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Manejo da tuberculose na APS POPULAÇÃO

TB-HIV

DIAGNÓSTICO DA TUBERCULOSE NA INFÂNCIA

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA TB PULMONAR EM CRIANÇAS (< 10 ANOS DE IDADE)

A TB na criança apresenta especificidades que devem ser consideradas durante sua investigação diagnóstica.
A forma pulmonar difere do adulto, pois costuma ser abacilífera, isto é, negativa ao exame bacteriológico, pelo
reduzido número de bacilos nas lesões. Além disso, crianças, em geral, não são capazes de expectorar.

Os sintomas nas crianças geralmente são inespecíficos e se confundem com infecções próprias da infância, o que
dificulta a avaliação. Na suspeita de tuberculose deve-se procurar a tríade clássica: redução do apetite, perda de
peso e tosse crônica (HERTTING; SHINGADIA, 2014).

A tosse é caracterizada por ser persistente, com mais de duas semanas de duração, com piora progressiva,
diferentemente de outros casos de tosse crônica nesta fase de vida. Pouco frequentemente os pacientes apresentam
outros sintomas respiratórios. A ausculta pulmonar pode variar desde normal a presença de qualquer tipo de ruído
adventício. É mandatório pensar no diagnóstico de tuberculose na criança com pneumonia que não melhora com
o tratamento antimicrobiano habitual (MARAIS et al., 2005).

A febre, quando presente, é persistente, geralmente acima de 38ºC e ao final da tarde. Além da perda de peso
pode-se encontrar retificação na curva de peso/estatura. Outros sinais e sintomas gerais como anorexia, adinamia,
sudorese noturna, hepatoesplenomegalia e linfonodomegalia podem estar presentes e ajudar na suspeição
diagnóstica. Sinais autolimitados de hiperreatividade, sugestivos de infecção tuberculosa também podem auxiliar
no diagnóstico, como a conjuntivite flictenular e o eritema nodoso.

De um modo geral a frequência dos sintomas é baixa, mas quando presentes, de forma persistente (e não remitente),
são de grande valor no diagnóstico da TB em crianças (MARAIS et al., 2005).

Ao término da infância e no início da adolescência (> 10 anos de idade) aparecem formas semelhantes às encontradas
em adultos. Os pacientes quase sempre têm sintomas respiratórios e são mais frequentemente positivos à
baciloscopia. Nessa faixa de idade, é fácil realizar o exame de escarro e o diagnóstico pode ser comprovado pelos
métodos bacteriológicos convencionais (baciloscopia e cultura) (SANT’ANNA et al., 2006). Em adolescentes, as
manifestações clínicas da TB pulmonar assemelham-se às de adultos. Mais recentemente, o teste rápido molecular
(TRM) trouxe grande contribuição para o diagnóstico nesta população.

DIAGNÓSTICO DA TUBERCULOSE PULMONAR POR SISTEMA DE ESCORE

O diagnóstico da TB pulmonar na infância é baseado numa combinação de critérios clínicos, epidemiológicos,


associado a teste imunológico não específico de infecção tuberculosa e a radiografia de tórax. Não existe padrão
ouro para seu diagnóstico, nem um algoritmo diagnóstico universal (LIGHTER; RIGAUD, 2009; WHO, 2013a).

O exame radiográfico do tórax deve ser solicitado precocemente em todas as crianças com suspeita de TB e é
de fundamental importância no diagnóstico da doença. Pode estar alterado antes mesmo do aparecimento dos
sintomas clínicos, apesar da sua normalidade não excluir o diagnóstico. É útil também no seguimento terapêutico e
na avaliação de complicações. Entretanto, a interpretação dos seus achados depende da habilidade do examinador
e os achados em crianças imunossuprimidas podem ser ainda mais atípicos(PEREZ-VELEZ; MARAIS, 2012).
Deve ser realizado em posição póstero-anterior (PA) e perfil, e na maioria das vezes seu resultado não requer
complementação com exames mais sensíveis como a tomografia. Os achados radiográficos mais sugestivos da TB
pulmonar em crianças são: pneumonias com qualquer aspecto radiológico, de evolução lenta, às vezes associadas à
adenomegalias hilares e/ou paratraqueais (gânglios mediastínicos aumentados de volume) ou que cavitam durante
a evolução e infiltrado nodular difuso (padrão miliar).
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Em adolescentes os aspectos mais encontrados são: infiltrados e condensações nos terços superiores dos pulmões
e escavações. Corresponde ao padrão radiológico da tuberculose tipo adulto (SANT’ANNA et al., 2013).

A prova tuberculínica (PT) deve ser interpretada como sugestiva de infecção por M. tuberculosis, independentemente
do tempo de vacinação pela BCG. Considerar positivo quando ≥ a 5mm e negativa quando < a 5 mm (ver capítulo
Diagnóstico da infecção latente pelo M. tuberculosis).

