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Desenvolvimento Humano
A pessoa madura é um dos produtos mais notáveis que qualquer sociedade pode produzir. É uma catedral viva, a
obra de muitos indivíduos durante muitos anos.
DAVID W. PLATH, Long Engagements
O estudo do desenvolvimento da criança é o estudo das mudanças físicas, cognitivas
e psicossociais que as crianças sofrem a partir do momento da concepção. Cada um
de nós inicia a vida como uma única célula, não maior que a cabeça de um alfinete.
Quando nascemos, nove meses depois, somos organismos inacreditavelmente com-
plexos, compostos de bilhões de células de muitos tipos diferentes. Respiramos por
nós mesmos, exploramos o mundo com nossos sentidos, comemos, e começamos a
assumir o nosso lugar na família e na comunidade que nos criou. Mas somos total-
mente indefesos. Não conseguimos nos virar na cama, nos alimentar, nos manter
limpos e aquecidos, ou nos comunicar, exceto para demonstrar nosso incômodo
através do choro e da inquietação.
Dois anos depois, conseguimos andar, falar, alimentar-nos (com ajuda, certamen-
te) e brincar de faz-de-conta. Quando atingimos os sete, oito anos de idade, conse-
guimos transmitir recados, participar de jogos organizados sem a supervisão de adultos,
e começar a aprender as habilidades especializadas que precisaremos como adultos.
Alguns anos mais tarde, conseguimos raciocinar hipoteticamente, assumir a responsa-
bilidade por nós mesmos e pelos outros, e até gerar nossos próprios filhos.
A tarefa científica básica da psicologia do desenvolvimento é entender como
esse processo notável acontece.
PRIMEIRAS INVESTIGAÇÕES
Embora muitos eventos pudessem ser identificados como o ponto de partida do
estudo do desenvolvimento da criança, nossa história começa certa manhã, na Fran-
ça, no inverno de 1800, quando um menino nu e sujo entrou em uma aldeia na
província de Aveyron, procurando por comida. Há alguns meses, algumas pessoas
do local já haviam percebido o menino enquanto ele escavava procurando raízes,
subia em árvores e corria sobre os quatro membros. Diziam que ele era um animal
selvagem. A notícia espalhou-se rapidamente quando o menino apareceu na aldeia Victor, o Menino Selvagem de Aveyron.
e todos foram vê-lo.
Entre os curiosos estava um funcionário do governo, que levou o menino para
casa e o alimentou. A criança, que parecia ter cerca de 12 anos de idade, parecia
ignorar os costumes e os confortos da civilização. Quando lhe puseram roupas, ele
as rasgou. Recusava-se a comer qualquer coisa que não fossem batatas cruas, raízes
e nozes. Urinava e defecava quando e onde surgisse a necessidade. Os únicos sons
que produzia eram gritos sem significado, e ele parecia indiferente às vozes humanas.
Em seu relatório, o oficial responsável por ele concluiu que o menino havia vivido
sozinho desde o início da sua infância: “um estranho às necessidades e práticas
sociais ... Há ... algo extraordinário em seu comportamento, que o faz parecer próximo
à condição dos animais selvagens” (citado em Lane, 1976, p. 8-9).
Quando o relatório do funcionário chegou a Paris causou sensação. As pessoas
ficaram fascinadas pela história bizarra da criança que os jornais aclamavam como
o “Menino Selvagem de Aveyron”. Os estudiosos esperavam que, estudando a manei-
ra como essa criatura não-civilizada mudou quando passou a participar da sociedade,
pudessem resolver questões há muito tempo em busca de respostas sobre a nature-
za e o desenvolvimento dos seres humanos – perguntas como, por exemplo: Como
Jean-Marc Itard, que tentou transformar
nos diferimos dos outros animais? O que aconteceria se crescêssemos totalmente o Menino Selvagem em um francês
isolados da sociedade humana? Até que ponto somos produtos da nossa criação e civilizado.
experiência, e até que ponto nosso caráter é uma expressão de traços inatos?
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 25
das crianças, por exemplo, chegaram à importante conclusão teórica de que o efeito
do ambiente sobre o desenvolvimento pode ser mensurado. Os pesquisadores des-
cobriram que devido às suas longas horas de trabalho, e ao repouso e à nutrição
inadequados, as crianças que trabalhavam em moinhos têxteis tinham menor estatu-
ra e menos peso do que as crianças locais da mesma idade, que não eram submetidas
a essas condições de vida. As avaliações de desenvolvimento intelectual mostraram
grandes variações nas aquisições das crianças, que pareciam depender da origem
familiar e da experiência individual. Tais achados estimularam a continuação de
um debate científico e social sobre os fatores primariamente responsáveis pelo desen-
volvimento.
Um acontecimento crucial que estimulou um maior interesse no estudo científico
das crianças foi a publicação, em 1859, de A origem das espécies, de Charles Darwin. A
tese de Darwin, de que os seres humanos evoluíram a partir de espécies anteriores
mudou fundamentalmente a maneira de pensar das pessoas a respeito das crianças.
Em vez de adultos imperfeitos – para serem vistos, mas não ouvidos –, as crianças
passaram a ser encaradas como cientificamente interessantes porque seu comporta-
mento proporcionava indícios sobre as maneiras como os seres humanos estão
relacionados a outras espécies. Tornou-se moda, por exemplo, comparar o comporta-
mento das crianças com o comportamento de primatas mais evoluídos para ver se
as crianças passavam por um “estágio de chimpanzé” similar àquele através do
qual imaginava-se que a espécie humana havia evoluído (ver Figura 1.1). Embora
esses paralelos entre as espécies tenham se comprovado supersimplificados, a idéia
de que o desenvolvimento humano deve ser estudado como uma parte da evolução
humana tem conquistado aceitação geral.
Mais para o final do século XIX, a psicologia do desenvolvimento tornou-se
uma forma legítima de pesquisa e prática. Institutos e departamentos especiais
dedicados ao estudo do desenvolvimento começaram a surgir nas principais univer-
sidades norte-americanas e tanto agências governamentais quanto fundações filan-
28 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
entre o desenvolvimento dos seres humanos e de outra vida animal? (2) O desen- filogenia A história evolucionária de uma
volvimento individual é contínuo, consistindo na acumulação gradual de pequenas espécie.
mudanças quantitativas, ou é descontínuo, envolvendo uma série de transforma- cultura O padrão de vida de uma pessoa
ções qualitativas à medida que vamos ficando mais velhos? (3) A maneira que o codificado na sua linguagem e
ambiente afeta o desenvolvimento é contínua ou há períodos na vida de uma pes- observado nos produtos físicos, nas
crenças, nos valores, nos costumes e nas
soa durante os quais algumas experiências são críticas para dar continuidade ao atividades que foram transmitidos de
desenvolvimento normal? geração para geração.
ontogenia O desenvolvimento de um Em segundo lugar, o Homo sapiens molda e transmite a sua cultura para as gera-
organismo durante seu tempo de vida. ções que se seguem principalmente através da linguagem. Não surpreende, portanto,
estágio de desenvolvimento Um padrão que, desde a Antigüidade, a linguagem tenha sido proposta como uma característica
de comportamento qualitativamente definidora da nossa espécie. No século XVII, o filósofo René Descartes expressou
distinto e coerente em si mesmo que eloqüentemente a perspectiva tradicional:
emerge no decorrer do desenvolvimento.
A linguagem é, na verdade, o único sinal seguro do pensamento latente no corpo; todos
os homens a usam, mesmo aqueles que são obtusos ou perturbados, que não têm língua
ou carecem dos órgãos da voz, mas nenhum animal consegue usá-la, e, por isso, é permis-
sível considerar a linguagem a verdadeira diferença entre o homem e a besta (Citado em
Lane, 1976, p. 23).
FIGURA 1.2
Estrela-do-mar: continuidade desenvolvimental Libélula: descontinuidade desenvolvimental (a) Os cursos contrastantes do
desenvolvimento da estrela-do-mar e dos
insetos proporcionam exemplos
idealizados de desenvolvimento contínuo
Nível de desenvolvimento
Nível de desenvolvimento
e descontínuo. Na perspectiva da
continuidade, o desenvolvimento é um
Libélula
adulta
processo de crescimento gradual
(estrela-do-mar pequena, estrela-do-mar
média, estrela-do-mar grande). Na
perspectiva da descontinuidade, o
Pupa desenvolvimento é uma série de
transformações que se processam por
meio de estágios (larva, pupa, adulto).
(b) O desenvolvimento humano inclui
Larva
elementos de continuidade e de
(a) Idade Idade descontinuidade.
Nível de desenvolvimento
Segunda infância
Bebê
Primeira infância
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
(b) Idade (anos)
período crítico Um período durante o teorias dos estágios são confrontadas com vários fatos que parecem violar um ou
qual eventos específicos, biológicos ou mais dos critérios para o desenvolvimento propostos por Flavell.
ambientais são requeridos para que Um problema grave das teorias modernas dos estágios é que, ao contrário da
ocorra um desenvolvimento normal.
sua descrição de mudanças qualitativamente consistentes e abrangentes no compor-
tamento e no modo de pensar, as crianças freqüentemente parecem estar em estágios
diferentes, dependendo da ocasião. Segundo uma importante teoria dos estágios
do desenvolvimento cognitivo, por exemplo, as crianças de quatro anos de idade
estão em um estágio em que o seu pensamento é, em grande parte, egocêntrico,
tornando muito difícil enxergar outro ponto de vista que não o seu próprio. E, na
verdade, as crianças de quatro anos de idade freqüentemente parecem limitadas à
sua própria perspectiva – elas, em geral, não conseguem entender que alguém que
está olhando um objeto de um local diferente do seu pode não enxergar o objeto da
mesma forma que elas mesmas enxergam, ou que alguém que acabou de entrar na
sala não sabe, como elas, o que aconteceu ali antes de ter entrado. Mas, quando
estão falando com uma criança de dois anos de idade, em geral, simplificam sua
fala, aparentemente assumindo a perspectiva da criança menor e compreendendo
que, do contrário, ela pode ter dificuldade para entendê-las. Aos quatro anos de
idade, é provável também que as crianças ignorem as necessidades de um irmão
mais moço, mas freqüentemente se tornem solícitas quando a criança menor parece
perturbada (Dunn, 1988; Eisenberg, 1992). O fato de, em determinado ponto do
seu desenvolvimento, uma criança exibir comportamentos associados com diferentes
estágios parece rebater a idéia de que estar em um estágio particular define as capaci-
dades gerais da criança e sua composição psicológica.
