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Silvana Fontanelli
University of São Paulo
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All content following this page was uploaded by Silvana Fontanelli on 14 November 2016.
São Paulo
2005
SILVANA APARECIDA FONTANELLI
São Paulo
2005
Fontanelli, Silvana Aparecida
Centro de memória e ciência da informação: uma interação
necessária / Silvana Aparecida Fontanelli. – São Paulo: S.A.
Fontanelli, 2005.
105p.
Banca Examinadora:
Aprovada em:
Para o João pelo apoio incontestável e pelo amor imensurável.
AGRADECIMENTOS
Antonio Cícero
FONTANELLI, Silvana A. Centro de Memória e Ciência da Informação: uma interação
necessária. São Paulo, 2005. 105f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) –
Departamento de Biblioteconomia e Documentação. Escola de Comunicações e Artes.
Universidade de São Paulo.
Resumo
Palavras-chave
Resumo
Lista de Abreviaturas
Apresentação ....................................................................................................................... 10
1. Introdução .................................................................................................................. 13
1.1 Objetivo geral .................................................................................................... 15
1.1.1 Objetivos específicos ................................................................................... 15
1.2 Procedimentos metodológicos .......................................................................... 15
2. A relação entre memória e história ............................................................................ 17
3. Os lugares da memória e sua importância na preservação da memória coletiva ....... 25
4. A Ciência da informação............................................................................................ 29
4.1 Ciência da informação: sua história e conceituação .......................................... 29
4.2 Informação e documento ................................................................................... 36
4.3 Arquivologia, biblioteconomia, documentação e museologia: ciências da
informação? ....................................................................................................... 45
4.3.1 Arquivologia e arquivo ................................................................................ 46
4.3.2 Biblioteconomia e biblioteca ....................................................................... 53
4.3.3 Documentação e centro de documentação e informação............................. 60
4.3.4 Museologia e museu .................................................................................... 65
5. Do paradigma do acervo ao paradigma da informação/usuário: as ciências da
informação e suas interfaces ...................................................................................... 74
6. Centro de memória..................................................................................................... 80
6.1 Um pouco de história......................................................................................... 81
6.2 O centro de memória como serviço de informação ........................................... 83
6.3 A constituição do centro de memória ................................................................ 88
6.4 O centro de memória e o profissional da informação........................................ 93
7. Considerações Finais.................................................................................................. 96
Referências
10
Apresentação
Este trabalho se deve a fatores estritamente pessoais. Durante onze anos trabalhamos
no Centro Pró-Memória do Club Athletico Paulistano (até outubro de 2002 denominado como
Museu), sempre procurando manter uma postura crítica em relação às atividades ali
desenvolvidas, no intuito de resgatar a importância quase perdida da memória do clube e,
assim, recuperar seu próprio significado, dentro e fora da instituição. Para nossa satisfação, os
produtos e serviços oferecidos demonstravam a importância do centro tanto para os
associados quanto para os pesquisadores externos.
1. Introdução
Enfim, o trabalho com a memória institucional utiliza documentos variados que não
podem ser caracterizados apenas como documentos de arquivo. Os centros de memória
desenvolvem trabalhos com especificidades relacionadas às “3 Marias”1 (arquivos, bibliotecas
e museus), responsáveis pela guarda, preservação, organização e disponibilização da memória
do homem. São nestas instituições que as descobertas e as experiências da humanidade são
preservadas e, geralmente, estão disponíveis a quem interessar.
A cada dia surgem novos centros de memória e os trabalhos desenvolvidos pela equipe
dos centros possibilitam que a troca de informações entre os profissionais da instituição
contribua com o desenvolvimento da empresa e com a otimização de tarefas. Segundo a
historiadora Silvana Goulart (2005, p. 17), “Os centros de memória hoje, apesar de
comumente não serem concebidos como arquivos centrais, guardam documentos ligados às
atividades-fim, [...] o que resulta na acumulação de registros de caráter substantivo para o seu
funcionamento”. Entretanto, verificamos que a constituição do acervo dos centros de memória
varia bastante. Algumas vezes, chegam a ser confundidos com o arquivo central da instituição
ou então se tornam responsáveis por toda a documentação gerada pela empresa. A missão do
centro de memória e a função que os documentos preservados e organizados representam são
questões fundamentais a se levar em conta durante o processo de constituição do setor, para
que as atividades e o valor atribuído aos documentos ou mesmo sua missão não sejam
desvirtuados.
1
Expressão criada por Johanna W. Smit e que será explicada de forma mais detalhada no decorrer do trabalho.
15
1.2.Procedimentos Metodológicos
Este estudo teve como base literatura das áreas de história e memória, arquivologia,
biblioteconomia, documentação, ciência da informação e museologia. Durante a pesquisa
bibliográfica evidenciamos a dificuldade em localizar textos específicos sobre centro de
memória. Então, optamos por trabalhar com textos sobre as outras instituições-memória e, a
partir da análise de cada uma delas, com base na definição de seu acervo, sua missão, suas
16
2
Principal estudioso das relações entre memória e história pública, segundo Bosi (1994, p. 53).
3
Pensador da Escola de Frankfurt que se suicidou durante a II Guerra Mundial. Um de seus principais trabalhos é Sobre o
Conceito de História no qual diz que há duas formas de memória: o monumento, feito para durar e significar, e o documento,
aquilo que fica aos pedaços. Ao historiador cabe juntar os pedaços, atribuir-lhes significados e escrever a história, a partir de
sua experiência presente (MATTOS, 1992, p. 151-4). Em outro trabalho exalta o fim da narração, demonstrando que as
péssimas relações entre os homens prejudicam a realização da narração, e que com isso a troca de informações entre gerações
torna-se quase que inexistente, o que atrapalha também a transmissão da memória, da experiência. Benjamin acreditava que
narrar e ouvir são fundamentais para possibilitar a reflexão sobre o passado e sobre a transformação do presente.
(GAGNEBIN, 2004 p. 85-91).
18
Para entender melhor esta questão, Halbwachs (1990, p. 21 e 23) cita Durkheim,
[...] não podemos pensar nada, não podemos pensar em nós mesmos, senão pelos
outros e para os outros, e sob a condição desse acordo substancial, que através do
coletivo, persegue o universal e distingue, o sonho da realidade, a loucura individual
da razão comum. [e acrescenta] que, apesar de algum equívoco de expressão, ele nos
faz compreender profundamente que não é o indivíduo em si nem nenhuma entidade
social que se recorda; mas que ninguém pode lembrar-se efetivamente, senão da
sociedade, pela presença ou a evocação e, portanto, pela assistência dos outros ou de
suas obras; [...] Um homem que se lembra sozinho daquilo que os outros não se
lembram assemelha-se a alguém que vê o que os outros não vêem.
Halbwachs (1990, p. 51) acrescenta também que “cada memória individual é um ponto
de vista sobre a memória coletiva” e que esta muda conforme o local, o contexto, as pessoas e
as relações mantidas com o meio. Por isso, muitas vezes, nossas lembranças podem ser
modificadas quando as relembramos com aqueles que delas participaram, já que eles também
possuem lembranças que podem ou não coincidir com as nossas, confirmando o caráter
familiar, grupal e social da memória. Este é um dos motivos também da necessidade de se
4
Conforme Bosi (1994, p. 54), o filósofo Henri Bergson, um dos pioneiros do estudo da memória, considerava
que sua análise deveria se basear apenas na relação entre o corpo e o espírito. Para Kessel (2003, p. 22), Bergson
distinguia dois tipos de memória: a memória hábito (conquistada por meio da repetição) e a memória pura
(aquela evocada em circunstâncias específicas), tão valorizada por Marcel Proust e por ele denominada, memória
involuntária — sua madeleine umedecida no chá de ervas tornou-se ícone da literatura francesa e muitos utilizam
a expressão “experiências proustianas” ao tratar de lembranças súbitas.
5
Pollak é pesquisador do Centre National de Recherches Scientifiques (CNRS) e estuda as relações entre
política e ciências sociais. No texto Memória, Esquecimento, Silêncio apresenta a importância das memórias
subterrâneas, dos esquecimentos e do silêncio, considerados por ele essenciais para a manutenção da memória.
Confronta a existência da memória coletiva organizada pela sociedade majoritária da memória subterrânea,
aquela que existe, mas é impedida de ser divulgada por delatar episódios que possam denegrir a imagem
daqueles que estão no poder.
19
Halbwachs (1990, p. 51) novamente nos auxilia com relação à construção da memória
ao dizer que
a sucessão de lembranças, mesmo daquelas que são mais pessoais, explica-se sempre
pelas mudanças que se produzem em nossas relações com os diversos meios
coletivos, isto é, em definitivo, pelas transformações desses meios, cada um tomado
à parte e em seu conjunto.
6
Frederic Charles Bartlett, autor do clássico Remembering, primeiro livro de psicologia social que trata da
memória e suas relações com o contexto. Bartlett foi fortemente influenciado por Halbwachs.
7
As reflexões de Walter Benjamin analisada aqui foram retiradas do texto de Olgária Mattos (1992, p. 153-4).
20
que sua transmissão devia se dar por meio da narração e o historiador deveria ser o narrador,
aquele que contaria a história e desta forma impediria o desaparecimento da memória, mesmo
que esta fosse apenas representada pela história.
