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Modelo Hobbesiano

Bobbio começa apresentando o direito natural e contrastando com as formas anteriores,


que separaram o dinheiro privado do direito público. "Se se deve reconhecer à escola do
direito natural o mérito de ter feito a maior tentativa jamais realizada até então de dar uma
sistematização geral à matéria jurídica, de racionalizar o direito, esse mérito lhe deve ser
reconhecido mais ainda no âmbito do direito público que no do direito privado."

É comparada a obra de Hobbes com a obra de Jean Bodin (1576). Há uma grande
diferença no método. Ao invés de partir de casos históricos, o método de Hobbes tenta
construir o direito a partir de um fundamento puramente racional. Hobbes desafia
Aristóteles, contrapondo a hipótese do homem natulier social com a hipótese do homo
homini lupos (o homem é o lobo do homem). "Hobbes faz tabula rasa de todas as opiniões
ante riores e constrói sua teoria sobre as bases sólidas, indestru tíveis, do estudo da
natureza humana e dos carecimentos que essa natureza expressa."

Para Hobbes, o fundamento da natureza do estado parte de um modelo jusnaturalista. O


que aproxima os escritores do direito natural, como Hobbes, Spinoza, Pufendorf, Locke e
Rousseau, é a presença de um método e de um modelo teórico. É um modelo porque
nunca ocorreu na prática a transição do estado de natureza para a sociedade civil, como
formulado nos modelos.

O modelo tem dois elementos fundamentais: o estado (ou sociedade) de natureza e o


estado (ou sociedade) civil. É um modelo claramente dicotômico. Há uma contraposição
entre os estados: o estado natural é o estado não político, e o estado político é o estado não
natural. Os elementos constitutivos do estado de natureza são indivíduos singulares,
isolados, não associados, embora associáveis, que atuam de fato seguindo não a razão
(que permanece oculta ou impotente), mas as paixões, os instintos ou os interesses; o
elemento constitutivo do estado civil é a união dos indivíduos iso lados e dispersos numa
sociedade perpétua e exclusiva, que é a única a permitir a realização de uma vida conforme
a razão.

Precisamente porque estado de natureza e estado civil são concebidos como dois
momentos antitéticos, a passagem de um para outro não ocorre necessariamente pela
própria força das coisas, mas por meio de uma ou mais convenções, ou seja, por meio de
um ou mais atos voluntários dos próprios indivíduos interessados em sair do estado de
natureza, ou seja, em viverem conforme a razão.

Diferente mente do que ocorre com qualquer outra forma de sociedade natural, em que o
homem pode viver independentemente de sua vontade, o princípio de legiti mação da
sociedade política é o consenso.

Modelo aristotélico

A filosofia política aristotélica precede historicamente a do direito natural, sendo


compeltamente diversa e, sob todos os aspectos, oposta.
Desde as primeiras páginas da Política, Aristóteles explica a origem do Estado enquanto
polis ou cidade, valendo-se não de uma construção racional, mas de uma re construção
histórica das etapas através das quais a humani dade teria passado das formas primitivas
às formas mais evo luídas de sociedade, até chegar à sociedade perfeita que é o Estado.
As etapas principais são a família (que é a forma pri mitiva de sociedade) e a aldeia.

À medida que apresenta a evolução da so ciedade humana como uma passagem gradual
de uma socie dade menor para uma mais ampla, resultante da união de várias sociedades
imediatamente inferiores, pôde fácil e docil mente ser estendido a outras situações, à
medida que as di mensões do Estado, ou seja, da sociedade auto-suficiente e como tal
perfeita, cresciam, passando da cidade à província, da província ao reino, do reino ao
império.

Essa forma de pensar foi estendida a vários pensadores ao longo dos séculos, como
Tommaso Campanella, Bodin e Johannes Althusius. São mostrados trechos de seus livros
em que isso fica claro.

