Você está na página 1de 562

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

(PUC-SP)

Jorge Miguel Acosta Soares

A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO POLÍTICO


CONSERVADOR CATÓLICO NO SÉCULO XIX

Doutorado em Ciência da Religião

São Paulo
2022
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUC-SP)

Jorge Miguel Acosta Soares

A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO POLÍTICO


CONSERVADOR CATÓLICO NO SÉCULO XIX

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Doutor em
Ciência da Religião, sob a orientação do Prof. Dr.
João Décio Passos.

Doutorado em Ciência da Religião

São Paulo
2022

2
BANCA EXAMINADORA

________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

3
O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação São Paulo
(FUNDASP) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 88887.343142/2019-00.

4
Para minhas amadas filhas Maria Clara e Maria Laura
e para Ana Paula Campedelli Machado,
querida companheira e incentivadora.

5
... Ecclesia, sedula depositorum apud se dogmatum custos et vindex
nihil in his umquam permutat, nihil minuit, nihil addit...1

Constituição apostólica Ineffabilis Deus, do papa Pio IX, sobre a Imaculada


Concepção (8 de dezembro de 1854).

1
... A Igreja, guardiã e defensora dos dogmas que lhe foram depositados, nestes assuntos, com seriedade,
nunca muda nada, nada diminui, nada acrescenta...

6
RESUMO

A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO POLÍTICO CONSERVADOR CATÓLICO


NO SÉCULO XIX

Jorge Miguel Acosta Soares

A pesquisa consolidada nesta tese teve como foco central o processo de


construção e consolidação do pensamento conservador na Igreja Católica ao longo do
século XIX, erigido como forma de reação e defesa da Santa Sé diante dos
enfrentamentos, reais e imaginários, vividos desde a Reforma Protestante, mas
especialmente após a Revolução Francesa, ponto de inflexão da história. A Igreja, que
acumulara tensões e questionamentos ao longo de quase três séculos, sofreu de forma
dramática as consequências do processo revolucionário, gerando medo e rancor em seu
seio. A restauração do papado em Roma, após a queda de Napoleão, ocorreu sob a égide
da apreensão e angústia perante um mundo que mudava rapidamente. Assim, todas as
enormes transformações do século XIX pareceram aos olhos do papado e de parte do
episcopado como um grande complô de inimigos da Igreja, que buscavam destruir seu
poder espiritual e secular. As instituições liberais, a ciência, o domínio da natureza
prometiam a obtenção da felicidade humana por meio do uso de sua razão e
inteligência; ao contrário, o pensamento católico apresentava um mundo estático, cujo
fim último do homem era espiritual, e no qual os infortúnios e as dores humanas tinham
como objetivo preparar os seres para a vida eterna. Inspirada pelo ideário reacionário
dos autores ultramontanos leigos, construiu-se na Santa Sé uma doutrina conservadora
para a Igreja Católica, consolidada pelo Concílio do Vaticano em 1870.

Palavras-chave: Igreja Católica, papado, conservadorismo, Revolução


Francesa, ultramontanismo.

7
ABSTRACT

THE CONSTRUCTION OF CATHOLIC CONSERVATIVE POLITICAL THOUGHT


IN THE NINETEENTH CENTURY

Jorge Miguel Acosta Soares

The research consolidated in this thesis had as its central focus the process
of construction and consolidation of conservative thought in the Catholic Church
throughout the nineteenth century, erected as a form of reaction and defense of the Holy
See against the real and imaginary confrontations experienced since the Protestant
Reformation, but especially after the French Revolution, a turning point in history. The
Church, which had accumulated tensions and questionings for almost three centuries,
suffered the consequences of the revolutionary process in a dramatic way, generating
fear and rancor in its bosom. The restoration of the papacy in Rome, after the fall of
Napoleon, took place under the aegis of apprehension and anguish in the face of a
rapidly changing world. Thus, all the enormous transformations of the 19th century
appeared to the eyes of the papacy and part of the episcopate as a great plot by enemies
of the Church, who sought to destroy her spiritual and secular power. Liberal
institutions, science, the mastery of nature promised the attainment of human happiness
through the use of reason and intelligence; on the contrary, Catholic thought presented a
static world, in which man's ultimate purpose was spiritual, and in which human
misfortunes and pains were intended to prepare beings for eternal life. Inspired by the
reactionary ideology of the ultramontane lay authors, a conservative doctrine for the
Catholic Church was built in the Holy See, consolidated by the Vatican Council in
1870.

Keywords: Catholic Church, papacy, conservatism, French Revolution,


ultramontanism.

8
ABSTRACT

LA COSTRUZIONE DEL PENSIERO POLITICO CONSERVATORE CATTOLICO


NEL XIX SECOLO

Jorge Miguel Acosta Soares

La ricerca consolidata in questa tesi ha avuto come fulcro il processo di


costruzione e consolidamento del pensiero conservatore nella Chiesa cattolica durante
tutto il XIX secolo, eretto a forma di reazione e difesa della Santa Sede contro gli
scontri, reali e immaginari, vissuti a partire dalla Riforma protestante, ma soprattutto
dopo la Rivoluzione francese, punto di svolta della storia. La Chiesa, che aveva
accumulato tensioni e interrogativi per quasi tre secoli, soffrì drammaticamente le
conseguenze del processo rivoluzionario, generando paura e rancore nel suo seno. La
restaurazione del papato a Roma, dopo la caduta di Napoleone, avvenne sotto l'egida
dell'apprensione e dell'angoscia di fronte a un mondo in rapido cambiamento. Così, tutte
le enormi trasformazioni del XIX secolo apparvero agli occhi del papato e di parte
dell'episcopato, come un grande complotto dei nemici della Chiesa, che cercavano di
distruggere il suo potere spirituale e secolare. Le istituzioni liberali, la scienza, la
padronanza della natura promettevano il raggiungimento della felicità umana attraverso
l'uso della ragione e dell'intelligenza; al contrario, il pensiero cattolico presentava un
mondo statico, il cui ultimo fine dell'uomo era spirituale, e che le sventure e i dolori
umani avevano lo scopo di preparare gli esseri alla vita eterna. Ispirata dall'ideologia
reazionaria degli autori laici ultramontani, si costruì nella Santa Sede una dottrina
conservatrice per la Chiesa Cattolica, consolidata dal Concilio Vaticano nel 1870.

Parole chiave: Chiesa cattolica, papato, conservatorismo, Rivoluzione Francese,


ultramontanismo.

9
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS............................................................ 11

INTRODUÇÃO: OS MUITOS FIOS QUE TECEM A TRAMA ............................ 14

OS ENFRENTAMENTOS DO CATOLICISMO NOS SÉCULOS XVII E XVIII 48


1.1. O Iluminismo e o tempo do prophete philosophe .................................. 53
1.2. A oposição das igrejas nacionais ao papado.......................................... 89
1.3. Revolução Francesa ................................................................................. 99
1.4. O clero francês no inicio do século XIX............................................... 141

CAPÍTULO 2. O ULTRAMONTANISMO E AS FORMULAÇÕES


CONSERVADORAS .................................................................................................. 156
2.1. O ultramontanismo antigo.................................................................... 156
2.2. O ultramontanismo no século XIX....................................................... 160
2.3. A teoria medieval da supremacia do papado sobre o poder secular. 168
2.4. O ultramontanismo e as bases do pensamento conservador ............. 181
2.5. As diferentes faces do ultramontanismo na França ........................... 202
2.5.1. Visconde de Bonald............................................................................... 202
2.5.2. Joseph de Maistre .................................................................................. 208
2.5.3. Hugues-Félicité de Lamennais .............................................................. 227

CAPÍTULO 3. O PAPADO RESTAURADO EM UMA NOVA EUROPA.......... 258


3.1. Pio VII e o cardeal Consalvi ................................................................. 268
3.2. Leão XII.................................................................................................. 277
3.3. Pio VIII ................................................................................................... 290
3.4. Gregório XVI ......................................................................................... 296
3.5. Pio IX ...................................................................................................... 329
3.5.1. O papado ‘liberal’.................................................................................. 333
3.5.2. O papado conservador ........................................................................... 366
3.5.3. O papado sitiado.................................................................................... 387
3.5.4. A doutrina consolidada.......................................................................... 413

CONCLUSÃO............................................................................................................. 497

DOCUMENTOS PONTIFÍCIOS.............................................................................. 504

REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 507

ÍNDICE REMISSIVO ................................................................................................ 535

10
APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS

Em 2016 concluí meu Doutorado em História Social pela Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) – Justiça desportiva: o Estado Novo
entra em campo (1941–1945) –, onde estudei o processo de intervenção estatal no
futebol, incorporando-o à estrutura burocrática governamental, ordenando-o e
disciplinando-o. Ao longo da pesquisa pude estudar profundamente as relações políticas
forjadas pelo Governo de Getúlio Vargas visando construir um projeto de poder e de
aceitação pelo conjunto da população, no qual o esporte ocupava um espaço
privilegiado. Durante aquele estudo, por diversas vezes, pude perceber que o aparato
estatal se aproximava de outros personagens representativos do período, entre eles a
Igreja Católica. Naquele momento essa percepção foi deixada de lado, uma vez que não
estava no escopo de minhas preocupações, mas a curiosidade não foi abandonada.
Quando de retorno para um novo doutorado, e meu ingresso no Programa de Estudos
Pós-Graduados em Ciência da Religião, a princípio pensava estudar a formação do
pensamento conservador católico brasileiro na primeira metade do século XX. Contudo,
após um razoável volume de leitura, e, principalmente após a orientação recebida, pude
constatar que o processo brasileiro era apenas um pequeno aspecto de um fenômeno
maior: a formação e construção do pensamento conservador na Igreja Católica ao longo
do século XIX, tendo o papado um papel preponderante no desenvolvimento dessas
ideias. Assim, gradativamente desloquei o foco de minha atenção para os movimentos
políticos mais gerais que ocorreram na Europa nos séculos XVIII e XIX, e como a
Igreja reagiu a eles. A palavra reagiu não foi escolhida de forma aleatória.

Ao longo do estudo pude perceber que a postura da Santa Sé perante as


transformações ocorridas no mundo – em um período extremamente turbulento ao qual
o historiador britânico Eric Hobsbawm definiu como sendo a Era da Revolução2 –
sempre foi reativa, resistindo às profundas mudanças à sua volta. Em pouco mais de um
século o mundo assistiu a transformações de toda ordem – econômicas, científicas,

2
HOBSBAWM, Eric. The Age of Revolution. New York: Vintage Books, 1996.

11
filosóficas, políticas, culturais, artísticas – que afetavam profundamente a vida dos
homens e a forma como eles viviam, se organizavam e se colocavam ante o sagrado.
Obviamente a tarefa de retratar o período a que me propus era enorme, o que pode ser
verificado na imensa quantidade de fontes bibliográficas que me socorreram.

