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INTRODUÇÃO À TEOLOGIA

James Alan dos Santos Francos


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1 PROBLEMATIZAÇÃO DO FENÔMENO RELIGIOSO - PARTE I

Caro estudante do curso de bacharelado em Teologia da Universidade Santo Amaro,


seja muito bem-vindo.

Nesta disciplina de Introdução à Teologia você aprenderá questões fundamentais


sobre o fenômeno ligado à fé humana em relação à(s) divindade(s). Você será exposto
ao conteúdo pertencente ao mundo físico/material em que vivemos, passando pela
lógica do pensamento filosófico, mitológico, científico e pela lógica, para compreender
o pensamento metafísico, especialmente no que tange à lógica e ao conteúdo do
pensamento teológico, ligado à fé humana relacionado à Deus e/ou Deuses.

Trataremos, ainda, sobre o desenvolvimento dos utensílios sagrados que compõe e


dialogam com a fé humana nos eventos e espaços de culto à(s) divindade(s).

Em suma, serão discutidos assuntos pertinentes ao fenômeno religioso no diálogo com


outras áreas do saber, trazendo ao estudante de teologia uma formação robusta e
madura sobre o espaço religioso, tais como ambientes próprios para a prática religiosa
tradicionais, a influência da divindade em questões de limitação e conflito humano
com o fim da existência material humana. Trataremos, também, com os modelos
mercadológicos ligados à fé, e, até mesmo, sobre questões ligadas à psicologia
humana e a influência do divino sobre a psique humana nos momentos de rituais de
culto.

Abordaremos o fenômeno da revelação de Deus para a humanidade como questão


central da fé cristã.

E, por fim, buscaremos demonstrar modelos de conversão e chamado sacerdotal do


ser humano, expressões clássicas de mediação religiosa e modelos contemporâneos de
mediação entre Deus e os homens. Trataremos fundamentalmente dá fé cristã, mas
em alguns momentos haverá a exposição de outras cosmovisões religiosas ligadas às
outras religiões distintas da religião cristã.

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Teologia, portanto, é o estudo de Deus, ou o estudo sobre Deus, que vem da origem
grega, da união das palavras Theos (Deus) e logoi (estudo). Portanto, o objeto de
estudo da teologia é Deus e o método será o histórico, para compreender como na
história foi gestado este objeto e como, em cada momento, foi interpretado sua
existência, essência, características, sua atuação etc.

1.1 O mundo físico e o mundo metafísico-transcendente

Neste primeiro bloco abordaremos as concepções principais sobre os pilares da


compreensão do mundo físico e do mundo metafísico transcendente.

Nossa intenção é proporcionar a você uma base sólida sobre o desenvolvimento


histórico do pensamento humano, compreendendo questões ligadas ao pensamento
mitológico, filosófico, teológico e científico, para compreender questões essenciais
sobre o desenvolvimento do pensamento religioso clássico até o momento de
questionamento iluminista, chegando à cisão no pensamento metafísico-
transcendente do pensamento racional puro. E por fim, a resposta empregada pelo
pensamento teológico no ataque frontal sofrido por meio do pensamento reacional
puro, para que o estudante consiga compreender o desenvolvimento histórico do
tema, e sua permanência, mesmo diante da desconstrução empregada pela ciência
moderna.

Note que, “o discurso sobre Deus, enquanto artigo da metafisica e da expressão do


cálculo racional, é severamente atingido, a ponto de se poder perguntar: é possível
falar sobre Deus em tempos de pós-metafísica?” (OLIVEIRA, 2010).

Perceba que, atualmente, é questionada a validação de Deus como objeto de verdade


ou de existência. Mas nem sempre foi assim, pois o pensamento humano trilhou um
caminho bastante denso até chegar ao pós-modernismo atual. Na sequência
desenvolveremos a temática ligada à metafisica, proporcionando construtos históricos
racionais para que o estudante de teologia adquira uma densidade teórica sobre o
tema.

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1.2 O mundo físico e a cosmovisão humana

A primeira realidade que o ser humano conhece diz respeito ao mundo físico do qual
passa a fazer parte a partir do momento de seu nascimento e perdura até o momento
de sua morte, chamado também de imanente. Nitidamente, na medida em que se
adquire a compreensão das coisas, com o seu desenvolvimento sensorial, o indivíduo
vai percebendo, de maneira crescente, o meio do qual faz parte e os aspectos ligados à
vida humana de maneira concreta e material.

O desenvolvimento do ser humano perpassa pelo convívio com o outro, desenvolve-se


a fala, depois a escrita, atingindo níveis profundos do saber sensorial, físico e
principalmente compreensivo.

Nos estudos sobre o desenvolvimento humano temos o autor soviético Lev


Semenovich Vygotsky (1896-1934) que apresenta relevantes conteúdos sobre esta
temática. Ele afirma que as características humanas do indivíduo não estão
determinadas pelo nascimento e sim pelo resultado da interação do bebê com seu
meio histórico-social.

Conforme Vygotsky (1991) o desenvolvimento humano, precisa ser percebido dentro


da globalidade, porém na finalidade de estudo, está contemplado a partir de quatro
aspectos básicos (todos os aspectos se relacionam permanentemente):

1. Aspecto físico-motor: refere-se ao crescimento orgânico, à maturação


neurofisiológica, à capacidade de manipulação de objetos e de exercício do
próprio corpo;

2. Aspecto intelectual: é a capacidade de pensamento, raciocínio;

3. Aspecto afetivo-emocional: é o modo particular de o indivíduo integrar suas


experiências. A sexualidade faz parte desse aspecto;

4. Aspecto Social: é a maneira como o indivíduo reage diante das situações que
envolvem outras pessoas.

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Não é possível encontrar um exemplo “puro”, porque todos estes aspectos


relacionam-se permanentemente.

Deste modo, através da vivência em sociedade, este novo ser passará por
transformações conforme o meio que vive para atender às suas necessidades básicas e
complexas, sempre a depender do momento histórico e do avanço social a qual
pertence e a que chega concretamente para cada indivíduo.

