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Wanderley Nunes

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EDITORIAL
N esta edição, em especial, dedicamos a atenção a dois grandes temas, os direitos
indígenas e as mudanças climáticas.
Em relação aos direitos indígenas, é preciso reconhecer que o dia 19 de abril
A REVISTA CIDADANIA & MEIO AMBIENTE
É UMA PUBLICAÇÃO DA CÂMARA DE CULTURA é uma data que comemora um consenso oco, porque os indígenas nada têm a
EM PARCERIA COM A CORTEZ CONSULTORIA,
ASSESSORIA E REPRESENTAÇÕES
comemorar.
CNPJ Nº 56.798.390/0001-41 Os episódios de violência anti-indígenas são frequentes e, mesmo assim,
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pouquíssimo divulgados pela grande mídia e praticamente ignorados pela maioria
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Celulares (21) 98197-6313 / 98549-1269 da população.
cultura@camaradecultura.org O histórico do MS, por exemplo, fala por si mesmo e precisamos nos esforçar na
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denúncia da manutenção da herança genocida, bem como cobrar que as apurações
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Armazem Eventos e Publicidade desses continuados crimes também identifiquem os mandantes, os contratantes
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atendimento@armazemeventos.com.br dos pistoleiros de aluguel.
No EcoDebate e na Revista Cidadania & Meio Ambiente, em razão de nosso

Cidadania & Meio Ambiente


compromisso com os movimentos sociais e populares, mantemos pauta
permanente sobre os conflitos no campo e as questões indígenas, quilombolas e
de reforma agrária.
Também nos sentimos como vozes isoladas, mas, nem por isso, deixaremos
DIRETORA EXECUTIVA: Regina Lima
regina@camaradecultura.org de informar, discutir e debater esses assuntos, porque sabemos que nossos(as)
EDITOR: Henrique Cortez
henrique@camaradecultura.org leitores(as) são conscientes e informados, igualmente comprometidos com um
SUBEDITORA: Ana Lúcia Prôa
anaproa@camaradecultura.org outro Brasil possível e necessário.
EDITOR DE ARTE: Sidney Ferreira
Quanto ao clima, não existe resposta simples para problemas complexos e isso
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO: Achim Steiner, Amanda Rossi
Mascaro, BBC Brasil, Chris Bueno, também é verdade em relação ao aquecimento global e as consequentes mudanças
Cintia Moreira Marciliano da Costa, Clarissa Neher, ComCiên-
cia, Damian Carrington Blog, climáticas.
Daniela Chiaretti, Eduardo Mendonça, Grida-Arendal, IHU On-
Line, Ivo Lesbaupin, Leandra de Mattos Spezzano, Manuela O aquecimento global, como já noticiamos e informamos em diversas edições, é
Carneiro da Cunha, Marcus Eduardo de Oliveira, Moisés de
Souza Modesto Júnior, Nádia Pontes resultado da interação de inúmeros fatores, razão pela qual só poderá ser reduzido
pela ação combinada de várias medidas de controle.
O desenvolvimento tecnológico, a capacidade de investimento e a solidez
industrial e econômica permitirão que uns poucos países (alguns dos mais
desenvolvidos) possam enfrentar as perdas econômicas – financeiras decorrentes dos
desastres climáticos. Pelo menos por algum tempo. Os países em desenvolvimento
Visite o portal EcoDebate
www.ecodebate.com.br e os subdesenvolvidos sofrerão mais intensamente, com maiores perdas de vidas e
Uma ferramenta de incentivo ao
conhecimentoe à reflexão através maiores danos, em uma versão ainda mais aterrorizante do que crescentemente já
de notícias, informações, artigos
de opinião e artigostécnicos, sempre acontece.
discutindo cidadania e meio
ambiente, de forma transversal e analítica. Mas, qualquer que seja o cenário, até o final do século XXI, todo o planeta estará
Cidadania & Meio Ambiente também pode
ser lida e/ou baixada em pdf no portal sofrendo as consequências do aquecimento global, incluindo a desertificação de,
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pelo menos, 1/4 da superfície terrestre.
A Revista Cidadania & Meio Ambiente não O argumento de que as medidas mitigadoras do aquecimento global e a
se responsabiliza pelos conceitos e opiniões
emitidos em matérias artigos assinados. redução das emissões de gases estufa implicariam em pesados custos econômicos
Editada e impressa no Brasil. é estúpido porque esse custo será pago de uma forma ou de outra. A diferença é
que, no futuro, nossos descendentes estarão pagando muito mais caro para apenas
tentar sobreviver.
CAPA: Se nossa irresponsabilidade continuar, acabaremos com a natureza tal como
Tomaz Silva/Agência Brasil
ainda conhecemos. Mas a história do planeta demonstra que a natureza encontrará
uma alternativa, porque, mesmo com vários episódios de extinções maciças, a
natureza sempre recomeçou.
Não temos mais tempo a perder com muita falação e pouca ação ou nossa
A Revista Cidadania &
Meio Ambiente também negligência condenará as próximas gerações a sobreviver em um planetinha hostil.
pode ser lida e/ou baixada
em pdf nos portais www.
camaradecultura.org e
www.ecodebate.com.br Henrique Cortez
Editor

www.camaradecultura.org Cidadania & Meio Ambiente 3


Cidadania & Meio Ambiente

6 Kaiowá e Guarani
Os povos dessas tribos, que vivem na Terra
Indígena de Dourados, em Mato Grosso
do Sul, sofrem com a omissão do Estado e
enfrentam problemas gravíssimos, como
violência, falta de moradia, carência de
água e discriminação.

12 Aldeias urbanas
Conheça os povos indígenas que resistem
ao crescimento do estado de São Paulo.
Pouco menos de 6 mil índios vivem em
terras próprias. A maioria (quase 38 mil) se
encontra nas cidades paulistas, precisando
adequar suas culturas.

15 Nutrição
Aumenta o número de índios com
diabetes e hipertensão. Um estudo
mostra que a culpa está no sedentarismo
e na dieta. Além de não se aventurarem
mais em matas, eles estão trocando sua
saudável dieta tradicional por produtos
industrializados
ABR
SUMÁRIO
Nº 51_ANO IX_2014

20 Aquecimento global
Um relatório da ONU sobre mudanças climáticas
revela que a temperatura pode subir ainda
mais. Virão ondas de calor, furacões, inundações,
variações bruscas entre dias quentes e frios,
30 Mudanças climáticas
A segurança hídrica da América do Sul e da Central
está correndo sério risco. Um relatório mostra que as
alterações na temperatura terão impacto direto em
setores que dependem de água, como o de geração
etc. É preciso pensar em adaptações de energia hidrelétrica e a agricultura.
a essas mudanças.

24 Cyberbullying
Os noticiários mostram, cada vez mais, casos
de jovens que se matam após a exposição de
suas vidas íntimas nas redes sociais. O tema
virou estudo de uma ONG que trabalha no
enfrentamento de crimes e violações aos
Direitos Humanos na Internet.

28 Poluição do ar
Está havendo um aumento enorme do número
de mortes devido a doenças provocadas pela má
qualidade da atmosfera. E os governantes nada
fazem para mudar essa realidade. A situação é tão 32 Agricultura
Um grupo de cientistas analisou 94 estudos e
concluiu que os métodos de cultivo orgânico
grave que deveria virar caso de polícia. aumentam em 34% o número de espécies. Isso
significa um terço a mais do que é obtido nas
fazendas que usam recursos convencionais.

Perigo à vista: os jovens

33
não estão tendo cuidado
com o conteúdo que Inovação
FOTOS: STOCK IMAGES E INGIMAGES

divulgam nas redes sociais. Em Londres, túneis usados na Segunda Guerra


Mundial ganham ares de fazendas subterrâneas.
Graças a um projeto futurista, chamado Growing
Undergound, hortaliças estão sendo cultivadas
nesses espaços, em um projeto totalmente
sustentável.

34 Efeito estufa
Segundo um relatório da ONU, as atividades
industriais do ser humano têm sido a causa
dominante das mudanças climáticas globais
desde meados do século XX e das concentrações
atmosféricas de gases que contribuem para o
aquecimento.
CAPA

A TRAGÉDIA COLETIVA DOS

KAIOWÁ
E GUARANI
Na Terra Indígena de Dourados, no Mato Grosso do Sul, há violência, falta de moradia,
carência de água, discriminação e muitos outros problemas. É um drama com proporções assustadoras,
cuja culpa pode ser resultado da omissão do Estado.

“M esmo atendendo aos requisitos do Ministério da


Saúde, a qualidade da água distribuída a 40 milhões
brasileiros, moradores de 20 capitais, ainda preci-
sa melhorar muito. É o que revela uma pesquisa realizada
tos à truculência dos fazendeiros, que têm agido de forma
intransigente”.
Na entrevista a seguir, Pimentel lembra que os conflitos
decorrem de ações do Estado, que favoreceram a amplia-
pelo Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas ção do complexo agroindustrial em terras tradicionalmen-
Avançadas (INCTAA), sediado do Instituto de Química (IQ) da te consideradas indígenas. “Diversas multinacionais impor-
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que avaliou tantes, as maiores do mundo em seus setores de atuação,
mananciais e a água que sai das torneiras. A principal preo- estão instaladas ou atuam ali de alguma forma (com plan-
cupação, de acordo com o pesquisador Wilson Jardim, são os tas industriais, fornecendo insumos e equipamentos, ou fi-
chamados interferentes endócrinos, substâncias que afetam nanciando, comprando e transportando a produção): Bun-
o sistema hormonal de seres humanos e animais. ge, Cargill, ADM, Monsanto, Syngenta, JBS Friboi, BR Foods,
A violência na Terra Indígena de Dourados é, talvez, um etc. Esse complexo sempre contou com amplo apoio do
dos fatos mais gritantes a demonstrar que o Estado brasi- governo brasileiro, em vários níveis, na forma de financia-
leiro errou, e errou feio, em suas relações com os Kaiowá mentos e todo tipo de subsídio direto ou indireto”, relata. E
e Guarani ao longo das últimas décadas”, diz o antropólo- acrescenta: “O resultado dessa política de Estado foi desas-
go Spensy Pimentel, ao comentar as recorrentes situações troso. Em poucos anos, essas aldeias indígenas passaram a
de conflitos entre indígenas e não indígenas que vivem no ostentar altos índices de suicídios, assassinatos e mortes de
Mato Grosso do Sul. crianças por desnutrição – um sintoma extremo da fome,
Hoje, os Guarani e Kaiowá somam aproximadamente 50 da insegurança alimentar generalizada. Para fugir desse
mil pessoas divididas em 30 terras indígenas e em pouco ambiente, os indígenas passaram a entrar em conflito com
mais de 30 acampamentos localizados na beira das estradas os fazendeiros, e sobreveio mais violência”.
e nos fundos das fazendas. Mas os índices de violência estão Spensy Pimentel é professor de Etnologia Indígena na
concentrados na Terra Indígena de Dourados, na qual em Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Em
torno de 15 mil índios dividem um espaço de 3,5 mil hec- 2013, realizou pesquisa de campo na Terra Indígena de
tares. Segundo o antropólogo, que conviveu com os indíge- Dourados, justamente na reserva Kaiowá e Guarani, que
nas nas reservas, eles “enfrentam a falta de perspectivas, em ostenta os piores índices de violência. Como pesquisador e
função da crônica falta de espaço e da incompetência e da jornalista, acompanha a situação dos Kaiowá e Guarani há
negligência dos governos locais e federal. Nos acampamen- mais de 15 anos. Veja suas impressões sobre a situação na
tos, aonde vão quando sua paciência se esgota, ficam sujei- entrevista a seguir.

