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Eletromagnetismo I

Prof. Ricardo Galvão - 2◦ Semestre 2015

Preparo: Diego Oliveira

Aula 13

Equação de Laplace em Simetria Azimutal


Na última aula deduzimos a solução da equação de Laplace em coordenadas esféricas com
simetria azimutal. Nesse caso, o potencial dependerá apenas da distância radial r e do
ângulo azimutal θ e podemos escrever a solução geral como:

∞ ·
Bl
¸
l
φ(r, θ) = P l (cos θ)
X
Al r +
l =0 r l +1

onde A l e B l são coeficientes a serem determinados pelas condições de contorno do pro-


blema, e P l (cos θ) são os polinômios de Legendre de grau l ,

Polinômios de Legendre
1.0

P 0 (x) = 1
0.5 P0 (x)
P 1 (x) = x
P1 (x)
1¡ 2 ¢
P 2 (x) = 3x − 1 0.0 P2 (x)
2 P3 (x)
1¡ 3 ¢
P 3 (x) = 5x − 3x -0.5
P4 (x)
2
µ l ¶
1 d ¡ 2 ¢l
P l (x) = x − 1 -1.0
2l l ! d x l -1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0

1
Duas importantes propriedades dos polinômios de Legendre são a relação de ortogona-
lidade: Z 1 2
P l (x) P l 0 (x) d x = δl l 0
−1 2l + 1
e de paridade:
P l (−x) = (−1)l P l (x)

Note que a condição de ortogonalidade, quando os polinômios de Legendre são funções


de cos θ, podem ser escritos como :
Z π 2
P l (cos θ) P l 0 (cos θ) sen θd θ = δl l 0
0 2l + 1

pois x = cos θ, d x = d (cos θ) = − sin θd θ e para os limites de integração x = −1 → θ = π e


x = 1 → θ = 0.

Esfera condutora em campo elétrico uniforme


Considere um campo elétrico uniforme (de
−∞ a +∞) E~ = E 0 ê z aplicado por todo o es-
paço. Agora, vamos inserir uma esfera con-
dutora de raio a, dando origem a situação a z
mostrada na figura ao lado. Como os cam-
pos eletrostáticos são nulos dentro de um
condutor, uma distribuição de carga σ(a, θ)
deve ser induzida na superfície da esfera
condutora afim de blindar seu interior do campo elétrico externo.
As condições de contorno nesse caso são:

~ =0
r ≤a ⇒ E ∴ φ(r ≤ a, θ) = V = constante

~ = E 0 ê z
r →∞ ⇒ E

2
Primeiro, vamos transformar a condição de contorno do campo elétrico em termos do
potencial:

∂φ ∂φ
~ = −∇φ
E r →∞ ⇒ E 0~
z =− ê z ∴ = −E 0
∂z ∂z

∴ φ(r, θ)¯r →∞ = −E 0 z + c ∴ φ(r, θ)¯r →∞ = C − E 0 r cos θ


¯ ¯

Solução Geral
Explicitamente, os primeiros termos da solução geral são:

B0 B1 ¢ B2 ¡
φ(r, θ) = A 0 + + A 1 r cos θ + 2 cos θ + A 2 r 2 3 cos2 θ − 1 + 3 3 cos3 θ − 1 + . . .
¡ ¢
r r r

Impondo a condição de contorno dada por r → ∞:

B0 B1
φ(r, θ) → A 0 + + A 1 r cos θ + 2 cos θ + A 2 r 2 3 cos2 θ − 1 + . . . = C − E 0 r cos θ
¡ ¢
r →∞:
r r

∴ A0 = C ; A 1 = −E 0 ; A j = 0, ∀ j > 1.

Então a solução fica:

B1 B1 B2 ¡
· ¸
φ(r, θ) = C + + −E 0 r + 2 cos θ + 3 3 cos2 θ − 1 + . . .
¢
r r r

B0 B1 B2 ¡
µ ¶
− E 0 a cos θ + 3 3 cos2 θ − 1 + . . . = V
¢
r =a: C+ +
a a a

B0
∴ C+ =V; B1 = E0 a 3; B j = 0, ∀ j > 1.
a

µ 3
a a

∴ φ(r, θ) = C + (V −C ) + E 0 2 − r cos θ
r r

3
Com esta solução, podemos calcular a distribuição de carga espacial da densidade de
carga na superfície da esfera:

∂φ 1 ∂φ
~ = −∇φ
E ~ =−
∴ E ê r − ê θ
∂r r ∂θ

a 2a 3
µ ¶
E r = (V −C ) + E0 + 1 cos θ
r2 r3

a3
µ ¶
Eθ = E0 − 1 sen θ
r3

Na superfície da esfera, o vetor normal é n̂ = ê r ; portanto, utilizando a relação:

σ V −C
· ¸
Er = ∴σ=² + 3E 0 cos θ
²0 a

onde V −C é uma diferença de potencial entre a esfera e seu valor quando r → ∞. Para de-
terminar esta diferença, notamos que a esfera condutora não está inicialmente carregada.
Então:
Z Z 2π Z π· µ
V −C
¶ ¸
Q= σd S = dϕ ²0 + 3E 0 cos θ a 2 sen θd θ = 0
0 0 a
Z π
V −C
µ ¶
2 2
= ²0 4πa + 3²0 E 0 a 2π sen θd θ = 0
a 0