FIGURA 1.3
O etologista Konrad Lorenz propôs a
existência de um período crítico no
desenvolvimento de gansos recém-
chocados, durante o qual eles criam
uma ligação com o primeiro objeto em
movimento que eles vêem. Estes filhotes
de gansos, que foram colocados na
situação de ver Lorenz, em vez de um
ganso adulto, quando saíram da casca,
seguiram-no na água enquanto ele
nadava.
34 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Quando os europeus tomaram conhecimento sobre os povos da crianças nascem com uma percepção inata da virtude que gradual-
África e da Ásia, nos séculos XV e XVI, eles debateram a fonte das mente emergeria com o tempo, não fosse sua exposição à civilização.
diferenças físicas e comportamentais óbvias entre esses povos e eles
Em Emile (1762/1911), livro que era em parte novela e em parte
próprios. Será que essas criaturas eram humanas, pensaram eles?
um tratado sobre educação, Rousseau apresentou sua opinião so-
Será que eram também filhos de Deus, e se eram, por que tinham
bre as tentativas dos adultos de educar as crianças para a virtude:
uma aparência tão diversa e agiam tão diferente deles? Nos tem-
pos modernos, esse debate questionaria se essas pessoas de fora Deus faz todas as coisas boas. O homem se mistura com elas e
eram diferentes em sua natureza básica ou se eram diferentes devi- elas se tornam más. Ele obriga um solo a produzir os produtos
do às condições da sua educação. de outro, uma árvore a dar os frutos de outra. Ele confunde e
mistura tempo, lugar e condições naturais. Ele mutila o seu cão,
Os europeus faziam perguntas similares uns sobre os outros. Os
o seu cavalo e o seu escravo. Ele destrói e desfigura todas as
camponeses e os príncipes eram diferentes por que Deus quis as-
coisas; ... ele não terá nada como a natureza fez, nem mesmo o
sim? Ou eram diferentes por que tinham sido expostos a experiências
próprio homem, que deve aprender o seu caminho como um
diferentes depois que entraram no mundo? Essas não eram questões
cavalo selado e ser moldado segundo o gosto do seu dono, como
abstratas, de interesse apenas para os filósofos. Eram questões de
as árvores do seu jardim. (p. 5)
profundo significado político. Durante séculos, os reis e os nobres
declararam que tinham um direito concedido por Deus de governar Nessa história da educação de Emile, Rousseau proporcionou uma
os outros, pelo fato de serem naturalmente superiores em virtude visão da infância e da educação em que o papel do cuidador é
do seu nascimento. proteger a criança das pressões da sociedade adulta. Emile, que
representa Toda Criança, é descrito não como um adulto incompleto
No início da era moderna, dois filósofos cujos escritos teriam gran-
que precisa ser aperfeiçoado através da instrução, mas como um
de influência na história do desenvolvimento da criança, John Locke
ser humano integral cujas habilidades são adequadas à sua idade.
e Jean-Jacques Rousseau, desafiaram o ponto de vista segundo o
Emile passa por vários estágios naturais de desenvolvimento. Em
qual as diferenças humanas eram determinadas principalmente pelo
cada um deles, suas atividades são apropriadas às suas necessidades
nascimento. Suas opiniões sobre as diferenças humanas e a
na época e elas são guiadas por um adulto que usa práticas educa-
desigualdade social estavam diretamente relacionadas às suas cren-
cionais adequadamente reguladas. Como declarou William Kessen
ças sobre o desenvolvimento da criança.
(1965), essas idéias sobre estágios de desenvolvimento foram, mais
John Locke tarde, assumidas por psicólogos do desenvolvimento e permane-
cem influentes até hoje.
O filósofo inglês John Locke (1632-1704) propôs que a mente da
criança é uma tábula rasa, uma folha em branco sobre a qual a Locke, Rousseau e o mundo moderno
experiência escreve a sua história. Em Some thoughts concerning
A noção de tábula rasa de Locke e a visão do homem natural de
education (1699/1938), Locke expressou o pressuposto central que
Rousseau têm sido corretamente criticadas e, às vezes, ridicularizadas
guiou seu pensamento:
nos séculos decorridos desde que os dois filósofos morreram. A pes-
As pequenas e quase insensíveis Impressões sobre a nossa mais quisa moderna deixa claro que não somos folhas em branco quando
tenra Infância têm Conseqüências muito importantes e duradou- nascemos; entramos no mundo com cérebros extremamente
ras: E são elas, como acontece nas Fontes de alguns Rios, em estruturados. Nem é plausível que algum dia tenha existido um esta-
que uma suave Aplicação da Mão transforma as águas flexíveis do puramente “natural” da humanidade, que o mundo moderno
em Canais, que as fazem seguir Cursos totalmente contrários e, corrompe. Quando Victor, o Menino Selvagem que realmente cres-
por esta pequena Direção a elas dada de início na Fonte, elas ceu em um “estado de natureza”, comportou-se de maneira ultrajan-
recebem diferentes Tendências, e chegam finalmente a Locais te durante uma de suas saídas com Itard, as pessoas brincaram:
muito remotos e distantes. (p. 1-2) “Se Rousseau pudesse ver seu nobre selvagem agora!”
Locke não negava que há limites que a “Aplicação da Mão” pode No entanto, a sabedoria comum subjacente às visões de Locke e de
alcançar. Não se pode fazer a água correr rio acima. Ele acreditava Rousseau sobre o papel crucial da experiência na moldagem do
que as crianças nasciam com “temperamentos e propensões” dife- comportamento humano permanece válida. Em 1776, os Estados
rentes e aconselhava que a instrução fosse adaptada de modo a se Unidos da América foram fundados como uma república baseada
adequar a essas diferenças, uma visão que permanece central às em uma profunda fé na verdade “auto-evidente” de que “todos os
modernas teorias da educação. Mas Locke afirmou claramente que homens são criados iguais”. Em uma época anterior, quando reis e
a educação, na forma de adultos que “canalizam” os impulsos iniciais nobres eram regulados pelo “direito divino”, a expressão aberta
das crianças, é o fator-chave na criação das principais diferenças dessas idéias teria sido impensável. Uma indicação clara da impor-
entre as pessoas. tância política da crença de que os seres humanos podem moldar o
curso do seu desenvolvimento organizando seus ambientes é o fato
Jean-Jacques Rousseau de que, quando o arcebispo de Paris leu Emile, fez tudo para que
O filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) também de- prendessem Rousseau. Alertado por amigos, Rousseau fugiu da
clarou que as diferenças entre as pessoas são fundamentalmente França.
resultado da experiência, mas sua visão das crianças e do papel dos Com a aceitação da idéia de que as crianças nascem boas, ou pelo
adultos no seu treinamento diferia daquela de Locke. Rousseau afir- menos não más, veio uma profunda obrigação de confrontar desi-
mava que as crianças não nascem como folhas em branco nem – gualdades óbvias nas condições de desenvolvimento das vidas das
como era comumente defendido por muitos pensadores da época – crianças. Finalmente, a maioria das pessoas passou a aceitar a idéia
como seres pecadores por natureza. Em vez disso, Rousseau dizia de que a sociedade deve assumir alguma responsabilidade pelo bem-
que, em um estado natural, o homem nasce puro e vai ser corrompido estar das crianças – e, na verdade, pelo bem-estar de todo o povo.
pela exposição à civilização moderna. Além disso, declarava que as
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sua mãe – e, em seguida, seguem o objeto para onde ele vá. A natureza crítica desse
período é ilustrada pelo fato de que, se o primeiro objeto em movimento que eles
virem for um homem (como o etologista Konrad Lorenz, mostrado na Figura 1.3),
os filhotes ficam ligados àquela pessoa como ficariam à sua mãe. Se forem impedidos
de ver qualquer objeto em movimento durante um determinado número de horas
após o choco, eles não ficam ligados a nada.
Embora a noção de períodos críticos de “tudo-ou-nada” pareça restritiva com
relação ao desenvolvimento humano, muitos psicólogos do desenvolvimento defen-
dem a idéia de períodos “sensíveis”. Um período sensível é uma época propícia
para a ocorrência de algumas mudanças evolutivas e é quando as influências am-
bientais têm maior probabilidade de ser eficientes no estímulo da sua ocorrência.
Por exemplo, para as crianças desenvolverem habilidades de linguagem normais, é
essencial que elas estejam expostas à linguagem durante a infância, mas não há
um período específico durante a infância em que se saiba que a produção de lingua-
gem seja essencial. As crianças parecem ser mais sensíveis à produção de linguagem
nos primeiros anos da vida, mas, mesmo que não sejam regularmente expostas à
linguagem até os seis ou sete anos de idade, parece que ainda são capazes de adquiri-
la. Depois disso, o risco de não conseguir adquirir linguagem aumenta (Grimshaw
et al., 1998; Johnson e Newport, 1989).