Basta voltarmos no tempo e lembrarmos o exemplo clássico das crianças-lobo que não
agiam como humanos, pois viveram com lobos e o seu desenvolvimento sofreu total
inferência do meio no qual se encontravam.

Vejamos as citações abaixo, são relatos de casos verídicos:

Como os lendários irmãos Remo e Rômulo, Kamala e Amala de


Midnapore também foram criadas por lobos – o tipo de bicho que
mais acolhe humanos [...]. Em 1920, o reverendo Joseph Singh
viajava numa missão espiritual pela Índia quando soube da lenda de
duas meninas que viviam com uma matilha daqueles animais.
Intrigado, partiu atrás delas. Ao encontrá-las, ficou impressionado:
ambas andavam de quatro e, antes de sair da caverna em que se
escondiam, colocavam só a cabeça para fora e olhavam desconfiadas
para os lados. Capturadas, foram encaminhadas ao orfanato da
cidade indiana de Midnapore. O reverendo Singh, que as criou junto
com sua mulher, era o diretor da instituição. Kamala tinha cerca de 8
anos e Amala, apenas 1 ano e meio. Carnívoras, bebiam água
lambendo e tinham horror à luz. Passavam o dia todo arredias, mas à
noite uivavam e grunhiam. A menor sobreviveu dez meses longe dos
bosques e morreu, um ano depois, de nefrite (inflamação nos rins).
Foi quando Kamala chorou pela primeira vez desde que chegara ao
orfanato. “Ela teria chorado se Amala tivesse morrido na selva? Ou
será que, no tempo em que conviveu com humanos, a menina
aprendeu a chorar?”, questiona a professora Luci. “São perguntas
sem resposta. Mas Kamala pode, sim, ter aprendido. O choro e o riso
não são apenas reflexos do ser humano. São construídos
socialmente.”

“Filho do isolamento” A mais célebre criança selvagem inspirou


inúmeros livros (alguns científicos, outros nem tanto) e teve sua vida
levada para as telas de cinema pelo diretor francês François Truffaut no
belo O Garoto Selvagem, de 1969. Foi conhecido primeiro como
Selvagem de Aveyron e, mais tarde, chamado de Victor pelo médico e
educador francês Jean Itard, que se encarregou de sua criação. O
menino foi encontrado por caçadores em 1799, com cerca de 12 anos,
vagando por bosques na França. Estava nu, sujo, mordido e arranhado,
se alimentava de nozes e raízes. Tinha 23 cicatrizes causadas por

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mordidas de animais e outra, no colo, por uma provável facada. Andava


trotando, farejava o que lhe davam, roía os alimentos, amava os campos
e tinha aversão a usar roupas e a comer alimentos cozidos. Não falava,
apenas emitia sons guturais. Seus olhos não se fixavam ou
demonstravam expressão. Seu tato, olfato e audição eram
aparentemente insensíveis. Nunca se soube se Victor se perdeu ou foi
abandonado por sua família. Sabe-se apenas que viveu em completo
isolamento. Foi levado a uma instituição nacional de surdos-mudos,
onde Philippe Pinel, considerado o pai da psiquiatria moderna, o
diagnosticou como “acometido de idiotia” e, portanto, não suscetível à
socialização e à instrução. Mas Jean Itard discordou de seu mestre e
resolveu educar ele mesmo o menino. Escreveu dois relatórios sobre
seus progressos: um em 1801, após um ano de trabalho com ele, e outro
em 1806. No primeiro, afirma que os hábitos de Victor mostravam as
“marcas de uma vida errante e solitária” e demonstravam que ele tinha
passado pelo menos sete de seus 12 anos no isolamento. Segundo o
médico, o menino dava aos cientistas a incrível oportunidade de
“determinar quais seriam o grau de inteligência e a natureza das ideias
de um adolescente que, privado desde a infância de qualquer educação,
tivesse vivido inteiramente separado dos indivíduos de sua espécie”.
(RIBEIRO, 2006, s.p.).

Ao lermos estes depoimentos é possível compreender que o desenvolvimento mental


é depende do desenvolvimento social e histórico, estando sujeito à interação do
homem ao meio físico e social do qual pertence.

Há diversas áreas do saber que auxiliam no desenvolvimento humano, tais como:


pedagogia, pediatria, psicologia, sociologia, filosofia e outras.

A criança com o passar do tempo passa a descobrir regras fixas sobre o funcionamento
do mundo físico que a cerca, chamadas, ainda, de ‘leis’ da física ou da natureza.

O mundo físico em que o ser humano vive desde o seu nascimento é diversificado,
possui outros seres humanos, inúmeros animais, árvores, casas, e tantas outras coisas,
naturais ou criadas pela manufatura humana a depender do momento histórico em
que vive.

Em cada período histórico, o ser humano passou por esta relação com o mundo físico,
ainda que, com mais ou com menos invenções ou conexões com a natureza.

Nesta realidade de vida humana também enfrentamos situações de aflições ou


angústias, infortúnios, doenças e separações ocasionadas com a morte dos seus pares

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ou familiares, o que pode acometer sentimentos diversificados tais como: tristeza,


euforia, dor, solidão, depressão, angústia etc.

Há momentos em que ocorrem processos de luto, sejam eles naturais, devido a morte
ou em casos nos quais as dores, as angústias e as perdas são tão intensas que se
assemelham ao luto. Para melhor esclarecer este assunto buscou-se conhecimento
sobre o luto com a autora Elisabeth Kübler-Ross1 (1998) que descreve este momento
como sendo composto de algumas fases que a antecedem: fase de negação, de raiva,
de barganha, de depressão e de aceitação.

Tecemos essas primeiras palavras para que o estudante perceba que para cada
indivíduo ou geração de indivíduos, houve um certo nível de compreensão sobre a
realidade que o cerca, e isso recebe o nome de cosmovisão. A compreensão, portanto,
do ser humano sobre o mundo que o cerca é nomeado de cosmovisão e cada geração
possuiu a sua, com suas características próprias.

