Você está na página 1de 4

GESTÃO DO TRATAMENTO DE EFLUENTES LÍQUIDOS LIXIVIADOS DE

ATERROS SANITÁRIOS

Juliana Young, Sérgio Luís da Silva Cotrim, Marcus Aurélio Soares Cruz

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.


e-mail: jyoung@terra.com.br ou young@dep.prefpoa.com.br
Telefone para contato: 3289-2280 ou 99638194

ÁREA TEMÁTICA : SANEAMENTO AMBIENTAL

RESUMO
Os processos biológicos e químicos dos aterros sanitários geram resíduos líquidos (chorume)
e gases que necessitam de tratamento para, após, retornarem a natureza sem causar danos e
promovendo-se o manejo ambientalmente correto desse resíduo.
Este trabalho apresenta os resultados de pesquisas de diversos autores no tratamento de
lixiviado, citando-se os sistemas de tratamento físico-químico e biológicos mais utilizados.
Através da revisão de diversas técnicas e métodos de tratamento de lixiviados, analisando
cada um em relação a sua eficiência de remoção para diferentes poluentes, buscando propor
uma metodologia para a gestão desses resíduos, tratamento e destino final destes efluentes,
bem como uma alternativa economicamente viável.
A determinação do tipo de tratamento a ser utilizado não se constitui em tarefa fácil, visto que
devem ser levados em consideração diversos aspectos, tais como eficiência de remoção de
poluentes, tempos de detenção, manutenção dos sistemas, por exemplo.
Como estudo de caso, cita-se a estação de tratamento de esgotos (ETE) Lami, apresentando-se
os resultados obtidos desde a implantação do sistema combinado de esgoto sanitário e
lixiviado do aterro sanitário da Extrema. Através da experiência nesta ETE, levando em conta
que a mesma opera com sistema de lagoas, faz-se considerações deste sistema combinado,
ressaltando-se, por exemplo, a importância do controle do parâmetro nitrogênio amoniacal e
da consideração do fator climático na escolha do tipo de tratamento que se irá adotar.
Palavras-chave: Chorume, Lixiviado, Aterro Sanitário, ETE.

Introdução

A questão ambiental é hoje uma preocupação para toda a humanidade. As mudanças em


