quatro anos difere muito de um grupo de adolescentes de 14 anos de idade, grupo de
pares, por exemplo, dependem muito, quer se trate de um grupo de pares de quatro ou
de 14 anos de idade.
Baseado nos dados de outras culturas, Piaget (1974) também acreditava que o
desenvolvimento podia ser acelerado ou abrandado por variações no ambiente (como a
presença ou ausência de ensino formal), mas que todas as crianças passavam pela
mesma seqüência básica de mudanças. Nesse sentido importante, a abordagem
construtivista supõe que os processos de mudança desenvolvimental sejam os mesmos
em todos os grupos humanos: eles são universais na espécie.
Como veremos nos capítulos posteriores, os psicólogos contemporâneos que seguem a
tradição estabelecida por Piaget aperfeiçoaram ou refinaram algumas de suas idéias.
Não obstante, esses investigadores concordam com a ênfase de Piaget no papel
fundamental do envolvimento ativo das crianças no mundo e na sua insistência de que a
biologia e o ambiente desempenham papéis recíprocos na mudança evolutiva.

Contexto cultural
Os psicólogos cujo trabalho recai em uma das três abordagens teóricas acima descritas
supõem que o desenvolvimento surge da interação de dois fatores: herança biológica

59
da criança e seu ambiente. As abordagens divergem no peso relativo que atribuem a
cada uma dessas duas fontes de influência no desenvolvimento e também na maneira
como as enxergam interagindo para produzir desenvolvimento.
Os psicólogos que atuam dentro da abordagem culturalista também concordam que os
fatores biológicos e experienciais têm papéis recíprocos a desempenhar no
desenvolvimento e, como os construtivistas, acreditam que as crianças constroem seu
próprio desenvolvimento através de um engajamento ativo com o mundo. Mas diferem
dos outros teóricos declarando que uma "terceira força" -a cultura - faz parte dessa
mistura. Como está indicado na base da Figura 1.9, segundo a perspectiva do
culturalismo, natureza e educação não interagem diretamente. Em vez disso, elas
interagem indiretamente através da cultura, codificada em sua linguagem e incorporada;
aos artefatos físicos, às crenças, aos valores, aos costumes e às atividades que são
passadas de uma geração para a seguinte (Bruner, 1996 Greenffield, 1997; Valsiner,
1998; Vygotsky, 1978).
Uma maneira pela qual a cultura influencia o desenvolvimento aparece na aquisição de
compreensão matemática das crianças. Os tipos de pensamento matemático que a
criança desenvolve não dependem apenas da sua capacidade para lidar com abstrações e
dos esforços dos adultos para prepará-los para aprender conceitos matemáticos. Eles
também dependem do próprio conhecimento que o adulto tem da matemática, que, por
sua vez, depende de sua herança cultural. As crianças que crescem entre os “oksapmin”,
um grupo que vive na selva da Nova Guiné, parecem ter a mesma capacidade universal
para captar conceitos numéricos básicos que as crianças que crescem em Paris ou
Pittsburgh, mas em vez de aprenderem a usar um sistema numérico para contar, elas
aprendem a contar usando as partes do corpo. Esse sistema seria desajeitado para as
crianças que precisam resolver problemas de aritmética na escola e, mais tarde, na
economia monetária da cultura ocidental, mas é perfeitamente adequado para lidar com
as tarefas da vida cotidiana na cultura oksapmin tradicional (Saxe, 1994). O
desenvolvimento do conhecimento matemático também é influenciado pelos contextos
no quais o conhecimento é usado. No Brasil, por exemplo, as crianças que vendem
objetos nas ruas desenvolvem habilidades matemáticas notáveis no decorrer do comprar
e vender cotidiano. Mas, embora essas crianças consigam resolver com facilidade
problemas matemáticos no mercado, têm dificuldade em resolver os mesmos problemas
quando apresentados sob um formato acadêmico (Nunes et al., 1993). Em cada um
desses casos, a cultura contribuiu para o curso do desenvolvimento, preparando as
condições nas quais interagem fatores biológicos e ambientais.
Os pontos de vista da abordagem culturalista e construtivista são similares em vários
aspectos. Ambos declaram que o indivíduo sofre mudanças qualitativas no curso do seu
desenvolvimento e ambos enfatizam que o desenvolvimento é impossível sem a
participação ativa do indivíduo. No entanto, eles diferem em três aspectos importantes.
Em primeiro lugar, a abordagem culturalista supõe que as crianças e seus cuidadores são
agentes ativos no processo do desenvolvimento. O desenvolvimento é, nesse sentido,
co-construído. Em segundo lugar, essa abordagem não visa uma compatibilidade entre
etapas de habilidades e comportamento. Ela antecipa uma ampla variabilidade em um
dado desempenho individual, pelo qual a pessoa se move de um tipo de atividade para
outra. Em terceiro lugar, a abordagem culturalista é mais aberta à idéia de que a
seqüência das mudanças evolutivas que uma criança experimenta - e, na verdade, até a
existência ou não-existência de um estágio particular de desenvolvimento - pode
depender das circunstâncias culturais e históricas da criança (Rogoff, 1998).