Uma cosmovisão é um comprometimento, uma orientação fundamental do coração,


que pode ser expressa como uma história ou um conjunto de pressuposições
(hipóteses que podem ser total ou parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas),
que detemos (consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente)
sobre a constituição básica da realidade e que fornece o alicerce sobre o qual vivemos,
movemos e possuímos nosso ser (SIRE, 2009, p. 16).

Outro conceito importante para conhecermos neste momento é o significado de


‘epistemologia’:

A epistemologia é o ramo da filosofia que se ocupa do estudo da natureza


do conhecimento, da justificação e da racionalidade da crença e dos
sistemas de crenças, em outras palavras, de toda a Teoria do Conhecimento.
Usado pela primeira vez pelo filósofo escocês James Frederick Ferrier, o
termo epistemologia é composto das palavras "episteme" e "logos".
Episteme significa "conhecimento" e Logos significa "palavra", embora seja
mais usado no sentido de "estudo" ou "ciência".

1
Elisabeth Kübler-Ross, M.D. (8 de julho de 1926 — 24 de agosto de 2004) foi uma psiquiatra que
nasceu na Suíça. Ela é a autora do livro On Death and Dying (1969), no qual ela apresenta o conhecido
Modelo de Kübler-Ross.
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O filósofo Jonathan Dancy procurou expandir o conceito, defendendo que a


epistemologia trata de "posturas cognitivas", o que incluiria tanto nossas
crenças, em sentido amplo, quanto aquilo que pensamos ser conhecimento.
Nesta análise, um dos propósitos da epistemologia seria verificar se agimos
de modo responsável ou irresponsável ao formar e manter as crenças que
temos. (MACIEL, s.d., s.p.).

Portanto, o ser humano hoje, ou há milhares de anos atrás, passou pela situação de
interação e compreensão do mundo natural que o cerca e que o cercou em cada
período histórico.

Até este momento, procuramos demonstrar a relação do ser humano com o mundo
físico que o cerca, para que você, estudante, perceba que cada período histórico teve
sua própria compreensão da realidade que cercava cada uma das gerações passadas.

Essas premissas iniciais sobre a compreensão do ser humano sobre a realidade que o
cerca e a maneira pela qual foi interpretada ao longo da história que conhecemos, são
fundamentais, pois o estudante de teologia trabalhará textos tidos como sagrados que
foram escritos de maneira que respeitaram o momento cultural, histórico, social de
cada autor. Sem esta compreensão, o aluno tratará do texto de maneira atemporal,
fazendo com que o ‘livro sagrado’ seja compreendido como um livro ‘mágico’, gerando
no estudante uma compreensão errônea sobre a realidade teológica.

Para ser mais claro, queremos dizer com isso que, tanto o mundo físico, quanto o
mundo metafisico não foi entregue e explicado pormenorizadamente por nenhuma
divindade, ou seja, foi entregue ao ser humano para que este o explorasse e passasse a
construir sua permanência na medida do próprio desenvolvimento humano. Portanto,
temos que ter em mente que, o ser humano surgiu em um dado momento histórico, e
de lá para cá vem se adaptando e se aperfeiçoando no meio ambiente em que vive.

Para os cristãos, há a premissa da origem humana como sendo a história da criação


descrita no Livro de Gêneses (que significa ‘origem’, ‘criação’, ‘nascimento’). O
primeiro verso do Livro de Gêneses diz: No princípio, Deus criou os céus e a terra. Na
língua original hebraica transliterada para o português temos: Berechit bara Elohim et
hashamayiam ve’et há’aretz.

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A palavra Elohim é a palavra genérica para Deus, seja o Deus de Israel, ou os deuses de
outras nações.

Em seguida, nos versículos 27 e 28, ainda no primeiro capítulo de Gêneses, Elohim cria
o homem e a mulher à sua imagem, os abençoa dizendo-lhes para frutificarem e
sujeitar a terra.

Portanto, fechamos essa primeira parte do nosso estudo de teologia dizendo que, a
história da criação humana por Elohim e os comandos de frutificar e sujeitar a terra,
são a crença inicial do surgimento da vida humana sob a terra do ponto de vista de
uma cosmovisão bíblica cristã. E, de lá para cá, os serem humanos têm construído sua
história sob a terra, inicialmente com uma vida nômade, depois passando pela fase
tribal, e assim por diante, até chegarmos nas megalópoles que possuímos
contemporaneamente.

Logo, não podemos desprezar cada momento histórico, pois para cada período
teremos uma cosmovisão humana distinta, com cultura própria, língua própria,
período histórico próprio, fazendo com que o conhecimento do conjunto da obra faça
com que o estudante compreenda melhor e mais profundamente a teologia como um
todo, sem distorções e sem fundamentalismos.

1.3 O pensamento metafísico-transcendente e a filosofia

O ponto anterior tratou das questões do mundo físico-natural, ou seja, das questões
concretas que nos cercam, e como o ser humano, a partir de sua inserção no planeta,
passou a relacionar-se com tudo que o cerca, sempre fazendo uma interação com sua
realidade histórica.

Agora, trataremos do pensamento metafisico-transcendente, ou seja, de questões


ligadas ao pensamento de uma realidade fora ou além das fronteiras do mundo físico-
material:

Metafísica ou ontologia é considerada o campo inicial de investigação dos


primeiros filósofos. Ela se debruça sobre questões primordiais do indivíduo

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— O que é o homem? Existe algum significado na existência? Deus existe?


—, entendidas como existencialistas.

O termo metafísica surgiu na Antiguidade, com a organização das obras de


Aristóteles por Andrônico de Rodes, que colocou os tratados aristotélicos
em certa ordem e os livros sobre filosofia teórica ou especulativa depois das
obras dedicadas à física, donde o termo meta (além, após). (MOUTINHO, s.
d., s.p.).

Os filósofos antigos, antes mesmo de Jesus Cristo, questionavam a realidade,


buscando, através do pensamento humano, respostas básicas sobre questões ligadas à
vida humana:

Parmênides (530 a.C.-460 a.C.) revela em fragmentos de sua obra Sobre a


Natureza que a mudança da realidade é impossível enquanto a existência é
atemporal, uniforme, necessária e imutável.