Os períodos sensíveis podem não se limitar a mudanças evolutivas que envolvem
a prontidão biológica. Yasuko Minoura (1992) relata a existência de um “período
sensível cultural”. Ela descobriu que as crianças japonesas que haviam residido nos
Estados Unidos durante quatro anos, entre as idades de 9 e 13 anos, tiveram grande
dificuldade em se reincorporar à sociedade japonesa quando voltaram à sua terra
natal como adolescentes. Elas haviam aprendido e aceitado uma maneira de pensar
e sentir americana que fazia a maneira de interagir e pensar japonesa parecer estra-
nha. Por exemplo, aquelas que retornaram ao Japão relatavam que achavam difícil
evitar ser abertos e explícitos sobre seus sentimentos, e isso lhes causava problemas
com as crianças japonesas que encontravam. Não aconteceu o mesmo com as crianças
menores que passaram um período de tempo igual nos Estados Unidos, mas que
voltaram ao Japão antes dos 11 anos de idade. A reinserção das crianças menores
na cultura japonesa, embora não isenta de problemas, foi rápida e completa.
e especulações do senso comum. Depois, tentam testar suas idéias de maneira que objetividade A exigência de que o
proporcionem respostas claras e que permitam às outras pessoas comprovar seu conhecimento científico não seja
raciocínio e seus procedimentos. Os psicólogos usam quatro critérios gerais para distorcido por preconceitos do
investigador.
julgar as conclusões derivadas de investigações do comportamento das crianças:
objetividade, confiabilidade, validade e replicabilidade. confiabilidade A exigência científica de
que, quando o mesmo comportamento é
Para serem úteis na construção de um relato disciplinado do desenvolvimento avaliado em duas ou mais ocasiões pelo
humano, os dados devem ser coletados e analisados com objetividade, ou seja, mesmo observador ou por observadores
não devem ser distorcidos por preconceitos do investigador. A objetividade total é diferentes, as avaliações sejam
consistentes uma em relação à outra.
impossível de ser conseguida na prática porque todos os seres humanos – inclusive
os psicólogos – já chegam ao estudo do comportamento com crenças que influenciam validade A exigência científica de que os
dados que estão sendo coletados
suas interpretações a respeito do que vêem. Mas a objetividade continua sendo um realmente reflitam o fenômeno que está
ideal importante com o qual trabalhar. sendo estudado.
Os dados de pesquisa devem exibir a propriedade da confiabilidade em dois replicabilidade A exigência científica de
sentidos. Em primeiro lugar, a cada vez que as condições que produziram os dados que outros pesquisadores possam usar
originais são repetidas, elas devem produzir os mesmos resultados. Em segundo os mesmos procedimentos como fez um
investigador inicial e obter os mesmos
lugar, observadores independentes devem concordar em suas descrições dos resulta- resultados.
dos. Suponhamos que um queira saber como bebês inquietos comportar-se-ão quan- amostra representativa Uma amostra de
do uma chupeta for retirada deles enquanto estiverem sugando-na (Goldsmith e pessoas que reflita todas as
Campos, 1982). As declarações sobre o grau de aflição do bebê são consideradas características da população em geral
que o pesquisador está interessado em
confiáveis no primeiro sentido, caso o primeiro nível de aflição (medido em termos conhecer.
do choro ou da inquietação) encontrado seja mais ou menos o mesmo em ocasiões
sucessivas em que a sucção do bebê for interrompida. As declarações são considera-
das confiáveis no segundo sentido se observadores independentes concordam so-
bre a maneira como o bebê se torna aflito cada vez que se tira a chupeta dele.
A validade significa que os dados que estão sendo coletados realmente refletem
o fenômeno que o pesquisador declara estar estudando. Digamos, por exemplo, que
um pesquisador tenha formulado a hipótese de que a aflição que os bebês exibem
quando sua sucção é interrompida reflita uma permanente predisposição para se
tornar irritável quando frustrados. Para testar essa hipótese, o pesquisador deve
observar como os bebês reagem quando um chocalho é removido da sua mão ou
quando eles não são alimentados na hora. Se não se tornam aflitos nessas condições,
isso pode significar que a hipótese está incorreta. Contudo, poderia também signifi-
car que retirar um chocalho ou não manter um horário de alimentação não seja
uma medida válida da frustração infantil.
Na pesquisa científica, a replicabilidade, a quarta exigência, significa que outros
pesquisadores podem usar os mesmos procedimentos que um investigador inicial
utilizou e obter os mesmos resultados. Nos estudos da capacidade de imitação dos
recém-nascidos, por exemplo, alguns pesquisadores relatam que os recém-nascidos
imitam algumas expressões faciais exageradas que eles vêem outra pessoa fazer
diretamente na frente deles. Entretanto, usando os mesmos métodos, outros investi-
gadores não encontraram evidência dessa imitação em recém-nascidos (ver Capítulo
4, p. 146). Somente se algum achado, sob as mesmas condições, for obtido repetidas
vezes por investigadores diferentes, há a probabilidade de ser considerado firme-
mente estabelecido pela comunidade científica.
Quando os estudiosos do desenvolvimento estão analisando grupos, um quinto
critério, a amostragem representativa, em geral entra em jogo. Na maioria das vezes, as
populações que os pesquisadores estão interessados em conhecer são grandes de-
mais para serem estudadas em sua totalidade e, por isso, devem estudar amostras
dessas populações. Nesses casos, é importante que eles estudem uma amostra re-
presentativa da população do seu interesse, ou seja, uma amostra que reflita todas
as características – inclusive idade, sexo, situação socioeconômica, etnia, etc. – da
população geral do seu interesse. Isso porque conclusões extraídas de dados coletados
de um grupo de pessoas podem não ser aplicáveis a outros grupos com características
diferentes. Por exemplo, um estudo da quantidade de ansiedade que os bebês exibem
quando são brevemente separados de suas mães pode produzir um conjunto de
resultados se o estudo examina bebês de famílias de classe média e um outro conjunto
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 39
auto-relato Um método de coleta de de resultados se examina bebês de lares da classe operária da mesma localidade ou
dados pelo qual as pessoas relatam seus de lares da classe média de uma localidade diferente.
próprios estados psicológicos e seu
comportamento.
observação naturalista Observação do
MÉTODOS DE COLETA DE DADOS
comportamento real das pessoas No último século, os psicólogos aprimoraram vários métodos para a coleta de infor-
durante sua vida cotidiana.
mações sobre o desenvolvimento das crianças. Entre os mais amplamente usados
biografia do bebê Um relato detalhado estão os auto-relatos, as observações naturalistas, as experiências e as entrevistas
feito pelo pai/mãe sobre o comporta-
mento de um bebê durante um extenso clínicas. Nenhum método pode responder a todas as questões sobre o desenvolvi-
período de tempo. mento humano, mas cada um tem um papel estratégico a desempenhar sobre o
tópico. Freqüentemente, os pesquisadores usam um ou mais métodos combinados
para confirmar suas conclusões.
Auto-relatos
Talvez a maneira mais direta de se obter informações sobre o desenvolvimento psico-
lógico seja por meio de auto-relatos, ou seja, respostas das pessoas a perguntas
sobre elas próprias. Os psicólogos, em geral, realizam entrevistas para obter auto-
relatos, mas podem também usar questionários escritos ou uma folha de verificação
comportamental (uma lista dos comportamentos que o indivíduo assinala quando
ocorrem). Tópicos diferentes como o desenvolvimento de pensamentos e sentimentos
dos adolescentes sobre si mesmos (Harter, 1998) e técnicas disciplinares dos pais
(McGillicuddy-DeLisi e Sigel, 1995) foram investigados dessa maneira. Alguns pes-
quisadores proporcionam bipes aos adolescentes, que soam a intervalos aleatórios
no decorrer do dia, lembrando aos adolescentes de preencher um questionário sobre
o que estavam fazendo e sentindo quando o bipe tocou (Larson e Richards, 1998).
Os auto-relatos obtidos por meio de entrevistas e questionários podem proporcio-
nar informações detalhadas das experiências de vida da pessoa que, do contrário,
poderiam escapar à percepção dos investigadores. Contudo, são também extrema-
mente suscetíveis a imprecisões. Essa dificuldade é óbvia no caso de crianças muito
pequenas, que podem não entender as perguntas que lhes estão sendo feitas. Mas é
também uma dificuldade séria com adultos, que, provavelmente, serão seletivos
naquilo que estão dispostos a relatar sobre si mesmos e sobre seus filhos (Brewin,
Andrews e Gotlib, 1993). A memória seletiva dos pais também é um problema nos
relatos retrospectivos a longo prazo, em que os pais lembram como era o comporta-
mento dos seus filhos quando eles eram bem pequenos e quais eram suas próprias
reações a ele.
Observações naturalistas
A maneira mais direta de reunir informações objetivas sobre as crianças é estudá-
las através de observações naturalistas, ou seja, observá-las durante suas vidas
cotidianas e registrar o que acontece. Como a presença de um estranho (ou seja, do
pesquisador) pode ser invasiva em muitas situações, a estratégia ideal é conseguir
que as crianças sejam observadas por alguém que, em geral, passe algum tempo
com elas – pai/mãe ou uma professora, por exemplo.
No século XIX, vários cientistas começaram a escrever biografias do bebê,
diários em que registravam observações de seus próprios filhos. O mais famoso
desses relatos é o registro diário de Darwin (1877) do desenvolvimento inicial do
seu filho mais velho (Figura 1.4). Documentando o desenvolvimento do seu filho e
determinando que características ele compartilhava com outras espécies em diferen-
FIGURA 1.4
tes idades, Darwin esperava encontrar apoio para sua tese da evolução humana.
O naturalista Charles Darwin ficou Jean Piaget (1952b, 1954), psicólogo do desenvolvimento, também manteve um
famoso por sua teoria da evolução. Suas diário do desenvolvimento de seus filhos, o qual serviu de base para sua importante
observações sobre seu filho, que ele
registrou em uma biografia do bebê, teoria do desenvolvimento cognitivo. (Vamos encontrar trechos dessa obra em vários
proporcionam uma das primeiras momentos no decorrer deste livro.) Outra forma de manutenção de diário, em que
descrições sistemáticas do os pais documentam cuidadosamente o desenvolvimento das habilidades de lin-
desenvolvimento do bebê.