6 Cidadania & Meio Ambiente www.camaradecultura.org


ANTONIO CRUZ/ AGÊNCIA BRASIL

“As crianças vão sendo salvas da desnutrição


pelos programas sociais, para depois crescerem e
morrerem assassinadas ou se suicidarem?”
www.camaradecultura.org Cidadania & Meio Ambiente 7
CAPA

ENTREVISTA

REPRODUÇÃO FLICKR
Spensy Pimentel
“FALTA SENSIBILIDADE E
SOBRA PRECONCEITO COM A
SITUAÇÃO DOS INDÍGENAS.”
Considerando o espaço territorial do Mato Grosso do Sul, em que ter-
ritório os índios Guarani Kaiowá estão localizados? Como descreve o
ambiente em que eles vivem?
Os Kaiowá e Guarani do Mato Grosso do Sul já devem somar, hoje,
quase 50 mil pessoas – eram 43,4 mil em 2010, segundo o IBGE. Vivem
em 30 terras indígenas e em cerca de 30 acampamentos – alguns deles
em beira de estrada, outros ao lado de matas, nos fundos de fazendas da
região. A terra que ocupam é absolutamente insuficiente para eles: hoje O antropólogo
são pouco mais de 40 mil hectares. Pimentel
Os acampamentos representam um fenômeno político que existe conviveu com
desde o final da ditadura militar: esses indígenas se recusaram a ser con-
indígenas nas
reservas.
finados em reservas pequenas, arbitrariamente demarcadas pelo Servi-
ço de Proteção aos Índios (SPI) no início do século XX – ao todo, eram
oito reservas, somando em torno de 18 mil hectares. Essas famílias que perspectivas, em função da crônica falta de espaço e da incompetência
estão acampadas não reconhecem as reservas como “sua terra” e reivin- e negligência dos governos locais e federal. Nos acampamentos, aonde
dicam a devolução de áreas de onde suas famílias foram retiradas à força. vão quando sua paciência se esgota, ficam sujeitos à truculência dos fa-
Por que eles foram expulsos dos locais que habitavam? É que o sul zendeiros, que têm agido de forma intransigente: querem resolver na
do Mato Grasso do Sul, por onde eles se espalham, desde os anos 1970 base da violência ou nos tribunais um grave problema social, que não vai
é uma região totalmente tomada pelo complexo agroindustrial relacio- se extinguir na bala, nem com a canetada de um juiz.
nado a culturas como a soja, a cana e o milho, além da criação de gado
bovino, porcos, frangos e peixes. Diversas multinacionais importantes, as Também existem conflitos entre os indígenas?
maiores do mundo em seus setores de atuação, estão instaladas ou atu- Às vezes, representantes da elite sul-mato-grossense chegam a
am ali de alguma forma (com plantas industriais, fornecendo insumos afirmar que o Estado e o povo brasileiro não têm responsabilidade pelo
e equipamentos, ou financiando, comprando e transportando a produ- que acontece nas aldeias do sul do Mato Grosso do Sul. Eles usam dados
ção). Entre elas, estão: Bunge, Cargill, ADM, Monsanto, Syngenta, JBS Fri- sobre os índices de violência nas aldeias para sustentar que os crimes são
boi, BR Foods, etc. Esse complexo sempre contou com amplo apoio do praticados entre os próprios índios, por isso não há o que fazer.
governo brasileiro, em vários níveis, na forma de financiamentos e todo Isso, além de cinismo, é uma completa falta de visão histórica. Como
tipo de subsídio direto ou indireto. explicar a coincidência de que os altos índices de violência e problemas
sociais tenham aparecido nas aldeias exatamente quando se completou
A que o senhor atribui a notícia de que a área onde está localizada a o processo de confinamento das comunidades, no período da ditadura?
reserva indígena dos Guarani Kayowá de Dourados é uma das mais O mais absurdo é que quem está lavando as mãos em relação a esse
violentas do país? problema é a elite de um estado que está absolutamente enriquecido,
A violência na Terra Indígena de Dourados é, talvez, um dos fatos nos últimos anos, pelos altos lucros proporcionados pelo agronegócio.
mais gritantes a demonstrar que o Estado brasileiro errou, e errou feio,
em suas relações com os Kaiowá e Guarani ao longo das últimas déca- Esses problemas são responsabilidade de quem?
das. Em tempos de autoritarismo, o país impôs para esses indígenas a ida É bom que se diga: há erros que não são apenas do Estado. As gran-
às reservas que haviam sido demarcadas pelo SPI – sem nenhum diálo- des empresas multinacionais, como eu mencionava, são um dos pilares
go, é bom lembrar. desse complexo agroindustrial. As igrejas protestantes atuaram como li-
O resultado dessa política de Estado foi desastroso: em poucos nha auxiliar no processo de confinamento, a partir de uma ideologia que
anos, essas aldeias indígenas passaram a ostentar altos índices de sui- associa a conversão ao “progresso” individual e coletivo – o que, além
cídios, assassinatos e mortes de crianças por desnutrição – um sintoma de uma política etnocêntrica e etnocida, é até hoje aplicado, às vezes
extremo da fome, da insegurança alimentar generalizada. Para fugir des- de forma violenta, pois muitas pessoas que são adeptas do xamanismo
se ambiente, os indígenas passaram a entrar em conflito com os fazen- entre os Kaiowá e Guarani sofrem há muito tempo perseguição dos con-
deiros, e sobreveio mais violência. vertidos.
Nem nas reservas, nem nos acampamentos, os Kaiowá e Guarani A universidade, o meio acadêmico, também tem sua parcela de res-
têm tido sossego nas últimas décadas. Nas reservas, enfrentam a falta de ponsabilidade, é claro, mas, pelo menos, até onde vejo, é um dos setores

88 CiCiddadani
adaniaa&&MeiMeiooAmbi
Ambieentente www.camaradecultura.org
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“Às vezes, representantes da elite sul-mato-grossense chegam
a afirmar que o Estado e o povo brasileiro não têm responsabilidade
pelo que acontece nas aldeias do sul do Mato Grosso do Sul.”
que mais enfrenta essa dívida histórica que temos com esses povos (até o que se tem é somente o policiamento emergencial que vem sendo
por isso, somos perseguidos). Outros setores, declaradamente, preferem praticado pela Força Nacional de Segurança Pública – em missão tem-
negar até mesmo que exista qualquer pendência. porária na região. A ação da Força Nacional não é suficiente para coibir a
Como essa elite que nega a existência do problema ocupa os cargos violência e os crimes. Para que se tenha ideia da dimensão do problema:
mais importantes no Estado, em nível regional, chegamos ao atual qua- segundo o MPF, havia até mesmo uma orientação da administração es-
dro, em que os avanços são lentos, e frequentemente temos a sensação tadual para que o telefone 190 não desse resposta a ligações oriundas
de estar dando voltas sem chegar a lugar nenhum. Por exemplo, no que das comunidades indígenas. Uma decisão judicial já determinou a ilega-
tange à segurança nas aldeias Kaiowá e Guarani, e falando de Dourados, lidade dessa orientação, mas a situação de descalabro persiste. Recente-
especificamente, é bom lembrar que a situação ali existente – quase 15 mente, a Justiça ordenou que a Polícia Federal destaque um contingente
mil pessoas morando em pouquíssimo espaço, 3,5 mil hectares – é uma para policiamento nesses locais, mas isso não vai resolver o problema.
novidade absoluta para os indígenas como povo. Um agravante para os Os índices de violência em lugares como a Terra Indígena de Dou-
problemas é que na Terra Indígena de Dourados não são só dois grupos, rados são, sim, o resultado de uma omissão do Estado, que envolve
mas três: os Kaiowá, os Guarani e os Terena. Estes últimos têm alguns prefeituras e os governos estadual e federal. Todos têm sua parcela de
traços culturais muito distintos dos Kaiowá e são predominantemente responsabilidade.
evangélicos. Por isso, além de conflitos culturais, há também problemas
que, poderíamos dizer, têm cunho religioso. Segundo dados do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de
Estamos falando de uma das dez terras indígenas mais populosas Mato Grosso do Sul, entre 2007 e 2013, foram registradas 487 mortes
do país. É muito difícil administrar no dia a dia a quantidade de proble- violentas de índios, sendo 137 por homicídio. Quais são as principais
mas que surgem da convivência de tanta gente. É um fato que, “em casa causas de morte dos indígenas no Mato Grosso do Sul? O que esses
onde não tem pão, todo mundo briga e ninguém tem razão”, como já dados revelam, considerando a população indígena que vive em
dizia o ditado. Frequentemente, em função disso, as próprias lideranças Dourados?
familiares demandam ajuda policial. Revelam, principalmente, que se trata de uma população margina-
Há muito tempo se discute a necessidade de trabalho policial nas lizada, extremamente vulnerável. A extensão do problema é o que mais
aldeias do Mato Grsso do Sul, sobretudo nas reservas. Um acordo entre o espanta: são centenas e centenas de mortes nos últimos anos.
governo federal e o estadual para instalar um plano nesse sentido é ne-
gociado há anos, sem resultados. O Ministério Público Federal (MPF) tem A quantidade de tragédias familiares que se acumulam é impressio-
tentado cobrar responsabilidade do estado e da União, mas, até agora, nante. Há famílias com histórias terríveis, vários filhos perdidos em
ANTONIO CRUZ/ AGÊNCIA BRASIL

Em outubro de 2012,
aconteceu em Brasília o Fórum
Direitos e Cidadaniana Visão
de Crianças e Adolescentes
Guarani Kaiowá.
O encontro foi promovido pelo
Conselho Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente
(Conanda) e pela
Ong Imagem da Vida.

9
CAPA

ENTREVISTA

Spensy Pimentel
função da violência. Como alguém certa vez me questionou: as crian- repassados pelo Governo Federal, mas esse trabalho quase nunca é fei-
ças vão sendo salvas da desnutrição pelos programas sociais, para to devidamente, no tempo correto. O resultado é que se dificulta muito
depois crescerem e morrerem assassinadas ou se suicidarem? a autonomia das comunidades.
Há muita negligência, não só em relação à segurança, mas a quase
todas as políticas públicas. Por exemplo, fala-se muito da violência na Os crimes que ocorrem em Dourados também envolvem o consumo
Terra Indígena de Dourados, mas quem sabe que em boa parte dessa de álcool e drogas?
reserva falta água potável às pessoas? Recentemente, visitei pessoas em Sim, há álcool e drogas, comercializados no entorno e também
cujas casas a água não chegava havia mais de 40 dias. É um problema no interior da Terra Indígena, segundo investigações têm demonstra-
crônico e antigo. do. Essas substâncias são um catalisador, muitas vezes, isso é fato, mas
Existe todo um conjunto de fatores que faz com que a vida em lu- jogar a responsabilidade pela violência sobre elas é um erro – e um
gares como a Terra Indígena de Dourados seja terrível para boa parte das preconceito.
famílias indígenas. Os jovens se revoltam com essa falta de condições de As famílias nas quais se faz uso abusivo de álcool e drogas estão
vida. Estão perto da cidade, os brancos lhes esfregam no nariz a riqueza vivendo uma série de outros problemas, que são os que, frequente-
que acumulam a partir das terras que tomaram de seu povo. E, como mente, fazem com que as pessoas apelem para o alívio temporário
tem acontecido com jovens das periferias nos shoppings em São Paulo trazido por essas substâncias. Na casa dessas pessoas, muitas vezes,
e no Rio de Janeiro, se eles vão tentar consumir, um pouco que seja, fre- falta água, falta comida, falta gás para cozinhar, falta trabalho digno,
quentemente são discriminados. A escola ajuda a disseminar padrões de falta saúde. Muita gente não tem nem documentos. É o cúmulo da
comportamento e consumo que são incompatíveis com a vida rural e a contradição: as pessoas que enfrentam as piores condições de vida
cultura indígena. Muitas igrejas evangélicas, em vez de pregar o amor nas aldeias não conseguem acessar os programas sociais porque as
de Cristo, pregam o ódio e o medo, incentivam os próprios indígenas a prefeituras lhes pedem uma lista imensa de documentos como pré-
desprezar suas práticas ancestrais. -condição para serem cadastradas. O resultado é a exclusão dos que
A revolta é tão grande que muitos jovens têm se inspirado no rap mais necessitam de ajuda. E as pessoas vão colocar a culpa no álcool
feito na periferia de São Paulo para expressar o que sentem. Em suma, e nas drogas?