Ao contrário da construção dos jusnaturalistas, que propõe um abstrato estado de natureza,


mas parte da ideia de família, uma forma específica, concreta, historica mente determinada,
da sociedade humana. Enquanto o mo delo hobbesiano é dicotômico e fechado (ou o
estado de natu reza ou o estado civil), o modelo aristotélico é plural e aberto (do primeiro ao
último grau, os graus intermediários podem variar de número). Enquanto no primeiro
modelo, precisa mente enquanto dicotômico, um dos dois termos é a antítese do outro, no
segundo modelo, entre a sociedade primitiva e originária e a sociedade última e perfeita que
é o Estado, há ijma relação de continuidade ou de evolução ou de progressão.

No modelo aristotélico, a passagem de uma fase para outra é uma transformação não
qualitativa, mas predominantemente quantitativa. Assim, a passagem de um estado para
outro não parte de uma convenção, como no modelo hobbesiano, mas ocorre através do
efeito de causas naturais, através da ação de condições objetivas, tais como a ampliação
do terri tório, o aumento da população, a necessidade de defesa, a carência de obter os
meios necessários à subsistência, a divisão do trabalho, etc.

Uma das diferenças mais relevantes da interpretação histórica dos modelos é a relação
sociedade/indivíduo. No modelo aristotélico, está no início a sociedade (a sociedade familiar
como núcleo de todas as for mas sociais posteriores); no modelo hobbesiano, está no
princípio o indivíduo. No primeiro caso, em que a sociedade familiar no estado pré-político é
entendida como a organização da casa, já há uma relação entre superior e inferior, ou seja,
uma relação de desigualdade (pai e filho, senhor e servo). No segundo caso, em que os
indivíduos são isolados, há um estado de liberdade e igualdade, de independência
recíproca. Enquanto estado de indivíduos livres e iguais, o estado de natureza é o local dos
direitos individuais naturais.

A particular importância desse contraste se revela no fato de ser a ele que se refere
principalmente a interpretação corrente que faz do modelo jusnaturalista o reflexo teórico e,
ao mesmo tempo, o projeto político da sociedade burguesa em formação. Algumas
características do estado de natureza devem ser destacadas:
a) O estado de natureza é visto como o local das relações mais elementares entre os
homens, i.e, das relações econômicas. É feita uma distinção entre a esfera econômica e a
esfera política; entre a esfera privada e a esfera pública. Isso se encaixa no contexto
histórico da época, em que se tornava mais clara a distinção entre poder político e poder
econômico.

b) A esfera do estado de natureza é regida por leis naturais e representa o momento da


emancipação da classe que se prepara para tornar-se economicamente dominante com
relação à situação existente.

c) com os indivíduos sendo singylares, abstratamente independentes uns dos outros, o


estado de natureza re flete a visão individualista da sociedade e da história, comumente
considerada como um traço distintivo da concepção do mundo e da ética burguesas.

d) a teoria contratualista, ou seja, a idéia de um Estado fundado sobre o consenso dos


indivíduos destinados a dele fazer parte, representa a tendência da classe, que se move no
sentido da emancipação política e não só econômica e social, no sentido de pôr sob o
próprio controle o maior instrumento de dominação de que se serve um grupo de homens
para obter obediência. Ou seja, mostra a necessidade da classe que quer se tornar
economicamente e ideologicamente dominantes, de também dominar o poder político.

e) a tese de que o poder é legítimo só na medida em que é fundado sobre o consenso é


própria de quem luta para conquistar um poder que ainda não possui, e depois, uma vez
conquistado o poder, passa a defender a tese contrária.

f) finalmente, os ideais de liberdade e de igualdade, que encontram seu lugar de realização


no es tado de natureza, ainda que um lugar imaginário, indicam e prescrevem um modo de
conceber a vida em sociedade antitético ao tradicional.

O estado de natureza

O modelo hobbesiano teve várias variações na literatura dos séculos XVII e XVIII, que
podem ser agrupadas em torno de três temas fundamentais:

1. o ponto de partida (o estado de natureza),


2. o ponto de chegada (o estado civil) e
3. o meio através do qual ocorre a passagem de um para outro (o contrato social).

