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BRAHMAN É ÃNANDA

Flávia Bianchini
Especialista em Yoga - UNIBEM
BIANCHINI, Flávia. Brahman é Ãnanda. Mestranda em Ciências das Religiões - UFPB
E-mail: flaviabianchini@gmaiLcom
Pp. 101-125, in: GNERRE, Maria Lúcia
Abaurre; POSSEBON, Fabrício (orgs.). Introdução
Cultura oriental: língua, filosofia e crença.
A compreensão do pensamento filosófico indiano
VoI. 2. João Pessoa: Editora da UFPB, 2012. apresenta grandes dificuldades. O presente texto apresenta o
conceito de Ãnanda (Bem-Aventurança, Felicidade, Beatitude)
e sua relação com Brahman (o Absoluto, Realidade Última,
Consciência Suprema). Essas são duas concepções espirituais
discutidas nas Upanishads " - uma coletanea de escrituras
indianas - também chamadas coletivamente de Vedanta ou o
fim do Veda, uma denominação que sugere que elas contêm a
essência dos ensinamentos vêdicos (RADAKRISHNAM, 1989,
vol. 1, p. 137). Veremos adiante, no texto, estas informações de
modo mais sistematizado.
Algumas das Upanishads afirmam que Brahman é Sat-
Chit-Ãnanda (Verdade Absoluta, Conhecimento ou
Consciência Absoluta, Felicidade ou Bem-Aventurança
Absoluta). Não pretendo analisar Brahman em relação à sua
manifestação enquanto Sat ou Chit - Verdade e Consciência -
sendo o presente texto uma análise de Ãnanda enquanto
Felicidade Pura, como atributo de Brahman e como essência do
próprio Brahman; e é assim que constataremos a relação

32 Costuma-se dizer que as Upanishads são em número de 108. Suas datas,


não podem ser fixadas com segurança - a certeza é de que as mais antigas
são anteriores ao surgimento do movimento budista (Vivekananda, 1982,
pág. 2). Na Upanishad de número 108, que é a Muktika Upanishad (7-14),
afirma-se que há 1180 Upanishads (Bimali, Joshi, Trivedi, 2006, vol. 2, pág.
495).
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Brahman-Ãnanda em várias passagens de algumas Upanishads felicidade indistinta flutuando livremente
ou qualquer um estado de Bem-
deste conjunto de textos.
Aventurança, ela tem um objeto implícito.
Partindo da obra The Philosophy of the Upanishads de Paul
(BUITENEM, 1979, p. 32)
Deussen (1966) e também buscando indicações na obra de
Colonel Jacob, A concordance to the principal Upanisads and
Patrick Olivelle, em seu artigo sobre a história
Bhagavadgita (JACOB, 1999), foi possível localizar as
semântica da palavra Ãnanda, inicia seu texto descrevendo:
principais Upanishads que tratam do tema, como veremos ao
longo do desenvolvimento deste texto. Ãnanda é um dos termos mais comuns no
vocábulário religioso das tradições
o conceito de Ãnanda Brahmânica e Hindu, tanto no sânscrito
quanto no vernáculo, tanto nas tradições de
A palavra Ãnanda, no dicionário sânscrito-inglês de inclinação monística, como no Advaita
Monier-Williams, possui os seguintes significados: alegria, Vedanta, quanto nas tradições Bhakti. O
felicidade, prazer, prazer sensual, felicidade pura, sendo um termo sinaliza o intenso sentimento de
dos três atributos de Brahman segundo a Filosofia Vedanta alegria das experiências dos devotos em
(MONIER-WILLIAMS, 1979, p. 139). No ocidente é comum sua devoção amorosa e serviço a Deus, e
traduzir Ãnanda por Bem-Aventurança ou Beatidude. Em nos místicos, em seu transe meditativo ou
Samadhi. Dentro do Advaita e tradições
algumas traduções de Upanishads para o inglês e para o
relacionadas, ele representa um "atributo"
português é comum encontrar essa designação, que será
central e essencial de Brahman. [...] Em
utilizada aqui. muitas das tradições religiosas indianas,
A etimologia da palavra Ãnanda não é muito clara: Moksha, a meta final da existência
humana, foi definida como Ãnanda.
Ela [Ãnanda] não é, como poderia parecer (OLIVELLE, 2008, p. 75)
à primeira vista, um derivativo nominal da
raiz nand com o prefixo ã; o verbo Segundo a pesquisa de Olivelle (2008), ocorreu uma
ãnandate só é registrado muito mais tarde.