Para Marc Bloch9(1976, p. 24), a história é difícil de ser conceituada, mas ele a resume
como investigação livre, podendo ser de um indivíduo ou de uma sociedade. Afirma também
que a história “é a ciência dos homens, no tempo” (2001, p. 55). Já para a filósofa Agnes
8
A Escola dos Annales, nova forma de escrever e fazer história, resultou dos trabalhos de um pequeno grupo
associado à revista Annales, organizada em 1929 e que teve como fundadores Lucien Febvre e Marc Bloch. O
objetivo da revista era promover um novo fazer historiográfico, com uma história mais abrangente, totalizante e
mais próxima das demais ciências humanas. Seus trabalhos foram tão importantes que influenciaram e ainda
influenciam historiadores de várias nacionalidades, mas principalmente os franceses. Suas idéias foram
aprimoradas ou mesmo modificadas e resultaram no que há tempos denominamos de “Nova História” e que tem
entre seus expoentes, Jacques Le Goff, Georges Duby, Philippe Ariès e Michel Vovelle. A importância dos
Annales é indiscutível, tanto que o historiador inglês, Peter Burke (1997), a considera a Revolução Francesa da
historiografia.
9
Sofreu grande influência dos estudos sobre a estrutura da memória social realizados por Maurice Halbwachs e
também do sociólogo Émile Durkheim.
21
Heller, citada por Hobsbawn (2002, p. 12), a história “trata do que acontece visto de fora, e as
memórias tratam do que acontece visto de dentro”.
Com relação à história, Lowenthal (1998, p. 104 e 107) acredita que esta
22
Os registros nos diversos suportes, desde a caverna de Lascaux aos atuais DVDs só
poderão ser utilizados pelo historiador se forem preservados e devidamente conservados. A
importância da criação da imprensa por Gutenberg está no fato de tornar mais fácil e até
mesmo palpável a produção da humanidade, mas esse contato só se torna possível e viável,
porque há tempos existe a preocupação com a organização da produção humana no que tange
à produção intelectual, artística e mesmo cotidiana, pois não devemos desconsiderar a cultura
material que é uma fonte primordial para os estudos e a compreensão do passado.
uma política cultural que idolatre a memória enquanto memória ou que oculte as
memórias sob uma única memória oficial está irremediavelmente comprometida
com as formas presentes de dominação, herdadas de um passado ignorado. Fadada à
repetição e impedida de inovação, tal política cultural é cúmplice do status quo.
Por isso, devemos conhecer o passado, para entender o presente e construir o futuro.
Precisamos manter a tradição e desta forma a relação de pertencimento com o grupo e sua
coesão, mas sempre de forma crítica.
A memória não é apenas aquela que está com e nas pessoas, mas também nos
documentos preservados nas instituições que, por isso mesmo, podem ser denominadas
instituições-memória ou lugares de memória, expressão cunhada pelo historiador Pierre Nora
e por ele definida como “lugares que contribuam para o estreitamento dos laços entre história,
memória e experiência, permitindo a articulação entre passado, presente e futuro”, segundo
Kessel (2003, p. 11). Para Nora, esses lugares vão além dos museus, arquivos e bibliotecas,
por acreditar que os monumentos, as festas, os dicionários, os calendários, santuários,
tratados, enfim os símbolos e suportes da memória coletiva, são a única forma de perpetuação
de ritos não mais praticados. O historiador critica a necessidade da existência desses lugares, e
afirma que eles acabam com a necessidade da memória espontânea, isto é, os lugares seriam
desnecessários se “vivêssemos verdadeiramente as lembranças que eles envolvem” (NORA,
1993, p. 13). Segundo Pinto (1998, p. 208), ao citar Nora, “Há lugares de memória porque não
há mais meios de memória”.
10
Pretendemos apenas ser enfáticos ao utilizar a idéia de que tudo é preservado, pois estamos conscientes de que seria
humanamente impossível que isso ocorresse, além de sabermos que existem políticas e mecanismos para esquecer ou
simplesmente apagar determinados acontecimentos. A existência da memória pressupõe o esquecimento. Segundo Barreto
(2000), “O esquecimento é uma qualidade da memória, que a preserva e a mantém saudável. Nossa memória funciona, e só
funciona, porque nos é dada a capacidade do esquecimento”.
26
Para entender melhor a questão dos lugares de memória retomamos a questão das
diferenças entre memória e história, sob o ponto de vista de Nora (1993, p. 9) que considera
que
[...] a memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está
em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, [...] A
história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais.
A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a
história, uma representação do passado [...] A memória emerge de um grupo que ela
une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos
grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e
individualizada. A história ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá
uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no
gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às
evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece
o relativo.
Para nós o que mais interessa é demonstrar que a relação da história com a memória
nem sempre é feita de forma harmoniosa e que as instituições-memória são, segundo Nora
(1993, p. 27), “um lugar duplo; um lugar de excesso, fechado sobre si mesmo, fechado sobre
sua identidade; e recolhido sobre seu nome, mas constantemente aberto sobre a extensão de
suas significações”. O autor acredita que estas instituições preservam a memória documental,
27
ou seja, guardam aquilo que foi produzido e que nos é impossível lembrar, tentam parar ou
limitar a ação do tempo e bloquear o esquecimento.
Consideramos que, se estas instituições não existissem, boa parte dos fatos históricos e
da própria formação e desenvolvimento da sociedade humana teria se perdido e estaríamos
constantemente reinventando a roda, para exemplificar de forma simplificada. O que quer
dizer que estas instituições-memória têm como missão preservar traços e vestígios da
memória social e das experiências da humanidade de forma que possam ser acessados.
Os monumentos, entendendo aqui não apenas os arcos, memoriais, etc., mas também
os registros escritos nos mais variados suportes, são a comprovação daquilo que foi escolhido
por determinado grupo para ficar de suas vidas ou então daquilo que restou, para perpetuar
sua memória, que passa por um filtro, já que é impossível guardar e preservar tudo. Todos
esses registros, produzidos desde a Antigüidade, foram e ainda são guardados em instituições
criadas, naquela época, com o intuito principal de preservar a produção humana.
Mesmo com a ampliação dos objetos da história, devemos manter critérios na escolha
do que preservar, já que, segundo Walter Benjamin11, Michel Pollak12 e Jorge Luis Borges,
precisamos ter a capacidade de lembrar e também de esquecer. A relação entre memória e
esquecimento pode ser exemplificada pela história do personagem de Borges no conto
“Funes, o memorioso”. Seu protagonista, Funes, após um acidente, adquire a capacidade de
tudo perceber e desenvolve uma prodigiosa memória. Tudo observado ou vivido por ele
automaticamente transforma-se em lembrança e uma percepção rapidamente se transmuta em
outra, impedindo que ele compreenda o mundo no qual está inserido. Borges (1989, p. 97)
afirma no conto que, “pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair”, e Funes não tinha
esta capacidade, pois tudo lhe era conhecido, sua memória era como um depósito, onde não
havia seleção do que preservar, simplesmente lembrava de tudo e guardava percepções
diversas de uma mesma coisa, o que o impedia até mesmo de dormir, pois os pormenores da
realidade imediata o perseguiam dia e noite, não permitindo que ele distinguisse a memória da
consciência.
Acreditamos que os lugares de memória, frente à crise da memória analisada por Nora
e também devido à transformação ocorrida no mundo e nas relações humanas, fruto do
surgimento e avanço tecnológico, são necessários e devem ser geridos de forma responsável,
por profissionais preparados que analisem muitas das questões acima apresentadas e
compreendam o que é memória e qual o papel que ela desempenha na nossa sociedade,
permitindo que seja preservada e se torne instrumento de reflexão crítica e de recriação do
presente, conforme afirmou Rodrigues (2000, p. 144). Sua administração deverá permitir que
seu acervo esteja à disposição de qualquer pessoa, pois o acesso à memória é direito e dever
de todos os cidadãos.
11
As observações feitas sobre o pensamento de Walter Benjamin se basearam nos textos Bolle (1984), Gagnebin (1998 e
2004), Kessel (2003) e Mattos (1992).Com relação ao esquecimento, Benjamin apresenta-se preocupado com o fato de a
memória e as tradições serem esquecidas, mas ao mesmo tempo considera necessário o esquecimento para valorizar a
narração, tão preconizada por ele como meio de transmissão da memória de geração a geração.
12
Michel Pollak (1992) afirma que “a memória é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica registrado”.
29
4. A Ciência da Informação
A CI passou a ser desenvolvida e conceituada a partir do fim dos anos de 1950, com o
aumento vertiginoso da produção de informações. Esta explosão de informação vinha desde o
fim da II Guerra Mundial e era conseqüência da necessidade de novas descobertas e das
próprias disputas entre as duas grandes potências, Estados Unidos e União Soviética. Ambas
13
Utilizaremos a abreviatura CI para designar Ciência da Informação.
30
buscavam desenvolver seus conhecimentos nas mais variadas áreas, vide o exemplo da
disputa pela conquista do espaço14 e também a corrida armamentista. Segundo Jardim e
Fonseca (2002), a informação transformou-se em “recurso estratégico a ser gerenciado”.
14
O Sputnik foi lançado em 1957 pela União Soviética. Segundo Hayes, citado por Fonseca (2005, p. 17), “esse
evento sacudiu as instituições militares, industriais e científicas dos Estados Unidos”.
15
Para exemplificar esta questão podemos também citar Paul Otlet (1937) que considera o ciclo como “um
movimento desenvolvido de espiral em espiral: novo pensamento, nova descrição, novo projetar”.
16
Conforme Silva (2002, p. 576) no século XIX com o desenvolvimento positivista e científico da História, a
biblioteconomia, arquivologia e museologia foram consideradas ciências auxiliares.
31
17
Segundo Pinheiro (2002, p.80) o ideal difundido pelo UNISIST, frente à realidade mundial e às dificuldades
que interferem no fluxo da informação, pode ser considerado como romântico e utópico.