“As pessoas falam muito da violência na Terra Indígena de Dourados, mas


quem sabe que, em boa parte dessa reserva, falta água potável às pessoas?”
essa é a tragédia coletiva dos Kaiowá e Guarani que nós, brasileiros, aju- Desde o período em que vivem na aldeia em Dourados, os Guarani
damos a construir, voluntária ou involuntariamente. Kayowá perderam terras que haviam sido demarcadas?
Perderam terras que não foram demarcadas e terras que haviam
Qual a atual situação de assistência à saúde aos indígenas que resi- sido prometidas pelo próprio Marechal Rondon, conforme os mais an-
dem no Mato Grosso do Sul? tigos contam.
Há poucas semanas, os funcionários indígenas da saúde em Dou-
rados fizeram marchas e bloqueios contra a falta de condições de traba- Quais são as terras que os indígenas reivindicam no Mato Grosso do
lho. Na Terra Indígena de Dourados, por exemplo, os agentes de saúde Sul? Que percentual territorial do estado elas representam?
atendem até cem famílias cada um. O ideal, segundo lideranças do setor Isso é importante, porque existe uma campanha naquela região
de saúde, seria atender 60. Também faltam remédios e veículos, e equi- que espalha inverdades sobre essa questão. Os Kaiowá e Guarani rei-
pamentos estão obsoletos. vindicam uma porção de terra que, segundo cálculos preliminares, é de
Outro problema é a segurança alimentar. A boa alimentação, como cerca de 2% do estado. Havia quem dissesse que eles reivindicavam até
se sabe, é a base de qualquer política de saúde preventiva. Falta uma um terço dos 35,7 milhões de hectares do Mato Grosso do Sul, o que,
política integrada, que coordene a interação entre programas sociais e absolutamente, não corresponde à realidade.
o apoio à agricultura familiar. Há vários anos, o que se vê é a distribuição Para que se conheça o total exato das terras reivindicadas e seu pe-
emergencial de cestas básicas, uma política de acesso aos programas rímetro, a Funai tem de publicar os vários relatórios de identificação que
sociais, mas o que mais faz falta é um apoio consistente às roças para foram iniciados em 2008, após pressão do MPF. Esse trabalho de análise
produção de alimentos. dos relatórios está atrasado, e tudo indica que o Ministério da Justiça
Os Kaiowá e Guarani têm, em suas terras, um problema sério com paralisou o processo de reconhecimento de terras indígenas em todo
capins invasores, trazidos pelos colonos não indígenas. Alguns formam o país, após pressão dos ruralistas no início de 2013. Isso é muito grave,
touceiras de mais de dois metros de altura, com raízes fortíssimas, que in- pois a demora em resolver a situação em lugares como o Mato Grosso
viabilizam o trabalho manual na roça sem apoio mecanizado. Hoje, cabe do Sul e a Bahia pode gerar novas tragédias.
às prefeituras preparar a terra nas aldeias, usando tratores e óleo que são Há, ainda, o caso Terena, que é a segunda maior população indíge-

10 CiCiddadani
10 adaniaa&&MeiMeiooAmbi
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Na foto, a ministra Maria
do Rosário, da Secretaria
de Direitos Humanos,
ouviu um dos índios que
participou do evento.

na do estado. Aí, além de algumas terras de extensão já


conhecida, como o Buriti, onde morreu o professor Oziel
Gabriel, em maio de 2013, também há outras terras que
ainda precisam ser identificadas.
De qualquer forma, isso não aumenta muito a esti-
mativa que trouxemos, a ponto de “ameaçar a economia
do estado”, como alguns, falsamente, apregoavam.

Os indígenas reivindicam a demarcação de suas terras


tradicionais. Por outro lado, os fazendeiros e produtores rurais do o grupo permaneça em algum pedaço de terra até que a negociação
MS alegam que receberam ou compraram as terras da União. Diante toda seja concluída, querem tirá-la por decisão judicial, fazê-la voltar para
desse conflito, qual seria a melhor maneira de solucionar a questão? a beira da rodovia, onde mais desgraças podem acontecer. É um pode-
A melhor maneira, evidentemente, é sentar e conversar, para que rio econômico completamente insensível esse dos fazendeiros do Mato
se chegue a um acordo. Já houve alguns avanços, mas os fazendeiros Grosso do Sul.
seguem agindo de forma intransigente e truculenta. Basta ver que, no No acampamento de Pyelito Kue, aquele que ficou famoso em 2012,
fim de 2013, fizeram um leilão para arrecadar fundos que, conforme em função da carta que foi tomada como uma ameaça de suicídio coleti-
inicialmente divulgado na imprensa, seriam usados para reforçar a de- vo, as crianças estão há dois anos sem escola. No Guairivy, onde foi morto,
fesa das fazendas – inclusive com a contratação de homens armados. em 2011, o líder Nísio Gomes, as crianças têm aula dentro da casa de reza,
Os indígenas vinham aceitando o diálogo, mas, como os fazen- porque até agora o prédio da escola não foi construído. Os benefícios so-
deiros têm insistido em protelar as negociações, e a solução para os ciais, nesses lugares, têm sido suspensos por mera falta de atenção das
problemas está demorando a chegar, alguns grupos voltaram a rea- prefeituras. Falta sensibilidade e sobra preconceito com a situação dos
lizar ocupações de terra. Há, inclusive, uma ocupação bastante gran- indígenas entre os administradores locais na região.
de, na terra conhecida como Yvy Katu, em Japorã (MS), envolvendo O terceiro acordo necessário diz respeito às condições de vida nas
milhares de pessoas na operação. Se não houver muita habilidade aldeias onde a situação fundiária já está definida. Água, saúde, educação,
para resolver situações como essa, há risco de graves conflitos. Urge alimentação são direitos básicos, e eles não estão sendo garantidos em
chegar a acordos! muitas comunidades. Sobretudo, o apoio à agricultura tem sido absolu-
tamente negligenciado. Várias comunidades estão passando por proble-
Quais são os acordos necessários hoje no Mato Grosso do Sul? mas, o trabalho é inconstante e insuficiente.
Há um acordo que está sendo negociado hoje, envolvendo uma
lista de terras pelas quais o Governo Federal se compromete a pagar Em que medida a política indigenista aplicada no país contribui para
indenizações, reconhecendo a responsabilidade do Estado brasileiro aumentar os conflitos?
pelo descalabro que existe atualmente no estado. O movimento indí- O que mais contribui para aumentar conflitos é, principalmente, a
gena está negociando os termos desse acordo. É importante checar os não política indígena, a falta de políticas de um lado – a omissão do Go-
prazos, porque os conflitos no Mato Grosso do Sul só se acirram quan- verno Federal e também de governos estaduais e prefeituras. Essa não
do se tenta empurrar os problemas com a barriga. política tem a ver com o fato de que o Estado brasileiro tem dificuldade
Porém, existem outros dois acordos urgentes, sem os quais qual- em reconhecer os indígenas como atores políticos, em pensá-los como
quer negociação resultará incompleta. Primeiro, há os acampamentos parte do presente e do futuro do país. Há um setor da elite que não con-
indígenas, que são numerosos. É preciso encontrar uma forma de ga- seguiu absorver a ideia de que os indígenas são parte do país, sem preci-
rantir que esses grupos possam esperar os processos de demarcação sar abdicar de suas diferenças.
em condições dignas, sem ataques armados, sem a pressão psicológica É como se essas pessoas ignorassem a Constituição – que nem é tão
trazida pelas disputas judiciais e com o devido acesso aos seus direitos nova, já tem 25 anos! Ainda agem como se vivêssemos no tempo em que,
mínimos, como seres humanos e cidadãos brasileiros. Hoje, em grande para ser considerado cidadão, o sujeito tinha que falar português, cantar
parte dos acampamentos, mesmo os que estão a poucos quilômetros o Hino Nacional e ser batizado. As coisas mudaram, mas certos setores
da maior cidade da região, Dourados, não há água potável, nem acesso resistem a aceitar isso… Um indígena não deveria ser menos cidadão
à escola ou a programas sociais. Conheço famílias com até cinco, seis porque não quer falar português ou ser cristão. Infelizmente,, na prática,
crianças, todas sem documentos e fora da escola. O que há, somente, é por vias indiretas, muitas vezes a discriminação continua.
assistência à saúde e cestas básicas.
É uma covardia o que se está fazendo com o acampamento do
Artigo publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na so-
Apykai, por exemplo. Dona Damiana, a líder da comunidade, perdeu cialização da informação. IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas
seis familiares nos últimos anos, alguns deles em atropelamentos mais Unisinos (IHU), da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São
que suspeitos. Em vez de os fazendeiros negociarem para permitir que Leopoldo, RS.

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ALDEIAS URBANAS

ELZA FIÚZA/ARQUIVO ABR


SÃO PAULO TAMBÉM TEM

ÍNDIOS
No estado, vivem diversos povos indígenas que resistem mantendo viva
sua cultura e lutando para terem seus direitos respeitados. Sua presença na região
mais desenvolvida do país conflita com o imaginário bastante difundido,
que associa os índios a florestas distantes.
POR Bianca Pyl, da Comissão Pró-Índio de São Paulo

A
forte expansão urbana impacta o meio ambiente e o são diversos e afetam todo o modo de viver dos indígenas.
modo de vida dos índios no estado de São Paulo. Gran- “Os momentos das horas, os dias, mês, ano, tá passando rá-
de parte das terras indígenas do estado encontra-se pido, por que mexeu com yvy jokoa, mexeu com o sustento
cercada de áreas desmatadas e urbanizadas e muitas estão da terra, porque ela tá fora do eixo e não tá mais de pé. Agora
cortadas por rodovias, ferrovias e linhas de transmissão. No nós estamos vivendo por viver, porque agora tudo o que co-
litoral, a intensa atividade turística é outro fator que também memos tá contaminado. Nosso corpo virou química”, conta
pressiona as terras indígenas, inclusive por conta da especula- Mirim, um dos anciões da aldeia Piaçaguera.
ção imobiliária. Há, ainda, casos de exploração minerária. Segundo a professora e liderança indígena Ita Mirim, da
Esta é a situação da Terra Indígena de Piaçaguera, loca- Aldeia Tabaçu, antes da mineração “a mata era diferente, ti-
lizada em Peruíbe, litoral sul, onde vive uma população de nha uma riqueza muito grande de caça e frutos e de plantas
254 Tupi-Guarani. Os índios sofrem as consequências de medicinais. Então, ficamos com poucos recursos nessa parte
cinquenta anos de exploração pela Mineradora Vale do Ri- alimentar e cultural da caça”.
beira Indústria e Comércio de Mineração S/A. Atualmente, Além desses impactos, os índios sofrem também com a
10,5% da terra encontram-se desmatadas. falta de informação e diálogo entre os órgãos responsáveis
“Antigamente era tudo mato, uma mata alta, segundo os pela fiscalização e recuperação da área. Com isso, os índios
mais velhos. Agora só tem mato baixo, e fica difícil fazer nos- dependem de Plano de Recuperação de Áreas Degradadas
sas casas. A mineração dificulta a forma de viver como gos- (Prad), elaborado pelo minerador sem a participação da co-
taríamos”, afirma Awá Tenondeguá dos Santos, vice-cacique munidade. O plano foi aprovado pelo Ibama, em 2008, e já
da aldeia Piaçaguera. se encontra em execução. Contudo, os indígenas e a Funai só
foram informados este ano do fato, pela Comissão Pró-Índio
MODO DE VIDA AFETADO de São Paulo (CPI-SP). O órgão indigenista não tem atual-
Os impactos causados pela exploração de areia, que era mente nenhum projeto de recuperação previsto para a área.
utilizada para abastecer a indústria automotiva do estado, Em carta endereçada à Funai, os indígenas de Piaçaguera