evolução da utilização e significação dada à palavra Ãnanda ao
Em vez disso deve ser considerada como
longo da literatura Vêdica. Inicialmente, aparece raramente nos
um substantivo verbal nanda com o prefixo
ã, e deste modo pertence a um grande yedas; tanto no Rig Veda quanto no Atharva Veda, a palavra
grupo que muitas vezes é ignorado: ã, Ananda surge associada à experiência espiritual do ritual do
indica o lugar onde a ação verbal acontece Soma e também associada à sexualidade, fertilidade, prazer
[...] A palavra Ãnanda, deste modo, implica sexu~l, orgasmo, união, prazer dos Devas (deuses), prazer
um lugar: aquilo em que se encontra Bern- relacionado aos objetos, ao corpo, aos órgãos e as suas
Aventurança, seja ele um filho, a realização respectivas atividades. Posteriormente, no Yajur Veda e em
de um desejo, o conhecimento de Brahman; algumas das primeiras Upanishads, atribui-se a Ãnanda além
[...] Ãnanda, então não é apenas uma das últimas designações, novas significações, aparecendo nesta
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fase associada aos Devas, ao conhecimento e ao Ãtman (o Eu compreensão no desenvolvimento da presente analise. Van
mais interno). O maior desenvolvimento semântico e também . Buitenen (1979) afirma que:
do vocabulário teológico da palavra Ãnanda se dá nas
Upanishads mais recentes, com o Vedanta em sua fase mais Esta definição de Brahman como Ãnanda
desenvolvida, onde aparece associada diretamente a Brahman e se tomou central no pensamento posterior
ao êxtase supremo. do Vedanta que definia o supremo como
Ãnanda ou prazer é a mais elevada fruição, saccidananda, "existência, espírito e Bem-
onde o conhecedor, o conhecido e o Aventurança". Além disso, quando o
conhecimento se tomam um. Aqui a busca caminho para a libertação da escravidão do
filosófica termina, a sugestão é que não há karman na transmigração se tomou visto
nada mais elevado do que Ãnanda. Este como o caminho do conhecimento de
Ãnanda é um desfrute ativo, ou livre Brahman, a Bem-Aventurança que era
exercício de capacidade. Não é afundar na Brahrnan adicionou alto valor positivo
inexistência, mas a perfeição do ser. nesta libertação: pois a libertação não era
(RADHAKRlSHNAN, 2006, p. 165) apenas uma fuga altamente desejável de
escapar das misérias da vida, da morte e do
Um pesquisador importante nesta presente análise é J. renascimento, era um estado de Bem-
van Buitenen, que também estudou o percurso da palavra Aventurança por si mesmo, acima e além
Ãnanda na literatura Vêdica, enfocando principalmente seu de escapar das misérias da escravidão.
sentido de prazer. Para Buitenen, a palavra Ãnanda no Vedas (BUITENEM, 1979, p. 28)
indica "alegria, prazer e arrebatamento" nos rituais do Soma;
É importante também esta passagem no final de seu artigo:
também denota grandeza, vastidão, exuberância, deleite após a
ingestão do Soma. Ele também associa Ãnanda à Alma, à união
Seguindo o caminho da utilização da
com Ãtman e Brahman. Indica uma passagem do Rig Veda
palavra Ãnanda, vimos suas pausas nos
(IX. 113. 11) que afirma que obter todos os desejos (=Ãnanda) é
pontos de referência no desenvolvimento
condição para a imortalidade. Também aponta passagens em da religião e do pensamento. Foi a alta
outros textos e Upanishads em que Ãnanda está associado à alegria de beber o Soma e em seu
geração, procriação, união, união sexual, alegria elevada e oferecimento, o clímax do ritual de
felicidade pura (BUITENEM, 1979). construção do universo, a livre alegria dos
deuses, o orgasmo da geração de um filho
Ãnanda e Brahman semelhante a si próprio como uma
metáfora para a alto-renovação como um
São importantes algumas considerações apontadas por dos deuses, o alegre conhecimento de si
Buitenen e por Deussen sobre Brahman e Ãnanda, por isso as mesmo e do Brahman primordial, e a Bem-
Aventurança que é o Brahrnan e o Ãtman.
citaremos aqui, com o intuido de trazer maior clareza e
Isto [Ãnanda] aparece como um valor
completamente externo ao contexto da
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transmigração, por direito próprio; Isto me Brahman
parece muito importante. Pois muitas vezes
parece como se a alegria que é descrita de No dicionário de Monier- Williams, Brabman
quem encontra o Ãtman quando é libertado significava, nos textos vêdicos mais antigos, crescimento,
da transmigração não é muito mais do que expansão, evolução, desenvolvimento, "aumento/expansão do
a ausência de miséria causada pela sede de espírito da alma", "devota efusão ou expressão", derramamento
vida e da escravidão do karma. do coração na adoração aos deuses, oração, a palavra sagrada,
(BUITENEM, 1979, p. 35) o Veda, um texto sagrado, um texto ou mantra usado como um
feitiço. Depois, a palavra passou a significar a sílaba sagrada
Paul Deussen apresentou as seguintes considerações Om, o conhecimento religioso ou espiritual, o espírito
sobre Ãnanda: impessoal auto-existente, a Alma universal única, ou essência
divina única e fonte da qual todas as coisas criadas emanam, ou
"O que é diferente dele [Brahman], isso
com a qual eles se identificam e a ao qual retomam, o auto-
está cheio de sofrimento". Contrastado com
tudo o que é distinto dele, e, portanto, existente, o Absoluto, o Eterno (MONIER-WILLIAMS, 1979,
envolvido no sofrimento, Brahman é p. 737). Esses últimos significados são os que interessam para a
descrito em uma das passagens em que esta compreensão dos ensinamentos contidos nas Upanishads.
fórmula ocorre como aquilo que De acordo com o Vedanta, Brabman é tudo o que
"ultrapassa a fome e a sede, dor e ilusão, existe, é a Verdade Absoluta ou Realidade Suprema. É o
idade velhice e morte" ou, de acordo com Absoluto, a origem e raiz de toda a criação. Brabman, que é
outra~ passagens, como "o Eu (ãtman), sem existência eterna (Sat), consciência (Cit) e beatitude (Ãnanda),
pecado, livre de velhice, livre da morte e é absolutamente "sem-segundo" (Advaya), o que de maneira
livre de sofrimento, sem fome e sem sede" literal significa que todos os objetos de experiência, bem como
[...] Todas essas descrições se repetem com
a ignorância criadora, que os origina fundamentalmente, não
frequência e são resumidas na designação
têm substancialidade (ZIMMER, 2003, p. 297). Ele pode ser
de Brahman como Ãnanda, "Bem-
contemplado como princípio divino não personalizado, sem
Aventurança".