32
São muitas as definições para CI. Segundo Harold Borko é uma disciplina que
Para Oddone a CI vai além do tratamento da informação, está inserida num processo
de comunicação inerente a todas as instituições-memória, processo esse que representa papel
imprescindível na assimilação, produção e perpetuação do conhecimento, tão caro e
necessário a toda a humanidade. Odonne acredita que, para o processo de comunicação ser
realizado, o profissional da informação deve considerar o conjunto de atividades e demais
elementos relacionados à informação, buscando inseri-los num contexto maior que permita
que a informação ocupe papel estratégico na produção de novos saberes. A definição de
Oddone não apenas insere a CI nas várias áreas que têm a informação como objeto de estudo,
mas também cita todas elas nominalmente em seu texto18, afirmando que, a CI abrange as
áreas da museologia, biblioteconomia e arquivologia, desde que estas trabalhem a informação
de forma a inseri-la num contexto maior, valorizando sua a função social e sua importância na
produção e disseminação de conhecimento. Não devemos manter o foco apenas nos acervos,
como foi feito durante muito tempo.
18
Para evitar que a citação ficasse muito longa, apresentamos aqui o trecho do texto de Oddone, citado por
Miranda (2002, p. 23): A CI “não deve restringir seu escopo epistemológico a essa ou aquela atividade
profissional — biblioteconomia, arquivologia, museologia — a essa ou aquela competência técnica —
bibliotecários, arquivistas, museólogos, gestores da informação [...].
34
Com base em mais um dos clássicos estudos sobre a CI, apresentamos a definição de
Le Coadic (1996, p.26) que considera a CI como
ciência social rigorosa que se apóia em uma tecnologia também rigorosa. Tem por
objeto o estudo das propriedades gerais da informação (natureza, gênese, efeitos), ou
seja, mais precisamente: a análise dos processos de construção, comunicação e uso
da informação; e a concepção dos produtos e sistemas que permitem sua construção,
comunicação, armazenamento e uso.
(2004), não se deve prender a estudar apenas os fenômenos representados em textos, já que
existem outros tipos documentais como objetos, depoimentos, imagens, etc., que igualmente
representam a produção do homem e são imprescindíveis para a perpetuação da ação humana
e para novas ações que resultarão na produção de novos saberes.
Percebemos então que a CI é uma ciência em constante construção, que tem como
objeto de estudo a informação atrelada aos seus meios de transferência ou comunicação e ao
seu uso e forma de assimilação pelo usuário, receptor da mensagem. As definições de CI,
muitas vezes, salientam a questão e a necessidade da interdisciplinaridade, a partir da qual
serão delimitadas as fronteiras entre as disciplinas relacionadas às instituições-memória,
evitando que a interdisciplinaridade, tão preconizada por muitos autores, transforme-se em
indisciplinaridade, conforme Boulding, citado por Pinheiro (2002, p. 82).
Concluímos, com base na argumentação dos autores19 que valorizam a
interdisciplinaridade, que a CI é uma ciência que pode ou mesmo deve ser aplicada às várias
disciplinas (arquivologia, biblioteconomia e museologia) relacionadas às instituições-
memória, permitindo, por meio de seus procedimentos de organização e de disponibilização
da informação, que as disciplinas acima citadas possam alcançar suas missões de forma mais
estruturada, não dependendo das práticas e procedimentos restritos aos locais
institucionalizados. Ou seja, a informação de um documento de arquivo poderá ser tratada e
disponibilizada de forma muito semelhante a de um objeto de museu ou a de uma publicação
numa biblioteca, pois os procedimentos terão como base os pressupostos da CI e não estarão
vinculados diretamente a algumas práticas e métodos preconizados em cada uma das
instituições, entretanto salientamos que algumas especificidades deverão ser mantidas, como a
organicidade dos fundos arquivísticos, o que não impede que a informação retirada dos
documentos que o compõem possam ser tratadas com base nos procedimentos da CI.
A incorporação dos pressupostos da CI a algumas práticas da arquivologia,
biblioteconomia e museologia de forma alguma tornam essas disciplinas iguais, pois cada
uma delas continuará tendo suas missões específicas e se preocuparão em manter a função
definida para o documento dentro do espaço institucionalizado.
A apropriação dos procedimentos da CI é fundamental para o desenvolvimento,
valorização e perpetuação das instituições-memória, que deverão utilizá-los para realizar
19
Nesse caso estamos enfatizando as teorias dos autores europeus que consideram a CI como decorrência da
Documentação e mantêm um vínculo mais próximo com as instituições-memória, enquanto que os autores norte-
americanos, valorizam muito mais a importância da tecnologia para o desenvolvimento e aplicação da CI, isso
porque os estudos voltados à CI ficaram atrelados ao desenvolvimento de mecanismos tecnológicos aplicados à
documentação e à recuperação da informação.
36
trabalhos que tenham como foco, muito mais que a preservação e a disseminação da
informação, o usuário e suas necessidades. Salientamos que os profissionais da informação, a
partir do momento que estabelecem as teorias, os parâmetros e os paradigmas para suas
atividades e mantém domínio sobre a base conceitual da CI, tornam-se completos e não
necessitam necessariamente estar atrelados aos espaços nos quais exercem suas funções e
saberes (SMIT e BARRETO, 2002, p.22). Ou seja, o bibliotecário não terá, obrigatoriamente,
que exercer suas funções em uma biblioteca e assim por diante. Aliás, a questão do espaço
físico tem sofrido transformações, principalmente com o advento da Nova Museologia e o
Ecomuseu, no que tange especificamente a museologia, mas também com o surgimento dos
espaços virtuais, como as bibliotecas, museus e arquivos virtuais tão comuns hoje em dia. A
atual realidade, fruto principalmente do avanço tecnológico e das facilidades de transmissão
de dados e de comunicação, torna cada vez mais difícil delimitarmos o campo de atuação dos
profissionais de cada uma dessas instituições, pois todos devem trabalhar de forma conjunta
para desenvolver teorias e princípios gerais comuns a todas elas, com vistas à gestão da
memória, ao tratamento da informação e sua disponibilização de forma rápida e eficaz para o
usuário.
20
Na verdade poderíamos considerar como três se acrescentássemos também a questão do conhecimento, mas
preferimos centrar nossa análise apenas na informação e documento, por considerar que há muito ainda para se
estudar sobre a gestão do conhecimento, apesar de estarmos conscientes de que as mudanças na sociedade pós-
industrial alteraram bastante a produção do conhecimento e sua relação com a sociedade, e que tanto o
conhecimento como a informação têm importância fundamental neste novo cenário.
21
Salientamos que trataremos especificamente da informação, não a considerando como sinônimo de
conhecimento, pois como conhecimento é o produto gerado pelo receptor da informação a partir da compreensão
e assimilação desta com base em seu repertório cultural e intelectual, ou seja, enquanto a informação é recebida,
o conhecimento é produzido internamente, conforme Hayes, citado por Pinheiro (2004).
37
McGarry (1984, p. 14-6) começa sua análise pela etimologia da palavra. Informação
vem do latim: formatio e forma que exprimem a idéia de dar forma a alguma coisa, de formar
um padrão, representar. Segundo o dicionário Concise Oxford English Dictionary, informação
que dizer: “informar, dizer, coisa dita, conhecimento, (os almejados) dados de conhecimento,
notícia, (acerca de)”. Podemos também considerar que informação é aquilo que recebemos do
exterior e que forma a base dos julgamentos que fazemos e das decisões que tomamos durante
a nossa vida. Com base nos pensamentos de alguns estudiosos, McGarry cita:
• “Nobert Wiener: informação é o nome dado ao conteúdo do que é trocado com o mundo do exterior
quando nos ajustamos a ele e nele fazemos sentir o nosso ajustamento. Viver de facto é viver com
informação.
• Jesse Shera: informação, tanto no sentido em que é usada pelo biólogo como no sentido em que nós
bibliotecários a usamos, é um ‘facto’. É o estímulo que recebemos através dos nossos sentidos; mas
é sempre uma unidade, é uma unidade de pensamento.
• George Miller: informação é algo de que temos necessidade quando enfrentamos uma opção. Seja
qual for o seu conteúdo a quantidade de informação requerida depende da complexidade da opção.
Se enfrentamos um amplo leque de alternativas equiparáveis, se algo pode acontecer, precisamos de
mais informação do que se estivermos face a uma simples escolha entre duas alternativas.
• C. Shannon e W. Weaver: a informação tem menos a ver com o que se diz de facto do que com o
que se podia dizer. Isto é, a informação mede a liberdade de escolha de cada um quando este tem de
seleccionar uma mensagem. A informação aplica-se não a mensagens individuais mas à situação
como um todo.
A sucinta amostra de definições oferecidas por McGarry nos apresenta uma variedade
de atributos relacionados à informação. Alguns autores a consideram como elemento
fundamental num momento de decisão, além de simbolizar liberdade de escolha; ser
caracterizada como matéria-prima do conhecimento e manter uma relação de total
38
dependência com o receptor. Estes dois últimos atributos muito interessam aos profissionais
da informação.
Segundo Hayes, citado por Pinheiro (2004), informação é “[...] propriedade de dados
(isto é, símbolos registrados) os quais representam (e medem) efeitos de seu processamento”.
