E DIÇÃO

X IV

JORNAL

Ano 2023-2024 • RECIFE – PE

NÓS, ESPELHOS DO MUNDO!

“AS DESIGUALDADES NÃO SÃO GERADAS POR FALTA
DE RECURSOS, MAS PELA CONCENTRAÇÃO DESTES”
CADERNO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES - REALIDADE BRASILEIRA E
QUESTÃO REGIONAL CULTURA, BÁSICA E TRABALHO.

É um tema duro, desafiador, que nos riedade e acolhimento permearam os

convida a “abrir janelas” para a realida-
de em volta, a nos aproximar de outros
mundos, outras vidas, ver os contrastes,
indagar sobre as causas das desigualdades,
estimular ações que permitam às crianças
pensarem e enxergarem o outro.
Daí o título escolhido, “Nós, espe-
lhos do mundo”. Um chamado para a
pergunta: qual o nosso papel diante das
desigualdades?
Vimos em vídeo de uma pesquisa* que
crianças e pré-adolescentes são sensíveis
às discriminações, injustiças ou desigual-
dades. Pensamos com este tema reforçar,
manter viva esta tendência natural de
nossas crianças e jovens e promover
uma reflexão sobre princípios básicos de
justiça social.
As escolhas dos subtemas dos projetos
por turmas buscaram uma abordagem
de apresentação dos direitos – o brincar,
o morar, a construção da cidadania, as
diferenças entre gêneros, faixas etárias,
raças, formas de vida.
De forma cuidadosa foram apresen-
tadas para as crianças outras realidades,
culturas e hábitos de crianças e adultos.
E vimos que os conceitos de alteridade,
diversidade, empatia, partilha, solida-
trabalhos.
Em meio às discussões, um aluno levan-
tou o seguinte questionamento. “Se está
na lei, então, por que tem tanta gente mo-
rando debaixo do viaduto ou nas ruas?”
Assim, os/as alunos/as conheceram
diversos tipos de moradias, sua importân-
cia. Todos têm direito à moradia?
Se o brincar é primordial e estrutura-
dor, pesquisamos sobre as brincadeiras
das crianças pelo mundo, indagando se
todos e todas podem e têm direito ao Representação
brincar. Da mesma forma as desigual- dos instrumentos
da Orquestra
dades de oportunidades entre gêneros e Criança Cidadã
raças.
O tema oportunizou o acesso das tur-
mas à Declaração dos Direitos Humanos
e sua importância; o debate sobre con-
ceitos como desigualdade social; classes
sociais; cidadania.
Entendemos que não naturalizar as
desigualdades e injustiças é uma tarefa de
todos/as, e a escola é um desses lugares “SE VOCÊ É
onde a mudança pode ocorrer. Se a escola NEUTRO EM
não puder ser um espaço de construção SITUAÇÕES DE
de relações igualitárias, de tolerância à di- INJUSTIÇA, VOCÊ
ferença, de pensamento crítico, ela serve a ESCOLHE O LADO
que modelo de sociedade?
DO OPRESSOR”
*Sindicato do Setor Financeiro da Noruega, 2018
DESMOND TUTU