conceitos de disponibilidade como da água, por exemplo, que passou a ser definida como um
bem finito, tornaram mais severa a gestão dos recursos ambientais gerando uma maior rigidez
na legislação afim, o que exigiu o desenvolvimento de técnicas e gerenciamento mais
eficientes dos resíduos. Tendo em conta estes aspectos, os estudos, critérios e projetos
relativos ao tratamento e disposição final dos resíduos e efluentes deverão ser precedidos de
cuidados especiais que garantam o seu gerenciamento adequado e, igualmente, a manutenção
e melhoria dos usos e qualidade da água dos corpos receptores.
Nos aterros sanitários, onde a forma de disposição dos resíduos ocorre dentro de critérios de
engenharia e normas operacionais especificas, há sistemas de drenagem periférica e
superficial para afastar a água da chuva e drenagem de fundo para coleta de lixiviado (líquido
de coloração cinza escuro com forte odor fétido, decorrente das reações físicas e químicas a
que os materiais depositados estão sujeitos e da ação de microorganismos na decomposição da
matéria orgânica presente em elevada concentração nos resíduos sólidos urbanos).
Posteriormente, sistemas de tratamento para o lixiviado drenado. Há também a condução e
queima dos gases gerados durante o processo de bioestabilização da matéria orgânica
(BIDONE, 1999).
O chorume é constituído basicamente por água rica em sais, metais pesados e matéria
orgânica, podendo a concentração dessa última chegar a níveis de até 100 vezes o valor da
concentração de matéria orgânica em esgotos domésticos. As concentrações desses
constituintes variam de acordo com a composição dos próprios resíduos sólidos depositados e
com as condições ambientes como a umidade, o oxigênio disponível, a temperatura e o pH do
meio. A descarga do chorume nos corpos d’água gera a elevação da DBO (demanda
bioquímica de oxigênio) ou seja, o oxigênio dissolvido na água utilizado pelos organismos
aquáticos passa a ser consumido pelos microorganismos na decomposição da matéria
orgânica. Também, o chorume tem grande concentração de nitrogênio amoniacal (NH4+) que
é solúvel em água e tóxico a partir de certas concentrações.
A concentração de nitrogênio apresenta-se nas formas de N amoniacal (com predominância
do NH4+), N orgânico, NO2- (nitrito) e NO3- (nitrato). Estes podem contribuir com uma
parcela pequena do N total, mas se o aterro está em decomposição anaeróbica, provavelmente
suas concentrações serão baixas (DANTAS, 1988 apud COTRIM, 1997).
O tratamento dos esgotos na ETE Lami se dá pelo processo de tratamento por lagoas de
estabilização do tipo australiano.
Este tratamento nada mais é do que a combinação de tratamentos por módulos, através de
lagoas dispostas em série: lagoa anaeróbia, lagoa facultativa e lagoa de maturação.
Sistema Australiano (lagoa anaeróbio + lagoa facultativa) + uma lagoa de maturação
(para a remoção de patogênicos), Lagoa Jardim Paulistano II / SP
Lagoas Facultativas :São lagoas com profundidade de 1,5 a 3 metros. Neste tipo de lagoa
ocorrem 2 processos distintos: aeróbios e anaeróbios. Na região superficial ocorre os
processos fotossintéticos realizados pelas algas onde há liberação de oxigênio no meio,
favorecendo o processo aeróbio e, no fundo quando a matéria orgânica tende a sedimentar
ocorrem os processos anaeróbios.
Lagoas de Maturação :São lagoas com profundidades de 0,8 a 1,5 m e sua principal função é
remover patogênicos devido a boa penetração de radiação solar, elevado pH e elevada
concentração de oxigênio dissolvido.
Inicialmente, o monitoramento de operação da ETE Lami com o tratamento conjunto de
esgoto e lixiviado, se deu através da limitação do volume de aporte deste material líquido
oriundo do aterro, tendo como parâmetro indicativo a carga orgânica afluente, calculada e
prevista pelo projeto para ingresso na estação de tratamento de esgotos.
No entanto, Facchin at alii (2001) relata que em março de 1999, constatou que começaram a
ocorrer problemas nas lagoas facultativas com o tratamento combinado.
A partir daí, então, o aporte de lixiviado na ETE passou a ter o seu volume limitado, tomando
como indicativo a concentração de nitrogênio amoniacal nesse resíduo líquido. O limite foi
estabelecido, considerando as elevadas concentrações desta característica no lixiviado e o
efeito da sua diluição com os esgotos, mantendo uma adequada proporção de modo a não
permitir o ingresso de concentrações elevadas desta característica nas lagoas facultativas, após
a passagem do líquido combinado pelas lagoas anaeróbias.
A tabela 1 apresenta os dados obtidos através do monitoramento do efluente final da ETE
Lami após o primeiro ano de operação no tratamento de lixiviado:
Tabela 1: Caracterização do Efluente Final da ETE Lami.
Parâmetro Período Ago/98 a Ago/99 Período Set/99 a Maio/00 Portaria nº 05/89
Mínimo Máximo Média Mínimo Máximo Média
pH 8.1 10.4 9.8 8.8 11.0 10.1 6 a 8,5
DBO5** 2.6 31.5 12.0 1.5 33.0 16.8 40,0*** mg O2/l
DQO 53.5 305.0 167.1 61.0 250.0 167.6 200,0*** mg O2/l
Sólidos Sedim.** <0.1 <0.1 <0.1 <0.1 <0.1 <.01 até 1ml/l ml/l
SST** 17.0 148.0 91.0 9.0 116.0 58.7 50,0*** mg /l
SSTV 10.0 137.0 83.4 8.0 111.0 52.8 --- mg /l
NH3 0.14 7.10 1.29 0.25 1.94 0.61 --- mg N/l
N org 1.73 13.55 6.11 2.05 10.52 6.24 --- mg N/l
Nitrito 0.003 9.173 1.195 Nd 1.489 0.329 --- mg NO2/l
Nitrato 0.09 7.53 2.41 0.06 0.98 0.22 --- mg NO3/l
N total 3.28 14.24 8.63 4.17 11.47 7.00 10,0 mg N/l
Fosfato total 0.37 2.13 1.12 0.56 2.82 1.52 3,07 mg PO4/l
Cádmio** Nd 0.003 <0.001 Nd 0.003 0.002 0,1 mg Cd/l
Chumbo** Nd 0.06 0.01 Nd 0.04 0.02 0,5 mg Pb/l
Cobre** 0.004 0.010 0.005 <0.004 0.017 0.006 0,5 mg Cu/l
Cromo Total** Nd 0.011 <0.005 Nd 0.007 <0.005 0,5 mg Cr/l
Mercúrio** Nd 0.00015 <0.0001 Nd 0.00020 <0.0001 0,01 mg Hg/l
Zinco** 0.008 0.068 0.032 0.005 0.042 0.021 1,0 mg Zn/l
Coli Fecal** 4 5000 30* <2 3000 24* 3000 org/ml
Fonte: Facchin et alii , *média geométrica, **padrões de emissão estabelecidos pela FEPAM
na Licença de Operação da ETE Lami (para o parâmetro Coliforme Fecal foi estabelecida a
remoção de 99% e não o valor fixado na Portaria 05/89), ***os parâmetros DBO5, DQO e
SST foram estabelecidos para a vazão média de projeto da ETE.