Nesse mesmo trabalho, Pinheiro esclarece que a informação de que trata a CI pode estar
registrada de inúmeras formas e em diferentes suportes, e a informação pode ser de uma
determinada área do conhecimento — neste caso fica atrelada ao contexto no qual é produzida
e aplicada —, ou então ser analisada sob uma determinada abordagem, considerando os
aspectos cognitivos, administrativos ou gerenciais. A questão da forma de abordagem está
presente também na argumentação de Wersig e Nevelling, citados ainda por Pinheiro (2004),
que apresentam tipos de abordagem com base na: estrutura, conhecimento; mensagem;
significado; efeito ou processo nos quais está inserida a informação. Enfim, há inúmeras
formas de considerar, analisar ou mesmo definir a informação. No caso específico da CI
consideramos importante a afirmação de Tálamo, citado por Jardim e Fonseca (2004), "a
informação é inseparável do sujeito, tanto daquele que a gera, como daquele que a transforma
e a trata, como daquele que a recebe e a aplica, transformando-a ou não em outros conteúdos",
pois confirma a importância representada pelo receptor/usuário que, durante muito tempo, foi
praticamente esquecido pelos profissionais da informação.
A circulação preconizada por Le Coadic está relacionada aos estudos e à missão da CI,
sabendo que a assimilação, compreensão e apropriação da informação são sempre feitas de
indivíduo para indivíduo e dependerá das competências específicas de cada um. A
39
uma abstração informal (isto é, não pode ser formalizada através de uma teoria
lógica ou matemática), que representa algo significativo para alguém através de
textos, imagens, sons ou animação [...] A informação é objetiva-subjetiva no sentido
que é descrita de uma forma objetiva (texto, figuras, etc.), mas seu significado é
subjetivo, dependente do usuário [...] A informação visa mudar a forma com que o
receptor percebe algo [...]
informação precisa estar registrada em algum tipo de suporte e por meio de algum código22,
garantido sua permanência no tempo e portabilidade no espaço (SMIT e BARRETO, 2002,
p.20). Conforme Smit (2005, p. 24), a informação ao ser registrada num suporte e por meio de
um código torna-se uma informação codificada que, desta forma, pode ser acessada e
socializada. A autora enfatiza o papel do profissional da informação que não só armazena a
informação, mas também cria condições para que ela seja acessada, por meio de vários
instrumentos, como as linguagens de representação ou linguagens documentárias, que
permitem ao profissional representar o conteúdo do documento, os dados existentes,
possibilitando que o usuário tenha acesso a eles e possa, dependendo de sua competência,
apropriar-se deles e transformá-los em informação. Percebemos, então, que a informação,
como afirma Smit (2005, p. 15), “não constitui um bem tangível, pressupõe sempre a noção
de seleção, que seu reconhecimento é circunstancial e que é necessário distinguir claramente
em quais condições a informação pode ser compartilhada socialmente em função do código
empregado”.
22
Entendido como conjunto de sinais ou símbolos para representar a informação. Por exemplo, no caso de um
documento da administração pública podemos ter alguns códigos: a própria língua portuguesa e também
números criados com a finalidade de relacionar o documento com o departamento que o criou, etc.
41
Le Goff (2004, p. 525) inicia sua análise sobre o termo documento mostrando quão
fundamental foi e continua sendo o registro do conhecimento produzido pelo homem em
documentos para o estudo e escrita da história. Cita os teóricos mais ortodoxos da História
Positivista, Langlois e Seignobos, que exprimiram numa fórmula a base da ciência histórica,
afirmando que “sem documentos não há história”23 (LE GOFF, 2004, p.106). Aliás, podemos
também citar as considerações de Tessitore (2003, p.11) que salienta que os documentos são
testemunhos dos caminhos trilhados pela humanidade e sua existência permite que cada
indivíduo, segmento social ou instituição construa sua identidade e decida como agir perante a
23
Apesar da relevância desta declaração, os historiadores da Nova História criticavam os positivistas, não pelo fato da
importância que davam ao documento, mas sim à forma como eles consideravam que o historiador deveria trabalhar com o
documento — de forma totalmente submissa, o conteúdo do documento não poderia ser criticado, questionado.
42
No século XX, com a Escola dos Annales, amplia-se a noção de documento. Segundo
Lucien Febvre, citado por Le Goff (2004, p. 530)
A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas
pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com
tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na
falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. [...] Numa palavra, com tudo
o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o
homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem
[...]”.
24
Considerado o verdadeiro fundador da diplomática (LE GOFF, 2004, p.120). Sua obra é vista como o marco
da crítica dos documentos de arquivo.
43
E seguindo esse raciocínio, Marc Bloch (2001, p. 80) afirma que não existem
documentos específicos para cada questão histórica. Cabe ao historiador pesquisar e encontrar
documentos, não obrigatoriamente textuais, que lhe auxiliem em seus estudos. Bloch cita as
pinturas, esculturas e até mesmo a disposição das tumbas como documentos ou vestígios
essenciais para a escrita da história. Assim, todos os elementos da cultura de uma sociedade
devem ser considerados pelo historiador, dependendo do assunto e do foco que lhe é dado. O
principal é percebermos que toda essa massa documental ou patrimônio cultural constitui a
memória coletiva, mas para que ela realmente seja recuperada ou reconstruída, os
historiadores devem trabalhar o documento como monumento, tendo consciência de que “é
um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o
poder" (LE GOFF, 2004, p. 536).
25
Conforme Lemos, citado por Bellotto (2002, p.14), o patrimônio histórico restringe-se aos chamados artefatos
e é um segmento do patrimônio cultural, definido por conjunto de patrimônios de uma nação ou de um povo. O
patrimônio histórico é formado por produtos acabados que servem essencialmente como testemunhos ou provas.
44
[...] como um fato ao qual temos direito como agentes ou sujeitos históricos; como
um valor ao qual todos têm direito numa sociedade de classes que exclui uma parte
de seus cidadãos do direito à criação e à fruição das obras do pensamento e das
obras de arte [...] a cultura é simultaneamente um fato e um valor, a enfrentar o
paradoxo no qual a cultura é o modo de ser dos humanos e, no entanto, precisa ser
tomada como um direito daqueles humanos que não a podem exercer completamente
[...].
prova, de beleza estética ou de seu conteúdo informativo, mas como patrimônio cultural.
Entretanto, é importante definir as funções atribuídas aos documentos nos diferentes tipos de
instituição aqui estudados. Por isso e para não nos tornarmos repetitivos, buscamos
demonstrar que o documento/monumento tem um valor que é quase que imensurável por tudo
que representa para a comunidade que o produziu e também para as que futuramente poderão
utilizá-lo como testemunho da memória daqueles que já se foram, desde que estejam
preservados, organizados e disponibilizados nas instituições-memória.
Decidimos tratar cada uma das áreas isoladamente, buscando qualificá-las como
disciplinas que aplicam e validam os pressupostos da CI. Para não tornar muito longa a
explanação sobre cada uma delas, optamos por traçar seus respectivos históricos de forma
resumida, por julgarmos essencial entender a sua gênese até chegar no momento nos qual nos
encontramos hoje, já que ocorreram alterações cruciais no desenvolvimento e reconhecimento
de todas estas disciplinas. Apesar de considerarmos, como citado acima, que estas disciplinas
não estão atreladas necessariamente à instituição, ou seja, não tratam especificamente do local
ao qual estão relacionadas, é interessante estudar também as características principais de suas
instituições, tornando a argumentação mais completa.
Desde já, o que podemos apresentar é que a história da evolução de todas estas
disciplinas, principalmente a biblioteconomia e a arquivologia, salienta momentos decisivos
de transformação, como quando da criação da imprensa por Gutenberg, no século XVI, ou do
desenvolvimento do Iluminismo no século XVIII, que enaltecia a classificação e separação
das idéias e dos objetos, buscando atingir uma objetividade científica em todas as áreas do
conhecimento, inclusive nas humanidades. Até chegarmos ao século XIX que apresentou
mudanças extremamente significativas no modo de produção, no modo de vida e na
construção de conhecimento.
26
Decidimos enunciar as disciplinas obedecendo à ordem alfabética para evitar qualquer tipo de interpretação
valorativa.
46
seja, o foco estava na guarda dos documentos — paradigma patrimonialista, conforme Silva
(2002, p. 573). A partir do século XIX, surge uma nova forma de desenvolver atividades
relacionadas ao patrimônio, que passa a privilegiar a disseminação de tudo que é preservado.
São desenvolvidos muitos estudos com vistas a melhorar a maneira de permitir, em princípio,
o acesso ao documento, e já no século XX, principalmente a partir da década de 50, o acesso à
informação.
Este processo evolutivo permitiu o surgimento das ciências relacionadas aos lugares
de memória que se transformaram, de meros depósitos, em instituições responsáveis pela
coleta, guarda, organização e também disseminação da informação. Nesse novo contexto, a
teoria se sobrepõe às práticas e estas instituições passam a estabelecer suas próprias teorias e
padrões aplicados em suas atividades para atingir seus objetivos, tendo sempre como foco
principal a informação e sua relação intrínseca com o usuário.
27
Optamos por utilizar o termo arquivologia, mesmo sabendo que vários autores utilizam o termo arquivística.
Camargo e Bellotto (1996, p. 5) apresentam os dois termos como sinônimos.
47
arquivologia. Esse manual28, até hoje considerado como uma das principais produções
intelectuais na área, e citado pelos mais conceituados autores da área, foi publicado em 1891.
28
Segundo Theo Thomassem, citado por Fonseca (2005, p.57) a publicação do Manual dos holandeses revolucionou a
arquivologia e estabeleceu um novo paradigma ao desvinculá-la da diplomática, consolidando a tradição administrativa, que
definia a necessidade de estabelecer a relação de dependência entre o documento, seu órgão produtor e sua instituição de
custódia.
48
3. A partir do século XVI até o século XIX, os arquivos transformaram-se em arsenais das
autoridades e passaram a se caracterizar como: arquivos do poder, arquivos da administração
e arquivos da história. “A centralização do governo foi seguida pela centralização dos
documentos [...] que eram considerados como pertencentes ao Estado” (BURKE, 2003, p.