40 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
guagem dos seus filhos, tem sido extremamente útil no estudo da aquisição da etologia Uma ciência interdisciplinar que
linguagem (Fenson et al., 1994; Tomasello, 1992). estuda as bases biológicas e
Uma importante virtude das biografias do bebê escritas por familiares é que os evolucionárias do comportamento.
autores passam muito tempo com seus pesquisados e têm a oportunidade de observá- etnógrafos Estudiosos que estudam a
los tanto nas situações de rotina como em circunstâncias não-usuais. Por exemplo, organização cultural do comportamento.
Marilyn Shatz (1994) foi capaz de documentar o desenvolvimento de seu neto sobre ecologia A variedade de situações em
a percepção dos processos de pensamento das outras pessoas porque ela passava que as pessoas são atores e os papéis
que desempenham, as dificuldades que
muito tempo com ele e ele a conhecia bem. Um dos muitos momentos comoventes encontram e as conseqüências desses
de revelação dessa evidência surgiu quando ela equivocadamente achou que ele encontros.
havia urinado no pijama. Percebendo a reação dela, ele disse: “Você pensou que eu
tivesse feito xixi”. Esse comentário claro indicava que ele havia atingido um marco
no seu desenvolvimento cognitivo: a percepção de que as pessoas podem ter idéias
que sejam contrárias ao fato. Um achado sutil como esse pode não ser revelado em
testes conduzidos por uma pessoa estranha.
Apesar de suas virtudes, especialmente quando escritas por estudiosos do desen-
volvimento bem treinados, as biografias dos bebês devem ser usadas com grande
cautela porque nem mesmo cientistas conseguem, em geral, manter a objetividade
quando descrevem seus próprios filhos. Como comenta o psicólogo William Kessen,
“ninguém consegue distorcer de maneira tão convincente quanto um pai/mãe amo-
roso” (1965, p. 117).
Outras formas de observação naturalista são mais comumente usadas. Para os
etologistas, por exemplo, a observação naturalista é um instrumento de pesquisa
importante. A etologia é uma ciência interdisciplinar que estuda as bases biológicas,
evolucionárias do comportamento (Hinde, 1987). Os etologistas enfatizam muito a
observação naturalista porque acreditam que comportamentos biologicamente im-
portantes que afetam o desenvolvimento humano são melhor estudados nos ambien-
tes que são importantes para as vidas cotidianas das pessoas (Savin-Williams, 1987).
F. Francis Strayer e A. J. Santos (1996) realizaram observações naturalistas,
nessa tradição, quando estudaram a maneira como as crianças interagem em salas
de aula de pré-escola. Observando e registrando quem interagia com quem e a na-
tureza das interações, Strayer e Santos descobriram que as hierarquias sociais de-
senvolvem-se espontaneamente nas classes de pré-escola, assim como acontece com
algumas espécies animais. Uma vez desenvolvidas, essas hierarquias sociais regu-
lam as interações que as crianças realizam umas com as outras.
A observação naturalista é também favorecida pelos etnógrafos, que estudam
a organização cultural do comportamento. Nas mãos dos estudiosos do desenvolvi-
mento, as descrições etnográficas proporcionam um conhecimento detalhado das
maneiras que as experiências das crianças são organizadas pelos pais e pelas comu-
nidades, assim como as muitas maneiras que as crianças reagem a essa organização.
Edward Tronick e sua equipe, por exemplo, documentaram como os bebês nascidos
na tribo dos forrageiros Efe da floresta Ituri do Congo são rotineiramente cuidados
por várias pessoas e, provavelmente, amamentados por várias mulheres. Esse padrão,
que parece tão estranho em relação às idéias ocidentais sobre criação de filhos, é
essencial à maneira de viver dos forrageiros Efe e aceita pelas crianças Efe como
naturais (Tronick, Winn e Morelli, 1985).
Observação em muitos contextos. As observações naturalistas podem ser confinadas
a um único contexto ou podem ser empregadas para reunir dados em muitos contex-
tos. Esse último tipo de estratégia de observação é freqüentemente usada para estudar
a ecologia de uma criança, termo derivado da palavra grega que significa “casa”. Nas
ciências biológicas, a “casa” é o hábitat de uma população de plantas ou animais e
a ecologia dessa população é o padrão do seu relacionamento com seu ambiente.
Em psicologia, a ecologia se refere à variedade de situações em que as pessoas são
atores, os papéis que desempenham, as situações que encontram e as conseqüências
desses encontros (ver Figura 1.5) (Bronfenbrenner e Morris, 1998).
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 41
FIGURA 1.5
A abordagem ecológica vê as crianças MACROSSISTEMA
no contexto formado por todos os vários
ambientes em que ela habita em seu
cotidiano (microssistemas). Esses EXOSSISTEMAS
ambientes são relacionados uns com
os outros de várias maneiras (mesos-
sistemas), que são por sua vez ligados a MESOSSISTEMAS
ambientes e a instituições sociais em que
Co
as crianças não estão presentes, mas
al
ns
que têm uma importante influência no
loc
elh
r MICROSSISTEMAS
seu desenvolvimento (exossistemas). La
o
tria
es
Todos esses sistemas são organizados
ús
co
Lar
Ind
Amb
lar
em termos das crenças e ideologias Ambiente religioso
dominantes da cultura (o macrossistema). Crianças Crianças
iente
Irmão Pares
relig
Pais Adultos
ioso
Me
Escola Vizinhança
ios
Crianças Crianças
de
Esco
com
Pares Adultos
la
al
uni
loc
Professores Pares
caç
no
ão
ver
Go
de
ma
ssa
Vizinhança
que as crianças possuem aos sete anos de idade e das muitas exi- DOONESBURY Por Garry Trudeau
gências sociais que são rotineiramente feitas às crianças. (Você
vai obter mais informações sobre esse estudo no Capítulo 12). COMO O QUE
OS MENINOS FORTES TÊM
TODA A ATENÇÃO. A SRA.
Por várias razões práticas, poucos estudos ecológicos se aproxi- ESTÁ
A PRÉ-
BEM, EU QUER
DIZER,
JASPER NÃO É JUSTA EM
ACHO. FORA NÃO DEIXAR AS MENINAS
mam do escopo do estudo de Barker e Wright. A maioria dos inves- ESCOLA, QUE EU ALEX?
RESPONDER AS
QUERIDA? NUNCA PERGUNTAS.
tigadores que estudam as crianças em uma variedade de contextos CONSIGO
é obrigada a ser mais eletiva. Eles, em geral, decidem antecipada- DIZER
NADA...
mente observar um tipo específico de comportamento em diferen-
tes contextos ou escolhem alguns importantes contextos e obser-
vam os vários comportamentos que as crianças exibem neles. Por
exemplo, em um estudo do papel do brinquedo nas vidas de crian-
ças pequenas maias de diferentes idades, morando em uma afasta-
da aldeia rural do sudeste do México, Susan Gaskins (1999) usou
a última abordagem, observando as crianças por um total de várias
horas no decorrer de vários dias. Ela fez “observações pontuais”,
registrando o que as crianças estavam fazendo em momentos dife- TALVEZ EU DEVA TER
UMA CONVERSINHA
rentes do dia para ter a certeza de haver captado toda a variedade HMM... COM ELA.
de atividades das crianças. Cada período de observação durava
MAMÃE, ELA
uma hora, período em que Gaskins tentava realizar um registro NUNCA VAI
OUVIR VOCÊ.
detalhado de como as crianças estavam e o que estavam fazendo. MANDE O PAPAI.
Descobriu que, em comparação com as crianças que vivem nos
Estados Unidos, as crianças pequenas maias que vivem na zona
rural passam grande parte do tempo observando as atividades
rotineiras dos adultos e começam a ter um papel ativo nas tarefas
domésticas diárias desde tenra idade, pegando lenha, tirando água
e ajudando na preparação de alimentos. Como resultado, as crian-
ças maias passam um tempo consideravelmente menor envolvidas O Cartunista Gary Trudeau comenta
em brincadeiras de faz-de-conta, que talvez seja a atividade dominante das crianças sobre o fenômeno estabelecido na
pequenas nas sociedades industrializadas. pesquisa de observação de que as
professoras reagem diferentemente aos
Observação em um contexto isolado. A própria amplitude da abordagem ecológica torna- meninos e às meninas em suas salas de
aula.
a demorada e de aplicação dispendiosa. Em vista disso, os psicólogos do desenvolvi-
mento freqüentemente restringem suas observações a um único ambiente social, que
é amplamente observado e importante nas vidas das crianças, observando em detalhes
municiosos as interações face a face entre as crianças ou entre crianças e adultos.
Um estudo clássico realizado por Lisa Serbin e sua equipe (1973), por exemplo,
examinou as interações dos professores e alunos em 15 salas de aula de pré-escola
para ver se algum comportamento da professora poderia estar involuntariamente
encorajando a agressividade nos meninos e a dependência nas meninas. Verificaram
que as professoras não prestavam igual atenção ao mau comportamento de meninos
e meninas. As professoras castigavam os meninos publicamente por uma proporção
maior dos seus maus comportamentos do que às meninas pelos delas. Com freqüên-
cia, esse tratamento seletivo parecia aumentar a agressividade entre os meninos.