[...] nas Upanishads, a Bem-Aventurança atributos, não é masculino nem feminino. A palavra Brabman é
não aparece como um atributo ou um derivada da raiz verbal brih, que significa crescer. Denota a
estado de Brahman, mas como sua essência vastidão inexaurível do Ser Supremo (FEUERSTEIN, 1998,
peculiar. Brahman não é _ anandin, p.172).
possuidor da felicidade, mas Ananda, a
felicidade em si. (DEUSSEN, 1966, p. 141) O Si Mesmo, a essência da misteriosa
doutrina das Upanishads, [...] o
fundamento transcendental do universo é
idêntico ao âmago mais profundo do ser
humano. Essa Suprema Realidade, que é
Consciência pura e sem forma, não pode
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ser descrita nem definida. Só pode ser Assim, quando a pessoa realiza a sua própria natureza,
realizada. A realização é a constatação o mundo inteiro se transforma, nunca mais será o mesmo
imediata, indubitável e permanente de que mundo. Tudo se toma e se transforma em Sat, Chit, Ananda -
o Si Mesmo é infinito, eterno, sumamente existência absoluta, o conhecimento absoluto, felicidade
real e livre, além de infinitamente bem- absoluta - e estas são as realizações almejadas pela filosofia do
aventurado ou feliz (Ãnanda) Advaita Vedanta (VIVEKANANDA, 1982, p. 13).
(FEUERSTEIN, 1998, p. 173). O desenvolvimento da concepção de Brahman e a
associação de Brahman com Ãtman seguiu um percurso
Aqueles seres que passam por uma transformação semelhante ao uso da palavra Ãnanda ao longo da literatura
espiritual profunda, que conseguem transcender.? ~undo dos Vêdica. Nos Vedas, a doutrina do Si Mesmo transcendente não
sentidos e idéias limitados, que tomam consciencia de s~a é enunciada abertamente em lugar nenhum, embora esteja
unidade com a Consciência Suprema, que tomam por aSSIm implícita em muitas passagens místicas (FEUERSTEIN, 1998,
dizer consciência de seu Ãtman, que é internamente 1998). É nas Upanishads que o desenvolvimento dessa
correspondente ao Brahman que a tudo engloba e permeia, concepção sobre o Ãtman se deu.
passam por uma profunda !ransfor~ação ~e .sua natureza
íntima, para eles Brahman é Atman e e a essencia de to_dosos As Upanishads e o Vedanta
sujeitos. "Brahman é o meu Ãtman, ele também é o seu Atman,
e há um só Ãtman. Fundamentalmente, todos os seres são um Até aqui exploramos as concepções de Ãnanda e
só e são Brahman." (MARTINS, 2008, p. 77). r Brahman, mencionando Upanishads, Vedanta e Vedas. Sendo
, De acordo com Shankaracharya, a Realidade Ultima é assim, toma-se necessário dar alguns esclarecimentos sobre
Ãtman ou Brahman, que é Consciência Pura (jãana-svarupa = essa literatura. Os Vedas compreendem os primeiros textos
sabedoria + natureza ou forma própria). Mas propõe duas espirituais da religião indiana, sendo seguidos pela elaboração
categorias para Brahman, a primeira em que ele é destituído de de muitos outros tipos de textos, como Brahmanas, Aranyakas
todas as qualidades ou atributos (nirguna ou para-Brahman) e e as Upanishads. Não se pode estabelecer um período
de todas as categorias de intelecto (nirvisesa); e a segunda o cronológico bem definido para cada tipo de texto, mas para
coloca como qualificado (saguna ou apara-Brahman), como melhor compreensão consideramos que após os Vedas é que
possuidor dos atributos da V erdade, Consciência~ Existênc~a, surgem as Upanishads, e as Upanishads mais antigas são
Infinito, Bem-Aventurança, sem Começo (anadi) sem FIm compreendidas como o Vedanta, ou final do Vedas. Embora a
(ananta), Onipresente, Onisciente; cuja. essência S~t, ~it, palavra Vedanta também seja utilizada para descrever algumas
Ãnanda o distinguiria do mundo-aparência (maya = ilusão), escolas filosóficas posteriores ", quando falamos aqui de
que é Asat, Acit, Nirananda. Brahman é para Sha~a~acarya,
pura consciência eterna e transcendental, destituída de 33 Dois expoentes de escolas do Vedanta foram Shankara (aprox. 788-820
distinções entre conhecedor (Jfiata), conhecido (Jííeya) e d.e.) e Ramanuja (1017-1127 d.e.) (FEUERSTEIN, 1998, p. 116). Não se
conhecimento (Jfiana) (RADHAKRISHNAN, 2006, vol. 2, pp. deve confundir estas escolas com aquilo que estamos denominando por
533-541). Vedanta: textos e escrituras documentadas no período posterior aos Vedas.
