Você está na página 1de 12

18/07/2022 19:21 UNINTER

ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA
DA EDUCAÇÃO
AULA 1

 
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 1/12
18/07/2022 19:21 UNINTER

Prof. Everson Araujo Nauroski

CONVERSA INICIAL

Você já se perguntou o que nos faz humanos? Essa


pergunta tem motivado cientistas de

diferentes áreas, mas principalmente


antropólogos e sociólogos têm se esforçado para explicar a

complexidade que
envolve o fenômeno humano. Nesta aula iremos mergulhar no fenômeno mais

antigo
e universal que acompanha a história das sociedades humanas, a educação.

Desde tempos imemoriais, de geração em geração a


experiência acumulada tem sido transmitida
a fim de assegurar não somente a
sobrevivência da espécie humana, mas seu progresso e

desenvolvimento. Ao estudarmos os
aspectos antropológicos da educação, podemos compreender

as características e
diferenças em relação a como os humanos transmitiam suas tradições e

conhecimentos acumulados. Com o passar do tempo, as experiências acumuladas


permitiram

diversas transformações nos comportamentos e nas formas de


organização dos humanos. Como

bem pontuou Harari (2015), o Homo sapiens


vivenciou uma revolução cognitiva que revolucionou de

diferentes maneiras
nossas formas de interagir com a natureza e nossos semelhantes.

TEMA 1 – EXISTE UMA NATUREZA HUMANA?

Desde o domínio do fogo, a invenção da roda, o


desenvolvimento da agricultura, até os

diferentes saltos de evolução


tecnológica, rumo ao que vivemos na atualidade, a resposta aos

desafios e
necessidades do ser humano tem vindo principalmente por meio de sua atividade
de

transformação da natureza e produção de sua sobrevivência.

Se podemos falar em uma natureza humana, precisamos


ter o devido cuidado de contextualizar

a partir de que olhar estamos falando.


Poderia ser o olhar do biólogo para quem o ser humano

poderia ser explicado


como um organismo complexo, uma organização de bilhões de células, um

conjunto
de sistemas e subsistemas que formam um todo orgânico funcional. Seria uma

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 2/12
18/07/2022 19:21 UNINTER

possibilidade de definição, mas isso também dependeria se o nosso hipotético


biólogo ainda segue

uma perspectiva teórica dentro da biologia. Ou seja, uma


possível definição do que seria a natureza

humana poderia ter variações


dependendo da filiação teórica do biólogo, se darwinista, materialista,

espiritualista (supondo que tais perspectivas sejam possíveis dentro da


biologia), havendo diferentes

concepções em torno da explicação do fenômeno


humano.

Figura 1 – DNA Humano

Crédito:
Vitstudio/Shutterstock.

Como um químico definiria a natureza humana? Um


conjunto de reações químicas em nível

molecular? E um físico? Um médico? Sabemos


que o DNA representa a unidade básica de construção

da biologia humana, que


estrutura nossas células, órgãos e tecidos, e que, embora muita coisa possa

ser
explicada  a partir dos conhecimentos acumulados sobre o genoma humano, no
campo da

cultura estamos num terreno diferente, sendo necessária a contribuição


das ciências humanas para

que nossa compreensão do humano seja aprofundada.

A visão de um filósofo e metafísico poderia definir a


natureza humana como uma substância

racional, cuja inteligência é a


manifestação de uma das faculdades da alma. Todavia, um filósofo

materialista
teria uma opinião bem diferente, assim como um niilista, ou um existencialista,
e as

perspectivas  poderiam aumentar na proporção das diferentes doutrinas


filosóficas. Essa pluralidade

de explicações sobre o fenômeno humano reforça o


quanto o assunto é complexo e aberto para

novas possibilidades de
interpretação.

Mas se existe uma natureza humana em nós como algo


dado, como uma essência que nos torna

o que somos, parece que nem sempre a


manifestação dessa natureza ocorre como esperado.