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solicitaram a paralisação de qualquer trabalho de recupera- indígena um local mais adequado à vida dos índios, não os
ção até que o Prad seja apresentado a eles e esteja de acordo deixando na dependência do Prad para tanto”, disse Otávio
com o seu modo de vida. Penteado, assessor de Programas da Comissão Pró-Índio.
“A mineração chegou e derrubou tudo, e plantar de A Terra Indígena Piaçaguera é um exemplo de um terri-
novo não é mais o mesmo. Vai ter um tempo em que não tório sujeito a múltiplas pressões: além dos impactos da
vai dar mais nada. Vai ter muita qualidade de dinheiro, mineração, a terra é rodeada pelas cidades de Itanhaém e
mas da natureza, não. O branco fala: ‘Devastou lá, vamos Peruíbe, a área indígena é cortada por uma rodovia e sofre
plantar’. Quem que mandou mexer? Nascido da terra é com a invasão constante de turistas. A Terra Indígena foi de-
um, plantado é outro. Nascido da terra é uma coisa, plan- clarada em 2011 e está atualmente em processo de retirada
tado Nhanderu não gosta”, relata Mirim. de ocupantes não índios.
De acordo com Rodrigo Nacif, chefe do Serviço de Gestão
Ambiental e Territorial da Coordenação Regional Litoral Sul O DESAFIO DA DEMARCAÇÃO
da Funai, historicamente, a atividade mineradora foi respon- A situação de Piaçaguera demonstra como os povos in-
sável pela expulsão de várias famílias indígenas. “É inadmis- dígenas em São Paulo ainda têm um longo caminho para
sível que na situação atual, com a Terra Indígena Piaçaguera assegurar a efetividade de seus direitos. No estado, a demar-
declarada e demarcada, a recuperação da área degradada cação permanece como um desafio. “A última homologação
pela mineradora ocorra à revelia da Funai e dos indígenas”, de uma terra indígena em São Paulo (Terra Indígena Agua-
opina o antropólogo. peú) ocorreu há 16 anos!”, alerta Otavio Penteado, assessor
“A Comissão Pró-Índio tem levantado as informações de programas da CPI-SP. No estado, existem 17 terras em
sobre esse caso e as levado ao conhecimento dos índios, processo de demarcação (duas declaradas, uma identificada,
articulado com a Funai para que esse plano de recupera- e 14 em identificação) e há a informação de outras 16 sem
ção seja refeito e que este órgão também se responsabilize processo iniciado.
pela recuperação da área e se preocupe em tornar a terra Mais da metade das 29 terras indígenas em São Paulo

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ALDEIAS URBANAS

VIVENCIANAALDEIA.ORG/
Apenas 5.774 índios vivem
em terras indígenas no
estado de São Paulo.
Segundo o Censo, 37.915
estão em áreas urbanas.

não está demarcada como determina a Constituição Fede- ção da presidência para sua publicação”.
ral. “Esse é o maior problema hoje para os indígenas de São A ausência da demarcação deixa a população vulnerável.
Paulo”, na avaliação do líder indígena Timóteo Verá, mem- “Quando a terra ainda não está demarcada, ocorre a dificul-
bro da Comissão Guarani Yvyrupa, da Articulação dos Povos dade em acessar políticas públicas. Assim, essa aldeia não
Indígenas do Brasil (Apib) e Articulação dos Povos Indígenas vai ter escola e posto de saúde”, explica Timóteo Verá.
do Sudeste (Arpin Sudeste). Outro desafio é garantir a qualidade de vida em ter-
Otavio Penteado alerta ainda para a morosidade dos pro- ras, muitas vezes, sem as condições necessárias para a
cessos em andamento: “As 14 terras em identificação tive- reprodução física e cultural dos povos indígenas, como
ram seus processos iniciados em 2007 e 2010, ou seja, há observa Timóteo Verá: “Uma terra pequena não oferece
uma espera de até sete anos para a conclusão da etapa ini- grandes possibilidades de se viver tradicionalmente. Ín-
cial de identificação. Pelo que apuramos, grande parte dos g
dio vive de agricultura e gosta de fazer roça, e quando é
estudos de identificação foi concluída e aguarda a aprova- pequena traz problema.”
SAIBA MAIS

As terras indígenas estão localizadas em diversas regiões do estado de São Paulo, mas há uma concentração maior no litoral e no
Vale do Ribeira. A maior população nessas terras é do povo Guarani Mbya e Tupi-Guarani (Ñandeva). Os Kaingang, juntamente com os
Terena, Krenak, Fulni-ô e Atikum, ocupam três terras indígenas na região oeste do estado. A população que vive em terras indígenas é de
5.774 índios.
Há também uma grande população que vive fora de terras indígenas. Segundo o Censo de 2010, dos 41.981 índios vivendo no esta-
do de São Paulo, 37.915 encontram-se em áreas urbanas. A cidade de São Paulo é a cidade brasileira onde há mais índios que moram no
espaço urbano (11.918 pessoas) e, em sua região metropolitana, há, entre outras, uma grande quantidade de indígenas de etnias vindas
do Nordeste, como Pankarés e Pankarurus.

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NUTRIÇÃO

MUDANÇA
ALIMENTAR A atual geração de mulhe-

DOS ÍNDIOS TRAZ DOENÇAS res indígenas já não segue


tanto o costume de fazer
pratos tradicionais à base
de milho.
POR Bianca Pyl, da Comissão Pró-Índio de São Paulo

Um estudo da Unicamp junto a povos indígenas de São Paulo


mostrou que eles estão deixando de lado sua dieta tradicional – muito
saudável –, adotando o consumo de produtos industrializados.

COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO


Com isso, cresce o número de diabéticos, obesos e hipertensos.

A
mudança nos hábitos alimentares, resultado muitas vezes
da dificuldade em assegurar a alimentação por meio
das antigas práticas como caça e pesca, tem conse-
quências para a saúde dos Guarani. Pesquisadores da
Unicamp no estudo dos conceitos, conhecimen-
tos e percepções sobre segurança, insegurança
alimentar e fome em quatro grupos de etnia
Guarani no estado de São Paulo, realizado en-
tre 2007 e 2009, documentaram essa realidade
em quatro aldeias do litoral de São Paulo: “Há
a adoção de hábitos alimentares prejudiciais à
saúde, como o consumo elevado, especialmen-
te pelas crianças, de alimentos industrialmente
processados, com baixo valor nutritivo, como
refrigerantes, biscoitos e doces. O sobrepeso e
a obesidade estão presentes entre as mulheres
adultas e crianças abaixo de 5 anos de idade”.
O endocrinologista João Paulo Botelho Vieira Filho
alerta que o gradativo abandono da dieta tradicio-
nal e a incorporação de alimentos industrializados
(às vezes fornecidos pelo próprio Governo Federal),
aliados ao abandono do esforço físico da caça, têm
prejudicado a saúde dos povos indígenas. O médico,
que desde a década de 1970 estuda as causas de dia-
betes, sobrepeso e obesidade em índios Xavante (no
Mato Grosso) e dos Xikrin, Suruí e Gavião (no sudeste
do Pará), explica que, entre os Xavante, o Projeto Arroz
NUTRIÇÃO

Há escolas indígenas com merendas inapropriadas do Governo. Os brancos


foram selecionados em milênios ao açúcar cristalizado; os índios foram
selecionados ao contrário, somente conhecendo os hidratos de carbono
complexos da batata, do milho, da mandioca, do feijão, da abóbora.
promovido pela Funai em 1981 trouxe um consumo exage- Xavante com merendas inapropriadas do Governo, ensi-
rado do cereal no formato refinado. Com o benefício do Go- nando as crianças a comerem errado. Os brancos foram
verno, eles começaram a comer o arroz em todas as refeições, selecionados em milênios ao açúcar cristalizado; os ín-
inclusive com açúcar, durante o café da manhã. A partir disso, dios foram selecionados ao contrário, somente conhe-
o médico passou a observar o abandono progressivo de ro- cendo os hidratos de carbono complexos da batata, do
ças de toco de feijão, cará, abóbora, macaxeira, amendoim e milho, da mandioca, do feijão, da abóbora, sendo que
produtos da floresta, como coco de inajá, raízes do cerrado, o açúcar cristalizado (sacarose) é glicotóxico às células
gafanhotos e larvas do coco babaçu, que são fontes proteicas. pancreáticas produtoras de insulina dos índios”.

EPIDEMIA DE DIABETES SEM TERRA, MÁ ALIMENTAÇÃO


“Podemos dizer que a diabetes é uma epidemia entre os A soberania alimentar dos povos indígenas tem rela-
índios no Brasil”, afirmou Vieira Filho. A razão para a grande ção direita com a garantia de seus territórios. Para Maria
escala da diabetes tipo 2 (adquirida por meio de hábitos Emília Pacheco, antropóloga que preside o Conselho
alimentares) nos índios deve-se a um fator genético im- Nacional de Segurança Alimentar, vinculado ao Minis-
portante: o gene ABCA1, presente apenas em nativos das tério do Desenvolvimento Social, não é possível falar
Américas. A variante genética está ligada ao acúmulo de sobre combate à insegurança alimentar sem questionar
energia e de gordura, para proteger o corpo dos períodos a demarcação e posse da terra e o despejo abusivo de
de estiagem e fome. A partir do momento em que alimen- agrotóxicos. “Sem a questão territorial, que é uma ques-
tos ricos em carboidratos (que viram açúcar no corpo hu- tão fundante, é muito difícil falar de soberania alimentar
mano) e gordura passam a fazer parte da dieta nutricional, indígena”, enfatiza.
há um descontrole no organismo. No estado de São Paulo, a segurança territorial é ainda
Em artigo publicado na revista norte-americana Ethni- um desafio, uma vez que somente 12 das 39 terras indí-
city and Disease, no início deste ano, Vieira Filho e equipe genas existentes já se encontram demarcadas e homo-
da Escola Paulista de Medicina detectaram que, entre uma logadas. O quadro se agrava na medida em que grande
população de 948 Xavante de Sangradouro e São Marcos, parte das terras indígenas nesse estado não apresenta as
no Mato Grosso, 28,2% tinham diabetes – sendo que, deste adequadas condições para sobrevivência física e cultural.
montante, 40,6% eram mulheres e 18,4%, homens. Hiper- Terras de tamanho diminuto, uma população cres-
tensão foi diagnosticada em 17,5% da população e, ainda cente pressionando os limitados recursos naturais e no-
segundo o mesmo levantamento, metade da população vos hábitos de consumo são alguns dos fatores da inse-
era considerada obesa (50,8%). guridade alimentar dos povos indígenas em São Paulo,
O endocrinologista enfatiza, em seu relatório, que a que têm baixo acesso aos alimentos, tanto em termos
população indígena deve ser informada acerca de suas qualitativos quanto quantitativos.
particularidades genéticas. “Há escolas indígenas entre os Cada vez mais, os índios em São Paulo dependem dos