Heráclito (535 a.C.-475 a.C.) descreve a realidade como algo em movimento,


exceto o próprio movimento: “tudo se move, exceto o próprio movimento”.
Enquanto Parmênides acredita que a mudança é impossível, Heráclito crê
que tudo está sempre mudando.

Platão acreditava no mundo das ideias, onde todas elas existiam antes de
chegar ao pensamento humano. Aristóteles, discípulo de Platão, discordava
de Parmênides e Heráclito, mas também não acreditava no mundo das
ideias.

Aristóteles rompeu com seu mestre ao identificar quatro possíveis motivos


para o ser humano alcançar o conhecimento e executar mudanças:

1. conhecer as causas primeiras, pois só assim se pode chegar ao verdadeiro


conhecimento;

2. a relação desse objeto (matéria) sobre o sujeito;

3. o motivo (de onde vem essa ideia/causa);

4. sua finalidade (o motivo final de se fazer algo). Surgiu assim a metafísica.


(MOUTINHO, s. d., s.p.).

Portanto, estudar teologia, é acima de tudo, estudar tanto o mundo físico, quanto o
mundo metafísico-transcendente, ou seja, como é possível um mundo fora do físico se
relacionar com o mundo metafísico-transcendente e vice-versa.

Os filósofos gregos construíram um profundo pensamento acerca de Deus e da


teologia, que em primeira análise é o mundo metafisico-transcendente:

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A palavra “teologia” significa pensamento a respeito de Deus. Em grego,


logos de theos. O termo carrega em si a contradição fundamental de tratar
logicamente o deus que, em princípio, não cabe na lógica. Por outro lado,
nem sempre se pensou em deus ou nos deuses de maneira lógica. Os
responsáveis pelo encerramento do pensamento a respeito da divindade em
termos lógicos foram os filósofos gregos. E, em última análise, foi a
metafísica que se fez teológica fazendo ao mesmo tempo que a teologia,
consequentemente, se fizesse metafísica. Assim, metafísica e teologia fazem
parte da mesma loucura da razão. (MARASCHIN, 2004, p. 13).

O mundo grego foi, portanto, um lugar de grande avanço no pensamento teológico.


Houve um grande desenvolvimento do tema naquele período histórico. Passou-se,
então, a tentar estruturar o pensamento humano, percebendo a arte e o mito como
respostas às perguntas que até aquele momento não possuíam respostas, nem eram
compreendidas pelo pensamento humano:

O pensamento humano começou a se estruturar por meio do mito. O mito


narrava as experiências humanas a partir do relacionamento do corpo com a
natureza. Oscilava entre o que se passava dentro do corpo e fora dele.
Nossos primeiros ancestrais expressavam-se por meio da arte. A arte, pois,
antecede o mito. É provável que as primeiras manifestações culturais
tenham sido o canto e a dança. Canto e dança são fundamentalmente
expressões do corpo. Daí, passa-se ao desenho e às pinturas. O corpo que
dança no espaço livre também desenha e pinta. E o faz utilizando
referenciais humanos. (MARASCHIN, 2004, p. 14).

Platão foi o maior pensador sobre a origem das coisas, tendo firmado a premissa sobre
a existência de Deus:

Talvez o mais permanentemente influente pensador grego da antiguidade


seja Platão, nascido em 427 e morto em 347. Achava que o corpo
atrapalhava o conhecimento. Escreveu: “E quanto à procura da sabedoria,
que dizes? O corpo não é impedimento?... [a alma] dirige-se com todo o seu
poder ao que é. - Justamente. - E por tal razão a alma do filósofo não é
dificultada nem tem fastio do corpo? E não foge dele desejando isolar-se
para permanecer só?“ (Fédon, X, 65). “E esta fuga é um assemelhar-se a
Deus em tudo o que é possível; e este assemelhar-se é converter-se em
justo e santo por meio da sabedoria” (Teetetos, XXV, 176). Assim se
expressa no Timeu: “Tudo o que se gera é necessário que seja gerado por
alguma coisa sem a qual não é possível que alguma coisa seja gerada... é
evidente a todo homem que contemplou o eterno” (V, 28). Mais adiante:
“Quanto à alma... Deus formou-a ... da maneira seguinte: da essência
indivisível que está sempre do mesmo modo invariável, e da que é gerada
para os corpos e Revista Eletrônica Correlatio n. 5 - Junho de 2004 A
Teologia dos Filósofos Gregos e a Teologia Cristã 17 divisível, destas duas,

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misturando-as entre si, fez uma terceira espécie intermediária....” (34c). O


diálogo, Leis trata mais diretamente da existência divina. “Não te parece,
hóspede, que é fácil provar que é verdade que os deuses existem? – E de
que maneira? - ... a alma é anterior, nascida antes de todos os corpos... é
necessário que, nesta alma, todo homem reconheça a Deus” (886-899).
“Não estimemos a Deus nunca menos que aos artífices mortais” (902) “Deus
e as coisas divinas são o sumo da perfeição” (República, II, XIX-XX, 380-381).
(MARASCHIN, 2004, p. 16-17).

Outro filósofo que contribui com o pensamento teológico foi Aristóteles firmando a
premissa sobre a imortalidade da alma humana, bem como sobre a existência de um
Deus supremo:

Aristóteles (384 a 322 antes de Cristo) começa sua reflexão filosófica com a
crença na imortalidade da alma, na sua preexistência e substancialidade. Em
sua obra, Sobre a filosofia, empenha-se em provar a existência do Deus
supremo. Afirma que “o ser primeiro e sumo deve ser Deus, absolutamente
imutável e, se imutável, também eterno”. Assim, “os primeiros que viram o
céu e contemplaram o sol percorrendo o seu caminho, desde a aurora até o
ocaso, e as danças ordenadas dos astros, procuraram um artífice dessa
formosa ordenação, não pensando que pudesse formar-se ao acaso, mas
por obra de uma natureza superior e incorruptível, que é Deus”
(MARASCHIN, 2004, p. 18).