Um dos maiores equívocos que um trabalho intelectual pode cometer é


tratar questões complexas com demasiada simplicidade ou pouca profundidade. Temas
intrincados exigem apuro, pesquisa, cuidado e zelo. A construção do pensamento
conservador pela Igreja Católica no século XIX é um desses temas. A consolidação
desse pensamento, em meados da segunda metade do século, foi fruto do
entrelaçamento de um sem-número de fios, rotas teorias e fatos, cuja tentativa para
entendê-la pode parecer, e é, trabalho para uma vida. O empreendimento de condensar
esse estudo em uma pesquisa de pouco mais de três anos foi, em certa medida, uma
temeridade, a qual, certamente, pode gerar um trabalho que, como este, apresentam-se
com muitas limitações, imprecisões e imperfeições.

***

A atividade intelectual, em grande medida, é uma tarefa solitária, contudo, é


necessário registrar meus agradecimentos àquelas pessoas e instituições que muito
colaboraram para a realização deste trabalho. Inicialmente a meu orientador, Prof. Dr.
João Décio Passos, pela atenção, gentileza e pelo carinho que sempre me dedicou, e
cuja orientação e apoio foram fundamentais para a conclusão deste trabalho. Também
agradeço aos Profs. Drs. Wagner Lopes Sanchez e Fernando Torres-Londoño, cujas
observações e críticas permitiram corrigir problemas, assim como trazer ao texto
algumas importantes fontes. Também agradeço ao Prof. Dr. Ênio José da Costa Brito,
por algumas sugestões que tornaram o trabalho mais rico, e à secretária do Programa de
Estudos Pós-Graduados em Ciência da Religião, Andréia Bisuli de Souza, sempre

12
gentil, simpática e atenciosa. Registro ainda agradecimento ao amigo de tantas décadas,
Marco Antonio Storani, pelo primoroso trabalho de revisão.

É preciso registrar o trabalho realizado pelo Internet Archive3, biblioteca


digital que, com a missão declarada de acesso universal a todo o conhecimento,
disponibiliza gratuitamente acesso digital a dezenas de milhões de fontes, sendo mais de
30 milhões de livros, reunindo riquíssimos e inesgotáveis acervos de bibliotecas dos
Estados Unidos e do Canadá. Um estudo como este somente pôde ser elaborado graças
ao acesso a essa preciosa coleção digital. Por fim, um agradecimento à CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e à Fundação São
Paulo (FUNDASP), cuja bolsa de pesquisa permitiu minha dedicação ao projeto.

3
Disponível em: https://archive.org/

13
INTRODUÇÃO: OS MUITOS FIOS QUE TECEM A TRAMA

A pesquisa para a elaboração do presente estudo desenvolveu-se em duas


vertentes: a primeira buscando entender e desvendar as principais transformações
ocorridas no mundo, mas especialmente na Europa, ao longo dos séculos XVIII e XIX,
cuja historiografia mais tradicional denominou como História Moderna; a segunda foi
verificar como essas transformações atingiram a Igreja Católica, e como a Santa Sé e os
pensadores católicos reagiram a elas, construindo um conjunto de reflexões, um corpo
teórico e uma teodiceia. Esse constructo deu características que marcariam o
catolicismo por mais de cem anos; ele foi responsável pela organização, pela doutrina,
pelo relacionamento entre a igreja e o mundo, pela teologia, pela criação de uma
eclesiologia que marcaria sua história, cujos sinais podem ser vistos até hoje. Esse
movimento de reação e confronto ao processo histórico, genericamente chamado
equivocadamente de ultramontanismo4, já foi objeto de pesquisa de um sem-número de
estudos em todo o mundo, mas, acredito, ainda apresenta aspectos que merecem ser
explorados. Os estudos sobre o pensamento ultramontano muitas vezes englobam, sob
um mesmo rótulo, fenômenos distintos, assim como visões de mundo diametralmente
diversas; lembrando que o termo surgiu depois de sua formulação, e que não constava
dos textos de seus principais autores.

Ao longo do texto procurou-se mostrar as características dos principais


autores – Bonald, Joseph de Maistre e Lamennais5 – que influenciaram a Igreja ao longo
do século XIX, identificados por um pensamento ultramontano e reacionário,
destacando que mesmo esses próceres não poderiam se classificados sob um mesmo
rótulo. Como todos os fenômenos históricos, o ultramontanismo também não pode ser
tomado de uma forma simplista e linear como um movimento coeso e orgânico. Seus
autores, de uma forma geral, defenderam a preponderância e valorização da importância
e da autoridade do papado, mas havia claras diferenças entre eles; em comum,

4
Ao longo do texto será possível demonstrar que o ultramontanismo foi apenas uma parte do processo
mais geral de construção da doutrina conservadora da Igreja.
5
Na pesquisa foi destacado o caráter dúplice das formulações de Lamennais, seja na construção do
pensamento ultraconservador católico, seja como seu principal crítico.

14
inicialmente todos defendiam uma luta, uma resistência, contra a transitoriedade e as
transformações na Igreja, cujo marco inicial foi estabelecido pela Reforma Protestante
e, mais tarde, pelas transformações do pensamento científico e iluminista. Esses autores
olharam para a Revolução Francesa, e as tensões e mudanças desencadeadas a partir
dela, como apenas um momento episódico, movido por forças malignas que desejavam
destruir o mundo perfeito em que poder e religião se relacionavam com harmonia;
mundo este que, como toda construção mítica, nunca existira. Representaram o
pensamento autoritário aristocrático, que viu a Igreja, também aristocrática, como a
única entidade capaz de restaurar a autoridade que a revolução destruiu. A crítica e a
resistência às transformações de seu tempo, mesmo que indiretamente, influenciaram as
ações e reações do papado, que, resumindo o processo histórico à luta do bem contra o
mal, construiu uma teodiceia enxergando ao longo de todo o século XIX conspirações
anticatólicas, promovidas por racionalistas, judeus, maçons, liberais, socialistas,
comunistas e anarquistas. Se a bondade de Deus criara a Igreja, os ataques contra ela
representavam o mal em seu estado puro6.

Seis pontífices – Pio VI, Pio VII, Leão XII, Pio VIII, Gregório XVI e Pio IX
– sofreram as consequências das transformações históricas desencadeadas a partir de
1789, e erigiram seus papados sobre bases conservadoras. A pesquisa buscou verificar
como cada um enfrentou os desafios e as tensões impostas por seu tempo, e como
contribuíram para a construção de uma eclesiologia que legitimava o caráter
confessional da Igreja, sua hierarquia, autoridade e poder secular, passando ao largo de
temas propriamente teológicos.

6
O termo teodiceia foi cunhado pelo filósofo e matemático Gottfried Leibniz (1646–1716) em seu livro
Théodicée (1710), que representaria a resposta para a pergunta: se Deus é bom, e sua bondade é infinita,
qual a origem do mal? Uma teodiceia procura mostrar, por meio de um raciocínio teológico, que é
razoável acreditar em Deus apesar das provas do mal no mundo, além de oferecer um quadro explicativo
para sua existência. Em essência, o problema da teodiceia é a dificuldade, presente em muitas religiões,
de tentar conciliar o fato da existência do mal e do sofrimento neste mundo com a ideia de um Deus
supremamente benevolente e onipotente. Max Weber identificou e fez a tipologia das diferentes
teodiceias; este estudo se restringiu àquilo que Weber denominou Theodizee des Leidens (teodiceia do
sofrimento), formulada na pergunta geral: por que é que existe tal sofrimento imerecido ou injusto no
mundo? (Weber, Die Wirtschaftsethik der Weltreligionen: Konfuzianismus und Taoismus (1915–1920), p.
94, 515, 519, apud ADAIR-TOTEFF, 2015, p. 114-117).

15
A delimitação do objeto obrigou, quase que de forma natural, sua
delimitação temporal. Os pontos de tensão e questionamento da Igreja Católica já
estavam presentes há muito tempo – Reforma Protestante, Iluminismo, surgimento das
igrejas nacionais, como o galicanismo, o jansenismo, o febronianismo e o josefismo –,
pontos estes que explodiram em conflito aberto após a Revolução Francesa, o fim do
absolutismo e o crescimento do liberalismo como uma força política. A metafísica foi
afastada da política e da gestão dos negócios do Estado, sendo expulsa da esfera das
evidências comuns pela razão, e tem seu espaço ocupado pela ciência7. Assim, o marco
temporal inicial não poderia deixar de ser a Revolução na França e o sismo que a
sucedeu. Já o termo final foi fixado em dois momentos intrinsecamente ligados: a
edição da encíclica Quanta Cura, e seu apêndice Syllabus Errorum (1864), e o Concílio
do Vaticano (1869–1870)8, que, ao declarar a infalibilidade papal, selou definitivamente
uma verdade que sobrepunha a soberania do dogma à soberania da razão, que
prevaleceria quase intocada pelos cem anos seguintes.

Uma preocupação sempre presente no trabalho foi a individualização do


pensamento conservador dentro da Igreja. Já foi dito que estudar um fenômeno é
individualizá-lo, distingui-lo, inseri-lo em seu momento histórico específico,
diferenciando-o de situações aparentemente análogas ou símiles. Assim, houve a
intenção de afastar as interpretações do senso comum que afirmam que o
conservadorismo é uma característica inerente ao pensamento religioso, notadamente na
Igreja Católica. A recusa a esse lugar-comum levou à necessidade de identificar o
momento em que o tradicionalismo católico se torna um conservadorismo reativo.

Ao longo do processo de pesquisa e redação muitas foram as questões que


se apresentaram; tantas que até mesmo se tornou difícil arrolá-las de maneira
organizada. Uma das primeiras foi descobrir, elencar, entender e desenvolver os pontos

7
THEOBALD, 2009, p. 145.
8
Ao longo do texto o Concílio do Vaticano I será tratado como fora entendido na época, como o único.
Quando houver necessidade de alguma referência eventual, o Concílio do Vaticano II (1962–1965) será
numerado.

16
de enfrentamento da Igreja Católica com seu tempo. Para identificá-los, foi necessário
recuar para além dos marcos temporais do projeto, entendendo de forma clara que a
História é fruto de um processo, e não apenas de pontos de ruptura. Assim, alguns dos
elementos de divergência e confrontação da Igreja, apesar de eclodirem de forma
dramática com a revolução de 1789, já se podiam notar ao longo de ao menos os dois
séculos anteriores, como, por exemplo, o surgimento e desenvolvimento dos
movimentos que buscavam a independência das igrejas nacionais. Uma segunda questão
foi recuperar os momentos da Revolução Francesa que entraram em choque diretamente
com a Igreja, seus sacerdotes e seus primados. Aqui a preocupação era fugir de
explicações simplistas e maniqueístas que enxergam a revolução como uma conspiração
anticristã, como um ataque aos princípios católicos do povo francês9. Análises desse
tipo, comuns entre os historiadores da Igreja, foram frequentes ao longo do século XIX,
e reaparecem há algumas décadas em textos de revisionismo histórico.

Outro conjunto de questões surgiu durante a análise do processo de


restauração do papado em Roma, em 1815, e do aparecimento de autores católicos que,
mais que conservadores, podem ser chamados de reacionários, cujos textos deram os
fundamentos para a construção da teodiceia conservadora católica que se consolidou ao
longo do século XIX, a qual atribuiu as vicissitudes sofridas pela Igreja aos males, aos
erros, de seu tempo10. Também se tratou de diferenciar esses autores, destacando-se o
caso de Lamennais, originalmente o mais respeitado e influente ultramontano, que
gradativamente adotou posições mais liberais, declarando-se ao fim da vida um
socialista.

9
Sobre a evolução histórica do conceito de revolução ver KOSELLECK, Futuro passado : contribuição à
semântica dos tempos históricos, 2006.
10
Essa escola de pensamento, no caso da Alemanha, foi chamada de irracionalismo por Lukács, em
oposição ao racionalismo iluminista: O primeiro período importante do irracionalismo moderno surge,
de maneira correspondente, em oposição ao conceito histórico-dialético idealista de progresso; trata-se
do caminho de Schelling a Kierkegaard e que é, ao mesmo tempo, o caminho que vai da reação feudal
provocada pela Revolução Francesa à hostilidade burguesa contra o progresso (LUKÁCS, 2020, p. 12).

17
Outro ponto foi verificar como as posições conservadoras assumidas pela
Santa Sé se manifestavam na construção de uma doutrina – aqui os documentos papais
foram de grande auxílio, uma vez que, ao mesmo tempo em que respondiam a questões
objetivas e pontuais, expressavam e erigiam uma visão de mundo e uma teodiceia – e
nas respostas do papado às questões concretas enfrentadas, tanto naquelas relacionadas
à administração da Igreja e dos Estados Pontifícios, como no relacionamento com os
governos e o poder político europeu. A observação dos conclaves realizados após a
restauração e o posicionamento das facções do cardinalato em cada um deles – 1823,
1829, 1830 e 1846 – permitiram entender como a escolha dos pontífices foi
fundamental para construir a doutrina que se consolidaria no Concílio do Vaticano. O
mesmo ocorreu com a observação detalhada dos muitos consistórios realizados no
mesmo período, que, acompanhada de uma pesquisa específica sobre as origens sociais,
a vida e a formação dos cardeais, permitiu de alguma forma mapear o quadro ideológico
daqueles que compunham o Colégio Cardinalício no período. A observação do
exercício da soberania da Santa Sé sobre os Estados Pontifícios, a administração papal,
o enfrentamento dos conflitos e, por fim, a perda desses territórios, também permitiu
verificar como a Igreja tratou os conflitos locais, assim como a reivindicação,
organizada ou não, da unificação dos territórios italianos. No período estudado, os
conflitos nos Estados Pontifícios entre o poder temporal e o espiritual da Igreja
tornaram-se insuperáveis, vindo a culminar, em 1870, na perda de Roma para o Estado
italiano.

Em essência, a questão central que permeou toda a pesquisa foi entender


como a Igreja Católica enfrentou o poder estatal e laico após a queda do Antigo Regime,
e como reagiu às transformações históricas de seu tempo.

A hipótese central que permeou o trabalho é a de que a Igreja Católica como


um todo, incluindo aí a grande maioria do clero, assim como seus intelectuais leigos11,

11
Aqui se faz necessária uma distinção que muitas vezes causa confusão. O adjetivo leigo, que significa
simplesmente não clérigo, não deve ser confundido com laico. O adjetivo laico expressa uma atitude

18
recusou-se enfrentar as transformações de seu tempo, tomando-as a partir de uma visão
pautada pelo tradicionalismo, que gradativamente se converteu em um conservadorismo
extremado. As questões que lhe foram apresentadas ao longo do conturbado século XIX
foram entendidas como conspirações tramadas por homens maus e sem Deus, que
desejavam destruir a Igreja e a fé católica. O longo ciclo revolucionário – 1879, 1830,
1848 – deixou a Igreja isolada na tentativa de restauração de sua autoridade e soberania,
e em uma posição defensiva perante as mudanças que se sucediam. As respostas a essas
questões, formuladas a partir de um entendimento em descompasso com o tempo
vivido, foram reativas e autoritárias, excluindo de antemão qualquer possibilidade de
diálogo ou entendimento com as forças políticas que emergiram dos inúmeros processos
de transformação do século, algumas das quais nascidas no interior da própria Igreja. Os
poucos interlocutores do papado nesse período, que contribuíram para a formação desse
ideário conservador, eram expoentes do mesmo conservadorismo, como o chanceler
austríaco Klemens von Metternich, ele mesmo que, em 1848, seria engolfado pelas
intensas e rápidas mudanças de seu tempo. Os jesuítas, especialmente aqueles reunidos
na revista La Civiltà Cattolica12, também tiveram papel relevante para a consolidação
do edifício doutrinal que foi erigido no Concílio do Vaticano.

O objeto de estudo requereu a abordagem de vários referenciais teóricos,


uma vez assim era exigido. Ademais, porque o período estudado – segunda metade do
século XVIII a 1870 – é atravessado por diversas linhas de pensamento, nem sempre
muito claras na historiografia, em uma relação quase sempre conflituosa. A definição de
alguns desses temas, ao longo da história, mostrou-se extremamente complexa, uma vez
que essas ideias sempre estiveram ligadas a posições políticas em conflito; mais que
conceitos, essas definições, não poucas vezes, representaram a própria luta política.

crítica e separadora da interferência da religião organizada na vida pública das sociedades


contemporâneas. O termo, juntamente com seus correlatos – laicismo, laicidade, laicista, laicização –, é
usado nos países de língua latina, não existindo um correlato na linguagem política anglo-saxã, onde o
sentido equivalente é dado pelo termo secular. O laicismo, em oposição ao clericalismo, tem suas raízes
históricas no processo de secularização cultural, política e moral que deu as bases da natureza secular do
governo e do Estado, rejeitando os regimes teocráticos ou curiais (ZANONE, 1998, p. 670).
12
Revista jesuíta criada em 1850 por Carlo Maria Curci, padre jesuíta e teólogo italiano.

19
A primeira, que surge constantemente ao longo do texto, é a definição de
liberalismo, que exige cuidado extremo, uma vez que inexiste consenso sobre uma
definição comum, quer entre os historiadores quer entre os estudiosos, quer entre os
agentes políticos. Como um fenômeno complexo, o liberalismo pode ter acepções
políticas, econômicas, culturais e intelectuais muito diversas; o presente estudo, dado
seu escopo, limitar-se-á à primeira, política13. Partindo de uma definição genérica, o
liberalismo político é um fenômeno histórico que se manifesta na Idade Moderna, que
tem seu epicentro na Europa, que pode ser periodizado a partir das balizas colocadas
pela Revolução Gloriosa (1688–1689) na Inglaterra e pela Revolução Francesa (1879–
181514), que garantiram a ascensão da burguesia enquanto classe social; seu domínio e a
hegemonia, impondo mecanismos de organização do Estado, como a monarquia
parlamentar constitucional, que garantiram seu controle sobre as demais classes. O
Estado surgido do processo revolucionário garantiu os direitos do indivíduo contra o
poder político; para atingir essa finalidade, exigiu formas, mais ou menos amplas, de
representação política. No campo das ideias, no período estudado, o liberalismo também
significou o individualismo e a liberdade do indivíduo: não apenas a defesa radical do
indivíduo, único real protagonista da vida ética e econômica contra o Estado e a
sociedade, mas também a aversão à existência de toda e qualquer sociedade
intermediária entre o indivíduo e o Estado; em consequência, no mercado político, bem
como no mercado econômico, o homem deve agir sozinho15. O conjunto dos valores
liberais foi profundamente atacado pelos pensadores católicos ultraconservadores, que
apontavam o liberalismo como a deterioração da grandeza medieval, da grandeza de
uma religião, do cavalheirismo, das corporações, dos feudos e dos mosteiros, uma Idade
Média idealizada na qual o coletivo se sobrepunha ao indivíduo16. Ao longo da primeira
metade do século XIX, o liberalismo expunha duas faces que poderiam parecer
contraditórias, mas que eram complementares: uma, que enfatiza a sociedade civil,

13
Mesmo no campo estritamente político, existe uma grande indefinição quanto aos referenciais
históricos do termo “liberalismo”: tal termo pode, conforme o caso, indicar um partido ou um movimento
político, uma ideologia política ou uma metapolítica (ou uma ética), uma estrutura institucional
específica ou a reflexão política por ela estimulada para promover uma ordem política melhor,
justamente a ordem liberal (MATTEUCCI, 1998, p. 687).
14
A data final da revolução pode ser questionada, mas decidiu-se incluir as guerras napoleônicas dentro
do período revolucionário liberal francês.
15
MATTEUCCI, 1998, p. 689.

20
como espaço natural ao livre desenvolvimento da individualidade, em oposição ao
governo; outra, que vê no Estado, como portador da vontade comum, a garantia
política, em última instância, da liberdade individual17. Contudo, para uma parte
considerável da Igreja o liberalismo significava subversão social e política e sua
consequência inevitável, o caos18.