O efeito da BCG sobre o resultado da prova tuberculínica reduz com o passar do tempo, principalmente se a BCG
foi feita antes de um ano de idade, realidade da população brasileira. (FARHAT et al., 2006; MENZIES; VISSANDJEE;
AMYOT, 1992).

Outro teste empregado para detectar a infeção pelo M. tuberculosis é a dosagem sanguínea de interferon gama
(denominados IGRAs). Assim como a PT, também não é capaz de distinguir entre infecção e doença, mas tem uma
ótima especificidade, geralmente não reagindo com outras micobactérias. Os IGRAs, no entanto, têm custo elevado
e seus resultados são incertos em menores de 5 anos de idade (CHEN et al., 2011).

Considerando as singularidades do diagnóstico de TB na criança, o PNCT recomenda que o diagnóstico de


tuberculose pulmonar em crianças e em adolescentes (negativos à baciloscopia ou TRM-TB não detectado), seja
realizado com base no sistema de pontuação ou escore, validado em nosso meio. Este sistema valoriza dados
clínicos, radiológicos epidemiológicos e não envolve a confirmação bacteriológica, sabidamente difícil na infância.

O escore brasileiro é o que apresenta mais estudos de validação com consistentes sensibilidades e especificidades
como sistema de apoio ao diagnóstico de TB pulmonar na infância em relação a outros escores existentes (PEARCE
et al., 2012; SANT’ANNA et al., 2006).

A utilização do escore propicia diagnóstico e intervenção terapêutica precoces mesmo em unidades básicas de
saúde, sem a necessidade de exames complementares mais sofisticados e/ou profissionais especializados.
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Quadro – Diagnóstico da tuberculose pulmonar em crianças e adolescentes com baciloscopia negativa ou TRM-
TB não detectado

Diagnóstico da tuberculose pulmonar em crianças e adolescentes com baciloscopia negativa ou TRM-


TB não detectado
Contato de
Prova Estado
Quadro clínico-radiológico adulto com
tuberculínica nutricional
tuberculose

Adenomegalia hilar
ou padrão miliar e/ou PT entre
Condensação ou infiltrado 5-9mm
Febre ou
(com ou sem escavação)
sintomas como 5 pontos
inalterado por 2 semanas
tosse, adinamia, Próximo, nos Desnutrição
ou mais e/ou Condensação
expectoração, últimos 2 anos grave (peso <
ou infiltrado (com ou sem
emagrecimento, percentil 10)
escavação) por 2 semanas
sudorese por 2 10 pontos
ou mais, evoluindo com
semanas ou mais PT ≥10mm 5 pontos
piora ou sem melhora com
antibióticos para germes
15 pontos 10 pontos
comuns

15 pontos

Assintomático
Condensação ou infiltrado de
ou com sintomas
qualquer tipo por menos de
há menos de 2
2 semanas
semanas
5 ponto
0 ponto Ocasional ou Peso ≥ percen-
PT < 5 mm
negativo til 10
Infecção respiratória 0 ponto
com melhora após 0 ponto 0 ponto
uso de antibióticos Radiografia normal
para germes comuns
ou sem antibióticos -5 pontos

-10 pontos

Interpretação:
● ≥ 40 pontos (diagnóstico muito provável): recomenda-se iniciar o tratamento da tuberculose.
● 30 a 35 pontos (diagnóstico possível): indicativo de tuberculose; orienta-se iniciar o tratamento, a critério médico.
● < 25 pontos (diagnóstico pouco provável): deve-se prosseguir com a investigação na criança. Deverá ser feito diagnóstico diferencial
com outras doenças pulmonares e podem ser empregados métodos complementares de diagnóstico, como baciloscopias e cultura de
escarro induzido ou de lavado gástrico, broncoscopia, histopatológico de punções e outros exames de métodos rápidos.

Observações:
1. Na impossibilidade de realizar a prova tuberculínica, recomenda-se empregar o sistema de pontuação e caso
este não permita o diagnóstico da tuberculose pulmonar, o caso deve ser individualizado e, se oportuno
enviado a serviço de referência.
2. Crianças com suspeita de tuberculose, muitas vezes, após reavaliações, repetição dos exames e terapêuticas
empíricas para germes comuns ou quadros alérgicos, se investigados por pediatras ou médicos treinados em
unidades de referência, podem ter tal diagnóstico afastado (ROSSONI, 2015).
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OUTROS EXAMES COMPLEMENTARES PARA O DIAGNÓSTICO DA TUBERCULOSE NA CRIANÇA

Quando a pontuação pelo sistema de escore não permitir o diagnóstico de uma criança com suspeita de TB
pulmonar, podem ser empregados alguns métodos diagnósticos complementares, como descrito a seguir. Na
prática, pode-se utilizar o lavado gástrico nas crianças menores e o escarro, sempre que possível. Outros espécimes
podem ser obtidos em situações especiais, mas não levam a maior positividade bacteriológica.

