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Análise teológica599
1.0 - Introdução
Consultando diversos manuais de exegese, nota-se que a maioria deles
não reserva um capítulo à parte para a interpretação teológica. Geralmente
terminam com recomendações sobre a análise redacional ou análise histórico
traditiva. Este procedimento tem suas razões de ser, como veremos logo a
seguir, mas também encerra um problema, pois a exegese feita sem análise
teológica tem a tendência de dissociar-se de outras disciplinas teológicas,
como a teologia bíblica e a teologia sistemática. Além disso, ela corre o perigo
de separar o texto em estudo da riqueza evangélica apresentada pelo conjunto
da Escritura, sem cuja visão a exegese isolada poderia facilmente incorrer em
juízos arbitrários ou parciais.
Dentro do corpo da exegese, a tarefa da análise teológica já foi parcial
mente proposta por ocasião da análise redacional, na parte reservada ao
estudo do "contexto do escrito" ou "contexto integral". No entanto, a análise
redacional procurava destacar apenas as ênfases teológicas do redator do
escrito. Agora se trata de correlacionar textos em que opções ou posturas
idênticas tenham sido tomadas pelo próprio Jesus ou então se encontrem
testemunhadas em outras partes da Bíblia, seja do NT ou do AT. O e a
intérprete, ao realizarem esta análise comparativa, colocam o seu texto particu
lar no horizonte maior da pregação e ação de Jesus, ou da mensagem bíblica
em geral, adquirindo desta maneira melhores subsídios para a articulação da
teologia do próprio texto em estudo.
O princípio que rege a análise teológica pode ser expresso com palavras
de John Bright. Segundo este autor, a exegese teológica se caracteriza por ser
uma exegese que não se contenta meramente em extrair o significado verbal
preciso do texto, mas que vai mais além para descobrir a teologia que informa o
texto. É uma exegese que busca descobrir não meramente o que a antiga lei
exigia, mas também a teologia expressa na lei; não somente os abusos atacados
por Amós, mas a teologia que o induziu a condená-los; não somente as diretrizes
dadas por Paulo a esta ou aquela igreja, mas a teologia que o impelia a dá-las.
Todos os textos bíblicos expressam teologia no sentido de que todos estão
animados, mesmo que às vezes indiretamente, por uma preocupação teológica.
Cabe ao intérprete tratar de descobrir qual era esta intenção. Fazer isto não
constitui nenhuma violação dos sãos princípios exegéticos. E, isto sim, a consu
mação da tarefa exegética.600
2.0 - Modo de procedimento
São três os passos a serem dados para realizar-se uma análise teológica:
D Em primeiro lugar, é necessário um estudo de correlação601 • Para ser possível
avaliar a teologia de um texto, é necessário determinar ou descobrir inicial
mente outros textos que tratam da mesma temática.
D Em segundo lugar, devemos tentar enquadrar o conteúdo de nosso texto
dentro de temas e doutrinas teológicas fundamentais, como nô-lo apresen
tam a dogmática e teologia sistemática, procurando avaliá-lo à luz do
testemunho mais amplo da Escritura sobre o evangelho de Deus. Exemplos
destes temas fundamentais são: a compreensão bíblica sobre a criação, a
redenção ou salvação, o juízo de Deus, a lei e seu cumprimento, a ação e presença
do Espírito Santo, os carismas do Espírito, o pecado, a natureza da fé, as
características do ser Igreja, a palavra de Deus e os sacramentos, a pessoa deJesus
Cristo, o reino de Deus por ele pregado, a aliança estabelecida ou prometida por
Deus, etc. Assim, se o nosso texto tematiza o amor de Deus pelas suas
criaturas, poderemos enquadrá-lo - inicialmente - dentro do assunto da
"graça divina". A seguir, deveríamos expor de que maneira fala este texto
sobre a graça de Deus e como esta sua maneira de tematizar o amor divino
se relaciona com os modos de exposição usados pelos outros textos sobre o
assunto dentro do testemunho bíblico como um todo.
Dentro da teologia, essa reflexão do texto à luz do evangelho como um
todo e da tradição dogmática da Igreja traz uma s érie de vantagens. Em
primeiro lugar, evita que enunciados bíblicos isolados adquiram importân
cia exagerada. Em segundo lugar, contribui para que intérpretes se dêem
conta da pluralidade e diversidade com que uma mesma fé em Deus
respondeu a desafios semelhantes, mas em situações e épocas diferentes. E,
por último, implica a possibilidade de crítica teológica ao texto da exegese,
ou seja, permite distinguir entre a letra do texto, cuja função é dar testemu
nho do evangelho, e o Espírito de Cristo, efetivamente presente no conteúdo
analisado602•
D Por último, a teologia do texto pode ser avaliada na medida em que
procurarmos nos inteirar das suas conseqüências práticas. A pergunta a
fazer aqui seria: que conseqüências para o agir humano está a reclamar a fé
cristã articulada no texto sobre um determinado assunto? Que compromis
sos requer esta fé para o nosso agir e pensar como cristãos?
Destes três passos propostos para a análise teológica, o segundo é o mais
difícil, pois pressupõe estudos de teologia sistemática e dogmática, bem como
uma boa capacidade de síntese. Por essa razão, dificilmente estudantes dos
primeiros semestres do estudo teológico estarão em condições de realizar esse
tipo de análise.
Diante disto, cada curso de teologia deveria ponderar se é ou não
aconselhável, numa primeira exegese, solicitar a realização de uma avaliação
teológica dentro dos parâmetros acima expostos. Como o primeiro passo
descrito sugere a busca por textos paralelos que tematizem o mesmo assunto-
talvez se pudesse solicitar ao menos esse passo, seguido de uma breve avaliação
teológica. A análise teológica, dentro desta proposta, compreenderia, pois:
O A identificação de passagens paralelas quanto ao conteúdo teológico.
O Breve avaliação teológica do texto.
C)QQ
2) Breve avaliação teológi,ca
Esta vai depe nder, em grande medida, do grau de aprofundamento
teológico-sistemático que se p ossa alcançar em relaçã o ao (s) tema(s) em evidên
cia no texto. A natureza e as exigências do texto também vã o determinar de que
maneira esta análise teológica pode ser estru turada. Assim sendo, é possível
avaliar teologicamente o texto de Me 2.15-17 sob vários âng ulos, c omo, p. ex., o
da açã o de acolhimento de J esus, o do escân dalo por ele provocado, o da
n ovidade que representava a comensalidade aberta e o do compromisso que ela
acarretava. Cada e xegeta deve e ncontrar, neste particular, o seu próprio cami
nho para a realizaçã o desta análise .
Como sugestã o, apresentamos um modelo simples e conciso para a realiza
çã o de análises teológicas, suscetível de ser aplicado também em textos diferen
tes de Me 2.15-17, mesmo que nã o e m todos. Este modelo orienta-se pelo texto
de 1 Co 13.13: "Agora, p ois, permanecem afé, a esperança e o amor... " e explora
604
o texto dentro de stas três dimensõe s teológicas fundamentais •
e) Dimensão de esperança
O texto não tematiza a dimensão da esperança e do futuro. A opção de
Jesus está totalmente concentrada nas tarefas de reintegração dos e das margina
lizadas no aqui e agora de sua prática de comensalidade aberta.