EDITORIAL Escola Arco-Íris TEXTOS POR Jefte Amorim, Andrea Trigueiro (comunicacaodialogica.com) e Maria Edite escolaarcoirisrecife
Costa Lima FOTOGRAFIA Arquivo Escola Arco-Íris, Jefte Amorim, Victorio Urgiette, Ascom Orquestra Criança Cidadã,
Benigna Holanda, Pedro Luna DESIGN Stella Paes CONTATO @escolaarcoirisrecife / contato@escolaarcoirisrecife.com.br /
(81)3271-2485 ENDEREÇO Rua Mendes Martins, 92 – Várzea – Recife/PE. CEP: 50741-040
TANTA CASA DIFERENTE, MAS
Construindo casas de papelão
BRINCAR, TODO TEMPO
E EM QUALQUER LUGAR!
Brincando de escolher roupas e fantasias
Quem aí gosta de brincar? O brincar é
uma ação natural da criança, fundamental
para o pleno desenvolvimento infantil e
um direito fundamental. E, além disso, é
tema do projeto do Grupo 2 da manhã,
orientado pela professora Rosivânia Silva.
A ideia surgiu a partir do documentário
“O território do brincar”, que destaca
a importância do brincar livre, tanto
quanto do brincar dirigido. Brincar é um
direito de toda criança. Foi então que
surgiu a proposta: que tal envolver toda a
comunidade em brincadeiras, trazendo cada
família para compartilhar suas vivências e
mostrar como costumam brincar em casa?
A partir disso, as crianças têm refletido:
Todos e todas têm o direito de brincar?
O MELHOR É A CASA DA GENTE
Moradia é um direito constitucional e
um direito humano. No entanto, no Brasil,
5,8 milhões de pessoas não têm onde
morar, segundo pesquisa da Fundação João
Pinheiro. Afinal, tem lugar melhor que
uma casa que nos acolhe e nos faz sentir
segurança e pertencimento?
Seguindo essa reflexão, a turminha
do Grupo 1 da tarde tem trabalhado, de
forma lúdica e sensível, esse tema, com
orientação da professora Benigna Holanda.
A partir da obra “A família”, de Tarsila
do Amaral, o grupinho criou pinturas
inspiradas na autora e foi convidado a
falar sobre com quem moravam e como
era a casa em que moravam. Além de se
divertirem, as crianças demonstraram
Todas as crianças gostam de brincar?
Para me divertir preciso de brinquedos?
Para desvendar essas questões, a turma
tem passeado pelas brincadeiras do
imaginário popular brasileiro e convidado
cada família para, semanalmente,
levarem suas memórias de brincadeiras e
demonstrarem como costumam brincar
em casa. E para coroar as aprendizagens,
essa turminha está preparando a
confecção de um miniparque de
diversões, inspirada nos estudos e numa
visita de campo à Praça da Várzea, e irá
aprender mais sobre o brincar como
um direito humano a partir do livro
“Declaração Universal dos Direitos
Humanos”, de Ruth Rocha.
interesse em saber mais sobre as diferenças
nas composições familiares e moradias
das e dos coleguinhas. A estória dos “Três
Porquinhos” também foi um gancho para
o tema, com os materiais que escolheram
para construir suas casas.
Agora, após essas vivências, as crianças
estão desvendando outras realidades
sociais e culturais para compreender:
Que tipos de moradia existem? Todas as
pessoas têm o mesmo tipo de casa? Em
que condições vivem diferentes pessoas ao
redor do mundo? Iglu, tenda, pau-a-pique,
palafita: o que tudo isso tem em comum?
Cada uma, embora, muito diferente, é a
moradia de alguém. Afinal, há “Tanta casa
diferente, mas o melhor é a casa da gente!”
ORQUESTRA CRIANÇA C
O SOM DA CIDAD
A turma e os participantes da OCC
Que a música tem um poder
transformador e inúmeros benefícios à
saúde e desenvolvimento, a ciência já
têm extensiva comprovação. Mas quando
seu som rima com o fortalecimento da
cidadania, tudo fica melhor! A partir de
uma conversa sobre músicas de carnaval,
a turma do 4º ano da tarde demonstrou
interesse em saber o que eram orquestras,
quais instrumentos as compunham e como
funcionavam. Foi daí que, alinhando o
interesse ao tema anual da escola, a turma
se envolveu, com orientação da professora
Sydia Silva, na construção do projeto
“Orquestra Criança Cidadã: o som da
cidadania?”. A proposta investiga a relação
entre música e efetivação da cidadania,
na perspectiva dos direitos humanos, a
partir da experiência da Orquestra Criança
Cidadã (OCC), que atende 400 crianças e
adolescentes do Coque (Recife/PE) e dos
municípios de Ipojuca e Igarassu.
A partir de visitas à sede da Orquestra
e às oficinas de luthieria e archeteria
 QUAL A COR DA DESIGUALDADE?
Qual cor é cor de pele? Historicamente,
o lápis rosa claro foi apelidado de “cor-
de-pele”, revelando um imaginário social
que exclui toda a diversidade de tons de