Ao longo da pesquisa tentou-se evitar ao máximo o termo moderno, quase


sempre associado ao liberalismo – este seria o fenômeno político que caracterizou e
definiu a Europa na Idade Moderna. O termo moderno, ou Idade Moderna, em geral,
mesmo em alguns estudos sérios, guarda um elemento valorativo, contrapondo o mundo
liberal burguês, moderno, melhor, avançado, ao passado, por sua vez, retrógrado e ruim,
o bem após o mal19. Essa associação gera uma visão providencialista e triunfalista do
liberalismo, visão que esquece a dureza de suas lutas, suas frequentes derrotas e a
diversidade de suas estratégias, conforme as diferentes circunstâncias históricas.
Enfim, perdem-se de vista os momentos liberais concretos para se ter um liberalismo –
pelo menos até a segunda metade do século XIX – sempre no ápice da história20.
Também se evitou o termo modernidade, um conceito amplo, genérico e ambíguo, que
permite uma vasta gama de definições, exigindo uma análise que o presente estudo não
comporta. 21

Outros dois conceitos-chave: reação e conservadorismo, muitas vezes


tomados como sinônimos, que exigem definição mais clara, uma vez que sua distinção
se mostrou uma necessidade ao longo da pesquisa. O termo reação designa
genericamente todo comportamento, coletivo ou individual, que se opõe a um processo

16
Especialmente para o papado, o liberalismo representou tudo o que havia de errado com o mundo
moderno. Representava as filosofias responsáveis por derrubar a ordem correta da sociedade e fazer
com que a moralidade despencasse para níveis inéditos de degradação (O’MALLEY, 2010b, p. 55).
17
MATTEUCCI, 1998, p. 689.
18
O’MALLEY, 2010b, p. 59.
19
Um bom estudo sobre a periodização histórica pode ser encontrado em LE GOFF, A história deve ser
dividida em pedaços? (2015).
20
MATTEUCCI, 1998, p. 695.
21
Para uma maior compreensão do sentido de modernidade ver BERMAN, Tudo que é sólido desmancha
no ar : a aventura da modernidade, 1986.

21
evolutivo ou revolucionário em curso na sociedade, tentando fazer essa sociedade
regredir para estágios já superados, retroceder para momentos anteriores. Em
decorrência, e para os efeitos da pesquisa, são considerados reacionários aqueles
comportamentos [e ideias] que visam inverter a tendência, em ato nas sociedades
modernas, para uma democratização do poder político e um maior nivelamento de
classe e de status, isto é, para aquilo que comumente é chamado de progresso social22.
De uma maneira geral, os impulsos reacionários nascem a partir da hostilidade dos
agentes sociais que têm seus interesses de classe prejudicados pelas mudanças ou pela
transformação revolucionária; assim a oposição desses agentes representa a defesa do
conjunto de valores que as alterações sociais destruiriam. Na Europa, durante e após a
Revolução Francesa, os movimentos de reação foram inflamados pelo fundamento
religioso que o poder e o privilégio possuíam origem divina; dessa forma, a
estratificação social do Ancien Regime e seu conjunto de privilégios de classe estavam
centrados em uma lei transcendente, universal e imutável23. As atitudes reacionárias
também podem influenciar classes subalternas e desvalidas, sujeitas à hegemonia das
elites dominantes, dando origem a fenômenos reacionários de massa. Desse modo, os
textos de Bonald, Maistre e Lamennais, em sua primeira fase, podem ser caracterizados
como reacionários, uma vez que se armaram de argumentos, montados sobre bases
falaciosas e sem comprovação histórica, para atacar todo o processo de transformações
ocorridas no continente desde o evento da Reforma Protestante, passando pelo
Iluminismo e pela revolução. Seus escritos expunham a reação do temperamento
autoritário e aristocrático contra a revolução que, em muitos aspectos, trazia bandeiras
liberais. Eram autores que reagiram ao terror, à violência revolucionária, porque muitas
de suas vítimas eram de sua ordem, o que lhes tocava profundamente sua alma,
traduzindo essa amargura em termos políticos24. Para eles, a Idade Média representava
o ideal máximo civilizatório, cujo caráter fora dado pela Igreja, ante uma Europa
bárbara, em uma evocação passadista, cujo tempo pretérito mítico era evocado e reinava
supremo25. Em essência, defendiam que somente a autoridade de uma Igreja Católica

22
BIANCHI, 1998, p. 1073.
23
Idem, ibid., p. 1074.
24
LASKI, 1919, p. 129.
25
O termo passadismo é um neologismo que faz uma analogia a presentismo, présentisme, cunhado por
François Hartog, em Regimes of historicity: presentism and experiences of time (2015), para definir um
pensamento que se prende a um regime de historicidade que passa a definir, como um enclausuramento

22
forte, com seus dogmas, e sob o comando de um papa soberano, autoridade única e
universal, acima dos limites da política e vida social, poderia impor uma derrota final ao
liberalismo e à revolução. Assim, o núcleo central do pensamento ultramontano laico
tinha um caráter claramente reacionário e contrarrevolucionário, contudo, sua evolução
dentro do seio da Igreja transformou esses valores, dando-lhes complexidade, e que não
mais poderiam ser classificados apenas como reacionários. Seus textos reativos contra
as teses iluministas e as consequências da revolução acabaram por dar a fundamentação
para o pensamento conservador que os sucederia.

Muitos religiosos vivenciaram as agruras do processo revolucionário


diretamente, com a perda de bens, privilégios, prisões, exílio e morte. Para a grande
maioria, a revolução e suas consequências representaram a expressão acabada do mal,
que deveria ser combatida. Contudo, é impossível, e até mesmo intelectualmente
leviano, classificar toda Santa Sé, papas, cardeais, bispos, durante mais de cinquenta
anos, como reacionários. Na França especialmente o pensamento radical via que a
solução para o problema da reconstrução consistia simplesmente na destruição da
revolução e de seus resultados e na restauração da ordem de ontem. Esses grupos
queriam reintroduzir o Antigo Regime por uma dupla justificativa de legitimidade e
contrarrevolução26. Hubert Jedin e John Dolan escreveram que a contrarrevolução
religiosa, a despeito das teses proclamadas por teóricos leigos como Bonald, por
exemplo, não era, de fato, idêntica à contrarrevolução política27. Assim, pode-se
afirmar que, traumatizada pelas dores da revolução, e assustada pelos contínuos
movimentos revolucionários do século XIX, a Santa Sé, como instituição, adotou
posturas clara e abertamente conservadoras, muitas vezes valendo-se de repressão e
violência contrarrevolucionária, mas cuja conduta, rigorosamente, não poderia ser
classificada como reacionária, nem mesmo como irracional. Setores reacionários do

intelectual, todas as possibilidades analíticas; o presente então passa a ser definido como o tempo do
desastre ou da ameaça. Diferentemente do saudosismo, que remete a experiências vividas, o passadismo é
mítico, sem história nem bases materiais concretas.
26
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 86. Os autores prosseguem: Ao interpretar totalmente mal as raízes sociais
e econômicas da revolução, muitos acreditavam ter encontrado a explicação para ela na libertação das
forças satânicas. Eles preferiram ansiar pelo que chamaram de dias dourados do cristianismo no
passado (Idem, ibid.).
27
Idem, ibid., p. 87.

23
cardinalato tiveram forte influência junto a papas, como Gregório XVI, por exemplo,
contudo suas ideias não foram aceitas de forma generalizada para se impor como
política institucional. Aqui se faz necessária a definição do segundo conceito-chave:
conservadorismo, por sua vez também ambíguo e complexo.

Inúmeras vezes o conceito de conservadorismo ganhou sua definição a


partir da oposição ao progressismo, que evidenciaria uma atitude otimista quanto às
possibilidades de aperfeiçoamento e desenvolvimento autônomo da civilização humana
e do indivíduo; assim, sua antítese seria a negação do aprimoramento e da promoção
da humanidade, uma relação tão imprecisa quão abstrata e improvável se não for
observada do ponto de vista histórico28. Ambos os conceitos surgiriam durante o
processo de laicização do pensamento político europeu, que indicava o mundo terreno
como o local para a realização humana, por meio da atividade política como
instrumento libertador. Assim, o conservadorismo, na qualidade de corrente ideológica,
surgiu em meados do século XIX como uma resposta às teorias que, a partir do século
XVIII, construíram uma nova visão antropológica fundada na razão, na ciência, no
domínio da natureza e na obtenção da felicidade; o homem se tornaria mais feliz por
meio do uso ativo de sua razão e inteligência, o que rompia de forma visceral com a
tradição cultural e política existente até então29. O pensamento cristão que o precedera,
do ponto de vista dos valores, era estático, uma vez que o fim último do homem era
ultraterreno, as vicissitudes humanas na história não tinham senão um objetivo: o de
tentar, por meios estruturalmente idênticos, adequar-se individualmente aos imperativos
impostos por tal fim. Na verdade, assim fosse, conservadorismo e progressismo se
anulariam de forma absoluta. O que se verificou, dentro de uma concepção estritamente
histórica, foi uma interação dialética – tese, antítese e síntese – entre o pensamento
tradicional e as noções que emergiram do Iluminismo, gerando, no mesmo processo, o
progressismo e o conservadorismo. O pensamento conservador que emergiu não mais
defendia de forma intransigente os valores intrínsecos do tradicionalismo cristão, mas
também não os renegava em sua totalidade; o conservadorismo aceitava a
mundanização da vida, sem, contudo, se afastar do ideal de um universo moral estável e

28
BONAZZI, 1998, p. 243.
29
Idem, ibid.

24
ligado a um sistema de valores transcendentes30, valores estes que não poderiam ser
vistos apenas como a continuidade do pensamento cristão tradicionalista. O
conservadorismo era um firme adversário do radicalismo iluminista, assim como do
conceito de revolução que nasceu desse radicalismo, mas, ao mesmo tempo, o ideário
conservador aceitava as regras sociais e a participação no mundo, acreditando que o
homem se realiza em sociedade e que esta tinha leis e exigências próprias, determinadas
por técnicas independentes das usadas para conhecer os imperativos de ordem
transcendente31. Ao contrário do progressismo, que enxergava o homem uma criatura
exclusivamente histórica e capaz de se amoldar a níveis de conhecimento cada vez mais
elevados e a formas mais racionais de convivência social, o conservadorismo considera
a natureza humana não modificável pela ação prática, porquanto mergulhava suas
raízes em uma realidade sobre-humana, a vontade divina, não podendo, por
conseguinte, nem o conhecimento, nem a ação política serem totalmente liberativos32.
Aliás, para o pensamento conservador, a ação política é fundamental para a manutenção
da ordem, sem a qual a sociedade cairia na anarquia, mas, de forma ambígua, esse
mesmo poder, sem controle, é, por sua natureza, tirânico. Assim, o pensamento
conservador desenvolveu a preocupação pelos mecanismos de limitação do poder, pela
supremacia da lei e, sobretudo, pelo controle dos processos sociais. O conservadorismo
defendia o poder político, condição indispensável para controle social, e, para tanto, a
ideia central passou a ser construir mecanismos e instrumentos limitantes e restritivos33.
Se fosse possível estabelecer uma efeméride para demarcar o início do
conservadorismo, a data seria 1790, com a publicação do livro Reflections on the
revolution in France por Edmund Burke34. Assim, somente após a revolução que se
poderia identificar um pensamento conservador com algum rigor metodológico.

