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2.

PROFETAS DO SÉC VIII

BIBLIOGRAFIA

NAKANOSE , Shigeyuki / PEDRO, Enilda de Paula. Como ler o Primeiro


Isaías (1-39): Confiar em Javé, o santo de Israel. 1999. Paulus.

SILVA, Airton José da. A Vóz Necessária - Encontro com os profetas do


século VIII a.C. 1998. Paulus

2.1 – PROFETA AMÓS

 Nascido em Técua, Judá, no séc. VIII a.C.;


 Vaqueiro ou sitiante à permitia adquirir boa cultura;
 Exerceu sua atividade no reino de Israel, no reinado de Jeroboão II (782-
753);
 Época de paz e prosperidade material;
 Porém, havia injustiça social, sincretismo religioso e idolatria, de
confiança nos recursos humanos;
 Amós anuncia o fim do Reino do Norte, porém, termina o seu livro com
um toque de esperança (Am 9,11-15)
 Muitos especialistas de renome acreditam que, para se captar bem a
mensagem de Amós, você deve começar a leitura do seu livro pelas
cinco visões simbólicas, narradas em Am 7,1-3; 7,4-6; 7,7-9; 8,1-3 e 9,1-
4.
 Estas visões parecem ser sinais que o profeta percebe no cotidiano da
vida e simbolizam a situação da nação israelita. Elas vão fazendo nascer
em Amós uma conscientização do que está acontecendo e acabam
determinando sua decisão de deixar sua casa e seu trabalho e ir
anunciar o castigo e a ruína do país.
 Falando de outro jeito: as visões cumprem, em Amós, o mesmo papel
dos textos de vocação em Isaías, Jeremias ou Ezequiel. Amós via,
certamente, coisas absolutamente comuns na região, como uma praga
de gafanhotos, uma seca, um cesto de frutas maduras e coisas assim.
 Mas, como ele estava preocupado com o destino do país, “antenado” na
situação do povo, estas coisas viravam símbolos do que estava
acontecendo ou por acontecer com Israel

 O que conta a 1ª visão?


 Conta, em 7,1-3, que Amós viu, um dia, uma praga de gafanhotos
destruindo as plantações dos agricultores. E isto acontecia depois
que o feno destinado ao pagamento do tributo ao palácio do rei já
tinha sido cortado. Os gafanhotos, que têm alto poder de
destruição, estavam piorando a situação dos agricultores,
levando-os à fome. Pois estes já eram muito explorados pelo
governo que, todo ano, tomava boa parte do que produziam.
Amós, compadecido, apela a Iahweh, argumentando que os
agricultores eram frágeis demais para sofrer tal ameaça de fome.
E Iahweh, segundo o profeta, revoga o castigo.

 E a 2ª visão, que está em Am 7,4-6?


 Nesta visão o profeta Amós vê um incêndio terrível que, de tão
forte, consome até as fontes subterrâneas de água depois de ter
acabado com os campos. Novamente Amós apela a Iahweh para
que suspenda a praga, porque a ameaça agora é de grande seca,
penalizando os fracos agricultores de sua época. Esta visão se
parece muito, no seu jeito, com a dos gafanhotos. Elas formam
um par.
 Mostram a realidade da roça na época de Amós, quando os
pequenos agricultores sofrem muitas ameaças, sejam naturais,
sejam da exploração que vinha lá de cima, do governo. Amós diz
que Iahweh tem compaixão dos pequenos e retira os castigos que
os ameaçam. Mas e os mecanismos sociais que provocam fome
e sede no campo? Estes permanecem… Por isso a gente diz que
estas duas visões são indicadores do nível de consciência
profética de Amós no que se refere ao campo.

 A 3ª visão trata do mesmo assunto?


 Não. Esta aqui já é um pouco diferente. Em Am 7,7-9 se diz que o
profeta vê Iahweh verificando o alinhamento de um muro com um
fio de prumo. O muro simboliza Israel que está torto e deverá ser
demolido para ser realinhado, porque muro torto não tem
conserto. Só derrubando. Desta vez Amós não intercede e a
certeza do castigo torna-se mais forte.

 Será que a 4ª visão forma um par com a 3ª?


 Forma. Na 4a visão Amós vê, segundo 8,1-3, um cesto de frutas
maduras e isto simboliza para ele o fim de Israel. É que, em
hebraico, língua que ele falava, “frutas maduras” é qayits,
enquanto que “fim” é qets, duas palavras com sons parecidos.
Também desta vez Amós não pede nada a Iahweh. E ela forma,
sim, um par com a 3 a , porque estas duas avançam em relação
às duas primeiras, chamando a atenção para a gravidade da
situação e para a proximidade do fim de Israel.
 E outro detalhe: aqui não é mais a situação da roça. Estas duas
visões tratam de realidades urbanas: sofrem com os castigos a
cidade, os santuários, o palácio. Para este grupo não há
intercessão de Amós. É uma realidade corrupta que não tem
conserto

 E o que nos conta a 5ª e última visão?


 Conta que, desta vez, é o próprio Iahweh quem atua e de modo
dramático. De pé sobre o altar dos holocaustos – portanto, diante
do edifício do santuário – ele bate nos capiteis, provocando um
terremoto que destrói o santuário e mata as pessoas que estão ali
dentro. Não há possibilidade de fuga, garante o texto.
 Esta visão é o ponto máximo deste ciclo. O próprio Iahweh volta-
se contra o local no qual se lhe presta culto. É porque, na visão
de Amós, o santuário (de Betel) traiu seu papel de conduzir o
povo a Iahweh e à vida. Tornou-se um lugar de culto sem sentido,
amparando e ocultando as múltiplas opressões e injustiças que
se cometem no país.

 Mas quando foi que Amós percebeu esta situação?


 Pelas informações de Am 1,1 sabemos que este profeta atuou em
Betel, cidade sede de tradicional santuário no reino de Israel, na
época do rei Jeroboão II, que governou de 782/1 a 753 a.C.
Estamos, portanto, na primeira metade do século VIII a.C. Diz Am
1,1: “Palavras de Amós, um dos pastores de Técua. O que ele viu
contra Israel, nos dias de Ozias, rei de Judá, e nos dias de
Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel, dois anos antes do
terremoto“.

 É importante conhecermos esta época para a leitura do profeta


Amós?
 É da maior importância. As palavras dos profetas, quando são
tiradas do contexto em que foram pronunciadas, podem dizer
muitas coisas que nada têm a ver com o seu objetivo original e,
por isso, acabam silenciando a voz do profeta ou deturpando a
sua mensagem.
 Mas, menos de um século antes de Amós, tinha acontecido em
Israel um golpe militar, promovido por um antepassado de
Jeroboão II, o general Jeú, que, ao romper os acordos com os
vizinhos, jogara o país em profunda dependência, especialmente
da grande rival Damasco, governada por arameus.
 Israel levou muito tempo para recuperar a sua autonomia. E isto
começou com o rei Joás, pai de Jeroboão II, que governou de 797
a 782 a.C. Ele expulsou os arameus de seu território e dominou
seu vizinho Judá, saqueando Jerusalém, derrubando parte de
suas muralhas e levando reféns, segundo 2Rs 14,1-14.
 “um homem e seu filho vão à mesma jovem”: opressão dos fracos
(das empregadas/escravas) .
 “se estendem sobre vestes penhoradas, ao lado de qualquer
altar”: falta de misericórdia nos empréstimos .
 “bebem vinho daqueles que estão sujeitos a multas, na casa de
seu deus”: mau uso dos impostos (ou multas).

 Amós aponta uma saída para Israel?


 Sim aponta. Para escapar da desgraça é necessário procurar
Iahweh para viver. Que não é procurar os santuários, mas é
procurar o bem e odiar o mal. Então, talvez Iahweh tenha
compaixão e salve um resto de Israel, aquele fiel. Diz Amós:
“Porque assim falou Iahweh à casa de Israel: Procurai-me e
vivereis! Mas não procureis Betel, não entreis em Guilgal e não
passeis por Bersabeia” (Am 5,4-5a). E em 5,14-15: “Procurai o
bem e não o mal para que possais viver, e deste modo, Iahweh,
Deus dos Exércitos estará convosco, como vós o dizeis! Odiai o
mal e amai o bem, estabelecei o direito à porta; talvez Iahweh,
Deus dos Exércitos, tenha compaixão do resto de José“.

2.2 PROFETA OSÉIAS

 Exerceu sua atividade no reino do Norte, desde o final do reinado de


Jeroboão II até a queda da Samaria (750-722 a.C.);
 Tema:
 Relações entre Iahweh e Israel nos termos de um matrimônio à
EXPERIÊNCIA PESSOAL;
 Chave: Israel foi desposada por Iahweh, portou-se como uma
mulher infiel, como uma prostituta, e provocou a ira e o ciúme de
seu esposo divino, o qual não deixa de amá-la, e a castigará, mas
com o fito de reconduzi-la a si e devolver-lhe as alegrias do seu
primeiro amor.
 Infidelidades: culto a Baal, prostituição sagrada, alianças políticas,
ambição, injustiças sociais;
 Anuncia:
 O amor fiel e misericordioso de Deus para com o seu povo, se
este se converte e volta a conhecê-lo;
 Conhecimento de Deus como uma adesão amorosa, através de
uma prática que corresponda ao projeto de Deus.
 Os três primeiros capítulos de Oseias estão organizados, segundo
especialistas, da seguinte forma:
A) 1,2-9: o casamento de Oseias
B) 2,1-3: os filhos e seus nomes
C) 2,4-17: a mulher = o povo
B') 2,18-25: os filhos e seus nomes
A') 3,1-5: o casamento de Oseias3.

 Ao tratarmos de Amós, vimos como, sob Jeroboão II, Israel vivera um


período de grande prosperidade. Com a morte de Jeroboão II desabou
tudo. Se durante o seu reinado a situação do povo não era nada boa,
agora tudo piorou. A corrupção interna era enorme e as pressões e
ameaças externas terríveis. De 753 a 722 a.C. seis reis de sucederam
no trono de Samaria, abalado por assassinatos e golpes sangrentos.
 Assíria passou a constituir-se na grande ameaça internacional a partir da
política expansionista do rei Tiglat-Pileser III, inaugurada em 745 a.C5.
 Em pouco tempo Israel já era tributário da Assíria. Foi estabelecido um
imposto per capita que atingiu cerca de 60 mil proprietários de terras e
penalizou demasiado a população.
 Aí começaram os golpes de Estado em Israel. As alianças com a Assíria
ou contra a Assíria se sucediam. E pior: o rei Pecah, de Israel, fez um
acordo com o governo de Damasco e ambos decidiram invadir Judá
para jogar o reino do sul numa coalizão anti-assíria. É a chamada guerra
siro-efraimita, desencadeada em 734 a.C. É o começo do fim.
 Judá pediu o auxílio da Assíria e Tiglat-Pileser III acabou por conquistar
três quartos de Israel, reduzindo o país a quase nada.
 Poucos anos depois, em 722 a.C., Samaria foi destruída pelas tropas
assírias de Salmanasar V e Sargão II, pondo fim ao reino do norte que
congregava a maior parte das tribos israelitas. Conforme os anais de
Sargão II, foram deportados para a Mesopotâmia e a Média 27.290
samaritanos.

 ONDE ESTÁ A RAIZ DO MAL?


 a falta de conhecimento de Deus (da'at 'elohîm), que se
manifesta como ausência de fidelidade ('emeth) e solidariedade
(hesedh)
 as desordens sociais, causadas pela falta de conhecimento:
perjúrio, mentira, assassínio, roubo, adultério, homicídio
 a morte, com a desagregação do universo. Os animais, os
pássaros e os peixes desaparecem. O homem fenece.
 Portanto, segundo Oseias, a raiz mais profunda do mal é a falta
de conhecimento de Deus. Que não é conhecimento intelectual
ou cultual. É a experiência ou vivência do javismo que está em
jogo. Oseias está dizendo que o problema em Israel é que não há
mais espaço para os valores do javismo e isso causa a
desagregação da sociedade.

 A partir desta verificação, o profeta passa a acusar os


responsáveis por esta constatada desagregação?
 Em Os 4,4-10 o processo é contra os sacerdotes. Sua culpa:
recusam-se eles a ser mediadores do autêntico conhecimento de
Iahweh, tornando-se meros executores de ritos vazios e mais:
ritos dos cultos da fertilidade. Cúmplices seus são também os
profetas, talvez os profetas oficiais da corte.
"Sim, que ninguém abra um processo e que ninguém julgue! Pois, na
realidade, o meu processo é contra ti, ó sacerdote! Tropeçarás de
dia, e contigo tropeçará, de noite, também o profeta; farei perecer a
tua mãe. Meu povo será destruído por falta de conhecimento. Porque
tu rejeitaste o conhecimento, eu te rejeitarei do meu sacerdócio;
porque esqueceste o ensinamento de teu Deus, eu também me
esquecerei dos teus filhos" (Os 4,4-6).
 Em Os 4,11-19 a acusação passa do sacerdote para a população
e dos templos para os "lugares altos" dos cultos idolátricos. O
tema é o mesmo: a prostituição cultual. A raiz zânah, "prostituir-
se", aparece 7 vezes no texto.
 Em Os 5,1-7 o profeta constata, com pesar, a situação a que
chegou Israel (a referência a Judá é um acréscimo posterior). Não
há meio de Israel voltar para Iahweh: "Suas obras não lhe
permitem voltar para o seu Deus, pois um espírito de prostituição
está em seu seio e eles não conhecem a Iahweh. O orgulho de
Israel testemunha contra ele, Israel e Efraim tropeçam em sua
iniquidade" (Os 5,4-5a).
 O profeta vai mostrar, em seguida, que o arrependimento dos
israelitas é falso. Palavras bonitas, mas que evocam os símbolos
do renascimento cósmico dos baalim cananeus, dos quais se
acreditava renascessem como a natureza em seus ciclos.
 Em Os 7,3-7 o profeta de Samaria ataca, com amargura, a
situação golpista que viveu Israel naqueles anos. Vários reis se
sucediam no trono, assassinando seus antecessores, sendo por
sua vez assassinados... O princípio da legitimidade da sucessão
dinástica nem era lembrado. Valia era o jogo do poder, da força,
dos interesses.
 Houve 4 golpes de Estado (golpistas: Salum, Menahem, Pecah e
Oseias) e 4 assassinatos (assassinados: Zacarias, Salum,
Pecahia e Pecah):
 Mas Oseias ainda tem esperança. Em 11,1-11 o profeta fala do
amor de Iahweh por Israel e da recusa deste em ser amado. Fala
das ações de Iahweh em seu benefício e de sua ingratidão.
Lembra, entretanto, que Iahweh é um Deus e não um homem e,
se Israel quiser, Iahweh pode perdoá-lo.

 OSEIAS EXIGE FIDELIDADE A IAHWEH


 Contemporâneo de Amós, parece que Oseias atuou durante os últimos
dias de Jeroboão II e durante o governo dos 6 reis que o sucederam. Ao
que tudo indica, Oseias não viu a queda de Samaria em 722 a.C., pois
não faz qualquer menção ao grande desastre. Portanto, podemos supor
que atuou em Samaria de 755 a 725 a.C., mais ou menos, trinta
anos de atividade profética.
 Pouco se sabe sobre a sua vida, a menos que os capítulos 1-3 sejam
biográficos. Sua pátria, de qualquer maneira, era o reino de Efraim.
Aliás, dos chamados "profetas clássicos", ele é o único nortista. Nota-se
também na sua mensagem uma aproximação muito grande com a linha
deuteronômica. Parece, com efeito, que Oseias pertencia ao grupo
profético-levítico de oposição à monarquia nortista e que escreveu o
Deuteronômio12.
 Oseias tem uma mensagem coincidente, em parte, com a de Amós.
Denuncia a corrupção e as injustiças (4,1-2) e critica o formalismo do
culto (6,4-6;8,11.13). Mas a sua época era mais crítica do que a de
Amós.

 Em primeiro lugar, a crítica e a condenação da idolatria, cultual e


política. Os ritos da fertilidade, a adoração dos baalim e a
sacralização da natureza em geral deviam estar em pleno
florescimento na sua época, a julgar pela intensidade de sua
crítica.
 Oseias ataca o aspecto cultual (4,12b-13;7,14b;9,1 etc), mas não se
prende somente a tal problema. Há a outra vertente, muito importante: a
idolatria política.
 Segundo Oseias, no momento da crise, Israel acabou absolutizando e
divinizando os grandes poderes políticos, representados pelo Egito e
pela Assíria. Só eles seriam capazes de salvar. E onde fica Iahweh?
"Efraim é como uma pomba ingênua, sem inteligência, pedem auxílio ao
Egito, vão à Assíria. Enquanto vão, lanço sobre eles a minha rede, eu os
abato como pássaros do céu, desde que ouvi dizer de sua reunião" (Os
7,11-12).
 Em segundo lugar, há em Oseias uma visão crítica do passado. Para o
profeta do norte, toda a história passada do povo israelita é uma história
de transgressão e rebeldia e não uma "história de salvação". A partir de
Os 9,10 o profeta faz uma análise da história passada de seu povo.
Análise severa, já que, para Oseias, Israel não tem muito o que celebrar
de um passado que não foi de glória e nem de sucesso, mas um tempo
marcado por históricas infidelidades ao seu projeto como nação e às
suas relações com Iahweh. Acumulam-se as transgressões à aliança, os
crimes e os mesquinhos interesses de uma nação que já começou muito
mal.
 E ele dá um passo de gigante na compreensão da função do Estado
monárquico, tributário e absolutista, enquanto defensor de uma classe
dominante contra a maioria da população, espoliada e marginalizada.
Oseias afirma que a monarquia é fruto da ira de Iahweh. Vamos ler Os
13,9-11:
"É tua destruição, pois só em mim está o teu auxílio. Onde está, pois, o
teu rei para que te salve em todas as tuas cidades, e os teus juízes a
quem dizias: 'Dá-me um rei e um príncipe'? Eu te dou um rei em minha
ira, eu o retomo em meu furor".
 Observamos três temas em Oseias que permanecem como típicos de
sua pregação, de sua linguagem e de sua teologia, encontrando muitos
admiradores e seguidores:
 as relações entre Iahweh e Israel são ditas pela imagem do matrimônio.
Tema retomado por Jeremias, Ezequiel e Dêutero-Isaías
 a imagem paterna para dizer a relação Iahweh-povo, como relação pai-
filho, com o predomínio da misericórdia e do perdão paternos, apesar da
rebeldia do filho. Imagem usada igualmente por Jeremias (31,18-20)
finalmente, a noção de que Iahweh prefere o amor sincero aos
sacrifícios cultuais, que está em Os 6,6.

VOLTA, ISRAEL, A IAHWEH, TEU DEUS


 Nos capítulos 12-14, última parte do livro, o profeta vai, mais uma vez,
abordar o tema da idolatria religiosa e política de Israel
 Oseias critica, novamente, o passado de Israel. Mostra, através da
lembrança de Jacó (= Israel), que a sua história já começou muito mal
(12,3-9). Oseias lembra que Efraim foi uma tribo importante, mas que
hoje perdeu o rumo. Jeroboão I, efraimita, foi o criador do reino, mas
cometeu um crime irreparável: colocou os touros nos santuários de Dan
e Betel, touros idolátricos, diz Oseias (13,1-11).
 Finalmente, o profeta convoca Israel: volta a Iahweh, teu Deus. O
profeta convida à conversão:
"Volta, Israel a Iahweh, teu Deus, pois tropeçaste em tua falta. Tomai
convosco palavras e voltai a Iahweh; dizei-lhe: 'Perdoa toda culpa,
aceita o que é bom. Em lugar de touros nós queremos oferecer nossos
lábios. A Assíria não nos salvará, não montaremos a cavalo e não
diremos mais 'Nosso Deus' à obra de nossas mãos, porque é em ti que
o órfão encontra misericórdia'" (Os 14,2-4).
"Eu curarei a sua apostasia, eu os amarei com generosidade, pois a
minha ira afastou-se dele" (Os 14,5).
"Eu serei como o orvalho para Israel, ele florescerá como o lírio, lançará
suas raízes como o Líbano; seus galhos se espalharão, seu esplendor
será como o da oliveira e seu perfume como o do Líbano" (Os 14, 6-7).

2.3 O PRIMEIRO ISAÍAS (1-39)

2.3.1 - INTRODUÇÃO
 Pouco se sabe sobre a vida pessoal de Isaías, cujo nome significa:
"Javé é salvação". Seu nascimento pode ser datado por volta de 760
a.C., no reino do Sul, Judá, durante o reinado de Ozias (781-740 a. C.).
Seu pai chamava-se Amós (1,1), mas com toda a certeza não se trata
do profeta de Técua. O profeta Amós nasceu em Técua, uma pequena
cidade do interior de Judá, e viveu no reino de Norte, Israel (Am 7,12-
15), no período de Jeroboão II (783 743 a.C.). Isaías, por sua vez, tinha
formação e cultura típicas de Jerusalém. Era profeta do Templo e
conselheiro do rei (2Rs 19,1-7). Esse lugar social, com suas tradições
religiosas, delineou a vida, as opções e a mensagem do profeta. Grande
parte de sua pregação era baseada na escolha divina de Jerusalém e na
eleição da dinastia davídica, princípios teológicos fundamentais, reflexo
da fé que o sustentava. Dessa convicção, Isaías deduziu as mais sérias
conseqüências para a situação histórica do seu povo.
 Por volta de 740 a.C., com apenas 20 anos de idade, Isaías recebeu a
vocação profética: "No ano que morreu o rei Ozias, eu vi o Senhor
sentado num trono alto e eleva do. (...) Ouvi, então, a voz do Senhor que
dizia: 'Quem é que vou enviar? Quem irá de nossa parte?' Eu respondi:
Aqui estou. Envia-me!" " (6,1.8).
 Após ter recebido a vocação profética, Isaías se casou: "Em seguida, eu
me uni à profetisa e ela concebeu e deu à luz um filho..." (8,3). O texto
não diz o nome de sua esposa.
 Dessa união nasceram dois filhos, aos quais Isaías deu nomes
simbólicos. Como em Oséias (Os 1,3-9 e 2,25), também no livro de
Isaías os nomes das crianças estão relacionados com sua mensagem
profética: Sear Jasub, que significa "um resto voltará" (7,3), e Maer Salal
Has-Baz, que significa "pronto-saque-rápida-pilhagem" (8,3c).
 A data de sua morte é incerta. Provavelmente ocorreu após a morte de
Ezequias, em 687 a.C. A tradição judaica, assumida por alguns padres
da Igreja, como Justino, Tertuliano e outros, diz que Isaías foi
martirizado por Manassés, que teria mandado parti-lo ao meio. Essa
tradição não tem sustentação bíblica.
 Os textos de Isaías nos mostram que ele era um homem decidido, claro
em suas posições. Voluntariamente se ofereceu a Deus no momento em
que foi chamado (6,8). Com essa mesma prontidão, mais tarde,
enfrentou reis e políticos, sem jamais se deixar abater. Era um dos profe
tas oficiais, conselheiro do rei, não adepto de revoltas e lutas por
mudanças sociais mais radicais (3,1-9). O que não significa que
apoiasse as injustiças e a corrupção das classes altas. Pelo contrário, foi
extremamente duro com os grupos dominantes injustos: anciãos, juízes,
latifundiários políticos, mulheres da elite de Jerusalém (1,10-28; 3,16-24;
6,8-24). Ele defendeu com todo o vigor os oprimidos, os órfãos, as
viúvas (1,17; 10,1-4) e o povo explorado por seus lideres (3,13-15).
 O estilo de seus escritos é clássico e original. Foi verdadeiramente um
poeta, cheio de sensibilidade, breve e preciso: linguagem direta, com
imagens simples que tocavam o âmago da questão e atingiam em
profundidade destinatário (Is 5,1-7).

O livro de Isaías
 Uma leitura corrente do livro de Isaías, capítulos 1-66 vai nos mostrar
situações históricas de épocas e lugares diversos. Examinando um
pouco mais de perto as pessoas e os grupos que aparecem no texto, a
linguagem, as indicações de nomes de reis, lugares etc., encontramos,
pelo menos, três livros: Do capítulo 1 ao 39 temos o livro chamado de
Primeiro Isaías, escrito em sua maior parte em Judá, pela comunidade
do profeta Isaías. Esse texto abrange o período histórico de 740 a 701
a.C. Do capítulo 40 ao 55 temos o livro conhecido como Segundo Isaias
ou "Isaías Júnior". Seu autor é do tempo do exílio na Babilônia, mais ou
menos 550 a.C. Os capítulos 56 a 66 compõem o terceiro livro ou
Terceiro Isaías, provavelmente escrito no pós-exílio, por um grupo de
Judá, nos anos 500 a.C.

Organização do Primeiro Isaías


a) Oráculos no povo de Deus capítulos 1-12,
b) Oráculos às nações estrangeiras: capítulos 13-23.
c) O "grande apocalipse": capítulos 24-27.
d) Oráculos ao povo de Deus: capítulos 28-33.
e) O "pequeno apocalipse": capítulos 34-36.
f) Apêndice histórico: capítulos 36-39.