Em um conjunto de observações paralelas, os pesquisadores descobriram que as
professoras recompensavam o comportamento dependente das meninas prestando
mais atenção àquelas que se sentavam mais próximo, ao mesmo tempo, prestavam
igual atenção a todos os meninos, não importando onde eles estivessem sentados
na classe. Esses achados foram confirmados em um grande número de estudos
(Ruble e Martin, 1998). Uma vez descobertas tais práticas, novos padrões de interação
puderam ser sugeridos às professoras a fim de estimular um comportamento mais
adequado em alunos de ambos os sexos. Um importante destaque dessa linha de
pesquisa tem sido a introdução, em algumas escolas, de classes só femininas em
algumas áreas do currículo, como matemática, como uma maneira de melhorar o
desempenho educacional das meninas.
Limitações das observações naturalistas. Os estudos de observação são um marco na
pesquisa de desenvolvimento da criança e uma fonte fundamental de dados sobre
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 43
correlação A condição que existe entre tal desenvolvimento. O que podemos aprender com isso é, no entanto, limitado. Os
dois fatores, quando as mudanças em observadores entram em cena com expectativas sobre o que vão ver, e todos nós
um fator são associadas a mudanças no tendemos a observar seletivamente, segundo as nossas expectativas. Um observador
outro.
não consegue escrever tudo e, por isso, algumas informações são inevitavelmente
experimento Em psicologia, a pesquisa perdidas. Em alguns estudos, esquemas de anotação pré-estabelecidos especificam
em que uma mudança é introduzida na
experiência de uma pessoa e o efeito o que observar e como relatá-lo. A desvantagem desses esquemas é que eles não são
dessa mudança é medido. flexíveis o bastante para levar em conta eventos inesperados, de forma que os deta-
hipótese científica Uma suposição lhes também são freqüentemente perdidos. Se passa algum tempo entre um evento
precisa o bastante para ser testada e e a anotação, as observações podem ser ainda mais distorcidas, porque a lembrança
poder mostrar-se incorreta. seletiva das pessoas acentua o problema de uma observação também seletiva
(D’Andrade, 1974). Os registros do comportamento em fitas de vídeo ou filmes são
úteis, mas requerem um tempo excessivo para serem analisados.
Outra dificuldade da pesquisa de observação é que, quando as pessoas sabem
que estão sendo observadas, muitas vezes se comportam diferentemente do que se
comportariam normalmente (Hoff-Ginsberg e Tardiff, 1995). Esse problema foi
claramente demonstrado por um estudo de laboratório em que Zoe Graves e Joseph
Glick (1978) pediram às mães para ajudar seus filhos de 18 a 25 meses a completar
um jogo de quebra-cabeça. Para determinar a influência do fato de estar sendo
observado sobre o comportamento das mães, Graves e Glick disseram à metade das
mães que o equipamento de vídeo que seria usado para registrar suas interações
não estava funcionando. Eles descobriram que as mães que acreditaram que não
estavam sendo filmadas foram de menor ajuda a seus filhos do que aquelas que
acreditavam que suas ações estavam sendo registradas.
Talvez o principal problema da observação naturalista seja o fato de ela rara-
mente permitir aos pesquisadores estabelecer a existência de relacionamentos causais
entre os fenômenos, um objetivo básico da ciência. As observações naturalistas po-
dem estabelecer se existe uma correlação entre dois fatores, ou seja, se as mudan-
ças em um fator variam de acordo com as mudanças em outro. Mas uma correlação
não nos pode dizer se um fator causa o outro ou se ambos os fatores são causados
por um terceiro fator, não-determinado (ver Destaque 1.2). Em seu estudo ecológico,
por exemplo, Barker e Wright descobriram que as crianças agiam de maneira mais
amadurecida na igreja do que em uma loja. Mas não houve como saber, por exemplo,
se isso acontecia porque a natureza do ambiente da igreja evocava um comportamen-
to amadurecido ou porque os pais das crianças estavam ali para observá-las. Questões
similares surgem no estudo realizado por Serbin e sua equipe. As professoras castiga-
vam os meninos por seu mau comportamento com mais freqüência do que castiga-
vam as meninas porque tinham estereotipado os meninos como desordeiros que
precisavam de disciplina para serem mantidos na linha ou porque simplesmente
percebiam com mais freqüência o mau comportamento dos meninos do que das
meninas? Questões similares podem ser levantadas sobre quase qualquer estudo de
observação do comportamento. Para tentar resolver essas questões, os psicólogos
recorrem a métodos experimentais.
Métodos experimentais
Um experimento psicológico, em geral, consiste em introduzir alguma mudança
na experiência de uma pessoa ou de um animal e, depois, medir qualquer efeito
que a mudança provoque no comportamento da pessoa ou do animal. O ideal é que
todas as outras possíveis influências causais sejam mantidas constantes enquanto
o fator de interesse é variado para determinar se esse fator realmente produz uma
diferença. Se uma experiência é bem planejada e executada, deve proporcionar um
meio de confirmar ou não confirmar uma hipótese científica sobre as causas do
comportamento observado. Uma hipótese científica é uma suposição precisa o bas-
tante para ser testada e poder mostrar-se incorreta. Se não há como refutar a hipótese,
ela tem pouco valor científico.
44 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Valores y
Valores y
os fatores que parecem estar associados com o desenvolvimento 6 6
em questão. Diz-se que dois fatores são correlatos um ao outro quan- 4 4
do as mudanças em um estão relacionadas às mudanças no outro.
2 2
À medida que as crianças vão crescendo, por exemplo, elas exibem
uma maior capacidade para recordar listas de palavras, ou seja, a 0 0
0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10
idade das crianças está relacionada à sua capacidade de se lembrar.
Valores x Valores x
Similarmente, quanto mais elevada a classe social dos pais, maior a
realização de seus filhos na escola, ou seja, a realização na escola (a) (b)
está correlacionada à classe social. Correlações como essas podem
proporcionar importantes sugestões sobre os fatores causais no de- 10 10
senvolvimento, mas, como veremos, elas não conseguem especifi-
8 8
car a causa real.
Valores y
Valores y
6 6
O primeiro passo na determinação da possível importância de uma
correlação é estabelecer sua força. Para isso, os pesquisadores usam 4 4
um coeficiente de correlação (simbolizado como r), que proporcio- 2 2
na um índice quantitativo do grau de associação entre dois fatores. 0 0
Um coeficiente de correlação permite aos psicólogos distinguir entre 0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10
relacionamentos que ocorrem com significativa regularidade e aque-
Valores x Valores x
les que ocorrem por acaso.
(c) (d)
Um coeficiente de correlação que descreve o relacionamento entre
fator X e fator Y pode variar tanto em tamanho quanto em direção. Quatro relacionamentos possíveis entre duas variáveis: (a) Quando os
Quando r = 1,00, há uma correlação positiva perfeita entre os dois valores de x aumentam, os valores de y aumentam, produzindo uma
fatores, significando que, quando o fator X muda, o fator Y muda correlação de 1,00. (b) Quando os valores de x aumentam, os valores
na mesma direção. Quando r = – 1,00, há uma correlação negativa de y diminuem, produzindo uma correlação de – 1,00. (c) Quando os
valores de x aumentam, os valores de y freqüentemente aumentam,
perfeita entre o fator X e o fator Y, significando que quando o fator
mas há algumas exceções, produzindo uma correlação de 0,84. (d)
X muda, o fator Y muda na direção oposta. Por exemplo, se cada Quando os valores de x aumentam, os valores de y mostram uma
aumento na idade em uma população fosse acompanhada por um tendência fraca, mas perceptível, a aumentar, produzindo uma
aumento no peso, a correlação entre a idade e o peso seria 1,00. correlação de 0,33.
Se, em vez disso, as pessoas sempre perdessem peso à medida que
envelhecessem, a correlação seria – 1,00. Se a idade e o peso não
estão de modo algum relacionados, a correlação seria 0,00. Os
valores intermediários positivos ou negativos de um coeficiente de
correlação indicam níveis intermediários de associação. Por exemplo, mais alta nos testes de inteligência do que seus companheiros da
há uma correlação de aproximadamente 0,50 entre a altura dos mesma idade, mas mais baixos (Tanner, 1990). Como nada em
pais e de seus filhos, indicando que pais altos tendem a ter filhos relação à altura das crianças pode, plausivelmente, ser considerado
altos (Tanner, 1990). causa da sua inteligência, e nada com referência à inteligência das
crianças pode ser dito que cause a sua altura elevada, algum outro
Uma correlação pode apontar para um relacionamento causal entre fator (como nutrição, por exemplo) deve ser a causa de ambos.
dois eventos, mas, como foi apontado acima, correlação não é o
mesmo que causa. Ou seja, a correlação não estabelece que a Os casos mais enganosos são aqueles em que o possível relaciona-
ocorrência de um evento cause a ocorrência de outro. Em alguns mento de causa e efeito entre duas variáveis poderia plausivelmente
casos, pode ser tão provável que o fator X seja causado pelo fator Y, atuar em qualquer direção. Por exemplo, há uma correlação de
como que o fator X esteja causando o fator Y. Em outros casos, 0,50 entre as notas atuais das crianças na escola e suas pontuações
pode ser que as mudanças correlacionadas em X e Y estejam sen- nos testes de QI padronizados (Minton e Schneider, 1980). Tendo
do causadas por algum terceiro fator. como base essa associação, poderia ser tentador concluir que a
inteligência causa sucesso na escola. Embora essa explicação se
A dificuldade em distinguir a correlação da causa é freqüentemen- ajuste às idéias de muitas pessoas sobre o sucesso na escola, pode
te uma fonte de controvérsia científica. Em um caso, como a altura ser plausivelmente declarado que os alunos que conseguem boas
de pais e de seus filhos, o problema não é sério. A altura da criança notas estudam muito e aprendem mais, impulsionando, assim, suas
obviamente não causa a altura de seus pais. Nem há probabilidade pontuações de QI.
de haver confusão por causa do relacionamento entre a idade de
uma criança e o seu peso. A idade em si não pode causar aumento O uso de coeficientes de correlação para descrever relacionamentos
no peso porque “idade” é simplesmente outro termo para o tempo entre fenômenos é importante no estudo do desenvolvimento huma-
que passou desde um ponto de partida estabelecido, e, certamen- no porque muitos fatores de interesse para os estudiosos do desenvol-
te, o peso não pode causar um aumento na idade. vimento (como classe social, origem étnica e constituição genética)
não podem ser controlados experimentalmente. Como as correlações
Outras causas são menos definidas. Entre as crianças em idade freqüentemente sugerem relacionamentos causais, mas não propor-
escolar, por exemplo, foi encontrada uma correlação de cerca de cionam evidências cruciais de causação, podem surgir controvérsias
0,30 entre a altura e a pontuação nos testes de capacidade mental, que não tenham uma resolução clara, requerendo que os estudiosos
ou seja, as crianças mais altas tendem a conseguir uma pontuação do desenvolvimento tenham cautela na interpretação dos seus dados.