128). Os arquivos permaneceram secretos e inacessíveis até a Revolução Francesa, quando foi
proclamado seu acesso público. Segundo Certeau (1986, p. 4), em 1847 foi aberta a primeira
sala de arquivo para o público realizar consultas. Durante o período analisado, foram
desenvolvidas as teorias arquivísticas; textos foram publicados com enfoque na paleografia e
na diplomática, que favoreceu o desenvolvimento da prática da análise crítica dos documentos
por parte dos historiadores. Surge a figura do arquivista;
Após esse breve histórico, podemos apresentar algumas definições. Segundo Heredia
Herrera (1993, p.23) a arquivologia é uma das disciplinas integradas dentro do conjunto da
Ciência da Documentação e Informação. Entretanto, muitos não a aceitam como ciência, por
49
ter-se iniciado com base em experiências, pelo predomínio da técnica e por não possuir uma
terminologia única. A autora salienta também que a dificuldade de estabelecer uma
terminologia própria decorre do próprio momento histórico no qual a arquivologia foi
desenvolvida e também em virtude das influências sofridas pela íntima relação com a
biblioteconomia e com a diplomática, que estuda o documento individualmente e se preocupa
muito mais com sua forma e suas cláusulas, a fim de estabelecer as tipologias, enquanto a
arquivologia trabalha com massas documentais oriundas de uma mesma instituição e mantém
a organicidade deste conjunto de documentos.
A arquivologia não deve ser considerada apenas como a ciência do arquivo, pois,
conforme Heredia (1993, p. 30) ela “estuda a natureza dos arquivos, os princípios de sua
conservação e organização e os meios para sua utilização”, tendo como foco de análise o
arquivo como um serviço e não apenas como um local onde são armazenadas massas
documentais. Os principais objetos de estudo da arquivologia deveriam ser o arquivo, seus
documentos e a informação, mas esta última, até meados do século XX, era praticamente
desconsiderada. O foco do trabalho estava voltado para a questão da proveniência e para a
manutenção da organicidade dos documentos arquivados, enfatizando o caráter natural
presente na acumulação dos documentos. Conforme afirma Fonseca (2005, p. 56) os objetivos
e a metodologia estavam voltados para o controle físico e intelectual dos documentos,
buscando manter sua organicidade, justificando a preservação do documento por seu valor
como fonte histórica e também como prova documental, no que tangia a questões legislativas,
por exemplo.
Segundo o National Information System (Natis), citado por Costa, (1990, p. 142),
Esta nova arquivologia tem como objeto de estudo a informação orgânica, ou seja,
aquela produzida e inserida num processo administrativo. Seu valor está relacionado ao seu
conteúdo e também a sua forma de produção. Sua metodologia, segundo Fonseca (2005, p.
59), está voltada muito mais para a “análise das relações entre os documentos e seus
geradores”, enquanto que seu objetivo vai além da acessibilidade, pois procura manter de
forma clara a relação entre o documento e o processo administrativo que o gerou. Assim, a
arquivologia deixa de ser considerada como uma ciência auxiliar da história, já que o
tratamento dos documentos e sua preservação não têm como foco apenas atender às
necessidades de estudiosos que queiram reconstruir o passado.
Além disso, os arquivistas não são mais meros receptores de massas documentais que
deverão ser mantidas, segundo sua proveniência e organicidade, eles passam a influenciar e a
atuar no processo de gestão do documento, desde a sua origem até a sua eliminação ou guarda
permanente, tendo como principal ponto de análise as “funções e processos na criação dos
documentos”, que deixam de ser artefatos fechados e transformam-se em agentes ativos,
representando importância na vida de indivíduos, organizações e sociedades (FONSECA,
2005, p. 63). A forma de organizar os documentos passa a refletir a própria dinâmica do
29
Segundo Fonseca (2005, p.36) essas denominações surgiram no Canadá no início dos anos 90.
51
documento para a informação não se dá de forma instantânea e que, segundo Smit (2005,
p.43), “o usuário é muito mais complexo do que se quis pensar inicialmente e suas formas de
identificação de uma necessidade informacional e de busca de informação são altamente
diversificadas, mutantes e circunstanciais; o usuário justifica a existência e geralmente
mantém o arquivo”, disso resulta a importância da interdisciplinaridade com a CI, pois os
estudos desenvolvidos acerca dos usuários e também de instrumentos de representação da
informação, auxiliarão o trabalho do arquivista ao desenvolver uma linguagem adequada ao
usuário e que possibilite o acesso rápido e eficaz à informação.
Sendo assim, o arquivo atende não apenas àqueles que criaram o documento, como
também ao pesquisador e ao cidadão comum. Para cumprir sua função, o arquivista tem que
considerar o documento como parte integrante de uma estrutura que mantém relação com os
demais documentos gerados.
memória comum dos homens e uma responsabilidade na construção do futuro [...] A memória
é o fundamento dos direitos dos cidadãos”.
Iniciamos pelo histórico das bibliotecas30, uma das mais antigas instituições-memória
que, no início, apresentavam acervo composto de documentos nos mais variados suportes
(tabletes de madeira, pergaminho, papiro, pedra, madeira, etc.), confundiam-se com o arquivo
e o museu, e estavam prioritariamente preocupadas com a preservação de seus acervos.
A Antigüidade ficou marcada pela produção literária e filosófica, mas também pela
existência de grandes bibliotecas, como a de Assurbanipal, em Nínive, e, posteriormente, a de
Pergamo e a de Alexandria que, além de ser considerada a mais famosa, foi fundada no século
III a.C. e inspirada na biblioteca criada por Aristóteles em sua Escola de Filosofia. Tornou-se
uma das maiores bibliotecas já conhecidas, pois tinha como principal objetivo abrigar a
totalidade do conhecimento humano registrado, o que ajudou a cidade a se tornar o principal
centro intelectual do mundo helenístico.
30
Utilizamos como base o texto de Ortega (2004).
55
Gutenberg31 — os livros, até então produzidos em pequeníssima escala pelos copistas, em sua
maioria clérigos, passaram a ser produzidos mais rapidamente. A invenção da tipografia
contribuiu para o barateamento da produção e para o aumento e rapidez na distribuição dos
livros. Como afirma Burke (2003, p. 56) “[...] a biblioteca aumentou de importância, assim
como de tamanho depois da invenção da imprensa”. Outro ponto importante relacionado à
invenção de Gutenberg é o fato de que, com o aumento da produção de livros, as bibliotecas,
que até então eram uma mistura de arquivo e museu, tornaram-se mais especializadas no trato
do livro. As bibliotecas passaram a existir separadamente e alcançaram status maior,
ganhando mais visibilidade pública e social. Os documentos tornaram-se foco de interesse do
arquivo, e os livros, da biblioteca. O bibliotecário, que até então trabalhava basicamente com
a (re)produção de documentos, começou a se preocupar com o conteúdo do documento/livro
(ORTEGA, 2004).
Segundo Lucas (2000, p. 30), nos Estados Unidos as primeiras bibliotecas abertas ao
público surgiram a partir de 1731. Na França, o acesso marcadamente democratizado
começou após a Revolução Francesa, que tinha como um de seus principais objetivos
democratizar o acesso ao patrimônio da nação. Ainda com relação à questão do acesso, Burke
(2003, p. 160) afirma que este, nas primeiras bibliotecas modernas, dependia das atitudes do
bibliotecário e de sua equipe. Era freqüente os pesquisadores serem impedidos de ter acesso à
31
Segundo Leroi-Gourhan, citado por Le Goff (2004, p.452), com o impresso o leitor além de ser colocado em
presença de uma “memória coletiva enorme” passa a não ter capacidade de memorizar tudo que lê e um texto
acaba levando à descoberta de outros. O surgimento da imprensa colaborou e muito para a decadência da arte da
memória (ato de lembrar) e da tradição da oralidade.
32
Advis pour dresser une bibliothèque, primeira edição é de 1627.
56
33
Bibliothèconomie: instructions sur l’arrangement, la conservation e l’administration des bibliothèques.
57
necessidades de uma massa de analfabetos que, da noite para o dia, tinha que aprender a ler e
a escrever para poder atuar no novo modo de produção. As bibliotecas então passaram a ser
entendidas como “equipamentos de acesso universal à educação e à cultura” (ORTEGA,
2004). Foi a partir desse momento que começou a haver uma diferenciação no trabalho do
documentalista e do bibliotecário. Diferenciação esta que resultou na separação entre as duas
áreas, principalmente após os trabalhos de Paul Otlet e Henri La Fontaine34, que
sistematizavam a Documentação com base nas bibliografias até então desenvolvidas.
Enfim, a história da biblioteca não pode ser separada da história do próprio homem,
pois a produção de documentos (suportes onde se registra a memória coletiva), patrimônio
cultural de uma sociedade, leva à necessidade de sua preservação e organização para posterior
apropriação.
34
Os detalhes sobre os trabalhos desenvolvidos por eles serão apresentados no item 4.3.3.
58
35
Os centros de documentação serão melhor discutidos no item 4.3.3.
59
de bibliotecários. Conforme Sambaquy, citada por Carteri (2004) “cumpre aos bibliotecários
conviver e cultuar a memória”.
Tanto quanto o arquivista, o bibliotecário deve manter uma posição crítica no trato da
informação e estar consciente do importante papel que desenvolve não só na preservação do
patrimônio cultural da humanidade, mas principalmente no papel de mediador entre a
informação ou documento e o usuário, afinal o trabalho com o estoque informacional (SMIT,
2000, p. 129) deve prever a capacidade de alterar algo na sociedade ou no indivíduo. Segundo
Vaillant e Singly (1997, p. 119), as bibliotecas devem ser mais que mediadoras ao criar
espaços nos quais seus usuários possam expressar ou mesmo desenvolver idéias e
conhecimentos a partir da apropriação do acervo. Consideram, também, imprescindível o
compartilhamento do conhecimento e salientam o fato de que o ato da leitura tornou-se
extremamente fechado, o que impede que as pessoas discutam sobre o que estão lendo. A
troca e o compartilhamento são essenciais para que os leitores/cidadãos deixem de ser apenas
consumidores de cultura e passem a ter uma postura crítica ante o que é produzido e oferecido
a eles. Segundo Kupiec, citado por Vaillant e Singly (1997, p. 124), “ler é ter acesso à opinião
do outro”, por isso a socialização da biblioteca como espaço público e cultural é relevante
para que seus usuários transformem-se em consumidores e produtores de conhecimento.
Com relação às crianças, o papel da biblioteca é ainda maior, por desempenhar função
primordial na democratização da aprendizagem. Infelizmente estas atribuições do
bibliotecário nem sempre são percebidas e praticadas. Nem por isso devemos esmorecer. O
60
36
Embora saibamos que muitos autores consideram a documentação uma variante da biblioteconomia,
decidimos tratá-las separadamente, para traçar o histórico de cada uma delas, mas consideramos que na essência
as duas se complementam e podem até mesmo ser consideradas praticamente sinônimas.
61
O desejo dos belgas ia muito além das bibliografias até então produzidas, e seu caráter
extremamente audacioso impediu que fosse concretizado, principalmente porque necessitaria
de uma cooperação internacional, o que tornava a iniciativa um tanto quanto sonhadora.
Entretanto, apesar de a realização da bibliografia universal não ter sido realizada, Otlet
continuou seus estudos acerca da documentação, separando-a cada vez mais da
biblioteconomia, considerada por ele como o conjunto de técnicas para tratar os livros. Para
fortalecer e tornar viáveis seus planos, Otlet buscou a colaboração de intelectuais estrangeiros
em seu projeto, ao promover a I Conferência Internacional de Bibliografia, em 1895, quando
foi aprovada a criação do IIB, que em 1931 passou a denominar-se Instituto Internacional de
Documentação (IID).
Uma dos pontos principais do trabalho de Otlet está no fato de ampliar o rol de
documentos que interessariam aos documentalistas. Ele acreditava que um documento não se
restringia aos registros textuais, ampliou a categoria de documento e incorporou também os
objetos e os documentos iconográficos e sonoros, os chamados audiovisuais. Esta maior
abrangência de tipos documentais, vinha ao encontro dos princípios e objetos da Nova
História, que começou a ser desenvolvida praticamente na mesma época: fim dos anos de
1920.
62
Segundo Fonseca (2005, p. 14), o instituto criado por Otlet propôs a seguinte definição
para documento: “tudo aquilo que represente ou expresse por meio de sinais gráficos (escrita,
diagramas, mapas, algarismo, símbolos) um objeto, uma idéia ou uma impressão. Os textos
impressos (livros, revista, jornais) constituem, hoje, a categoria mais numerosa de
documento”. Anos depois, a definição de Otlet foi melhorada, por Briet, citado por Pinheiro
(2002, p. 65), que apresenta o documento como
Muitos autores consideram que Paul Otlet foi o precursor da CI já que, a partir de meados da
década de 1950, com o avanço da tecnologia, aos estudos da documentação vão sendo
incorporadas as questões tecnológicas e passa-se a denominar esta nova área de CI. No
entanto, o princípio continua sendo o mesmo — o tratamento da informação, normalmente
especializada, para que seja apropriada por um determinado público.
O centro de documentação e informação pode ser caracterizado como o local onde são
preservados ou referenciados documentos do tema relacionado às atividades-fim da
instituição que o organizou. Os documentos ou as referências servirão de apoio para o
desenvolvimento de novas pesquisas. Segundo Tessitore (2003, p. 15), o papel do centro é
não apenas disponibilizar documentos ou referências ao pesquisador, mas tornar-se um pólo
de atração “da produção documental de pessoas e entidades que atuam ou atuaram no seu
campo de especialização”.
64
Rodrigo Faleiro
A história dos museus está entrelaçada à das bibliotecas e arquivos já que, no início,
essas instituições se confundiam ou existiam num único espaço físico. Os museus são
herdeiros do fenômeno social do colecionismo (LOPES, 1988, p. 14), que tem o sentido de
dar continuidade ao passado. Temos notícias de que os museus institucionalizados surgiram
no III milênio a.C., como o de Alexandria, que, de acordo com Guarnieri, citado por Lopes
(1988, p. 14), com seu caráter universalista, se tornou o primeiro centro de pesquisa e
convívio cultural e objetivava armazenar toda a produção da humanidade. Esta coleção
aleatória tinha como finalidade específica preservar a memória da humanidade, mas também
era símbolo incontestável de poder.
O contato com povos tão diferentes provocou uma crise do conhecimento na Europa,
pois havia desconhecimento total sobre tudo aquilo que chegava e compunha o acervo dos
museus e dos gabinetes de curiosidades. Esse período foi marcado pelo início de práticas de
classificação dos novos objetos. Os gabinetes transformaram-se em núcleos de investigação e
pesquisa.
Em 1640 foi criado o gabinete do jardim das plantas do rei, que mais tarde originou o
Museu de História Natural da França. Algumas décadas depois, em 1683, foi inaugurado o
Ashmolean, considerado o primeiro museu de histórica natural de caráter pedagógico, ou seja,
as tarefas do museu começavam a extrapolar a questão da preservação e da mera curiosidade
por objetos excêntricos. Segundo Lopes (1988, p. 18), a concepção do Ashmolean “já se
aproximava das visões dos museus atuais com propósitos de investigação, conservação,
catalogação, educação e exibição”. Ele é considerado o primeiro museu público europeu.
O período entre o fim do século XVII e início do XVIII ficou marcado pela
cristalização da instituição museu que tinha como “função social expor objetos que
documentassem o passado e o presente e celebrassem a ciência e a historiografia oficiais”
(SUANO, 1986, p. 23). O acesso às grandes coleções tornou-se mais freqüente, em virtude da
própria política educacional e cultural que predominava em alguns países da Europa.
presente nos trabalhos do museu, que buscava valorizar o caráter informativo representado
por cada documento de seu acervo. Os historiadores passaram a utilizar esses objetos como
fonte para suas pesquisas.
O início do século XX, até a II Guerra Mundial, foi caracterizado por poucas
transformações no cenário museológico, que, no entanto, já apresentava algum
desenvolvimento em relação a seu público, mas ainda não o desejável, visto que os próprios
cidadãos não se dispunham a visitar os museus por acreditarem ser local apenas dos
privilegiados e escolhidos. No entanto, já era perceptível que o museu se tornara o mediador
entre o público e o acervo. A comunicação entre eles era mediada pelo discurso produzido
pelo museu, que já há algum tempo tinha, como continua tendo, responsabilidade sobre o que
custodia e também sobre a forma como exibe seu acervo, na tentativa de cumprir sua função
social.
Esta questão relacionada ao público não foi tratada na análise sobre as bibliotecas,
arquivos e centros de documentação, principalmente por acreditarmos que, nesses casos,
normalmente o usuário que procura a instituição já tem um motivo definido — quer encontrar
68
uma informação para resolver um problema específico. No caso dos museus, esta dúvida
geralmente não existe; se existe, o indivíduo não sabe que poderá esclarecê-la com uma visita
ao museu. Naquela época, muito mais que hoje, o museu era visto como um templo onde
eram expostos objetos que mereciam a admiração de seu público. Praticamente não existiam
questionamentos, ou mesmo a vontade de visitá-lo apenas por curiosidade ou deleite.
Os museus, que tinham sido saqueados, aos poucos receberam seus acervos de volta e
começaram a desenvolver novos trabalhos com e para seu público. Chegaram então os anos
de 1960 a 1970, e um novo modelo de museu surgiu: o Ecomuseu, que trata de um território,
considerando todo o patrimônio de uma região, englobando as riquezas naturais, geológicas,
agrícolas, industriais, sociais, culturais, etc.
Como as demais disciplinas analisadas neste trabalho, a museologia não possui uma
conceituação única, como salientou István, citado por Cerávolo (2004, p. 6), falta “unidade
lingüística em museologia”. Mesmo assim, apresentaremos algumas definições atuais de
museu e de museologia para inserirmos esta instituição-memória na nossa discussão.
69
Muitos autores, a começar pela saudosa Waldisa Rússio Guarnieri (1989, p. 10),
consideram que o museu é o local onde é realizado o fato museal, entendido como a “relação
entre o homem, sujeito que conhece, e o objeto, a parte da realidade a qual pertence e sobre a
qual tem o poder de agir”, e que a museologia é a ciência que estuda o fato museal. Assim,
percebe-se que definir museu não é o mesmo que definir museologia. Esta não deve ser
caracterizada como a ciência que estuda o museu, mesmo porque, hoje em dia, existem muitas
práticas museológicas fora do espaço institucionalizado do museu.
O estudo sobre museu e museologia já é antigo, mas foi a partir da década de 1980 que
foi estruturado e sistematizado. A definição do ICOM está voltada para a questão de o museu
poder existir apenas num local institucionalizado e não enfatiza a questão da transferência de
informação. Por outro lado, Taborky, citado por Cerávolo (2004, p. 79), acredita que os
museus lidam com a preservação e produção das imagens sociais e delas geram
conhecimentos que poderão ser apropriados pelo público de várias maneiras, pois essa
apropriação depende muito da competência intelectual do interlocutor, no caso o público do
museu.