pele humanos – especialmente de pessoas
negras, indígenas, árabes e outras etnias
não-brancas. Uma convenção que ajuda a
perpetuar discriminações e preconceitos
e que demonstra a trajetória de racismo
presente em nossa sociedade. Mas, como
quebrar esse ciclo de forma didática?
Foi para atender a esse questionamento
que surgiu o projeto “Qual a cor da
desigualdade?”, do 2º ano da tarde,
orientado pela professora Ana Paula
Santos.
A proposta do projeto é refletir
CIDADÃ:
DANIA
(construção e manutenção de
instrumentos de cordas e de arcos),
o grupo conclui que o projeto OCC
confere cidadania a seus participantes.
Além de conhecer de perto os
instrumentos que compõem uma
orquestra; viram como acontece a
formação musical; o que é a OCC
e quais seus objetivos; qual o perfil
sociodemográfico das pessoas atendidas
pelo projeto; como são desenvolvidas as
atividades; quais os impactos percebidos
pelo projeto nas crianças e adolescentes
participantes. Com base nessas questões,
o grupo tem desenvolvido melhor a
compreensão sobre desigualdades sociais
e sobre a cultura como um direito
humano, vinculando as experiências
empíricas e pesquisas com a leitura do
livro “O que são classes sociais”, da
Equipe Plantel.
Como produto dessa rica experiência, a
turma tem explorado produções textuais
sobre o assunto, experimentando diversos
gêneros literários; sistematizando dados
de pesquisa, compreendendo melhor
o perfil dos e das participantes do
projeto, e comparando com dados sobre
desigualdade social no Brasil e criando
um mapa da desigualdade no País. Tem,
ainda, construído um dicionário de
descobertas, catalogando e explicando
termos antes desconhecidos, relacionados
ao campo social e ao universo da música
e das orquestras. Muito legal, não é?!
sobre relações étnico-raciais, buscando a
superação de preconceitos e a construção
e relações sociais justas, saudáveis e
equânimes. Como parte do processo, a
turma foi provocada, a partir do projeto
Humanae, da artista Angélica Dass, a
mapear os tons de pele da comunidade
escolar (estudantes, famílias e profissionais
da escola), criando gráficos com os
achados. Também passeou pelos países
de maioria não-branca, conhecendo um
pouco de sua cultura e da diversidade
étnica do nosso planeta. Além disso,
desenvolveu uma pesquisa sobre racismo e
demografia e saiu a campo para entrevistar
pessoas sobre o tema, desenvolvendo um
experimento para verificar reações sociais
relacionadas ao quesito raça-cor.
DESTAQUES
Pedrinho, nosso campeão
Nosso estudante Pedro Castro, do 6º ano,
ganhou destaque nacional nos Esportes!
Na primeira competição de sua vida, Pedro
garantiu 3 medalhas de ouro durante a
etapa Norte/Nordeste das Paralimpíadas
Escolares, realizada em Belém/PA. Ele
se destacou na corrida (150m e 60m) e
lançamento. Parabéns, Pedro!
Conversa com Rosa: ancestralidade,
diferenças, preconceito e racismo
Como resultado, essa turma está
produzindo dois dicionários especiais:
um com expressões discriminatórias
presentes em nosso cotidiano, como
“ovelha negra” e “nega maluca” e outro
com a etimologia de palavras de nosso
vocabulário que têm origem africana.
Afinal, tem modo melhor de enfrentar
o preconceito que com conhecimento,
empatia e cuidado humano?
Nossos alunos saudados em Brasília
Temos uma saudação especial para a
professora Gisele Vidal e estudantes do 7º
ano de 2022 pelo sucesso da pesquisa sobre
microplásticos, “O menor maior problema
do mundo”. A qualidade e rigor científico
do trabalho levou o projeto a vencer a Feira
Ciência Jovem/2022, uma das principais
da América Latina; motivou o convite
para participar da Mostra Nacional de
Feiras de Ciências do CNPq, em Brasília,
quando foi selecionado para retornar
à capital federal na Semana Nacional
de Ciência e Tecnologia, do Ministério
da Ciência e Tecnologia. Finalmente, o
credenciou para a MOSTRATEC 2023,
Feira Nacional de Ciência e Tecnologia no
Rio Grande do Sul. Ficamos felizes com
esse reconhecimento, que revela o trabalho
cuidadoso de valorização da Ciência que já
é marca da Escola Arco-Íris! Um viva!
 TRILHAS DA HISTÓRIA
Final da encenação do Projeto Trilhas da História
Quem conhece, ama o Trilhas da
História! Uma das experiências inter
e transdisciplinares mais longevas da
nossa escola, o projeto tem como eixo os
estudos da pré-história com estudantes
do 6º ano e envolve as disciplinas de
História, Linguagens (Língua Portuguesa e
Língua Inglesa), Artes, Geografia, Teatro e