Ressaltando que as primeiras e mais antigas Upanishads provavelmente
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Vedanta estamos nos referindo aos textos conhecidos corno A tendência geral de alguns pesquisadores é a de
Upanishads, que tratam da discussão e aprofundamento de enfatizar demasiadamente o aspecto que pode ser considerado
várias questões filosóficas. Vamos esclarecer alguns pontos negativo ou pessimista do conhecimento transmitido pelas
Upanishads, enfatizando a busca por transcendência e
sobre as Upanishads:
libertação da roda de nascimentos à qual todos os seres se
[...] upanishad, significa "sentar-se no chão encontram atrelados pelo karma. No entanto, podemos ver que
perto" (upa, "perto, próximo"; ni sua mensagem é muito mais do que isso; elas transmitem e
"embaixo"; shad, "sentar-se") do mestre. descrevem os aspectos e atributos positivos conquistados por
[...] A doutrina das upanishads não era do aqueles que atingem Moksha, a liberdade suprema. Descrevem
conhecimento geral, e os que queriam ouvi- o estado de perfeita Existência, Realidade, Plenitude,
Ia tinham de aproximar-se dos sábios com Consciência e infinita Bem-Aventurança que aguarda todo
o respeito e a humildade necessários. [...] A aquele que atingir e penetrar na Realidade Última que é
doutrina das upanishads gira em tomo de Brahman. Ensinam também os caminhos e meios para atingir
quatro eixos conceituais interconectados:
essa meta suprema.
Em primeiro lugar, a Realidade suprema do
universo é absolutamente idêntica à nossa
íntima essência; Brahman é Ãtman e Diferenças de interpretação
Ãtman é Brahman. Em segundo lugar, só a
realização de Brahman/ Ãtman liberta o ser Como foi apresentado acima, ao indicar as duas formas
do sofrimento e da necessidade de nascer, de considerar Brahman expostas por Shankaracharya, existem
viver e morrer. Em terceiro lugar, os duas opiniões filosóficas divergentes que surgem nas próprias
pensamentos e ações do ser determinam o Upanishads ou na interpretação destas. Na primeira propõe-se a
seu destino - a lei do karma: cada qual se impossibilidade de atribuição de qualquer característica a
transforma naquilo com que se identifica. Brahman por ser ele infinito, indizível, sem atributos. Na outra
Em quarto lugar, a menos que o ser se se diz que Brahman é Sat + Cit + Ãnanda, sendo pura e infinita
liberte e realize a Realidade sem-forma de
Bem-A venturança um de seus atributos.
Brahman/ Ãtman em decorrência da
sabedoria superior (jíiana), terá Surgem polêmicas acerca da Realidade Última não
necessariamente de renascer nos mundos possuir atributos e por isso impossibilitar a sua estreita
celestes, no mundo humano ou nos mundos associação com Ãnanda; no entanto, em muitos textos e mesmo
inferiores (infernais), dependendo do seu no caso das Upanishads, tal associação é feita. Tais conflitos se
karma (FEUERSTEIN, 1998, pág. 173). dão ao longo do desenvolvimento das diversas correntes
filosóficas dentro das várias escolas do Vedanta na Índia, em
função da experiência e interpretação de seus grandes
pensadores. Vejamos:
datam do período compreendido entre os anos 700 a 1500 a.c., como por
exemplo a Chandogya e a Brihadaraniyaka Upanishad (FEUERSTEIN,
1998, pp. 520, nota 2).
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Nós definimos a Realidade como Ãnanda entre a da intuição simples, apoiada por
e, portanto, contradizemos a afirmação Shankara, e a do todo concreto de
freqüentemente feita de que a realidade Ramanuja. Se separarmos as duas, toma-se
última é indefrnivel. Tentativas impossível para nós admitir qualquer
construtivas de obter uma realidade distinção ou valor no mundo da existência
compreensível geralmente acabam em um concreta. (RADHAKRISHNAN, 2006, pp.
todo concreto. Se, no entanto, tentamos 167-168)
conciliar a realidade definida com o
indefinido, o que as upanishads também Essas divergências filosóficas são defendidas por
suportam, então teremos que dizer que diferentes pensadores, pois as próprias Upanishads transmitem
Ãnanda no presente contexto não é a ensinamentos acerca da unidade entre Brahman e Ãnanda,
realidade última, mas apenas a mais alta
impedindo qualquer distinção em qualquer experiência dessa
realidade concebível pelo pensamento do
unidade. As Upanishads revelam ensinamentos de diferentes
homem. Não é o absoluto ou o ser eterno,
que sempre existe em sua essencialidade
níveis de conhecimento e consciência, que vão desde os níveis
própria. Para a mente lógica, o todo é real, que podemos chamar de "mais densos", próximos ao nosso
e dentro dele entra a diversidade do mundo. mundo material e à nossa capacidade limitada de percepção,
O ãnanda concreto é pramanika salta, ou o até os mais elevados níveis de consciência pura ou Bern-
real revelado ao pensamento, e corresponde Aventurança. São esses níveis, e esse desenvolvimento da
ao mais elevado Brahman aceito por concepção de Brahman e Ãtman nas Upanishads, resultando
Ramanuja. O puro Brahman livre de todos em pura Bem-Aventurança, que causam conflitos nas
os predicados é o nirupadhika satta, ou interpretações.
