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RUDY ALBINO DE ASSUNÇÃO

BENTO XVI, AIGREJA CATOLICA


EO ESPIRITO DA MODERNIDADE"
UMA ANÁLISE DA VISÃO DO PAPA TEÓLOGO SOBRE O"MUNDO DE HOJE"

PAULUS ECCLESIAE
RUDY ALBINO DE ASSUNÇAO
BENTO XVI, AIGREJA CATOLICA
EO ESPIRITO DA MODERNIDADE"
UMA ANÁLISE DA VISÃO DO PAPA TEÓLOGO SOBRE O"MUNDO DE HOJE"

PAULUS ECCLESIAE
Bento XVI, a lgreja Católica e o "Espírito da modernidade"
Uma análise da visão do Papa Teólogo sobre o "mundo de hoje"
Rudy Albino de Assunção
1 edição, 2018.

Imagem da capa: Papa Bento NVI na Missa de Vigília da Pascal, Basilica de


São Pedro, Vaticano, abril de 2012. Stefano Spaziani

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ÍNDICE

15
PREFACIO ..
Carlos Eduardo Sell
.. 21
INTRODUÇAO ..
Um Papa moderno, antimoderno ou pós-moderno:

PARTEI
ELEMENTOS PARA UMA SOCIOLOGIA
DO CATOLICISMO EM MAX WEBER

CAPÍTULOI
O catolicismo e a gênese do mundo modern0:
39
perspectiva sincrônica..
O catolicismo e a formaç o do capitalismo . 42
O catolicismo e o processo de desencantamento do mundo 45

As formas de desencantamento: pela religião e pela ciencia . . . . . 4 6

O catolicismocomo etapa do desencantamento.... 56


secular1zação.... ... 60
O catolicismo e a

CAPÍTULO II
O catolicismo no mundo noderno: perspectiva sincrônica . . . . 69

esfera intelectual .. 69
O catolicismo e a . .

O catolicismo e esfera política ... 76

O catolicismo e esfera econômica 81

UMA BREVE CONSIDERAÇAO INTERMEDIÄRIA


A sociologia weberiana do catolicismo como guia analítico...87
PARTE II
O CONCÍLIO VATICANO II EA MODERNIDADE

NEM O ABRAÇO, NEM O GHETTOD:


A abertura conciliar ao "mundo de hoje'" segundo
o teólogo Joseph Ratzinger . . 95
O Vaticano lI como "abertura para o mundo". . . 102
A constituição pastoral Gaudium et spes ... 110
Três elementos característicos do texto.... 113
O problema da noção de "mundo". 113
O colloquium como categoria fundamental . . . 118
O otimismo . .... 119
Completanto o Antisyllabus: a Nostra Aetate
e a Dignitatis Humanae... ... 121

CAPÍTULO II
Principios e aplicações, continuidades e descontinuidades: o
Vaticano IIeamodernidade no pontificado de Bento XVI. 129
A atualização do Vaticano II no sulco da tradição eclesial .... 130
A "terceira via" de Bento XVI.... ... 133
A dupla dimensionalidade da modernidade 140

PARTE III
A GENEALOGIA DA MODERNIDADE

CAPÍTULOI
Da compatibilidade à ruptura: a relação histórica entre
.. 145
fé cristãe racionalidade de acordo com Joseph Ratzinger.
O judaísmo como desmitificação do mundoo 147
O cristianismo como filosofia: razäo crítica frente às religiöes . . 1 5 1
Fé cristã e filosofia: do distanciamento à ruptura ... 154

A reviravolta da modernidade: da metafifica à técnica... . . 157


Fe crista e iluminismo ....... . . 161
A correlacionalidade entre fé e razão ... 166

CAPITULO II
Alargar os horizontes da racionalidade:
fée razão no pontificado de Bento XVI 169
Deus: logos e razão criadora. ... 170
Entre modernidade e
pós-modernidade.. .... 176
Modernidade esecularização. 178
Pós-modernidade e relativismno. 184

PARTEt
AGENEALOGIA DA MOBERNDADE

CAPÍTUL0I
"A fé no progresso": a lgreja Católica e a esfera da
técnica e da ciência segundo Joseph Ratzinger ... .. 191
O caráter racional da fé na criação, .. 192
O desaparecimento da fé na criação no pensamento moderno... 194
A subjetivação da religião e da moral. 198
A fé na criação e a teoria da evolução ... ... 200
*°*°.ae.

Progresso: a primeira nota da modernidade... .. 206


A técnica: a força
uniformização do mundo.
de 210
O papel da Igreja em um mundo marcado pela técnica .. 215
CAPÍTULO I1
No principio era o Logos, a racào
criadora
Fé e Ciência no pontificado de Bento XVI a *e 219

A fé no progresso cicntifico . . ... 221


Ciencia c ética
227
A fe na criação e a teoria da cvolução ..
...229

CAPÍTULO II
A César o que é de César, a Deus o que é de Deus: a lgreja
Católica ea esfera política na visão de Joseph Ratzinger 237

A esfera política ... 238

O dualismo Igreja-Estado ****".. 240

Desenvolvimento e retrocessos do dualismo.... . 243


A autonomia relativa das coisas terrestres: a laicidade do Estado....246
O papel do Estado. 248

O âmbito da política é a raz o e o presente. . 251

O papel da Igreja . . .. 253

A relação entre Igreja, Política e Direito... 259

A fundação e a configuração do Direito no mundo moderno . 261

Crítica à gênese do Direito nas democracias pluralista 264

265
Liberdade: a segunda nota da modernidade.
269
A ambivalência da liberdade na modernidade .

CAPÍTULO IV
Laicidadee liberdade: a esfera política e a
277
esfera religiosa segiundo Bento XVI . .