O pensamento filosófico empregou forte relação com a teologia cristã, Paul Tillich
(1886-1965) um teólogo alemão, do século XX fez uma forte análise sobre o tema:

Há estreita relação entre o pensamento desses filósofos e a teologia cristã


desde seu nascimento. Segundo Tillich, foi o helenismo o movimento que
mais influenciou os novos teólogos. Entre esses destacam-se os estoicos, os
epicuristas, os neopitagóricos, os céticos e os neoplatônicos. (1) Mas foram
principalmente os pensamentos de Platão os formadores das bases da
teologia cristã patrística. Tillich examina cinco elementos fundamentais
nessa linha: o primeiro é o conceito de transcendência. As ideias eram para
Platão as essências das coisas. Salta-se daí para o mundo idealizado tão
apreciado pela religião protestante, por exemplo. Se as ideias e, com elas, a
abstração, representam o real, as coisas terrenas perdem seu valor. O
segundo elemento destacado por Tillich é, pois, “a desvalorização da
existência”. Até hoje a igreja cristã enfrenta problemas relacionados com a
compreensão do corpo humano e de seus desejos. O terceiro elemento é a
doutrina da “queda da alma da eterna participação no mundo essencial ou
espiritual, sua degradação terrena num corpo físico, que procura se livrar da
escravidão desse corpo, para finalmente se elevar acima do mundo
material”. O quarto elemento é a ideia da providência divina. Tillich nos
alerta de que essa ideia recebida ainda hoje pelos cristãos como se tivesse
nascida com sua religião, pertencia, na verdade, ao mundo grego antigo e se
expressara com clareza nos últimos escritos de Platão. O quinto elemento

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presente na teologia cristã vem de Aristóteles: “o divino é forma sem


matéria, perfeito em si mesmo”. Segundo Tillich, Aristóteles “entendia que
Deus, a forma suprema ou ato puro (actus Purus) , como o chamava, move
todas as coisas ao ser amado por todas as coisas” e que “a realidade toda
deseja se unir à forma suprema, para se livrar das formas inferiores em que
vive, na escravidão da matéria”. Esse Deus aristotélico entrou na igreja cristã
e exerceu enorme influência principalmente na formulação da teologia
medieval. (MARASCHIN, 2004, p. 20).

O que Paul Tillich faz é traçar um paralelo entre o pensamento filosófico clássico com o
pensamento teológico medieval, demonstrando como o primeiro influenciou o
segundo e como o pensamento cristão tomou do pensamento filosófico para criar sua
compreensão teológica.

É nítida a percepção de que houve uma forte proximidade entre o pensamento


teológico e o pensamento filosófico, fazendo com que o pensamento teológico cristão
sofresse forte influência do pensamento dos filósofos clássicos:

O confronto dos pensadores cristãos com a filosofia grega originou a


teologia cristã. Mas os teólogos não se deram conta de que essa nova
disciplina trazia no seu interior as sementes destruidoras da metafísica que
lhe servia de base. Entende-se a partir daí que na história do pensamento
ocidental os filósofos sempre se sentiram atraídos pela teologia e os
teólogos pela filosofia. Talvez não se possa falar em sentido estrito, no
casamento dessas disciplinas. (MARASCHIN, 2004, p. 22).

Deste modo, a compreensão da realidade que cerca o ser humano desde que este
habita a terra é o norte fundamental que parte do coração e da mente humana em
busca de respostas primárias sobre a origem da vida e a vida pós mortem, ou seja, do
mundo metafisico-transcendente.

Perceba que, na história houve, portanto, o desenvolvimento do pensamento


mitológico e do pensamento filosófico, como tentativa de dar respostas e soluções aos
diversos temas e inquietações humanas. Mas, é no desenvolvimento do pensamento
teológico, que há necessidade de se traçar dois caminhos distintos: um sobre o
pensamento teológico antes de Cristo, ou seja, que utiliza dos preceitos do Judaísmo, e
o outro, de um pensamento teológico cristão, que utilizou de um aparato filosófico
para construção de um pensamento teológico no período medieval da Igreja.

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Note que há no plano histórico o pensamento tribal, conectados com a língua inicial
dos povos primitivos das terras, ou seja, de povos nômades que sequer língua escrita
possuíam, e que utilizaram da tradição oral para a manutenção de suas histórias sobre
‘a origem das coisas’, como no caso de gêneses.

Em seguida, surge o pensamento mitológico que utiliza de mitos para dar respostas
sobre a realidade que os cercavam naquele momento histórico, seja no período
egípcio, seja no período grego.

Depois vieram os filósofos que desenvolveram o pensamento humano nas questões


mais profundas da vida para tentar prestar respostas convincentes. Paralelamente ao
desenvolvimento do pensamento humano trilhou um pensamento teológico ligado ao
povo Judeu, ou seja, um povo para o qual Deus teria se revelado de forma especial e
direta, iniciando com Abrão de Ur dos Caldeus, que recebeu um chamado divino para
ir a uma terra distante, conforme relatado em Gênesis, capítulo 12, versículos de 1 a 4:

Então o Senhor disse a Abrão: "Saia da sua terra, do meio dos seus parentes
e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei.

"Farei de você um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o seu


nome, e você será uma bênção.

Abençoarei os que o abençoarem, e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem; e


por meio de você todos os povos da terra serão abençoados".

Partiu Abrão, como lhe ordenara o Senhor, e Ló foi com ele. Abrão tinha
setenta e cinco anos quando saiu de Harã.

Portanto, o arcabouço do pensamento teológico bíblico veterotestamentário começou


a ser formado de maneira prática na vida de certas pessoas que foram escolhidas pelo
próprio Deus para atuar de maneira específica e sob os cuidados divinos também
específicos e diretos, que deram origem a um povo, os Israelitas, chamados também
de Judeus.

É claro que a maneira como estudamos teologia hoje não é a mesma de 2500 anos,
como era estudada por um Rabino Judaico ou por filósofos gregos. Portanto, temos
que trazer à baila o pensamento contemporâneo, que é o pensamento científico, pois
somente com o pensamento científico conseguiremos tecer o cenário histórico amplo

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para que, você leitor e estudante de teologia, tenha condições de compreender aquilo
que está sendo apresentado.