Ciências. Partindo de uma visão de ensino
da História como análise das mudanças
e permanências através do tempo,
anualmente o projeto escolhe um local do
Nordeste com registros pré-históricos para
ser o ponto focal da experiência, que inclui
uma visita de campo e produção de uma
“Em todo o colégio que a gente cuida e
faz na cidade, eu tenho o sentimento de
como eu me sentia e de como eu aprendia
na Arco-Íris. Um colégio que estimula a
capacidade crítica, de diálogo, do bom
debate, que valoriza o conhecimento em to-
das as suas dimensões. Isso se traduzia nas
experiências, nas feiras de ciências, nas au-
las de campo, nas visitas a várias cidades e
realidades, trazendo essas experiências para
a sala de aula. É uma alegria grande ver
essa instituição, que tem tantos anos, poder
seguir de geração em geração formando
pessoas e contribuindo com a construção
de uma cidade melhor, mais justa e mais
democrática.” - João Campos, ex-aluno e
atual prefeito do Recife.
DEPOIMENTOS
apresentação em multilinguagens. Este
ano, a escolha foi o Vale do Catimbau,
buscando compreender a vida dos
paleoindígenas nordestinos, identificando
e valorizando manifestações ancestrais
ainda presentes na cultura atual, com
respeito aos habitantes das regiões
visitadas.
Os trabalhos iniciam com pesquisas e
definição de objetivos de aprendizagem
em sala. Cada disciplina aborda, de forma
integrada, uma dimensão da experiência.
Durante a viagem, estudantes vivenciam
experiências de relaxamento e reflexão e
também registram suas observações em
diários de campo.
O Projeto envolveu a análise de
documentos históricos, como as
inscrições, os registros escritos e
audiovisuais do local; o mapeamento
das paisagens percorridas, observando
relevo, vegetação e clima; o estudo das
características do solo e o processo de
fossilização; a confecção de carimbos e
produções em estamparia; a montagem
“Eu queria que todos os adolescentes
que eu recebo tivessem vindo da Escola Ar-
co-Íris. É o melhor lugar do mundo! Para
quem não conhece a escola e quer saber o
que é uma escola de verdade, venha ver o
projeto da Escola Arco-Íris. É uma escola
que entende o seu filho, seu neto, no senti-
do macro do processo e vai se preocupar
com tudo que essa criança precisa para ser
criança de verdade, para ser adolescente
de verdade, e fazer a diferença na socie-
dade. Se for só para a internet saber, é
impossível; você tem que pisar neste lugar
e sentir este lugar. É um projeto no qual
eu acredito muito!” - Fernanda Pessoa, avó
Arco-Íris e referência em preparação para
o ENEM.
de uma proposta cênica a partir da
reflexão sobre a presença dos povos
originários do Brasil e dos ataques
históricos desde a colonização; a
construção de perfis das pessoas que
conheceram na viagem e um guia
focado em Introduction and Greetings
e Conversation; além da produção de
relatos de viagem em textos, que foram
transformados em Vlog.
Como resultado final, diante do
contexto vivenciado pelo país, a
apresentação de culminância do projeto
elegeu como tema o Marco Temporal,
posicionando-se pelos direitos dos povos
originários do país. A interpretação
teatral enfocou a temática, exibindo uma
faixa contra a tese do Marco Temporal
ao final da encenação e a leitura de um
Manifesto elaborado pelos estudantes.
Pela repercussão positiva entre as
famílias, além de ocupar o espaço da
escola, como tradicionalmente ocorre, a
encenação ganhou também uma sessão
pública, no Largo da Igreja da Várzea.
“Falar da Escola movimenta camadas
multicoloridas e profundas em mim.
Lembro de tudo como uma chamada para a
ação e os sentidos, pois foi um convite para
um convívio comunitário e afetuoso, para
um baile caudaloso de cultura onde me
entendi com o poder de afetar o mundo.
Durante 14 anos vivi a ideia de escola como
um corpo vivo com membros familiares e
muito encantamento, o que representou
a vivência de uma vila inteira. As salas
abertas de tantos perfumes, as cantigas po-
pulares e os pátios verdes como um pulmão
para a fantasia: esconderijos, danças, araçá
colhido no pé, o lanche coletivo de tia Elza,
minifoguetes no laboratório. Como um
arco-íris de tantas cores e matizes, foram
também muitas investigações e excursões
para outras fronteiras. Me lembro especial-
mente das olimpíadas de astronomia que
me fizeram despertar para as estrelas e me
apresentaram o mundo para além daquela
vila: tão gigante, diverso e precioso.” - Clara
Simas, artista visual e designer