60
Nenhuma das teorias que esboçamos é suficientemente abrangente para proporcionar
um quadro completo de todas as complexidades do desenvolvimento humano. Na
verdade, essas teorias poderiam ser melhor encaradas como filtros, com cada teoria
destacando algumas características do processo geral de desenvolvimento. O quadro
"completo", se pudesse ser constituído, teria de ser uma perfeita coordenação das várias
imagens do desenvolvimento vistas através de diferentes filtros.

FIGURA SEM NÚMERO


Os psicólogos do desenvolvimento atuais usam medidas fisiológicas, além de
observações comportamentais, para entender os fatores complexos que atuam no
desenvolvimento. Aqui, uma cientista da Universidade da Califórnia usa eletrodos para
monitorar a atividade cerebral de um bebê de oito semanas de idade em resposta a
padrões diferentes de cor e ao toque de um sino. [Foto de uma pesquisadora ao lado de
um bebê sentado em uma cadeira, conectado a fios, e à frente dele, uma tv exibindo
listras verticais verdes e laranjas.]
FIGURA 1.9
Quatro abordagens teóricas para interpretar a influência da natureza e da educação. Nas
três primeiras, os fatores biológicos e ambientais interagem diretamente um com o outro
para moldar o indivíduo. Na quarta, a estrutura do contexto cultural, a herança biológica
e as características universais do ambiente atuam indiretamente através da cultura.
[Esquema. Legenda: B= Fatores biológicos; A= Fatores ambientais; CUA=
Características universais do ambiente; C= Cultura (características historicamente
específicas do ambiente). O esquema relaciona as abordagens à seus fatores
contribuintes: “Maturação biológica” = B(grande)+A(pequeno); “Aprendizagem”=
B(pequeno)+A(grande); “Construtivismo”= relação de B e A; “Contexto cultural”= B +
CUA(menor) permeados por C.]
FIGURA SEM NÚMERO
Arnold Gesell testando uma criança na sala de observação do centro de Estudos da
Crianças da Universidade de Yale. [Foto]
FIGURA SEM NÚMERO
Devido a um defeito de nascença que requeria que ela fosse alimentada através de um
tubo diretamente ligado ao estômago, Mônica nunca foi alimentada oralmente nem
segurada no colo enquanto era alimentada quando bebê. Quando ficou mais velha, ela
alimentava suas bonecas e, mais tarde, dava a mamadeira para sua filha, que não tinha o
mesmo defeito, colocando-as na mesma posição em que ela havia sido amamentada. A
persistência do seu comportamento singular reflete a importância duradoura da primeira
experiência de aprendizagem das crianças. [Duas fotos. Uma mostra uma bebê (Mônica)
deitada numa cama e uma enfermeira segurando uma seringa conectada por um tubo ao
umbigo da bebê. Nas segunda foto, uma mulher (Mônica), sentada com um bebê deitado
em suas pernas, segurando uma mamadeira na boca do bebê.]
FIGURA SEM NÚMERO
Jean Piaget, cujo trabalho teve uma influência profunda na psicologia do
desenvolvimento, observando crianças brincando. Lev Vygotsky, teórico de destaque do
papel da cultura no desenvolvimento, e sua filha. [Foto]
FIGURA SEM NÚMERO
Lev Vygotsky, teórico de destaque do papel da cultura no desenvolvimento, e sua filha.
[Foto]

CONCEITO
teoria Uma estrutura ampla ou um conjunto de princípios que pode ser usado para
orientar a coleta e a interpretação de um conjunto de teorias.
endógeno O termo aplicado a causas de desenvolvimento que surgem como uma
conseqüência da herança biologia do organismo.
maturação Uma seqüência de mudanças que são fortemente influenciadas pela herança
genética e que ocorrem quando o indivíduo fica mais velho.
exógeno O termo aplicado a causas de desenvolvimento que vêm do ambiente,
particularmente dos adultos, que moldam o comportamento e as crenças das crianças.
aprendizagem O processo pelo qual o comportamento de um organismo é modificado
como resultado da experiência.