281
A laicidade do Estado ... .

287
Aliberdadereligiosa como fundamento da laicidade.
CAPÍTULOv
Moralidade: a Igreja Católica e a esfera
Dinheiro e
XVI ..293
economica segundojoseph
Ratzinger-Bento .

.293
economia ...
O papel da Igreja frente à
Católica fonte
Bento XVI e a lgreja como
.. 297
de "Energia moral" da economia
. . .

301
beneditina do dinheiro..
A visão 302
Capitalismo e Socialismo: uma breve apreciação ética . . .

.. 305
CONCLUSÃO .
INTRODUÇÃO

UM PAPA MODERNO,
ANTIMODERNO OU
POS-MODERNO?

"A PALAVRA IGREJA FERE OS OUVIDOS DA MODERNIDADE". O te-


ólogo Joseph Ratzinger assim se expressava acerca da postura da
época moderna diante da Igreja. Tal afirmação ficou muito tempo
ecoando interior. E quanto mais lia obra do
Ratzinger -
em meu eu
na qual eu comecei a mergulhar com apenas quinze
a
teólogo
anos-fuipercebendo que ele tinha um diagnóstico não só da Igreja
em nosso tempo, mas do "nosso tempo". A palavra modernidade
e seusderivados eram frequentes na obra ratzingeriana. Eu queria
entender como ele via a lgreja, mas logo me dei conta de que seria
impossível fazê-lo sem estudar a fundo a visão de Ratzinger sobre
o mundo com o qual ela tem que se controntar. Por isso, a pergun-F
ta da qual nasceu este livro é precisamente a inversão da asserção
acima: para Ratzinger, a palavra modernidade fere ainda os ouvidos
da lgreja? Afinal, Igreja e modernidade são duas realidades colo
cadas habitualmente em oposição. A verdade é que a relaç o entre
ambas uma instituição religiosa e uma etapa histórica - é bem
mais
complexa, pois "o cristianismo foi um vetor da modernidade
exatamente como, em última análise, foi sua vítima"
RATZINGER, Joseph. Credo para hoje: em que acreditam os cristãos. Braga: Editorial
Franciscana, 2007a, p.449 133
GEFFRE, Claude; JOSSUA, Jean-Pierre. Editorial: Interpretação teológica da modernidade
Revista Concilium, Petrópolis, v. 6, n. 244, 1992, p. 4.

21
RUDY ALBINO DE ASSUNÇÃOo

Embora o protestantismo ascético (anabatista, calvinista ete i


esteja associado ao aprofundamento e à consolidação da modern:
dade, figurando entre a multiplicidade de suas causas - como nos fe
ver a sociologia do racionalismo de Max Weber a que se recorrerá
neste estudo o catolicismo é aquele que tez sentir
-

em seu meio de
modo mais drástico as suas consequëncias. Desse ponto de vista,
para entender a modernidade deve-se colocá-la à contraluz do cato-
licismo entendido por determinada abordagem histórica como o seu
principal antagonista: "A mais conhecida versão das relações entre o
cristianismo [catolicismol e a modernidade é a de exclusão mútua. O
cristianismo ocidental pretende ser decididamente antimoderno, na
medida em que a razão das Luzes mina
bases da autoridade da re-
as
velação e da tradiç o e em queo advento das sociedades democráticas
contesta diretamente o princípio hierárquico da sociedade-lgreja".*
Por isso, a relação entre catolicismo e modernidade está cheia de
intervenções do magistério papal,' em geral opondo-se à moderni-
dade; esta última era encarada pelo papado, para usar as palavras
do historiador Emile Poulat, com uma
"intransigência intratável".
Mas, segundo a própria narrativa teológica e historiográfica ca-
tólica, um evento mudou essa orientação: o Concílio Vaticano II
(1962-1965)." Seus documentos revelariam a intenção da Igreja em
manter um diálogo com o mundo
moderno, o que representaria
uma mudança oficial de postura, correspondendo "à passagem de
uma
interpretação da modernidade como categoria ideológica, tal
3
Cf. WEBER, Max. A ética protestante e o
"espírito" do capitalismo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004.
4GEFFRE, Claude; JoSSUA, Jean-Pierre. Editorial: Interpretação teológica da modernidade.
Revista Concilium, Petrópolis, 6, n. 244, 1992, 4.
v.
p.
Cf. SABETTA, Antonio. Teologia della modernità. Percorsi e
San Paolo, 2002.
figure: Cinisello Balsamo:
POULAT, Emile. Catolicismo e modernidade: um processo de exclusão mútua. Revista
Concilium, Petrópolis, n. 244, v. 6, p. 17-24, 1992, p. 17.
O Concílio Ecumênico Vaticano II foi uma assembleia de bispos de todo o mundo,
pelo papa João XXIII em 1959 e inaugurado em 1962. Durante os trabalhos convocaao
faleceu João XXIII e, em seguida, foi eleito Paulo VI, que decidiu prosseguir concilare
Este foi encerrado em 1965 comoConcin
(cf. ALBERIGO, Giuseppe. Breve história do Concilio Vaticanu
lI: (1959-1965).
Aparecida, São Paulo: Santuário, 2006). Mais adiante serão apresent
outras historiografias sobre o
Concílio, sobretudo de linhas interpretativas diferentes