 Trata-se de um texto escrito, em sua maior parte, em forma poética,


incluindo vários gêneros literários, como oráculos (17,1-6), poema (5,1-
7), relato biográfico (6,1-13), parábola (28,24-29), sátira (3,16-24),
narrações históricas (36-39), apocalipses (24-27; 34-35) etc.
 O Primeiro Isaías é a parte mais antiga do grande li vro de Isaías. Foi
um texto muito usado nas comunidades depois da morte do profeta. Por
isso mesmo passou por inúmeras releituras e recebeu muitos
acréscimos, conforme as necessidades e circunstâncias das pessoas
que o reliam, sobretudo os grupos do Segundo e Terceiro Isaías. Assim
sendo, entre os capítulos 1-39, vários versículos e capítulos - e com
certeza os capítulos 24-27; 34-35 — são de outra época histórica.
 É difícil datar todos os textos. Neste trabalho dividi mos o Primeiro Isaías
em quatro etapas históricas e, tanto quanto possível, privilegiamos na
nossa reflexão alguns textos que são considerados da época em estudo
(740- 701 a.C.).
Situando-nos na história

a) De Davi até a época de Isaías


 O processo de consolidação da monarquia em Israel se deu com Davi
(1010-970 a.C.). Para empreender tamanha tarefa, Davi teve a seu favor
um momento internacional propício. O Egito estava em decadência e a
Assíria ainda não constitui ameaça para a Palestina e para países
vizinhos
 O grande trunfo de Davi neste processo foi a organização do exército
mercenário com aqueles que estavam à margem da sociedade: os
estrangeiros, os endividados, os desempregados (1Sm 22,1-2). E com
isso lhes deu serviço: proteger aqueles que tinham bens e podiam pagar
tributos (1Sm 25). Esse grupo de Davi se vendia para quem pagasse
melhor (1Sm 27). Davi deixou de lado a lei tribal da "guerra santa",
segundo a qual só se podia guerrear em caso de defesa. O próprio Javé
combatia em favor do povo (Ex 17,8-16). Ele partiu decididamente para
a guerra de conquista, pela qual se praticava o saque e se apropriava
dos despojos do inimigo, algo também conde nado pelas leis tribais (Js
6,17-21). Em 1Sm 30 vê-se que ele ganhou tanto com os saques que
pôde dar presentes aos anciãos de Judá em troca de favores.
 Com esse exército, ou os seus homens, Davi dominou a estratégica
cidade-estado de Jerusalém, que estava nas mãos dos jebuseus.
Jerusalém, também chamada "fortaleza de Sião", tornou-se então a
Cidade de Davi (2Sm 5,6 12). Num diplomático pacto, Davi incorporou
no seu quadro administrativo os funcionários jebuseus (2Sm 8,15 18;
20,23-26), pois precisava de gente especializada para dirigir a cidade e
administrar o excedente. Mas o inteligente e esperto Davi continuou
ligado à organização tribal. Neste sentido, ele manteve o exército tribal
através do seu chefe, Joab (2Sm 8,16). E na questão religiosa, ao lado
de Sadoc, sacerdote jebuseu, conservou o sacerdote levita Abiatar, que
pertencia ao sistema tribal (2Sm 8,17).
 Com os seus homens e uma máquina administrativa bem montada, Davi
pôde conquistar cidades importantes e controlar rotas comerciais,
arrecadando mais tributos (2Sm 8,1-12). Conquistando Edom (2Sm
8,13-14), controlar a estrada dos Reis que liga e porto de Asiongaber
com a cidade de Damasco, atravessando Edom, Monb, Amon en região
de Galaad. Edom ficava entre o mar Morto e o golfo de Acaba, onde se
situa N atual cidade de Elat. O famoso porto de Asiongaber servia de
escoadouro da produção dessa terra rica em minas de cobre, além de
ser importante centro comercial. Quem dominava a estrada dos Reis
tinha nas mãos o comercio entre a Arábia, o mar Vermelho e a região do
Eufrates.
 Entre as terras dos filisteus e as montanhas de Juda estava a região da
Sefelá, área produtora de trigo e cereais, Davi conquistou essa região e
controlou a estrada do Vale que ligava Sefelá a Jerusalém. Essa rota
interna fa zia a conexão entre as duas grandes rotas comerciais: estrada
dos Reis e o caminho do Mar, que ligava Egito, Assíria e Mesopotâmia.
Com tais conquistas Davi conteve o avanço dos filisteus, além de ter nas
mãos a região de Sefelá e a rota para transportar produtos e abastecer o
centro de Jerusalém.
 Como podemos ver, a nação desenvolveu-se, expandiu se, e Davi
cresceu em popularidade. Afinal, ele agradava a ricos e pobres. O
nacionalismo aumentou. Davi não massacrou o povo do campo com
tributos, pois conseguiu muitos bens e riquezas a partir de conquistas.
Mas, ao assumir a estrutura de cidade-estado, introduzindo em seu
governo saque, tributação e corvéia sobre os povos conquistados (25m
8,1-14), Davi infringiu algumas leis tribais, guardadas zelosamente no
coração do povo. Para as tribos, isso significou exploração. Além do
mais, Davi, em sua administração, favoreceu Judá em detrimento das
tribos do Norte (2Sm 15,1-6). E aqui e acolá foram surgindo revoltas,
como a de Absalão (2Sm 15-18) e de Seba (2Sm 20), registradas na
Bíblia, tendo provavelmente acontecido outras. Para acalmar os ânimos,
fez-se necessária forte justificativa quanto à maneira de agir do rei. E
nada melhor do que usar, para isso, a religião do próprio povo.
 Jerusalém, a fortaleza de Sião, foi apresentada como a "Cidade de
Davi", escolhida por Javé. Para dar respaldo a tal escolha, a Arca da
Aliança, símbolo da religiosidade camponesa, foi transportada para
Jerusalém (1Sm 6). Pouco a pouco a elite, com a ajuda do profeta Natã,
foi incutindo no povo a idéia da escolha divina da casa davídica, com a
qual Javé fez aliança para sempre (2Sm 7: SI 89,1-5). A partir dessa
ideologia, o rei passou a ser e intermediário entre Deus e o povo.
Obedecer ou desobedecer ao rei significava obedecer ou desobedecer a
Deus Nesse princípio está o germe da teologia da retribuição, como uma
maneira de Deus retribuir a obediência ou a desobediência ao seu eleito
o rei.
 Portanto, no contexto da cidade-estado, Davi era um rei bom. Ele trouxe
muitos benefícios para Judá. O povo viveu um tempo de prosperidade e
paz... Esse sucesso se tornou o ideal para os monarquistas. Eles
fizeram da história de Davi o "manual" de ensinamentos político-
ideológicos da corte.
 Davi foi substituído no trono por seu filho Salomão (970 931 a.C.). Este
teve um comportamento diferente do de seu pai. Ao assumir o governo,
a primeira medida toma da por ele foi eliminar os remanescentes tribais,
próximos à corte. Em 1Rs 2,12-35, Salomão, nascido em Jerusalém,
mandou matar Adonias, seu irmão mais velho, nascido em Hebron (2Sm
3,4), e Joab, chefe do exército popular. Expulsou o sacerdote levita
Abiatar para Anatot, uma cidadezinha do interior (1Rs 2,26-35).
 Enquanto o governo de Davi pode ser caracterizado como um governo
de expansão, o governo de Salomão pode ser classificado como um
governo de "segurança nacional" e solidificação do sistema monárquico.
Salomão criou um exército poderoso, com carros de guerra, a arma
moderna da época, para defender as rotas comerciais, os armazéns
com os excedentes e o palácio (1Rs 10,26-29), Construiu o Templo,
palácios, cidades-armazéns (1R8 € 9). Para manter essa infra-estrutura
e a mordomia da corte, Salomão espoliou o povo com tributos em forma
de arrecadação de produtos e de corvéia - trabalho que as pessoas
eram obrigadas a prestar para as obras do Estado (1Rs 5,27-32; 9,15-
24; 11,28).
 Esse famoso monarca, lembrado na história por sua sabedoria,
organizou um grupo de escribas e sacerdotes da corte. Esses escribas,
além de escrever os anais, tinham a função de estruturar a justificativa
ideológica da monarquia davídica que até então era embrionária. Esse
trabalho ideológico foi mais longe. Enclausuraram a Arca da Aliança no
Templo (1Rs 8,6) e, com ela, um dos importantes pontos de referência
da religiosidade popular. Javé, o Deus da vida, que caminhava com o
povo, agora tinha um rosto diferente: era o rei dos reis e sua morada era
o Templo, na montanha santa de Sião. Aí devia ser procurado. Mais
tarde, Isaías, profeta do Templo ligado à cor te, assimilou essa teologia.
 As medidas de governo tomadas por Salomão entraram em choque com
a realidade dos camponeses e a cultura tribal, da qual eram portadores.
Para o povo de Israel, carros de guerra com cavalos significavam
rejeição do exército popular camponês e exploração do povo. Além de
serem inadequados à topografia do país, pois Israel era uma região
montanhosa, tais carros custavam muito caro.
 A alta tributação em forma de corvéia, sobretudo às tribos do Norte,
estrangulou a produção do campo — base de sustentação da cidade e
da própria monarquia (1Rs 4,1-5,8). Salomão perdeu o controle de
Edom e da estrada dos Reis e, consequentemente, do comércio (1Rs
11,14 25). Para saldar as muitas dívidas externas, Salomão foi forçado a
entregar cidades importantes (1Rs 9,10-14). A situação tornou-se
insustentável. No final do seu governo já estava nítido o clima de revolta
(1Re 11), que acabou estourando no início do reinado de seu filho
Roboão (IRs 12). Em 931 a.C. aconteceu a divisão do reino: reino do
Sul, Judas reino do Norte, Israel. Após a divisão de reino, Judá entrou
num processo de crise,

b) Época de Isaias
 Cento e cinquenta anos mais tarde, durante o longo reinado de Ozias
(781-740 a.C.), o reino do Sul voltou o esplendor dos tempos de
Salomão. Nesse mesmo período reinava no Norte Jeroboão II (783-743
a.C.). Durante curto período Israel e Judá não tiveram conflitos entre si.
 Ambos os reinos se fortaleceram e se expandiram Jeroboão II
reconquistou para Israel o controle da região desde Emat, perto de
Damasco, até o mar Morto (2Rs 14,25). Enquanto isso, no Sul, Ozias e
seu filho Joatão (740-736 a.C.) estenderam seu país até Elat, na
fronteira com o Egito. Judá viveu um tempo de independência,
prosperidade e paz. Paralelamente a essa realidade, acon- teciam
injustiças, arbitrariedades, corrupção, cobiça dos grandes, opressão.
Isaías reagiu de forma agressiva: "Que direito têm vocês de oprimir o
meu povo e de esmagar a face dos pobres?" (3,15).
 No final do governo de Joatão e início do reino de Acaz (736-716 a.C.), o
tempo de independência, de festa e de glória do reino de Judá, pouco a
pouco, foi desaparecendo, Iniciava-se a expansão do império Assírio,
sob o co- mando de Teglat-Falasar III (745-727 a.C.). Este grande
imperador e hábil militar, desejoso de ampliar seus terri- tórios e
conquistar rotas comerciais, aperfeiçoou, equipou e modernizou seu
exército. No livro de Isaías encontramos referências a esses
equipamentos militares: "toda bota que pisa com barulho e toda capa
empapada de sangue serão queimadas, devoradas pelas chamas" (9.4),
 Teglat-Falasar III e seus sucessores assumiram a tática militar chamada
de "guerra de conquista". Segundo essa tática, o império impunha
progressivamente seu domínio sobre as nações dependentes através de
três etapas de vassalagem.

1ª etapa: imposição pela força militar de um tributo anu ale convocação de


soldados para o exército em caso de necessidade
2ª etapa: deposição do rei em exercício e imposição de um novo "rei" de
confiança do império; ocupação das cidades estratégicas e das terras
produtivas; deportação de parte da população; aumento do controle
militar e da tributação. Nessa etapa ainda permanece a capital.
3ª etapa: perda da independência, tomada da capital. O estado vassalo se
transformava numa província assíria. Um administrador assírio
arrecadava os impostos. As lideranças eram deportadas e um grupo de
estrangeiros ocupava os cargos estratégicos. Isso visava desmobilizar
os camponeses e impedir qualquer revanche contra a Assíria. Foi o que
aconteceu com Israel em 721 a.C.
 Com essa tática de guerra, Teglat-Falasar III estendeu o domínio assírio
desde Urartu até a Babilônia e a zona da Síria-Palestina. Suas
campanhas na Síria-Palestina o levaram a intervir, a pedido de Judá
(2Rs 16,7), na Guerra Siro-Efraimita. O preço dessa ajuda foi incluir
Judá entre os países vassalos da Assíria. Enquanto Israel passava para
a segunda fase de vassalagem, perdendo suas terras férteis, cidades
estratégicas e tendo de "en- golir" um rei imposto pelo império assírio
(2Rs 15,29-30), Judá entrou na primeira etapa de vassalagem à Assíria,
com a obrigação de pagar pesados impostos (2Rs 16,8-9). Teglat-
Falasar III morreu e Salmanasar V ocupou o a.C.).
 Sabemos pouco do seu reinado. Neste período muitos países tentaram
se livrar do jugo da Assíria. Judá permaneceu quieto em sua situação de
vassalagem. Israel, por sua vez, tentou sua independencia e acabou
apressando o momento de sua ruina. Em 724 a.C. a cidade de Samaria
foi cercada, sucumbindo três anos depois, quando Sargon II (721-705
a.C.) substituiu Salmanasar, que morreu assassinado. Sargon II,
conforme documentos assírios, deportou 27.290 samaritanos - Israel
entrou na terceira etapa de vassalagem (2Rs 17,3-6).
 Época de Sargon II é muito importante para entendermos a atividade de
Isaías. Por volta de 713, vários pequenos estados, como Edom e Moab,
fizeram modesto levante, liderados pelo estado filisteu de Azoto, com
apoio do Egito. Desta vez, Judá “levantou a bandeira da revolta" e aliou-
se aos rebeldes. Encontramos muitas alusões a essas guerras nos
oráculos de Isaías. Sargon II abafou a rebelião e Judá conseguiu
escapar, submetendo-se ao rei assírio como pagamento de pesados
tributos.
 Sargon II foi substituído por Senaquerib (704-681 a.C.). Aproveitando
essa mudança de reis no império assírio, os pequenos reinos da
Palestina e áreas vizinhas fizeram nova tentativa de revolta, como havia
acontecido em 713 a.C. Desta vez Judá, tendo como rei Ezequias (716-
687 a.C.), assumiu a liderança do movimento anti-assírio. Foi uma
catástrofe!
 Esses acontecimentos e seu impacto na vida do povo estão por detrás
da mensagem do Primeiro Isaias. Nosso livro quer oferecer uma ajuda
para a compreensão da palavra desse profeta e sua experiência de
Deus, que podem trazer luz para o nosso dia-a-dia.
2.3.2 CONHECENDO LIVRO DO PRIMEIRO ISAÍAS

NA ÉPOCA DE JOATÃO: 739-734 A.C.

