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ESFERA PÚBLICA E PRIVADA

Por Renildo B. Estevão 1

O surgimento da sociedade moderna reduziu a linha que separava a definição


entre público e privado, a distinção rígida e diferenciada dessas esferas como existiam no
mundo clássico deixou de existir, ao contrário, uma passa a exercer influência sob a outra.
Em “A Condição Humana”, de 1999, Hannah Arendt trata do que seria a
esfera pública e privada. Arentd (1999), caracteriza o privado como o terreno da necessidade
(comer, beber, descansar, etc.), onde o homem é o déspota e chefe da família,onde não há
igualdade ou liberdade. O público, por sua vez, seria o terreno da liberdade, tendo a política
como a forma de alcançar esta liberdade. A autora mostrar que a ação política, comum entre
os cidadãos, seria parte da esfera pública, e o que é próprio do cidadão, da esfera privada.
Arendt (1991) avança ao mostrar que na Era Moderna essa linha divisória entre as
esferas torna-se difícil de compreender e passam a ser substituída pelo comportamento social
e normativo.
Entender o comportamento social, as relações e as contradições da sociedade
brasileira frente ao que sejam público e privado na sociedade contemporânea, foram objeto de
destaque na obra “A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil”, 1997, do
antropólogo Roberto Damatta.
O autor explicar que no ambiente de sua casa, o indivíduo tende a acreditar no
diálogo, na valorização das individualidades. Na rua, por outro lado, se aceita que todos
devem ser tratados de forma igual segundo a “fria letra da lei”, de modo a manter a ordem. O
contraste, segundo Damatta (1997), entre os dois conceitos é abrupto: a casa é o espaço da
compreensão, do diálogo, da individualidade; a rua é o espaço da impessoalidade, do
isolamento; enquanto o tempo da casa é medido pela hora do almoço, da novela, etc., o tempo
da rua é geralmente medido pelo relógio com horários e rotinas fixas.
O indivíduo, no contexto da rua, esclarece o autor, não se distingue por sua
individualidade, mas por um conjunto de signos que ele traz pelas relações que ele tem como
parte de um subconjunto, sejam das amizades ou dos contatos. O sujeito, então, defende sua
comunidade muito mais por conta das relações pessoais que ela representa para ele e por tudo
que ele pode eventualmente obter em troca.

1
Doutorando em Políticas Públicas/UFPI; Mestre em Políticas Públicas/UFPI; Bach. em Direito e
Computação.(2016)
Damatta (1997) também usa a mulher como figura simbólica, ela seria como peça
de ligação e intermediadora de dois extremos: o lado festeiro e o lado racional, da liberdade e
da legalidade de nossos atos, da casa e da rua. A mulher, então, seria a tentativa de juntar dois
pólos: o Brasil, país do Carnaval, com o Brasil ‘sério’, do ‘legal’, das leis que têm exceções
para os bem-nascidos e relacionados – do público e privado.
Separar esses pólos, por sua vez, acaba sendo um problema dentro do contexto da
obra do historiador Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil”, de 1995. Nesta
obra, Holanda (1995) fala da impossibilidade que o brasileiro tem em se desvincular dos
laços familiares a partir do momento que esse se torna um cidadão. Assim, no Brasil, o Estado
é propriedade da família, os homens públicos são formados no círculo doméstico, onde laços
sentimentais e familiares são transportados para o ambiente do Estado, é o homem que tem o
coração como intermediário de suas relações.
Outra obra de grande destaque que trata da esfera pública e privada é a de Jürgen
Habermas, “Mudança estrutural da esfera pública”, de 1984, onde retrata a mudança
social nesta esfera. Segundo ele, todo esse processo de desenvolvimento e de mudanças,
inclusive as tensões entre Estado e sociedade, faz surgir três instâncias do direito: a do direito
privado, a do direito público e a do direito social. Com isso, adveio também, segundo
Habermas (1984), uma polarização entre esfera íntima e esfera social.
Dessa forma, a separação destas esferas provoca uma mudança estrutural da
família, pois esta já não é mais é responsável por si e o Estado passa a ser o provedor de
garantias sociais. A família, então, perde várias funções tradicionais, sendo, segundo o autor,
desprivatizada através de garantias públicas, esvaziando a esfera familiar.
Essa desprivatização da família, gera outra questão abordada por Habermas: a
decadência da esfera literária antes existente. Com novas formas de mídia possibilitando o
consumo de uma comunicação de massa, tornou um público, anteriormente tido como
pensador de cultura, apenas consumidor desta. Essa esfera pública de consumismo cultural
passa a vigorar a serviço das propagandas econômicas e políticas, e estas que antes eram,
exclusivamente, da esfera pública, passam a fazer parte e a influenciar a esfera privada, como
a casa, a família.
Concluímos, de acordo com as obras aqui tratas, ser de grande importância o
entendimento sobre as dimensões do que seja público e privado. Isso porque saber separar os
atos da vida privada com os da pública, por vezes, pode significar obediência às leis, às
normas – pratica tão desejada pelo cidadão diante do homem público.

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