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CAPÍTULO

2
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO: ASPECTOS HISTÓRICOS

A investigação sobre o desenvolvimento humano iniciou-


se pelo estudo da infância. Estimulados pelas idéias de Darwin (1809-1882) sobre a
evolução das espécies e do comportamento, os pensadores passaram a ver a
criança como fonte rica de informação potencial sobre a natureza humana.

A evolução do conceito de infância

O conceito de infância como um período especial do desenvolvimento, em que o


indivíduo deve ser cuidado, protegido e supervisionado, é bastante recente quando
se considera a história da ciência.
Até o século XVII predominava o conceito da criança como um adulto em
miniatura, ou seja, acreditava-se que o raciocínio, os sentimentos e as ações infantis
possuíam os mesmos elementos básicos daqueles dos adultos.
Essa concepção influenciou o tratamento que a sociedade dispensava às
crianças. Elas recebiam cuidados especiais até os sete anos de idade. Depois
ingressavam na comunidade dos adultos e desenvolviam as mesmas atividades que
eles. Nas classes menos privilegiadas elas trabalhavam no campo, vendiam seus
produtos nos mercados, aprendiam um ofício. Não lhes era dispensado nenhum
tratamento especial. Ao contrário, eram alvo de todo tipo de atrocidade por parte dos
adultos.

As famílias mais prósperas também faziam pouca distinção entre a infância e a


idade adulta. Era comum que as crianças começassem a escolarização aos quatro
ou cinco anos de idade. O ensino se esforçava para ser enciclopédico* e para
desenvolver as faculdades mentais de atenção, memória, abstração ete. Por isso
era árduo e difícil. O método empregado era a repetição em voz alta das
informações dadas pelo mestre. Como ninguém dava importância à compreensão no
processo de aprendizagem, não se questionava a dificuldade dos assuntos
ensinados, nem se prestava atenção às diferenças individuais. As classes eram
compostas com elementos de todas as idades. Assim, ninguém se espantava ao ver
meninos de sete anos e jovens de dezoito recitando juntos uma lição.

A concepção da criança como adulto em miniatura também se refletiu na arte. Na


pintura medieval as crianças eram retratadas com as proporções corporais dos
adultos. Esse fenômeno não pode ser atribuído à falta de habilidade ou de técnica
dos artistas. É mais provável que o pintor estivesse dando expressão ao que ele
entendia como criança e não ao que realmente via.

Gradativamente, a partir do século XVII, o conceito de infância foi mudando. As


crianças passaram a ser afastadas de assuntos ligados ao sexo. A participação em
festas coletivas e orgias, que até então era permitida, passou a ser considerada
como maléfica à formação do caráter e da moral. Começou a se estabelecer o
ensino graduado e a formação de classes com crianças de mesma idade. Também
apareceram alguns pensadores defendendo a idéia de que a mente da criança era
diferente da mente do adulto.

Todas essas mudanças, no entanto, eram exclusivas dos aristocratas e dos


burgueses. Até o século XIX a classe baixa continuou a fazer pouca distinção entre
crianças e adultos, colocando seus filhos para aprender um ofício ou trabalhar no
campo aos sete ou oito anos, submetendo-os às mesmas faltas legais que os mais
velhos e casando-os no início da adolescência. Foi necessário que muitas crianças
não sobrevivessem à infância e que a burguesia crescesse para que ocorressem
mudanças reais no tratamento que a sociedade dispensava a este período devida.

A sistematização da Psicologia do Desenvolvimento

Os primeiros estudos (décadas de 1920 e 1930)