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INGIMAGES
OFICINAS RESGATAM

SAIBA MAIS
CULINÁRIA TÍPICA
Garantir uma alimentação adequada e saudável em terras
que não apresentam plenas condições para sobrevivência física e
cultural é o dilema enfrentado pela maioria das aldeias no estado
de São Paulo. A questão é tema de vivências com mulheres indíge-
nas promovidas pela CPI-SP.
No dia 12 de abril, mulheres de diferentes gerações da aldeia
Tenondé Porã em Parelheiros, zona sul de São Paulo, reuniram-se
para mais uma vivência de culinária tradicional Guarani promovi-
da em conjunto com a CPI-SP. Enquanto preparavam pratos como
mbeju e jopara, as mulheres trocavam ideias sobre as dificuldades
enfrentadas na valorização da culinária Guarani frente aos mais
jovens e as situações de insegurança alimentar vivenciadas pelos
índios em São Paulo.
As vivências foram realizadas na casa de Márcia Voty Vidal,
mãe de nove filhos que consegue conciliar as tradições da culiná-
ria indígena com os hábitos alimentares incorporados da dieta dos
não índios. Contando com uma variedade de frutas, raízes e ver-
não índios para garantir a sua alimentação, o que afeta duras, como mandioca, batata-doce, milho, feijão e banana, Már-
cia, de 43 anos, prepara refeições segundo as regras tradicionais.
sua autonomia e sustentabilidade. “Antigamente, a vida
Mas, em sua casa, como na de qualquer brasileiro, estão presentes
era melhor, mais saudável. Era mais difícil para conse-
também as carnes, as saladas, o feijão e os temidos e nocivos arroz
guir o alimento, mas era mais saudável, mais na cultura. branco e açúcar refinado.
Hoje, para sobreviver, tem que trabalhar para ter dinhei- Sua filha primogênita Luiza, de 26 anos, que também esteve
ro”, explica Márcia Voty, de Tenondé Porã. presente, ponderou que ela, assim como boa parte das mulheres
Conforme descreve a pesquisa da Unicamp, o acesso de sua geração, já não segue tanto o costume de fazer pratos tra-
à alimentação se dá pelas doações (cesta básica), mas dicionais, como rora (farofa de milho) e mbyta (espécie de bolo de
também pela compra dos alimentos, com recursos ad- milho). “Eu faço jopara (ensopado de feijão com milho), milho com
vindos da venda de artesanato, assalariamento, apo- frango e banana. A gente faz outras coisas, mas não sabe dizer em
sentadorias e do programa Bolsa Família, não mais da português. Eu faço bastante xipá (biscoito feito atualmente à base
agricultura, caça e pesca. Porém as fontes atuais não de farinha de trigo), que é para tomar com café. Mas quem sabe
garantem a alimentação na constância, na quantidade mais são os antigos”.
e na qualidade necessárias.
Essas questões têm sido debatidas com as mulheres
COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO

de Tenondé Porã nas preparações coletivas de alimen-


tos, que também serão realizadas em outras aldeias do
estado. “A Pró-Índio vem discutindo com as mulheres
Guarani formas de enfrentar os problemas relacionados
à insegurança alimentar com vistas a organizar ações
conjuntas para influenciar políticas públicas”, explica
Carolina Bellinger, assessora de programas da Comissão
Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP).
Uma das demandas que já surgiu nas conversas rela-
ciona-se com a merenda escolar apontada pelas mulhe-
res como um dos fatores de inserção de novos hábitos
na dieta dos Guarani, pois tem alterado as preferências
alimentares das crianças e adolescentes. “A questão da
merenda estará na pauta das ações de incidência. Que- Mulheres Guarani
remos discutir com os atores estatais a importância de participam de oficina sobre
aprimorar a qualidade dos alimentos oferecidos e de se práticas alimentares, na
aldeia de Tenondé Porã,
valorizar as formas de preparos
p tradicionais nas escolas”, em São Paulo.
afirma Carolina Bellinger.

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Uma criança é sempre um motivo de alegria.
Neste caso, são mais de 2.500 motivos.

Até bem pouco tempo atrás, os Waimiri Atroari e os Parakanã pareciam condenados a serem apenas personagens dos livros de
história. Mas graças aos programas indígenas da Eletrobras Eletronorte, em parceria com a Funai, hoje as duas etnias somadas
alcançam a marca de 2.692 vidas. Livres da extinção, vivem em terras demarcadas, resgataram suas culturas e contam com estrutura
permanente para atendimento médico e odontológico, controle de epidemias, educação, apoio à produção e proteção ambiental.
E no que depender da Eletrobras Eletronorte, a promoção da autonomia indígena será a nossa contribuição para que essa história
esteja nos livros como um exemplo que deu certo. 19 de abril, Dia do Índio.
AQUECIMENTO GLOBAL

O MUNDO PRECISA SE ADAPTAR ÀS

MUDANÇAS
Um relatório sobre mudanças climáticas da ONU efeito estufa, possíveis de acontecer até o ano de 2100 – os
chamados Representative Concentration Pathways (RCPs).
revelou que a temperatura do planeta pode subir
“Para fazer a previsão do aumento da temperatura, são
cerca de 5°C durante este século, o que poderá ele- necessários dois ingredientes básicos: um modelo climático
e um cenário de emissões. No quarto relatório (divulgado
var o nível dos oceanos em até 82 centímetros. Mas
em 2007), também foram simulados quatro cenários, mas
isso não é o fim do mundo. As nações precisam se se levou em conta apenas a quantidade de gases de efeito
planejar para lidar com a nova situação. estufa emitida. Neste quinto relatório, nós usamos um siste-
ma mais completo, que leva em conta os impactos dessas
POR Karina Toledo, da Agência Fapesp emissões, ou seja, o quanto haverá de alteração no balanço
de radiação do sistema terrestre”, explicou Artaxo, enquanto

C
aso as emissões de gases do efeito estufa continuem estava em Londres para a Fapesp Week London, participan-
crescendo às atuais taxas ao longo dos próximos anos, do de um painel sobre mudança climática.
a temperatura do planeta poderá aumentar até 4,8°C O balanço de radiação corresponde à razão entre a quan-
neste século – o que poderá resultar em uma elevação de até tidade de energia solar que entra e que sai de nosso planeta,
82 centímetros no nível do mar e causar danos importantes indicando o quanto ficou armazenado no sistema terrestre
na maior parte das regiões costeiras do globo. de acordo com as concentrações de gases de efeito estufa,
O alerta foi feito pelos cientistas do Painel Intergoverna- partículas de aerossóis emitidas e outros agentes climáticos.
mental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), O cenário mais otimista prevê que o sistema terrestre arma-
da Organização das Nações Unidas (ONU), que divulgaram zenará 2,6 watts por metro quadrado (W/m2) adicionais.
no dia 27 de setembro de 2013, em Estocolmo, na Suécia, Nesse caso, o aumento da temperatura terrestre poderia va-
a primeira parte de seu quinto relatório de avaliação (AR5). riar entre 0,3°C e 1,7°C de 2010 até 2100 e o nível do mar po-
Com base na revisão de milhares de pesquisas realizadas nos deria subir entre 26 e 55 centímetros ao longo deste século.
últimos cinco anos, o documento apresenta as bases científi- “Para que esse cenário acontecesse, seria preciso estabili-
cas da mudança climática global. zar as concentrações de gases do efeito estufa nos próximos
De acordo com Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física dez anos e atuar para sua remoção da atmosfera. Ainda as-
da Universidade de São Paulo (USP) e um dos seis brasileiros sim, os modelos indicam um aumento adicional de quase
que participaram da elaboração desse relatório, foram simula- 2°C na temperatura – além do 0,9°C que nosso planeta já
dos quatro diferentes cenários de concentrações de gases de aqueceu desde o ano 1750”, avaliou Artaxo.

20 Cidadania & Meio Ambiente www.camaradecultura.org


O segundo cenário (RCP4.5) prevê um armazenamento de Segundo o relatório AR5 do IPCC, em todos os cenários, é
4,5 W/m2. Nesse caso, o aumento da temperatura terrestre muito provável (90% de probabilidade) que a taxa de eleva-
seria entre 1,1°C e 2,6°C e o nível do mar subiria entre 32 e 63 ção dos oceanos durante o século XXI exceda a observada
centímetros. No terceiro cenário, de 6,0 W/m2, o aumento da entre 1971 e 2010. A expansão térmica resultante do au-
temperatura varia de 1,4°C até 3,1°C e o nível do mar subiria mento da temperatura e o derretimento das geleiras seriam
entre 33 e 63 centímetros. as principais causas.
Já o pior cenário, no qual as emissões continuam a crescer O aquecimento dos oceanos, diz o relatório, continu-
em ritmo acelerado, prevê um armazenamento adicional de ará ocorrendo durante séculos, mesmo se as emissões de
8,5 W/m2. Em tal situação, segundo o IPCC, a superfície da gases-estufa diminuírem ou permanecerem constantes. A
Terra poderia aquecer entre 2,6°C e 4,8°C ao longo deste sé- região do Ártico é a que vai aquecer mais fortemente, de
culo, fazendo com que o nível dos oceanos aumente entre 45 acordo com o IPCC.
e 82 centímetros. Segundo Artaxo, o aquecimento das águas marinhas tem
“O nível dos oceanos já subiu em média 20 centímetros ainda outras consequências relevantes, que não eram pro-
entre 1900 e 2012. Se subir outros 60 centímetros, com as priamente consideradas nos modelos climáticos anteriores.
marés, o resultado será uma forte erosão nas áreas costeiras Conforme o oceano esquenta, ele perde a capacidade de
de todo o mundo. Rios como o Amazonas, por exemplo, so- absorver dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Se a emis-
frerão forte refluxo de água salgada, o que afeta todo o ecos- são atual for mantida, portanto, poderá haver uma acelera-
sistema local”, disse Artaxo. ção nas concentrações desse gás na atmosfera.

REPRODUÇÃO
Ondas de calor,
furacões, inundações e
tempestades severas...
Os efeitos da mudança
climática já estão sendo
sentidos, não é algo
para o futuro

www.camaradecultura.org Cidadania & Meio Ambiente 21


AQUECIMENTO GLOBAL

“No relatório anterior, os capítulos dedicados ao papel dos vai aumentar. No melhor dos cenários – o RCP2,6 –, a que-
oceanos nas mudanças climáticas careciam de dados expe- da no pH será entre 0,06 e 0,07. Na pior das hipóteses – o
rimentais. Mas, nos últimos anos, houve um enorme avanço RCP8,5 –, entre 0,30 e 0,32.
na ciência do clima. Nesse quinto relatório, por causa de me- “A água do mar é alcalina, com pH em torno de 8,12.
dições feitas por satélites e de observações feitas com redes Mas, quando absorve CO2, ocorre a formação de com-
de boias – como as do Projeto Pirata que a Fapesp financia no postos ácidos. Esses ácidos dissolvem a carcaça de parte
Atlântico Sul –, a confiança sobre o impacto dos oceanos no dos microrganismos marinhos, que é feita geralmente de
clima melhorou muito”, afirmou Artaxo. carbonato de cálcio. A maioria da biota marinha sofrerá
alterações profundas, o que afeta também toda a cadeia
ACIDIFICAÇÃO DOS OCEANOS alimentar”, afirmou Artaxo.
Em todos os cenários previstos no quinto relatório do Ao analisar as mudanças já ocorridas até o momento,
IPCC, as concentrações de CO2 serão maiores em 2100 em os cientistas do IPCC afirmam que as três últimas déca-
comparação aos níveis atuais, como resultado do aumento das foram as mais quentes em comparação com todas as
cumulativo das emissões ocorrido durante os séculos XX e anteriores, desde 1850. A primeira década do século XXI
XXI. Parte do CO2 emitido pela atividade humana continua- foi a mais quente de todas. O período entre 1983 e 2012
rá a ser absorvida pelos oceanos e, portanto, é “virtualmente foi “muito provavelmente” (90% de probabilidade) o mais
certo” (99% de probabilidade) que a acidificação dos mares quente dos últimos oitocentos anos. Há ainda cerca de
60% de probabilidade de que tenha t sido o mais quente
dos últimos 1.400 anos.
No entanto, o IPCC reconhece ter havido uma queda na
taxa de aquecimento do planeta nos últimos 15 anos – pas-
sando de 0,12°C por década (quando
(qu considerado o perí-
odo entre 1951 e 2012) 2 para 0 0,05°C (quando considera-
do apenas o período entre 1 1998 e 2012).
De acordo com Artax Artaxo, o fenômeno se deve a
dois fatores principais: a maior absorção de calor
em águas profundas (mais de 700 metros) e a
maior frequência d de fenômenos La Niña, que
REPRODUÇÃO

alteram a taxa de transferência de calor da


atmosfera aos oceanos. “O processo é
bem claro e documentado
d em revistas
científicas ded prestígio. Ainda assim, o
planeta continua
con aquecendo de for-
m ssignifi
ma ccativa”, disse.
ignifica
Háá 90%
90%% de certeza de que o nú-
mero de dias e noites frios dimi-
nuíram, eenquanto os dias e noites
quentes aumentaram na escala
global.
glob al. E cerca de 60% de certeza
bal
de que as a ondas de calor também
aumentaram. O relatório diz ha-
aumenta
fortes evidências de degelo,
ver forte
principalmente
p
pr incipalm na região do Ártico.
Há 90% de certeza de que a taxa de
redução da ca camada de gelo tenha sido
entre 3,5%5% e 4,1% por década, entre
1979 e 2012012.
concentrações de CO2 na
As co
atmosfera já aumentaram mais
atmosfe