Podemos dizer que estudar teologia hoje é saber que o desenvolvimento do


pensamento humano passou pelo período mitológico, teológico, filosófico, grego e,
contemporaneamente, científico. É, ainda, saber que o próprio sistema do
pensamento teológico passou por fases bastante distintas, pois temos a fase bíblica
inicial judaica veterotestamentário e, posteriormente o pensamento ligado à era cristã.

Note que, a cosmovisão anterior ao pensamento científico, pautava-se em uma


cosmovisão encantada na perspectiva divina, onde as respostas para os diversos
questionamentos eram prestadas pela interferência divina sob a realidade concreta
dos seres humanos.

Esse pensamento perdurou até o período do Iluminismo, que modificou a maneira de


compreensão da realidade, causando um desencantamento com os fenômenos da
natureza de compreensão encantada, passando a ser tratados, não mais como
interferência divina na vida humana, mas como mero acontecimento físico-químico,
plenamente percebíveis e mensuráveis pelo pensamento humano num plano
subsidiado pela ciência moderna.

Tillich retrata bem a distinção entre o pensamento do homem medieval e do homem


moderno, pós advento do iluminismo, quando cita Kant:

O iluminismo é a libertação do homem de suas tutelas. Essas provêm de sua


incapacidade de usar o próprio entendimento sem a orientação dos outros.
Essa tutela consentia resulta não da falta de razão, mas da falta de resolução
e coragem para usar a razão sem a ajuda dos outros... Kant demonstra, em
seguida, quão mais confortável é ter guardiães e autoridades para nos dirigir
a vida, mas, segundo ele, esse conforto deve ser abandonado. O ser humano
deve cuidar de si mesmo; a autonomia faz parte de sua natureza. (TILLICH,
2007, p.284)

Portanto, o estudante de teologia do século XXI precisa conhecer as bases


fundamentais do pensamento humano, seja mitológico, teológico, filosófico e/ou
científico e como este último tentou aniquilar com todos os outros, mas no meio

15
,

teológico houve respostas à altura, as buscas arqueológicas e o estudo das línguas


originais de textos antigos, tidos como sagrados segundo o pensamento teológico.

1.4 Do período filosófico (a)religioso ao período filosófico religioso grego

Nem sempre o pensamento religioso andou de mãos dadas com o pensamento


filosófico. Houve um grande período histórico da humanidade em que o pensamento
filosófico trilhou seu próprio caminho, um caminho (a)religioso.

O berço da filosofia foi na Grécia antiga, portanto:

[...] o advento da civilização grega que produziu tal explosão de atividades


intelectual é um dos acontecimentos mais espetaculares da história. Jamais
ocorreu algo semelhante, nem antes nem depois. No curto espaço de dois
séculos os gregos produziram na arte, na literatura, ne ciência e na filosofia
uma assombrosa torrente de obras-primas que estabeleceram os padrões
gerais da civilização ocidental. (RUSSELL, 2002, p.13)

A sustentação do pensamento de Russel (2002) segue as seguintes premissas: a


filosofia e a ciência teriam iniciado com Tales de Mileto, no início do século VI a. C.,
que só foi possível pois após séculos de transformações, guerras, catástrofes climáticas
etc.

O autor descreve ainda que o mais antigo e maior monumento literário do mundo
grego foi a obra de Homero

[...] que produziu dois grandes poemas, Ilíada e Odisseia, que


aparentemente foram concluídos por volta de 800 a. C. [...] A essência dos
poemas eram atitudes racionais de uma classe dominante. Expõe ainda que
a religião era praticamente ausente, mas crescia costumes sofisticados, com
a hospitalidade para com os estrangeiros [...] há, ainda, elementos mais
primitivos, como sacrifícios de humanos, em espécie de cerimonial,
utilizando prisioneiros, mas de maneira rara tais acontecimentos [...]. Em
geral o tom era moderado.

Tudo isso simbolizava a tensão da alma grega. Em parte ordeiro e racional,


mas do outro, indisciplinado e instintivo [...]. O primeiro deu origem à
filosofia, à arte e à ciência e o último embasa a religião mais primitiva em
conexão com os ritos de fertilidade. (RUSSELL, 2002).

16
,

Por fim, surge a conexão com Platão, o filosofo:

[...] em tempos posteriores, especialmente com a renovação do contato


com o Oriente, ressurge [culto à fertilidade]. É associado ao culto a Dionísio
ou Baco, originalmente uma divindade da Trácia. Com a legendária figura de
Orfeu, que dizem ter sido dilacerado membro a membro por bacantes
embriagadas, surge uma influência reformadora dessa selvageria primitiva.
A doutrina órfica tende ao ascetismo e enfatiza o êxtase mental. Com isso
espera-se conseguir um estado de “entusiasmo”, ou união com o deus, e
assim adquirir conhecimento místico que não se obtém de outra maneira.
Nesta forma refinada, a religião órfica teve um profundo efeito sobre a
filosofia grega. Aparece pela primeira vez em Pitágoras, que a adapta ao seu
próprio misticismo. A partir daí, elementos dessa religião chegam até Platão
e à maior parte da filosofia grega, à medida que ela não foi puramente
científica. (RUSSELL, 2002).

1.5 As bases do pensamento científico e a resposta prestada pela teologia

Nosso presente estudo trabalhou, até este momento, a estrutura do pensamento


humano até a chegada do momento histórico em que o pensamento científico
contemporâneo ganhou seus pilares e passou a nortear profundamente o pensamento
presente.

Mattos (1987, p.19), fala sobre Francis Bacon, ao situar idade média e idade moderna,
diz que:

Entre os fatores que influíram na formação da filosofia moderna, o mais


importante foi sem dúvida o desenvolvimento das ciências exatas nos
séculos XVI e XVII. Até a Renascença dominava a física aristotélica. É verdade
que, ao findar a Idade Média, diversas teorias que geralmente acreditamos
só teriam aparecido na época moderna já haviam sido propostas por
representantes da baixa escolástica, sobretudo ocamistas. Mas é só no
século XVI, desde Leonardo da Vinci, que se pensa em abandonar
totalmente a filosofia da natureza, que se baseava na experiência comum e
se construía com explicações filosóficas.