ESTE LIVRO E O CAMPO DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

Devido à falta de uma teoria do desenvolvimento amplamente aceita que unifique o


campo, este livro adota uma abordagem integradora que possibilita apresentar e avaliar
diferentes abordagens teóricas de uma maneira sistemática. E como o desenvolvimento
é um processo que emerge com o tempo, este livro também adota uma abordagem
cronológica como a melhor maneira de entender o processo envolvido.
Entretanto, contar a história do desenvolvimento cronologicamente apresenta duas
grandes dificuldades. A primeira é como segmentar a história do desenvolvimento em
períodos específicos e quanta importância atribuir a cada um desses períodos. A
segunda é como manter o acompanhamento dos muitos aspectos do desenvolvimento
que estão ocorrendo simultaneamente, como descrever as maneiras em que se associam
e recombiná-los para constituir uma pessoa inteira e viva.
Nossa solução para essas dificuldades tem sido adotar uma perspectiva que proporcione
uma maneira determinante de observar os períodos da infância e, ao mesmo tempo,
enfatizar a ação simultânea de muitos fatores. Essa perspectiva, desenvolvida por
Robert Emde e sua equipe (Emde et ai., 1976), enfatiza mudanças fundamentais que se
processam por meio de etapas ou estágios, às quais eles referem como "mudanças
biocomportamentais" - pontos no desenvolvimento em que a interação da maturação
biológica e das mudanças comportamentais resulta em uma reorganização do
funcionamento da criança. O protótipo para essa mudança é a transição que ocorre
quando, dos dois e meio aos três meses de idade, os bebês primeiro fazem um contato
concentrado com õ olho e sorriem em resposta ao sorriso da outra pessoa. Esse primeiro
sorriso recíproco cria uma nova qualidade de contato emocional entre o bebê e os pais e
é reconhecido, em várias sociedades, como um indicador de um novo estágio de
desenvolvimento. Não há uma causa para o sorriso recíproco. Ele surge a partir de
mudanças que ocorrem nas fibras neurais que conectam o olho com o cérebro, do
aumento da densidade das células na retina do olho, da presença de adultos prontos para
sorrir para a criança e da resposta emocional especial que essa nova forma de conexão
evoca. Emde e seus colegas referem-se a esse tipo de transição como uma mudança
biocomportamental porque a reorganização resultante do funcionamento da criança
emerge da interação de fatores biológicos e comportamentais.
Ao adotar a idéia de uma mudança biocomportamental, acrescentamos a dimensão
social do desenvolvimento, porque, como observam Emde e sua equipe, toda mudança
biocomportamental envolve uma mudança no relacionamento entre as crianças e seus
mundos sociais. Como indica o início do sorriso social, as crianças não somente
experimentam de novas maneiras o ambiente social como um resultado das mudanças
em seu comportamento e composição biológica, mas também são tratadas de maneira
diferente por outras pessoas. Por isso, usamos o termo mudança
biossociocomportamental para nos referirmos a pontos de transição importantes no
desenvolvimento, durante os quais uma convergência de mudanças biológicas, sociais e
comportamentais dão lugar a formas distintamente novas de comportamento. (A Tabela
1.2 esboça as mudanças biossociocomportamentais que parecem proeminentes no
desenvolvimento da criança desde a concepção até a idade adulta). Embora nem todos
os pontos de mudança tenham sido igualmente bem estabelecidos, eles proporcionam
um meio proveitoso de organizar as discussões do desenvolvimento porque requerem
que consideremos tanto as fontes de mudança quanto as