Segundo Sola, citado por Cerávolo (2005, p. 84), “o verdadeiro objeto de museu é a
transmissão de informação pertinente, cuja forma de apresentação não é necessária e
exclusivamente o objeto tridimensional”. As noções de informação e de comunicação passam
a freqüentar os discursos sobre museus e museologia. Na Mesa Redonda realizada em
Santiago do Chile, em 1972, alguns relevantes pressupostos foram apresentados, como o fato
de considerar o museu um instrumento de desenvolvimento que tem uma função social e que
deve se preocupar com questões relativas a identidade, território e população. Nessa mesma
época, George Henri-Rivière, um dos mais conceituados teóricos da área da museologia, criou
70
o conceito de Ecomuseu que, conforme Cerávolo (2004, p. 87), tem como foco o patrimônio
total, procura inserir toda a comunidade no processo, e todos os cidadãos daquele grupo
transformam-se em responsáveis pelo museu, isto é, são vistos como curadores.
De acordo com Horta, citada por Cerávolo (2004, p. 90), a Declaração de Caracas, de
1992, teve como principal avanço a proposta, apesar de não ter ficado explícita nos
postulados, de utilizar o termo “museu integral”, destinado a proporcionar à comunidade uma
visão de conjunto do seu meio material e cultural.
uma disciplina científica social com objeto de estudo complexo, estrutura e leis,
envolvendo o processo de aquisição, preservação, decodificação, pesquisa e
exposição de objetos originais selecionados da natureza e da sociedade como fonte
primária de conhecimento.
Apesar de sabermos que existe uma relação intrínseca entre museu e museologia, os
estudos, principalmente os dos teóricos da Nova Museologia, mostram que esta relação é
necessária, mas não imprescindível, já que os pressupostos museológicos podem ser aplicados
em locais não institucionalizados como museus. Os Ecomuseus são exemplares para afirmar
esta independência.
“Ao museu caberá indagar e não trabalhar com respostas prontas [...] construir espaços
de troca onde as memórias sociais possam ser devolvidas à sociedade e a seus atores”
(CASTRO, 2005). Dessa forma, ganharia espaço externo e poderia se inserir no processo de
constantes transformações às quais a sociedade está inserida. O museu não deve ser
considerado algo estático, mesmo porque desenvolve um processo de comunicação ativa com
seu público por meio do qual consegue transmitir informações que poderão resultar na
produção de novos conhecimentos, dependendo do seu receptor.
O museu enriquece e torna útil a relação do indivíduo com seu patrimônio cultural, e
transforma-se no “espaço institucionalizado onde é possível ‘construir’ o passado, organizar o
conhecimento e articular facetas da memória individual e/ou coletiva” (BRUNO, 1993). O
acervo, preservado nos museus, representa o patrimônio cultural, fonte de informação e
instrumento para o desenvolvimento sociocultural. A memória preservada, organizada e
disponibilizada nos museus, é a informação que, desde que comunicada e apropriada pelo
cidadão, poderá se transformar numa ação futura. Os museus tornam-se teatros da memória,
onde os objetos, retirados de seu contexto e sem o seu valor de uso, são relacionados com
outros objetos e, a partir das variadas técnicas museográficas, o profissional do museu, que
podemos denominar também de profissional da informação, constrói narrativas que serão
apreendidas de forma livre pelo público, possibilitando a construção de novos olhares e
vivências a partir do acervo.
37
Pois sabemos que atualmente são realizados projetos nos quais não há a necessidade intrínseca da existência de acervo, na
concepção de conjunto de artefatos produzidos pelo homem. Nos ecomuseus, o acervo é toda a comunidade, sua produção e
sua cultura, não existe a prática do tombamento desse ou daquele objeto ou monumento.
73
Johanna W. Smit
Com base nas análises das instituições-memória e das ciências da informação a elas
relacionadas, procuraremos mostrar que essas instituições devem ser entendidas como
serviços de informação, principalmente em decorrência da mudança de paradigma ocorrida38
nos últimos anos, fruto dos avanços tecnológicos que alteraram drasticamente os modos de
comunicação e de produção de documentos.
38
Podemos considerar que em algumas situações e em algumas instituições esta mudança ainda está por
acontecer.
75
Para Smit (2000, p. 122), as três39 instituições diferem essencialmente pela função
atribuída aos documentos que compõem seu acervo. As questões metodológicas e a tipologia
documental não devem servir de atributos para diferenciar ou especificar as instituições.
Devido às similaridades de práticas e de objetivos, podem trabalhar em conjunto, como numa
família. Isto explica por que a autora cunhou a expressão “3 Marias”, que enfatiza a
possibilidade da interdisciplinaridade, respeitando-se as especificidades de cada uma das
instituições-memória e também das disciplinas a elas relacionadas, já que
o objetivo das instituições de informação é [...] determinado não por sua existência,
mas por aquilo que pode ser elaborado a partir dessa existência. Em outros termos,
as instituições não se justificam de um ponto de vista estático (a existência de
estoque), mas de um ponto de vista dinâmico (o fluxo de informações e as alterações
geradas pelo mesmo no estado de conhecimento). (SMIT, 2000, p. 129)
39
A autora não inseriu o centro de documentação em sua análise, mas acreditamos que ele também pode integrar
esta análise. Mas, por considerarmos muito semelhantes os centros de documentação e as bibliotecas, como
também a documentação e a biblioteconomia, a partir de agora enfatizaremos apenas as instituições apresentadas
por Smit.
76
que estudamos, pois os resultados apresentados por ela são, muitas vezes, mais palpáveis. No
entanto, iniciativas têm sido desenvolvidas e o fato de a questão da interdisciplinaridade estar
em pauta já deve ser considerado como um grande avanço para todos os profissionais que
trabalham com informação, pois são, ou pelo menos deveriam ser, os mais interessados na
ampliação das práticas conjuntas, fortalecendo o papel que as instituições-memória
desempenham para a e na sociedade.
Em sua análise, Silva (2002, p. 591) não considera que a museologia esteja integrada à
CI, como a arquivologia e a biblioteconomia, por acreditar que a informação não é o objeto
central do conhecimento museológico. Entretanto, com base na análise específica sobre
museologia, museu e sua missão social, percebemos que a argumentação de Silva pode ser
discutida, já que, desde que haja um comprometimento e um trabalho consciente, o museu,
por meio de sua exposição, pode servir de mediador no processo de comunicação entre o
usuário e o objeto. Alguns até acreditam, e estão tentando colocar isso em prática, que o papel
desempenhado pelos museus vai muito além da relação homem/objeto, ao possibilitar a ponte
entre culturas, povos, etc. Na verdade, este tem sido o novo desafio dos museus. Mas,
independentemente disso, o processo de comunicação presente nos museus prova que a
informação pode ser assimilada, apropriada e resultar, dependendo do interlocutor, na
produção de conhecimento.
77
De tudo que foi exposto, enfatizamos a questão da ruptura de paradigma. Como ficou
claro na exposição sobre o desenvolvimento histórico de cada uma das ciências da
informação, o objeto de estudo delas, durante muito tempo, ficou centrado na preservação do
acervo, mas o surgimento e evolução da CI, em conjunto com o desenvolvimento tecnológico,
possibilitou uma alteração elementar no foco dos estudos e objetivos da arquivologia,
biblioteconomia e museologia. O objeto de estudo destas ciências passou a ser o usuário e o
tratamento dado ao acervo e, por conseguinte, à informação, procurando disponibilizá-la de
forma objetiva, rápida e eficaz para o usuário.
O mais desejável será que cada instituição defina o perfil de seu usuário (público-alvo)
para que possa atingir seus objetivos. Entretanto, algumas vezes, dependendo do caráter e da
importância representada pela instituição e o grau de abrangência do acervo por ela
custodiado, fica difícil delimitar seu público. Assim, o usuário e a forma como a informação é
transferida e apropriada por ele são atualmente os principais objetos de estudo da
78
6. Centro de Memória
Paulo Nassar
Nessa fase, muitas organizações, tanto públicas quanto privadas, perceberam que
poderiam perder o “trem da história” se não começassem a se preocupar com a preservação e
o tratamento de toda a massa documental por elas produzida ou a seus processos históricos
relacionada. Segundo Goulart (2002, p. 10), em 1983 foram criados, na França, os arquivos
do mundo do trabalho, que tinham como missão “coletar apenas arquivos privados, com
objetivos culturais e científicos, e tratar da conservação definitiva da memória pertinente à
empresa e aos sindicatos”. Em outras palavras, com receio de que a memória de muitas
empresas fosse perdida, já que a criação de centros de memória institucional não era comum,
o governo francês tomou a iniciativa de se transformar no guardião da memória empresarial e
sindical da nação. Entretanto, apesar da reconhecida importância dessa iniciativa, o trabalho
ficou centrado apenas na preservação dos documentos, tendo em vista seu uso pelos
historiadores. Quando se fala, porém, de centros de memória institucional, o que se tem em
mente é um setor que terá como usuários não apenas o historiador, mas principalmente a
comunidade interna da organização.
Essa nova postura com relação à preservação da memória não decorreu tão-somente de
sua valorização nos estudos acadêmicos. Os avanços tecnológicos e dos meios de
comunicação suscitaram inquietações e demonstraram quão necessário é manter a
compreensão sobre todo o processo histórico pelo qual a organização passa, de modo que ela
possa adaptar-se à nova realidade que a tecnologia provoca. Essa provocação obrigou as
instituições a voltarem-se para sua própria história, como forma de fortalecer sua identidade
81
interna e externa e de compreender mais claramente seu papel e o de seu corpo funcional nos
novos cenários, com vistas a uma adaptação mais bem-sucedida.