46 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
As diretrizes que se seguem são adaptadas e condensadas dos Pa- Q O investigador não pode usar procedimentos de pesquisa que pos-
drões Éticos para a Pesquisa com Crianças lançados pela Sociedade sam prejudicar física ou psicologicamente às crianças.
de Pesquisa de Desenvolvimento Infantil (Society for Research in
Q Embora aceitemos a idéia ética de plena revelação das informa-
Child Development – SRCD).
ções, um determinado estudo pode necessitar de sigilo ou dissi-
As crianças como sujeitos de pesquisa apresentam problemas éticos mulação sobre seus objetivos. Quando o sigilo ou a dissimula-
para o investigador que são diferentes daqueles apresentados por ção é considerado essencial para a condução do estudo, os in-
pessoas adultas. Não somente as crianças são freqüentemente enca- vestigadores devem provara um comitê de ética que seu julga-
radas como mais vulneráveis ao estresse, mas, tendo menos conheci- mento está correto.
mento e experiência, são menos capazes de avaliar o que pode Q O investigador deve manter em sigilo todas as informações obti-
significar a participação na pesquisa. Além disso, além do consenti- das sobre os participantes da pesquisa.
mento dos pais para o estudo com a criança, deve ser obtido tam-
Q Imediatamente depois de os dados serem coletados, o investiga-
bém o consentimento da criança. Seguem-se algumas diferenças
dor deve esclarecer para o participante da pesquisa quaisquer
importantes entre a pesquisa com crianças e a pesquisa com adul-
concepções errôneas que possam ter surgido. O investigador
tos.
também reconhece o dever de relatar achados gerais para os
Q Não importa o quão pequenas sejam as crianças, seus direitos participantes em termos apropriados ao seu entendimento. Quan-
são maiores que os direitos do investigador. do valores científicos ou humanos podem justificar a retenção de
Q A responsabilidade final do estabelecimento e da manutenção informações, todo esforço deve ser feito para que a retenção da
de práticas éticas na pesquisa continua sendo do investigador informação não tenha conseqüências danosas para o participante.
principal. Q Quando, no decorrer da pesquisa, chegarem ao investigador in-
Q O investigador é responsável pelas práticas éticas de seus formações que possam afetar seriamente o bem-estar da criança,
colaboradores, assistentes, alunos e empregados, embora todos o investigador tem a responsabilidade de discutir essas informa-
eles incorram em obrigações paralelas. ções com especialistas da área, para que os pais possam conse-
guir a necessária assistência para seu filho.
Q O investigador deve informar as crianças sobre todos os aspec-
tos da pesquisa que podem afetar sua disposição de participar e Q Quando se percebe que os procedimentos de pesquisa podem
deve responder às perguntas das crianças em termos apropria- resultar em conseqüências indesejáveis para o participante, o
dos para sua compreensão. investigador deve empregar medidas adequadas para corrigir es-
sas conseqüências e considerar o replanejamento do procedi-
Q O investigador deve respeitar a liberdade das crianças de decidir
mento.
participar ou não da pesquisa, assim como interromper a partici-
pação a qualquer momento. Q Os investigadores devem ser criteriosos com relação às implica-
ções sociais, políticas e humanas da sua pesquisa e devem ser
Q O consentimento informado dos pais ou daqueles que atuam
especialmente cuidadosos na apresentação dos seus achados.
in loco parentis (por exemplo, professores, superintendentes de
Esse padrão, no entanto, de modo algum nega aos investigado-
instituições) também deve ser obtido, de preferência por escrito.
res o direito de seguir qualquer área de pesquisa ou o direito de
O consentimento informado requer que os pais ou outros adultos
observar padrões adequados de relato científico.
responsáveis sejam informados de todas as características da
pesquisa que possam afetar sua disposição de permitir que as Q Quando se acredita que um tratamento experimental sob inves-
crianças dela participem. tigação é benéfico às crianças, os grupos-controle devem receber
outros tratamentos alternativos benéficos, se disponíveis, em vez
Q O consentimento informado de qualquer pessoa cuja interação
de nenhum tratamento.
com a criança seja tema do estudo deve também ser obtido.
N. de R.T. No Brasil, os psicólogos do desenvolvimento utilizam a Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas com seres humanos (Ministério
da Saúde, 1996). Recentemente, o Conselho Federal de Psicologia (2000) editou a Resolução 016 sobre as exigências éticas para pesquisas em Psicologia.
observável, um processo mental. Piaget usou esses dados para defender a existência
de um desenvolvimento que se processa por meio de uma mudança em etapas ou
estágios na maneira como as crianças entendem e experimentam o mundo. Ele
acreditava que, em torno dos 10 a 11 anos de idade, a criança começaria a se tornar
capaz de imaginar o pensamento como um processo mental que não pode ser visto.
Alexander Luria (1902-1977), psicólogo russo, usou o método de entrevista clíni-
ca para revelar diferenças qualitativas no pensamento em ambientes culturais distin-
tos. Ele acreditava, por exemplo, que as pessoas que vivem em sociedades pré-in-
dustrializadas, onde há pouca ou nenhuma alfabetização e ensino, categorizariam
os objetos segundo a maneira como eles são usados na vida cotidiana, em vez de
segundo algum critério abstrato. Em um estudo, ele apresentou desenhos de quatro
objetos – um martelo, um serrote, uma tora de madeira e uma machadinha – a um
grupo de vaqueiros criadores de gado e perguntou-lhes quais dos objetos eram simi-
lares e qual não correspondia aos outros. A maior parte de nós enxergaria dois
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 49
critérios óbvios pelos quais esses objetos poderiam ser categorizados: ou como “coi-
sas necessárias para se conseguir lenha” (o que exclui o martelo) ou como ferramen-
tas (o que exclui a tora). Os indivíduos de Luria viram os objetos em termos com-
pletamente diferentes, como está indicado pela seguinte conversa típica:
Homem: Eles todos se correspondem! O serrote é para serrar a tora, o martelo para martelá-
la e a machadinha para cortá-la. E, se quiser serrar realmente bem a tora, precisa do
martelo. Não pode dispensar nenhuma dessas coisas. Não há nenhuma que você não
precise.
Luria: Mas um companheiro me disse que a tora não pertence a este grupo.
Homem: Por que ele disse isso? Se dizemos que a tora não é como as outras coisas e a
colocamos de lado, estamos cometendo um erro. Todas essas coisas são necessárias para
a tora.
Luria: Mas esse companheiro disse que o serrote, o martelo e a machadinha são de
algum modo semelhantes, enquanto a tora não é.
Margaret Beale Spencer usou Homem: E daí que não sejam semelhantes? Elas todas trabalham juntas e cortam a tora.
extensivamente os métodos da entrevista
e da observação em seu trabalho sobre Aqui tudo funciona direito, aqui tudo isso é ótimo.
a auto-estima das crianças. Aqui, ela (Luria, 1976, p. 58)
trabalha com alunos de ensino especial
do ensino médio, que estão participando A abordagem de Luria é um uso clássico da entrevista clínica. O investigador
de um programa de aprendizagem testa a percepção do indivíduo desafiando suas respostas às perguntas e sugerindo
baseado em computador.
pontos de vista alternativos (às vezes incorretos). Como foi indicado pela entrevista
acima, para os indivíduos de Luria, “similar” com referência aos objetos apresenta-
dos parecia significar “executar a mesma atividade”. Contrapondo as respostas dos
seus indivíduos às respostas dadas pelas pessoas que haviam freqüentado a escola e
começado a participar das formas industrializadas da atividade econômica e das
relações sociais, Luria chegou à conclusão de que os vaqueiros tradicionais organizam
seu pensamento em termos de conceitos que relacionam de perto os objetos com
suas funções e não desenvolvem o pensamento tendo como base os objetos pertence-
rem à mesma categoria abstrata.
O ponto forte dos métodos de entrevista clínica é que eles proporcionam um
insight na dinâmica do desenvolvimento individual. Cada pessoa entrevistada propor-
ciona um padrão distinto de respostas que corresponde às suas experiências indivi-
duais. Mas o método de entrevista clínica tem suas limitações. Em primeiro lugar,
para chegar a conclusões gerais sobre o tópico da entrevista, o clínico precisa ignorar
as diferenças individuais entre as entrevistas a fim de poder chegar ao padrão geral.
Mas, quando o padrão geral aparece, o quadro individual desaparece. Em segundo
lugar, como o método se baseia primordialmente na expressão verbal, não é adequado
para o uso com crianças muito pequenas, que têm dificuldade para se expressar
plena ou precisamente. Isso acontece especialmente quando se tenta avaliar a capa-
cidade cognitiva das crianças, pois as pequenas, em geral, entendem muito antes
de elas próprias conseguirem explicar o seu entendimento.
DELINEAMENTOS DA PESQUISA
Se o objetivo da pesquisa é esclarecer o processo da mudança desenvolvimental, ela
deve ser planejada para revelar como os fatores responsáveis pela mudança atuam
no decorrer do tempo – ou seja, como a mudança é produzida nas diferentes idades.