22
BENTO XVI, A IGREJA CATÓLICA EO "ESPÍRITO DA MODERNIDADE"

como se dera na tradição antimodernista, para uma consideração da


mesma como um fenômeno puramente histórico". Com o Concílio,
afirmava-se a ideia de ler os sinais dos tempos" sob uma óptica
otimista", visando com um isso um aggiornamento, uma atuali-
zacão da Igreja: *Com o Vaticano ll não será mais necessário, para
identificar-se como cristão, declarar-se antimoderno". 9
A partir da eleição de João Paulo II em 16 de outubro de 1968,
diversos comentadores defenderam que essa herança de abertura
do Concílio foi deixada de lado.0 Esse papa teria endossado um
projeto "substancialmente antimoderno".Há,é claro, uma leitura
contrária do papado wojtyliano,2 tal como a de Andrea Riccardi,
que endosso: "Esta é linha do pontificado de João Paulo II sobre as
grandes questöes que separam a Igreja da modernidade ocidental:
não adaptar-se, mas procurar uma nova linguagem e novas práticas,
para viver e propor aquilo em que a Igreja cr" 13
Prosseguindo como quadro que estamos construindo, para José
Comblin (1923-2011), teólogo e missionário belga radicado no
Brasil, o Cardeal Joseph Ratzinger teve um papel preponderante

TURBANTI, Giovanni. Aatitude da Igreja em face ao mundo moderno, durante o Concílio


e no
pós-Concílio. Revista Concilium, Petrópolis, v. 6, n. 244, 1992, p. 105.
DUQUOC, Christian. Pertença eclesial e identificação crist . Revista Concilium. Petrópolis,
v. 12, n. 216, 1998, p. 129.

Confluem nesse sentido as opiniðes


presentes nas seguintes obras: LIBANIO, Jo o Batista.
A volta à grande disciplina. São Paulo: Loyola, 1984; LADRIERE, Paul. (org.) Le retour des
certitudes. Evénements et orthodoxie
Paul. Le
depuis Vatican II. Paris: Centurion, 1987; LADRIERE,
rêve de Compostelle. Vers la restauration d'une Europe chrétienne? Paris: Editions du
Centurion, 1989; LERNOUX, Penny. People of God. The struggle for World Catholicism. New
York: Viking, 1989; MENOZZI, Daniele. Giovanni Paolo II.
Una transizione incompiuta?
Brescia: Morcelliana, 2006. Uma
não está dentro do
avaliação do longo e complexo pontificado de João Paulo

esta leitura do seu


objetivo desta análise, o que não permite discutir ou problematizar
governo da Igreja.
Embora com "traços de indiscutível modernidade"
"

(TURBANTI, 1992, p. 114), tais como


as
viagens, o uso dos mass media, o abandono de uma aura de sacralidade do
papado.
Para uma visão contrária a tal avaliação do pontificado de São João Paulo II, cef. PORTIER,
Philippe. Cristianismo e Modernidade no pensamento de João Paulo II. Numen: Revista de
Estudos e Pesquisa da Religião, Juiz de Fora, v. 12, n. 1e 2, p. 59-80.
RICCARDI, Andrea. João Paulo Il: a biografia. São Paulo: Paulus, 2006, p. 44.

2.3
RUDY ALBINO DE ASSUNÇAO

na orientação doutrinal do pontificado de São João Paulo II, 4

Essa avaliação fica ainda mais cristalina na seguinte avaliação,


presente na sua obra O povo de Deus: "O Cardeal J. Ratzinger
toi o instrumento mais adequado que se podia achar para dirigir a
manobra de restauração. Fora teólogo do Concílio, mas foi um dos
se assustaram e se arrependeram. Na realidade a sua
primeiros que
1969 voltou
teologia não se adequava à teologia conciliar. Já desde
visão extremamente
à teologia anterior. Ele mesmo cultivou uma
ainda mais as tendëncias
pessimista do mundo moderno e acentuou

pessimistas do papa".13
Nosso interesse vai além da dura afirmação de Comblin de que
há ruptura no pensamento ratzingeriano, o que Ratzinger peremp
toriamente rejeitou inúmeras vezes. Mais do que uma apreciaçao
interessa
global da obra ratzingeriana feita pelo teólogo belga,

16 de abril de 1927, em Marktl am Inn, Baviera,


Joseph Alois Ratzinger nasceu em

na Alemanha. Depois de ordenado sacerdote,


iniciou sua carreira acadêmica em diversas
Paulo
universidades alem s. Em 1977 foi nomeado arcebispo de München e Freising, pelo Papa
VI. No mesmo ano foi nomeado cardeal. Permaneceu em sua arquidiocese até 1982, quando
o Papa João Paulo Ilo chama a Roma para assumir a função de Prefeito para a Congregação
sucedendo a João Paulo I, tendo
da Doutrina da Fé. No dia 19 de abril de 2005 é eleito papa,
Benedicto XVI, el papa alemán.
escolhido para si o nome de Bento XVI. Cf. BLANCO, Pablo.
Barcelona-Ciudad de México: Planeta, 2010 (há uma versão anterior, mais reduzida, do mesmo
uma biografia. São Paulo: Quadrante, 2005a.
Cf.
autor, publicada no Brasil: Joseph Ratzinger:
da fé. Rio de Janeiro, Record, 2006
também TORNIELLI, Andrea. Bento XV1: o guardião
e

São João do Estoril: Lucerna, 2007. Para uma


SEEWALD, Peter. Bento XVI visto de perto.
Pablo. Bento XVI: Um mapa de
breve e didática iniciação ao seu pensamento: BLANCO,
visão mais ampla dos temas abordados
suas ideias. São Paulo: Molokai, 2016;
mas para uma
Una introducción.
pelo teólogo alemão, cf. BLANCO, Pablo. La Teología Joseph Ratzinger.
de
Giuliano. Guia para a
Madrid: Palabra, 2011. Tem-se ainda, em língua portuguesa, VIGINI,
leitura da obra de Joseph Ratzinger, Bento XVI. Cascaes: Lucerna, 2012.
15 COMBLIN, José. O povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002, p. 8.
6 A resposta a essa afirmação é dada pelo próprio Ratzinger: "Na minha história de
o contexto
mas um desenvolvimento. Em primeiro lugar,
teologo, não vejo nenhuma fratura
histórico mudou. Permita-me contar um fato que se verificou em 1968, quando percebi essa
antes, e
mudança com clareza. Um jovem me disse que perdera a fé mais ou menos um ano
continuou a praticar o cristianismo exteriormente, para não criar problemas no seu meio.

Em 1968, participou de um grande encontro com estudantes como promotor da autëntica


renovação da lgreja, com arrogância consciente e agressividade. Pode ser que esse seja um
caso particularmente drástico, mas a partir daquele momento era claro que se tratava de
outras questões em relação ao que acontecia em 1965 e que nós, como teólogos, vivla
em um contexto diferente" (RATZINGER, Joseph. Ser cristão na era neopag : Entrevisu
(1986-2003), v. 3. Campinas: Ecclesiae, 2016, p. 110-111).

24
BENTO XVI, A IGREJA CATÓLICA :O "ESPlRITO DA MODERNIDADE"

em sua atirmaçio a correlação necessária que ele estabelece: uma


orientação "conservadora" em relação ao Concilio significaria umma
visão negativa da modernidade com a qual a grande assembleia
pretendeu dialogar. Comblin está longe de ser o único a endossar
esta avaliação negativa da hermenêutica do Vaticano II realizada
pelo Cardeal Ratzinger, pois ela foi e é vista amiúde como oposição
ao Concilio e, consequentemente, como oposição à modernidade.

A BIOGRAFIA "TRIPARTIDA" DE JOSEPH RATZINGER


Para situar o leitor no debate a que me reteri até agora, apresen-
tarei algumas notas biográficas de Ratzinger, usando já categorias
weberianas.
Excluindo-se o período dos seus primeiros anos de vida (desde
seu nascimento em 1927 até sua
ordenação sacerdotal em 1951),
pois constituem uma trajetória comum åqueles que seguem a vida
eclesiástica (excetuados eventos como a participação na guerra),
pode-se identificar três períodos na vida de Ratzinger. A tipologia
empregada já é tomada de Max Weber (1864-1920).
Em
primeiro lugar Ratzinger viveu como intelectual, mais exata-
mente como professor universitários
(desde sua tese doutoral sobre
17
HARING, Hermann. Una teologia cattolica? J. Ratzinger, o il trauma di "Giovannino
fortunato". In: KUNG, Hans; GREINACHER, Norbert (a cura di). Contro il tradimento del
Concilio. Dove va la Chiesa cattolica? Torino: Claudiana
Hans. II cardinale Ratzinger, papa Editrice, 1987, p. 201-213; KUNG,
Wojtyla e la paura della libertà. Una parola chiara dopo un
lungo silenzio. In: KUNG, Hans; GREINACHER, Norbert (a cura di). Contro il tradimento
del Concilio. Dove va la Chiesa cattolica? Torino:
Claudiana Editrice, 1987, p. 325-340.
Cf. também MENOZZI, Daniele. El anticoncilio
(1966-1984). In:
JOSSUA, Jean-Pierre (eds.). La recepción del Vaticano II. Madrid:ALBERIGO,
Cristiandad,
Giuseppe;
1987, p.
385-413. A quinta parte é dedicada às "Posturas
tentar discernir formas sutis de resistência ao
negativas ante o Concílio".
Menozzi diz
concílio no terreno de sua aceitação (p. 389).
O autor
questiona própria postura de Paulo VI em relação ao concílio. Ele
a
aponta também
que Paulo VI teria adotado uma via media entre os inovadores que querem se libertar da
tradição e os conservadores
incapazes de distinguir os costumes abandonáveis e a tradição
que se deve preservar
(p. 396). Paulo VI, na visão de Menozzi, elogiava com mais trequëncia
aos conservadores
e, inclusive, muitas de suas tomadas de posição assemelhavam-se aos
discursos de Mons. Marcel Lefebvre. Embora
Ratzinger ainda não apareça diretamente
no texto,
logo depois ele será colocado na mesma fileira que outros teólogos e eclesiásticos
considerados, de algum modo, opositores do Vaticano lI.
Sobre o período de docência da vida Ratzinger tem-se o testemunho contido em sua
autobiografia (RATZINGER, 2006) e outras biografias mais densas (BLANCO, 2010).
Testemunhos de ex-alunos foram recolhidos por VALENTE, 2008.

25
RUDY ALBINO DE ASSUNÇAO

Santo Agostinho e sua tese de


livre-doc icia sobre São
ura) Boaventura
diversas universidades alemäs: primeira
ira-
até a sua passagem por
Em 1962 começou sua atividad
mente em Bonn (1959-1963).

no Concíilio
Ecumênico Vaticano II (1962-1965), primeiro como
assessor teológico do
Cardeal Josef Frings, arcebispo de Colónia e
nomeado pelo papa loa
depois, perito oficial do Concílio
como
conciliar foi para a universidade de
XXIII. Durante o período
Münster (1963-1966); em seguida para Tübingen
(1966-1969) e
enfim, para Regensburg (1969-1977).
Vaticano II primeiro período da
diretamente esse
O marcou
se tornou conhecido e
vida de Ratzinger. "No Concílio, Ratzinger,
entre os progressistas","
Mais detalhes
tornou-se célebre ajuntado
inteiramente dedicado ao
sobre período aparecer o no capítulo
esse
Mas é importante perceber isto:
Vaticano II na visão de Ratzinger.
muitos c r e e m que Ratzinger
mudou sua posição sobre o Concílio

e isso afetou sua visão de mundo.


metade da década
Prosseguindo: no imediato pós-Concílio (da
se fizeram sentir duas her
de 60 até o fim da década de 70) logo
em declarada oposição. Elas
menêuticas da assembleia conciliar,
tormalmente representadas em duas revistas que nasceram
estavam
entre si a prerrogativa de
na esteira do Concílio, que disputavam
sua legítima herdeira.
De um lado, a revista Concilium (nascida
de orientação mais "progressista",
como
em 1965 na Alemanha),
Rahner e outros. Para
iniciativa de teólogos como Hans Küng, Karl
fazer frente a ela, nasce a revista Communio, (em
1974, na ltálha
e na Alemanha), mais conservadora, sob a égide de teólogos como
0
Henri De Lubac e Joseph Ratzinger."
Hans Urs von Balthasar,
volume de Concilum,
teólogo Ratzinger participara do primeiro
mas a deixara por discordar a orientação que tomara.