Bidone et alli (1998) em monitoramento do lixiviado do Aterro Sanitário da Extrema,


detectou grande remoção de sólidos, totais, fixos ou voláteis. Nos metais, principalmente os
pesados (conservativos), não se observou efeito atenuador exercido pelo filtro anaeróbio que
merecesse destaque. No entanto, a redução de ferro e cobre, foi confirmada sendo explicada
por serem estes micronutrientes utilizáveis pela biomassa ativa.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
A escolha do processo de tratamento de chorume não deve ser avaliada somente sob o ponto
de vista de alcance dos padrões de emissão de efluentes, mas sim, dentro de um sistema que
se inicia dentro do aterro, pela adequada disposição dos resíduos sólidos domésticos. Deve
prevalecer a avaliação criteriosa, através de consideração da climatologia e de aspectos
ligados a legislação ambiental.
De acordo com os trabalhos referidos neste capítulo verifica-se que os lixiviados de aterros
sanitários contém altas cargas de DQO, DBO5, nitrogênio amoníacal e sólidos em suspensão.
Assim, tratamentos secundários convencionais utilizando leito fixo necessitam de tratamento
primário para reter e/ou degradar a parte não solúvel do material em suspensão. Ao mesmo
tempo, as observações dos autores citados neste item, sugerem que como medida de cautela, o
sistema de tratamento a ser proposto, utilize pré-filtros como unidades primárias de
tratamento.
Tomando como base os resultados obtidos nos 22 meses de estudo da operação da ETE Lami,
aponta-se como promissora a possibilidade do tratamento combinado de esgoto doméstico e
lixiviado de aterro sanitário em estações de tratamento de esgoto já existentes, desde que
observadas as restrições de volumes, e principalmente das cargas aportadas. O uso do sistema
de lagoas de estabilização pode ser uma alternativa viável, principalmente para pequenas
cidades, cujos recursos são escassos mas há espaço territorial disponível. Este procedimento
minimizaria os custos de implantação e de operação de aterros sanitários. Recomenda-se, no
entanto, que seja previsto o pré-tratamento aeróbio ainda no aterro, para melhor eficiência do
sistema.
Devem ser incentivados programas que visem à redução da produção de resíduos.
Organizações não-governamentais (ONGs) e os grupos de consumidores devem ser
estimulados a participar desses programas os quais devem, sempre que possível, desenvolver
e fortalecer as capacidades de pesquisa e elaboração de tecnologias ambientalmente
saudáveis, assim como adotar medidas para diminuir os resíduos ao mínimo, propiciando um
modelo de vida sustentável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bidone, F. R.A. ; Povinelli, A. J. Conceitos Básicos de Resíduos Sólidos. 1.ª ed. São Carlos :
EESC/USP, 1999.
Bidone, F. R.A. ; Povinelli, A. J.; Cotrim,, S. L. S. Tratamento de Lixiviado de Aterro
Sanitário através de filtros percoladores. In: XIX CONGRESSO DA ABES. Tratamento de
lixiviados de aterro sanitário através de filtros percoladores. Foz do Iguaçu, Paraná, 1997.
BIDONE, F.R.A., COTRIM, S.L. S., BALLESTRIM, R. A. C. Monitoramento do
lixiviado/percolado do aterro sanitário da Extrema, no bairro Lami, em Porto Alegre, RS. In :
II SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE QUALIDADE AMBIENTAL, Porto Alegre, 1998.
COTRIM, S.L.S. 1997. Filtros aeróbios percoladores aplicados ao tratamento de lixiviados de
aterros sanitários antigos. Porto Alegre. 98 p. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Pesquisas
Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
DANTAS, D. C. 1988. A problemática do tratamento de lixivias de aterros sanitários. Porto
Alegre: Curso de Pós-graduação em Recursos Hídricos e Saneamento. 149 f. Dissertação
(Mestrado).
Facchin, J. M. J. ; COLOMBO, M. C. R. ; COTRIM, S.L.S. ; REICHERT, G.A., 2001.
Avaliação do tratamento combinado de esgoto e lixiviado de aterro sanitário na ETE Lami
(Porto Alegre) após o primeiro ano de operação. In : XXVII Congresso Interamericano de
Engenharia Sanitária e Ambiental.
FACCHIN, J. M. J., COLOMBO, M. C. R., REICHERT, G. A. Avaliação Preliminar do
Tratamento Combinado de Esgoto e de Lixiviado de Aterro Sanitário nas Lagoas de
Estabilização da ETE Lami, em Porto Alegre. In: FRANKENBERG et al. (Eds.)
Gerenciamento de Resíduos e Certificação Ambiental. Porto Alegre. Ed. .EPECÊ. 399p.
1998.
REICHERT, G.A., DOS ANJOS, I. Aterro Sanitário da Extrema de Porto Alegre: concepção
de projeto. In: Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, 18. Foz do Iguaçu.
Anais... Foz do Iguaçu: ABES, pp. 1852-1862. 1997.

Você também pode gostar