Há dois delineamentos básicos de pesquisa usados pelos psicólogos para esse pro-
pósito: longitudinal e transversal. Cada um leva em conta a passagem do tempo de
delineamento longitudinal Pesquisa na uma forma diferente. O pesquisador que usa o delineamento longitudinal reúne
qual os dados são coletados do mesmo informações de um grupo de crianças à medida que elas crescem, durante um perí-
grupo de crianças à medida que elas odo de tempo ampliado. O pesquisador que usa o delineamento transversal reú-
crescem, durante um período de tempo
extenso. ne as informações sobre crianças de várias idades ao mesmo tempo. Esses delinea-
delineamento transversal Pesquisa na
mentos podem ser usados em conjunção um com o outro e com quaisquer das
qual crianças de várias idades são técnicas de coleta de dados já discutidas. Cada delineamento tem suas próprias
estudadas ao mesmo tempo. vantagens e desvantagens.
50 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Delineamentos longitudinais
Os pesquisadores que escolhem um delineamento longitudinal selecionam uma
amostra representativa da população que desejam estudar e coletam dados de cada
pessoa em duas ou mais idades. Por exemplo, Jerome Kagan (1994) conduziu uma
equipe de pesquisa na Universidade de Harvard que acompanhou o comportamento
de um grupo de crianças desde pouco depois do seu nascimento até o início da
adolescência. Esse estudo proporcionou a evidência, anteriormente mencionada,
de que as crianças que são tímidas e inseguras aos 21 meses têm probabilidade de
ser tímidas e cautelosas até 12 e 14 anos. Sem as mensurações longitudinais seria
impossível descobrir se há continuidade nos padrões de comportamento ou se os
processos mudam à medida que a criança cresce. Outros estudos longitudinais impor-
tantes concentraram-se em tópicos variados, tais como personalidade (Friedman et
al., 1995), saúde mental (Werner e Smith, 1992), temperamento e inteligência
(DeFries et al., 1994), desenvolvimento da linguagem (Fenson et al., 1994) e ajusta-
mento social (Cairns e Cairns, 1994).
Os delineamentos longitudinais pareceriam ser uma maneira ideal de se estu-
dar o desenvolvimento porque se ajustam às exigências de que o desenvolvimento
seja estudado no decorrer do tempo. Infelizmente, as pesquisas longitudinais têm
algumas falhas práticas e metodológicas que restringiram seu uso. Para começar,
elas são dispendiosas de realizar, particularmente se devem ser conduzidas durante
vários anos. Requerem o compromisso a longo prazo de um pesquisador para com
uma aventura incerta. Além disso, alguns pais se recusam a permitir que seus filhos
participem de um estudo prolongado. Se essas recusas são mais freqüentes em um
grupo social, econômico ou étnico do que em outro, podem tornar a amostra não
representativa da população do estudo como um todo. É também comum que algu-
mas das crianças que começam um estudo desse tipo saiam dele, mudando, assim,
a amostra de várias maneiras, o que enfraquece as conclusões a serem extraídas.
Outra dificuldade com os delineamentos longitudinais é que as pessoas da amos-
tra podem ficar acostumadas com os vários procedimentos dos testes e das entre-
vistas. Em outras palavras, elas podem aprender a responder da maneira esperada.
Em conseqüência disso, é difícil saber se as mudanças nas respostas da pessoa no
decorrer do tempo representam um desenvolvimento normal ou, simplesmente, o
efeito da prática em se submeter aos testes e em responder às entrevistas.
Finalmente, os delineamentos longitudinais, às vezes, confundem (misturam)
a influência das mudanças relacionadas com a idade e a influência de fatores
relacionados especificamente à coorte do grupo da amostra. Uma coorte é uma coorte Um grupo de pessoas nascidas
população de pessoas nascidas mais ou menos na mesma época, e as pessoas de mais ou menos na mesma época, sendo
uma determinada coorte podem compartilhar experiências que difiram daquelas provável, portanto, que compartilhem
algumas experiências.
de pessoas nascidas antes ou depois. Na pesquisa longitudinal, as diferenças que
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 51
delineamento seqüencial da coorte Um parecem estar relacionadas às diferenças na idade podem, realmente, surgir devido
delineamento experimental em que o a diferenças na coorte. Consideremos, por exemplo, um estudo longitudinal do desen-
método longitudinal é replicado com volvimento dos medos das crianças a partir do seu nascimento, iniciado em Londres,
várias coortes.
em 1932. Em seus primeiros anos, as crianças desse estudo viveram durante a Grande
Depressão. Aos nove ou dez anos, muitas delas perderam pai ou mãe ou ambos na
Segunda Guerra Mundial e muitas outras foram separadas dos pais e enviadas para
o campo, em uma tentativa de mantê-las a salvo dos bombardeios noturnos da
cidade. Se os resultados de um tal estudo indicassem que os medos das crianças
concentravam-se inicialmente na fome e, mais tarde, em torno dos nove anos de
idade, passavam a temer que pudessem perder seus pais, não seria possível determi-
nar se as tendências da idade observada refletiam leis gerais do desenvolvimento –
na verdade, em qualquer tempo e em qualquer lugar –, ou se eram o resultado de
experiências vividas em uma época e local particular, ou ambos (Elder, 1998).
Se os recursos permitirem, os pesquisadores podem usar vários meios para supe-
rar essas falhas. Alguns têm usado um delineamento seqüencial da coorte, em
que o método longitudinal é replicado com várias coortes, cada uma delas estudada
longitudinalmente. Essa modificação do delineamento longitudinal permite que os
fatores relacionados à idade sejam separados dos fatores relacionados à coorte.
Delineamentos transversais
O delineamento de pesquisa desenvolvimental mais amplamente usado é chamado
de delineamento transversal (ou cross-sectional) porque os grupos que representam uma
faixa de idade são estudados ao mesmo tempo. Para estudar o desenvolvimento da
memória, por exemplo, podemos primeiro testar amostras de pessoas de 4, 10, 20 e
60 anos, para ver como elas recordam uma lista de palavras familiares. Ao comparar
como as pessoas do grupo de quatro anos de idade realizam a tarefa e quais são os
resultados dos seus esforços, pode-se, então, formular hipóteses sobre mudanças
desenvolvimentais nos processos de memória. (A Figura 1.8 compara delineamen-
tos de pesquisa longitudinais e transversais.) Na verdade, os pesquisadores têm
FIGURA 1.8
A diferença entre os delineamentos de
pesquisa longitudinal e transversal.
25
20
Os mesmos indivíduos
observados em idades
Idade na época da observação
diferentes
15
L Indivíduos de
I NA idades
T UD diferentes
GI observados ao
TRANSVERSAL
N
LO mesmo tempo
10
Métodos microgenéticos
Uma preocupação comum, tanto com os métodos longitudinais quanto com os mé-
todos transversais, é o fato de eles não proporcionarem evidências diretas sobre o
processo de mudança no desenvolvimento. Para tentar aproximar-se mais na
observação dos processos de mudança, os desenvolvimentalistas, às vezes, usam
procedimentos especiais chamados métodos microgenéticos, a partir dos quais
estudam intensivamente o desenvolvimento das crianças durante períodos de tempo
relativamente curtos, às vezes apenas algumas horas ou alguns dias (Miller e Coyle, método microgenético Um método de
1999; Siegler e Stern, 1998; Vygotsky, 1978). Via de regra, os métodos microgenéticos pesquisa em que o desenvolvimento das
são usados com crianças que se considera estarem à beira de uma importante mudan- crianças é estudado intensivamente
durante um período de tempo
ça desenvolvimental, de tal forma que, se lhes for proporcionada uma densa experiên- relativamente curto.
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 53
Vantagens Desvantagens
Técnica
Auto-relato Proporciona acesso à informação singular. Validade inconfiável ou incerta.
Observação Revela a total complexidade do comportamento Difícil estabelecer relações causais.
naturalista e sua ecologia.
Experimento Melhor método para testar hipóteses causais. Às vezes impossível por razões éticas
Os procedimentos artificiais podem distorcer a validade
dos resultados.
Entrevista clínica Focaliza a dinâmica do desenvolvimento Dificuldade para generalizar além do caso único ou
individual. estabelecer relações causais.
Delineamento
Longitudinal Acompanha o desenvolvimento como um A repetição do teste pode invalidar os resultados.
processo que ocorre no decorrer do tempo. Dispendioso e difícil de usar.
Os resultados podem ser confundidos com o tempo histórico.
Microgenético Observa o processo de mudança em períodos Deve-se tomar cuidado ao generalizar períodos de tempo
curtos de tempo. mais longos.
Transversal Toma relativamente pouco tempo para Perde o sentido de continuidade no desenvolvimento.
administrar.
Revela tendências de idade. Os achados são vulneráveis de se confundir com outras
variáveis além da idade.
54 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
O PAPEL DA TEORIA
Ao contrário da crença amplamente defendida, os fatos não “falam
por si”. Os fatos que os psicólogos desenvolvimentais coletam só
nos ajudam a entender o desenvolvimento quando são reunidos e
interpretados em termos de uma teoria, uma estrutura de idéias
ou corpo de princípios que podem ser usados para guiar a coleta e
interpretação de um conjunto de fatos. Como a hereditariedade e o
ambiente, os fatos e as teorias seguem juntos. Nenhum dos dois
vem “primeiro”, eles surgem e existem juntos.