ORO,
Concílio e o Santo Ofício.
In:
S São
BOBBI0, Alberto. O Catecismo e a guerra, o

Giuseppe (org.). Bento XVI: Sobre os caminhos do Concílio. Um ano de pontinca


Paulo: Ave-Maria, 2007, p. 16. ito
redaça0.
2TORNIELLI, Andrea. Concilium ou Communio? Um (futuro) papa
na

Humanitas UNISINOS, São Leopoldo, 28. Junho 2011.

26
RENTOXVI, AIGREJA CATOIICA EO "ESPÍRITO DA MODERNIDADE"

Deve-se notar amda que seu período acad mico foi marcado
protundamente por uma mudança de orientação na própria uni-
versidade alemà, scntido por ele principalmente (quando estava em
Tübingen: "agora, o esquema cxistencialista desmoronava, quase de
um dia para o outro, sendo substituído pelo marxista".21 Para ele,
dava-se a "destruição da teologia |...| pela politização no sentido
do messianismo marxista",2 Ele mesmo atesta como ficara profun-
damente marcado pelas reviravoltas que esse ingresso representou
no clima da universidade, agora claramente combativo,
figurando
dentre uma das causas que o levou a migrar para a recém-criada
Universidade de Regensburg. Em 1977 foi nomeado arcebispo de
Münchene Freising, pelo Papa Paulo VIe, no mesmo ano, foi criado
cardeal. Foi a ponte para a segunda grande etapa de sua vida, a partir
da qual se encerrava o seu trabalho direto em terras
germânicas.
Em segundo lugar exerceu a função de burocrata (recordando
que esse termo é usado aqui em seu sentido sociológico - como um
tipo-ideal weberiano - e é, portanto, neutro) a partir de 1982 até
2005, como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Ele
detinha, agora, como tal, um cargo administrativo sustentado pela
autoridade do papa, que Ihe incumbia exatamente de
acompanhar
a
produção teológica internacional, analisar produções e correntes
teológicas dissonantes, a fim de que a integridade da fé católica
nelas expressa fosse preservada. Nas suas palavras, sua função era
defender a fé dos simples contra o poder dos intelectuais".23
Nesse período pode ser localizado o evento que é acusado por
muitos-Comblin é exemplar -comoa reviravolta na relação entre
Igreja e modernidade identificada no pontificado de João Paulo II.
Depois de vinte anos do encerramento do Vaticano II, fez-se em
Roma, em 1985, um Sínodo (de bispos) com a finalidade de avaliar

RATZINGER, Joseph. Lembranças da minha vida: autobiografia parcial (1927-1977).


São Paulo: Paulinas, 2006c, p. 116.
2
1bid., p. 117.
25
RATZINGER, Joseph. Contra o poder dos intelectuais. Revista 30 Dias na lgreja e no
mundo. n. 2, fev. 1991, p. 69.

27
RUDY ALRINO DIE ASSUNG,A

operiodo pós-conciliar no qual a figura de Ratzinger logrou


papel fundamental.24

Nesse Snodo teriam se revelado nitidamente as duas posturs


ras
divergentes (já identitcadas nas revIstas teológicas acima): de um
lado, unma mais progressista, mais liberal, quc "identifica-se mai
com os avanços do Concilio"," pcrcebendo mais os seus efeitos
positivos; de outro lado, está uma corrente mais conservadora.
numa perspectiva negativa e pessimista". Esse segundo grupo
seria detensor de um "projeto de identidade", frente a um plura-
lismo cultural que havia invadido a lgreja, e do qual Ratzinger seria
o representante mais destacado.
O leitor pode ver que o tempo todo há a afirmação de um pessi-
mismo que não veria o mundo de forma aberta e esperançosa. Isso
implicaria, da parte do segundo grupo, mais conservador, como um

techamento" ao mundo, que Ihe parece hostile marcado demais


pela queda e pelo pecado.
Comblin em O povo de Deus avaliou muito criticamente o Sínodo
de 1985. E disse nas primeiras linhas de sua obra - que pertence à

pré-história desta pesquisa que ela foi escrita em vista de um novo


-

pontificado, como um ato de esperança de que depois da "noite es-


c u r a - o pontificado de João Paulo II, obviamente - viesse um novo

dia, marcado pelo retorno aos princípios do Vaticano II. Três anos
depois da publicação do livro, em 2005, era eleito precisamente Jo-
seph Ratzinger ao sólio pontifício, escolhendo o nome de Bento XVI.

O Cardeal Ratzinger, juntamente com o jornalista italiano Vittorio Messori, publicou um


livro-entrevista A fé em crise? O Cardeal Ratzinger se interroga (1984), na qual ele mesmo
fazia um balanço dos desenvolvimentos pós-conciliares e dava a sua avaliação do estado
da lgreja na época. O livro gerou tantas críticas e comentários, que acabou dominando
também as discussões do Sínodo: "Em uma roda de imprensa, poucos dias depois de 25 de
novembro de 1985, data do começo do sínodo extraordinário, o cardeal belga Godtried
Danneels formulou a seguinte queixa: "Não é um sínodo sobre um livro, mas sobre
u
concílio". (WEIGEIL, 2006, p. 226).
LIBANIO,João Batista. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. Sao rau
Loyola, 2000, p. 154.
26
1bid., p. 155.
27
Ibid., p. 158.