61
evidências relacionadas à continuidade e à descontinuidade desenvolvimental de uma
maneira sistemática.
Além disso, levamos em conta como o contexto cultural das crianças influencia na
velocidade e na organização não somente das mudanças biossociocomportamentais, mas
dos processos de desenvolvimento em todas as idades. Desde as primeiras horas de
vida, as concepções culturais do que as crianças são e o que o futuro lhes reserva
influenciam a maneira como os pais interpretam o comportamento de seus filhos e
molda a sua experiência. Por exemplo, pais que acreditam que os homens têm de ser
agressivos e rudes para sobreviverem no mundo têm maior probabilidade de tratar seus
filhos meninos diferentemente do modo como os tratam aqueles pais que acreditam que
a agressão dos homens seja um problema. E como já mencionamos, em alguns casos, o
momento, as condições sociais e até mesmo a ocorrência de um período evolutivo
podem ser fortemente influenciados por fatores culturais (Rogoff, 1998; Whiting,
Burbank e Ratner, 1986).
O conceito de mudanças biossociocomportamentais ajusta-se razoavelmente bem à uma
convenção tradicional que divide o tempo entre a concepção e o início, da idade adulta
em cinco períodos amplos: o período pré-natal, o período até os dois anos e meio, a
primeira infância, a segunda infância e a adolescência. Cada período recebeu uma parte
importante deste livro. Dentro dessa estrutura cronológica, nosso objetivo é deixar claro
como os aspectos biológicos, sociais, comportamentais e culturais

62
fundamentais do desenvolvimento estão entrelaçados no processo de mudança de um
período para o seguinte. O livro subdivide o período que se estende até os dois anos e
meio, no qual a mudança é particularmente rápida, em três subperíodos, marcados por
importantes transições em que emergem formas de comportamento distintivamente
novas e significativas.
Nossa adoção de uma estrutura biossociocomportamental para o estudo do
desenvolvimento não implica um compromisso com uma teoria de estágios rígidos. Ao
contrário, proporciona uma maneira sistemática de ter em mente o jogo de forças
intrincado que se combina para produzir desenvolvimento. Também não implica uma
"direção de causalidade" uniforme das características biológicas do indivíduo para os
fatores sociais e culturais ou qualquer outra coisa. Em vez disso, enfatiza a natureza
emergente da mudança e o incessante interjogo entre as fontes de desenvolvimento
biológicas, sociais, individuais e culturais.
Através dos capítulos que se seguem, as questões mais amplas do desenvolvimento que
cativaram Itard e seus contemporâneos são temas de recorrência constante. O que nos
torna humanos? Pode a nossa natureza ser remodelada pela experiência, ou as
características inscritas em nossos genes por ocasião da concepção são relativamente
fixadas? Podemos usar o nosso conhecimento do desenvolvimento para nos

63
ajudar a planejar nosso futuro e a guiar o crescimento de nossos filhos? É pouco
provável que essas perguntas sejam satisfatoriamente respondidas, até que e a menos
que, emerja uma teoria unificada do desenvolvimento. Como as questões são muito
complexas e o conhecimento do campo ainda é limitado, tentamos delinear cada
capítulo para mostrar os fatos básicos, os métodos e as teorias de uma maneira que
possa ajudar o leitor a pensar proveitosamente sobre as questões fundamentais da área
de psicologia do desenvolvimento.

FIGURA SEM NÚMERO


As abordagens culturalistas prestam atenção especial às variações no desenvolvimento
das crianças decorrentes das diferenças nas partes do ambiente provocadas pelo homem.
[Foto]
FIGURA SEM NÚMERO
Nos Sudas Menores da Indonésia, uma menina trabalha ao lado de sua mãe e avó,
processando algodão para ser fiado. [Foto]
FIGURA SEM NÚMERO
No México, crianças pequenas brincam perto de onde mulheres de sua família
trabalham. [Foto de duas garotas trabalhando ao lado de uma mulher.]
FIGURA SEM NÚMERO
Estas crianças estão brincando sozinhas em frente ao prédio onde moram, na cidade de
Nova York. [Foto]
CONCEITOS
mudança biossociocomportamental. Um ponto de transição do desenvolvimento durante
o qual as mudanças biológicas, sociais e comportamentais convergem para causar
formas distintamente novas de comportamento.
TABELA 1.2 MUDANÇAS BIOSSOCIOCOMPORTAMENTAIS SIGNIFICATIVAS
NO DESENVOLVIMENTO
 Ponto de mudança
-Concepção: o material genético dos pais combina-se para formar um indivíduo único.
-Nascimento: transição para a vida fora do útero.
- 2 1/2 meses: formação das conexões cerebrais corticais e subcorticais; sorriso social;
nova qualidade do sentimento maternal.
- 7 a 9 meses: consciência da novidade; medo de estranhos; ligação.
-Final da terceira fase do bebê (24 a 30 meses): linguagem gramatical.
- 5 a 7 anos: responsabilidade para a realização de tarefas sem a supervisão de um
adulto; instrução deliberada.
- 11 a 12 anos: maturação sexual.
- 19 a 21 anos: responsabilidade primária sobre si mesmo e criação da próxima geração.
 Novo período desenvolvimental
-Concepção: Período pré-natal: formação dos órgãos básicos.
-Nascimento: Primeira fase do bebê: tornando-se adaptado ao ambiente.
- 2 1/2 meses: Segunda fase do bebê: aumento da memória e da capacidade sensório-
motora.
- 7 a 9 meses: Terceira fase do bebê: pensamento simbólico; diferenciação do self.
-Final da terceira fase do bebê (24 a 30 meses):Primeira infância (2a a 6 anos): níveis
desempenho variados; identidade de papel sexual; jogo sociodramático.
- 5 a 7 anos: Segunda infância: atividade em grupo de pares; jogos baseados em regras;
instrução sistêmica.
- 11 a 12 anos: Adolescência: atividade social orientada pelos sexos; integração da
identidade; raciocínio formal.
- 19 a 21 anos:Idade adulta (19 + ).