 A esta época pertencem quase todos os oráculos de Is 1,2-6,13. São


textos que se referem às condições internas de Judá e, às vezes, de
Samaria. São o anúncio e a motivação global de um julgamento que
está para se abater sobre o país. Comentarei alguns deles.
 Em Is 1,2-3 são invocados os céus e a terra (v.2). Para o destinatário
judaíta esta invocação levava a uma certeza: vai começar uma
acusação. Esta invocação é feita em um gênero literário específico (rîbh
= processo) e tem, além disso, um valor simbólico. A ruptura da aliança
é apresentada ao universo. Os céus e a terra não só testemunham como
sofrem com o processo de ruptura: representam a ordem das coisas,
violada pela culpa de Israel.
"Ouvi, ó céus, presta atenção, ó terra, porque Iahweh está
falando: Criei filhos e fi-los crescer, mas eles se rebelaram
contra mim" (Is 1,2).

 Em seguida é apresentado o amor de Iahweh para com o povo: como


um pai que cria e dá tudo a seus filhos. E estes se revoltam contra tal
pai, colocando-se em condição inferior à de animais domésticos, como o
burro e o boi.
"O boi conhece o seu dono, e o jumento, a manjedoura de
seu senhor, mas Israel é incapaz de conhecer, o meu povo
não pode entender" (Is 1,3).

 Em Is 1,10-20 Judá, e especialmente Jerusalém, é comparada a


Sodoma e Gomorra, símbolos de pecado e destruição. O profeta lança-
se contra o culto vazio e formal, sem correspondência na vida real. É um
dos textos mais violentos de todo o profetismo contra o culto.
"Que me importam os vossos inúmeros sacrifícios?, diz
Iahweh. Estou farto de holocaustos de carneiros e da gordura
de bezerros cevados; no sangue de touros, de cordeiros e de
bodes não tenho prazer. Quando vindes à minha presença
quem vos pediu que pisásseis os meus átrios? Basta de trazer-
me oferendas vãs:elas são para mim um incenso abominável.
Lua nova, sábado e assembléia, não posso suportar iniqüidade
e solenidade!" (Is 1,11-13).

 Em seguida, o profeta exorta o povo a deixar o mal e procurar o


verdadeiro caminho, o caminho do bem. A alternativa passa pela
decisão humana, pois Iahweh, de sua parte, é benevolente e pode
perdoar as culpas, caso haja conversão. Do contrário, o castigo será
inevitável. Castigo através da espada, símbolo da guerra.

"Lavai-vos, purificai-vos! Tirai da minha vista as vossas más


ações! Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem!
Buscai o direito (mishpât), corrigi o opressor! Fazei justiça ao
órfão, defendei a causa da viúva!" (Is 1,16-17).

 Is 1,21-26 é um lamento fúnebre, uma qiná. Normalmente entoado sobre


o defunto, aqui é usado para um morto-vivo, Jerusalém prostituída ao
mal. A cidade é personificada na imagem de uma prostituta: vendeu-se à
injustiça. Qual é essa injustiça? A corrupção pelo dinheiro e do dinheiro
na qual caíram seus dirigentes. Corrompida pelo dinheiro, a cidade será
purificada, como o metal, pelo fogo, tornando-se, novamente, a cidade
da justiça.
 Os vv. 21-23 contêm um lamento/repreensão sobre a cidade prostituída:
"Como se transformou em prostituta (zônâh) a cidade fiel? Sião,
onde prevalecia o direito (mishpât), onde habitava a justiça
(tsedheq), mas agora povoada de assassinos" (Is 1,21).

 Em seguida, seus líderes são chamados de rebeldes e companheiros de


ladrões que correm atrás de subornos não cumprindo, portanto, seu
dever de proteger o órfão e a viúva (v. 23).
 O v. 24a anuncia, então, solenemente, a punição de Iahweh, enquanto
os versículos seguintes mostram a purificação pela qual passará a
cidade, tornando-se, novamente a cidade da justiça:
"Quando isso se der, então sim ,te chamarão cidade da
justiça (tsedheq) e cidade fiel" (Is 1,26)
 Nos capítulos 2-3 Isaías prega a necessidade de uma grande operação
de limpeza no país. Tudo o que enche Judá de injustiça deve ser
retirado: adivinhos, prata, ouro, imensos tesouros, ídolos e assim por
diante.
 Is 2,6-22 trabalha com a oposição alto/baixo para sublinhar a
transcendência de Iahweh e criticar a situação em que vive o país. Duas
coisas, segundo o profeta, opõem-se à transcendência de Iahweh: os
ídolos e o orgulho humano. E têm ambos uma só raiz: a ganância do
homem em possuir (bens e orgulho), o que o conduz à idolatria.
 Os vv. 6-8 descrevem um mundo fechado em si mesmo, onde os
homens se curvam diante dos ídolos fabricados por eles mesmos em
ouro e prata (v. 8) e crêem na força de suas riquezas e no poderio de
seus exércitos (v. 7), importando costumes estrangeiros proibidos em
Israel (v. 6).
"A sua terra está cheia de prata e de ouro: não há fim para seus
tesouros; a sua terra está cheia de cavalos: não há fim para seus
carros, a sua terra está cheia de ídolos, e adoram a obra de suas
mãos, aquilo que os seus dedos fizeram" (Is 2,7-8).

 Isaías acredita que o homem será expulso deste ambiente, será


humilhado até o pó da terra, em condições infra-humanas (vv. 9-11). E
nos vv. 12-17 lemos que no "dia de Iahweh" todas as obras das quais os
homens se orgulham, quer sejam da natureza (cedros, carvalhos,
montanhas, colinas),f quer sejam aquelas produzidas por suas mãos
(como torres altas, muralhas, navios de grande porte, embarcações de
luxo), serão condenadas por Iahweh, cabendo, por último, ao homem
ser diretamente humilhado.

"O orgulho do homem será humilhado, a altivez dos varões se


abatera, e só Iahweh será exaltado naquele dia" (Is 2,17).

 E o que fará o homem? Os vv. 18-22 concluem que, naquele dia, só lhe
restará tentar esconder-se de Iahweh nos abismos, nas tocas, onde for
possível, como bicho apavorado.
 Em Is 5,1-7 encontramos o belíssimo cântico da vinha. É um poema
lírico de grande beleza, uma espécie de "canção de amor", segundo
alguns; uma "parábola", segundo outros; ou, ainda, uma "canção de
colheita", cantada durante a colheita da uva.
 Canta-se o amor não-correspondido de um noivo, tendo o profeta
assumido, no caso, o papel de "amigo do noivo", uma pessoa de
confiança que resolvia qualquer problema porventura surgido entre o
casal.
 O cântico desdobra no seu simbolismo o amor de Iahweh (o agricultor)
pelo povo de Israel (a vinha), preparado com todo o cuidado e carinho,
mas revelado infiel a Iahweh.
 No v. 7b, através de belíssimo jogo de palavras, descreve-se a situação
judaíta:

"Deles esperava o direito (mishpât), mas o que produziram foi


a transgressão (mishpâh); esperava a justiça (tsedhâqâh),
mas o que apareceu foram gritos de desespero (tse'âqâh).

 Is 5,8-24 desenvolve as denúncias e ameaças esboçadas no cântico da


vinha, através de seis "ais". São ameaçados os ricos e latifundiários que
concentram sempre mais propriedades, explorando a maioria dos
camponeses:
"Ai dos que juntam casa a casa, dos que acrescentam campo a
campo até que não haja mais espaço até serem eles os únicos
moradores da terra" (Is 5,8).

 São atacados os que vivem em bacanais e grandes festas custeadas


pelo dinheiro dos pobres por eles explorados:
"Os seus banquetes se reduzem a cítaras e harpas, a tamborins e
flautas, e vinho para as suas bebedeiras. Mas para os feitos de
Iahweh não têm um olhar sequer, eles não vêem a obra das suas
mãos" (Is 5,12).

 São denunciados os que invertem os valores do javismo, que exploram


o povo, negando justiça, e que se fazem grandes e importantes vivendo
em banquetes e coquetéis:
"Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem mal, dos que
transformam as trevas em luz e a luz em trevas, dos que
mudam o amargo em doce e o doce em amargo! Ai dos que
são sábios a seus próprios olhos e inteligentes na sua própria
opinião! Ai dos que são fortes para beber vinho e dos que são
valentes para misturar bebidas, que absolvem o ímpio
mediante suborno e negam ao justo a sua justiça" (Is,5,20-23).

 Is 6,1-13 é o texto que narra a vocação de Isaías. O profeta é preparado


para a sua missão através de uma visão de Iahweh, no Templo, descrito
segundo os traços de um rei oriental. Diz o texto que isto ocorreu no ano
da morte do rei Ozias, ou seja, em 740/39 a.C., segundo a cronologia
que estamos usando.
 É possível que este texto não se refira à vocação de Isaías de um modo
geral, mas seja uma preparação para uma missão específica na vida do
profeta. De qualquer maneira, como em todo texto de vocação, o relato
foi feito muito tempo depois do fato. Isto possibilitou ao profeta refletir
sobre o sentido de sua missão e aqui, especificamente, sobre o
insucesso de sua pregação. Sua função foi de fato, reflete Isaías, pregar
o fim e a morte de Judá.
 Até quando o profeta deve ser o porta-voz de Iahweh?
"Até que as cidades fiquem desertas, por falta de habitantes, e
as casas vazias, por falta de moradores; até que o solo se
reduza a um ermo, a uma desolação; até que Iahweh remova
para longe os seus homens e no seio da terra reine uma
grande solidão", reflete o profeta em Is 6,11-12.

NA ÉPOCA DE ACAZ: 734/3-716 A.C.

 A ameaça conjunta das forças israelitas do norte e das forças sírias em


734 a.C. levou o desprotegido Judá a invocar o auxílio assírio. Deu
resultado, mas, para ter esta proteção, Judá perdeu toda a sua
independência.
 Entre outras coisas, Judá viu-se obrigado a reconhecer os deuses
assírios. Acaz teve que apresentar-se a Teglat-Falasar III, rei da Assíria,
para prestar-lhe obediência e render homenagem aos deuses assírios.
Uma cópia do altar sobre o qual Acaz sacrificou aos deuses assírios foi,
em seguida, instalada no Templo de Jerusalém, ao lado do altar de
Iahweh ali existente.
 É o que conta 2Rs 16,10-16:
"O rei Acaz foi a Damasco para encontrar-se com Teglat-
Falasar, rei da Assíria, e viu o altar que havia em Damasco.
Então o rei Acaz mandou ao sacerdote Urias o modelo do altar
e o desenho de toda a sua construção. O sacerdote Urias
construiu o altar, executando todas as instruções que o rei
Acaz havia mandado de Damasco, antes que este chegasse
de Damasco. Quando o rei Acaz chegou de Damasco, viu o
altar, aproximou-se e subiu a ele. Fez queimar sobre o altar
seu holocausto e suas oblações; derramou sua libação e
espargiu o sangue dos seus sacrifícios de comunhão. Quanto
ao altar que estava diante de Iahweh, mandou tirá-lo de diante
do Templo, onde ele estava entre o novo altar e o Templo de
Iahweh, e mandou colocá-lo junto ao novo altar, do lado norte.
O rei Acaz deu esta ordem ao sacerdote Urias: 'É sobre o altar
grande que queimarás o holocausto da manhã e a oblação da
tarde, o holocausto e a oblação do rei, o holocausto, a oblação
e as libações de todo o povo; derramarás sobre ele o sangue
dos holocaustos e dos sacrifícios. Quanto ao altar de bronze,
competirá a mim determinar'. O sacerdote Urias fez tudo o que
lhe ordenara o rei Acaz".

 A situação econômica tornou-se péssima. Judá perdera as províncias


que lhe pagavam tributos. Além disso, o tributo pago à Assíria foi tal que
Acaz teve que entregar o seu tesouro e todas as coisas valiosas do
Templo. E aumentar, naturalmente, o imposto pago pelo povo.
 E a injustiça correu solta, como denunciam os profetas da época. A
religião oficial era mantida pelo Estado e não o denunciava. Pelo
contrário, encobria as injustiças com cultos faustosos e vazios, sem
correspondência na vida de todo dia.
 Havia, contudo, uma esperança. Que se chamava Ezequias, e era filho
de Acaz. Ainda criança, Ezequias foi associado ao trono, em 728/7 a.C.
 Isto porque ensinava-se em Judá que Iahweh elegera Sião como lugar
privilegiado e fizera à dinastia davídica a promessa de permanência
eterna no poder. Se um rei não fosse bem sucedido no governo, o
problema poderia ser resolvido com o rei seguinte. Acaz estava indo
muito mal, mas Ezequias era uma esperança de dias melhores .
 É no contexto da guerra siro-efraimita (734-732 a.C.) e da conseqüente
dependência assíria que devemos ler os oráculos deste período. Is 7,1-
12,6 é, na sua quase totalidade, desta época. Por causa de 7,14
convencionou-se chamar este bloco de "Livro do Emanuel".
 Tematicamente, os textos falam de invasões ou ataques, de libertações
ou proteções e de ameaças e promessas. Estes seis capítulos são
organizados pelo redator do livro a partir de três princípios:
 os sinais, como o do menino que vai nascer, em 7,14-15
 o binômio invasão/libertação (7,1/716; 7,18-21/7,22; 8,5-8/8,9-
10; 8,23b/9,1-6)
 o significado de nomes próprios, como o do filho de Isaías
chamado Maer-Salal Haz-Baz, "Pronto-saque-próxima-pilhagem"
em 8,1-4, que anuncia o saque de Damasco e de Samaria pela
Assíria e a libertação de Judá na guerra siro-efraimita; ou seu
outro filho Sear-Iasub, "Um resto voltará" (,7,3) que é um anúncio
de esperança; e até mesmo o nome de Isaías (= Iahweh é
salvação), conforme diz 8,18: "Eis que eu e os filhos que Iahweh
me deu nos tornamos, em Israel, sinais ('othôth) e prodígios
(môphethîm) da parte de Iahweh dos Exércitos, que habita no
monte Sião".