Como afirma Camargo (1999, p. 50), esses centros de memória muitas vezes são
criados em organizações que “dispõem da biblioteca e de um setor de arquivo, o que
demonstra a necessidade de outras formas de base informativa, para apoio da administração,
da comunicação, ou como instrumento de decisão”.
Nossa fonte principal neste breve histórico é o texto de Totini e Gagete (2004, p. 113-
119). Nele se vê que, no início do século XX, surgiram na Europa as primeiras tentativas de
organização de arquivos empresariais históricos, como, por exemplo, o caso da empresa
alemã Siemens, que, em 1907, já possuía um arquivo histórico.
Quanto ao Brasil, a década de 1960 foi marcada por alguns trabalhos acadêmicos
sobre memória empresarial, com enfoque no desenvolvimento e evolução das empresas
brasileiras e em alguns empresários de destaque. Nos anos 1970, os historiadores brasileiros
sofreram a influência da Nova História, e a abordagem sobre o mundo empresarial ganhou
novo rumo. No período da redemocratização, surgiram as consultorias para memória
empresarial, e reformulou-se a gestão das empresas, estimulando-se o resgate de sua memória.
Segundo Rodrigues (2000, p. 128), nessa época a sociedade se mobilizou para promover
atividades que valorizassem a memória e sua preservação, por meio da “busca das raízes
culturais de grupos étnicos que, reivindicando o direito ao passado, procuravam firmar sua
cidadania; pela expansão de grupos voltados à preservação do meio ambiente; pelo interesse
de empresas privadas em divulgar sua história e pela organização de arquivos históricos
particulares”. Nos anos 1990, ampliou-se o campo de atuação dos historiadores e profissionais
da informação nos trabalhos com memória institucional, considerada reforço da cultura e da
identidade das organizações. Segundo Ricci (2004, p. 83), em meados dos anos 1990, o
conceito de memória empresarial ultrapassou o conceito de celebração e ganhou a
importância de elemento aglutinador e detonador de atividades que reforçam a cultura e a
questão da identidade. No século XXI, as empresas passaram a desenvolver trabalhos mais
específicos com sua documentação histórica, pois vêem “os projetos de memória empresarial
como ferramenta de gestão estratégica, quer no que se refere ao autoconhecimento necessário
às tomadas de decisão do presente e ao planejamento do futuro, quer na construção de
políticas de relacionamento com seus stakeholders.” (TOTINI e GAGETE, 2004, p. 120).
83
O histórico apresentado tratou, de forma mais específica, dos trabalhos voltados para a
memória empresarial. Nossa intenção, entretanto, é estudar os centros de memória como
instituições-memória que podem existir em vários cenários, não apenas no de organizações
empresarias, como, por exemplo, os centros de memória que vêm sendo organizados em
instituições esportivas e sociais, como clubes de futebol ou de recreação, ou ainda aqueles
organizados em universidades, os quais, muitas vezes, extrapolam o âmbito da própria
instituição de ensino.
trajetória e podem refletir sobre as expectativas dos planos futuros [...] e transformar
a memória em conhecimento útil.
Ela afirma também que, como as empresas não estão isoladas, suas histórias integram
a história da nação, e isso é mais um dos fatores que justificam a necessidade e a importância
dos trabalhos do centro de memória, permitindo que as empresas, ou outros tipos de
organização, interajam e contribuam para a construção de novos conhecimentos e para o
desenvolvimento social, além de reconhecer a importância dos trabalhos com a memória no
processo de gestão corporativa e na manutenção da identidade e da coesão de seus grupos.
De sua parte, Lobelo, diretor da Prêmio Editorial, citado por Damante (2004, p. 32),
afirma que “as empresas que conhecem sua história evitam errar duas vezes”.
Embora tenhamos salientado que, nessa questão das interfaces das instituições-
memória, cada uma deva ter seu papel específico, é interessante, no entanto, recorrendo mais
uma vez às idéias de Homulos (1990, p.11), que no interior de cada organização seja possível
o intercâmbio e a integração entre elas, para o bem do todo.
No caso dos documentos de arquivo, deve-se obedecer a sua organicidade, pois são
fruto das atividades da organização. A maneira como são arquivados os documentos já denota
sua importância para a história institucional. Algumas vezes, por estarem integrados ao centro
de memória, pode o valor histórico dos documentos arquivísticos prevalecer sobre seu valor
de prova.
87
A política de formação do acervo deve ser um dos primeiros pontos a serem definidos
no caso dos centros de memória, tendo em mente que não se pode guardar tudo e que nem
tudo é importante na história da organização. Os profissionais da área, portanto, precisam
manter-se atentos e evitar essa tendência. Ao centro de memória incumbe a responsabilidade
de preservar parte do patrimônio da organização, patrimônio este que, segundo Meneses,
citado por Rodrigues (2000, p. 91), é fruto e testemunho da cultura organizacional; é produto
das respostas do homem aos desafios diários. Deste modo, o patrimônio da empresa não é
algo relacionado intrinsecamente apenas ao passado, mas algo vivo, que não só pode, como
deve, influenciar as atitudes e as decisões que o presente reclama. É essencial que seja
trabalhado de forma sistemática, permitindo que os documentos e objetos que o compõem
mantenham relações entre si, possibilitando a construção de significados que poderão ou não
ser apropriados pelos usuários do centro.
Dada sua importância para a organização, o centro de memória deve estar integrado à
rede de informações, quando existir uma. É interessante que seus profissionais participem de
reuniões de caráter decisório, que estejam integrados no quotidiano da organização e que
88
tomem parte das principais atividades, especialmente das relacionadas à integração dos
funcionários, seu público-alvo. Quando são desenvolvidos trabalhos com a História Oral, ou
mesmo na coleta de documentos para o acervo, podem se tornar elementos essenciais no
processo de levantamento da memória da empresa.
40
O texto utilizado como base para este item foi o Goulart (2005, p. 21-23).
89
Campanha de comunicação com fins didáticos para explicar o que se pretende com o
trabalho de reconstrução da memória e também o que se considera como documento histórico;
Avaliação e triagem dos documentos com base nos critérios estabelecidos na política de
formação do acervo;
41
Espécie de termo de empréstimo por meio do qual o proprietário do documento o empresta ao centro de
memória por um período determinado. Durante a vigência do comodato, o centro se responsabiliza pela
conservação do documento, podendo utilizá-lo em pesquisas, exposições, etc., desde que sempre indique o nome
do proprietário. Prática muito comum entre museus de temas afins ou então entre pesquisadores e centros de
memória ou museus. Normalmente, é interessante para ambas as partes: o proprietário não tem o custo de
manutenção do documento e o centro de memória ou museu, apesar de arcar com este custo, pode usufruir do
documento. Por isso o comodato só ocorre se o documento representar importância fundamental para o acervo da
instituição que o aceitará, caso contrário representará prejuízo.
91
Estabelecimento do arranjo e da descrição dos fundos arquivísticos, caso estes não tenham
sido tratados anteriormente. Se forem fundos provenientes do arquivo permanente da
instituição, caberá ao centro manter a organização e descrição preestabelecidas, mas deverá
desenvolver alguns instrumentos de pesquisa que facilitem a recuperação da informação;
Além de todas essas atividades, Totini e Gagete (2003, p. 15), consideram que para o
centro de memória desempenhar sua missão de preservar os documentos considerados de
caráter histórico, contribuir para a divulgação ou mesmo perpetuação da imagem da
corporação e facilitar a circulação das informações entre seus membros, ele precisará cumprir
pelo menos cinco objetivos, descritos abaixo e acompanhados de alguns comentários:
tratamento e disponibilização das informações advindas dos documentos que compõem seu
acervo;
Como se vê, um centro de memória deverá manter relações com todas as áreas da
organização e muitas vezes desempenhará papel estratégico, porque domina as informações
referentes a determinados processos e eventos.
Ao demonstrarmos que o centro de memória também pode e deve ser visto como um
serviço de informação, concluímos que a presença do profissional da informação será
imprescindível para que boa parte das atividades necessárias para a constituição e manutenção
do centro seja realizada.
esse testemunho histórico poderá ser apropriado pelo usuário, que terá liberdade de utilizá-lo
da forma que melhor lhe convier. Novamente, voltamos à questão da transferência de
informação, pois o centro de memória, tanto quanto as demais instituições-memória, deve ter
essa questão como um dos focos de análise do trabalho que desenvolve.
7. Considerações Finais
A epígrafe deste capítulo refere-se aos arquivistas, mas acreditamos que, adaptada,
sirva também para todos os profissionais mencionados ao longo deste trabalho. Pois todos
estão procurando se adaptar à nova realidade e buscando desenvolver atividades que tenham
como foco central o usuário. No entanto, há um longo caminho a ser percorrido.
Apesar de o foco da nossa análise ter sido o centro de memória, mostramos que é
muito difícil tratar dessa instituição-memória sem discutir as demais, dadas as inúmeras
afinidades entre si, especialmente no tratamento da informação e em seu processo de
assimilação pelo usuário.
Lembramos também, e desde já, que de forma alguma este trabalho teve a intenção de
esgotar este assunto. Na verdade, pudemos verificar que ainda há muito a ser estudado,
principalmente devido à escassez de literatura sobre o tema.
Tentamos esclarecer também que é fundamental que pelo menos parte dos
profissionais que trabalham no centro de memória, e principalmente aqueles que coordenam
as atividades, tenham conhecimentos de CI para não permitir que a instituição se torne um
97
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