Para citar um exemplo ao qual retornaremos no Capítulo 11
(p. 439), as pessoas de duas culturas podem concordar que uma
criança está se comportando de maneira selvagem e irreverente
em uma sala de aula de pré-escola, mas interpretam os mesmos
fatos de maneiras muito diferentes. Os psicólogos do desenvolvi-
mento (assim como os pais) do Japão e dos Estados Unidos defen-
Os psicólogos do desenvolvimento atuais
dem teorias diferentes sobre aquilo que faz com que as crianças se comportem mal. usam medidas fisiológicas, além de
Essas teorias fazem com que elas observem e enfatizem aspectos diferentes do mesmo observações comportamentais, para
comportamento. Onde um investigador americano provavelmente verá uma agressão entender os fatores complexos que
atuam no desenvolvimento. Aqui, uma
descontrolada, um investigador japonês provavelmente verá uma expressão de dis- cientista da Universidade da Califórnia
túrbio da dependência. Suas teorias diferentes e os dados que enfocam para avaliar usa eletrodos para monitorar a atividade
essas teorias conduzem, por sua vez, a prescrições diferentes sobre a maneira de cerebral de um bebê de oito semanas de
idade em resposta a padrões diferentes
lidar com esse comportamento preocupante. de cor e ao toque de um sino.
Albert Einstein observou que a teoria está silenciosamente presente, mesmo
quando achamos estar “observando objetivamente o mundo”. A observação do mun-
do pode ser útil, diz ele,
mas, em princípio, é absolutamente errado tentar fundamentar uma teoria apenas em
magnitudes observáveis. Na realidade, o que ocorre é bem o contrário. É a teoria que
decide o que podemos observar. (Citado em Sameroff, 1983, p. 243.)
Maturação biológica
Aprendizagem
Construtivismo
Contexto cultural C
FIGURA 1.9
Quatro abordagens teóricas para
CUA
interpretar a influência da natureza e da
educação. Nas três primeiras, os fatores
biológicos e ambientais interagem
diretamente um com o outro para B = Fatores biológicos CUA = Características universais do ambiente
moldar o indivíduo. Na quarta, a
estrutura do contexto cultural, a herança A = Fatores ambientais C = Cultura (características historicamente específicas
biológica e as características universais do ambiente)
do ambiente atuam indiretamente
através da cultura.
Cada uma das abordagens amplas abrange muitas teorias específicas que se
concentram em aspectos particulares do desenvolvimento humano. Nos capítulos
posteriores, encontraremos teorias sobre esses tópicos, como as origens dos conceitos
no início do desenvolvimento pós-natal, na emergência de novas formas do brinque-
do na segunda infância e no desenvolvimento da capacidade de raciocinar hipotetica-
mente na adolescência. As abordagens amplas que identificamos proporcionam ma-
neiras distintas e valiosas de se encarar todo o processo do desenvolvimento. O que
se segue aqui é apenas uma visão geral breve das quatro estruturas. Nos capítulos
que se seguem, vamos retornar a elas para explorar o que podem nos dizer sobre
aspectos particulares da mudança desenvolvimental.
seja, que a mudança vem de dentro do organismo como uma conseqüência dos
genes que o organismo herda. Desse ponto de vista, a principal causa de desenvolvi-
mento é a maturação, uma seqüência de mudanças geneticamente determinadas
que ocorrem desde um ponto inicial imaturo, na concepção, até a plena idade adulta.
Os psicólogos cujas teorias são embasadas na maturação biológica têm maior
probabilidade de encarar o desenvolvimento psicológico como uma progressão em
etapas que acompanham (e são causadas por) mudanças biológicas do organismo.
Em sua opinião, o papel do ambiente é secundário na moldagem do curso básico do
desenvolvimento. Esse ponto de vista foi claramente expressado por Arnold Gesell
(1880-1961), um dos psicólogos do desenvolvimento mais influentes do início do
século XX:
O ambiente ... determina a ocasião, a intensidade e a correlação de muitos aspectos do
comportamento, mas não engendra as progressões básicas do desenvolvimento do com-
portamento. Estas são determinadas por mecanismos inerentes à maturação. (1940,
p. 13)
A abordagem da aprendizagem
As teorias que recaem na perspectiva da aprendizagem não negam
que os fatores biológicos proporcionam uma base para o desenvolvi-
mento, mas declaram que as principais causas da mudança desen-
volvimental são exógenas, ou seja, que elas provêm do ambiente,
particularmente dos adultos (que moldam o comportamento e as
crenças das crianças) através de recompensas e punições. De acor-
do com essas teorias, a aprendizagem, definida como o processo
pelo qual o comportamento de um organismo é modificado pela
experiência, é o principal mecanismo para o desenvolvimento. John
B. Watson (1878-1958), um dos primeiros teóricos da aprendiza-
gem, tinha tanta certeza do papel primordial da aprendizagem no
desenvolvimento que se vangloriava:
Dê-me uma dúzia de bebês saudáveis, bem-formados, e o meu próprio
Devido a um defeito de nascença que mundo especificado para criá-los, e eu garanto pegar qualquer um deles
requeria que ela fosse alimentada aleatoriamente e treiná-lo para se tornar qualquer tipo de especialista que
através de um tubo diretamente ligado eu escolha – médico, advogado, artista, negociante e, sim, até mesmo men-
ao estômago, Mônica nunca foi digo e ladrão, independente dos seus talentos, inclinações, tendências,
alimentada oralmente nem segurada no
colo enquanto era alimentada quando capacidade, vocações e raça dos seus ancestrais. (1930, p. 104)
bebê. Quando ficou mais velha, ela
alimentava suas bonecas e, mais tarde, Embora as teorias modernas da aprendizagem ambiental não mais compartilhem
dava a mamadeira para sua filha, que
não tinha o mesmo defeito, colocando-
da visão extremada de Watson, declaram que o ambiente, atuando através dos
as na mesma posição em que ela havia mecanismos de aprendizagem, é fundamental para a moldagem do desenvolvimento
sido amamentada. A persistência do seu (Gewirtz e Pelaez-Nogueras, 1992). Talvez a maior evidência em apoio a essas teo-
comportamento singular reflete a
importância duradoura da primeira
rias venha de estudos realizados com crianças que viviam quase isoladas devido a
experiência de aprendizagem das alguma circunstância ou que foram criadas em orfanatos com pouco estímulo inte-
crianças. lectual. Essas pesquisas mostram que o enriquecimento das experiências sociais e
cognitivas dessas crianças aumenta dramaticamente seu desenvolvimento social e
cognitivo posterior (Clarke e Clarke, 1986). As pesquisas também têm mostrado
exógeno O termo aplicado a causas de que a aprendizagem desempenha um papel importante em processos “biológicos”,
desenvolvimento que vêm do ambiente,
particularmente dos adultos, que como desenvolvimento do gênero e agressividade (Maccoby, 1998; Patterson et al.,
moldam o comportamento e as crenças 1998).
das crianças. Seu enfoque no ambiente como a principal influência sobre o desenvolvimento
aprendizagem O processo pelo qual o conduz muitos teóricos da aprendizagem ambiental a enfatizar a natureza gradual
comportamento de um organismo é e contínua da mudança. Essa pressuposição é bem captada pela descrição metafórica
modificado como resultado da
experiência. de B.F. Skinner sobre a maneira como o ambiente
58 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A abordagem do construtivismo
Em contraste com a maturação biológica e os teóricos da aprendizagem, os psicólogos
cujas teorias recaem na visão construtivista acham inadequado atribuir mais impor-
tância à natureza ou à educação. Eles afirmam que a natureza e a educação são
igualmente necessárias para o desenvolvimento. Um importante defensor dessa
perspectiva foi o psicólogo do desenvolvimento suíço Jean Piaget (1896-1980). Piaget
iniciou sua carreira científica como biólogo e continuou a se preocupar com o desen-
volvimento biológico, similarmente aos teóricos maturacionistas. Ao mesmo tempo,
ele, assim como os defensores da aprendizagem, acreditava que o papel do ambiente
no desenvolvimento vai bem além do desencadeamento do potencial inato da criança:
O ser humano está imerso, desde o nascimento, em um ambiente que o afeta tanto
quanto o seu ambiente físico. A sociedade, em certo sentido, mais ainda que o ambiente
físico, muda a própria estrutura do indivíduo ... Toda relação entre indivíduos (de dois
em diante) literalmente os modifica... (Piaget, 1973, p. 156)
Contexto cultural
Os psicólogos cujo trabalho recai em uma das três abordagens teóricas acima descritas
supõem que o desenvolvimento surge da interação de dois fatores: herança biológica
MICHAEL COLE & SHEILA R. COLE 59
RESUMO
Q O estudo do desenvolvimento da criança é o estudo das mudanças por que as
crianças passam desde o momento da concepção até se tornarem adultas.
PRIMEIRAS INVESTIGAÇÕES
Q Um dos primeiros esforços no estudo do desenvolvimento da criança envol-
veu o trabalho de Jean Marc Itard com o Menino Selvagem de Aveyron. Esse
caso incomum colocou questões fundamentais sobre a natureza humana.
1. O que distingue os humanos dos outros animais?
2. Como seríamos se crescêssemos isolados da sociedade?
3. Em que grau somos o produto da nossa criação e experiência, e em que
grau o nosso caráter é o produto de traços inatos?
Q Tanto a fé de Itard na promessa de métodos científicos para resolver questões
persistentes sobre a natureza quanto muitas de suas técnicas específicas servi-
ram de modelo para o estudo científico do desenvolvimento humano.
64 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
PALAVRAS-CHAVE
amostra representativa, p. 38 experimento, p. 43
aprendizagem, p. 57 filogenia, p. 30
auto-relato, p. 39 grupo-controle, p. 44
biografia do bebê, p. 39 grupo experimental, p. 44
confiabilidade, p. 38 hipótese científica, p. 43
coorte, p. 50 maturação, p. 56
correlação, p. 43 método clínico, p. 47
cultura, p. 30 método microgenético, p. 52
delineamento longitudinal, p. 49 mudança biossociocomportamental, p. 60
delineamento seqüencial da coorte, p. 51 natureza, p. 35
66 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE