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(Peter Berger)
O processo dialético fundamental da sociedade passa por três momentos ou etapas. Eles
são a externalização, a objetivação e a internalização. Somente compreendendo juntas estas três
etapas pode-se alcançar uma concepção empiricamente correta da sociedade. A externalização é
o voltar-se permanente do ser humano para o mundo, tanto na atividade física como mental. A
objetivação é a conquista pelos produtos desta atividade (também, física e mental) de uma
realidade que se enfrenta com seus produtos originais como uma facticidade externa a eles e
diferente deles. A internalização é a reapropriação pelos homens dessa mesma realidade, que
eles transformam novamente, de estruturas do mundo objetivo em estruturas da consciência
subjetiva. A sociedade chega a ser um produto humano pela externalização. Converte-se em
uma realidade sui generis pela objetivação. E é pela internalização que o homem se torna um
produto da sociedade. (3)
1
O caráter “incompleto” do organismo humano ao nascer acha-se em íntima relação com
o caráter relativamente não especializado de sua estrutura instintiva. O animal não humano
entra no mundo com impulsos especializados e firmemente orientados. Como conseqüência
disto, vive num mundo que é determinado, de maneira mais ou menos completa, por sua
estrutura instintiva. Esse mundo está fechado no que diz respeito a suas possibilidades; está
programado, por assim dizer, pela própria constituição animal. Por conseguinte, todo animal
vive em um meio que é específico de sua espécie particular. Existe o mundo das ratazanas, um
mundo dos cachorros, um mundo dos cavalos, etc. Pelo contrário, a estrutura instintiva do
homem, ao nascer, não esta especializada nem dirigida para o meio específico de uma espécie.
Não existe nenhum mundo do homem no sentido indicado. O mundo do homem se acha
imperfeitamente programado por sua constituição interna. É um mundo aberto. Isto é, é um
mundo que se deve ser modelado pela própria atividade do homem. Comparado com outros
mamíferos superiores, o homem mantém, assim, uma dupla relação com o mundo. Como os
outros mamíferos, encontra-se em um mundo que antecede sua aparição. Mas, à diferença dos
outros mamíferos, este mundo não está simplesmente dado, pré fabricado para ele. O homem
deve fazer seu mundo. A atividade construtora de mundos do homem, portanto, não é um
fenômeno biologicamente estranho, mas a conseqüência direta da constituição biológica dele.
(7)
A cultura consiste na totalidade dos produtos do homem (9). Alguns deles são materiais;
outros não são. O homem elabora ferramentas de todos os tipos concebíveis, com as quais
modifica seu reino físico e subordina a natureza à sua vontade. O homem também cria a
linguagem e, sobre sua base e por meio dela, um elevado edifício de símbolos que impregnam
todos os aspectos de sua vida. Há boas razões para se pensar que a produção da cultura não
material marcham sempre a par da atividade do homem no plano da modificação física de seu
meio (10). Seja como for, a sociedade é mais que uma parte da cultura não material. A
2
sociedade é o aspecto desta última que estrutura as relações permanentes dos homens com os
seus semelhantes (11). Como um elemento da cultura, a sociedade comparte totalmente com
ela o caráter de ser um produto humano. A sociedade se constitui e se mantém por obra de seres
humanos ativos. Não há nenhum ser, nenhuma realidade, à parte desta atividade. Seus padrões,
sempre relativos no tempo e no espaço, não se encontram na natureza, nem podem ser
deduzidos de uma maneira específica a partir da “natureza do homem”. Se queremos utilizar
este termo para designar algo mais do que determinadas constantes biológicas, somente
podemos dizer que está na “natureza do homem” criar um mundo. O que, em qualquer
momento histórico particular aparece como a “natureza humana” é, em si mesmo, um produto
da atividade construtora de mundos do homem (12).