nirguna Brahman aceito por Shankara
(Radhakrishan, 2006, pág. 166). Os pensadores das Upanishads
Esta diferença de ponto de vista fundamentaram a realidade de Brahman no
resultou em uma boa quantidade de fato da experiência espiritual, que vai desde
discussão sobre a interpretação de Ãnanda
a simples oração até a experiência
na upanishads. [...] Se Ãnanda fosse iluminada. As distinções que eles fazem
Brahman não haveria menção separada de sobre a natureza da realidade suprema não
Brahman como a ponta de apoio de ãnanda
são meramente lógicas, 'são fatos da
[...] Nós temos muitos casos na mesma experiência espiritual. Os pensadores das
Upanishad onde a palavra Ãnanda é usada
Upanishads tentaram estabelecer a
como sinônimo de realidade final. [...] É realidade de Deus a partir da análise dos
óbvio que toda a controvérsia é devida à fatos da natureza e dos fatos da vida
dúvida sobre se Ãnanda deve ser encarado
interior (RADHAKRISHNAN, 2009, pág.
como o pensamento mais elevado ou como 53).
o ser último. As upanishads não traçaram
qualquer linha dura e rápida de distinção

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Brahman não é algo que possa ser analisado, medido e o estudo de Ãnanda, citadas na obra de Colonel Jacob:
comprovado cientificamente, sendo fruto da experiência Kaivalya e Paramahansa (JACOB, 1999, p. 185-186). Outra
relativa a cada um. Podemos ver que muitos dos filósofos fonte utilizada para localizar Upanishads em que o conceito de
assumem que o mundo é multiplicidade redutível a uma Ãnanda aparece foi o comentário de Shankaracharya sobre a
realidade singular e primordial, que se revela em si mesma sob Brihadaranyaka Upanishad, em que cita também trechos
diferentes formas. Embora Brahman seja impessoal, pode relevantes da Taittiriya e da Chandogya Upanishad
também se manifestar sob forma pessoal, como o Senhor (SHANKARACARYA, 1950, p. 567-568).
(Ishvara): Os textos das Upanishads utilizadas foram extraídos da
obra 112 Upanishads: Sanskrit Texts with English Translation
o Brahman supremo ou Ãnanda, ao nível (BIMALI, JOSHI, TRIVEDI, 2006). Também foram
da Vijfiana ou autoconsciência, toma-se o consultadas outras traduções contidas nas obras: A Tradição do
Ishvara pessoal com uma limitação Yoga de Georg Feuerstein (1998), Mundaka Upanishad de
voluntária. Deus ou o Eu é o fundamento Roberto de A. Martins (2008), The Principal Upanishads de
da unidade, e a matéria ou não-Eu se toma
Sarvepalle Radhakrishnan (2009).
o princípio da pluralidade
(RADHAKRISHNAN, 2006, pág. 169).
Ãnanda e Brahman nas Upanishads
Fontes de estudo
A palavra Ãnanda é utilizada na linguagem usual para
designar prazer; mas em algumas Upanishads encontramos a
Concluímos aqui as considerações feitas por alguns
palavra Ãnanda = Bem-Aventurança usada como um epíteto de
pesquisadores a respeito de Ãnanda e Brahman, e passaremos
Brahman na expressão "Ele soube que a Bem-Aventurança é
agora ao estudo das próprias Upanishads, especificamente às
Brahman" (Taittiriya 1I.6), "conhecendo a Bem-Aventurança
passagens em que aparecem as concepções de Brahman
de Brahman" (Taittiriya 1I.7), "Esta é a Suprema Bem-
~ssociado ou identificado a Ãnanda, correlação de Brahman e
Aventurança" (Chandogya IV.3.32) (SHANKARACARYA,
Atman e demais correlações que se façam necessárias para
melhor entendimento do tema proposto. 1950, p. 563).
Em outras Upanishads encontramos: "Conhecimento,
Paul Deussen estabeleceu sua análise de Brahman como
Bem-A venturança, Brahman, a suprema meta daquele que
Ãnanda a partir das seguintes Upanishads: Brihadaranyaka,
distribui as riquezas, bem como daquele que realizou Brahman
Kaushitaki, Maitrayani, Tejobindo, Mahanarayana, Taittiriya,
e vive nele" (Brihadaranyaka 1II.9.28). "Aquilo que é infinito é
Mundaka, Chandogya. Embora tenha apontado a identidade de
apenas felicidade. Não há felicidade em qualquer coisa finita.
Brahman com Ãnanda, concentrou-se principalmente em partes
Apenas o infinito é felicidade" (Chandogya VII.23.1). Em
das Upanishads que associam Ãnanda com o Prana, com o
outras partes da Taittiriya-Upanishad também temos:
Desejo, com o Anandamayakosha - aspectos que não serão
discutido aqui (DEUSSEN, 1966, pp. 140-146).
Se alguém conhece o conhecimento de
Além das Upanishads já citadas na obra de Deussen, Brahman, e se não errar nisso, ele
encontramos também outras duas Upanishads importantes para
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abandona todos os pecados no corpo e nascimento, como também de quem é
desfruta totalmente de todas as coisas versado nos Vedas, sem pecado e livre de
agradáveis. Este [o cognitivo] é realmente desejo. Esta alegria dos deuses por
o Eu incorporado do precedente [o mental). nascimento multiplicada cem vezes faz
Comparado com este corpo cognitivo, há uma unidade da alegria no mundo de
um outro Eu interno constituído pela Bem- Prajapati (Viraj), bem como aquele que é
Aventurança. (Taittiriya lI.5.1) versado nos Vedas, sem pecado e livre de
desejo. Esta alegria no mundo de Prajapati
A Taittiriya-Upanishad ensina que existem graus de multiplicada cem vezes faz uma unidade da
felicidade, que vão desde a simples alegria ou prazer de uma alegria no mundo de Brahman
vida próspera sobre a terra até a suprema Bem-Aventurança do (Hiranyagarbha), bem como de quem é
versado nos Vedas, sem pecado e livre de
próprio Absoluto. O Absoluto não é um estado de aridez, mas
desejo. Esta, de fato, é a felicidade
uma felicidade superconsciente que transcende toda descrição
suprema. Este é o estado de Brahman.