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De onde sairão recursos para tar, quem vai controlar a governabilidade desse sistema
global e de onde sairão recursos para que países em de-
a construção de barreiras de senvolvimento possam construir barreiras de contenção
contenção contra as águas contra as águas do mar, como as que já estão sendo am-
pliadas na Holanda. Quanto mais cedo isso for planejado,
do mar? Quanto mais cedo menores serão os impactos socioeconômicos”, avaliou.
Os impactos e as formas de adaptação à nova realida-
isso for planejado, menores de climática serão o tema da segunda parte do quinto
serão os impactos relatório do IPCC, previsto para ser divulgado em 2014. O
documento contou com a colaboração de sete cientistas
de 20% desde 1958, quando medições sistemáticas come- brasileiros. Outros 13 brasileiros participaram da elabora-
çaram a ser feitas, e cerca de 40% desde 1750. De acordo ção da terceira parte do AR5, que discute formas de miti-
com o IPCC, o aumento é resultado da atividade humana, gar a mudança climática.
principalmente da queima de combustíveis fósseis e do De maneira geral, cresceu o número de cientistas vin-
desmatamento, havendo uma pequena participação da dos de países em desenvolvimento, particularmente do
indústria cimenteira. Brasil, dentro do IPCC. “O Brasil é um dos países líderes em
Para os cientistas, há uma “confiança muito alta” (nove pesquisas sobre mudança climática atualmente. Além
chances em dez) de que as taxas médias de CO2, metano e disso, o IPCC percebeu que, se o foco ficasse apenas nos
óxido nitroso do último século sejam as mais altas dos úl- países desenvolvidos, informações importantes sobre o
timos 22 mil anos. Já mudanças na irradiação solar e a ati- que está acontecendo nos trópicos poderiam deixar de
vidade vulcânica contribuíram com uma pequena fração ser incluídas. E é onde fica a Amazônia, um ecossistema-
da alteração climática. É “extremamente provável” (95% -chave para o planeta”, disse Artaxo.
de certeza) que a influência humana sobre o clima causou No dia 9 de setembro, o Painel Brasileiro de Mudanças
mais da metade do aumento da temperatura observado Climáticas (PBMC) divulgou o sumário executivo de seu
entre 1951 e 2010. primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1). O do-
“Os efeitos da mudança climática já estão sendo senti- cumento, feito nos mesmos moldes do relatório do IPCC,
dos, não é algo para o futuro. O aumento de ondas de calor, indica que, no Brasil, o aumento de temperatura até 2100
da frequência de furacões, das inundações e tempestades será entre 1°C e 6°C, em comparação à registrada no fim
severas, das variações bruscas entre dias quentes e frios do século XX. Como consequência, deverá diminuir sig-
provavelmente está relacionado ao fato de que o sistema nificativamente a ocorrência de chuvas em grande parte
climático está sendo alterado”, disse Artaxo. das regiões central, Norte e Nordeste do país. Nas regiões
Sul e Sudeste, por outro lado, haverá um aumento do nú-
IMPACTO PERSISTENTE mero de precipitações.
Na avaliação do IPCC, muitos aspectos da mudança “A humanidade nunca enfrentou um problema cuja
climática vão persistir durante muitos séculos, mesmo se relevância chegasse perto das mudanças climáticas,
as emissões de gases-estufa cessarem. É “muito provável” que vai afetar absolutamente todos os seres vivos do
(90% de certeza) que mais de 20% do CO2 emitido perma- planeta. Não temos um sistema de governança global
necerá na atmosfera por mais de mil anos após as emis- para implementar medidas de redução de emissões e
sões cessarem, de acordo com o relatório. verificação. Por isso, vai demorar ainda pelo menos al-
“O que estamos alterando não é o clima da próxima dé- gumas décadas para que o problema comece a ser re-
cada ou até o fim deste século. Existem várias publicações solvido”, opinou Artaxo.
com simulações que mostram concentrações altas de CO2 Para o pesquisador, a medida mais urgente é a redu-
até o ano 3000, pois os processos de remoção do CO2 at- ção das emissões de gases de efeito estufa – compro-
mosférico são muito lentos”, contou Artaxo. misso que tem de ser assumido por todas as nações. “A
Para o professor da USP, os impactos são significativos e consciência de que todos habitamos o mesmo barco
fortes, mas não são catastróficos. “É certo que muitas regi- é muito forte hoje, mas ainda não há mecanismos de
ões costeiras vão sofrer forte erosão e milhões de pessoas governabilidade global para fazer esse barco andar na
terão de ser removidas de onde vivem hoje. Mas claro que direção certa. Isso terá de ser construído pela nossa ge-
não é o fim do mundo. A questão é: como vamos nos adap- ração”, concluiu.

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INTERNET

CYBERBULLYING:
UMA AMEAÇA À VIDA DOS JOVENS
Tem aumentado o número de casos de adolescentes que cometem suicídio após a exposição de suas
vidas íntimas nas redes sociais. É preciso estar atento a esse drama, que já virou, inclusive, objeto de pes-
quisa. Conheça os resultados aqui. POR Graça Portela, da Agência Fiocruz de Notícias

A
distância entre Parnaíba, no exposição, e ainda denunciou o caso à las adolescentes: “Simplificando, eu di-
Piauí, e Veranópolis, no Rio Gran- polícia. O processo deve seguir para jul- ria que essas moças perderam alguma
de do Sul, pelas estradas, é de gamento possivelmente este ano. coisa do seu ideal e de sua integridade,
3.924 km. Em novembro de 2013, nas Nos casos de Giana e Julia, as ado- e não conseguiram continuar vivendo
ondas da Internet, essas duas cida- lescentes que se mataram, não havia – com essa perda, que foi muito grande”,
des não pareceram estar tão distantes segundo relatos de familiares e amigos afirma Estellita-Lins.
assim, já que o óbito de duas adoles- – informações sobre depressão, uso de
centes, uma de 16 e outra de 17 anos, drogas ou problemas psiquiátricos que PESQUISA SOBRE O ASSUNTO
chocou o país. O motivo foi o mesmo: pudessem explicar um quadro de so- Uma pesquisa sobre os hábitos na
cyberbullying. As meninas não resisti- frimento que levasse ao suicídio. “Nem Web com 2.834 jovens, de idade entre
ram à vergonha e à humilhação de ve- toda moça que é exposta dessa manei- 9 e 23 anos, no Brasil inteiro, realizada
rem suas fotos íntimas circulando nas ra tão violenta, desrespeitosa e danosa pela SaferNet, organização não-gover-
mídias sociais, especialmente o Face- à autoimagem necessariamente evolui namental que trabalha no enfrenta-
book, e se suicidaram. para um suicídio. É possível que algu- mento de crimes e violações aos Direi-
Os dois casos trouxeram à tona a mas fiquem deprimidas, outras podem tos Humanos na Internet, e a operadora
questão do cyberbullying e seus efei- ficar marcadas para sempre, mas elas de telecomunicações GVT, aponta que
tos nas vítimas. Um mês antes, a jo- conseguem lidar com isso. Porém, o 62% dos jovens utilizam a rede todos
vem Francielly Santos, de 19 anos, de fato é que, em uma situação de violên- os dias e, desses, os que estão na faixa
Goiânia (GO), teve suas fotos e vídeos cia de grande estresse, a minha prática entre 18 e 23 anos (86% do total) aces-
íntimos vazados na Internet pelo ex- de psicanalista ensinou que temos que sam diariamente.
-namorado. A reação daqueles que as- prestar muita atenção na crise psíquica”, A pesquisa, que foi feita entre o se-
sistiram ao vídeo, que se tornou viral, explica Carlos Estellita-Lins, pesquisa- gundo semestre de 2012 e o primeiro
foi de recriminar a moça, com comen- dor do Programa de Pós-Graduação em semestre de 2013, aponta que, dos en-
tários agressivos e até xingamentos, e Informação e Comunicação em Saúde trevistados, 60% partilham dados pes-
repassar as imagens, tornando a situa- (PPGICS/Icict), psicanalista e psiquiatra soais e 68% já conheceram amigos pela
ção insustentável para ela e sua família. que coordena o PesqSUI – Grupo de Internet. Cerca de um em cada quatro
Fran deixou o emprego e mudou de Pesquisa de Prevenção do Suicídio. Isso jovens já namorou pela Internet, sendo
aparência para se livrar do excesso de explicaria a atitude drástica tomada pe- esse um hábito entre 35% dos jovens

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STOCK IMAGES
Um em cada quatro
jovens já namorou
pela Internet. E 6% dos
entrevistados enviam
conteúdos eróticos
pelas redes sociais

de 18 a 23 anos. O sexting – envio e o envio das imagens é algo corriqueiro uma frequência epidemiológica que
divulgação de conteúdos eróticos, sen- entre os jovens. enxergou essa passagem de vitimizado
suais e sexuais com imagens pessoais Outro dado que aparece na pes- para vitimizador”, explica Estellita-Lins.
pela Internet, via computadores ou ce- quisa é sobre o cyberbullying. Embora Para se defender, o jovem N. usa uma
lulares – é praticado por 6% dos jovens 49% dos jovens afirmem temer sofrer tática simples: “O legal é não entrar na
entrevistados e, desses, 63% já envia- bullying nas redes sociais, muitos não pilha. Aí, a pessoa vê que você não está
ram mais de cinco vezes as imagens. admitem que o fazem, embora tam- nem aí e desiste”, afirma.
Dos mais de 2.800 entrevistados, 20% bém isso não seja tão incomum nas re- Estudos realizados pelos pesquisa-
receberam textos ou imagens sensuais des sociais. Dos entrevistados, 35% têm dores do PesqSUI e por outros especia-
e eróticas. Os baixos números surpreen- um amigo que já sofreu cyberbullying e listas apontam que o bullying não está
dem, mas segundo análise dos especia- 12% admitem já terem sofrido agres- ligado a um jovem que seja conside-
listas da GVT e da SaferNet, a hipótese sões pelas mídias sociais. rado o “menino mau ou a menina má”
é que haja uma subnotificação desses “Já sofri e já fiz, muito!”, explica N., da escola ou do grupo. O fenômeno é
casos, ou seja, os jovens temem dizer cujo comportamento é corroborado coletivo, como explica Estellita-Lins:
que enviam ou recebem esse tipo de por pesquisas que mostram que aque- “Muitos atores participam do bullying e
imagem. O jovem N.L., de 22 anos, con- les que praticam o bullying já o sofreram o que se vê, geralmente, é uma omis-
firma: “Sexting? Quem nunca fez isso?”, anteriormente. “Não que todos os que são dos elementos que assistem ao
afirma às gargalhadas, ao explicar que sofreram se tornem agressores. Mas há bullying”, afirma. Segundo ele, pessoas