V −C 2
¶ µ
¤π
a + 3πE 0 a 2 sin2 θ 0 = 0
£
∴ 4π ∴ V = C.
a

Portanto, a solução final é:

a3
µ ¶
φ(r, θ) = E 0 − r cos θ
r2

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Casca esférica condutora com 2 potenciais
Suponha uma casca esférica condutora de z
raio a, cujos hemisférios são separados
no plano equatorial por um anel isolante.
Desta forma, o hemisfério norte é mantido
+V
em potencial V , enquanto o hemisfério sul
é mantido a um potencial −V . Desejamos
a
encontrar o potencial na região interna da
casca esférica. Inicialmente, aplicamos a
condição de regularidade na origem:
-V
φ (r → 0, θ) = finito ⇒ B l = 0 ∀l

∴ φ (r, θ) = A l r l P l (cos θ)
X
l =0

Devemos agora aplicar as condições de


contorno, que para este problema são:

+V 0 ≤ θ ≤ π/2
φ (r, θ) =
−V π/2 < θ ≤ π

Para determinar os coeficientes A l , usaremos as condições de contorno e a relação de


ortogonalidade dos polinômios de Legendre. Para isso, multiplicaremos o potencial elé-
trico em r = a por uma polinômio de Legendre arbitrário, de grau l 0 , e o integraremos ao
longo de θ:

π π
" #
Z Z ∞
l
d θ sin θP l 0 (cos θ) φ (a, θ) = d θ sin θP l 0 (cos θ) A l a P l (cos θ)
£ ¤ X
0 0 l =0

Note que se definimos u = cos θ, então d (cos θ) = −d u, e θ = 0 → u = 1 e θ = π → u = −1,


de modo que podemos escrever
Z 1 ∞ Z 1
l
φ (a, u) P l 0 (u) d u =
X
Al a P l 0 (u) P l (u) d u
−1 l =0 | −1 {z }
2
= δl l 0
2l + 1

5
ou seja,

2 0
Z 1

0
Al 0 al = φ (a, u) P l 0 (u) d u
2l + 1 −1
2l + 1 1 1
Z
∴ Al = φ (a, u) P l (u) d u
2 a l −1
·Z 1 Z 0 ¸
2l + 1 1
= V P l (u) d u − V P l (u) d u
2 al 0 −1

pois φ (a, u) = −V se −1 ≤ u ≤ 0 e φ (a, u) = V se 0 ≤ u ≤ 1. Escrevendo a segunda inte-


gral com o mesmos limites de integração da primeira (isto é, fazendo u → −u na segunda
integral):
2l + 1 1
Z 1
Al = V [P l (u) − P l (−u)] d u
2 al 0

E aplicando a relação de paridade citada no início do capítulo: P l (−x) = (−1)l P l (x):


Z 1h
2l + 1 1 i
Al = V P l (u) − (−1)l P l (u) d u
2 al 0
Portanto, 
0 l par
Al = R1
1
(2l + 1)
al
V 0 P l (u) d u l ímpar

Assim, os dois primeiros termos não nulos serão explicitamente

V 1 3V
Z
A1 = 3 ud u =
a 0 2a
V 11¡ 3 7V
Z
¢
A3 = 7 3 5u − 3u d u = − 3
a 0 2 8a

e
3 ³r ´ 7 ³ r ´3
φ(r, θ) = V P 1 (cos θ) − V P 3 (cos θ) + ...
2 a 8 a
Exercício: Resolva o potencial do problema anterior na região fora da casca esférica.

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Semiesfera condutora com potencial xo
Suponha uma semiesfera condutora de
raio a, mantida sobre um potencial V , e um z
disco condutor região equatorial aterrado.
Na interface entre os dois condutores é co-
locado um anel isolante, como mostrado +V
na figura. a
Pela simetria do problema, notamos que
o potencial no interior dessa semiesfera
deve ser igual ao obtido no exercício ante-
V=0
rior.
Para demonstrar isso matematicamente, devemos repetir o mesmo procedimento do
exercício anterior, ou seja, após exigir regularidade na origem, teremos que


φ(r, θ) = A l r l P l (cos θ)
X
l =0

onde a condição de contorno é V (r = a, θ) = V , com 0 ≤ θ ≤ π/2. Multiplicando os dois


lados da equação do potencial por P l 0 (cos θ) sin θ e integrando em θ na região 0 ≤ θ ≤ π/2
com r → a:

Z π/2 ∞ Z π/2
l
φ (a, θ) P (cos θ) sen θd θ = P l 0 (cos θ) P l (cos θ) sen θd θ
X
l0 Al a
0 l =0 0

Z 1 ∞ Z 1
l
X
∴V P l 0 (u) d u = Al a P l 0 (u) P l (u) d u
0 l =0 0

Vamos analisar com cuidado a integral do lado direito da equação, para l 6= l 0 , temos a
seguinte identidade:

1 P l (0)P l 0 (0)0 − P l 0 (0)P l0 (0)


Z
P l 0 (u) P l (u) d u =
0 l 0 (l 0 + 1) − l (l + 1)

onde ( 0 ) nos polinômios indica derivada com relação à x. (Cuidado! O apóstrofo no índice
l não indica derivada alguma!).