As variações referentes ao caráter do estado de natureza concentram-se principalmente em


torno destes três problemas:

a. se o estado de natureza é um estado histórico ou somente imaginado (uma hipótese


racional, um estado ideal, etc.);
b. se é pacífico ou belicoso;
c. se é um estado de isolamento (no sentido de que cada indivíduo vive por sua conta,
sem ter necessidade dos outros) ou social (ainda que se trate de uma sociedade
primitiva).
Examinemos cada um desses problemas:

a) se o estado de natureza é um estado histórico ou somente imaginado

Já em Hobbes, o estado de natureza é uma pura hipótese. É algo que nunca existiu e
jamais existirá. O que existiu e continua a existir de fato é um estado de natureza não
universal mas parcial. Eles ocorrem de três maneiras: (i) na relação entre grupos sociais
independentes, ou seja, estados soberanos; (ii) o estado em que se econtram os indivíduos
durante uma guerra civil; (iii) o estado em que se encontram certas sociedade primitivas.

Locke também pergunta se já houve homens e estado de natureza e passa alguns casos: o
dos soberanos de governos independentes, o de dois homens numa ilha deserta, o de “um
suíço e um indiano nas florestas da América” , e o do soberano de um Estado em face de
um estrangeiro em seu território. De resto, tal como Hobbes, também Locke considera a
dissolução do Estado como um retorno ao estado de natureza: numa passagem, identifica
explicitamente o estado de natu reza com a anarquia.

Rousseau, por outro lado, apresenta o estado de natureza como um estado histórico. Ele
identifica o estado de natureza com o estado primitivo da humanidade, inspirando-se na
literatura sobre o “bom selvagem”. Mas trata-se de uma história imaginária que tem uma
função exemplar. Serve para demonstrar a decadência da humanidade a partir do momento
em que esse saiu desse estado para entrar na “sociedade civil”, bem como a necessidade
de uma renovação das instituições que não pode andar separada de uma renovação moral.

b) se é pacífico ou belicoso

Tal questão é, em grande parte, irrelevante e leva a equívocos quando se quer


compreender a peculiaridade do modelo jusnaturalista. Se, por estado pacífico, entende-se
um estado bom en quanto contraposto ao estado de guerra considerado como mau, e o
estado de natureza é um estado pacífico, o estado civil não teria jamais nascido, ou, pelo
menos, deveria ser considerado não como o estado da razão, mas como o estado da
estultice humana. O problema relevante para explicar a origem da vida social não é tanto se
o estado de natureza é pacífico ou belicoso, mas se é um estado positivo ou negativo.

A idéia de que o estado de natureza é um estado de guerra aparece como o fundamento da


construção hobbesiana, e é seguida por Spinoza. Pufendorf cotrariou Hobbes, dizendo que
é um estado de paz. Se o estado de natureza é por um lado, um estado de paz, ele é, por
outro, um estado de infelicidade e, portanto, um estado negativo, por causa de duas
características naturais e contraditórias do homem, que são o amor de si, que o impele a
preocupar-se exclusivamente com a própria conservação, e a fraqueza, que o obriga a unir
seus próprios esforços aos dos outros. Tal ideia de divisão do trabalho vem de Platão e é
retomada por Spinoza.

Também Locke descreve o estado de natureza como um estado de paz. Mas, enquanto
estado de paz universal, é tão hipotético quanto o estado universal de guerra de que fala
Hobbes. Para Rousseau, o estado originário do homem era feliz e pacífico. Mas era um
estado que não podia durar; por uma série de inovações, a principal das quais foi a
instituição da proprie dade privada, ele degenerou na sociedade civil.

c) se é um estado de isolamento ou social

Tal questão serviu como critério de discriminação das várias tendências de filosofia política
durante o século XVIII. Os que defendiam um estado social foram chamados de socialistas.
Se por “socialistas” se entendem os que continuaram a transmitir a concepção aristotélica
do homem como animal naturalmente social, nenhum dos escritores que contri buíram para
formar e desenvolver o modelo jusnaturalista pode ser caracterizado com essa
denominação.

O princípio individualista em que se inspiram as teorias jusnaturalistas não exclui que exista
um direito natural social, ou seja, um direito das sociedades naturais, como a família, e, por
conseguinte, que existam sociedades diversas da sociedade civil ou política. O que se
exclui é que a sociedade política seja concebida como um prolongamento da sociedade
natura:a sociedade política é uma criação dos indivíduos, é o produto da conjunção de
vontades individuais.

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