28
BENTO XVI, A IGREJA CATÓLICA EO "ESPlRITO DA MODERNIDADE"

Então, Ratzinger chega a ocupar na lgreja o lugar de líder po-


itico (e religioso), em 2005 (função ou ministério que exerceu até
2013). Tornou-se responsável direto por questões internas e externas
à Igreja. Era bispo de Roma (e isso lhe confere sua proeminência
sobre os outros bispos católicos), mas era, também, Chefe do Esta-
do do Vaticano equiparado em status, portanto, a todos os outros
íderes políticos. Todos os seus discursos teriam um peso politico
e seriam analisados sob este enfoque, como provou
caramente a
lectio magistralis em Regensburg (2006).
Concentrando-nos na questão da modernidade e não só do
Vaticano II, a mesma avaliação negativa vista até agora sobre a
leitura ratzingeriana se estendeu à interpretação comumente teita
do pontificado beneditino,28 tal como se pode perceber no comen-
tário do filósofo Gianni Vattimo àsegunda encíclica de Bento XVI,
Spesalvi. Referindo-se ao o n. 22 da referida carta, no qualo Papa
alemão reclamava que a modernidade realizasse uma autocrítica em

diálogo com o cristianismo, Vattimo asseverava: "O cristianismo


moderno deve fazer a autocrítica porque, evidentemente, se deixou
infectar pelo vírus da modernidade. Que para o Papa se chama culto
excessivo da razãoe da liberdade" 29
Indo mais além: até mesmo a renúncia de Bento XVI, anunciada
no dia 11 de fevereiro de 2013 e efetivada no dia 28 do mesmo mês,
gerou comentários sobre a "modernidade" da decisão. Um deles é o
do historiador francês Jacques Le Goff (1924-2014), que sintetiza-
deste modo o gesto do Papa: "Ratzinger não rende homenagem à
modernidade, porque, ao mesmo temp0, 0 seu gesto é uma rejeição

5POSENER, Alan. La crociata di Benedetto. Il Vaticano in guerra contro la modernità.


Milano: Garzanti, 2010; GIBSON, David. The rule of Benedict: Pope Benedict XVI and
this Battle with the Modern World. New York: HarperOne, 2007; MICCOLI, Giovanni.
La Chiesa dell'anticoncilio. I tradizionalisti alla riconquista di Roma. Roma-Bari: Laterza,
claramente
2011. Um livroque avalia os pontificados de João Paulo II e Bento XVI como
XVI. Del
opostos à modernidade é de TAMAYO, Juan José. Juan Pablo II y Benedicto
neoconservadurismo al integrismo. Barcelona: RBA Libros, 2011.
29 encíclica de Bento XVI segundo Gianni Vattimo. Instituto Humanitas UNISINOS, 05

dezembro 2007.

29
RUDY ALBINO DE ASSUNÇAO

da modernidade: o papa que abdica se retira dela","0 Aí


í está
está oo Pa P'apa
que foge da modernidade.
Por fim, mais um exemplo: O comentário do teólogo italian.
Vito Mancuso sobre a encíclica Lumen fidei, publicada pelo Pap:
Francisco, mas que já estava sendo escrita pelo Papa Bento XV
Obviamente, essa encíclica de dupla paternidade tem neste último
o seu principal autor e quemo afirma éopróprio Papa Francisco 31
Por isso, o que interessa aqui é a critica feita a ela por Mancus
o
de que Ratzinger tem "medo da modernidade" : "Como sempre na
teologia ratzingeriana, também nessa enciclica a modernidade se
torna apenas um adversário a ser combatido, n o um interlocutor
com o qual se pode instituir um diálogo fecundo".S Para Mancusa
0,
Ratzinger se recusa a dialogar com a modernidade, portanto.
No entanto, essa incisividade, ou melhor, a tranquila convicção
encontrada nas afirmações acima não é consensual, embora am.
plamente difundida. Claro que quem lê tais testemunhos sente-se
naturalmente compelido a pensar que o coro é unísono. Mas ele
logo se destaz quando se levantam as seguintes vozes dissonantes:

segundo o político de esquerda alemão Gregor Gysi: "ao contrário


da sua fama de conservador duríssimo, o Papa Bento XVI explica
o que é um teólogo da modernidade. Paolo Portoghesi, arqui-
teto e acadêmico italiano, resumindoe criticando a análise sobre
o pontificado de Bento XVI do filósofo também italiano Paolo
Flores D'Arcais34 (com quem Ratzinger já debateu publicamente"

30
MARTINOTTI, Giampiero; LE GOFF, Jacques. Bento XVI abdica como um rei. Uma
revolução, aquele trono vazio. Entrevista com Jacques Le Goff, Instituto Humamts
UNISINOS, 15 fevereiro 2013.
31
FRANCISCO. Carta Encíclica Lumen fidei aos bispos, aos presbíteros e aos diáconos,
pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos sobre a fé, n. 7, 29 junho 2013.
SO medo da modernidade. Instituto Humanitas UNISINOS, 08 julho 2013.
Cf. ALVIANI, Alessandro. Lider da esquerda alem elogia Bento XVI, "teólogo da
modernidade". Instituto Humanitas UNISINOS, 26 agosto 2011.
Joseph
"D'ARCAIS, Paolo Flores. La sfida oscurantista de Joseph
Ratzinger- Paolo Flores D'Arcais Controversa su Dio.
Ratzinger. Seguito
2010.
Milão: Ponte alle Grazie, 2010
aeta do
RATZINGER, Joseph; D'ARCAIS, Paolo Flores. Deus existe? São Paulo: Pla
Brasil, 2009