30
Idem, ibid., p. 244.
31
Idem, ibid.
32
Idem, ibid. Quanto a seu desenvolvimento histórico, o conservadorismo, assim como o progressismo,
que no decorrer do século XIX se cindiu em várias tendências e movimentos políticos antagônicos entre
si, também foi cindido, mantendo suas bases fundamentais. A vinculação estrita da ordem moral com a
transcendência e hierarquia foi abandonada, com a aceitação de primados da ciência e de suas
consequências materiais e racionais (idem, ibid.). Ao longo do texto foi utilizada a expressão
ultraconservador para definir posições conservadores extremas e radicais.
33
BONAZZI, 1998, p. 245.

25
Interessante e esclarecedora a explicação apresentada por Leila Escorsim
Netto, em sua categorização do pensamento conservador europeu35. A autora não
discorda que o livro de Burke foi o marco inaugural de uma nova corrente de
pensamento, que iria se consolidar ao longo do século XIX, mas faz sua periodização do
conservadorismo a partir da lógica de seus inimigos. Segundo a autora, nos sucessores
imediatos de Burke a função social do pensamento conservador consistia em expressar
os interesses dos privilegiados do Antigo Regime, a nobreza fundiária e o alto clero, que
foram atacados pela Revolução Francesa. Desta forma, o conservadorismo exprimia um
projeto de restauração de fundo claramente reacionário. Esse projeto revela-se inviável:
entre 1815 – o Congresso de Viena, que consagra a Santa Aliança – e 1830 – a
revolução de julho, que derruba, na França, Carlos X, o último Bourbon –, o que se
manifesta, na Europa Ocidental, é a irreversibilidade das transformações que o
desenvolvimento do capitalismo impõe às instituições sociais. As perspectivas
restauracionistas, que, até então, pareciam viáveis, tornam-se claramente utópicas36. A
irreversibilidade do avanço do liberalismo além de retirar do projeto restaurador
qualquer chance de viabilidade, alterou o próprio papel sócio-histórico da burguesia.
Uma vez instalada no poder enquanto classe dominante, tendo cumprido sua missão
histórica, progressista e revolucionária, a burguesia deixou de representar os interesses
do conjunto da sociedade, contra o mundo feudal e o Antigo Regime, passando a
defender exclusivamente suas conveniências particulares. Assim, a determinação
revolucionária cedeu lugar à defesa das instituições sociais que criou; deixou de ter os
olhos voltados para o passado, e passou a preservar o presente. A cultura moderna deixa
então de ser funcional à burguesia tornada classe dominante; expressão de sua
vocação revolucionária, deve agora ser redimensionada para servir aos interesses da
defesa do (seu) status quo37. A autora aponta que após a Revolução de 1830, e a
emergência das diversas formas do pensamento progressista, os projetos de restauração,
reacionários, passam a obedeceram aos imperativos da lógica do capital38. Sob essa
ótica entende-se porque o pensamento conservador deixou de ser uma reação à

34
Segundo Robert Nisbet, as palavras conservador e conservadorismo aplicadas à política apareceram no
Ocidente durante a década de 1830, mas a ideia central do que viria a ser precedeu sua definição
(NISBET, 2002, p. 21).
35
O conservadorismo clássico: elementos de caracterização e crítica. São Paulo : Cortez Editora, 2011.
36
NETTO, 2011, p. 59 (e-book).
37
Idem, ibid.

26
Revolução Francesa, tornando-se um movimento de preservação e manutenção das
instituições e do poder constituído, inclusive dentro da Igreja.

Ainda mais uma distinção faz-se necessária. Inúmeros autores ainda hoje
usam o termo ultramontano para caracterizar um conjunto de ideias que percorre todo o
período que vai do início do século XIX até o Concílio do Vaticano II. Desta forma, a
expressão deixa de ser um conceito, tornando-se um termo genérico no qual cabem
fenômenos e situações muito distintos, que não consideram as transformações históricas
de um século absolutamente agitado. O termo ultramontano, que teria sido criado em
algum momento entre 1820 e 1830, como se verá ao longo do texto, foi usado aqui com
o sentido que adquiriu em seu surgimento: para definir uma visão do catolicismo
centrada na figura do papa e em seu poder central de direção sobre toda a Igreja. Dessa
maneira, o ultramontanismo não era um sinônimo para o pensamento católico
conservador, mas uma parte que não pode ser confundida com o todo, este muito mais
complexo, definido e transformado ao longo da história. Sem dúvida os defensores da
infalibilidade e da centralidade do papa perante a Igreja, na segunda metade do século,
estavam inspirados por princípios ultramontanos de Maistre, Bonald e Lamennais, mas
não se moviam pela teodiceiaconstruída por esses autores. A bibliografia sobre o tema
muitas vezes usa a palavra ultramontano como equivalente de conservador, fixando seu
oposto antagônico como sendo o liberal. Contudo, a utilização dos dois termos como
sinônimos parece equivocada. Ultramontanismo, de forma sucinta, era o conjunto de
ideias que colocavam o papado como o centro fulcral da Igreja Católica; este podia ser
conservador, liberal ou mesmo reacionário, e seus contrários oponentes eram as igrejas
nacionais – o galicanismo, o jansenismo, o febronianismo e o josefismo –, assim como
as posições conciliaristas do clero. Por sua vez, conservadorismo católico, que podia
tanto ser ultramontano quanto galicano, por exemplo, tinha como antagonistas o
liberalismo, o ideário iluminista, o progressismo, o nacionalismo, o socialismo, assim
como as ideias que defendiam a maior liberdade do indivíduo. O ultramontanismo
referia-se principalmente a questões interna corporis da Igreja, ao passo que o
conservadorismo era uma ideologia política mais geral. O que pode ter provocado a

38
Idem, p. 89.

27
confusão entre os termos ao longo do tempo foi o fato de o papado de Pio IX,
especialmente no Concílio do Vaticano I, ter fixado para a Igreja Católica um ideário
dúplice: ultramontano e conservador.

O processo de elaboração de um estudo sobre o conservadorismo da Igreja


no século XIX não poderia acontecer sem a análise de um de seus principais inimigos: o
Iluminismo. Segundo definiu Peter Gay na abertura de seu aprofundado trabalho sobre
as transformações do pensamento ocidental a partir do século XVIII, também chamado
de a Era da Razão: desde as fulminações de Burke e as denúncias dos românticos
alemães, o Iluminismo foi considerado responsável pelos males da Idade Moderna, e
muito desprezo foi dirigido a seu suposto racionalismo superficial, otimismo tolo e
utopismo irresponsável39. A leitura quase caricatural do pensamento iluminista
formulada pelos autores ultramontanos, como Joseph de Maistre em textos como
Against Rousseau: de l’État de nature, ou Examen d’un écrit de Jean-Jacques
Rousseau, de 1795, e Examen de la philosophie de Bacon: ou l’on traite différentes
questions de philosophie rationnelle, editado em 1836, após sua morte, ou de Bonald
em seu Théorie du pouvoir politique & religieux dans la société civile démontrée par le
raisonnement et par l’histoire (1796), influenciaram profundamente o pensamento
católico da primeira metade do século XIX. Os textos, apesar de bem escritos,
estamparam claramente os preconceitos e rancores de seus autores, aristocratas que
perderam tudo durante a revolução, eliminando a profundidade da filosofia, assim como
as diferenças individuais dos iluministas40. Esses exegetas reacionários do pensamento
filosófico aplainaram as diferenças, construindo um Iluminismo monolítico. Afinal, o
que Hume, que era conservador, tem em comum com Condorcet, que era democrata?
Holbach, que ridicularizou toda a religião, com Lessing, praticamente tentado para

39
GAY, 1966, Prefácio, p. IX.
40
Seja qual for o caso, Rousseau apoderou-se destes assuntos [a origem da sociedade e a natureza
humana], como lhe foi feito expressamente. Tudo o que era obscuro, tudo o que não tinha um significado
específico, tudo o que se prestava a divagações e a equívocos era seu domínio particular. Assim, ele
trouxe à tona seu “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens”, que causou tal sensação
na época, como todo paradoxo apoiado por um homem eloquente, especialmente se ele vive na França e
se ele está na moda. Quando examinamos o trabalho friamente, porém, ficamos espantados com apenas
uma coisa, que é saber como foi possível construir um volume sobre uma base tão estreita. Não só a
substância da questão é apenas desnatada, não há uma ideia que pertença realmente ao assunto que não
seja comum. Em resumo, esta é uma resposta feita em delírio a uma pergunta feita durante o sono
(MAISTRE, 1996, p. 3).

28
inventar uma? Diderot, que invejava e desprezava os antigos, com Gibbon, que os
admirava e imitava? Rousseau, que adorava Platão, com Jefferson, que não conseguiu
terminar a leitura de ‘A República’?41. Os textos ultramontanos, que construíram
interpretações simplistas tratando o Iluminismo como um corpo compacto de uma (má)
doutrina, foram incorporados como a base teórica da Igreja, e passaram a compor
documentos canônicos de todos os papas posteriores à restauração de 1815, como a
fonte primal de uma gigantesca conspiração anticristã. Segundo o papa Pio VII: Os
livros por eles [os iluministas] publicados [...] visam acima de tudo dar plena liberdade
a qualquer um que invente uma religião para professar com sua engenhosidade e suas
opiniões, introduzindo-se assim na Religião aquela indiferença de que dificilmente se
pode imaginar algo mais pernicioso42. Ou nas palavras de Leão XII: Livros, que eles
não hesitam em escrever sobre a Religião e o Estado, foram publicados em seu nome,
com os quais eles desprezam o domínio, blasfemam a majestade; além disso, eles
declaram repetidamente que Cristo é um escândalo ou um tolo; na verdade, não
raramente, que não existe Deus, e eles ensinam que a alma do homem morre junto com
o corpo43. A mesma linha foi adotada pelo papa Pio VIII em seu curto pontificado: Isso
se deve aos inúmeros erros e aos ensinamentos de doutrinas perversas que, não mais
secreta e clandestinamente, mas aberta e vigorosamente, atacam a fé católica. Você
sabe como os homens maus elevaram o padrão de revolta contra a religião por meio da
filosofia (da qual se autoproclamam doutores) e por meio de falácias vazias concebidas
de acordo com a razão natural44. Igualmente em Gregório XVI: Falamos das coisas
que você vê com seus próprios olhos, o que nós dois lamentamos. A depravação exulta;
a ciência é impudente; a liberdade, dissoluta. A santidade do sagrado é desprezada; a
majestade do culto divino não só é desaprovada pelos homens maus, como também é
profanada e mantida ao ridículo45. Também nas palavras do papa Pio IX: Nenhum de
vocês está inconsciente quão amarga e terrível guerra, em nossa época, homens
armados contra a Igreja Católica unidos em união ímpia, adversários da sã doutrina,
desdenhosos da verdade, com a intenção de tirar das trevas todos os monstros de
opiniões, e com toda a força para acumular, divulgar e disseminar erros entre as

41
GAY, 1966, p. x.
42
PIO VII, encíclica Ecclesiam a Jesu, 1821.
43
LEÃO XII, encíclica Quo graviora, 1826.
44
PIO VIII, encíclica Traditi humilitati, 1829.
45
GREGÓRIO XVI, enciclica Mirari vos, 1832.