 Is 7,1-9 relata o encontro de Isaías com Acaz, às vésperas da guerra


siro-efraimita, em 734 ou 733 a.C. Os reis de Damasco e de Samaria
planejam invadir Judá para depor Acaz e no seu lugar colocar um rei
não-davídico - o filho de Tabeel - que envolveria o país na coalizão anti-
assíria.
 Isaías vai ao encontro de Acaz acompanhado por seu filho Sear-Iasub
(Um-resto-voltará), indicação ou sinal de esperança frente à crítica
situação que se desenha. Acaz está cuidando das defesas de
Jerusalém.
 Segundo Isaías, a dinastia davídica está ameaçada por dois fatores: os
planos inimigos e o medo do rei. Os planos inimigos fracassarão, o
temor e as alianças políticas farão o rei de Judá fracassar. O que dá
estabilidade é a fé a confiança em Iahweh. O que Isaías diz a Acaz,
segundo os vv. 4-9 do capítulo 7, é o seguinte:

"Toma as tuas precauções, mas conserva a calma e não


tenhas medo nem vacile o teu coração diante dessas duas
achas de lenha fumegantes, isto é, por causa da cólera de
Rason, de Aram, e do filho de Romelias, pois que Aram, Efraim
e o filho de Romelias tramaram o mal contra ti, dizendo:
'Subamos contra Judá e provoquemos a cisão e a divisão em
seu seio em nosso benefício e estabeleçamos como rei sobre
ele o filho de Tabeel'. Assim diz o Senhor Iahweh: Tal não se
realizará, tal não há de suceder, porque a cabeça de Aram é
Damasco, e a cabeça de Damasco é.A cabeça de Efraim é
Samaria e a cabeça de Samaria é o filho. Se não o crerdes,
não vos mantereis firmes".

 Parece faltar alguma coisa ao texto. Há várias propostas:


"e a cabeça de Jerusalém é Iahweh"
ou
"e a cabeça de Jerusalém é a casa de Davi"
ou
"mas a capital de Judá é Jerusalém
e a cabeça de Jerusalém é o filho de Davi".

 Is 7,10-17 relata novo encontro de Isaías com Acaz, desta vez, talvez,
no palácio, no qual o profeta oferece ao rei um sinal de que tudo se
arranjará diante da ameaça siro-efraimita.
 Com a recusa do rei em pedir um sinal a Iahweh, Isaías muda de tom e
relata a Acaz que Iahweh, por própria iniciativa, dar-lhe-á um sinal.
 Que consiste no seguinte: a jovem mulher ('almâh) dará à luz um filho,
seu nome será Emanuel (Deus-conosco) e ele comerá coalhada e mel
até que chegue ao uso da razão. Até lá Samaria e Damasco serão
destruídas.
"Pois sabei que o Senhor mesmo vos dará um sinal ('ôth):
Eis que a jovem concebeu (hinnêh hâ'almâh hârâh)
e dará à luz um filho e por-lhe-á o nome de Emanuel ('immânû
'êl). Ele se alimentará de coalhada e de mel até que saiba
rejeitar o mal e escolher o bem. Com efeito, antes que o
menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem, a terra, por cujos
dois reis tu te apavoras, ficará reduzida a um ermo" (Is 7,14-
16).

 Os LXX, na sua versão grega da Bíblia, traduziram 'almâh por


parthénos (= virgem). Mt usou a versão dos LXX (cf. Mt 1,23): "Idoù he
parténos (= a virgem) en gastrì hécsei (= conceberá) kai técsetai
hyón...". Entretanto, a palavra hebraica para designar virgem é bethûlâh.
A palavra 'almâh significa uma jovem mulher, virgem ou não. Em muitos
casos designa uma mulher jovem já casada. Além do que esta jovem é
uma pessoa concreta, conhecida e, provavelmente, presente na
ocasião, porque o texto diz: "Eis aqui (hinnêh) a jovem...".
 "À luz do contexto do oráculo e dos textos siro-cananeus bem
anteriores, parece que se pode determinar: essa que é chamada 'almâh
é muito provavelmente a jovem rainha, talvez designada assim antes do
nascimento do primeiro filho" .
 É bem provável que o menino seja Ezequias, filho de Acaz. Isaías falou
a Acaz nos primeiros meses de 733 a.C., e Ezequias teria nascido no
inverno de 733-32 a.C.
 O nascimento do menino garante, desta maneira, a continuidade da
dinastia davídica, atualizando a promessa e resumindo a aliança de
Iahweh com o povo através de seu nome, Emanuel ('immânû 'el), que
evoca fórmula freqüente no AT, especialmente no deuteronomista:
 Dt 20,4 : "Porque Iahweh vosso Deus marcha convosco"
 Js 1,9 : " Porque Iahweh teu Deus está contigo"
 Jz 6,13 : "Se Iahweh está conosco (weyêsh Yhwh 'immânû)"
 1Sm 20,13 : "E que Iahweh esteja contigo"
 2 Sm 5,10 : "Davi ia crescendo, e Iahweh, Deus dos Exércitos,
estava com ele".
 Por outro lado, o sinal não seria, segundo alguns, de salvação, mas de
castigo. Acaz é rejeitado porque não confia em Iahweh. O alimento do
menino, do mesmo modo, supõe um período de devastação e miséria
em Judá, como conseqüência da política filo-assíria de Acaz. É mais
provável, entretanto, que seja um alimento de tempos de abundância,
como sugerem as passagens de Ex 3,8.17 e 2Sm 17,29.
 Em Is 8,1-4 o profeta recebe a ordem de escrever numa prancheta o
nome Maer-Salal Has-Baz (= Pronto-saque-próxima-pilhagem). E
quando nasce mais um filho, será este o seu nome. A situação é a
mesma no capítulo 7, ou seja, a guerra siro-efraimita. O nome do
menino quer simbolizar a destruição rápida dos inimigos de Judá.
 Is 8,11-15 traz uma peça autobiográfica. Trata-se da conduta do profeta
distanciada da conduta da classe dirigente de Jerusalém. Enquanto esta
busca soluções nas alianças políticas e em consultas a espíritos e
adivinhos, o profeta confiará só em Iahweh para que sua atitude seja
exemplar. O profeta é, pela distância dos dirigentes, um oráculo vivo de
reprovação da conduta nacional.
"Eis que eu e os filhos que Iahweh me deu nos tornamos, em
Israel, sinais e prodígios da parte de Iahweh dos Exércitos, que
habita no monte Sião" (Is 8,18).

 Is 8,23b-9,6 é um belíssimo poema, todo construído segundo um


esquema ternário. Assim:
v. 23b: humilhação/glória: Zabulon
Neftali
Galiléia
v. 1: trevas/luz: andar
habitar
v. 2: tristeza/alegria: colheita (paz)
despojos (guerra)
v. 3: opressão/libertação: jugo
canga
bastão
v. 4: guerra/paz: bota
veste
v. 5a: desespero/esperança: um menino nasceu
um filho nos foi dado

v. 5b: liderança
v. 5c: competência: Conselheiro-maravilhoso: sabedoria na
administração
Deus-forte: capacidade bélica
Pai-eterno: zelo pela prosperidade do povo
Príncipe-da-paz: preocupação com a felicidade do
povo
v. 6: permanência: domínio multiplicado
paz perpétua
casa de Davi: direito e justiça.

 Os verbos estão no hifil, forma causativa do verbo hebraico. Isto indica


que é Iahweh quem faz tudo isso que o poema descreve.
 O v. 23b está em prosa e nos coloca no ambiente adequado, enquanto
traça a situação histórica. As três regiões mencionadas, Zabulon
(caminho do mar), Neftali (o Além do Jordão) e Galiléia (o distrito das
nações) são as conquistadas, entre 734 e 732 a.C., por Teglat-Falasar
III a Israel. Iahweh humilhou estas terras, diz o profeta, Iahweh as
cobrirá de glória. E o povo, que vivia em trevas e na tristeza, viverá na
luz e na alegria.
 Esta alegria enorme é causada pelo fim da opressão - o jugo, a canga e
o bastão do opressor foram quebrados -, pelo fim da guerra (a bota e a
veste militares foram queimadas) e pelo nascimento de um menino em
Judá:
"Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, ele recebeu o
poder sobre seus ombros, e lhe foi dado este nome:Conselheiro-
maravilhoso (peleh yô'ts), Deus-forte ('el gibôr), Pai-eterno
('abhî'adh) Príncipe-da-paz (sar shâlôm)" (Is 9,5).

 Este versículo marca o ápice do poema. Começa com "palavras curtas,


não para maior rapidez, mas para serem pronunciadas lentamente,
enchendo, com seu pequeno volume, uma medida rítmica maior - como
o menino em sua pequenez. A sonoridade é toda cheia de aliterações e
sons suaves, para o saborear da pronúncia lenta: kî yeledh yulladh lânû
bên nitan lânû ["Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado"].
Contraste curioso: o verso menor é o mais importante do poema",
observa L. A. Schökel.
 Este menino é, sem dúvida, um personagem da casa real. Confirmam-
no os quatro títulos que lhe são atribuídos. Títulos muito discutidos, onde
alguns vêem características sobre-humanas e messiânicas. Mas que na
realidade parecem caber bem ao reis segundo a mentalidade da época:
a sabedoria do rei na administração aparece no título de Conselheiro,
sua capacidade militar em Deus-forte, enquanto que o zelo pela
prosperidade do povo o caracteriza como Pai, expressando Príncipe-da-
paz sua preocupação com a felicidade do povo. Estes títulos ficam mais
claros se traduzidos assim: "Milagre de Conselheiro, Guerreiro divino,
Chefe perpétuo, Príncipe da Paz".
 O v. 6 esclarece ser o menino da "casa de Davi" e caracteriza as suas
ações: governará com direito (mishpât) e justiça (tsedâqâh).

Quem é o personagem de que fala o profeta?


 A maioria dos especialistas acredita tratar-se de Ezequias, o filho de
Acaz. Trata-se, talvez, de seu nascimento, anunciado em 7,10-17.
Ezequias nasceu no inverno de 733/32 a.C., portanto, logo após o início
da guerra siro-efraimita que começara na primavera.
 Is 10,1-4 traz uma ameaça aos juízes injustos que abusam de seu cargo
para oprimir e saquear os desvalidos: os fracos: dallîm, os pobres:
'aniyyîm (cf. Am 2,7: "Eles esmagam sobre o pó da terra a cabeça dos
fracos [dallîm] e tornam torto o caminho dos pobres ['anâwîm]"), as
viúvas e os órfãos. Um dia encontrar-se-ão com uma instância superior,
juiz divino.
 Ex 22,21, no "Código da Aliança", ordena: "Não afligireis a nenhuma
viúva ou órfão. Se o afligires e ele clamar a mim escutarei o seu clamor;
minha ira se acenderá e vos farei perecer pela espada: vossas mulheres
ficarão viúvas e vossos filhos órfãos".
 Em Is 11,1-9 o ponto de referência do profeta, assim como em 7,1-17 e
8,23b-9,6, continua sendo um rei da época, descendente de Davi, como
todos os reis de Judá, que salvaria o país da catástrofe iminente.
 O texto é organizado do seguinte modo:

v. 1: um personagem régio (referência a Jessé, pai de Davi)


1a: "um ramo sairá do tronco de Jessé"
1b: "um rebento brotará das suas raízes"
v. 2: as qualidades do personagem
terá o espírito de Iahweh (rûah Yhwh)
espírito de sabedoria (hokhmâh)
e de discernimento (bhînâh)
espírito de conselho ('êtsâh)
e de fortaleza (gebhûrâh)
espírito de conhecimento (da'ath)
e de temor de Iahweh (yir'ath Yhwh)
vv. 3b-5: a atuação do personagem
3b: "não julgará segundo a aparência"
"não dará sentença apenas por ouvir dizer"
4a: "julgará os fracos (dallîm) com justiça (tsedheq)
com eqüidade pronunciará uma sentença em favor dos pobres da
terra ('anâwîm)"
4b: "ferirá a aterra com o bastão de sua boca"
"matará o ímpio com o sopro de seus lábios"
5 : "a justiça (tsedheq) será o cinto dos seus lombos"
"a fidelidade ('emûnâh) o cinto dos seus rins".
vv. 6-8: instauração de uma nova realidade
(são elencados sete pares: sete animais selvagens
sete "animais" domésticos: seis animais e
uma
criança)
1. lobo + cordeiro
2. leopardo + cabrito
3. bezerro + leãozinho + novilho gordo + menino pequeno
4. vaca + urso (e suas crias)
5. leão + boi
6. criança de peito + áspide
7. criança pequena + víbora
v. 9: conclusão
ninguém fará mal nem destruição em Jerusalém
porque haverá conhecimento de Iahweh (da'ath Yhwh) em Israel.