A dificuldade do isolamento bacteriológico na criança não se dá apenas pelo fato de a doença ser paucibacilar,
mas também pela dificuldade na coleta de espécimes respiratórios de forma adequada. Dentre as alternativas
possíveis estão os lavados gástrico e bronco-alveolar, o swab laríngeo, o escarro induzido, o aspirado nasofaríngeo
e o próprio escarro. A probabilidade de se alcançar confirmação bacteriológica depende da extensão da doença e
do tipo de espécime coletado, a combinação de espécimes propicia um rendimento maior. Apesar das dificuldades,
a confirmação bacteriológica deveria sempre ser tentada, nos casos de dúvida diagnóstica, embora isto não deva
retardar o tratamento (MARAIS, 2014).

O lavado gástrico continua sendo a forma mais comum de se obter amostras respiratórias em crianças pequenas,
sendo geralmente preconizado duas coletas em dias subsequentes. Pode ser realizado por profissional experiente,
tanto ambulatorialmente como em pacientes internados, devendo ser efetuado apenas onde a cultura para o M.
tuberculosis esteja disponível, pelo risco de falsos positivos com a baciloscopia, pela possível presença de outras
micobactérias no conteúdo gástrico (MACIEL et al., 2010). O TRM-TB também pode ser utilizado desde que associado
à cultura, pois apresenta sensibilidade menor do que a cultura em crianças.

A indução de escarro e o lavado ou aspirado gástrico apresentam sensibilidade em torno de 20 a 40%. Os riscos
do lavado gástrico são: pequenos sangramentos durante a aspiração e os da indução de escarro são: hipoxemia
transitória, desencadeamento de broncoespasmo, vômitos, aumento de derrames pleurais pré-existentes. A grande
limitação deste tipo de coleta (indução de escarro) é que, idealmente, deve ser realizada em condições adequadas
de biossegurança (MACIEL et al., 2010).

A coleta de escarro de forma induzida (escarro induzido) pode aumentar o rendimento do exame bacteriológico
do escarro. Fica reservada a casos especiais, a critério clínico. A coleta de escarro para exame bacteriológico
(baciloscopia e cultura e TRM), muitas vezes, é possível a partir dos cinco ou seis anos de idade. O TRM é muito útil
em adolescentes que em geral são bacilíferos.

TUBERCULOSE EXTRAPULMONAR NA CRIANÇA

A TB pode afetar praticamente todos os órgãos do corpo. E os sintomas variam de acordo com o sítio da doença.
A TB extrapulmonar ocorre em torno de 20% dos casos de TB na infância. Na criança, as principais formas de TB
extrapulmonar são a ganglionar e a meníngea. Crianças infectadas pelo HIV apresentam sintomas não clássicos,
que podem retardar mais o diagnóstico.

TUBERCULOSE PERINATAL

É a forma de TB do recém-nascido, cuja transmissão pode ocorrer durante a gravidez (TB congênita) ou no período
neonatal. A TB congênita é rara e pode ocorrer por disseminação hematogênica, por TB genital (endometrite,
cervicite), por aspiração e por ingestão do líquido amniótico ou de secreções genitais infectados.

No período pós-natal, a transmissão pode ocorrer por meio do contato intradomiciliar do recém-nascido com
indivíduos com TB pulmonar bacilífera ou por ingestão de colostro e/ou leite materno na TB mamária.
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Na TB congênita, o parto prematuro ocorre em cerca de 50% dos casos. O recémnascido cursa com quadro de
infecção congênita ou sepse bacteriana: febre, letargia ou irritabilidade, dificuldade respiratória, linfadenopatia,
hepatoesplenomegalia, distensão abdominal, otorreia, lesões dermatológicas, anorexia, vômitos, diarreia com
sangue, icterícia, convulsões, cianose, apneia, ascite, pouco ganho de peso, anemia, plaquetopenia. A letalidade é
superior a 50%, mesmo com o tratamento adequado.

A TB perinatal deve ser suspeitada em recém-nascidos, cuja mãe teve TB grave durante a gestação ou, após o
parto, esteve em contato com qualquer pessoa da família com TB. Justifica-se o exame da placenta (histopatologia e
cultura para M. tuberculosis) no caso de recém-nascido, cuja mãe está com TB em atividade no momento do parto.

No recém-nascido, aparece o padrão miliar à radiografia em metade dos casos; a ultrassonografia abdominal pode
mostrar pequenos focos no fígado e baço, macronódulos e dilatação do trato biliar; podem ser necessárias biópsias
de fígado ou medula óssea.

Toda criança nascida de mãe com tuberculose durante a gestação e no momento do parto deve ser clinicamente
avaliada no sentido de excluir doença ativa na criança e orientar procedimentos de prevenção como vacinação e/
ou quimioprofilaxia primária (ver capítulo Tratamento da Infecção Latente pelo M. tuberculosis).

(texto extraído)

FONTE: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de vigilância das doenças transmissíveis. Coordenação
geral do programa nacional de controle da tuberculose. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil. 2. ed. Brasília:
Ministério da Saúde, 2019. p. 75-80.

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