29
pessoas46; ainda em Pio IX: Iníquas maquinações dos malvados que [...] prometendo
liberdade, quando na realidade eram escravos do mal, trataram com suas enganosas
opiniões e com seus escritos perniciosos de destruir os fundamentos da ordem religiosa
e da ordem social, de retirar do meio toda virtude e justiça, de perverter todas as
almas47.

Ainda recorrendo a Peter Gay, as análises de autores como o anglicano


Burke e os católicos Maistre e Bonald desrespeitaram as diferenças entre os filósofos
iluministas e, acima de tudo, desconsideraram que aquele turbilhão de ideias, muitas
vezes conflitantes, nasceu da interpretação de seu tempo e de seu mundo, que pode ser
resumido em duas palavras: crítica e poder [...] filosóficos que empregaram a crítica
destrutiva para limpar o terreno para a construção, de modo no qual a própria crítica
alcançou um papel criativo48. Os autores iluministas uniram-se em um programa
amplamente ambicioso, que envolvia secularismo49, humanidade, cosmopolitismo e
liberdade, acima de tudo, em suas muitas formas: liberdade perante o poder arbitrário,
liberdade de expressão, liberdade de comércio, liberdade de realizar seus talentos,
liberdade estética, liberdade do homem moral de abrir seu próprio caminho no
mundo50.

A dura análise feita pelos pensadores iluministas da filosofia escolástica,


que reinstalou o mito religioso como a mais profunda força motriz e o propósito final da
civilização, refletia e refutava a atitude generalizada dos cristãos do século XVIII, que
deu aos filósofos pouco incentivo para encontrar qualquer coisa de valor na Idade
Média [...]. O milênio cristão, quer tenha sido o irracionalismo de Agostinho, a

46
PIO IX, encíclica Qui pluribus, 1846.
47
Idem, encíclica Quanta Cura, 1864.
48
GAY, 1966, p. XI. Até mesmo o tão propalado ateísmo iluminista é uma redução incabível, como se
pode verificar nos textos de Rousseau, que se orgulhava por defender a necessidade de uma religião, sua
importância e sua relação com a moral e a política (LASKI, 1936, p. 166).
49
ISRAEL (2011, p. 3) argumenta que esta definição de GAY exagera seriamente o secularismo do
Iluminismo dominante e a força do compromisso de muitos iluministas com a liberdade de expressão,
livre-comércio e liberdade pessoal. A observação é relevante, pois, como destaca LEHNER, em The
catholic enlightenment: the forgotten history of a global movement (2016), havia um forte pensamento
iluminista dentro da Igreja Católica, que foi soterrado pela instituição, e que renasceria de certa forma nos
textos do abade Lamennais após 1830.

30
estrutura arquitetônica de Tomás de Aquino ou o legalismo impiedoso de Calvino, era
parte do seu presente político51. Desde o fim da Idade Média até o início de Era
Moderna, em meados do século XVII, a civilização ocidental esteve centrada na tríade
fé, tradição e autoridade, que foi questionada pela Revolução Científica e pela crítica a
partir dos fundamentos da razão. A trinca foi substituída por conceitos como liberdade,
progresso, tolerância, fraternidade, governo constitucional e separação Igreja-Estado,
criados em meio a esse turbilhão caótico intelectual produzido pelos então novos
pensadores52. Na cultura europeia do século XVII todos os temas que envolviam o
homem eram confessionais; o mundo católico, luterano, calvinista ou anglicano
proclamava possuir o monopólio da verdade e o título de autoridade dado por Deus, em
um sistema por Ele ordenado que envolvia aristocracia, monarquia, propriedade de
terras e autoridade eclesiástica53. Jonathan Israel, em uma seminal trilogia sobre o
Iluminismo54, demonstrou que em contraste, após 1650, assistiu-se a um processo geral
de racionalização e secularização que, rapidamente derrubou a hegemonia milenar da
teologia no mundo dos estudos, lentamente erradicou a magia e a crença no sobrenatural
da cultura intelectual da Europa, e levou alguns abertamente a desafiar tudo herdado do
passado, até mesmo a veracidade da Bíblia e da fé cristã ou mesmo qualquer fé55. A
ênfase precípua à razão dada pelo Iluminismo advinha da crença de que a aplicação da
razão, temperada por experimento e experiência, e não baseada em autoridade cega,
seria um elemento emancipador do homem perante o misticismo56. Seus autores
também demonstraram grande insatisfação ante a incapacidade de encontrar respostas
para um mundo laico e secular na antiga poderosa síntese de Tomás de Aquino, que
subordinava a razão à fé cristã. Essas ideias, após a Revolução Francesa, saltaram do
mundo filosófico e acadêmico e ganharam as ruas, impulsionadas pelas miseráveis
condições de vida impostas pelo Antigo Regime: não se tratava mais de um conjunto de
ideias, mas da interação dessas ideias com a realidade social. Inicialmente o que era

50
GAY, 1966, p. 3.
51
Idem, ibid., p. 211.
52
ISRAEL, 2001, p. 3.
53
Idem, ibid.
54
ISRAEL, Jonathan I. Radical enlightenment: philosophy and the making of modernity, 1650-1750
(2001), Enlightenment contested: philosophy, modernity, and the emancipation of man, 1670-1752 (2006)
e Democratic enlightenment: philosophy, revolution, and human rights, 1750-1790 (2011).
55
ISRAEL, 2001, p. 4.

31
uma crise conceitual da elite intelectual – cortesãos, funcionários, eruditos, patrícios e
clérigos – rapidamente provocou um impacto nas atitudes dos homens comuns57.

Em uma apropriação da definição de Jonathan Israel58, o Iluminismo pode


ser conceituado como um fenômeno parcialmente unitário, ocorrido principalmente na
Europa e nos Estados Unidos, conscientemente comprometido com a noção de melhorar
as condições da humanidade neste mundo por meio de uma transformação fundamental,
descartando ideias, hábitos e tradições do passado. Historicamente deve ser situado
entre 1680 e 1800, impulsionado principalmente pela filosofia – aqui englobando
filosofia propriamente dita, ciência política e social, e economia –, que levou, em um
primeiro momento, a uma revolução no mundo do pensamento e das atitudes, e
posteriormente a revoluções no mundo real. Essas transformações lançaram as bases
para os direitos humanos básicos modernos e as liberdades, assim como para a
democracia representativa. De uma forma sucinta, em suas muitas causas, podem ser
apontados o heliocentrismo de Copérnico e as pesquisas de Galileu, que rejeitaram
noções previamente aceitas sobre a Terra e o Sol, solapando as premissas científicas,
teológicas e filosóficas vigentes. Também não se podem descartar elementos
desestabilizadores importantes, como a redescoberta da filosofia grega e romana pela
Renascença, trazendo o ceticismo e as dúvidas sistemáticas, assim como as guerras
religiosas e os trágicos eventos que levaram à Paz de Westfália (1648), encerrando a
Guerra dos Trinta Anos. A partir do século XVII noções como tolerância, pluralidade
religiosa e separação do Estado da Igreja podiam ser facilmente entendidas. Juntas, as
muitas causas de longo prazo, puseram em movimento uma revolução filosófica que
destruiu todas as principais estruturas de pensamento e premissas do passado, causando
uma ruptura sem precedentes na vida intelectual e acadêmica59.

56
Idem, ibid., p. 3. O autor destaca que uma análise radical pode levantar dúvidas até mesmo sobre esse
primado da razão, citando os exemplos de Hume e Burke, dois dos maiores pensadores do Iluminismo
(Idem, ibid., p. 4).
57
Idem, ibid., p. 5.
58
Idem, ibid., p. 3 e ss. É necessário lembrar que o termo “iluminismo”, como é usado hoje, é uma
construção a posteriori, formulada nos séculos XIX e XX, que lhe deu uma roupagem ideológica e
historicamente determinada, que não fazia parte do fenômeno original (idem, ibid.).
59
Idem, ibid., p. 9.

32
A Revolução Francesa não foi um fato repentino. O pensamento iluminista e
contestador, associado à penosa situação econômica, deixou a sociedade francesa em
um estado de ebulição e ruptura. O Antigo Regime foi desafiado em nome de novas
ideias a dar soluções, que quando vieram, com a convocação da Assembleia dos Estados
Gerais, em janeiro de 1789, já era tarde para impedir sua derrubada. O regime era um
empecilho para uma burguesia que ascendia, mas não encontrava na política e no
governo importância correspondente a seu cada vez maior poder econômico. O sistema
econômico estava em franca transformação e o sistema aristocrático-feudal era mais que
um impedimento para o desenvolvimento, era mesmo um estorvo. A ascensão
econômica de uma classe intelectualizada permitiu a fusão de suas reivindicações
políticas a um corpo filosófico que, guardadas suas especificidades, também se
contrapunha ao passado. Contudo, o desenvolvimento do capitalismo não encontrava
correspondentes nas mudanças sociais e política. Nas palavras de Harold Laski: o
domínio moral das velhas instituições e das velhas ideias foi enfraquecido; não há
dúvida quanto à necessidade de novidades no pensamento e no hábito. Mas não há
dúvida, também, da tenacidade com que os velhos se defenderam; nem que fossem
sustentados tanto pelo rigoroso braço da autoridade e por uma grande população que
aprovava os costumes antigos. Os criadores do liberalismo tiveram de lutar por sua
vitória60. Essa autoridade não era apenas policial e militar, mas também moral, papel
ocupado pela Igreja que, aliada da Monarquia, enxergava as transformações de seu
tempo apenas como uma degradação dos tempos61. A profunda identidade existente
entre a religião e a aristocracia tornou a Igreja uma vítima importante do processo
revolucionário, que não só dissecou implacavelmente sua teologia e sua ética social,
como também eliminou fisicamente seus membros, muitos dos quais se aliaram aos
esforços contrarrevolucionários. A Igreja Católica e seus clérigos foram vítimas dos

60
LASKI, 1936, p. 167.
61
Os sermões da época [segunda metade do século XVIII] estão cheios de lamentações sobre seu
secularismo. A caridade não é mais respeitada; os ricos não veem mais o perigo de sua riqueza para a
salvação. A santidade da pobreza desapareceu; em seu lugar surgiu um apetite sem limites pelos bens
mundanos. Há em toda parte uma ambição inquieta entre os homens, que não lhes permite descansar
contentes com a posição que lhes foi atribuída na vida; sua atitude para com o trabalho é totalmente
diferente do que a Igreja pode aprovar. Eles não são movidos por denúncias de obtenção de dinheiro,
desde que tenham sucesso. Os homens estão tão ansiosos para serem ricos, resmungou padre Croiset,
que gastam tanto de seus dias e noites em busca de riquezas, “que dificilmente têm tempo para lembrar
que são cristãos”. O amor pela riqueza, a paixão pelo conforto, estes, insistem os pregadores, fizeram
com que os homens se esquecessem totalmente das reivindicações da religião para regular o
comportamento (idem, ibid., p. 168).