O estudo sistemático do desenvolvimento infantil tomou impulso na primeira
metade do nosso século. Os primeiros estudos limitaram-se à observação das
atividades de bebês em seus primeiros anos de vida. A preocupação dos
pesquisadores era responder a questões tais como: Quando o bebê se senta pela
primeira vez sem ajuda? Quando o caminhar pode ser observado pela primeira vez?
Quando a criança é capaz de pegar pequenos objetos usando o polegar e o dedo
indicador? Quando aparece o primeiro sorriso social?
A maioria desses estudos teve como objetivo a descrição da regularidade das
mudanças do comportamento de acordo com a idade, e a amplitude das variações
existentes entre crianças de mesma faixa etária. O propósito dos estudiosos era
obter um padrão normativo para o desenvolvimento físico, motor e social do ser
humano para fazer diagnósticos e prognósticos fidedignos.
Este tipo de pesquisa é chamado de descritivo. Nas pesquisas descritivas a
idade é a variável mais importante, e as descrições são, primariamente, sobre
diversos comportamentos que caracterizam um determinado nível de
desenvolvimento.
As tabelas normativas resultantes desses estudos representaram uma
contribuição muito importante e até hoje proporcionam conhecimentos úteis para
pediatras, pais e educadores.

Uma mãe, por exemplo, preocupada com o desenvolvimento do seu filho pode
consultar um pediatra ou psicólogo infantil para descobrir se a criança está ou não
dentro da normalidade. O pediatra irá interrogar a mãe ou observar alguns
comportamentos da criança e compará-los aos existentes em uma tabela. Essa
tabela representa a norma comportamental esperada para crianças da mesma
idade. O diagnóstico faz com 'que o pediatra perceba a existência ou não de
problemas. Em caso positivo, ele irá propor determinadas medidas para enfrentá-
los. Caso contrário, podem ser evitadas intervenções que seriam prejudiciais ao
bem-estar da criança e a ansiedade dos pais pode ser acalmada.

As propostas de Watson para o desenvolvimento

Watson (1878-1958) foi um dos iniciadores do behaviorismo" nos Estados


Unidos e durante certo tempo foi seu promotor. Ele empregou o modelo do
condicionamento clássico para explicar o desenvolvimento humano.

De acordo com esse modelo, os comportamentos emitidos por crianças ou


adultos são resultantes de um processo de aprendizagem. Aprendizagem, neste
caso, é definida como a especificidade do comportamento, ou seja, as respostas
passam a ser dadas na presença de determinados estímulos. Por exemplo, ao ouvir
a palavra "não" (estímulo), a criança interrompe o que está fazendo (comportamento
determinado pela palavra "não").

O medo do tratamento dentário apresentado pela maioria das pessoas adultas,


bem como o choro e as tentativas de fuga da sala. de espera observados em
algumas crianças, são outros exemplos dessa aprendizagem.

Da primeira vez que ouvimos o som do motor do dentista não apresentamos


nenhuma reação. No entanto, depois de algumas associações do som com a dor
provocada pela agulha, é suficiente ouvirmos o barulho do motor em funcionamento
para apresentarmos' reações típicas de medo, tais como: arrepios, aceleração dos
batimentos cardíacos, suor frio etc.

Vários aspectos desse exemplo devem ser destacados. Originalmente, o som é


um estímulo neutro em relação às respostas emocionais características do medo. O
estímulo doloroso, provocado pela agulha do aparelho, por outro lado,
invariavelmente provoca arrepios, aumento da transpiração, aceleração dos
batimentos cardíacos, aumento da resistência elétrica da pele etc. Depois de o som
ter sido seguido uma ou mais vezes pela dor, ele adquire algumas das
características do estímulo doloroso e sua apresentação passa a produzir as
reações típicas de medo.

Esta seqüência de eventos ilustra o princípio do condicionamento clássico. Se um


estímulo neutro, em relação a uma determinada reação, for algumas vezes
associado a um estímulo que a provoca naturalmente, ele passará também a
provocar aquela reação.

Este princípio se aplica a muitas situações. Muitos tipos diferentes de


comportamentos são adquiridos por meio desse processo. Uma canção que foi
tocada durante um jantar agradável tenderá a provocar, mais tarde, as mesmas
respostas emocionais que ocorreram naquele momento.
Portanto, o condicionamento não ocorre apenas em situações de dor ou de
medo, mas em qualquer condição, fazendo com que o meio ambiente modele ou dê
forma aos comportamentos de uma pessoa.