(FEUERSTEIN, 1998, p. 179). Também a Brihadaranyaka
(Brihadaranyaka IV.3.33)
Upanishad revela a evolução de Ãnanda de uma felicidade
limitada até o nível infinito de Bem-Aventurança. Vejamos a
Vemos aqui como o conceito do Ãnanda mais elevado
descrição da própria Upanishad:
se desprende de todos os atributos de prazer ou sensualidade. O
Ãnanda é um estado em que a pessoa está completa, onde nada
Aquele que é perfeito de corpo e próspero
falta, onde não há dualidades ou perturbações. Martins comenta
entre os homens, o dirigente dos outros, e
sobre essa passagem da Brihadaranyaka Upanishad que:
mais ricamente fornecido com todos os
prazeres humanos, representa a maior
alegria [ãnanda] entre os homens. Esta A Upanishad faz então uma comparação
alegria humana multiplicada cem vezes faz entre vários tipos de Ãnanda. O mais
elevado Ãnanda de nivel humano é aquele
uma unidade da alegria para os
antepassados [manes] que ganharam o de um homem saudável, rico, que domina
mundo deles. A alegria desses os outros e que desfruta de todos os
antepassados que ganharam aquele mundo, deleites. Mas acima deste Ãnanda de nível
multiplicada cem vezes, faz uma unidade humano, há outros mais elevados, e a
da alegria no mundo dos gandharvas. Esta Upanishad descreve o Ãnanda dos espíritos
alegria do mundo dos gandharvas dos antepassados, dos Gandharvas, dos
multiplicada cem vezes faz uma unidade da Devas que se tomaram Devas por seu
alegria para os deuses pela ação - aqueles esforço, dos Devas que nasceram Devas,
que alcançaram a sua divindade através de até chegar ao Ãnanda do mundo de
suas ações. Esta alegria dos deuses pela Brahman, que é igual ao Ãnanda de uma
ação, multiplicada por cem vezes faz uma pessoa versada nos Vedas, que não comete
unidade da alegria para os deuses por faltas e que não é dominada pelo desejo.
Este é o Ãnanda mais elevado.
116 117
(Brihadaranyaka IV.3.33) (MARTINS, por não conseguir atingi-lo (Taittiriya
2008, p. 90) IIA.I).

Em várias Upanishads encontramos diversas alusões à Na citação acima, Taittiriya 11.1.1, quando no texto se
natureza do Brahman infinito associado ao conceito de Ãnanda faz referência à localização de Brahman no espaço supremo no
por meio de várias concepções, como podemos ver nas coração, tem início a associação (a principio indireta) de
seguintes passagens: Brahman com o Ãtman, e veremos esta associação com mais
.clareza no decorrer deste texto. O Ãtman só é realmente
(Aquele que é) impensável, imanifesto, de conhecido por aqueles que atingiram este estado de Ãnanda
formas infinitas, o bom, o pacífico, imortal, (MARTINS, 2008, p. 86). "Aqueles que discernem vêem pelo
a origem dos mundos, sem começo, meio, e conhecimento superior o Ãtman que brilha, toda a felicidade e
fim, o único, que tudo permeia, imortalidade" (Mundaka II.8) (RADHAKRISHNAN, 2006, p.
Consciência, Bem-A venturança, o informe 165). As Upanishads descrevem as vivências da pessoa que
e maravilhoso (Kaivalya 6).
atinge a união com Brahman, enfatizando o aspecto da Bem-
Toma-se (transparente) como a água, uno,
A venturança:
a testemunha, e sem um segundo. Este é o
estado de Brahman, ó Imperador. Assim
Assim, aqueles que atingiram Atman, [...]
Yajfiavalkya instruiu Janaka: Esta é a sua
Percebendo o Brahman Eterno, ele próprio
realização suprema, esta é a sua suprema
vive nele, com a consciência "Eu sou Ele",
glória, este é seu mais elevado mundo, esta
Eu sou Aquele que está sempre calmo,
é a sua felicidade suprema. De uma
imutável, indiviso, que tem a essência do
partícula desta felicidade vivem os outros
conhecimento-Bem-A venturança. Isso,
seres (Brihadaranyaka IV.3.32).
somente, é a minha verdadeira natureza.