33
excessos da Revolução Francesa, contudo o reconhecimento deste fato não representa
uma adesão às teses do revisionismo histórico que se tornaram frequentes nos últimos
50 anos, e que negaram a própria revolução62; teses que representam, em grande
medida, a adoção de uma versão modernizada nos argumentos conservadores do século
XIX. As classes prejudicadas em um processo revolucionário, temendo a perda do
poder, do status e da riqueza, criam resistência, que, em geral, expressa-se na
contrarrevolução. A resistência e a violência contra os resistentes fazem com que as
revoluções gerem sentimentos extremados, sentimentos que se tornarão marcadores para
o futuro. As revoluções, ao se proporem realizar transformações econômico-sociais,
dão-se em um momento histórico e em um local específicos, mas projetam seus reflexos
por todo o mundo e para tempos posteriores63.

A restauração das monarquias europeias a partir de 1815 conseguiu


devolver aos tronos as casas dinásticas que haviam sido derrubadas durante o processo
revolucionário e as guerras napoleônicas, mas não obteve sucesso em recriar as
condições anteriores a 1789: o mundo, a economia, as forças políticas, as correlações de
forças, tudo havia mudado, o desenrolar dos fatos ao longo do século mostraria isso. Os
novos Estados surgidos ou reestruturados após 1815 dependiam da necessidade de duas
ideias básicas: sua continuidade ad infinitum e seu progresso, que não eram compatíveis
com as exigências soteriológicas da religião, com suas formulações místicas e profecias
apocalípticas. As concepções de fim de mundo, presentes no imaginário medieval,
consolidavam um tempo estático, identificado como tradição, no qual o passado não se
distinguia claramente do presente em uma espécie de história circular. Por sua vez, a
existência política do Estado dependia de uma estrutura temporal, assim, o progresso
descortinava um futuro capaz de ultrapassar o espaço do tempo e da experiência
tradicional, natural e prognosticável, o qual, por força de sua dinâmica, provocava por
sua vez novos prognósticos, transnaturais e de longo prazo64. A restauração também
devolvera ao papa Pio VII o trono de Roma, mas a Igreja, da mesma forma, não era a
mesma. Durante quase duas décadas o catolicismo praticamente havia desaparecido

62
Sobre o revisionismo histórico e a Revolução Francesa, ver SOARES, 2021, p. 46-47.
63
HAYNES; WOLFREYS, 2007, p. 3.
64
KOSELLECK, 2006, p. 36.

34
como instituição; dois papas – Pio VI e Pio VII – haviam sido presos por tropas
francesas e levados para o exílio; uma geração de religiosos deixou de ser formada, e
mesmo os poucos que conseguiram tinham uma preparação intelectual e teológica
limitada, incapaz de profundas formulações teóricas. A revolução e a ascensão da
burguesia também afastaram as classes médias intelectualizadas da vida religiosa,
destruíram bibliotecas eclesiásticas, fecharam seminários. Os religiosos das décadas
posteriores à restauração de 1815 foram, em sua maioria, oriundos das camadas
populares, malformados e incapazes de uma reflexão teológica aprofundada65. O mesmo
fenômeno podia ser verificado entre os bispos e, especialmente, no cardinalato,
composto quase que exclusivamente por nobres em razão de seu título nobiliárquico.

Poucos meses após a reinstalação do papado em Roma, o papa Pio VII viu-
se obrigado a praticamente recriar o Colégio de Cardeais: apenas em 1816, em dois
consistórios, o papa elevou 35 cardeais, e mais 58 até sua morte em 1823. Cerca da
metade dos novos cardeais havia sofrido algum tipo de perda, agressão ou violência
durante o período revolucionário e o governo de Napoleão, e o mesmo acontecia com os
veteranos, aqueles que haviam sobrevivido aos tempos turbulentos. Quase a totalidade
dos cardeais pertencia à nobreza e à aristocracia, cujos bens pessoais e os de suas
famílias foram expropriados. Toda a cúpula da Igreja, incluindo os três papas seguintes
à restauração – Leão XII, Pio VIII, Gregório XVI66 –, havia sofrido os traumas da
revolução, o que marcaria a história da Igreja por décadas. Segundo O’Malley, a
Revolução Francesa foi uma experiência traumática, em alguns aspectos mais
traumática que a Reforma, pois eclodiu na França católica e seus efeitos propagadores
foram sentidos mais intensamente em outros países católicos como Espanha e Portugal,
bem como nos estados da Itália continental e peninsular67.

65
Sobre a formação do clero após a revolução destaca-se o estudo detalhado de Austin Gough, Paris and
Rome : les catholiques français e le pape au XIXe siècle (1996), que demonstra que a igreja que emerge na
restauração é, do ponto de vista de sua educação, muito mais pobre e precária que a que existia no século
XVIII. GOUGH, reproduz uma frase de Nassau William Senior (1790–1864), advogado, economista e
conselheiro do governo inglês: Cada novo enxame de padres que sai de nossos seminários é mais
tacanho, mais preconceituoso, mais malicioso do que o que veio antes dele. Eles são totalmente
indiferentes à liberdade ou à lei (1996, p. 77).
66
Giovanni Mastai-Ferretti, futuro papa Pio IX, nunca sofreu pessoalmente os efeitos da violência
revolucionária, mas também foi contagiado pela dor coletiva sofrida pela Igreja.
67
O’MALLEY, 2010b, p. 53.

35
O termo trauma aqui foi empregado no sentido estrito da Psicologia, como
um evento intenso e marcante, pontual ou progressivo, do passado, que estende seus
efeitos de devastação ao presente e ao futuro, mesmo que o impacto psíquico não seja
reconhecido ou que tenha efeitos imediatos. Os resultados do trauma podem se
apresentar como um processo de dor e sofrimento que afeta inúmeros aspectos da vida
do indivíduo, tornando-se especialmente aflitivo e cruciante diante de algum fato ou
emoção que remeta à experiência passada; é por essas características que o trauma traz
sempre indagações sobre a memória, sobre a história e sobre a temporalidade68. A
partir da instalação dos efeitos do primeiro evento, as novas situações traumáticas, que
rememoram a experiência vivida, voltam a ressoar a dor e a angústia vividas, gerando
novo o efeito traumático. Esse processo foi definido como transmissão intergeracional,
que permite que acontecimentos traumáticos sejam comunicados àqueles que não o
vivenciaram, por intermédio de comunicação verbal e não verbal. Portanto, o trauma
torna-se histórico, podendo ser transmitido de geração a geração, assim como seus
afetos e sintomas correspondentes. Existem duas formas de transmissão do trauma
histórico: a transmissão intergeracional e a transmissão transgeracional69; ambas podem
provocar modificações profundas no funcionamento do grupo e de seus indivíduos, com
a consequente retraumatização dos seus membros. Dessa forma, a violência sofrida
pelos membros de um grupo social pode ser retransmitida, de maneira simbólica, aos
indivíduos das gerações subsequentes, que atualizam não só o núcleo do trauma, como
produzem a sintomatologia correspondente70. E o indivíduo, dentro do grupo, passa a
sofrer as dores do trauma coletivo no nível pessoal, como se ele mesmo houvesse vivido
esse trauma, na sua experiência pessoal71. Assim, o grupo traumatizado cria um sistema
de defesas psicológicas cujo objetivo é proteger o coletivo do sofrimento: esse grupo
traumatizado apresenta apenas um ‘falso eu’ para o mundo, que não pode ‘ver’ o
grupo em sua identidade mais autêntica e vulnerável. O resto do mundo que não faz
parte do grupo traumatizado pode ver apenas homens ou mulheres mais endurecidos,

68
Definição apresentada por Nelson Ernesto Coelho Júnior no prefácio de DAL MOLIN, Eugênio
Canesin. O terceiro tempo do trauma: Freud, Ferenczi e o desenho de um conceito (2016).
69
SCHÜTZENBERGER, 1993, apud GOMES, 2016, p. 25.
70
GOMES, 2016, p. 26.
71
Idem, ibid., p. 36.

36
que respondem às suas agressões como se fossem o grupo todo72. Portanto, um grupo
tão traumatizado com suas defesas do espírito coletivo pode se encontrar vivendo
experiências repetitivas e dolorosas que fixam esses padrões de comportamento e
emoção [...] a vida traumatizada do grupo se incorpora à vida interior do indivíduo por
meio de um complexo grupal, que pode ser confundido com um complexo pessoal73. O
trauma provocado pelos eventos decorrentes da Revolução Francesa foi compartilhado
pela quase totalidade dos membros da Santa Sé. Os processos revolucionários
posteriores – 1830 e 1848, assim como as diversas rebeliões nos Estados Pontifícios74,
que se repetiram por mais de 40 anos, culminando na unificação italiana e posterior
tomada de Roma – reavivaram os medos, criando uma situação que envolvia o medo
real e o pânico moral entre os membros da Santa Sé, que contagiou até mesmo aqueles
que não haviam vivido diretamente o trauma da revolução. O medo real estava na
memória de muitos cardeais e bispos que estiveram presentes ou tiveram notícia dos
eventos e excessos revolucionários, como os Massacres de Septembre, em 1792, e o
Terror Jacobino, ou Grande Terreur ; eram religiosos que temiam a repetição dos
eventos dolorosos. A cúpula da Igreja receava por sua segurança pessoal e, para tanto,
viria tomar medidas para reprimir qualquer elemento que minimamente pudesse lembrar
a revolução. Já quanto ao pânico moral a questão se tornava bem mais complexa.