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 3/12
18/07/2022 19:21 UNINTER

TEMA 2 – AS MENINAS-LOBO

Talvez uma verídica e curiosa história possa nos


ajudar a pensar sobre a complexidade de se

definir e compreender o que seja a


categoria de natureza humana. Vejamos!

Na Índia, onde os casos de meninos-lobo


foram relativamente numerosos, foram descobertas em
1920, duas crianças, Amala
e Kamala, vivendo no meio de uma alcateia de lobos. A primeira tinha

um ano e
meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu
até 1929.
Não tinham nada de humano e seu comportamento era exatamente
semelhante àquele de seus

‘irmãos’ lobos. Elas caminhavam de quatro,


apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os

pequenos trajetos e sobre as


mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos. Eram incapazes de
permanecer
em pé. Só se alimentavam de carne crua. Comiam e bebiam como os animais,
lançando

a cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na instituição onde


foram recolhidas, passavam o
dia acabrunhadas e prostradas numa sombra. Eram
ativas e ruidosas durante a noite, procurando

fugir e uivando como lobos. Nunca


choravam ou riam. Kamala viveu oito anos na instituição que a

acolheu,
desenvolvendo alguns traços básicos do comportamento humano típico, como gestos
e
algumas palavras.  Necessitou de seis anos para aprender a andar e, pouco
antes de morrer, tinha

um vocabulário de apenas cinquenta palavras. Atitudes


afetivas foram aparecendo aos poucos.
Chorou pela primeira vez por ocasião da
morte de Amala e se apegou lentamente às pessoas que

cuidaram dela bem como às


outras com as quais conviveu. Sua inteligência permitiu-lhe

comunicar-se por
gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário rudimentar,
aprendendo a executar ordens simples. (Leymond, 1965, p. 12-14)

A situação descrita, além de curiosa e verdadeira, nos


choca de certa forma. Ora, se as meninas

eram humanas, por quais razões essa


humanidade não emergiu permitindo que ambas pudessem

ingressar no mundo da
cultura, da linguagem e da intersubjetividade? Esse questionamento

aparentemente ingênuo coloca em xeque a noção inatista de humanidade. O que


vulgarmente

chamamos de natureza humana não é algo inato, pronto e capaz de


emergir independentemente do

contexto e condições em que nasçam e vivam os


seres humanos. Talvez, inato seja somente nosso

potencial para nos tornarmos


humanos, um potencial acumulado em milhares de anos de evolução,

agora
condensado em nove meses de gestação.

 O filósofo Aristóteles nos ensina que nascemos da


espécie humana, mas a humanidade presente

em nós como potencial precisa ser


desenvolvida em cada um, daí a enorme importância que o

filósofo atribuía à
educação e à vida social. Contemporaneamente, poderíamos parafraseá-lo dizendo

que carregamos o DNA de nossos progenitores, ou seja, somos da espécie humana,


mas tornar-se

humano é um processo, uma conquista que recebe influência  das


circunstâncias em que nasce e se

desenvolve uma criança. Você concorda com essa


afirmação? Vamos pensar... meu gosto musical,
https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 4/12
18/07/2022 19:21 UNINTER

minha comida preferida, a fé que


professo, os valores em que acredito, o time pelo qual torço etc.

tiveram
influência do meio social em que vivo, das pessoas que convivo? Pense nisso.

TEMA 3 –  NOSSA PROTOHUMANIDADE

No mundo natural,
muitos dos mamíferos têm seu desenvolvimento em relação à sua

capacidade de
sobreviver, dentro do útero.

Figura 2 – Fêmea gnu e


seu filhote

Crédito:
Andreanita/Shutterstock.

Em se tratando de um filhote gnu, minutos depois do


seu nascimento ele já consegue ficar em

pé e acompanhar sua mãe, aliás sua


sobrevivência depende disso.   Ou seja, em relação a essa

espécie, assim como a


de vários outros mamíferos, o desenvolvimento intrauterino possibilita

garantir
o básico para sua sobrevivência após o nascimento.

Vamos agora observar a outra imagem logo abaixo.

Figura 3 – Mãe e seu


bebê

Crédito: In the Light Photography/Shutterstock.