O conhecedor de Brahman atinge o mais
(Paramahamsa 2)
elevado. Aqui está um verso pronunciando
Percebendo, "Eu sou esse Brahman que é o
esse mesmo fato: Brahman é verdade,
uno infmito Conhecimento-Bem-
conhecimento, e infinito. Aquele que
Aventurança", ele chega ao fim de seus
conhece aquele Brahman como existente
desejos, na verdade, ele chega ao fim de
no intelecto, alojado no espaço supremo no
seus desejos. (Paramahamsa 4).
coração, desfruta de todas as coisas
Aquele que conhece o Ãnanda de Brahman
desejáveis simultaneamente, identificado
não teme coisa alguma. Realmente, ele não
com o Brahman que tudo sabe (Taittiriya
II.1.I). é atormentado pelo pensamento: "Por que
não fiz o bem? Por que fiz o mal?" Aquele
Uma pessoa não fica submetida ao medo
que conhece isto, liberta-se. Ele se liberta
em qualquer momento se ela conhece a
de ambos, conhecendo isto. (Taittiriya II.9)
felicidade que é Brahman, do qual as
O homem iluminado não tem medo de
palavras, junto com a mente, se afastam,
nada depois de vrvenciar a Bem-

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Aventurança de Brahman, aquele que as manifesto. Aquele Brahman criou a si
palavras não conseguem atingir e que próprio por si mesmo. Por isso, é chamado
assim se voltam para a mente. (Taittiriya de auto-criador. Aquele que é conhecido
lI.9.l). como o auto-criador é, na verdade, a fonte
de alegria, porque a pessoa se toma feliz
Na Mundaka-Upanishad é dito que o "Ãtman reside no por entrar em contato com essa fonte de
fmnamento, na cidade de Brahma" [...] "reside no alimento, na alegria. Quem, de fato, irá inalar, e quem
intimidade do coração. Conhecendo-o os sábios contemplam o irá expirar, se esta Bem-Aventurança não
estiver lá no espaço supremo [dentro do
brilho do imortal que tem a aparência de Ãnanda" (Mundaka
coração]. (Taittiriya lI.7.l)
11.2.7) (MARTINS, 2008, p. 86). Ãtman surge em algumas
Novamente quando ele adormece
passagens da Mundaka-Upanishad, na Brhadaranyaka- profundamente - quando não percebe nada
Upanishad e na Taittirya-Upanishad, associado ao coração, - ele volta ao longo dos 72.000 nervos
sendo este sua morada. "[ ...] assim como o coração é a sede chamado hita, que se estendem do coração
única de todo conhecimento, assim como as mãos são a sede para o pericárdio (corpo inteiro), e
única de todos os atos, assim como os órgãos genitais são a permanece no corpo. Como um bebê, ou
sede única de todo prazer (Ãnanda) [...] assim é este [Si um imperador, ou um nobre Brahman
Mesmo]" (Brihadaranyaka 2.4.11-12; FEUERSTEIN, 1998, p. vivem, tendo atingido o auge da felicidade,
175). O coração é a morada, o espaço interno, a morada de assim ele permanece. (Brihadaranyaka
Brahman, do Si Mesmo. Essas descrições mostram que o lI. 1.19)
conhecimento de Brahman não é apresentado como um
resultado obtido a partir da especulação filosófica e sim a partir Além de ser feita essa associação de Brahman com a
de vivências internas. Vejamos também estas outras passagens: essência íntima do seres (Ãtman), de ser declarada a sua
morada no coração, na passagem acima da Brihadaranyaka é
Ele compreendeu a Bem-Aventurança introduzida mais uma concepção. Tanto nesta Upanishad como
como Brahman; pois a partir da Bern- na Kaiva1ya propõe-se que no estado de sono profundo o
Aventurança, de fato, todos esses seres se individuo pode alcançar a experiência de dissolução e união
originam. Tendo nascido, eles são com Brahman e desse modo se fundir na Bem-Aventurança.
sustentados pela Bem-Aventurança, eles se
movem em direção e se fundem na Bern- No estado de sonho o Jiva sente prazer e
Aventurança. Este conhecimento dor em uma esfera de existência criada por
vivenciado por Bhrigu e transmitido por sua própria Maya ou ignorância. Durante o
Varuna (começa a partir do alimento e) estado de sono profundo, quando tudo está
termina na suprema (Bem-Aventurança), dissolvido [em seu estado causal], ele é
estabelecida na cavidade do coração. dominado por Tamas ou não-manifestação
(Taittiriya III.6.l) e passa a existir em sua forma de Bem-
No começo tudo isso era apenas o não- Aventurança. (Kaivalya 13).
manifesto (Brahman). A partir daí, surgiu o
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Novamente, por sua conexão com as ações geração, revelando-se na essência do próprio Eu, conforme
realizadas em nascimentos anteriores, esse descreve a Kaushitaki Upanishad:
mesmo Jiva retoma ao estado de sonhos,
ou ao estado desperto. O ser que se diverte Prazer, Bem-Aventurança e procriação são
nas três cidades [os três estados: desperto, os seus elementos objetivos
sonhando, sono profundo] - dele brotou correlacionados externos. (Kaushitaki
toda a diversidade. Ele é o substrato, a I1I.5).
Bem-Aventurança, a consciência Com o órgão gerador, montado sobre a
indivisível, em quem as próprias três consciência, obtém-se prazer, Bern-
cidades se dissolvem. (Kaivalya 14). Aventurança e procriação (Kaushitaki
I1I.6).
Corno vimos em vanas partes, nas diferentes Porque em verdade, sem a consciência o
Upanishads supracitadas, Brahman pode ser atingido pelo órgão gerador tornaria conhecida qualquer
conhecimento, pela vivência, pelo conhecimento de Ãtman, Bem-Aventurança, qualquer prazer ou
pelo coração, pelo sono profundo e agora veremos que também procriação, em absoluto. "Minha mente
pode ser atingido pela inteligência ou pelo sacrifício, e assim a estava em outro lugar" diz uma pessoa, "Eu
Bem-A venturança é alcançada. não reconheci a Bem-Aventurança, o
prazer e a procriação". (Kaushitaki I1I.7).