Gray (1999. p 7), ao falar sobre Voltaire e o Iluminismo diz que:

O objetivo da “filosofia” de Voltaire não era promover a pesquisa e muito


menos defender o ceticismo: era fundar um novo credo. Desejava substituir
a religião cristã pela crença humanista do iluminismo. Sua infalível zombaria
assentava em razões profundamente honestas. A oposição que fez ao
fanatismo cristão tinha também um cunho fanático. Sua obra toda consistiu

17
,

em firmar a vida europeia em novos alicerces e dar um sucessor ao


Cristianismo.

Assim, o pensamento racional, introduzido pela nova maneira de ver e perceber o


mundo natural traçou novos métodos de compreensão da realidade, qual seja: o
método científico, pautado na razão humana e na experimentação científica racional
como sendo o senhor que passaria a imperar à vida humana.

A ciência moderna causou um desencantamento com a maneira de ver o mundo,


passando a ditar as regras para a compreensão da realidade.

Afastou-se a figura de Deus como o sustentador e o causador de todas as coisas, e


colocou-se o homem como o centro e razão de tudo.

Segundo Appolinário, a centralidade do conhecimento religioso ou teológico é saber


que:

Desde os primórdios da civilização, existe a crença em uma força superior,


divina, que rege os destinos do universo. Essa crença, produto da fé e da
transcendência, permitiu ao ser humano explicar e organizar uma realidade
muitas vezes ameaçadora e perigosa. Por exemplo: quando perdemos um
ente querido, a ciência não pode nos consolar, mas as matrizes explicativas
religiosas nos trazem conforto e nos ajudam a suportar melhor a perda.

[...]

O conhecimento religioso, em seu caráter mais amplo, refere-se a qualquer


conhecimento que não possa ser questionado ou testado, adquirindo,
portanto, um caráter dogmático. O dogma é uma afirmação que não pode
ser contestada e, por isso, acaba se constituindo na base da maioria das
religiões. (APPOLINÁRIO, 2016. p.8-9)

Foi um momento de transição histórica, retratada por Sichel, que abaixo, dá a


introdução de um pensamento novo, o científico que modificou profundamente a
maneira de ver a teologia:

O grande quadro de Adão recém-criado, pintado por Miguel Ângelo no teto


da Capela Sistina, pode ser tomado como um símbolo do Renascimento, do
tempo em que o homem foi, na verdade, recriado mais glorioso do que
antes, com o corpo desnudo e sem pejo, o braço vigoroso, não enfraquecido
pelo jejum, estendido para a vida e para a luz. As definições são em geral
enganosas, e é mais fácil representar o Renascimento por um símbolo do
18
,

que defini-lo. Foi um movimento, uma revivificação das capacidades do


homem, um novo despertar da consciência de si próprio e do universo – um
movimento que se alastrou pela Europa ocidental e que, pode-se dizer,
durou mais de dois séculos. Foi entre 1400 e 1600 que dominou plenamente
dos outros, não foi delimitado por nenhum objetivo particular, e a onda
fertilizante que varreu a Itália, a Alemanha, a França, a Inglaterra e, em grau
muito menor, a Espanha, deixando atrás de si um mundo novo, parece-se
mais com um fenômeno da Natureza do que com uma corrente da história-
mais uma atmosfera envolvendo os homens do que um rumo definido à sua
frente. O novo nascimento foi a resultante de um impulso universal, e tal
impulso foi precedido de algo semelhante a uma revelação cristã no mundo
espiritual, assim o Renascimento, no mundo natural, significou uma
disposição de espírito, uma visão nova, uma fonte de pensamentos [...]
(SICHEL,1977, p. 7),

Pensamentos que, nitidamente, abalaram as entranhas da teologia, pois criou-se a


grande cisma, ou seja, a grande dúvida sobre a existência de Deus.

Claro que, não apenas abalou o pensamento teológico, mas transformou a maneira de
ver o mundo, o universo que nos cerca do qual fazemos parte. A ciência moderna,
passou a buscar respostas para níveis bem amplos:

[...] as ciências encontram-se divididas em ciências formais, naturais e


sociais [...] as ciências formais seriam as que lidam unicamente com
abstrações, ideias e estruturas conceituais não necessariamente ligadas aos
fatos, como a matemática e a lógica. As ciências naturais como a biologia, a
física e a química estudam os fenômenos naturais (a vida, o ambiente etc.).
E, por fim, as ciências sociais dedicam-se à investigação dos fenômenos
humanos e sociais, como a psicologia, a sociologia e a economia.
(APPOLINÁRIO, 2016, p.13)

Claro que, a teologia milenar, cheia de veias e traços e presente no ideário de muitos
estudiosos e, ainda, gravado nos corações humanos pela densa ancestralidade milenar
que a validou, ao menos empiricamente, foi buscar um contragolpe ao mais forte
ataque já sofrido. Inicia-se, então, a fase em que a teologia passou a introduzir o
mesmo aparato científico para buscar comprovação de seu ‘chão histórico’ milenar. E
o aparato utilizado é a arqueologia-histórico bíblica e o estudo das línguas originais:
hebraico, grego e o aramaico, para tentar uma comprovação científica, ao menos, dos
acontecimentos e dos fatos narrados no texto sagrado.

19
,

O até então maior ataque sofrido contra a verdade teológica, passou a ser, também, o
aparato utilizado pela própria teologia para legitimar à sua continuidade.

Já no aspecto da história da arqueologia, até mesmo para evidenciar a


contribuição da disciplina junto aos estudos de Teologia, é importante
destacar a obra de Bruce G. Trigger (2004), principalmente com a “História
do pensamento arqueológico”. A obra é uma referência aos estudos da
história da arqueologia, inclusive nos aspectos modernos e classificatório,
onde derivações da ciência tomaram corpo a partir do século XVIII. E neste
ponto, é importante destacar que a Arqueologia Bíblica ganha um novo
aspecto de estudo através da arqueologia clássica e do antiquarianismo.
(RIBEIRO, 2019, s.p.).