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 5/12
18/07/2022 19:21 UNINTER

Diferente é a condição dos bebês humanos. A biologia


nos explica que o comportamento

humano típico depende em grande medida da


capacidade e do tamanho de nosso cérebro. No início

da gestação temos uma


cabeça grande em relação ao restante de nosso corpo. Por conta dessa

condição,
o período de gestação é insuficiente para um desenvolvimento capaz de garantir maior

autonomia como ocorre em outras espécies. Os bebês humanos ao nascerem são


totalmente

dependentes de seus cuidadores. Seu desenvolvimento dependerá de um


conjunto variado de

recursos e estímulos para que possa crescer sendo saudável.


Daí a importância fundamental do pré-
natal e depois nas fases de crescimento e
desenvolvimento do bebê.

Acho que você já percebeu aonde queremos chegar. O que


chamamos de natureza humana é na
verdade uma proto-humanidade recebida como
herança genética de nossa espécie e progenitores. O

contato com a família, os


processos iniciais de socialização e tudo que envolve a complexa relação
familiar entre adultos e crianças, a educação, a inserção na cultura, o
desenvolvimento das funções
superiores do cérebro, como linguagem e pensamento,
dependem crucialmente da qualidade da

socialização a que serão submetidos os


bebês e crianças.  

Isso não aconteceu com Amala e Kamala. Como foram


socializadas por lobos, de certa forma

elas se tornaram lobos, não


biologicamente como seria óbvio, mas na absorção dos trejeitos e
comportamentos
dos animais. O que deveriam ter recebido em termos de cultura originária,

cuidados e comportamentos de base para imitação simplesmente não estava disponível


a elas. O que
vulgarmente chamamos de natureza humana, no caso das meninas-lobo,
ficou latente, adormecida e

depois de um período sofreu atrofia, visto que o


ingresso pleno das duas no mundo humano foi
obstaculizado, conforme pudemos ver
no relato. Somente os rudimentos da humanidade como

sociabilidade típica de
humanos emergiu. Isso graças ao período em que passaram sendo cuidadas
na
instituição que as acolheu.

Algumas considerações que podemos retirar do exposto


até esse momento são:

o que chamamos
comumente de natureza humana pode ser definido como uma proto-

humanidade;
a biologia humana é
complexa e os bebês são totalmente dependentes de seus progenitores;

nascemos da espécie
humana, mas tornar-se humano é um processo e uma conquista que
envolve esforço
do indivíduo, da família e também da própria sociedade/comunidade;

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 6/12
18/07/2022 19:21 UNINTER

o escopo de nossa
humanidade depende em boa medida da qualidade dos processos de

socialização do
qual participamos ao longo de nossa vida;
existe uma íntima e
poderosa conexão entre educação e humanidade.

TEMA 4 – PARA QUE SERVE A SOCIEDADE?

Se imaginarmos que a função primordial da família é


cuidar, amar e proteger seus membros,

devemos supor que a sociedade deveria, em


alguma medida, ser uma extensão do ambiente familiar.
Que implicações teríamos
para o desenvolvimento das pessoas se a sociedade e o conjunto de suas

instituições e recursos estivessem de fato orientados a promover o bem-estar


das pessoas?

Vamos imaginar que a sociedade poderia ser um ambiente


onde as pessoas pudessem atingir
seu potencial com oportunidades de realizar
seus sonhos e sua vocação. Parece utópico se

considerarmos o contexto atual do


mundo em que vivemos. Contudo, não deveria ser tarefa da
educação semear o
futuro e despertar novos sonhos e utopias em nossos jovens e crianças? Se for

para termos mais do mesmo, em relação à reprodução dos problemas de uma


sociedade doentia – e
nós sabemos o quanto a nossa sociedade está doente –, qual
seria o sentido do trabalho educativo?

Figura 4 – Criança no
lixo

Crédito:
Tinnakorn Jorryuang/Shutterstock.