Esse foi o ponto de partida de Watson. Embora ele tenha se interessado


principalmente pelo estudo das emoções, afirmava que todas as capacidades
humanas, traços de personalidade, motivos, são aprendidos. Nesse sentido, a
aprendizagem seria responsável pelas mudanças que ocorrem ao longo da vida de
uma pessoa, modelando, assim, sua conduta social, seus pensamentos e seus
valores.

O experimento mais conhecido de Watson foi o que ele conduziu com um bebê
de nove meses chamado Albert. Ele condicionou a criança a ter medo de animais e
objetos brancos peludos, como cães, coelhos e até barbas brancas.

No começo do estudo, ele colocou um rato branco na sala onde estava o bebê. A
reação espontânea da criança foi dirigir-se ao animal, tentando apanhá-lo, ou seja,
ela não manifestou medo do rato. Por outro lado, a reação de medo foi provocada
quando um gongo foi tocado subitamente, próximo à criança. O pesquisador
concluiu que sons altos e inesperados provocavam reações inatas de medo.

A partir dessas duas constatações, Watson começou a condicionar a criança a


ter medo do rato branco, fazendo com que a presença do animal fosse
sistematicamente seguida pelo som do gongo. Depois de algumas repetições desse
processo, a criança começava a chorar assim que o animal era colocado na sala
onde ela estava.

Para demonstrar a extensão do condicionamento, o pesquisador associou ao


rato (que significava som do gongo) outros estímulos, tais como um cão, um coelho
e um homem com barba branca postiça. Embora esses estímulos nunca tivessem
sido seguidos pelo som do gongo, o bebê chorava e fugia de todos, porque ele havia
aprendido que a presença do rato era seguida por um som forte.

Depois de um mês a criança foi testada novamente. A reação de medo foi


novamente provocada por todos os estímulos, embora com alguma redução da
intensidade.

A partir desses dados, Watson concluiu que as emoções humanas são produto
de um processo de aprendizagem. Segundo ele, existem três emoções básicas:
medo, cólera e amor, que inicialmente são provocadas por estímulos específicos.
Contudo, no decorrer do processo de desenvolvimento, muitos outros estímulos são
associados aos originais, resultando assim uma gama imensa de emoções e
situações controladoras.
Posteriormente, as propostas de Watson para o desenvolvimento humano foram
adotadas por outros estudiosos. Com o tempo, os princípios do hehaviorismo
sofreram reformulações e vários outros conceitos foram acrescidos.
De maneira geral, os teóricos dessa linha não acreditam na natureza direcional
do desenvolvimento. Para eles, não há está- gios ou níveis que caracterizem as
diferentes fases da vida. Existe apenas o início (nascimento) e o fim (morte). As
diferenças existentes entre as condutas de um bebê, de uma criança, de um
adolescente ou de uma pessoa na maturidade são resultantes da história de
condicionamento de cada um.