Sem dúvida, ainda que a sociedade apareça apenas como um aspecto da cultura, ocupa
uma posição privilegiada entre as formações culturais do homem. Isto responde a outro fato
antropológico básico, a saber, a essencial sociabilidade do homem (13). O homo sapiens é um
animal social. Isto significa muito mais que o fato superficial de que o homem sempre vive em
coletividade e, na verdade, perde sua humanidade quando se isola dos outros homens. Muito
mais importante é que a atividade construtora do homem é, sempre, inevitavelmente, uma
empresa coletiva. Embora seja possível, talvez com fins heurísticos, analisar a relação do
homem com seu mundo em termos puramente individuais, a realidade empírica da construção
humana de mundos tem sempre um caráter social. Juntos os homens fabricam ferramentas,
inventam linguagens, aderem a valores, criam instituições, etc... Não somente a participação
individual em uma cultura se realiza por um processo social ( a saber, o chamado processo de
socialização), mas também sua existência cultural permanente depende da manutenção de uma
organização social específica. A sociedade, assim, não é apenas um resultado da cultura, mas
uma condição necessária desta. A sociedade estrutura, distribui e coordena as atividades
construtoras de mundos dos homens. E somente na sociedade podem persistir no tempo dos
produtos dessas atividades.
Esta objetividade adquirida pelos produtos culturais, tanto as criações materiais, como
as não materiais, provém do homem. Isto pode ser compreendido facilmente no caso das
primeiras. O homem fabrica uma ferramenta e mediante esta ação enriquece a totalidade de
objetos físicos existentes no mundo. Uma vez produzida, a ferramenta tem um ser próprio, que
não pode ser modificado facilmente por aqueles que a usam. Na verdade, a ferramenta
(digamos, um implemento agrícola) até pode impor a lógica de seu ser ao seus usuários, às
vezes de uma maneira que pode não ser muito agradável para eles. Um arado, por exemplo,
embora seja, obviamente , um produto humano, constitui um objeto externo não só no sentido
de que seus usuários podem cair sobre ele, lamentaram-se e, da mesma forma que podem cair
sobre uma rosca, um tronco ou qualquer outro objeto natural, como também, e isto é mais
interessante, o arado pode obrigar aos seus usuários a realizar sua atividade agrícola – e talvez
outros aspectos de suas vidas – de uma maneira que se ajuste à sua própria lógica e que, talvez,
não tenha sido desejada, nem prevista por aqueles que a elaboraram originalmente. A mesma
objetividade, porém, caracteriza também aos elementos não materiais da cultura. O homem
inventa uma linguagem e logo se encontra frente ao fato de que sua fala e seus pensamentos
estão dominados por sua gramática. O homem cria valores e descobre que se sente culpado
quando os viola. O homem constrói instituições que logo se antepõem a ele, como poderosas
estruturas controladoras, e até ameaçadoras, do mundo exterior. Assim, o conto do aprendiz de
feiticeiro ilustra muito bem a relação entre homem e a cultura. Coloca-se em movimento os
poderosos recipientes criados magicamente do nada por uma ordem humana. A partir daí,
começam a carregar água de acordo com uma lógica inerente a seu próprio ser, lógica que está
longe de ser totalmente controlada pelo criador dos recipientes. É possível, como sucede no
conto, que o homem descubra uma mágica adicional para tornar a submeter ao seu controle as
poderosas forças que desencadeou sobre a realidade. Porém, este poder não é idêntico ao que
colocou estas forças em movimento, e , também pode acontecer que o homem se afogue na
inundação que ele mesmo provocou.
As mesmas condições afetam esse setor da cultura que chamamos sociedade. Não basta,
portanto, dizer que a sociedade tem suas raízes na atividade humana. Também se deve dizer que
a sociedade se objetiva na atividade humana, ou seja, que a sociedade é um produto da atividade
humana que alcançou a categoria de realidade objetiva. O homem experimenta as formações
sociais como elementos de um mundo objetivo. A sociedade está ante o homem como uma
facticidade externa, subjetivamente opaca e coercitiva (16). Na realidade, o homem costuma
percebê-la, como algo virtualmente equivalente ao universo físico, quanto à sua presença
objetiva - como uma “segunda natureza”. Experimenta-a como algo dado “de fora”, estranho à
consciência subjetiva e incontrolável por esta. As representações da fantasia solitária oferecem
relativamente pouca resistência aos atos de vontade do indivíduo. As representações da
sociedade são imensamente mais resistentes. O indivíduo pode sonhar com sociedades
diferentes e imaginar-se em diversos contextos. Porém, a menos que sofra de esquizofrenia,
saber a diferença entre essas fantasias e a realidade de sua vida concreta na sociedade, que lhe
prescreve um contexto comumente reconhecido e que lhe impõe sem considerações com seus
desejos. Uma vez que o indivíduo encontra a sociedade como uma realidade externa a ele, pode
acontecer, com freqüência, que seu funcionamento esteja além de sua compreensão. Não
consegue descobrir o significado de um fenômeno social mediante a introspecção. Para isto,
deve sair para fora de si mesmo e empenhar-se, basicamente, no mesmo tipo de indagação
empírica que necessita para compreender qualquer coisa que se ache fora de sua mente. Além
disso, a sociedade se manifesta por seu poder coercitivo. A prova final de sua realidade objetiva
é sua capacidade de impor-se à rejeição dos indivíduos. A sociedade dirige, sanciona, controla e
castiga a conduta individual. Em suas mais poderosas apoteoses (termo que não foi escolhido
descuidadamente, como veremos mais adiante), a sociedade pode até destruir o indivíduo.
A objetividade coercitiva da sociedade pode ser vista de maneira mais clara em seus
procedimentos de controle social, isto é, naqueles procedimentos destinados especificamente a
“por na linha” os indivíduos ou grupos recalcitrantes. As instituições políticas e legais podem
servir como exemplos óbvios disto. É importante compreender, entretanto, que esta objetividade
coercitiva caracteriza a sociedade em conjunto e se acha presente em todas as instituições
sociais, inclusive naquelas que se basearam no consenso geral. Isto não significa (e assinalamos
enfaticamente) que todas as sociedades nada mais sejam do que variantes da tirania. Significa,
sim, que nenhuma construção humana pode ser chamada, com propriedade, um fenômeno
social se não alcançou esse grau de objetividade que compele o indivíduo a reconhecê-la como
real. Em outras palavras, o caráter coercitivo fundamental da sociedade não reside em seus
mecanismos de controle social, mas em seu poder de construir-se e impor-se como realidade. O
paradigma disto é a linguagem. É improvável que alguém negue, por mais distante que esteja do
pensamento sociológico, que a linguagem é um produto humano. Toda linguagem particular é o
resultado de uma longa história de inventos, imaginação e até caprichos humanos. Embora os
órgãos vocais do homem imponham certas limitações fisiológicas à sua fantasia lingüística, não
existem leis da natureza que possam explicar por exemplo, o desenvolvimento da língua
inglesa. Esta não tem fundamento algum na natureza das coisas a não ser sua categoria de
produto humano. A língua inglesa originou-se em circunstâncias humanas específicas,
desenvolveu-se, ao longo de sua história, através da atividade humana e só existe na medida em
que existem seres humanos que continuam usando-a e compreendendo-a. Não obstante isto, a
língua inglesa se apresenta ao indivíduo como uma realidade objetiva, que ele deve reconhecer
como tal ou sofrer as conseqüências. Suas regras são dadas objetivamente. Devem ser
aprendidas pelo indivíduo, como língua materna ou como língua estrangeira, e não as pode
modificar à vontade. Existem normas objetivas para determinar o inglês correto e o incorreto e
ainda que possam haver diferenças de opinião sobre detalhes secundários, a essência de tais
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normas é uma condição inicial para o uso da linguagem. Certamente há castigos para a violação
destas normas, castigos estes que vão desde o fracasso na escola até as dificuldades sociais na
vida posterior, mas a realidade objetiva da língua inglesa não está constituída primordialmente
por estes castigos. A língua inglesa tem realidade objetiva em virtude do simples fato de existir,
de ser um universo de discurso já criado e coletivamente reconhecido, dentro do qual os
indivíduos podem entender-se uns aos outros e a si mesmos (17).
A sociedade, como realidade objetiva, dá ao homem um mundo para que ele o habite.
Este mundo abrange a biografia do indivíduo, que se desenvolve como uma série de eventos
dentro desse mundo. Na verdade, a biografia do indivíduo pode ser localizada dentro das
estruturas significativas do mundo social. Sem duvida, o indivíduo pode ter várias auto
interpretações subjetivas, que parecerão aos outros curiosas ou, simplesmente,
incompreensíveis. Sejam quais forem estas auto interpretações, subsistirá a interpretação
objetiva da biografia do indivíduo que localiza em um marco de referência reconhecido
coletivamente. Os fatos objetivos dessa biografia podem ser determinados, pelo menos,
consultando-se os documentos pessoais do indivíduo. O nome, a ascendência legal, a cidadania,
o estado civil e a ocupação são somente algumas das interpretações “oficiais” da existência
individual, que tem validade objetiva, não somente pela força da lei, mas também pela
faculdade básica de outorgar realidade que possui o corpo social. Ainda mais, o próprio
indivíduo, a menos – novamente – que se encerre em um mundo esquizofrênico, separado da
realidade comum, tratará de convalidar suas auto interpretações comparando-as com as
coordenadas objetivas disponíveis de sua biografia. Falando de outra maneira, a própria vida do
indivíduo aparece como objetivamente real, tanto para ele mesmo como para os outros, somente
enquanto se encontra dentro de uma realidade objetiva (18).
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Este último ponto é muito importante, pois implica que a socialização nunca pode
completar-se, que é um processo que se mantêm ao longo de toda a vida do indivíduo. Este é o
lado subjetivo da já assinalada precariedade de todos os mundos construídos pelo homem. A
dificuldade de manter um mundo em funcionamento se expressa psicologicamente na
dificuldade para fazer que esse mundo continue sendo subjetivamente plausível. O mundo se
constrói na consciência do indivíduo pela conversação com os outros significados (tais como
pais, mestres “iguais”). O mundo se mantém como realidade subjetiva pelo mesmo tipo de
conversação, seja com outros significativos análogos ou diferentes (tais como esposas, amigos
ou outros conhecidos). Se tal conversação é interrompida (se a esposa morre, os amigos
desapareceram ou se abandona o meio social original), o mundo começa a desmoronar-se, a
perder a sua plausibilidade subjetiva. Em outras palavras, a realidade subjetiva do mundo
depende do fino fio da conversação. A razão pela qual a maioria de nós não tem, durante a
maior parte do tempo, consciência dessa precariedade é a continuidade de nossa conversação
com outros significativos. A manutenção dessa continuidade é um dos imperativos
fundamentais da ordem social.
É esta a razão pela qual a separação total do mundo social, a anomia, constitui uma
ameaça tão grande para o indivíduo (27), não só porque ele em tais casos perde, vínculos
emocionalmente satisfatórios, mas, também porque perde sua orientação na experiência. Nos
casos extremos, ele perde até seu sentido de realidade e identidade. Faz-se anônimo, no sentido
de ficar sem mundo. Do mesmo modo que o nomos do indivíduo é construído e sustentado na
conversação com os outros significativos, o indivíduo submerge na anomia quando tal
conversação é interrompida de maneira radical. As circunstâncias dessa alteração nômica
podem variar. Podem envolver grandes forças coletivas, como a perda de status do grupo social
a que pertence o indivíduo ou, podem ser mais biográficas, como a perda de outros
significativos pela morte, pelo divórcio ou pela separação física. É possível, portanto, falar tanto
de estados coletivos como individuais de anomia. Em ambos os casos, a ordem fundamental,
em termos da qual o indivíduo pode “dar sentido” à sua vida e reconhecer sua própria
identidade, se achará em vias de desintegração. O indivíduo não só começará a perder sua
orientação moral, com desastrosas conseqüências psicológicas, como também terá dúvidas a
respeito de seu conhecimento. O mundo começa a vacilar no mesmo instante em que começa a
diminuir a conversação sustentadora.
Assim, o nomos estabelecido socialmente pode ser entendido, talvez em seu aspecto
mais importante, como um escudo contra o terror. Falando de outra maneira, a função mais
importante da sociedade é a nomização. O pressuposto antropológico disto é a ânsia humana de
significado, que parece ter a força de um instinto. Os homens se vêm congenitamente
compelidos a impor uma ordem significativa à realidade. Mas, esta ordem pressupõe a ação
social da construção ordenadora do mundo. Ficar separado da sociedade expõe o indivíduo a
múltiplos perigos, que ele é incapaz de enfrentar por si só, e, no caso extremo, ao perigo da
extinção iminente. A separação da sociedade também provoca tensões psicológicas
insuportáveis para o indivíduo, que se fundam no fato antropológico básico da sociedade. Mas,
10
o perigo supremo da tal separação é a ausência de significado. Este perigo é um pesadelo, no
qual o indivíduo se submerge em um mundo de desordem, falta de sentido e loucura. A
realidade e a identidade se transformam malignamente em horrorosas figuras crentes de
significados. Estar na sociedade é estar “são, eu seu juízo perfeito”, no sentido de estar
protegido da “loucura” desse terror anômico. A anomia é insuportável, a tal ponto que o
indivíduo pode preferir a morte. Ao contrário, pode-se buscar a existência dentro de um mundo
nômico à custa de todo tipo de sacrifícios e sofrimentos, mesmo à custa de sua própria vida, se
o indivíduo acreditar que este sacrifício supremo tem significação nômica (28).
O mundo social tende, na medida do possível, a ser considerado como estável (32). A
socialização obtém êxito quando se internaliza esta qualidade. Não basta que o indivíduo
considere os significados fundamentais da ordem social como úteis, convenientes ou corretos. É
muito melhor (vale dizer, é melhor para a estabilidade social) que os contemple como
inevitáveis, como parte da "natureza universal das coisas". Se for possível conseguir isto, o
indivíduo que não se ajustar seriamente aos programas definidos pela sociedade não só poderá
ser considerado como bobo ou um velhaco, mas também como um louco. Subjetivamente, pois,
o desvio sério não somente provoca a culpa moral, como também o terror da loucura. Por
exemplo, o programa sexual de uma sociedade é aceito não apenas como uma ordem utilitária
11
ou moralmente correta, mas, também, como uma expressão inevitável da "natureza humana". O
chamado "pânico homossexual" pode servir como um excelente exemplo do terror que provoca
a negação do programa. Isto não eqüivale a negar que tal terror também seja alimentado por
apreensões práticas e por escrúpulos de consciência, porém seu motor fundamental é o temor de
ser lançado numa obscuridade exterior, que separa o indivíduo da ordem "normal" dos homens.
Em outras palavras, os programas institucionais são dotados de um status ontológico, a tal
ponto que negá-los é negar o próprio ser, o ser da ordem universal das coisas, e por conseguinte,
o próprio ser nesta ordem.
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NOTAS DO AUTOR
(2) Sustentamos que esta compreensão dialética do homem e a sociedade como produtos
mútuos permite a síntese teórica dos enfoques de Weber e Durkheim da sociologia sem
que se perda a intenção fundamental de um e de outro (perda que se produziu, segundo
nossa opinião, na síntese de Parsons). A concepção de Weber da realidade social como
constituída constantemente de significações humanas, e a de Durkheim, que lhe atribui o
caráter de choseité em contraste com o indivíduo, são ambas corretas. Apontam,
respectivamente, ao fundamento subjetivo e à facticidade objetiva do fenômeno social,
com o qual põem em relevo ipso facto a relação dialética da subjetividade com seu
objeto. Por isso mesmo, os dois enfoques somente são corretos juntos. Uma ênfase
semiweberiana na subjetividade somente conduz a uma deformação idealista do
fenômeno societal. Uma ênfase semidurkheimiana da objetividade somente leva à
coisificação sociológica, a mais desastrosa das deformações, para a qual tendeu boa
parte da sociologia norte americana contemporânea. Devemos ressaltar que não é nossa
intenção afirmar que tal síntese dialética teria sido de agrado desses autores. Nosso
interesse é sistemático, não exegético, o que nos permite adotar uma atitude eclética
frente às construções teóricas anteriores. Quando dizemos, pois, que eles "apontam" a
tal síntese o afirmamos no sentido da lógica intrínseca da teoria, e não na das intenções
históricas desses autores.
12
(3) Os termos "externalização" e "objetivação" derivam de Hegel (Entaeussrung y
Versachlichung), e são entendidos aqui, essencialmente, no mesmo sentido em que
Marx os aplicou aos fenômenos coletivos. Entendemos o termo "internalização"
segundo o uso que lhe dá a psicologia social norte-americana. O fundamento teórico
desta é, sobretudo, a obra de George Herbert Mead; veja-se seu Mind, Self and Society,
Chicago: University of Chicago Press, 1934; Anselm Strauss, ed., George Hebert Mead
on Social Psychollogy, Chicago: University of Chicago Press, 1956. A expressão
"realidade sui generis" aplicada à sociologia foi desenvolvida por Durkheim em seu
Rules of Sociological Method, Glencoe, I11.: Free Press, 1950.
(5) Sobre o fundamento biológico desta tese, veja-se F. J.J. Buytendijk, Mensch und Tier,
Hamburgo: Rowohlt 1958; Adolf Pommann, Zoologie und das neue Bild des Menschen,
Hamburg: Rowohlt, 1956. A aplicação mais importante destas idéias biológicas aos
problemas sociológicos se encontrará na obra de Gehlen.
(6) Isto foi exposto de maneira sucinta na frase inicial de uma obra antropológica recente,
escrita do ponto de vista essencialmente marxista: "L' homme nait inachevé" (George
Lapassade, L' entrée dans la vie, Paris: Editions de Minuit, 1963, pag. 17).
(7) O termo "mundo" é entendido aqui num sentido fenomenológico, isto é, coloca entre
parênteses a questão de sua categoria ontológica final. Quanto à aplicação antropológica
do termo, veja-se Max Scheler, Die Stellung des Menschen im Kosmos, Munich,
Munich: Nymphenburger Verlagshandlung, 1947. Para a aplicação do termo na
sociologia do conhecimento, veja-se Max Scheler, Die Wissensformsn und die
Gesellschaft, Berna: Francke, 1960; Alfred Schutz, Der sinnhafte Aufbau der sozialen
Welt, Viena: Springer 1960 e Collected Papers, La Haya: Nijhoff, vols. I e II, 1962/64.
(8) Plessler usou o termo "excentricidade" para referir-se a esta instabilidade inata na
relação do homem com seu próprio corpo; veja-se op. Cit.
(9) O uso do vocábulo "cultura" para designar a totalidade das criações do homem segue a
prática corrente na antropologia cultural norte americana. Os sociólogos tendem a usar o
termo em um sentido mais estrito, referindo-se somente à chamada esfera simbólica (por
exemplo, Parsons em seu conceito de "sistema cultural"). Embora existam boas razões
para preferir o sentido mais estrito em outros contextos teóricos, consideramos que o
uso mais amplo torna-se mais apropriado na presente exposição.
(10) O vínculo da produção material com a não material foi desenvolvido por Marx no
conceito de "trabalho" (que não pode ser entendido como mera categoria econômica).
(12) Considerar a "natureza humana" como uma criação humana é uma idéia que também
provém de Marx. Destaca a divisão fundamental entre uma antropologia dialética e
outra não dialética. Dentro do pensamento sociológico, os melhores representantes
dessas antípodas antropológicas são, respectivamente, Marx e Pareto. A antropologia
13
Freudiana, diga-se de passagem , também deve ser considerada como essencialmente
não dialética, ponto que freqüentemente é tratado superficialmente nas tentativas
recentes de elaborar uma síntese entre pensamento freudiano e Marxista.
(13) O caráter essencialmente social do homem foi compreendido com clareza por Marx,
porém, é próprio de toda tradição sociológica. A obra de Mead fornece uma base
psicológica indispensável para as concepções antropológicas de Marx.
(16) Nosso exame da objetividade da sociedade segue de perto a Durkheim neste ponto.
Veja-se especialmente as regras do método sociológico.
(18) Para a realidade das auto interpretações como uma localização no mundo social de
realidade objetiva, veja-se a obra de Maurice Halbwachs sobre a memória,
especialmente Les cadres sociaux de la mémoire, Paris: Presses Universitaires de
France, 1952.
(19) Chega-se ao conceito dos papéis como representação objetiva mediante uma
combinação dos pontos de vista de Mead e Durkheim. Deste ultimo veja-se, em
particular, a obra Sociology and Philosophy, Londres: Cohen & West, 1953, pag. 1 e
segs.
(20) O conceito de "conversação interna" deriva de Mead. Veja-se sua obra Mind, self and
Society, pag. 135 e segs.
(21) O termo "outros significativos" também pertence a Mead, e conquistou geral aceitação
na Psicologia social norte americana.
(22) Pensamos que essa afirmação da introspecção como método viável para compreender a
realidade social depois do exito da socialização, pode servir para estabelecer uma ponte
entre as proposições aparentemente contraditórias de Durkheim com respeito à
opacidade subjetiva dos fenômenos sociais e as de Weber, referentes a possibilidade de
Verstehen.
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(23) O caráter dialético da socialização está expresso nos conceitos do "eu" e "me" propostos
por Mead, veja-se op. Cit.
(24) O termo nomos deriva indiretamente de Durkheim mediante a inversão, por assim dizer,
de seu conceito de "anomia". Este foi desenvolvido pela primeira vez em sua obra
Suicide, Glence, III: Free Press, 1951; veja-se esp. As pags. 241 e segs.
(26) O termo "totalização" foi tomado de Jean Paul Sartre; veja-se seu Critique de la raison
dialectique, Paris: Gallimard, vol. I, 1960.
(27) O termo ingles anomy é uma adaptação da la anomie de Durkheim propiciada por vários
sociólogos norte americanos, exceção feita a Robert Merton (que tratou de integrar o
conceito à sua teoria estrutural-funcionalista conservando a grafia francesa).
(28) Isto sugere que existem suicídios nômicos e suicídios anômicos, ponto mencionado,
porém não desenvolvido, por Durkheim em seu exame do "suicídio altruísta" (Suicidy,
p.217 e seguintes)
(30) A noção do "outro aspecto" da realidade foi desenvolvida por Robert Musil em sua
grande novela não concluída Der Mann ohne Eigenschaften, na qual constitui um termo
importante. Poderá ser encontrado em uexame critico em Ernst Kaiser e Eithne Wilkins,
Robert Musil, Stuttgart: Kokhmmer, 1962.
(31) O conceito da morte como situação marginal mais importante foi tomado de Martin
Heidegger; veja-se em particular sua obra Sein und Zeit, 1929.
(32) O conceito de mundo que se dá por estável deriva de Schutz. Veja-se especialmente
seus Collected Papers, vol I, pag. 207 e segs.
(33) O termo cosmificação foi tomado de Mircea Eliade; veja-se sua obra Cosmos and
History, Nova York: Harper, 1959, pag.10 e segs.
(34) O conceito de "projeção" foi desenvolvido primeiro por Ludwig Feuerbach; Marx e
Nietzsche tomaram-no dele. A derivação nietzscheniana foi a que adquiriu importância
em Freud.
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