E, ainda nesta seara, Darius e Hosokawa (2017) ao tratar da história da arqueologia


bíblica, ensinam que:

O interesse pelo “falar das pedras”, no entanto, se deu pelo racionalismo


inerente ao século 19, que presenciou o nascimento do darwinismo e
desenvolvimentos em quase todas as áreas das ciências, com especial
ênfase na biologia. Portanto, a arqueologia bíblica não nasce no vácuo, mas,
sim, enquanto paradigma gestado e muito desejado, ainda que
contrapontual. Afinal, a técnica e a tecnologia seriam utilizadas para
fomentar o transcendente. A lógica seria utilizada para instrumentalizar e
subsidiar a fé. (DARIUS; HOSOKAWA, 2017, p. 23).

Para a teologia, o objeto de estudo é que se revela ao humano e não como nas outras
ciências, onde os objetos é que são desvendados.

Os autores Moraes e Moraes retratam bem sobre o objeto de verificação e esclarecem


que só é possível Deus estudar Deus, pois ele se revelou a nós primeiro:

Em outras palavras, enquanto um biólogo depende de seu laboratório para


fazer as análises, as dissecações e chegar a conclusões, ou o arqueólogo
depende de seu sítio para cavar, coletar, limpar, analisar, comparar e, então,
dar seu parecer, o teólogo nunca poderá dissecar Deus ou esquadrinhá-lo. O
que ele poderá fazer é estudar a história de Seu povo, o registro de Seus
feitos, entre outros. Algo muito interessante acontece entre os rabinos: eles
não usam o termo teologia, pois, na concepção deles, Deus é quem fala
conosco e não pode ser considerado um simples objeto de estudo ou
análise. Assim podemos dizer que teologia é o estudo sobre Deus, pois é Ele
que se revela. (MORAES e MORAES, 2018, p. 17)

20
,

Assim, da mesma maneira que a ciência buscou por seus métodos de comprovação
utilizando o racionalismo como base do seu pensamento, a teologia utilizou das
mesmas técnicas para comprovar, ainda que historicamente, os fatos bíblicos, já que o
ponto metafisico-transcendente ainda se encontra no âmbito privado de cada um, já
que possui pilares e compreensão distinta dos empregados pela ciência.

Saiba Mais

Veja a figura abaixo e reflita sobre o conteúdo que tratamos até o presente momento
na seguinte perspectiva: Ainda há espaço, na contemporaneidade, para o pensamento
no qual a figura de um Deus Pessoal se relaciona com o ser humano? Ou realmente a
figura de um Deus Criador de todas as coisas trata-se de uma construção mental
humana? Por que, mesmo diante do avanço científico predominante da modernidade
e contemporaneidade, há milhares de pessoas que continuam a buscar uma relação
com o divino? O que há na mente e na alma humana que ainda faz com que exista um
lugar para Deus se assentar e fazer grande sentido para os conflitos existenciais? Tire
suas próprias conclusões, através de sua própria experiência pessoal de fé e de
conversão.

Figura 1.1 – História Secular versus História Bíblica

Fonte: KRETZSCHMAR, A. Nossa cosmovisão criacionista. Disponível em: <https://bit.ly/33wkQxZ>.


Acesso em jul. 2020.

21
,

Conclusão

Chegamos ao final do bloco 1 do nosso estudo de introdução à teologia, no qual nos


concentramos em um longo período histórico, pois estudar teologia é buscar no tempo
passado, em escritos passados, as primeiras reflexões sobre divindades, bem como, no
desenvolvimento humano, as impressões sobre a realidade e como nossos ancestrais
trataram do assunto. Somente com essa reflexão é que podemos compreender os
assuntos teológicos de maneira científica e sistemática, para com isso não ferir
métodos contemporâneos de interpretação da realidade que nos cerca, seja física-
material, seja metafisica-transcendental.

REFERÊNCIAS

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<https://bit.ly/3iJhZI1>. Acesso em: 15 jun. 2020.

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Paulo: Cengage Learning, 2016.

DARIUS, F. A.; HOSOKAWA, El. “Breve história da arqueologia bíblica: contribuição e


crítica estadunidense”. In: Revista Caminhando v. 22, n. 2, p. 19-29, jul./dez. 2017. 19.

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KÜBLER-ROSS, E. 1926 – Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm


para ensinar a médicos, enfermeiros, religiosos e aos seus próprios parentes.
(tradução de Paulo Menezes). São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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em: 18 set. 2020.

MARASCHIN, J. A Teologia dos Filósofos Gregos e a Teologia Cristã. In: Revista


Eletrônica Correlatio. n. 5 - Junho de 2004. Disponível em: <https://bit.ly/2RGvMn8>.
Acesso em: 18. set. 2020.

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,

MATTOS, C. L. Francis Bacon, Descartes e Spinoza. São Paulo: Capivari, 1987.

MOUTINHO, W. T. Metafísica. In: Cola da Web. Disponível em:


<https://bit.ly/32IcTGv>. Acesso em: 18 set. 2020.

MORAES, R. P. MORAES, M. M. Introdução à teologia bíblica do Antigo Testamento.


Curitiba: InterSaberes, 2018.

OLIVEIRA, I. V. “Pensamento pós-metafísica e discurso sobre Deus”. In: Deus:


metafísica e pensar pós-metafísico. Horizonte, Belo Horizonte, v.8, n. 16. P. 8-11,
jan/mar. 2010.

RIBEIRO, F. P. Arqueologia bíblica: contribuições para o estudo da teologia. Disponível


em: <https://bit.ly/3kxiXbc>. Acesso em: 18 set. 2020.

RUSSEL, B. História do Pensamento Ocidental: a aventura dos pré-socráticos a


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SIRE, J. W. O universo ao lado: Um catálogo básico sobre cosmovisão. 4. ed. São


Paulo: Hagnos, 2009.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos


psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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