30
RENTOXVI, AIGREJA CAÓUICAEO"ESPÍRITO DA MODERNIDADE"

ve neste último m papa claramcnte aberto a modernidade e náåo


um restauracionista ou unm obscurantista: "Para quem conhece a
obra teológica e tilosótica c a sua açao pastoral, este Papa confirma
cada vez mais a vontade de se controntar com os valores positivos
da modernidade, a sua humilde mas firme vontade de inovação e
a participação apaixonacda no debate sobre os grandes temas da
contemporaneidade".6
Quando se pensa que o quadro está completo, é possível en-
contrar ainda outro ponto de vista, como a de Vittorio Messori,
jornalista italiano que entrevistou Ratzinger para o livro Rapporto
sulla fede. Ele diz o seguinte: "Ratzinger foi apresentado como um
reacionário, mas é um Papa pós-moderno, e aí está o
equívoco.
Hans Küng e os seus, ou seja, os teólogos pós-Vaticano II, são
modernos, ficaram ancorados na modernidade. Mas a modernidade
terminou, e eles não se deram conta".3/
O que mais chama a
atenção é que são avaliações radicalmente
conflitantes; não são disputas sobre pontos especíticos em que pe
ritos obras do referido autor se esbofeteiam intelectualmente
nas
em artigos e revistas
especializadíssimos por minúcias exegéticas;
são apreciações globais, ou seja, três
grandes etiquetas (rótulos) que
colocam Ratzinger ao mesmo tempo em
posições
distintas: há o
Ratzinger-Bento XVI antimoderno, o moderno e, em alguns casos,
o
pós-moderno. Mas, afinal, qual a postura do teólogo e do Papa
diante do fenômeno que é abarcado pela modernidade e o
que ele
entende realmente por conceito tão
este
disputado?38

36
Bento XVI
modernidade. LOsservatore Romano, 05 novembro 2011.
e a

Benedicto XVI es un Papa posmoderno, y los "modernos" aún no se han enterado, 17


maio 2005. Acesso em: 01 setembro 2016. Cf. também
BLANCO, Pablo. Benedicto XVI, un
pensador posmoderno? El pensamiento de Joseph Ratzinger, Límite: Revista
de Filosofía y Psicología, v. 9, n. 29, Interdisciplinaria
p. 35-62, 2014.
Uma primeira tentativa de exploração do tema está em VELARDE ROSSO, Jorge
Eduardo. Modernidad, posmodernidad y cristianismo. Una aproximación al pensamiento de
Joseph Ratzinger. Ciencia y Cultura, v. 18, n. 33, p. 153-163, 2014. Outro estudo que levamos
em conta é de MICEILI, Angela C. Alternative Foundations: A Dialogue With Modernity and
the Papacy of Benedict XVI. Perspectives on Political Science, v. 41, n. 1, p. 19-29, 2012.

31
RUDY ALBINO LE ASSUNÇAO

O Concilio Vaticano ll é, sem dúvida, o jponto de partida, o pan


de fundo da análise, sem o qual o debate não tem inteligibilidade
Faz-se mister, no entanto, pensar mais globalmente, estudand.
catolicismo com as esferas
relação (o contronto, a tensão) do que
nao pertencem exclusi
agem autonomamente na modernidade que
e

vamente à sua história, mas que tëm as proprias trajetorias segund


sua legalidade própria, dado o longo processo de racionalização
a que estiveram sujeitas. Assim, o Vaticano Il aparece como parte
desse processo feito de distanciamentos e aproximaçoes da Igreia
com o fenômeno do moderno. E claro que o Vaticano lI tomou
uma posição em relação ao "mundo de hoje", mas para definir a
postura de Ratzinger no tocante à modernidade e precis0 ver como
Ratzinger se posiciona em relação ao tempo com o qual a lgreja, no
Concílio, pretendeu dialogar. Ou, dito de outra maneira, este livro
quer não só mostrar a visão eclesial do intelectual em questão, mas
sobretudo sua imagem de mundo (Weltanschauung).
Por isso, este livro começa com a apresentação de uma sociologia
do catolicismo elaborada a partir da obra de Max Weber (1864
1920). A abordagem weberiana oferece os subsídios necessários para
um enquadramento sociológico do pensamento de Ratzinger que é,
antes de tudo, filosóficoe teológico. Aqui a discussão que é própra
do âmbito teológico é transferida para o sociológico. A sua leitura
do macroprocesso de racionalizaç o pelo qual passou o Ocidente
serve como o horizonte para analisar o desenvolvimento e a postura
do catolicismo frente ao fenômeno moderno, que nasce no leito da
racionalização. Weber é um autor incontornável para aqueles que
pretendem entender a emergência da modernidade. E como ele, mais
do que qualquer outro,
pôs luz intensa sobre as "afinidades eletivas
entre protestantismo e modernidade, servirá para evidenciar se ha
ou não afinidades do catolicismo com a mesma.

Aproximar Weber e Ratzinger é um exercício intelectual riqui S+

mo: o
primeiro explorou como ninguém a força das ideias re iosas

SObre a ação dos


indivíduos. E para fazê-lo, explorou a teoo
nascida da Retorma
sobretudo de Lutero e Calvino paramo
-