As propostas de Freud para o desenvolvimento

A segunda fonte de inspiração dos estudos explicativos realizados nas décadas


de 1920 e 1930 foi a teoria psicanalítica de Freud.
Para Freud, as relações afetivas desenvolvidas na infância, principalmente nos
primeiros cinco anos de vida, são fundamentais para o equilíbrio emocional
posterior.
Segundo ele, a personalidade é formada por três sistemas: id, ego e
superego.
O id é o substrato biológico, inato da personalidade, e é a fonte de toda a
energia psíquica. Pode ser conceituado como uma espécie de reservatório de
impulsos instintivos. Esses impulsos derivam de duas fontes distintas: instinto de
autoconservação (ou instinto de vida) e instinto de destruição (ou instinto de morte).
Entre os impulsos derivados do instinto de vida estão os impulsos sexuais, cuja
energia foi denominada libido.
O objetivo do id é a satisfação imediata da energia derivada dos instintos. Uma
vez ativado, o id exige a descarga de energia, reduzindo, assim, a excitação e
retomando a um estado de calma. A energia pode ser investida em um objetivo ou
pessoa e pode ser transformada em comportamento, pensamento ou
sentimento.
Freud deu o nome de catexe a esse processo de descarga de energia. Por
exemplo, um adolescente com anseios afetivos pode procurar uma namorada
ou sonhar com um amor imaginá- rio. No primeiro caso, a descarga de energia
(libido) foi feita através de um comportamento dirigido a uma pessoa real; no
segundo caso, foi feita por meio de pensamentos ou fantasias.
O id dispõe de uma quantidade de energia limitada, por isso, se ela for
descarregada em um objeto, haverá menos energia para outros propósitos.
Freud acreditava que a energia que o homem gasta para propósitos culturais
(literatura, música, pintura, ciência etc.) é retirada da energia sexual e vice-
versa. O comportamento humano, assim, pode ser muito variado, mas
basicamente pode ser reduzido à energia dos instintos de vida e de morte e seu
objetivo é sempre o prazer.
À medida que o bebê cresce e aprende a discriminar entre si mesmo e o
mundo exterior, desenvolve-se a segunda estrutura da personalidade, o ego. O
ego é a parte modificada do id pela influência do mundo exterior. Representa a
parte racional do indivíduo.
O ego é considerado o executivo da personalidade e serve de mediador entre
as exigências do id e a realidade. Não há disparidade entre as metas do id e do
ego. O ego existe para satisfazer o ide não para frustrá-lo, embora possa inibir
algumas formas de expressão das energias instintivas. Isso ocorre quando tal
expressão não conduziria à satisfação máxima ou traria conseqüências
indesejáveis.
O superego, ou seja, a consciência moral, nem sempre reflete fielmente as
normas da sociedade. Como ele se forma na infância, as restrições e proibições
à expressão das energias instintivas são internalizadas de uma forma mais
rígida e severa do que as repressões reais.
Na idade adulta, o superego mantém a rigidez e o conservadorismo iniciais.
Por isso, a transgressão de qualquer lima de suas regras gera culpa e ansiedade.
Quanto mais rígido for o superego de uma pessoa, mais fortes serão os
sentimentos de culpa quando ela fizer ou pensar em fazer algo que contrarie o
código moral no qual foi educada.
Entre o id e o superego há conflitos de propósitos. O id exige expressão
irrestrita dos impulsos; o superego coloca barreiras à sua manifestação, podendo
até exigir a repressão total da descarga de energia. A função do ego é encontrar
uma solução entre as energias primitivas do id, as restrições do superego e as
limitações do mundo exterior. A personalidade do indivíduo adulto depende do
resultado da interação dinâmica entre essas três estruturas.
Como Freud deu ênfase às experiências dos primeiros anos de vida na
determinação da personalidade adulta, a maioria dos pesquisadores que adotou
sua teoria procurou investigar a qualidade da relação pais-criança e seus efeitos
no equilíbrio emocional ao longo da vida.
Posteriormente, a teoria psicanalítica sofreu algumas alterações,
principalmente quanto ao papel do ego na dinâmica da personalidade. Na maioria
das reformulações da teoria, o ego passou a ter motivos próprios e mais força do
que a de um mero executor das vontades do ido

O segundo período (a partir de 1950)

A despeito das influências de Watson e Freud, os estudos na área do


desenvolvimento começaram a diminuir em número a partir de 1930. Isso talvez
tenha ocorrido devido à predominância dos estudos descritivos. A descrição dos
comportamentos de crianças não é um assunto tão desafiador para reter a
atenção de um grande número de pesquisadores durante muito tempo.
Conseqüentemente, quando se compara a área do desenvolvimento com as
demais áreas da Psicologia, nota-se um declínio no número de publicações
durante a década de 1940.

No entanto, esse declínio foi temporário, pois a partir da década de 1950 a


Psicologia do Desenvolvimento começou a se expandir, expansão essa que se
mantém até hoje.

