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RESUMO
Para sustentar nossa visão de política que, mais tarde, será analisada como representação no
romance de Dalcídio Jurandir, buscaremos as teorias expostas e amplamente discutidas por
Hannah Arendt, em sua obra denominada “O que é política?” (2006). O que pretendemos
analisar no conceito de política de Hannah Arendt é, principalmente, que a ação política nunca
se realiza no isolamento, sempre é uma ação em conjunto, configurando um acordo entre
iguais. Dessa forma, por mais que o início da ação política seja obra de um único indivíduo, há
sempre a necessidade de “outros” para que a ação seja concluída. Dalcídio Jurandir, buscando
a sua liberdade e a liberdade do seu “povo miúdo”, faz da sua literatura um ato político.
Dalcídio Jurandir não tomava partido apenas nos embates políticos diretos, na época de
membro do Partido Comunista. Também em seus romances isso era feito. Ele mesmo
declarou, em uma entrevista à Eneida, que sua produção literária tomava partido e isso era
motivo de orgulho para ele. Se por um lado Dalcídio seguia uma tradição de politização que
outros escritores já haviam enveredado, por outro suas referências de engajamento são
direcionadas para uma realidade bem particular: a comunidade amazônica vivida a partir do
Marajó. O escritor acreditava ter um compromisso especial com as pessoas que transitavam
por seus romances. No presente artigo, buscamos analisar a representação da política no
romance. Analisaremos a relação conflituosa – mas repleta de inconstâncias e dualidades –
entre a suposta aristocracia paraense de Antônio Lemos e os pretos cabanos que se
organizavam na periferia se desenvolveu no imaginário dos personagens, principalmente a
partir da matriarca da família Alcântara, D.Inácia. Também será foco de nossa análise a relação
entre D.Inácia, Libânia e Alfredo. Os três personagens convivem na Gentil Bittencourt, 160,
porém algumas atitudes de D.Inácia para com Libânia causam certa incredulidade em Alfredo.
PALAVRAS CHAVES
ABSTRACT
To support our vision of politics, which will later be analyzed as representation in the novel by
Dalcídio Jurandir, we will look for the theories exposed and widely discussed by Hannah Arendt,
in her work called “What is politics?” (2006). What we intend to analyze in Hannah Arendt's
concept of politics is, mainly, that political action never takes place in isolation, it is always a
joint action, configuring an agreement between equals. Thus, however much the initiation of
political action is the work of a single individual, there is always a need for "others" for the action
to be completed. Dalcídio Jurandir, seeking his freedom and the freedom of his “small people”,
makes his literature a political act. Dalcídio Jurandir did not take sides only in direct political
clashes, at the time a member of the Communist Party. This was also done in his novels. He
himself declared, in an interview with Eneida, that his literary production took sides and that he
was proud of. If, on the one hand, Dalcídio followed a tradition of politicization that other writers
had already embarked on, on the other hand, his engagement references are directed to a very
particular reality: the Amazon community lived from Marajó. The writer believed that he had a
special commitment to the people who passed through his novels. In this article, we seek to
analyze the representation of politics in the novel. We will analyze the conflictive relationship -
but full of inconsistencies and dualities - between the supposed paraense aristocracy of Antônio
Lemos and the black huts that were organized in the periphery developed in the imaginary of
the characters, mainly from the matriarch of the Alcântara family, D.Inácia. The relationship
between D.Inácia, Libânia and Alfredo will also be the focus of our analysis. The three
characters live together in Gentil Bittencourt, 160, but some attitudes of D. Inácia towards
Libânia cause a certain disbelief in Alfredo.
KEYWORDS
(Hannah Arendt)
Para sustentar nossa visão de política que, mais tarde, será analisada
como representação no romance de Dalcídio Jurandir, buscaremos as teorias
expostas e amplamente discutidas por Hannah Arendt, em sua obra
denominada “O que é política?” (2006). Arendt era judia alemã, se mudou para
os Estados Unidos devido à perseguição política aos judeus no período do
Nazismo. A sua vivência, de maneira óbvia, se fez presente na sua obra,
principalmente quando a autora escreve sobre os movimentos totalitários e
absolutos e do quanto os mesmos impediram que a política fosse feita da
maneira que Arendt acreditava que deveria ser feita. Ocorre que a perplexidade
diante das catástrofes do século XX e XXI, por exemplo, a recente tensão entre
Estados Unidos e Irã e a - ainda que remota - possibilidade de uma nova
guerra mundial, bem como a constatação de que a destruição total, a
eliminação da Humanidade e de toda vida orgânica da face da Terra é uma
possibilidade real, fez não só com que se questionasse o que representa uma
decisão “política” em uma guerra de extermínio, mas principalmente reforçou
uma já tradicional aversão pela política, o anseio por uma ilusória extinção da
mesma. Dessa forma, pode-se dizer, seguindo a linha de raciocínio de Arendt,
que o fato da “política” ter levado à desumanização completa dos indivíduos
nos campos de concentração e de ter como resultado possível a extinção do
fenômeno humano está por detrás dos preconceitos contra a mesma nas
sociedades atuais, pois na medida em que a política é identificada com
violência, com domínio desconhecedor de limites de uns sobre os outros
norteado por interesses egoístas e mesquinhos, na medida em que, segundo
Arendt (2006), “todo poder corrompe e que o poder absoluto corrompe ainda
mais”, a passividade – mesmo aquela que vivenciamos nas eleições de 2018 e
que ainda a sentimos nas conversas corriqueiras do dia a dia -, a apatia dos
indivíduos, a renúncia ao exercício da cidadania – o aumento dos votos em
branco e a ausência no dia das eleições – têm sido cultivadas.
Dessa forma, podemos dizer que ninguém governa sozinho, sendo que
até mesmo aquele que se utiliza da violência, que governa através de
implementos, precisa de certa organização, do apoio dos outros para a
implementação de seu objetivo ou nas palavras de Arendt, diríamos que
mesmo “o mandante totalitário, cujo maior instrumento de domínio é a tortura,
precisa de uma base de poder – a política secreta e sua rede de informantes”
(ARENDT, 2004, p.128), o que significa dizer que a violência, apesar de ser
uma variável que não pode ser ignorada, não é um operador universal, não
sendo suficiente para constituir uma comunidade política, haja vista que onde a
violência prolifera o poder se esvai. Ressalta-se, porém, que dificilmente
existirá a forma extrema do poder – Todos contra Um -, ou a forma extrema da
violência – Um contra Todos -, o que ocorre é um movimento pendular de
aproximação para cada uma das extremidades.
Dessa forma, a política tal com Arendt a entende, como criação do novo,
do inesperado, como ação plural, resultado do amor ao mundo e não como
violência, não somente se apresenta como alternativa, como algo inerente à
condição humana, mas também representa uma necessidade, pois é condição
para a constituição do indivíduo e da comunidade política na qual nos
movemos. Em outras palavras, o mundo comum, as instituições, o Direito, tudo
aquilo que pretende realizar a mediação entre os homens, erigindo mais
pluralidade e menos deserto, mais compartilhamento do que isolamento, só
pode ser construído se a política for sinônimo de liberdade.
REFERÊNCIAS