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INTERNET

consideradas diferentes ou com baixo e também do midiático. Ou seja, o fato


handicap ou com algum tipo de defici- de que circulam efetivamente mensa-
ência são bastante notadas no ambien- gens e bilhetes que não são necessaria-
te escolar, daí se tornarem vítimas em mente escritos no papel, mas colocados
potencial. Para o pesquisador, é funda- na rede digitalmente, que alcançam de
mental que as escolas procurem “forta- maneira rápida muitas pessoas. A per-
lecer as turmas, não apenas para lidar gunta é: como salvar “Gianas e Julias”?
com situações de conflito, mas fortale- “Sabemos que a despedida, muitas
cer o padrão da escola de respeito às in- vezes, é um momento extremo, em que
dividualidades. E nós, os responsáveis, a pessoa já tomou a decisão. Contudo,
temos a ver com isso. Não podemos há uma ambiguidade nesse pedido
assistir a isso e nos calarmos”, destaca. e não uma forma de comunicação. A
questão seria: como poderíamos aco-
COMENTÁRIOS VIOLENTOS lhê-las na rede digital e tentar apoiar
Os jovens veiculam sua imagem nas esse tipo de iniciativa?”, questiona o
redes sociais e na Internet. Quanto mais pesquisador do PPGICS. Como esse é
são admiradas por todos, mais popula- um problema mundial, alguns projetos
res se tornam. Para o bem ou para o já estão sendo implementados, como é
mal. No caso de cyberbullying, chama o caso do Projeto Durkheim, da Geisel –
a atenção a violência dos comentários School of Medicine, de Dartmouth, em
e a indiferença ao sofrimento do outro. Hanover/EUA, que visa a monitorar as
Em geral, jovens que têm um perfil de redes sociais em busca de mensagens
INGIMAGES

afastamento social, dificuldades ou ina- que indiquem alguma intenção de


bilidades sociais, falta de contato com uma pessoa em se matar. Outra opção
o mundo, que sofrem de distimia (uma é a página “Web 2.0 Suicide Machine”,
depressão distinta) na adolescência, Estellita-Lins também chama a aten- que, ao contrário do que o nome indica,
por exemplo, podem ser os mais afeta- ção para a “construção de uma socie- não incentiva o suicídio, mas elimina os
dos pelo cyberbullying. dade do espetáculo, como falou Guy perfis de todas as contas do usuário da
Casos em que os jovens divulgam Debord, nos anos 1960” e evoca, ainda, Internet, fazendo o que eles chamam
nas mídias sociais as suas tentativas de Susan Sontag, que em 2003 já falava de um “suicídio virtual”. Isso sem falar
suicídio ou se despedem em rede, con- sobre a violência das imagens no jor- no projeto da SaferNet, que acolhe as
seguindo assim uma audiência – aten- nalismo impresso e televisivo, e que denúncias de cyberbullying ou a parce-
ção – que supõem não terem durante a pode ser estendida à Web. Segundo o ria da própria SaferNet com a GVT, que
vida, também vêm aumentando, talvez pesquisador, “ao contrário de despertar disponibiliza orientações on-line para
ampliada pela indiferença ou incentivo piedade ou respeito pela experiência segurança no uso da Web.
ao ato extremo. Será que falta solida- de sofrimento, o que se passa é efetiva- Para Carlos Estellita-Lins, isso não é
riedade? Saber olhar o sofrimento do mente uma insensibilização do cidadão suficiente. É necessário o engajamento
outro? Para o pesquisador do PPGICS, em relação à imagem do sofrimento e a de toda a saúde pública no problema.
a explicação pode ser outra: “Quando experiência de violência”. “Precisamos juntar esforços e nos articu-
aparece um jovem se suicidando on-line A tese de Mariana Betshe, “Experi- lar com outros setores interessados no
ou quando alguém pede instruções de ência, narrativa e práticas infocomu- adolescente e no jovem”, afirma o pes-
como se matar e efetivamente recebe nicacionais: sobre o cuidado no com- quisador. “O problema é que, no Brasil, a
essas instruções anônimas na rede, te- portamento suicida”, orientada pelo psiquiatria da infância e da adolescência
mos aí eventos novos, que talvez de- professor do PPGICS, tenta interrogar e se encontra completamente desarticu-
vam ser pensados sob a rubrica mais investigar o bilhete de suicídio não só lada como especialidade. Ela seria um
geral dessa violência e banalização dela sob os aspectos do aviso, do individual espaço multidisciplinar para albergar
através da imagem digital”, destaca. e do intrapessoal, mas do interpessoal esse tipo de reflexão”, afirma.

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SAÚDE

FOTOS: STOCK PHOTOS


DEVERIA VIRAR CASO DE POLÍCIA
O problema vem dos veículos, das indústrias e também, pasme, dos fogões e das lareiras em certas casas.
A consequência é desastrosa: o aumento substancial do número de mortes decorrentes das mais diversas
doenças provocadas pela má qualidade da atmosfera. E os governantes, o que têm feito para mudar essa
realidade? Praticamente nada! POR Evangelina Vormittag

N
o dia 25 de março, a Organização emergenciais de controle efetivo desse da poluição do ar externo para a saúde
Mundial da Saúde (OMS) publi- mal e seus efeitos para saúde. no mundo. O problema se dá, principal-
cou os dados mais recentes dos Em relação às mortes provocadas mente, no estado de São Paulo (17 mil
efeitos mortíferos da poluição do ar no pela poluição do ambiente externo, por mortes em 2011), de acordo com pes-
mundo. Os dados são chocantes: sete fontes móveis (veículos) e fixas (como as quisa inédita divulgada em 2013 pelo
milhões de pessoas morreram por con- indústrias), contabilizou-se 2,6 milhões Instituto Saúde e Sustentabilidade e inú-
taminação do ar em 2012. Isso significa de mortes – 30% a mais do que ano meras outras realizadas pelo Laboratório
uma em cada oito mortes no mundo re- anterior. Elas se devem, em geral, a do- de Poluição Atmosférica Experimental
sultante da exposição ao ar contamina- enças cardiovasculares, infarto, derrame da Faculdade de Medicina da USP. Uma
do. Esses dados mais que dobram as es- cerebral, pneumonias, doença pulmo- delas, por exemplo, foi a classificação do
timativas e comprovam que a poluição nar obstrutiva crônica (DPOC) e câncer poluente material particulado e o ar con-
atmosférica é líder ambiental para riscos do pulmão. Inúmeras são as publicações taminado como substância cancerígena
em saúde e morte, o que pede medidas científicas e na mídia sobre a gravidade do Grupo 1, pelo OMS, no ano passado.

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Embora seja vasto o conhecimento so- Ásia e do Pacífico são as mais afetadas. trato respiratório superior, tuberculose,
bre tão relevante tema, no Brasil nos de- As mulheres e as crianças são as câncer nasofaríngeo e laríngeo, catarata,
paramos com um dos piores padrões de maiores vítimas, pois passam mais tem- doença cardiovascular, recém-nascidos
qualidade de ar do mundo e o mínimo po em seus lares. É a quarta causa de de baixo peso e mortalidade perinatal.
de políticas públicas para salvaguardar mortalidade em crianças em países em Os alardes já estão sendo feitos há
os cidadãos brasileiros. Em que planeta desenvolvimento, estando à sua frente muito tempo e as informações são pre-
vivem nossos governantes? apenas desnutrição, sexo inseguro, falta cisas. É preciso deixar a população a par
de água potável e saneamento. desse imenso problema ambiental e de
PERIGO DENTRO DE CASA Quase metade das mortes entre crian- saúde pública que vivemos: o inimigo
Pouco se divulga sobre esse assunto, ças menores de 5 anos devido às infec- invisível, inodoro e insípido que é a po-
mas as restantes 3,3 milhões de mortes ções agudas do trato respiratório inferior luição do ar. O que os olhos não veem o
decorreram da contaminação do ar in- são decorrentes da inalação de material coração não sente. Mas todos precisam
tradomiciliar (poluição do ar provocada particulado de origem da queima de estar cientes do descaso e do desinte-
dentro dos domicílios). Cerca de 3 bi- biomassa intradomiciliar. E mulheres ex- resse dos governantes, antes das elei-
lhões de pessoas cozinham e aquecem postas à poluição no interior das casas ções: muito pouco tem sido realizado e
suas casas com fogões e lareiras que são três vezes mais propensas a desen- a doses ínfimas.
utilizam a queima de biomassa, como volverem DPOC (por exemplo, bronquite
madeira, esterco animal, resíduos vege- crônica), do que as mulheres que usam
EVANGELINA VORMITTAG é idealizadora e Di-
tais e carvão. A fumaça e o poluente ma- fogões de tecnologia mais limpa. retora Presidente do Instituto Saúde e Sustentabi-
terial particulado podem atingir níveis Há evidências de que a poluição in- lidade, médica, especialista em Patologia Clínica
até cem vezes maiores que o aceitável tradomiciliar aumente também o ris- e Microbiologia, doutora e pós doutoranda em
Patologia – Saúde Ambiental, pela Faculdade de
dentro das casas. Em algumas áreas do co de outros importantes problemas
Medicina da USP (FMUSP), especialista em Gestão
Nordeste do Brasil, há fogões à lenha de saúde em crianças e adultos, como de Sustentabilidade pela Faculdade de Adminis-
em mais de 60% das casas. As regiões da asma, otite média e outras infecções do tração da Fundação Getúlio Vargas SP.

Crianças e mulheres são


as principais vítimas do
problema, em decorrência
de infecções agudas no
trato respiratório.

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PREVISÃO

AMÉRICA DO SUL E CENTRAL NA MIRA DAS


MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Imagine os Andes sem geleiras, seca no Sul do Brasil ou Minas Gerais sem produção de café. Cenas
improváveis, se não fossem o aumento da temperatura no mundo e a diminuição de chuvas. Essas são
tristes possibilidades reveladas em um novo relatório, que busca alertar as autoridades para a urgência
de mudança de atitudes. POR Elton Alisson, da Agência Fapesp

A
s mudanças climáticas já obser- Se essas previsões forem confirma- 60% de suas matrizes energéticas, en-
vadas e as projetadas para as das, elas afetarão o abastecimento de quanto em outras regiões essa contri-
Américas do Sul e Central colo- água das grandes cidades e de peque- buição é, em média, de 20%.
carão em risco a segurança hídrica das nas comunidades nas duas regiões. Como a projeção é de aumento de
regiões e terão impactos diretos no Além disso, comprometerão a geração chuvas em algumas regiões do Brasil,
abastecimento doméstico e industrial de energia hidrelétrica e a produção de os sistemas de energia hidrelétrica ba-
e em setores fortemente dependentes alimentos, aponta o relatório. seados principalmente no rio Paraná
de água, como o de geração de energia “No fim das contas, os principais im- poderão ter um ligeiro aumento na
hidrelétrica e a agricultura. pactos das mudanças climáticas previs- produção de energia. No entanto, o
O alerta é do Relatório sobre Impac- tos para as Américas do Sul e Central restante do sistema hidrelétrico do país
tos, Adaptação e Vulnerabilidades às estão relacionados com a água”, disse – especialmente os localizados no Nor-
Mudanças Climáticas do Painel Intergo- Marcos Buckeridge, professor do Insti- deste – poderá enfrentar diminuição na
vernamental sobre Mudanças Climáti- tuto de Biociências da Universidade de geração de energia, comprometendo a
cas (IPCC, na sigla em inglês), apresen- São Paulo (USP) e um dos autores do confiabilidade de todo o sistema, como
tado no dia 31 de março em Yokohama, Capítulo 27 do relatório. “Todos os seto- aponta o relatório.
no Japão, e em seguida no dia 1º de res que dependem, de alguma forma, “Imagine se eventos climáticos ex-
abril, na Academia Brasileira de Ciências de água poderão ser afetados”, estimou tremos, como os períodos de seca com-
(ABC), no Rio de Janeiro. Buckeridge. De acordo com o relatório, binados com altas temperaturas que
O Capítulo 27 do documento, que as Américas do Sul e Central contam ocorreram no início deste ano na re-
aborda as projeções das mudanças com boa disponibilidade de água, mas gião Sudeste do Brasil, também aconte-
climáticas para as Américas do Sul e o recurso hídrico é distribuído de forma cerem eventualmente na região Sul do
Central, destaca que a vulnerabilidade desigual nas duas regiões. país. Eles poderiam afetar fortemente o
atual de abastecimento de água nas zo- O principal usuário de água nas funcionamento de usinas hidrelétricas
nas semiáridas das duas regiões e nos Américas do Sul e Central é a agricul- como as de Itaipu”, disse Buckeridge.
Andes tropicais deverá aumentar ainda tura, seguido pelo abastecimento dos
mais por causa das mudanças climáti- 580 milhões de habitantes das duas re- IMPACTO NOS ALIMENTOS
cas. E o problema poderá ser agravado giões, excluídos os 14% que hoje nem Na agricultura, as mudanças climá-
pela redução das geleiras andinas, pela sequer têm acesso ao recurso, aponta ticas previstas para as duas regiões
diminuição de chuvas e pelo aumento o documento. Ainda de acordo com a poderão causar diferentes impactos na
da evapotranspiração nas regiões se- publicação, a energia hidrelétrica é a produção de alguns tipos de alimentos
miáridas das Américas do Sul e Central, principal fonte de energia renovável e na segurança alimentar das popula-
previstos pelo IPCC. nas duas regiões, correspondendo a ções, indica o relatório. Mesmo com a