7
Substituindo essa relação na nossa expressão integral, encontramos:

1 ∞ P l (0)P l 0 (0)0 − P l 0 (0)P l0 (0)


Z
Al a l
X
V P l 0 (u) d u =
0 l =0 l 0 (l 0 + 1) − l (l + 1)

Com mais a seguinte relação:


Z 1 1 d P m (x)
P m (x)d x = ,
0 m(m + 1) d x

encontramos:
£ 0 0 ¤R 1 0 R1 0
Z 1 ∞
X l
P l (0) l (l + 1) + l (l + 1) − l (l + 1) 0 P l 0 d u − P l 0 (0) l (l + 1)
0 Pl d u
V Pl 0 d u = Al a ,
0 l =0 l 0 (l 0 + 1) − l (l + 1)

onde e os polinômios P n , com n = l , l 0 , são funções de u. Doravante, a menos de explicita


menção, os polinômios dependem sempre e apenas de u. Ainda é importantíssimo men-
cionar que o termo l (l + 1) − l (l + 1) é adicionado a posteriori sem qualquer alteração do
resultado.
Utilizando a expressão geral do nosso potencial, especificando o ponto (r, θ) = (a, 0), a
equação acima se simplifica para:
R1 R1

X l
P l (0) 0 P l 0 (u)0 d u − P l 0 (0) 0 P l0 (u)d u
A l a (l + 1) = 0.
l =0 l 0 (l 0 + 1) − l (l + 1)

Como l 6= l 0 , a única forma dessa expressão se cancelar é se l e l 0 forem ímpares. Com o


auxílio em um livro de tabelas e relações de polinômios de Legendre 1 , a integral do produto
dos P n para índices ímpares é não nula apenas se l = l 0 , resultando em um simples fator
1/(2l + 1). Com isso o somatório do lado esquerdo se reduz à um único termo, e é fácil
encontrar:

V
Z 1
A l = (2l + 1) P l (u) d u ∀l ímpar
al 0

isto é, a mesma relação para os coeficientes da solução geral de Laplace do problemas an-
terior.

1
Abramowitz, M. and Stegun, I. A, Handbook of Mathematical Functions with Formulas, Graphs, and Mathe-
matical Tables, 9a Edição, New York: Dover, 1972; em "Legendre Functions"and "Orthogonal Polynomi-
als."Cap. 22.

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Casca esférica com distribuição de carga
Tomemos uma casca esférica de raio a com uma certa distribuição de cargas dada por
σ = σ (θ). Desejamos resolver o potencial elétrico originário dessa distribuição de cargas
em todo espaço. É claro que em eletrostática sempre podemos calcular

σ~
¡ 0¢
1 r
Z
r)=
V (~ dS
4π²0 casca |~ r 0|
r −~
mas resolver por separação de variáveis costuma ser mais simples. Para tanto, precisamos
inicialmente, resolver em duas regiões separadamentes: dentro e fora da casca esférica.
Utilizando a solução geral do potencial para o caso de simetria azimutal, e aplicando as
condições de regularidades (em r → 0 para o potencial dentro da casca, e r → ∞ para o
potencial fora da casca), obtemos

• Dentro da casca: φ(r, θ) = A l r l P l (cos θ)


P∞
l =0

Bl
• Fora da casca: φ(r, θ) = (cos θ)
P∞
P
l =0 r l +1 l

Da exigência que o potencial precisa ser contínuo em r = a, podemos relacionar os valores


de A l e B l :

∞ ∞ B
l
A l a l P l (cos θ) = P l (cos θ)
X X
l =0 l =0 a l +1
e da ortogonalidade dos polinômios de Legendre, obtemos diretamente que

Bl
Al al = ∴ B l = A l a 2l +1
a l +1
Alem disso, devemos aplicar a condição de contorno que relaciona o potencial com a
densidade de carga. Como a normal da nossa superfície é o próprio versor radial, temos

σ
(E ⊥fora − E ⊥dentro )|r =a =
²0
então
∂Vfora ∂Vdentro ¯¯ σ (θ)
µ ¶¯
− + =
∂r ∂r ¯
r =a ²0
Ou seja,

9
∞ A l a 2l +1 ∞ σ (θ)
P l (cos θ) + l A l a l −1 P l (cos θ) =
X X
(l + 1)
l =0 a l +2 l =0 ²0
∞ σ (θ)
(2l + 1) A l a l −1 P l (cos θ) =
X
l =0 ²0

E para encontrar os coeficientes A l , aplicamos a relação de ortogonalidade, como feito


anteriormente:

1
Z π
Al = σ (θ) P l (cos θ) sin θd θ
2²0 a l −1 0

Exercício: Resolva o problema da casca esférica carregada com uma distribuição super-
ficial de cargas σ (θ) = 3E 0 cos θ.

10

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