Em face dos problemas e limites da sociedade moderna, é preciosa a


contribuição do sociólogo

Robert Merton, sobre a qual refleti no livro Teorias


sociológicas e problemas sociais contemporâneos,
de 2018:

Em resumo, podemos colocar a teoria de


Merton da seguinte forma: a sociedade capitalista estipula

metas culturais como


obter dinheiro e sucesso. Para atingi-las são disponibilizados determinados

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 7/12
18/07/2022 19:21 UNINTER

meios, isto é, caminhos ou recursos institucionalizados e legitimados


socialmente. O problema

instala-se com descompasso entre as metas estabelecidas


e a escassez de recursos disponíveis para
que todos possam realizá-las. A
riqueza, o sucesso e a prosperidade material, via de regra, são

erigidos como
meta universal na sociedade capitalista, porém acessíveis somente às classes
mais
abastadas.  

Dessa forma, o insucesso de muitos na


consecução dessas metas é sistêmico, uma vez que os
recursos são insuficientes
para todos. Como consequência, tem-se um estado de anomia

generalizado, no qual
as regras do jogo são, por assim dizer, abandonadas, fazendo proliferar

condutas desviantes, como a delinquência e a criminalidade, exemplos mais


comuns dessa situação.

Merton tipifica os desvios em quatro


categorias. O primeiro tipo é a conformidade, conduta na qual

o indivíduo se
orienta pelas regras sociais estabelecidas, buscando atingir as metas sociais
com
base nos meios institucionalizados. O segundo é o comportamento inovador,
no qual as metas são

buscadas por meios nem sempre usuais, podendo haver


rupturas parciais com padrões e condutas
institucionalizadas, o que, no limite,
pode contribuir positivamente para a mudança social.

A terceira forma de resposta social dos


indivíduos seria o comportamento ritualista, aquele sem
interesse em realizar
as metas culturais. Merton aponta que tal conduta poderia ocorrer por medo

do
fracasso social, produzindo desinteresse e desestímulo. Esse perfil social até
segue as regras,
mas de modo mecânico, como um ritual. É como viver no piloto
automático realizando as rotinas

diárias e cumprindo os papéis estabelecidos,


mesmo sem convicção ou engajamento.

A quarta forma de conduta desviante é a


evasão, que se refere àquelas condutas em que os

indivíduos abandonam as metas


e os meios socais. Um exemplo poderia ser os andarilhos e

mendigos, que, ao não


se identificarem mais com as referências sociais institucionalizadas, evadem-
se
da vida social de regras, processos, papéis, status, instituições, obrigações,
expectativas etc. No

extremo, a evasão da vida social em uma condição de


marginalização dos indivíduos pode ter
implicações graves, comprometendo a
saúde e a sanidade dessas pessoas; dessa forma, não são

raros os casos de
suicídio.

A quinta e última forma de resposta


social identificada por Merton é a rebelião. Trata-se de uma

conduta que não se


conforma com a ordem estabelecida, rompe em revolta, negando as metas e

os
meios institucionalizados. Discordando de Merton, em relação à rebelião, como
comportamento
potencialmente destrutivo da ordem social, podemos dizer que o
rebelar-se pode assumir um

caráter propositivo e acelerar transformações mais


profundas na sociedade. Poderíamos pensar nas
greves e mobilizações por
direitos e liberdade como desfechos positivos de ações de rebeldia.

(Nauroski, 2017,
p. 78-81)

A análise
de Merton, se aprofundada, pode colocar em xeque a própria estrutura e cultura
da
sociedade moderna. A ideologia capitalista de consumismo e acumulação
ilimitada parece ser o
principal fator gerador de muitos dos problemas sociais
que impactam negativamente indivíduos e

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 8/12
18/07/2022 19:21 UNINTER

instituições. O labirinto da existência


atual, com seus “becos” sem saída e sentimento de

aprisionamento, teria do novelo


de Ariadne (personagem do mito do Minotauro que ajuda Teseu a
escapar do
labirinto) a crítica profunda ao modelo de civilização que parece imperar
hegemônico na

atualidade.