Esse Brahman é alcançado através do
poder da inteligência. Aquela Bern- Porém, a mesma Upanishad ultrapassa, em seguida, este
Aventurança é atingida através do poder da nível inferior de prazer:
inteligência. A Bem-Aventurança, que é de
fato Brahman é alcançada através do poder Deve-se conquistar o conhecimento puro
da inteligência (Mahanarayana XXXIX -1). da unidade de Brahman e Ãtman. [... ] O
Esse Brahman é alcançado através do prazer, a delícia e a procriação não são o
poder do sacrificio. Aquela Bern- que se deve procurar conhecer, deve-se
Aventurança é atingida através do poder do conhecer aquele que discerne, discernir o
sacrifício. A Bem-A venturança, que é de prazer, a delícia e a procriação. [...] Este
fato Brahman, é alcançada através do poder sopro vital, verdadeiramente, é o Eu da
do sacrifício. (Mahanarayana XXXX -1) inteligência: é a felicidade [ãnanda], sem
idade, imortal. Ele não se torna maior pela
Em várias passagens das Upanishads, Brahman também boa ação, nem de fato menor pela ação má.
foi descrito como criador de si mesmo e de tudo, dele emanam [...] Ele é o protetor do mundo, ele é o
e nascem todas as criaturas e por ele são mantidos, e, sendo soberano do mundo, ele é o Senhor de
todos. "Ele é meu Eu" - isto deve ser
assim ele também está relacionado diretamente com a vida,
conhecido. "Ele é meu Eu" - isto deve ser
com o poder gerador; desse modo, a Bem-Aventurança, como
conhecido. (Kaushitaki I1I.8)
dito antes, surge nas escrituras também associada ao prazer e à
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Embora acima em algumas partes da Kaushitaki Upanishad BIBLIOGRAFIA
se faça referência ao prazer e bem-aventurança relacionados à
procriação, o mesmo texto termina por indicar que se deve BIMALI, O. N.; JOSHI, K. L.; TRIVEDI, Bindiya (eds.). 112
"conquistar o conhecimento puro da unidade de Brahman e Upanishads: Sanskrit Text with English Translation.
Ãtman", que se deve "conhecer aquele que discerne" para que Delhi: Parimal, 2006. 2 vols.
de fato se alcance Ãnanda e assim se alcance o Eu mais interno BUITENEM, J. A. B. van. Ãnanda, or all desires fulfilled.
que nas Upanishads é revelado como sendo o Ãtman. History of Religions, 19 (1):. 27-36, 1979.
DEUSSEN, Paul. The philosophy of the Upanishads. New
CONSIDERAÇÕES FINAIS Y ork: Dover, 1966.
DEUSSEN, Paul. Sixty Upanishads of the Veda. Delhi: Motilal
o presente texto descreveu o significado da palavra Barnarsidass 1990.2 vols.
Ãnanda, sua evolução na literatura Vêdica e seu íntimo FEUERSTEIN, Georg. A tradição do Yoga. São Paulo:
relacionamento com Brahman. Fez-se necessário também, dada Pensamento, 1998.
a complexidade do tema abordado, contextualizar a natureza JACOB, Colonel G. A. A eoneordanee to the principal
dos textos utilizados, no caso, as Upanishads. Upanisads and Bhagavadgita. Delhi: Motilal
Por meio dos estudos de diferentes pesquisadores e suas Banarsidass, 1999.
respectivas orientações filosóficas, foi possível evidenciarmos MARTINS, Roberto de A.. Mundaka Upanishad. Rio de
diferentes posturas em relação à natureza condicionada e Janeiro: Corifeu, 2008.
incondicionada de Brahman e à possibilidade ou não de MONIER- WILLIAMS, Monier. A Sanskrit-English dietionary.
descrevê-lo. Vimos que as diferentes posições filosóficas sobre Oxford: Clarendon Press, 1979.
a possibilidade de se associar ou não Brahman com Ãnanda, OLIVELLE, Patrick. Orgasmic rapture and divine ecstasy. The
não impediram o desenvolvimento deste texto, visto que nas semantic history of ãnanda. Pp. 75-99, in: OLIVELLE,
próprias Upanishads foi possível encontrar passagens em que Patrick. Colleeted essays 1: texts and society.
tal associação se dá. Explorations in aneient lndian eulture and religion.
Nas Upanishads são descritos diferentes tipos ou níveis Firenze: Firenze University Press, 2008.
de Ãnanda, permitindo revelar que ela assim permeia todos os RADHAKRISHNAN, Sarvepalle. lndian philosophy. Delhi:
níveis, do mais grosseiro na forma da felicidade sentida pela Oxford University Press, 2006. 2 vols.
riqueza ou pelo prazer, até o nível mais sutil, no qual a RADHAKRISHNAN, Sarvepalle. The principal Upanishads.
felicidade é alcançada na união com a Realidade Última. Desse Delhi: Harper Collins, 2009.
modo, assim como Brahman, Ãnanda tudo permeia. São assim SHANKARACHARY A. The Brhadaranyaka Upanisad.
unidos, um só, na sua própria essência. Himalayas: Advaita Ashrama, 1950.
ZIMMER, Heinrich. Filosofias da Índia. São Paulo: Palas
Athena, 2003.
VIVEKANANDA, Swami. Vedanta Philosophy. Calcutta:
Ramakrishna Math, 1982.
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