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UNIDADE TEMÁTICA 02

DIREITO E ORDEM SOCIAL

O PROBLEMA DA NATUREZA DO HOMEM

O homem como ser pensante ou racional desenvolve esforços para se compreender a si próprio.
No quadro da luta pelo seu progresso, o homem procura, também, conhecer-se a si próprio, isto
é, saber como surgiu a sua espécie, como evoluiu quer no tempo quer no espaço.

Ele procura saber o que é que há de comum entre as raças humanas, o que há de diferente, o que
é que o confunde e o difere dos outros homens e saber qual é o seu futuro como espécie.

Esta necessidade de se conhecer, cria nele um certo interesse que é dele se estudar sob todos os
pontos de vista, físico, sociológico, psicológico, biológico, antropológico, bioquímico, histórico,
etc., cada um destes pontos de vista constitui objecto duma dada ciência criada pelo homem.

ASPECTOS DA SUA NATUREZA OU ESSÊNCIA

O problema da natureza do homem não é jurídico, não é de Direito; mas é sim o problema da
Sociologia. A Ciência do Direito dentro da qual se situa a nossa cadeira de Noções de Direito
não estuda o homem; não tem como seu objecto o homem. O Direito não estuda o homem como
facto cultural. A Ciência do Direito estuda as leis e, se a ciência do Direito estuda as leis não
como factos culturais, então, não pode estudar o problema da natureza do homem. Sendo este um
problema da sociologia, só a Sociologia devia estudar.

Então, se a natureza do homem não é um problema jurídico, mas Sociológico, porque


vamos estudar a natureza do homem no âmbito da Ciência Jurídica?
O Direito estuda o problema da natureza do homem porque o seu esclarecimento tem relevância
para o Direito. O Direito estuda este problema porque precisa de compreender o fundamento
sociológico das leis. Ainda, porque permite compreender o efeito ou os princípios do direito.
Condiciona a compreensão da origem e do fim do Direito.

NB: Só conhecendo a natureza do homem, só entendendo a essência do homem, se pode


compreender porque é que existem as leis, para quê servem as leis e qual é a sua função.

Em que consiste a natureza do homem?


A essência do problema da natureza do homem reside no seguinte: a observação do dia-a-dia por
parte de cada um de nós permite-nos captar ou apreender uma certa realidade. Isto é, notar que os
homens vivem em colaboração entre si. É que cada homem, quer saiba, quer não, quer queira,
quer não, utiliza na sua vida uma pluralidade, uma variedade de bens que não resultam do seu
trabalho. Isto significa que o homem vive em colaboração com os outros homens, vive ajudando-
se entre si com os outros.

A Colaboração consiste em que cada um se sirva de bens produzidos por outros, cada um se
beneficia de serviços prestados por outros. Assim, os homens passam a vida trocando produtos,
serviços, colhendo experiências, conhecimentos, além do simples convívio. Por exemplo, o
vestuário que nos servimos não somos os produtores.

O homem desenvolve a sua actividade, a sua existência no plano com os outros homens. Esta
sociabilidade do homem, esta tendência para vida em colaboração é sua característica
natural ou é consequência do desenvolvimento?

O problema da natureza do homem consiste em saber se a sua sociabilidade que constatamos no


seu dia-a-dia é natural ou é imposta pela evolução da sociedade. Esta questão da natureza do
homem é tão antiga e surgiu com a formação da ciência designada Sociologia. Já nessa altura
surgiram duas posições que constituíam duas respostas a esta questão, só que dentre as duas há
uma que predominou durante um longo período da história. Tais teorias foram:

A) Teoria ou concepção do estado da natureza, também designada teoria do estado


associado ou teoria do estado pré-social do homem.

B) Teoria ou concepção do estado social, ou ainda, teoria ou concepção da natureza


social do homem.

Cada uma das teorias tem os seus defensores, tais como: Thomas Hobbes, Jean Jacque
Rousseau, Jonh Locke, Aristóteles, Karl Marx, Frederich Engels, etc, e, do leque dos
seguidores vamos privilegiar apenas dois a saber: a) Jean Jacques Rousseau e b) Aristóteles.

1. A Teoria do Estado Pré- Social do Homem ou Concepção da Natureza do Homem

A teoria do estado pré-social, seguida por Hobbes, Rousseau e Locke, defende que o homem na
fase inicial da história da humanidade vivia segundo o seu bel prazer, vivia isolado dos outros
homens, vivia em plena liberdade não se sujeitava a nenhuma lei nem autoridade.

Partindo desta premissa de que o homem viveu em plena liberdade (isolamento) sem restrição de
leis, os defensores desta teoria concluíram que a vida do homem em colaboração é o resultado do
desenvolvimento, o que significa que só com o andar dos tempos decidiu, forçado pelas
dificuldades e pelo desenvolvimento organizar-se em sociedade, para isso, os homens assinaram
um acordo para poder viver em sociedade que eles designaram por “Contrato
Social”_Rousseau.

A sociedade política caracteriza-se por ter poder político ou Estado constituído por instituições,
isto é, caracteriza-se por ter leis. Esta autoridade, instituições, leis, limitam as liberdades de cada
membro da sociedade. Condicionam o exercício dessas liberdades, isto é, não permitem que cada
um faça o que lhe apetece sem observar as liberdades do outro.

Desta posição resulta a conclusão de que as leis existem porque o homem quer. As regras que
regem na sociedade e que influem no Direito são uma criação voluntária e podem se extinguir.

A teoria do estado pré-social do homem, teve o seu domínio nos Sécs. XVI-XVII e parte do Séc.
XVIII, quando a teoria da natureza social do homem ganhou força.
2. A Teoria do Estado Social do Homem ou Teoria da Natureza Social do Homem

Esta teoria é seguida por Aristóteles, Marx e Engels e, defendeu sempre que:
1) O homem não pode por si só, isto é, individualmente defender-se das agressões do meio
ambiente. Por exemplo, das cheias, do calor, da seca, do frio, dos terramotos, dos vulcões, dos
ciclones, dos sismos, etc.
2) O homem não pode de per si, suster ou evitar as agressões dos outros homens.
3) O homem não é capaz de por si só, produzir todos os bens, quer materiais quer espirituais de
que carece para a satisfação das suas necessidades.
4) Os dados da história mostram que já na idade primitiva, o homem colaborou entre si para a
recolecção de frutos silvestres, no fabrico de instrumentos para a caça, pesca, agricultura, para a
produção de utensílios domésticos e outros instrumentos de trabalho.

Com base nestes argumentos, a teoria conclui que a natureza do homem é viver em sociedade.
Isto é, o homem é um ser iminentemente social. Esta posição está de acordo com os resultados da
investigação histórica, antropológica e mesmo sociológica.

Hoje em dia, é um dado adquirido e assente que o homem é efectivamente um ser social por
excelência, um ser que só se pode realizar, afirmar-se, harmonizar o individual ou colectivo,
colaborar com os outros. Por exemplo, adquirindo experiências, bens, etc.. Daí, podemos
concluir que o homem pela inata necessidade que tem de reproduzir, colaborar e conviver não
pode viver fora da sociedade.

A sua sociabilidade é natural e não é consequência do desenvolvimento, não é nenhum fruto de


um apoio prévio. Desde a mais primitiva civilização o homem sempre viveu em colaboração.

A ideia de se considerar a sociedade como resultado de um contrato é apenas um ponto de


partida para alcançar um determinado objectivo, uma premissa lógica que tem como
objectivo levar à conclusão de que a sociedade tem uma base convencional. Mas esta
premissa é falsa do ponto de vista da realidade, pela investigação antropológica, sociológica
e mesmo etnológica, na medida em que o homem sempre se apoiou com os seus
semelhantes.

O homem não pode singularmente considerado, ou seja, de per si, defender-se dos animais
ferozes, nem sozinho dos outros homens. Ele não pode produzir todos os bens de que carece para
satisfazer as suas necessidades. Por exemplo, alimentação, vestuário, calçado, meios de
transportes, etc,.
A reprodução da espécie é uma necessidade imprescindível para a manutenção da mesma. O
homem não pode divertir-se, recrear-se sozinho. Carece sim, da colaboração com o seu
semelhante. Sendo esta uma necessidade natural (nata).

Conclusão:

Em face do conflito originado, ou seja, desta divergência de entendimento a posição da docência


da cadeira é a seguinte:
1. Tendo em atenção a observação, as constatações do dia-a-dia das pessoas;
2. Confrontando essas constatações com o resultado das investigações das ciências que se
debruçam sobre o homem, designadamente, história, antropologia, sociologia e etnologia;
3. Entende que a sociabilidade humana é natural e não imposta pela evolução, muito
embora, a evolução ou desenvolvimento tenha de algum modo reforçado ou evidenciado
de melhor forma o aspecto da sociabilidade;
4. Como fundamento, toma a impossibilidade objectiva de cada homem por si só fazer face
aos desafios da vida, nomeadamente, a sua defesa pessoal, a sua protecção contra as
intempéries da natureza, a necessidade da sua reprodução e convivência social.
5. Deste entendimento, a docência da cadeira perfilha a Concepção do Estado Social
do Homem. Pois, o homem é efectivamente um ser concebido para viver em
sociedade.

Aristóteles em defesa desta teoria, escreveu a obra “A Política” e disse que para o homem viver
fora da sociedade tinha que ser mais Deus ou menos Bruto do que é. Isto significa que o homem
tinha que viver como Deus.

As regras sociais ou de conduta surgiram em simultâneo com a sociedade. Segundo a expressão


Latina: Ubi homes ibi societas, ubi societas ibi ius ou jus (onde há homens há sociedade e
onde há sociedade há justiça, há normas, há leis e, em síntese: Ubi societas ibi ius (onde há
sociedade há leis).

Homem---------►Ser isolado---------►Direito é criação voluntária

Homem---------►Ser social-----------►Direito é criação necessária

Donde resulta que a existência de regras ou leis é uma necessidade objectiva.

Daí a máxima latina: Ubi societas, ibi homes, Ubi Homes ibi jus.

Tecnicamente diz-se que o homem, a sociedade e o Direito constituem uma unidade dialéctica de
nascimento e de existência. O que significa que é inconcebível a sociedade sem homens,
impossível a sociedade sem direito, sem leis. A norma só faz sentido num contexto social. A
sociabilidade humana é uma questão natural.

O que significa o homem viver em sociedade?


Uma das formas de viver em sociedade é a coabitação, mas esta por si só não basta é necessário
que seja acompanhada doutros elementos. A vida social também não pode existir sem a
coabitação porque o aspecto fundamental em sociedade é a cooperação, a ajuda mútua.

1. Cooperação de produção, distribuição e consumo de bens materiais, espirituais,


conhecimentos, serviços, experiências, etc.
2. Cooperação de reprodução.
3. Convivência no campo da recreação.
Viver em sociedade significa relacionar-se com os outros homens nestes níveis; é contribuir pelo
seu trabalho, pela sua experiência, seus conhecimentos, pelas suas capacidades para satisfação
das necessidades dos outros membros da sociedade, ou seja, implica prestações positivas.
Implica sim, beneficiar-se de modo lícito dos bens, dos serviços, das capacidades, das
experiências dos outros membros da sociedade.

Não se deve confundir viver em sociedade com o viver entre duas ou mais pessoas na mesma
casa, pois, não é o sinónimo de coabitação. Podemos encontrar pessoas que coabitam mas que
estejam a viver fora da sociedade. Por exemplo, 5 indivíduos que vivem na mesma casa mas que
são marginais.

Será que o homem pode viver fora da sociedade?


Sim pode, mas o homem deixaria de se beneficiar do trabalho dos outros homens. Porém, a
verificar-se isso, não alteraria a natureza do homem. Apenas seria um incidente de percurso. O
isolamento do homem pode causar a perda das principais características humanas e voltar ao
homem primitivo. Isto é, perda da capacidade da fala, de pensar, corte das relações e abandono
da sociedade para a selva.

EXERCÍCIOS:
1. Diga justificando quais as teorias que gravitam em volta da Natureza do Homem. E,
explique uma à sua escolha.
2. Comente a seguinte afirmação: “a questão da natureza do homem não é um problema
jurídico, mas sim Sociológico, então, porque estudar a natureza do homem no âmbito da
Ciência Jurídica”?
3. Diga qual é a essência da natureza do homem?
4. Diga justificando, se a sociabilidade do homem é sua característica natural ou é
consequência do desenvolvimento?
5. Diga o que significa o homem viver em sociedade?
6. Diga justificando se o homem pode ou não viver fora da sociedade?

BIBLIOGRAFIA

1. BÁSICA

 ANDRADE, Manuel, Introdução ao Direito e Relação Jurídica, 6ª Edição,


Lisboa.
 ASCENÇÃO, José de Oliveira, O Direito Introdução e Teoria Geral, 11ª Edição,
Revista, Almedina, 2001.
 CAETANO, Marcello, Manual de Ciências Políticas e Direito Constitucional,
Tomo I, Coimbra, 1992.
 CANAS, Vitalino, Preliminares do Estudo da Ciência Política, Macau, 1992.
 MARQUES, João Dias, Introdução ao Estudo do Direito, 4ª Edição, Lisboa,
1972.
 MENDES, João Castro, Introdução ao Estudo do Direito, Editor Pedro Ferreira,
Lisboa, 1992.
 MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 7ª Edição,
Coimbra editora, 2003.
 MIRANDA, Jorge, Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990.
 MOTA PINTO, Carlos Alberto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição
Actualizada, Coimbra Editora, 1999
 REBELO DE SOUSA, Marcelo e Sofia Galvão, Introdução ao Estudo de Direito,
3ª Edição, Publicações Europa-América, Lda, 1994, Portugal.

2. COMPLEMENTAR

o CORDEIRO, António Menezes, Direito das Obrigações. Vols. I, II e III.


o CUNHA, Paulo A. V., Introdução ao Estudo do Direito (Lições Policopiadas,
Publicadas por António Maria Pereira), Lisboa.
o MACHADO, João Baptista, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador,
Almedina, Coimbra.
o ROUSSEAU, Jean-Jacques, Do Contrato Social, (Tradução Portuguesa),
Presença, Lisboa, s/d.
o TELLES, Inocêncio Galvão, Introdução ao Estudo do Direito, 9ª Edição, Lisboa.
o VARELA, Antunes, Direito das Obrigações, vols. I e II

3. LEGISLAÇÃO
 CÓDIGO CIVIL, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de
1966.
 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, de 2018.
Elaborado por: Francisco Manguene
Cel: 824550810, e-mail: fmanguenejunior@gmail.com

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