Ou seja, não se trata somente de pessoalizar e


individualizar as condutas desviantes (crimes em
geral), mas de compreender de
maneira sistêmica que é a própria sociedade que engendra muitas

das causas
dessas condutas. Existe uma relação de corresponsabilidade entre individuo e
sociedade
no que concerne a moralidade, ao que apreciamos em termos de uma
conduta correta, justa e nobre

e o que consideramos como errado, injusto e


odioso. Preferimos falar em justiça e não em direito, em
razão de que as leis
nem sempre são criadas para defender ideais de justiça, mas não raro

representam a consubstanciação de interesses escusos.

Na perspectiva de uma corresponsabilidade entre


indivíduo e sociedade, é razoável punir quem
age errado, comete um crime, ou
ameaça o bem-estar de seus semelhantes, mas parece correto

continuar isentando
a sociedade de sua culpa e responsabilidade, sabendo, agora, um pouco melhor
como ela funciona?

TEMA 5 – A CULTURA COMO NOSSA SEGUNDA NATUREZA

Na obra O Mal-Estar da Civilização, de 1929,


Sigmund Freud, o pai da psicanálise, apresenta uma

análise pessimista da
condição humana. Na perspectiva do autor, a cultura ao mesmo tempo em que
libertou o homem da vida puramente instintiva, criou também uma armadilha, pois
a vida em

sociedade, isto é, a vida mediada pelo trabalho (transformação da


natureza) e pela cultura (universo
simbólico) traz limitações aos nossos
desejos e impulsos. Sem essas limitações, o convívio humano

seria problemático,
potencialmente caótico e violento. A ideia de progresso em termos materiais e
tecnológicos ficaria obstaculizada em meio a uma guerra de “todos contra
todos”. Mas o preço pelo

progresso tem sido alto, nada menos que a nossa felicidade. 

O desejo para Freud é mais que um simples querer, o


desejo é tomado como manifestação do
princípio do prazer, uma força que emana
do Id, o lado mais profundo de nossa personalidade, uma

instância de nossa
psique que desconhece os limites da moral e opera na busca pelo prazer. O
advento da cultura e, portanto, da vida em sociedade trouxe outro importante e
poderoso princípio,

o da realidade, com seus limites, freios e interditos. Esse


princípio se materializa em nosso superego,

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 9/12
18/07/2022 19:21 UNINTER

nossa consciência moral, um


equipamento de nossa personalidade que permite reconhecer e
introjetar os
limites e interditos da vida social. Sem o superego dificilmente seriamos
capazes de

sentir culpa, remorso e arrependimento.

Graças ao superego somos capazes de frear a atuação do


Id e pôr limites aos seus impulsos. A
literatura na área da psicanálise costuma
definir como psicopata uma pessoa incapaz de sentir

remorso por ter causado dor


para outras pessoas. Uma sociedade de indivíduos sem superego seria
uma arena
de psicopatas agindo sem freios ou restrições. Em síntese, viver em sociedade
significa

aceitar que não podemos fazer tudo que queremos.

Freud também estudou os mecanismos que criamos para


lidar com as limitações impostas pela
vida social e as frustrações que ela
acarreta, sendo talvez mais eficiente o processo de sublimação.

Sublimar
significa encontrar caminhos socialmente aceitáveis para realizar nossos
desejos ou instintos
mais agressivos. Dessa forma, a arte, o esporte, o
trabalho e mesmo a religião podem ser condutores

da nossa libido, essa energia


vital sem a qual a existência fenece, canalizando essa força em
diferentes
possibilidades. Uma sociedade inteligente, para Freud, buscaria diversificar as

possibilidades para a realização da libido.

Ao final de sua reflexão, Freud conclui de modo


pessimista que a sociedade moderna tende a se
afirmar reprimindo os indivíduos
em nome da civilização, reforçando os mecanismos de culpa e

repressão. Por
conta disso, a condição que nos assiste ao longo da vida é de mal-estar, de não
realização, em que a nossa felicidade permanece como um projeto sempre adiado,
uma condição

manipulável em que o mercado soube vender seus paliativos,


fármacos, ou uma prática estimulada
diuturnamente, o consumo.