RESUMO
- O estudo do desenvolvimento da criança é o estudo das mudanças por que as crianças
passam desde o momento da concepção até se tornarem adultas.
PRIMEIRAS INVESTIGAÇÕES
I Um dos primeiros esforços no estudo do desenvolvimento da criança envolveu o
trabalho de Jean Marc Itard com o Menino Selvagem de Aveyron. Esse caso incomum
colocou questões fundamentais sobre a natureza humana.
1. O que distingue os humanos dos outros animais?
2. Como seríamos se crescêssemos isolados da sociedade?
3. Em que grau somos o produto da nossa criação e experiência, e em que grau o nosso
caráter é o produto de traços inatos?
- Tanto a fé de Itard na promessa de métodos científicos para resolver questões
persistentes sobre a natureza quanto muitas de suas técnicas específicas serviram de
modelo para o estudo científico do desenvolvimento humano.

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- A ascensão inicial da disciplina da psicologia desenvolvimental está intimamente
ligada às mudanças sociais realizadas pela Revolução Industrial, que alteraram
fundamentalmente a natureza da vida familiar, da educação e do trabalho.
- A tese de Darwin de que os seres humanos se desenvolveram a partir de espécies
previamente existentes aumentou o interesse científico pelas crianças, inspirando os
cientistas a estudá-las em busca de evidências da evolução.
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO MODERNA
- Os psicólogos do desenvolvimento modernos estudam as origens do comportamento
humano e a seqüência das mudanças físicas, cognitivas e psicossociais que as crianças
sofrem à medida que vão crescendo.
- Uma tarefa importante dos psicólogos do desenvolvimento é aplicar o conhecimento
que adquirem para a promoção do desenvolvimento saudável.
QUESTÕES FUNDAMENTAIS DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
- Muitas questões científicas e sociais sobre o desenvolvimento giram em torno de três
preocupações fundamentais:
1. O processo do desenvolvimento é gradual e contínuo ou é marcado por
descontinuidades abruptas, por meio de etapas ou estágios?
2. Como os aspectos inatos e o ambiente interagem para produzir desenvolvimento?
3. Como as pessoas desenvolvem características estáveis que as diferenciam umas das
outras?
- As questões sobre a continuidade ramificam-se em aspectos mais específicos:
1. Até que ponto somos parecidos e diferentes de nossos vizinhos do reino animal?
2. O desenvolvimento envolve o acúmulo gradual de pequenas mudanças quantitativas
ou há estágios de desenvolvimento qualitativamente distintos?
3. Há períodos críticos no desenvolvimento?
- As questões sobre as fontes de desenvolvimento deram origem a pontos de vista
concorrentes sobre as contribuições da biologia (natureza) e do ambiente (educação)
para o processo do desenvolvimento.
- O problema das diferenças individuais concentra-se em duas questões:
1. O que torna os indivíduos diferentes um do outro?
2. Até que ponto as características individuais são estáveis no decorrer do tempo?
A DISCIPLINA DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
- Os psicólogos do desenvolvimento usam vários métodos de coleta de dados em seus
esforços para conectar teorias abstratas às realidades concretas da experiência cotidiana
das pessoas. Esses métodos são delineados para garantir que os dados usados para
explicar o desenvolvimento sejam objetivos, confiáveis, válidos e passíveis de
replicação.
- São proeminentes entre os métodos de coleta de dados usados pelos psicólogos do
desenvolvimento: (a) auto-relatos, (b) observação naturalista, (c) experimentação c (d)
entrevista clínica.
- Os dclineamentos de pesquisa que incluem comparações entre crianças de idades
diferentes permite aos pesquisadores estabelecer relações entre os fenômenos do
desenvolvimento.
Alguns delineamentos de pesquisa básicos são:

65
1. Delineamentos longitudinais - as mesmas crianças são estudadas repetidamente
durante um período de tempo.
2. Delineamento transversal - diferentes crianças de várias idades são estudadas ao
mesmo tempo.
3. Delineamentos seqüenciais da coorte - o método longitudinal é repetido com várias
coortes, cada uma delas estudada longitudinalmente.
4. Delineamentos microgenéticos - as mesmas crianças são estudadas repetidamente
por um espaço de tempo curto durante um período de mudança rápida.
- Nenhum método ou delineamento de pesquisa pode fornecer as respostas para todas as
questões que os psicólogos do desenvolvimento procuram resolver. A escolha do
delineamento da pesquisa depende da questão específica que está sendo tratada.
- A teoria desempenha um papel importante na psicologia do desenvolvimento,
proporcionando uma abordagem conceituai ampla dentro da qual os métodos e os
delineamentos de pesquisa são organizados e os fatos podem ser interpretados.
- Quatro abordagens teóricas importantes organizam uma grande proporção da pesquisa
do desenvolvimento da criança:
1. Segundo a abordagem da maturação biológica, as fontes do desenvolvimento são
fundamentalmente endógenas, originando-se da herança biológica do organismo.
2. De acordo com as teorias da aprendizagem, a mudança do desenvolvimento é
provocada principalmente por fatores exógenos que surgem no ambiente.
3. De acordo como construtivismo, o desenvolvimento surge da adaptação ativa do
organismo ao ambiente. Os papéis dos fatores ambientais e biológicos são de igual
magnitude.
4. Da mesma forma que o construtivismo, o culturalismo atribui importância tanto aos
fatores biológicos quanto aos fatores ambientais do desenvolvimento, mas também
enfatiza que as interações a partir das quais o desenvolvimento emerge são,
fundamentalmente, moldadas pelos padrões de vida que compõem a cultura de qualquer
grupo dado.
ESTE LIVRO E O CAMPO DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
- O conceito da mudança biossociocomportamental destaca as maneiras pelas quais os
fatores biológicos, sociais e comportamentais interagem em um contexto cultural para
produzir mudança desenvolvimental. Ter sempre em mente esses fatores nos ajuda a
manter um quadro do desenvolvimento integral da criança.

PALAVRAS-CHAVE
amostra representativa, p. 38
aprendizagem, p. 57
auto-relato, p. 39
biografia do bebê, p. 39
confiabilidade, p. 38
coorte, p. 50
correlação, p. 43
cultura, p. 30
delineamento longitudinal, p. 49
delineamento seqüencial da coorte, p. 51
experimento, p. 43
filogenia, p. 30
grupo-controle, p. 44
grupo experimental, p. 44
hipótese científica, p. 43
maturação, p. 56
método clínico, p. 47
método microgenético,p. 52
mudança biossociocomportamental, p. 60
natureza, p. 35
66
delineamento transversal, p. 49
desenvolvimento da criança, p. 28
ecologia, p. 40
educação, p. 35
endógeno, p. 55
estágios de desenvolvimento, p. 31
etnógrafos, p. 40
etologia, p. 40
exógeno, p. 57
nicho desenvolvimental, p. 41
objetividade, p. 38
observação naturalista, p. 39
ontogenia, p. 31
período crítico, p. 33
período sensível, p. 35
replicabilidade, p. 38
teoria, p. 54
validade, p. 38
QUESTÕES PARA PENSAR
1. Usando argumentos das quatro perspectivas teóricas descritas neste capítulo, dê
quatro explicações possíveis para o comportamento do Menino Selvagem de Aveyron.
2. Partindo da sua experiência, dê um exemplo de como o estudo científico do
desenvolvimento da criança tem afetado a maneira como estão sendo criadas as crianças
da geração atual.
3. Você tem alguma pergunta a fazer sobre o desenvolvimento das crianças? Como
acha que os cientistas podem conseguir achar a resposta?
4. Relacione três maneiras pelas quais a pessoa que você era aos cinco anos de idade se
diferenciava da pessoa que você era aos 15 anos de idade. Rotule essas diferenças como
qualitativas ou quantitativas.
5. Relacione duas maneiras importantes nas quais você se parece com seu melhor
amigo e duas maneiras importantes em que vocês são diferentes. Que fatores causais
você acredita serem fundamentalmente responsáveis por cada uma dessas semelhanças e
diferenças?

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