 L. A. Schökel observa que o poema possui grande regularidade e


transmite uma paz impressionante, pois todos os verbos obedecem às
normas estritas da gramática hebraica, o sujeito é quase sempre a
terceira pessoa do singular, o paralelismo dos versos é regular e as
imagens usadas não são espalhafatosas, mas exprimem tranqüilidade,
num movimento lento e sossegado.
 Os verbos que se referem aos animais, por exemplo, como morar,
deitar, andar, guiar, pastar, brincar, transpiram paz, transmitindo o
sentido do tempo de prosperidade e paz anunciado pelo profeta.
 As imagens usadas no poema são simples, o que permite o reforço da
idéia apresentada (paz e prosperidade), sem necessidade de
identificações alegóricas, do tipo "leão significa isto, urso significa
aquilo...". O mundo da natureza aparece no ramo, no florescimento, no
vento (rûah = espírito, sopro, vento), em rimas cruzadas lembrando os
quatro pontos cardeais, enquanto que os animais, reunindo os
selvagens e os domésticos em pares específicos e o menino que
harmoniza tão bem com o quadro simples e pastoril descrito, compõem
o poema.
 O personagem esperado, fiel a Iahweh, vai instaurar um reino de justiça,
onde o pobre e o oprimido serão protegidos contra a prepotência dos
poderosos. Justiça e paz que são simbolizadas, no poema, pela
convivência harmoniosa de animais selvagens e domésticos.
 A identificação deste personagem da família davídica é problemática.
Alguns acreditam que o poema trata da utopia profética de Isaías por
ocasião da coroação de Ezequias como rei em 716/15 a.C.. Outros
defendem que se Ezequias fora o objeto da esperança de Isaías de tirar
o país da crise, como aparece em 7,1-17 e 8,23b-9,6, agora,
decepcionado com sua política pró-egípcia que acaba provocando a
invasão do assírio Senaquerib, pensa em alguém que no futuro possa
resgatar Israel.
 Is 28,1-4 deve ter sido proferido pouco antes da queda de Samaria (722
a.C.), cidade à qual é endereçada. O profeta denuncia a orgulhosa
capital do reino do norte, cujos habitantes se embebedam e se coroam,
como a cidade coroada por suas muralhas (v. 1),mas que não percebe
a aproximação de uma terrível tempestade, a destruidora Assíria (v. 2).
Samaria será engolida como um figo temporão e os samaritanos
esmagados como uma coroa calcada aos pés (vv. 3-4).
"Sim, a orgulhosa coroa dos bêbados de Efraim será calcada aos
pés, bem como a flor caduca do seu magnífico esplendor que está
no cume do vale da fertilidade. É como um figo temporão: quem o
vê, devora-o mal o tem na mão" (Is 28,3-4).
 L. A. Schökel lembra o paralelismo destes versículos com o capítulo 10:
"A Assíria é um gigante sobre-humano, que muda as fronteiras com a
força de sua mão e derruba os príncipes, que toma os reinos com
facilidade, como quem colhe ovos abandonados em um ninho. Aqui, a
Assíria (que não é mencionada) é como uma tempestade, como um
gigante que derruba muralhas e toma uma cidade facilmente, como
quem colhe um figo temporão".

NA ÉPOCA DE EZEQUIAS: 716/15-699/8 A.C.


 Após tomar posse como rei, com a morte de seu pai Acaz, Ezequias
manteve-se fora das rebeliões anti-assírias, insufladas pelo Egito, que
explodiam a todo momento na região. E aproveitou a situação de pouca
vigilância assíria para fazer uma reforma em Judá.
 Foi uma reforma religiosa, social e econômica. A volta ao javismo exigia
sem dúvida, também, o fim dos abusos econômicos. Ezequias fez,
assim, uma reforma fiscal e administrativa, regulamentando a coleta dos
impostos e defendendo os artesãos dos exploradores, com a criação de
associações profissionais. Retirou do templo os símbolos idolátricos e
construiu um novo bairro em Jerusalém, para abrigar os refugiados de
Israel com a destruição de Samaria em 722 a.C.
 Se a reforma não foi mais ampla e profunda é porque isto implicava em
aberta rebelião anti-assíria. E a ocasião para a rebelião chegou com a
morte do rei assírio Sargão II.
 Seu filho Senaquerib subiu ao trono no ano de 705 a.C. E
imediatamente teve que enfrentar mais uma revolta na Babilônia. Todas
as províncias do oeste se revoltaram então.
 Ezequias tornou-se um dos líderes da revolta e teve que enfrentar
Senaquerib quase sozinho, porque muitas cidades e Estados da região
capitularam facilmente.
 Em 701 a.C. Senaquerib destruiu 46 cidades fortificadas de Judá e sitiou
Jerusalém. Porém, não se sabe por qual motivo, levantou o cerco e foi
embora. O que não o impediu de cobrar pesados tributos de Ezequias.
 2Rs 18,13-16 narra a invasão de Senaquerib do seguinte modo:
"No décimo quarto ano do rei Ezequias, Senaquerib, rei da
Assíria, veio para atacar todas as cidades fortificadas de Judá
e apoderou-se delas. Então Ezequias, rei de Judá, mandou
esta mensagem ao rei da Assíria, em Laquis: 'Cometi um erro!
Retira-te de mim e aceitarei as condições que me impuseres' .
O rei da Assíria exigiu de Ezequias, rei de Judá, trezentos
talentos de prata e trinta talentos de ouro, e Ezequias entregou
toda a prata que se achava no Templo de Iahweh e nos te-
souros do palácio real. Então Ezequias mandou retirar o
revestimento dos batentes e dos umbrais das portas do
santuário de Iahweh, que..., rei de Judá, havia revestido de
ouro, e o entregou ao rei da Assíria".

 Os Anais de Senaquerib narram o seguinte:


"Quanto a Ezequias do país de Judá, que não se tinha
submetido ao meu jugo, sitiei e conquistei 46 cidades que lhe
pertenciam, fortificadas com muralhas, e as inumeráveis
pequenas cidades dos seus arredores, por meio de
superposição de rampas e de golpes de aríetes, de ataques de
infantaria, por meio de perfurações, de brechas e da utilização
de instrumentos de sítio; fiz sair delas e contei como despojos
200.150 pessoas, pequenos e grandes, homens e mulheres,
cavalos, mulos, jumentos, camelos, bois e gado miúdo sem-
número. Quanto a ele, encerrei-o em Jerusalém, sua cidade
real como um pássaro na gaiola; ergui fortificações contra ele e
lhe proibi de sair pela porta grande da cidade (...) Quanto a ele,
Ezequias, meu esplendor terrível de soberano o confundiu e
ele enviou atrás de mim, em Nínive, minha cidade senhorial, os
irregulares e os soldados de elite que ele tinha como tropa
auxiliar, com 30 talentos de ouro, 800 talentos de prata,
antimônio escolhido, grandes blocos de cornalina, leitos de
marfim, poltronas de marfim, peles de elefante, marfim, ébano,
buxo, toda sorte de coisas, um pesado tesouro, e suas filhas,
mulheres de seu palácio, cantores, cantoras; e despachou um
mensageiro seu a cavalo para entregar o tributo e fazer ato de
submissão".

 Com isso, acabou-se a reforma de Ezequias. Seu sucessor Manassés


foi o pior rei de Judá e governou durante 55 anos sob influência assíria.
 Is 1,4-9 apresenta a situação de Judá após a derrota sofrida em 701
a.C. Mas o profeta mostra que isto aconteceu porque todo o país estava
tomado pela corrupção. O v. 4 apresenta, por exemplo, quatro
denominações para Judá em ordem crescente de intimidade com
Iahweh, enquanto os qualificativos mostram uma ordem crescente de
mal, incompatível com a condição de filhos conferida pouco antes. As
conseqüências da corrupção são apresentadas nos vv. 5-9, sob a
imagem de um escravo flagelado por seu senhor.
 O movimento da corrupção é do interior para o exterior: primeiro, ela
atinge a cabeça e o coração (v. 5),em seguida atinge a superfície do
corpo, provocando feridas, furúnculos e tumores (v. 6), para, depois do
corpo, alcançar o ambiente humano, o país, as cidades e o solo, diz o v.
7.
 O movimento de exteriorização da corrupção completa-se no v. 8 com a
personificação de Jerusalém, vista como "a filha de Sião". Três imagens
de refúgio são apresentadas: a choça na vinha, o telheiro no pepinal, a
cidade sitiada:
"A filha de Sião foi deixada só, como uma choça em uma
vinha, como um telheiro em um pepinal, como uma cidade
sitiada" (Is 1,8).

 Em Is 18,1-7 o profeta de Jerusalém denuncia, provavelmente, uma


embaixada enviada pelos etíopes, então senhores do Egito, para propor
uma coalizão anti-assíria. Isaías afirma que os destinos do mundo são
decididos por Iahweh e não pelo Egito, em quem não se deve confiar:
"Ai da terra dos grilos alados, que fica além dos rios de
Cuch! Que envia mensageiros pelo mar
em barcos de papiro, sobre as águas" (Is 18,2a).

 Neste mesmo contexto podemos ler Is 19,1-15, onde o profeta, contrário


a qualquer aliança com o Egito para acabar com a ameaça assíria,
denuncia a fraqueza do país do Nilo neste momento: guerra civil, um
cruel tirano, falência da economia baseada no Nilo, fracasso da
tradicional sabedoria egípcia... Estes são os argumentos de nosso
profeta para evitar que Ezequias caia na tentação egípcia. E ele conclui
de forma proverbial:
"Nenhum empreendimento conseguirá realizar o Egito, seja obra da
cabeça ou da cauda, da palma ou do junco" (Is 19,15).

 Is 22,1-14 protesta contra a alegre comemoração feita em Jerusalém


após a retirada dos exércitos de Senaquerib em 701 a.C. A alegria está
fora de lugar, segundo Isaías, porque o perigo assírio permanece.
Iahweh convoca a cidade à penitência e não aos banquetes, porque ela
foi derrotada vergonhosamente e não há motivo para festa.
"Que tens tu, afinal, que todos os teus habitantes sobem aos
telhados cheios de júbilo, cidade ruidosa, cidade vibrante? Os
teus trespassados não foram trespassados à espada, nem
foram mortos na guerra. Os teus comandantes fugiram todos
juntos, sem arcos, foram capturados, todos juntos foram
capturados;eles tinham fugido para longe. Diante disso, eu
disse:'Desviai de mim os vossos olhos, que eu choro
amargamente; não insistais em consolar-me
da ruína sofrida pela filha do meu povo'" (Is 22,1b-4).

 Is 28,1-33,24 forma uma coleção de oráculos que tratam, com poucas


exceções, da política de Ezequias entre 705 e 701 a.C. Ezequias conduz
a nação a alianças militares com o Egito na esperança de se livrar do
jugo da Assíria governada por Senaquerib. Isaías, como na época da
guerra siro-efraimita, denuncia o caráter ilusório destas alianças e
garante que só Iahweh pode defender o país e fazer justiça ao seu povo.
 Este bloco representa o trabalho de um redator pós-exílico que elaborou
um esquema orgânico, onde se alternam oráculos de ameaças e
promessas. A linha central de pensamento é a seguinte:
 os homens pretendem realizar seus planos sem contar com
Iahweh:
28,1-4;32,9-14: levam vida boa sem perceberem a desgraça
eminente
30,1-7;31,1-6: fazem aliança com o Egito
28,14-15.18-19: chegam até mesmo a pactuar-se com os poderes
ocultos da morte
 Iahweh quer guiá-los através da palavra profética, entretanto:
28,7-13;30,8-17: a palavra profética é rejeitada
28,18-22;29,1-12:Iahweh, então, castiga-os duramente
29,14;30,16-17: Iahweh provoca a falência de seus planos
30,18-33;31,4-9;32,1-5: mas Iahweh vencerá o inimigo, julgará o
povo e criará um novo reino

 Is 28,7-13 é um oráculo que deve ser datado às vésperas da campanha


de Senaquerib contra Judá em 701 a.C. Isaías narra uma cena de
embriaguez, com uma descrição brilhante da confusão dos sacerdotes e
profetas frente à situação. No início da cena, no v. 8a, o realismo do
poema alcança o seu ápice através dos três alef (letra hebraica que tem
som gutural e é transliterada por um ') imitando o som do vômito dos
bêbados:
"Com efeito, todas as suas mesas estão cheia de vômito e de
imundície (male'û qî' tso'âh)".

 Em seguida, há um diálogo entre Isaías e os bêbados, no qual estes


ridicularizam o profeta, imitando uma fala infantil sem sentido. Eles, que
não querem ouvir o profeta, dizem:
"A quem ensinará ele o conhecimento? A quem fará ele entender o
que foi dito? A crianças apenas desmamadas, apenas tiradas do
seio? Pois diz: tsaw lâtsâw tsaw lâtsâw qaw lâqâw qaw lâqâw
ze'êr shâm ze'êr shâm" (Is 28,9-10).

 O profeta responde à provocação de maneira irônica e cruel,


ameaçando-os com outro balbucio, só que em uma língua estranha, a
dos assírios. A resposta do profeta soaria mais ou menos assim: "Está
certo, é assim mesmo que Iahweh falará a vocês, mas através da
Assíria que vem aí...".
 Em Is 28,14-15.18-19 o profeta denuncia as alianças com o Egito para o
enfrentamento com a Assíria como uma aliança com a morte: as
imagens conduzem-nos a um mundo tenebroso de sheol e morte,
apresentados aqui como poderes personificados:
"A vossa aliança com a morte será rompida, o vosso pacto com o
sheol não subsistirá. Quanto ao flagelo destruidor, ao passar, ele
vos calcará aos pés" (Is 28,18).

