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O caso de victor de Aveyron é um excelente ponto de partida para uma

reflexão profunda acerca do papel que tanto o meio como a hereditariedade


têm na construção do indivíduo. Afinal, qual será a influência que o meio tem
no desenvolvimento do eu? Será que a hereditariedade é suficiente para
determinar os traços físicos e psicológicos de cada indivíduo?

Em primeiro lugar, é importante considerar que cada ser humano, ao contrário


de outras espécies, é detentor de um programa genético aberto. Isto significa
que o homem é um dos seres mais incapacitados à nascença, visto que não
consegue sobreviver sozinho nos primeiros anos de vida. Porém,esta
fragilidade biológica acaba por ser também o nosso grande triunfo evolutivo
pois temos a vangloriada capacidade de aprender progressivamente ao longo
da vida. No caso de Victor, estima-se que tenha sido abandonado com quatro
ou cinco anos e que teha vivido cerca de sete anos de puro isolamento socio-
cultural. Acrescento que o homem é composto por dois tipos de
hereditariedade: hereditariedade específica e hereditariedade individual. A
primeira engloba as características constitutivas da espécie, como por exemplo
a sua estrutura óssea. A segunda contém os aspetos que tornam o ser humano
único dentro da sua espécie, como a cor dos olhos, personalidade, entre
outros.

É de notar que cada ser humano possui um genótipo, ou seja, um conjunto de


genes herdados pelos progenitores que se podem ou não manifestar. Ao
conjunto de genes que são estimulados pelo meio envolvente dá-se o nome de
fenótipo. O “selvagem de Aveyron” viveu muitos anos num bosque no sul de
França, pelo que os genes que nele foram estimulados não coincidem com os
genes que se manifestam numa pessoa que ingressa no seio de uma
comunidade civilizada desde a nascença. Quando foi encontrado, o jovem
revelou ter um comportamento animalesco: deslocava-se como um
quadrúpede, tinha músculos pouco flexíveis, não era dotado de qualquer
destreza intelectual, não falava (apenas emitia meros grunhidos) e não
mostrava qualquer tipo de emoções ou de afetividade. Tudo isto foi
essencialmente produto do meio onde se desenvolveu nos primeiros anos de
vida. Qualquer criança necessita de uma figura paternal para tomar como
exemplo. No caso de Victor, as suas “figuras paternais” acabaram por ser os

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outros animais do bosque, o que condicionou significativamente o
desenvolvimento das competências humanas por parte da criança.

Seguindo esta linha de raciocínio, a afirmação “o homem sem a sociedade dos


homens não será mais do que um monstro” pode ser considerada verdadeira.
O ambiente socio-cultural acaba por ser um filtro dos comportamentos
aceitáveis do homem. Como Victor cresceu num meio maioritariamente
selvagem, com escassez de interação social, este não foi capaz de se
desenvolver devidamente, de acordo com os padrões da nossa sociedade.

É importante considerar que o “menino de Aveyron” à nascença foi uma fonte


de potencialidades, mas que só algumas delas se manifestaram (força,
destreza, agilidade) porque o meio as motivou dessa forma, o que está de
acordo com a afirmação apresentada no texto 1 “tudo se passa como se o meio
libertasse ou bloqueasse as potências do genótipo”. Tudo o que foi dito
anteriormente comprova a teoria epigenética que defende que a complexidade
que é o homem é fruto da interação entre o meio e o potencial herdado.

O filme realizado a propósito do caso de Victor, enfatiza o empenho do doutor


Jean Itard, com ajuda da governanta Madame Guérin, em provar que o jovem
era capaz de adotar certos comportamentos que o tornassem digno de
pertencer a uma sociedade. Itard desenvolveu e testou em Victor diversas
atividades pedagógicas na base da perceção sensorial e auditiva, de modo a
que a criança conseguisse desenvolver algumas competências na base do
raciocínio, do pensamento lógico e da fala. Infelizmente, Victor nunca foi capaz
de falar, apenas de escrever e reproduzir a palavra “laît”. Porém, é de destacar
a evolução sentida relativamente à demonstração de emoções (chorou e sorriu)
e à apresentação de uma conduta moral ( conseguiu distinguir justiça de
injustiça, após ter sido castigado).

É importante reforçar que, face ao passado trágico ao qual foi submetido, Victor
fez alguns progressos, o que é bastante positivo tendo em conta que este já
não tinha a plasticidade cerebral que é necessária para aprendizagem.

Em jeito de conclusão, considero que a hereditariedade e o meio são “dois


polos de uma dialética”, ou seja, dois fatores completamente diferentes, que

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juntos criam uma espécie de harmonia que forma a complexidade que é o ser
humano, como podemos comprovar com o exemplo de Victor, que como o
doutor Itard afirmou, deixou de ser um selvagem mas nunca se elevou ao nível
dos homens.

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