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Processos biológicos

O papel do ambiente

Que papel desempenha o ambiente no desenvolvimento


humano?

O que temos a aprender com os casos que conhecemos


de “crianças selvagens”?
Processos biológicos
O papel do ambiente
O ser humano é um animal social.
TEMA I

PROCESSOS BIOLÓGICOS

A história pessoal como um contínuo da


organização entre fatores internos e externos
Processos biológicos
TEMA I

Socialização e individuação

ANDRÉ LEONOR | FILIPE RIBEIRO


TEMA I – Processos biológicos
Socialização e individuação

• O processo de desenvolvimento social encerra duas importantes funções


interrelacionadas: uma integradora (socialização) e uma diferenciadora
(individuação).
• As duas acompanham o desenvolvimento ao longo da vida e contribuem para a
adaptação bem-sucedida e para a formação de uma identidade pessoal coesa e
dinâmica.
FUNÇÃO INTEGRADORA FUNÇÃO DIFERENCIADORA

• Através da socialização, cada um de nós • Através da individuação, construímos a


estabelece relações com outros e, nossa identidade e damos sentido à
guiado pela cultura, torna-se parte nossa existência diferenciando-nos dos
integrante da sociedade. outros que nos rodeiam.
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O papel do ambiente
A sua identidade enquanto ser humano parece pressupor
o domínio da linguagem, e aí o crescimento num
ambiente entre pares, isto é, especificamente humano,
parece ser condição suficiente para, não se concretizando,
hipotecar o seu desenvolvimento como espécime da sua
espécie.
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As “crianças selvagens”
Atribui-se habitualmente a designação “criança selvagem”
a uma criança que, nos primeiros anos de vida, tenha
crescido, por motivos de abandono, isolamento ou perda,
fora de um ambiente humano e social.
Cena do filme O Menino Selvagem (François Truffaut, 1970). Há vários casos documentados deste tipo
de crianças. O mais conhecido é o de Victor de Aveyron, em parte por ter sido imortalizado neste filme.
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As “crianças selvagens”
As “crianças selvagens” tendem a apresentar as seguintes
características:

• Hábitos e comportamentos similares aos dos animais


(em casos extremos, bipedismo pouco desenvolvido).
• Resistência superior às condições climatéricas.
• Dificuldades ao nível do controlo emocional.
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As “crianças selvagens”
As “crianças selvagens” tendem a apresentar as seguintes
características:

• Socialização e comunicação deficitárias.


• Inexistência de linguagem simbólica.
• Tendência para o isolamento.
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As “crianças selvagens”

“ Para já, a linguagem é um exclusivo dos humanos.


Adam Rutherford (2020), O Livro dos Humanos,
Porto Salvo, Edições Desassossego, p. 172.


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As “crianças selvagens”
As “crianças selvagens”, como vimos, apresentam atrasos
muito significativos na linguagem, mesmo dispondo da
fisiologia que lhes permitiria adquiri-la.
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As “crianças selvagens”
No âmbito do projeto do genoma
humano, provou-se em 2001 existir um
gene da linguagem: o FOXP2.

A conclusão foi retirada do estudo de


quatro gerações de uma família
(conhecida por KE) que apresentava
distúrbios de linguagem: mecânicos e
de ordem mental.
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As “crianças selvagens”
Entre os problemas encontrados estavam dificuldade na
articulação de sons e no controlo nos movimentos na boca –
de que depende a fala.

Simultaneamente ocorriam problemas ao nível do raciocínio


gramatical e na identificação de sons.
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As “crianças selvagens”
Ao ser identificado, através da análise destas gerações, um
padrão transmissor deste problema genético ou próprio
da mutação deste gene, fez-se a prova de existência de
um mecanismo genético específico da linguagem – que é,
como sabemos, um dos elementos distintivos do ser
humano relativamente a outros animais.
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As “crianças selvagens”
O osso hioide tem, no ser humano, uma
complexidade muitíssimo superior à de outras
espécies.
Aloja doze ligações musculares, de que também
dependem o controlo dos músculos da laringe e
da face, e consequentemente da fala.
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As “crianças selvagens”
Presume-se que os neandertais não conseguiriam falar.
Apesar de terem também um osso hioide, a sua anatomia
era diferente, de acordo com o que se constatou na análise
de um espécime - que funciona aqui como contraexemplo -
encontrado na gruta de Kebara, em Israel.
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As “crianças selvagens”
Por exclusão de partes - designadamente fisiológicos,
como vimos -, depreende-se ser o ambiente em que essas
crianças ditas “selvagens” se desenvolvem um fator
decisivo para, no seu caso, a não emergência nelas de algo
que é exclusivamente humano: a linguagem.
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As “crianças selvagens”
O ambiente tem um papel fundamental no tornar-se humano.
Crescer num ambiente não selvagem é essencial para a aquisição,
entre outros aspetos distintivamente humanos, da linguagem.
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O papel do ambiente

“ Porque é que somos diferentes? Separar a evolução biológica da


cultural cria uma cisão falsa entre as duas, quando na verdade são
intrinsecamente interdependentes – a biologia impulsiona a cultura
e vice-versa. [...]
Aquilo que mais nos distingue é a acumulação e a transmissão
cultural. Muitos animais aprendem. Apenas os humanos ensinam.

Adam Rutherford (2020), O Livro dos Humanos, Porto Salvo, Ed. Desassossego, pp. 139-202.


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O papel do ambiente
Não por acaso, o filme O Menino Selvagem é um dos mais
citados nos estudos referentes à pedagogia e à educação.

Uma das mais célebres frases finais deste filme, que ilustra bem
a humanidade que inere à linguagem e à causa ambiental nela
pressuposta, vem de Jean Itard, que tentou educar Victor de
Aveyron, a “criança selvagem”, e a ela é dirigida:

«Tu já não és um selvagem, mas ainda não és um homem.»


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A indissociabilidade, do ponto de vista do desenvolvimento
humano, da genética, do cérebro e do meio, está também patente
em conceitos previamente estudados, que importa também
destacar.

São eles:
• Epigenética
• Poda neuronal
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Aquando do estudo da genética (1.1.), relevámos a epigenética,
dizendo que, distanciando-se da conceção preformista, esta
teoria sublinha a importância da ação do meio sobre o nosso
genótipo.
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O papel do ambiente
No estudo do cérebro (1.2.)
destacámos a neuroplasticidade,
e aí, em particular, a “poda
neuronal”.
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O papel do ambiente
A fase em que a nossa rede neuronal apresenta maior
densidade ocorre na infância, procedendo-se a partir daí, na
nossa especialização contínua, à subtração de redes sinápticas,
à sua diminuição progressiva como forma de reforço das
remanescentes: aquelas que farão de nós, por exemplo,
especialistas em culinária ou em ciências aeroespaciais.
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O papel do ambiente

“ A compreensão da organização funcional do cérebro passa pelo


estudo anatómico das conexões estabelecidas entre células
nervosas individuais. Este universo é de uma extraordinária riqueza.
Melhor ainda, não é “exatamente” o mesmo em todos os
indivíduos, nem sequer nos gémeos. [...]
A Sagração da Primavera pôde ser elaborada pelo cérebro de
Stravinsky, e a Capela Sistina pelo de Miguel Ângelo.


Jean-Pierre Changeux, Paul Ricouer (2001), O que nos faz pensar?, Lisboa, Ed. 70, pp. 81-84.
https://app.escolavirtual.pt/lms/playerteacher/resource/25183280/E?se=&seType=&coId
=25140525&bkid=27405680

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