32
RENTO \VI, AIGREJA CATOUCAFO'FSPIRIODA MODERNIDAD

a incidencia delas sobre a vida cotidiana e laboral do mundo oci


dental: Ratzingcr, a partir do scu locus de teólogo, lançou um olhar
sobre as csteras sociais para mostrar o grau de proximidade da
lgreja cm relaçào a clas. Weber, portanto, usou a teologia para fazer
sociologia; Ratzinger otereceu um discurso social, um "diagnóstico
do temp0 de aspecto sociológico ao fazer
teologia.
Portanto, exposição segue uma dupla perspectiva: a diacróni-
a

ca e a sincrönica. Na
primeira, questiona-se qual o lugar ocupado
pelo catolicismo na
emergência da modernidade, especialmente
no processo de desencantamento do mundo e no estabelecimento
do capitalismo segundo Weber. Na
segunda, como se dá, ainda no
pensamento weberiano, a relação entre o catolicismo e as esferas
intelectual, política e econômica. Esses dois momentos orientama
análise do pensamento de Joseph
Ratzinger-Bento XVI, que começa
com uma
exposição de sua postura sobre a reforma do Concílio
Vaticano II, pois ela determina o modo como o
teólogo e o papa
interpretaram a nova postura da Igreja frente ao mundo dito mo-
derno. Em seguida
estudado
vem uma
investigação do modo como o autor
encara a
emergência da modernidade. Depois, aparecemn
precisamente as esteras tipicamente modernas tal como são ana-
lisadas na sua relação com a
Igreja Católica Romana (ou lgreja
ocidental, nos termos de Weber). São elas: a esfera
mais intelectual, ou
especificamente técnico-científica, pois a relação com filosofia
moderna aparece no
capítulo anterior; a esfera política, centrada
precisamente no dualismo lgreja-Estado; a estera econômica e o
papel ético da Igreja frente à lógica própria do mercado.
Enfim, a teologia eo magistério papal de Bento XVI
claro, como pretexto para se fazer uma servem, é
atenta aos
sociologia catolicismo
do
discursos trente ao temp0 presente. E
seus
cordar que ela prec1so re-
sempre pretende oferecer o diagnóstico "legítimo"
$obre o hoje.
Portanto, o que se quis fazer aqui é sociologia sobre
O discurso
social que o catolicismo busca oferecer sobre a moder-
nidade, na tentativa de identificar nele, também, a marca individual
de um dos seus atores centrais.

33
RUDY AlBINO D: ASSUNÇAo

de Joseph
pensamento teologico
O tempo todo lidamos com o
X VI, encontrado
ordinário de Bento
Ratzinger e com nmagistério
discursos a Bispos, Diploma.
em suas encíclicas, homilias, Angelus,
das audiencias das
de Governo, catequeses
tas, Chetes de Estado e
o pensamento
sempre
O leitor poderá
encontrar
quartas-teiras etc.
individual que interpretouo
do teólogo do Papa, do pensador
e
comunhão da lgreja e o
e n s i n o do
Papa,
conteúdo da fé cristä na
termos uma vis-0
unidade. Para
desta mesma
que deve ser garantia entre
com esta "interação"
lidar
realmente global precisamos personalidade40
"desdobramento de sua
teólogo e o Papa,com esse
Nossa leitura é, soh
ele era Prefeito.
na época em que
que já se dava mais completa
uma compreensao
certo aspecto, sinótica, pois para conta recorrendo
em
Teólogo é preciso ter
-

do pontificado do Papa "uma


Giancarlo Zizola que
-

crítico como
aqui a um vaticanista
emerge entre
o Ratzinger teólogo de
continuidade autobiográfica
magistério papal
dominado pela inquietação por
profissão e um
fé madura,
também intelectual dos católicos
a uma
uma formação
dois volumes do
até o apogeu da obra antigamente sonhada, os

assinados em conjunto por Joseph


Jesus de Nazaré, não por
acaso

Ratzinger e Bento XVI",41


r além de leituras superticiais e cari-
Assim, esta pesquisa quer
caturizantes da obra do pensador e do Papa alemão. Muitas delas
são fruto de uma flagrante antipatia, que impede uma leitura
mais

serena e objetiva dos textos do autor em tela. Por isso,


a nossa

da
Simpatia por seu pensamento é colocada também sob o signo
pesquisa séria, rigorosa, sujeita à apreciação rigorosae competente
dos leitores, sobretudo das áreas teológica e sociológica. Assim,
nossa tese vai além de uma classificação exclusiva de Ratzinger
num trincheira especítica.

DE LA POTTERIE, Ignace. Como mudou lgreja e


n
o Santo Ofício. Revista 30 Dias na
mundo. São Paulo n. 4, p. 46, abr. 1992.
BLANC0, Pablo. Benedicto XVI. El papa alemán. Barcelona: Planeta, 2010, p.
nitas
LZOLA, Giancarlo. A teologia de Ratzinger na escolha de Scola. Instituto Hu
UNISINOS, São Leopoldo, 02 julho 2011.

34
RINTOXVI, AIGREJA CATOICA EO "ESPRITO DA MODERNIDADE"

O seu pensamcnto é complexO, retinacdo e dialoga com muitos


autores, com muitas correntes filosoticas ce teológicas. Um rótulo
sempre serà pequeno demais para classificar Joseph Ratzinger-Bento
XVI. Embora este livro, cujo núcleo é uma pesquisa de natureza
sociológica sobre um tema teológico, siga os critérios de exposição
ao menos intencionalmente rigorosa - 0 que fica
sempre ao critéri10
do leitor avaliar - ele toma posição, a partir da descrição feita, sobre

o debate esboçado nesta apresentação.


Enfim, quero agradecer imensamente ao Conselho Nacional de
Pesquisa (CNPq) pela bolsa de doutorado que me foi concedida e,
também, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), que permitiu que eu realizasse meu estágio de
doutorado sandwich na Universidade de Navarra (Pamplona, Espa-
nha), 2014. Látive a graça de ser orientado por Pablo Blanco Sarto,
destacado especialista no pensamento de Ratzinger, ao qual devoo
muito pela hospitalidade acadêmica. No Brasil fui orientado
por
Carlos Eduardo Sell, que na verdade acompanha minha
trajetória
intelectual desde 2004. Ele me ensinou com o exemplo
que "umm
monte de livros não vale um bom
mestre", conforme um provérbio
que li há muito tempo.
Esta pesquisa não seria possível sem todos esses suportes, que
me foram dados -

eu creio - por Aquele que é a meta última de


toda busca intelectual: Deus.

35

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