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Capítulo 27. “E essas culturas agrícolas
compõem, basicamente, a cesta bási-
ca da maioria dos países em desen-
volvimento”, afirmou.
O relatório pondera que, como re-
sultado de taxas de crescimento mais
elevadas e melhor eficiência do uso da
água, algumas culturas nas Américas
do Sul e Central, incluindo soja, feijão,
milho e cana-de-açúcar, poderão até
responder com uma produtividade
cada vez maior.
A qualidade nutricional desses ali-
mentos, no entanto, deve diminuir em
razão do teor de açúcar mais elevado
em grãos e frutas e a redução do teor
de proteína em cereais e legumino-
sas, apontam pesquisadores da área.
“Estudos mais recentes demonstram
que, com aumento de gás carbônico
na atmosfera, as plantas crescem mais
e ficam mais robustas. O teor de pro-
teínas delas diminui, em média, 7% e
isso gera uma queda na qualidade dos
alimentos”, avaliou Buckeridge.
Algumas práticas de adaptação
sugeridas pelo relatório do IPCC são
avanços no melhoramento genético
para o desenvolvimento de culturas
agrícolas mais bem adaptadas a even-
REPRODUÇÃO

tos climáticos extremos e para atender


à demanda mundial por alimentos nas
próximas décadas.
Segundo projeções do relatório, até
diminuição prevista da disponibilidade (o pior dos cenários previstos) poderia 2040 será preciso aumentar, no mínimo,
de água, a cana-de-açúcar e a soja são tornar a colheita de café inviável em Mi- 70% a produção mundial de alimentos,
mais propensas a responder positiva- nas Gerais e São Paulo – os dois maiores e a América do Sul e a África são as úni-
mente ao aumento das emissões de produtores do grão no Brasil. cas regiões no mundo que dispõem
gás carbônico e às mudanças de tem- “O que tem se observado em ter- de terra agriculturável disponível para
peratura e aumentar a produtividade e mos de impacto das mudanças cli- atender a parte dessa demanda. “Não
a produção. máticas na agricultura em regiões de terá como aumentar a produção da
No Nordeste do Brasil, contudo, de- latitudes médias e tropicais é que, à maioria das espécies de vegetais por
verá cair o rendimento de culturas de exceção da soja, haverá redução na meio da genética clássica”, disse Bu-
subsistência para a população da re- produção principalmente de trigo, ckeridge. “Será preciso utilizar a biotec-
gião, como feijão, milho e mandioca, arroz e milho cultivados nessas regi- nologia para transformar as plantas de
e haverá redução de áreas atualmente ões”, disse José Marengo, pesquisador modo que produzam mais alimentos e
favoráveis para o cultivo de feijão cau- do Instituto Nacional de Pesquisas sejam mais bem adaptadas às mudan-
pi. E um aquecimento de 5,8°C em 2100 Espaciais (Inpe) e um dos autores do ças climáticas”, avaliou.

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AGRICULTURA

MIDNIGHT SUN FARM


CULTIVO ORGÂNICO
AUMENTA A BIODIVERSIDADE Um estudo comprovou que as fazendas orgânicas têm cerca de um terço a mais de
espécies do que as que utilizam o método agrícola convencional.

T
em havido muita investigação “Nosso estudo mostra que a agri- cas, enquanto que aves, artrópodes
de como diferentes métodos cultura orgânica pode trazer benefí- e micróbios também aumentaram.
agrícolas afetam a diversidade cios significativos a longo prazo para Nos organismos que decompõem a
biológica nas áreas agrícolas, mas os a biodiversidade”, diz Sean Tuck, um matéria morta, a agricultura orgâ-
resultados variam entre os estudos e estudante de doutoramento na Uni- nica mostrou pouco efeito, embora
de lugar para lugar. Assim, um grupo versidade de Oxford e autor princi- isso possa ser, em parte, porque eles
de cientistas analisou 94 estudos an- pal do artigo publicado no Journal of são relativamente pouco estudados.
teriores, concluindo que os métodos Applied Ecology. Métodos orgânicos O benefício para a biodiversidade
de agricultura orgânica aumentaram poderiam, de alguma forma, parar a parece ser maior em regiões de agri-
o número de espécies, em média, perda contínua da diversidade nas cultura intensiva, especialmente nas
34% – um efeito que tem sido está- nações industrializadas. regiões em que as fazendas orgânicas
vel ao longo de três décadas e não estão cercadas por terras aráveis. En-
mostra sinais de diminuição. Mas, MAIS 70% DE ESPÉCIES tão, pode ser que ter algumas fazen-
nesta pesquisa, o aumento na bio- Alguns organismos se benefi- das orgânicas espalhadas ao redor
diversidade foi demonstrado em fa- ciam mais do que outros. Plantas da paisagem poderiam beneficiar as
zendas orgânicas em climas tempe- foram submetidas a um maior au- fazendas de agricultura intensiva, for-
rados. Até que mais pesquisas sejam mento, com o número de espécies necendo ilhas de biodiversidade para
realizadas, não será possível afirmar presentes aumentando cerca de nutrir organismos valiosos como as
que a agricultura orgânica está au- 70%. Polinizadores ficaram em se- abelhas, que polinizam plantações, e
mentando a biodiversidade em to- gundo lugar, com metade do núme- predadores, que ajudam a manter as
dos os climas. ro de espécies nas fazendas orgâni- pragas sob controle.

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INOVAÇÃO

FAZENDA URBANA SUBTERRÂNEA


Hortaliças crescem a trinta metros abaixo da utilização de luzes de LED especiais associadas com cul-
tivo hidropônico, que é a técnica de cultivar plantas sem
superfície de Londres, em túneis usados durante
solo. As duas estratégias permitem o crescimento das
a Segunda Guerra Mundial. POR Cristina Curti plantas, mesmo na ausência de luz solar direta.
Para dissipar qualquer dúvida, Ballard e Dring pedi-

A
trinta metros abaixo da superfície de Londres não ram para o famoso chef Michel Roux Jr. cozinhar e provar
existe apenas a rede de espaço subterrâneo, mas pratos e produtos cultivados nos túneis. Depois de um
também uma fazenda urbana incrível. Digna dos ceticismo inicial compreensível, o chef deu total apoio ao
cenários de ficção científica futurística, o projeto Growing projeto, demonstrando “no prato” a qualidade dos vege-
Undergrounded permitirá a recuperação de uma malha tais cultivados.
de 10 mil metros quadrados de túneis subterrâneos usa-
dos durante a Segunda Guerra Mundial, para alocá-los PROJETO SUSTENTÁVEL
para o cultivo direto de hortaliças. Os projetadores são Growing Undergrounded já tem a construção parcial
dois jovens londrinos, Richard Ballard e Steven Dring, que de uma pequena fazenda para os experimentos subter-
queriam dar nova vida a uma grande parte abandonada râneos urbanos, atualmente localizados abaixo da Linha
da capital inglesa. do Norte, perto de Clapham Northern Line. Uma vez to-
Embora possa parecer uma ideia absurda, os dois talmente operacional, permitirá reduzir significativamen-
designers têm mostrado, nos últimos dois anos, a viabili- te as emissões de CO2 produzidas durante o transporte
dade total do projeto, chegando a cultivar nos túneis sub- de mercadorias. O impacto da fazenda urbana ao meio
terrâneos ervilha, rúcula, mostarda, rabanete, alface, pak ambiente será ainda mais reduzido, pois utiliza apenas
choi e brócolis. E, futuramente, quem sabe serão capazes energia renovável para o funcionamento das instalações
de satisfazer as necessidades dos restaurantes e super- e aproveita as águas subterrâneas, devidamente filtradas
mercados da região: para a irrigação.
Graças à profundidade, os túneis têm uma tempera- Para coletar a soma necessária para o desenvolvi-
tura estável de cerca de 16° C durante todo o ano, permi- mento do projeto, cerca de 300 mil libras, os fundadores
tindo que a fazenda urbana subterrânea nunca interrom- estão apoiados a um crowdfunding (financiamento co-
pa a produção, mesmo no inverno. O segredo do projeto, letivo). Graças a isso, terão aproximadamente cinquenta
não por acaso apelidado de Zero Carbon Food, reside na dias para gerar o retorno econômico acordado.

OLIVIA SOLON
ZERO CARBON FOOD

No projeto, luzes de LED se


associam ao cutivo hidropônico.
Assim, as plantas crescem mesmo
sem a incidência de luz solar.

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EFEITO ESTUFA

INFLUÊNCIA
STOCK IMAGES

Os gases emitidos pelas ações dos homens estão


HUMANA
entre as principais causas que estão levando ao
aumento da temperatura do planeta. É EVIDENTE
A
novidade é que essas estiagens publicação, acrescentando que, mesmo ondas de calor na Europa, Ásia e Austrá-
– há um debate global se já são que as emissões de dióxido de carbo- lia e aumento ou diminuição de chuvas
agravadas pelas mudanças cli- no (CO2) parem, as consequências das em alguns lugares da América do Norte
máticas – agora não impactam apenas alterações climáticas vão persistir por e da Europa.
o meio rural, mas também o meio urba- muitos séculos. “A influência humana foi Nas regiões frias, o relatório afirma
no. Nessas concentrações, estão deze- detectada no aquecimento da atmosfe- que a média anual do gelo do mar Ár-
nas de milhões de pessoas dependen- ra e do oceano, em mudanças no ciclo tico diminuiu ao longo do período de
tes da água que sai das torneiras. global da água, em reduções de neve 1979 a 2012 a 3,5% a 4,1% por década.
As atividades industriais do ser hu- e gelo, no aumento global do nível do A temperatura do subsolo congelado
mano têm sido a causa dominante das mar e em mudanças em alguns eventos também aumentou desde o século XX.
mudanças climáticas globais desde me- climáticos extremos”, diz o relatório. Em partes do norte do Alasca, a tempe-
ados do século XX e as concentrações ratura subiu 3ºC e no norte da Rússia até
atmosféricas de gases de efeito estufa, DESDE A ERA INDUSTRIAL 2ºC. Quanto ao nível do mar, o aumento
que apresentam níveis nunca antes vis- O documento ressalta que é muito registrado de 1901 a 2010 de 0,19 me-
tos em pelo menos 800 mil anos, vão provável que mais da metade do au- tros foi maior do que o aumento regis-
persistir por muitos séculos. É o que afir- mento observado na temperatura mé- trado nos últimos dois milênios.
ma a versão final do relatório apoiado dia da superfície global de 1951 a 2010 Na maioria dos cenários estudados
pela ONU sobre mudanças climáticas foi causado pelo aumento de gases de pelo IPCC, as mudança de temperatu-
lançado em janeiro deste ano. efeito estufa emitido por atividades hu- ra da superfície global para o final do
O documento, que explica as ameaças manas. Algumas das principais emissões século XXI devem ultrapassar os 1,5°C
do aquecimento global, como o derreti- de CO2, metano (CH4) e óxido nitroso em relação a 1850-1900, mas podendo
mento da cobertura de gelo da Groen- (N2O) foram feitas desde o início da era chegar a 2ºC. O relatório ainda prevê
lândia e da Antártida, a elevação dos ní- industrial, há 250 anos. que, até o final do século, a cobertura de
veis dos oceanos, o aumento de ciclones Ele observa que cada uma das últi- gelo nos polos e no Hemisfério Norte vai
e ondas de calor, é um resumo das con- mas três décadas tem sido sucessiva- continuar diminuindo e os níveis do mar
clusões do Painel Intergovernamental mente mais quente na superfície da e a temperatura permanecerão aumen-
sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Terra do que qualquer década anterior tando. Acesse o documento em www.
“Limitar as alterações climáticas vai desde 1850. Além disso, mudanças cli- climatechange2013.org.
exigir reduções substanciais de emis- máticas extremas vêm sendo notadas
sões de gases de efeito estufa”, ressalta a desde cerca de 1950, com frequentes Informe da ONU Brasil.

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