 Is 29,1-8 é um poema muito bom, com grande dinâmica. Iahweh


declara-se, na primeira pessoa (vv. 1-4), sitiador da cidade de Ariel, que
é Jerusalém. Talvez o termo Ariel venha de har'el ou 'ari'eyl, nome "dado
por Ezequiel à parte superior do altar, o forno, onde se queimavam as
vítimas: isto exprimiria o caráter sagrado da cidade". Este oráculo deve
estar relacionado com o cerco de 701 a.C. Pois quando é crítica a
situação da cidade, Iahweh manifesta-se, desbaratando o inimigo que
desaparece como um pesadelo (vv.5-8).
 Em Is 30,1-5 o profeta ameaça aqueles que confiam nas alianças com o
Egito e abandonam Iahweh, cometendo idolatria política. Isaías
demonstra que assim Judá fracassará. O contexto histórico continua
sendo a crescente ameaça de Senaquerib a partir de 705 a.C. e as
negociações de Judá para formar uma coalizão anti-assíria.

"Com efeito, os seus príncipes estiveram em Soã [= Tânis, no Egito],


os seus embaixadores chegaram até Hanes [= Anúsis, Heracleópolis
Magna, no Egito].
Todos se desmoralizam por causa de um povo [= os egípcios]
que não lhes pode ser de proveito
que não pode trazer-lhes ajuda nem socorro,
mas antes, vergonha e opróbrio" (Is 30,4-5).

 Is 30,6-7 é igualmente um poema contra o envio de uma embaixada de


Ezequias ao Egito através do Negueb. O deserto, povoado por leões e
serpentes "terra de penúria e aflição", é descrito com extremo realismo.
Os judeus levam ao governo egípcio presentes sobre jumentos e
camelos, levam presentes "a um povo que não lhes pode valer", pois "o
auxílio do Egito é inútil e vão".
 Is 30,11-17 é chamado por muitos de "testamento de Isaías" por causa
da ordem dada por Iahweh ao profeta no v. 8:
"Vai agora e escreve-o sobre uma prancheta, grava-o em um livro
que se conserve para dias futuros, para todo o sempre".

 Na verdade, o profeta vai escrever suas denúncias, repetidas mas não


ouvidas por seus contemporâneos. Só o futuro lhe dará razão (vv. 8-11).
Entretanto, Isaías alerta: este comportamento cego da nação vai levá-la
à destruição, como uma muralha rachada que desmorona de repente ou
um vaso de barro despedaçado com violência (vv. 12-14). A confiança
de Judá está em seus inúteis exércitos e isto a destruirá, pois só a
confiança em Iahweh garantiria sua sobrevivência na crise que se
aproxima (vv. 15-17).
 Is 31,1-3 retoma o tema da aliança com o Egito, denunciando-a como
ilusória: seus numerosos carros de guerra e sua cavalaria poderosa não
podem ajudar: Judá traiu Iahweh e não tem saída.
"Pois os egípcios são homens e não deuses, os seus cavalos são
carne, não espírito. Iahweh estenderá a sua mão: tropeçará o
protetor e cairá o protegido, os dois juntos perecerão" (Is 31,3).

 Embora pareça não ter mais nenhuma perspectiva, o profeta ainda


sonha: Is 31,4-9 descreve a proteção de Iahweh para Jerusalém como
um leão que defende sua presa dos pastores, como aves que voam e
vigiam: "Então a Assíria cairá à espada, mas não de homem; por uma
espada, mas não de homem, ela será devorada" (v. 8a).

2.4 O PROFETA MIQUÉIAS

 Contemporâneo de Isaías, o profeta Miquéias é um camponês vindo da


região fortemente militarizada que confinava com a planície filistéia.
Atuou durante os anos que se seguiram à guerra siro-efraimita, ainda no
governo de Acaz, e durante a reforma de seu filho Ezequias, até a
grande derrota de Judá e o castigo imposto ao país pela Assíria.
 Corajoso em sua postura de denúncia aberta e forte dos desmandos
articulados pelos governos e pela classe dominante escorada no Estado,
Miquéias é, ao mesmo tempo, e por isso, um grande defensor dos
camponeses e dos direitos dos oprimidos de seu tempo.
 Uma de suas características mais marcantes é a denúncia da teologia
oficial que se elaborava em Jerusalém para sustentar a opressão que
garantia a riqueza da corte mesmo quando o país estava em grande
crise e a maior parte da população passava necessidades. Sua
discussão com seus colegas profetas que se prestam a esse papel de
falar o que interessa às autoridades de turno é uma das marcas
características desse grande profeta de Morasti-Gat.
 No primeiro momento discutirei as questões gerais acerca do livro e do
personagem. No segundo, a primeira parte do livro, os capítulos 1-5. E,
finalmente, os dois capítulos finais, Mq 6-7. É um livro pequeno, mas de
forte densidade e de grande atualidade.
2.4.1 O LIVRO E SEU AUTOR
 Um dos primeiros problemas que se apresentam ao leitor de Miquéias
está o da autoria do livro. Parece, à primeira vista, que boa parte do
livro não pode ser do profeta de Morasti-Gat.
 Isto porque sua pregação é de feroz denúncia da opressão e da teologia
que a sustenta. Tal é a característica dos capítulos 1-3. Por outro lado,
os capítulos 4-5 estão recheados de benevolentes promessas, o que
não se coaduna com o tom dos três primeiros. Ainda: os capítulos 6-7
parecem ser de Miquéias, mas o livro termina, talvez, com um oráculo
sobre Samaria, coisa estranha para um profeta judaíta.
 Comparemos, por exemplo, Mq 3,9-12 com Mq 4,8, onde o destino de
Jerusalém aparece de duas formas claramente contrastantes:
"Ouvi, pois, isto, chefes da casa de Jacó e magistrados da
casa de Israel, vós que detestais o direito, que torceis o
que é reto, vós que edificais Sião com o sangue e
Jerusalém com injustiça! Seus chefes julgam por suborno,
seus sacerdotes ensinam por salário e seus profetas
vaticinam por dinheiro. E eles se apóiam em Iahweh,
dizendo: 'Não está Iahweh em nosso meio? Não virá sobre
nós a desgraça!' Por isso, por culpa vossa, Sião será
arada como um campo, Jerusalém se tornará um lugar de
ruínas, e a montanha do Templo, um cerro de brenhas!"
(Mq 3,9-12).
"E tu, Torre do Rebanho, Ofel da filha de Sião, em ti
entrará a autoridade antiga, a realeza da filha de
Jerusalém" (Mq 4,8).

O que dizem os especialistas?


 Dizem que Mq 1-3 é de Miquéias, mas que os capítulos 4-5
pertenceriam a outros autores que teriam somado suas profecias de
salvação ao livro de Miquéias. E que os capítulos 6 e 7 seriam apenas
parcialmente de Miquéias.
 Mas há outra solução possível. Que resolve especialmente o problema
dos capítulos 4-5. Podemos ler estes capítulos como um aceso
debate entre Miquéias e outros profetas, contemporâneos seus,
mas que defendem posições opostas às suas. Nós hoje os
chamamos de falsos profetas. Miquéias, por sua vez, denuncia sua
teologia como sustentáculo da injustiça que se praticava em Jerusalém.
Aqueles textos que parecem contrariar a pregação de Miquéias seriam,
na verdade, as palavras dos falsos profetas.
 E é até possível que os capítulos 6-7 pertençam a um Dêutero-Miquéias,
um anônimo profeta samaritano que teria existido nos últimos anos do
reino do norte. Assim se explicariam as características nortistas desses
dois capítulos. Por outro lado, nada impede que o próprio Miquéias
tenha pregado a respeito de Samaria às vésperas de sua destruição.
Era lição adequada a Jerusalém, que corria os mesmos riscos.

Como Mq 6,16, que fala do exemplo de Samaria:


"Tu guardas os preceitos de Amri, todas as práticas da
casa de Acab; andas conforme os seus princípios, para
que eu te entregue à devastação e teus habitantes ao
opróbrio. Carregareis a vergonha dos povos".

 Agora, sobre o profeta. Diz o v. 1 que Miquéias é natural de Morasti-


Gat, aldeia situada na Sefelá, próxima à cidade de Gat, a cerca de 50
km a sudoeste de Jerusalém.
 Para entendermos certas colocações de Miquéias é bom lembrarmos
que sua aldeia ficava numa região altamente militarizada, coalhada de
fortalezas: em um círculo de dez quilômetros encontramos Azeca, Soco,
Odolam, Maresa e Laquis.
 Parece que Miquéias era um camponês, dado que sua aversão pelas
cidades, especialmente por Jerusalém, se manifesta a todo momento. E
também porque ele denuncia os latifundiários de seu tempo com toda a
dureza. E não gosta dos comerciantes. Diz Mq 6,10-12, por exemplo:
"Posso eu suportar uma medida falsa e um efá diminuído,
abominável? Posso eu inocentar as balanças falsas e uma
bolsa de pedras falsificadas? Pois os seus ricos estão
cheios de violência, seus habitantes mentem e sua língua
é falsidade em suas bocas".

 Deve ter atuado em Jerusalém, especialmente no tempo de Ezequias


(716/15-699/98 a.C.) Diz o título do livro que ele pregou desde a época
de Joatão (740/39-734 a.C.), passando por Acaz (734/3-716 a.C.) e
Ezequias. Como ele se refere a Samaria, de um lado, e à invasão de
Senaquerib, de outro, devemos colocar como data possível os anos de
727 a 701 a.C.
 Quanto à divisão do livro, a maior parte dos autores indica quatro
seções, alternando-se ameaças e promessas:
 1-3: ameaças
 4-5: promessas
 6,1-7,7: ameaças
 7,8-20: promessas.

 L. A. Schökel e J. L. Sicre Diaz preferem falar de dois atos apenas: no


primeiro é descrita uma teofania e suas conseqüências (1-5), enquanto
que no segundo aparece o julgamento de Iahweh contra Israel (6-7).
 Com efeito, Mq 1,2-4, quando fala da manifestação de Iahweh, diz o
seguinte:
"Ouvi, povos todos, presta atenção, terra, e o que a habita!
Que Iahweh seja testemunha contra vós, o Senhor saiu de
seu santo Templo! Porque eis que Iahweh sai de seu lugar
santo, ele desce e pisa sobre os altos da terra. Debaixo
dele os montes se derretem e os vales se desfazem como
a cera junto do fogo, como a água derramada em uma
encosta".

 Já Mq 6,1-2, abrindo o segundo ato, traz um processo de Iahweh contra


Israel:
"Ouvi, pois, o que diz Iahweh: 'Levanta-te, abre um
processo diante das montanhas, e que as colinas ouçam a
tua voz!' Ouvi, montanhas, o processo de Iahweh, prestai
ouvidos, fundamentos da terra, porque Iahweh está em
processo com o seu povo, e contra Israel ele pleiteia".

 Todo o conteúdo do livro de Miquéias pode ser sintetizado como segue:


 Mq 1-5: a teofania e suas conseqüências
 Cap. 1: o profeta anuncia e denuncia generalidades
1,1 : título
1,2-7 : anúncio de uma grande teofania motivo: pecados
de Jacó (norte) e de Judá (sul) conseqüência: o castigo
imediato de Samaria
1,8-16: uma elegia por Judá motivo: uma catástrofe que
afetou norte e sul ocasião da catástrofe: passada (a
invasão de Senaquerib) futura?
motor da catástrofe: Iahweh que julga o seu povo
 Cap. 2-3: o profeta passa à denúncia de pecados
concretos
2,1-5 : ai (ameaça) contra os ricos; motivo: porque tomam
as casas dos pobre
2,6-11:resultado: discussão entre Miquéias e seus
adversários por quê? acreditam os adversários que
nenhum mal lhes virá
2,12-13: uma promessa de salvação autor: muitos
acreditam ser um autor posterior que tentou suavizar a
ameaça anterior Mas podem ser palavras dos falsos
profetas
3,1-4 : nova ameaça contra as autoridades
3,5-8 : disputa entre Miquéias e os falsos profetas
3,9-12 : novo ataque às autoridades civis e religiosas
anúncio de um terrível castigo para Jerusalém
 Cap. 4-5: em discussão, a salvação (= restauração do
país)
desenvolvimento: vários autores? assim pensa a maioria
outros acreditam ser uma discussão entre Miquéias e os
falsos profetas
1. Quando será a salvação?Para Miquéias é coisa futura,
dos "últimos dias", e não "agora", como dizem os falsos
profetas. É preciso primeiro passar por uma purificação.
Então Jerusalém será restaurada.
2. De onde virá a salvação? Para Miquéias a salvação virá
de Belém, lugar do povo. Para os falsos profetas virá de
Jerusalém, lugar do poder
3. Em que consistirá a salvação? Miquéias diz que será a
restauração para todos os povos.Os falsos profetas: será
boa para os judeus, mas será destruição
para os estrangeiros.
 Cap 6-7: o processo de Iahweh contra seu povo
6,1-5: convocação da natureza para que assista à querela
de Iahweh contra seu povo
6,6-7: o culto, somente através do qual ocorre a Israel
agradar a Iahweh, é rechaçado
6,8-9a: o caminho certo passa pela justiça e pela lealdade
6,9b-16: duro ataque à cidade, onde faltam exatamente a
justiça e a lealdade, pois se enriqueceu à custa de
injustiças
7,1-7 : com o desaparecimento da lealdade, ninguém pode
confiar em ninguém, nem nos mais íntimos. O único jeito é
confiar em Iahweh e esperar a sua intervenção salvífica
7,8-20: reconhecimento da culpa e reconciliação.