Vários fatores contribuíram para o fortalecimento deste campo. O primeiro


deles foi o aumento da influência do behaviorismo. Esta abordagem, cuja
presença havia crescido de maneira marcante nas outras. áreas da Psicologia, se
fez sentir fortemente também no estudo do desenvolvimento. Isso levou a uma
modificação no enfoque das pesquisas. Elas deixaram de se preocupar com o
estudo genérico do desenvolvimento e passaram a investigar experimentalmente
assuntos ligados a processos, tais como a evolução da percepção, da atenção,
da capacidade de resolução de problemas, da conduta social etc.
O segundo fator responsável pelo revigoramento da Psicologia do Desenvolvimento
foi a renovação da preocupação com as ) bases biológicas da conduta humana.
Esse interesse trouxe de volta o estudo de bebês, mas agora na forma de
pesquisas explicativas e não meramente descritivas.

O terceiro fator foi o interesse crescente na teoria de Jean Piaget pelos


estudiosos dos Estados Unidos e da Inglaterra. Embora esse autor tivesse
começado a publicar suas obras desde 1920, foi apenas em 1950 que elas se
tornaram acessíveis em língua inglesa. A partir desse momento, a divulgação da
teoria de Piaget foi intensa e sua influência passou a dominar a área do
desenvolvimento. No Brasil, a influência de Piaget começou a ser sentida a partir
da década de 1960.

As propostas de Piaget para o desenvolvimento

Piaget conduziu uma série de investigações sobre o desenvolvimento do


pensamento, abrangendo o período compreendido desde o nascimento até a
adolescência. Com base nessas investigações, elaborou uma teoria do
desenvolvimento cognitivo ou intelectual.

Da mesma forma que Freud, Piaget também concebeu o desenvolvimento


como um processo direcional, ou seja, ocorrendo em estágios.

Para Piaget, a inteligência é uma estrutura biológica e, como as demais, tem a


função de adaptar o organismo às exigências do meio. Essa adaptação se faz por
meio de dois processos complementares: assimilação e acomodação.

A assimilação é o processo de incorporação dos desafios e informações do


meio aos esquemas mentais existentes. A acomodação é o processo de criação
ou mudança de esquemas mentais em conseqüência da necessidade de assimilar
os desafios ou informações do meio.

Tomemos o reflexo de preensão para exemplificar esses dois processos. Esse


reflexo é inato e entra -em funcionamento imediatamente após o nascimento. Os
dedos do recém-nascido se fecham quando qualquer objeto toca a palma de sua
mão, a tal ponto que é possível levantá-lo agarrado aos dedos de um adulto. Este é
um dos mecanismos biológicos à disposição do recém-nascido para sua adaptação
ao mundo.

O bebê exercita assiduamente seu esquema de preensão. Ao fazê-lo, tenta


assimilar todos os objetos que tocam sua mão ou que estão ao seu alcance.

No entanto, como passar do tempo, o reflexo inicial de preensão se modifica


graças a esse exercício. A partir de determinado momento, a criança percebe que a
forma primitiva de preensão é ineficaz quando se trata de objetos muito pequenos.
Nessas condições, ela deve realizar o "movimento de pinça", ou seja, apertar o
objeto com o polegar e com o dedo indicador. Essa posição, portanto, é resultante
da acomodação.

As modificações da preensão conduzidas pelas acomodações sucessivas fazem


com que a criança se adapte a novos desafios, tornando-se capaz de pegar coisas
de tamanhos diferentes, de segurá-las com as duas mãos ou de agarrar-se a
objetos. Cada mudança no reflexo de preensão leva, assim, à criação de novos
esquemas de assimilação, fazendo com que o comportamento se torne cada vez
mais especializado.

A interação entre assimilação e acomodação é comum ao longo da vida e está


presente em todos os níveis de funcionamento intelectual e comporta mental. Por
causa dessa constância, Piaget se referiu a esses dois processos como
invariantes funcionais. As estruturas mentais formam-se e são modificadas ao
longo da vida, mas os processos pelos quais essas mudanças ocorrem não variam,
ou seja, as adaptações cognitivas são sempre resultantes de acomodação e
assimilação.

Outro aspecto relacionado à natureza biológica da inteligência é que ela tem


uma organização interna característica, como as demais estruturas biológicas.