Quase trinta anos depois, em 1955, Herbert Marcuse


publicava seu livro Eros e Civilização, em
que buscou relativizar o
pessimismo de Freud em relação à cultura e à condição humana. Enquanto o

pai da
psicanálise não diferenciava a necessidade da inibição dos instintos na vida
social da limitação
que surge da escassez de recursos produzidas socialmente,
Marcuse argumenta que a condição de

mal-estar poderia ser amainada e até


superada se o princípio da realidade não tivesse a configuração
determinante de
uma sociedade classista, alienante e opressora. Uma sociedade em as
possibilidades
de realização dos desejos estão restritas aos segmentos
endinheirados da população.

O problema da neurose, uma doença da incapacidade das


pessoas em lidar com suas
frustrações, poderia ser diminuída a ponto de
provocar menos danos se a abordagem da psicanálise

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 10/12
18/07/2022 19:21 UNINTER

freudiana não fosse, na


crítica de Marcuse, tão unilateral, visto que centrou seu foco quase que

exclusivamente na subjetividade. Não se trata somente de uma questão de saber


aceitar e se adaptar
às limitações da vida social, sendo necessário reconhecer o
lado patológico da própria sociedade.

Marcuse defende um modelo pós-capitalista de sociedade, com


menos repressão e alienação,

no qual a sociabilidade humana tivesse mais


liberdade e meios para alcançar uma vida mais
prazerosa e realizadora. Trata-se
de uma perspectiva que toma possível a emancipação do homem

para além de um
trabalho alienado, ou da libido como energia e pulsão não subordinada aos
interesses da produtividade capitalista.

Essa discussão foi ainda complementada por outra importante


obra de Marcuse, O homem

unidimensional, de 1964. Ele aprofunda sua crítica


à cultura e ao sistema capitalista mostrando como
nesse sistema o princípio do
prazer, uma pulsão que poderia se realizar de modo plural e

multifacetado com
diversas possibilidades de sublimação, acaba sendo capturado pela lógica do
consumo.   

NA PRÁTICA

Pensando nessa
discussão sobre O homem unidimensional, você consegue imaginar ou

identificar as consequências do comportamento de uma cultura como a nossa, na


qual parece

predominar esse perfil de pessoas? Como poderíamos relacionar essa


questão a problemas como o
consumismo?

FINALIZANDO

Nesta aula
vimos que:

a educação é um
processo universal e tão antigo quanto a própria humanidade;

o que comumente
chamamos de natureza humana é a nossa proto-humanidade, um potencial

que, para
se desenvolver, necessita de cuidados e estímulos, com destaque para o papel da
família, da escola e da comunidade;

existe uma relação de


corresponsabilidade entre individuo e sociedade, tanto em relação aos

erros
quanto acertos;

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 11/12
18/07/2022 19:21 UNINTER

a sociedade não pode


ser isenta de críticas, e seu melhoramento depende de nosso
engajamento como
cidadãos e educadores;

é preciso imaginar novos


horizontes e possibilidades civilizacionais a fim de superar o mal-estar

que
predomina na atualidade.

REFERÊNCIAS

HARARI, Y. N.  Sapiens
– uma breve história da humanidade. São Paulo: Harper, 2011.

LEYMOND, B. Le development
social de l’enfant et del’adolescent. Bruxelles: Dessart, 1965.

Disponível em: <www.projeto.unisinos.br/humanismo/antropos/cultura>.


Acesso em: 26 fev. 2021.

MELO, A. de. Fundamentos


socioculturais da educação. Curitiba: InterSaberes, 2012.

NAUROSKI, E. A. Teorias
sociológicas e problemas sociais contemporâneos. Curitiba:

InterSaberes, 2017.

OLIVEIRA, R. C. de.  Antropologia


filosófica. Curitiba: InterSaberes, 2012.

PAIXÃO, A. E. da. Sociologia


geral. Curitiba: InterSaberes. 2012.

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 12/12

Você também pode gostar