2.4.2 A TEOFANIA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS (1,2-5,14)


 Em Mq 1,2-7 o profeta descreve uma poderosa manifestação de Iahweh,
seguida pela acusação a Israel e a Judá, provocando o castigo imediato
de Samaria. Diz Miquéias que "o Senhor saiu de seu santo Templo" para
manifestar-se contra Israel (v. 2). A. Maillot/A. Lelièvre comentam a
propósito: "Há aqui uma preposição muito interessante. Comumente se
dizia que o Senhor estava no Templo. Mas a preposição empregada
aqui por Miquéias não deixa o Senhor ficar encerrado no Templo. Ela
sublinha que Deus sai do Templo não para abandoná-lo, mas para agir
fora. É um tema de Miquéias: o Deus-do-Templo, da liturgia, é também o
Deus-de-fora-do-Templo e do cotidiano".
 Apesar da violência que isto representa, Miquéias acusa o próprio
Templo de Jerusalém de praticar cultos idolátricos, ao falar dos "lugares
altos" (segundo o texto hebraico, porque o texto da LXX muda para "o
pecado da casa de Judá"), expressão que se refere aos locais de prática
dos cultos da fertilidade.
"Tudo isso por causa do crime de Jacó, por causa dos
pecados da casa de Israel Qual é o crime de Jacó? Não é
Samaria? Quais são os lugares altos de Judá? Não é
Jerusalém?" (Mq 1,5).
 Em Mq 1,8-16 o profeta canta uma elegia (= cântico fúnebre) por Judá,
descrevendo uma invasão militar, patrocinada por Iahweh, para castigar
o povo. Trata-se provavelmente da invasão assíria de 701 a.C., quando
Senaquerib destruiu 46 cidades fortificadas de Judá e cercou Jerusalém.
Interessante é o jogo de palavras, feito pelo poeta, com o sentido dos
nomes das cidades e o seu destino, do tipo: beghath 'al tagîdhû = em
Gat não anuncieis... Das doze cidades mencionadas conhecemos sete,
situadas a sudoeste de Jerusalém: Gat, Saanã, Laquis, Morasti-Gat,
Bet-Aczib, Maresa e Odolam.
 Mq 2,1-5 acusa os que têm poder, porque espoliam os mais fracos do
que eles. Miquéias promete-lhes um castigo sob a forma de um exílio. O
profeta critica sobretudo a perversão do comércio da terra, absurdo sob
o ponto de vista da solidariedade tribal. Para Miquéias a estrutura
absolutista da monarquia israelita comete um evidente abuso de poder,
um crime, ao possibilitar que seus beneficiários transformem a terra,
doada a todos por Iahweh, para o sustento cotidiano, em terra de
negócio, para acumulação e lucro.
"Ai daqueles que planejam iniqüidade e que tramam o mal
em seu leitos! Ao amanhecer, eles o praticam, porque está
no poder de sua mão. Se cobiçam campos, eles os
roubam, se casas, eles as tomam; eles oprimem o varão e
sua casa, o homem e sua herança" (Mq 2,1-2).

 O verbo "cobiçar", usado por Miquéias, é hâmad: este verbo não indica
apenas um desejo que não se concretiza, mas a maquinação para
realizar um plano. Além do que cobiçar é a ação daqueles que possuem
recursos para tomar posse de bens alheios pública e impunemente. É o
mesmo verbo usado em Ex 20,12, um dos dez mandamentos: "Não
cobiçarás a casa do teu próximo...".
 É bom a gente observar que as pessoas acusadas por Miquéias não são
os "marginais" da sociedade israelita. São pessoas honradas e
respeitadas. Estão, no momento, muito bem.
 Contudo, a ameaça do castigo (vv. 3-5) tem a sua razão de ser. "Antes
de tudo, deve-se dizer que um país no qual a injustiça social chegou a
tal ponto, que se encontram, de um lado, alguns poucos grandes
proprietários e, do outro, uma incontável multidão de pobres mais ou
menos escravos, pode ter certeza de perder a guerra, se ela vier",
observam A. Maillot e A. Lelièvre .
 Além da miséria e enfraquecimento inevitáveis nestes casos, ocorre um
agravante: faltaria ao soldado israelita, recrutado entre os camponeses
empobrecidos, qualquer motivação para a luta. Afinal, os camponeses
nada têm para defender de um inimigo externo, pois já perderam tudo
para os exploradores internos...
 Em 2,6-11 temos uma discussão entre Miquéias e seus adversários, os
profetas do poder. No início do oráculo vem citado o discurso deles (vv.
6-7), vindo, em seguida, a resposta de Miquéias que os acusa de
despojar os mais fracos (vv. 8-11).
 Segundo os profetas contrários a Miquéias, não há o que temer, já que
os filhos de Jacó (= os israelitas) são abençoados (Gn 49), além do que,
Iahweh, que não esmorece no cumprimento de suas promessas,
continua a agir com benevolência.
 Mas o argumento de Miquéias é o seguinte: "Estes profetas com suas
mentiras se dedicam a despojar mulheres, crianças e viandantes,
enquanto participam de festas despreocupadas: eles fazem boa
companhia aos poderosos, utilizando a mentira em lugar do poder".
 E no v. 11, finalmente, Miquéias traça o perfil do falso profeta. Jogando
com o termo rûah, que significa tanto "vento" como "espírito", diz nosso
profeta que seus adversários, que tanto reivindicam o espírito, acabam
mesmo é correndo atrás do vento.
 Mq 2,12-13 traz a típica mensagem da teologia oficial de Jerusalém no
tempo de Miquéias. São palavras dos adversários de nosso profeta o
que devemos ler aqui. São os falsos profetas em ação. Seus temas: a
reunificação, o Senhor como pastor do povo, o rei.
 Em Mq 3,1- 4 o profeta repreende o comportamento dos chefes de
Israel: são as autoridades civis como o rei, os funcionários dos escalões
superiores e os juízes, os "cabeças" (ro'shîm), em hebraico. A metáfora
usada pelo profeta é de uma crueza espantosa:
"E eu digo: Ouvi, pois, chefes da casa de Jacó e
magistrados da casa de Israel! Por acaso não cabe a vós
conhecer o direito (mishpât), a vós que odiais o bem e
amais o mal, (que lhe arrancais a pele, e a carne de seus
ossos)? Aqueles que comeram a carne de meu povo,
arrancaram-lhe a pele, quebraram-lhe os ossos, cortaram-
no como carne na panela e como vianda dentro do
caldeirão, então eles clamarão a Iahweh, e ele não lhes
responderá. Ele lhes esconderá a sua face naquele tempo,
porque os seus atos foram maus!" (Mq 3,1-4).

 Mq 3,5-8 traz nova discussão entre Miquéias e os falsos profetas que,


devendo ser guias do povo, entretanto, desviam-no. Miquéias carrega na
denúncia dos profetas que vaticinam por comida.
"Assim disse Iahweh aos profetas que seduzem o meu
povo: Àqueles que, se têm algo para morder em seus
dentes, proclamam: 'Paz'. Mas a quem não lhes põe nada
na boca eles declaram a guerra!" (Mq 3,5).

 Mq 3,9-12 é um ataque à corrupção das classes dirigentes: magistrados,


chefes, sacerdotes, profetas, gente de Jerusalém que acredita estar
Iahweh com eles, defendendo-os. Entretanto:
"Seus chefes (ro'shîm) julgam por suborno seus
sacerdotes ensinam por salário e seus profetas vaticinam
por dinheiro" (Mq 3,11a).

 Estes dirigentes, na verdade, estão edificando "Sião com sangue e


Jerusalém com injustiça". Mas o v. 12 destrói tal ilusão: "Por culpa
vossa, Sião será arada como um campo, Jerusalém se tornará um lugar
de ruínas, e a montanha do Templo, um cerro de brenhas".
 Em 4,1-4 Miquéias canta o futuro, quando, em uma peregrinação geral,
convergirão toda as nações, vizinhas e distantes, para o louvor de
Iahweh e em busca de seu ensinamento e de sua proteção, para o
monte Sião. Já em Mq 4,5 os falsos profetas mantêm uma estreita visão
da história, contra o universalismo de Miquéias: cada povo segue seu
deus, Israel segue Iahweh. Os outros povos não virão, dizem eles.

 Em 4,6-7 Miquéias retoma o tema anterior, somando-lhe algo novo: os


exilados israelitas retornam à sua pátria.
 Em Mq 4,8-9 os falsos profetas exaltam a grandeza de Jerusalém,
chamando-a de "Torre do Rebanho". Afirmam que Jerusalém não deve
temer o inimigo, pois sua tradição de poder é antiga e inabalável. Mas
em Mq 4,10 o nosso profeta retruca que a hora do exílio e do sofrimento
está chegando.
 Em Mq 4,11-13 os falsos profetas acreditam na vitória de Judá sobre os
seus temíveis adversários, os já, nesta época, ameaçadores assírios.
Porém Mq 4,14 rebate: nada de falsas ilusões, que o tempo é mau para
Jerusalém e Judá, diz o profeta de Morasti-Gat.
 Em 5,1-3 Miquéias retoma a esperança de uma recuperação de Judá,
mas só a partir das origens humildes da dinastia davídica, originária de
Belém. Recusa-se o profeta a admitir uma saída da crise contando com
as forças reinantes no momento:
"Mas tu, (Belém) de Éfrata embora o menor dos clãs de
Judá,
de ti sairá para mim aquele que será dominador em Israel"
(Mq 5,1).
 Os falsos profetas, entretanto, retrucam, em Mq 5,4-5, que a paz será
conquistada com a guerra e a vitória de Judá sobre a Assíria.
 Em Mq 5,6 o profeta fala do "resto" de Jacó (= Israel) em meio às
nações como uma bênção de Iahweh, de maneira pacífica, construtiva.
Já os falsos profetas, em Mq 5,7-8, falam de Israel em meio aos outros
povos como um leão entre animais selvagens e ovelhas, destruidor e
feroz.
 Finalmente, em Mq 5,9-14, nosso profeta traz um oráculo sobre o
aniquilamento da idolatria, sob suas diversas formas, em Israel: são
aniquilados os cavalos e os carros de guerra, as fortalezas e as cidades,
os adivinhos, as estelas, as estátuas e os postes sagrados. É um
oráculo muito semelhante ao de Is 2,7-8.
 Observamos que Miquéias faz desfilar diante de nós as vítimas da
exploração de seu tempo. Ele vê a sociedade dividida entre os donos de
terra, as autoridades civis e militares, os juízes, os sacerdotes e os
falsos profetas, de um lado; e, do outro lado, o "meu povo", o povo de
Iahweh, vítima da opressão. É então que Miquéias denuncia a "teologia
da opressão" que se elabora em Jerusalém e que serve para ocultar
e/ou legitimar as injustiças.

2.4.3 O PROCESSO DE IAHWEH CONTRA SEU POVO (6,1-7,20)

 Em Mq 6,1-8 o profeta anuncia que Iahweh iniciará um processo contra


Israel. Convoca as montanhas, as colinas e os "fundamentos da terra"
como testemunhas. Iahweh enumera os benefícios feitos por ele a
Israel: acontecimentos que vão desde o êxodo do Egito até a chegada a
Guilgal. Israel tenta, porém, reparar a sua culpa através de um faustoso
e exagerado sacrifício de animais e de cereais, chegando ao ponto de
pensar no sacrifício do primogênito. O v. 8, entretanto, célebre
passagem, joga toda a teologia israelita por terra quando o profeta
exige:
"Foi-te anunciado, ó homem, o que é bom, e o que Iahweh
exige de ti: nada mais do que praticar o direito (mishpât)
gostar da solidariedade (hesedh) e caminhar
humildemente com o teu Deus".

 Este versículo resume o pensamento dos outros três grandes profetas


do século VIII a.C.:
 Amós, na sua exigência de direito e justiça
 Oséias, na sua exigência de solidariedade
 Isaías, na sua exigência de fé e obediência.

 Em Mq 6,9-16 há uma acusação contra Jerusalém (ou Samaria,


segundo outros), pois ela abriga pessoas que se enriquecem
injustamente, fraudando pesos e medidas, além de praticarem a
violência e a falsidade.
 Em Mq 7,1-7 o profeta fala sobre a sua situação. Frente à deslealdade
reinante, despeja Miquéias sobre os leitores a sua infelicidade e
angústia: está só no meio dos homens, só conta com Iahweh.
"O fiel desapareceu da terra, e não há justo entre os
homens! Todos estão à espreita de sangue, cada qual
persegue o seu próximo. Para fazer o mal as suas mãos
são hábeis: o príncipe (sar) exige, o juiz (shophêt) julga
por suborno e o grande expressa a sua ambição (...) Não
confieis no próximo, não ponhais a vossa confiança em um
amigo; diante daquela que dorme em teu seio, guarda-te
de abrir a tua boca. Porque o filho insulta o pai, a filha
levanta-se contra a sua mãe, a nora contra a sua sogra, os
inimigos do homem são as pessoas de sua casa" (Mq 7,2-
3.5-6).

 Mq 7,8-20 conta como Jerusalém sofreu nas mãos dos inimigos, mas
reconheceu a sua culpa, está envergonhada e será recuperada por
Iahweh que a perdoa. É um texto pós-exílico este, segundo a opinião da
maioria dos autores, quando se deu a reconstrução da cidade. Oráculos
acrescentados pelos copistas às duras críticas de Miquéias, arranjando
um final feliz...

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