Enunciada de maneira geral, a organização da inteligência parece abstrata e


obscura, mas a seguinte analogia poderá tornar o conceito mais claro. Todas as
pessoas têm um aparelho digestivo que está organizado de um modo especial, para
que assimilem e absorvam o alimento. Contudo, a natureza do alimento afeta o
corpo: alimentos gordurosos e frituras podem ser assimilados facilmente pela
pessoa que adquiriu o hábito de ingeri-los, e podem fazer muito mal para quem não
aprendeu a comê-los. Os hábitos alimentares são bons exemplos na interação
organismo-meio.

O processo de aceitação de alimentos é lento. De início, o estômago da criança


só aceita o leite materno ou similares. Depois começa a digerir papinhas e, com o
passar do tempo, consegue finalmente ingerir todos os alimentos habituais de sua
família ou de seu grupo social, No início, qualquer alimento mais forte provocará
diarréias ou indigestão, ou seja, o organismo não tem esquemas assimiladores para
ele. Depois, gradualmente, esses esquemas vão sendo criados por meio da
acomodação, até que o indivíduo consiga digerir até mesmo uma feijoada.

A inteligência é organizada, assim como o aparelho digestivo o é. O meio


ambiente, análogo ao alimento ingerido, afeta o em um determinado período da vida
são, assim, o resultado da interação entre o organismo (com seus invariantes
funcionais) e o ambiente, com seus desafios e informações.
Com isso, Piaget quis enfatizar que o desenvolvimento cognitivo não é apenas o
resultado de um processo de maturação, nem é unicamente um produto das
influências do meio. A palavra interação significa que o organismo tem uma relação
ativa com o meio. Biologicamente, a inteligência adapta-se ao meio pela ação. No
entanto, ela amplia as formas de agir mediante a construção de novos esquemas
mentais. Estes, por sua vez, permitem novas absorções de informações e desafios,
o que gera novos esquemas, e assim sucessivamente.
O terceiro fator que indica a natureza biológica da inteligência é a existência de
estágios em seu desenvolvimento.
Piaget descreve quatro estágios, que caracterizam as diferentes formas de
adaptação de que o ser humano é capaz: sensório-motor, intuitivo, operatório
concreto e operatório formal. Essas etapas serão descritas nos capítulos que se
seguem.
Em conclusão, podemos dizer que o estudo do desenvolvimento percorreu um
longo caminho desde as primeiras especulações sobre as origens das diferenças
individuais.
A atual Psicologia do Desenvolvimento é um ramo em crescimento, que hoje
conta com grande número de publicações destinadas exclusivamente à divulgação
de pesquisas nesta área.
Questões

1. Como era considerada a criança até o século XVII e qual o tratamento


dispensado a ela pela comunidade?
2. Quais os fatores que contribuíram para que ocorressem mudanças reais no
tratamento dado à criança pela sociedade e quando isso aconteceu?
3. Qual o objetivo dos primeiros estudos sistemáticos sobre o desenvolvimento
infantil?
4. Qual a utilidade das tabelas normativas, nos dias de hoje?
5. Que significa bebaviorismo e como é entendida a aprendizagem pelos
adeptos dessa teoria?
6. Descreva, de maneira sucinta, o experimento de Watson com o bebê Albert.
7. Quais são as emoções básicas, segundo Watson?
8. Segundo Freud, a personalidade é formada por três sistemas. Quais são
eles?
9. Por que, na década de 1930, diminuíram os estudos na área do
desenvolvimento, e a partir de que década a Psicologia do Desenvolvimento
começou a se expandir!
10. Qual o objetivo das pesquisas sobre o desenvolvimento que seguiram a linha
psicanalítica?
11. Quais foram os fatores responsáveis pelo fortalecimento da Psicologia do
Desenvolvimento?
12. Que vêm a ser para Piaget assimilação e acomodação?
13. Dê um exemplo de interação organismo-meio.
14. Cite os quatro estágios descritos por Piaget como característicos das
diferentes formas de adaptação que o ser humano pode realizar.

TEXTO PARA LEITURA E DISCUSSÃO

Toda experiência da criança influencia, de uma forma ou de outra, o seu

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