O conceito de pânico moral75 foi recentemente redefinido por Erich Goode


e Nachman Ben-Yehuda76 como a expressão do ultraje à violação de um determinado
valor absoluto, o enfraquecimento de algo que um determinado setor da sociedade
considera bom em si mesmo – ou seja, princípios que encarnam decência, retidão e

72
SINGER, 2004, p. 19.
73
Idem, ibid.
74
Optou-se por designar como Estados Pontifícios os territórios na península italiana sob controle da
Igreja; a denominação Estados Papais propositalmente foi abandonada, uma vez que se procurou destacar
a institucionalidade desses territórios, afastando a subjetivação.
75
O conceito de pânico moral foi criado, em 1972, por Stanley Cohen, sociólogo, professor da London
School of Economics, no livro Folk devils and moral panics: the creation of the Mods and Rockers, e
referia-se originalmente à teoria dos desvios e da deliquência, e ao estudo das reações sociais perante as
subculturas jovens nos anos de 1960. Cohen desenvolveu um conjunto-padrão de critérios para
demonstrar como vários episódios de reivindicação social se qualificariam como pânico moral. Estudos
recentes ampliaram os parâmetros da pesquisa do pânico moral, incluindo todos os tipos de demônios
populares capazes de desenvolver emoções coletivas – ansiedade, indignação, medo, raiva, hostilidade –
gerando reações desproporcionais e exageradas para ameaças putativas (HIER, 2011, p. 11-13).
76
GOODE; BEN-YEHUDA, 2011: “Aterrando e defendendo a sociologia do pânico moral”.

37
virtude. O pânico moral é gerado por um comportamento ou condição inaceitável, que
subverte os comportamentos ou as condições boas ou aceitáveis77. O pânico moral
sempre tem alguma base real, por menor que seja, não podendo ser caracterizado como
apenas uma ilusão irracional ou percepção errônea. Esse elemento real provoca o
alvoroço e a indignação gerados por uma suposta ameaça a um universo moral; esse
mesmo elemento real quase sempre não representa o objeto real do medo, mas o
deslocamento e a representação de outro medo, uma mistificação da verdadeira ameaça.
Os atores sociais consideram uma dada ameaça como uma subversão da ordem moral,
putativa ou real, para a qual o ultraje, a preocupação e a resposta apropriada parecem
necessárias, mesmo que a condição putativa não tenha um verdadeiro impacto. O
estabelecimento do pânico moral pressupõe a criação do estereótipo, o exagero e a
distorção da ameaça, com o surgimento de histórias falsas, improváveis ou totalmente
atípicas – mecanismos causais implausíveis –, produzidas mesmo que de forma
inconsciente, e a sensibilização do grupo. Na maior parte das vezes, o pânico moral
exige a apresentação de uma tentativa de regulação moral, a adoção de medidas
contrárias, para neutralizar ou se opor à suposta ameaça78. O pânico moral em geral
surgem associados às teorias da conspiração, que servem para amplificar os medos,
expressando preocupações mal colocadas; a origem do medo e a ameaça podem ser
reais, mas as teorias da conspiração sobre a natureza e a fonte do ataque quase sempre
refletem um pânico moral79. Os demônios populares são invocados e o pânico moral
instalado quase sempre em nome de uma moral dominante na sociedade, da qual os
demônios estão fora, são os outros, em uma formulação simples de eles contra nós80.
Assim o pânico moral seria um processo descivilizatório, ou seja, um processo inverso
àquele definido por Norbert Elias como um processo civilizatório.

77
Idem, ibid., p. 21.
78
Idem, ibid., p. 22-23. Segundo os autores, um bom exemplo de pânico moral pode ser observado na
década de 1950: muitos observadores acreditavam que os poucos milhares de comunistas nos Estados
Unidos eram poderosos o suficiente para derrubar o governo americano. A subversão espreitava por
toda parte, ameaçando infectar a sociedade com o vírus da corrupção política bolchevique; a cultura
popular expressou essa preocupação em propagandas, notícias, artigos de revistas, quadrinhos e filmes,
e caça às bruxas política que erradicou os esquerdistas de cargos na academia, no governo e na
indústria do entretenimento. Os historiadores referem-se a esse medo e preocupação como o ‘Pânico
Vermelho’, um pânico moral sobre preocupação e medo extraviados e exagerados da subversão
comunista (Barson e Heller 2001) – claramente, com base na lógica falha de causa e efeito, um critério
de desproporção (idem, ibid., p. 27).
79
Idem, ibid., p. 28.
80
Idem, ibid., p. 31-32.

38
No livro The civilizing process (1939), Elias apresentou sua teoria dos
processos civilizatórios, sustentando que, a partir do momento que Estado se organiza,
com o estabelecimento de uma autoridade centralizada, o controle exclusivo do
exercício da violência e da tributação também se torna centralizado; assim, as pessoas,
antes isoladas, passam a se integrar e manter relações de interdependência de umas com
as outras. As transformações sociais exercem pressões sobre a sociedade, forçando a
mudança nos comportamentos individuais e coletivos, o que leva ao aumento da
autocontenção, previsibilidade e identificação mútua, o que contribui para a
consolidação de relações mais equilibradas e estáveis. Para Amanda Rohloff81, nos
momentos de crises sociais e políticas, grave instabilidade econômica, tragédias em
geral e revoluções, o controle estatal dos eventos sociais é reduzido, tornando as pessoas
mais susceptíveis a um conhecimento mágico-mítico. Nesse processo, os demônios
populares são desumanizados e vistos como perigosos não civilizados, o que permite e
autoriza o uso de medidas também não civilizadas82. A pressa e a ansiedade para
resolver um determinado problema podem fazer com que sejam propostas soluções que
não seriam cabíveis em uma situação normal e regular, como, por exemplo, o
desenvolvimento de novas leis que podem anular certas liberdades civis ou o
desenvolvimento do vigilantismo83. A mesma pressa também pode apresentar
diagnósticos e respostas que funcionam adequadamente para resolver o problema em

81
ROHLOFF, “Shifting the focus: moral panics as civilizing and decivilizing processes” (2011).
82
Robert van Krieken, ao analisar a obra de Elias (Norbert Elias, 1998), destacou que os próprios
processos de civilização podem dar origem a tendências descivilizadoras na forma de uma barbárie
civilizada, quando sociedades e grupos civilizados adotam medidas selvagens e truculentas sob o
argumento de estar civilizando terceiros. No período estudado, esta situação pode ser encontrada, por
exemplo, no sequestro do menino judeu Edgardo Mortara, de apenas 6 anos, pela polícia papal em
Bolonha, por ordem do inquisidor da cidade, sob a alegação de que o menino havia sido batizado por uma
governanta, mesmo sem o consentimento dos pais. Na época o incidente foi caracterizado pelos judeus
como uma brutal ofensa, mas foi realizado em nome de uma suposta civilização, e aprovado pelo papa
Pio IX. Esses mesmos processos podem ser observados nas tentativas de civilizar populações nativas em
todo o globo.
83
ROHLOFF, 2011, p. 76. A autora frisa: Não é o caso de que todos os pânicos morais são meramente
processos de descivilização. Na verdade, como o próprio Elias sem dúvida teria argumentado, os
processos civilizatórios e de descivilização (e, portanto, os pânicos morais) são muito mais complexos do
que isso. Potencialmente, os processos civilizadores podem contribuir para o surgimento de pânicos
morais, e os pânicos morais podem, por sua vez, retroalimentar os processos civilizadores. É aqui que
precisamos mudar o foco da pesquisa do pânico moral, a fim de atender à complexidade do fenômeno
(idem, ibid., p. 77).

39
questão, podendo provocar uma consequência indesejada, que irá contribuir para
agravar o problema84.

A Santa Sé, mesmo tendo enfrentado inúmeras crises ao longo dos séculos,
nunca havia vivido uma ameaça tão grave como aquela que foi desencadeada pela
Revolução Francesa, que era movida por ideais, mas também por um fortíssimo
componente social nascido das miseráveis condições de vida enfrentadas pela
população. Após a restauração, o trauma da violência, o medo concreto de novas
rebeliões, que iriam acontecer, o pânico moral, a necessidade do poder institucional e
militar da Áustria de Metternich, tudo contribuiu para a construção da formulação
conservadora católica. A Igreja, sem poder contar com uma análise conjuntural
elaborada, que conseguisse avaliar o momento vivido, e sem uma formulação teológica
robusta, adotou de forma acrítica o sistema explicativo e doutrinal apresentado por
autores ultramontanos como Bonald, Joseph de Maistre e Lamennais, entre outros, que
por sua vez também estavam em descompasso com seu tempo, e reagindo a ele. Ao
longo das seis primeiras décadas do século XIX, a Igreja, assim como seus intelectuais,
negou a História. O pensamento católico, ancorado e movido por seus preconceitos e
medos, tornou-se incapaz de julgar de forma racional o que se passava em Roma, na
península italiana, na Europa e no mundo. A inaptidão para a leitura de seu tempo
agravou-se à medida que os acontecimentos históricos de um agitado século de
transformações passaram a impactar de maneira cada vez mais intensa as relações entre
uma igreja estanque e um mundo laico em ebulição. O mundo civil vivia a era da
revolução, ao passo que o mundo católico procurava restaurar a mítica estabilidade
supostamente perdida. A contradição gerou desconfianças e suspeitas em ambos os
lados.

O pensamento conservador católico, em sua origem reacionário, deu o


fundamento sobre o qual seria erigida a teodiceia adotada pela Santa Sé, que passou a
enfrentar com negativas as transformações de seu tempo, assim como a própria História.
Entre 1815 e 1870 as facções moderadas dentro do cardinalato foram gradativamente

84
Idem, ibid.

40
desaparecendo, sendo substituídas por cardeais conservadores, alinhados com ideias de
autoridade semelhantes àquelas defendidas pelos pensadores ultramontanos
reacionários. Autores católicos que se aproximaram de um pensamento identificado
com o ideário liberal e histórico, que aceitavam as transformações sociais e políticas de
seu tempo, e que sugeriam que a Igreja as abraçasse como forma de autopreservação e
renovação, foram penalizados por sucessivos anátemas papais. Lamennais, em sua
segunda fase criativa, a partir de 1830, seguido por seus companheiros do jornal
L’Avenir, Charles Montalembert e Jean-Baptiste Lacordaire, fez uma ponte entre o
pensamento ultramontano radical de Maistre, Bonald, e dele próprio quando jovem,
e o pensamento social católico que ganharia força na segunda metade do século
XIX85; essa distorção [cheia de] proposições falsas, caluniosas e precipitadas
[fruto dos] delírios da razão humana86, custou-lhe a proscrição e o banimento do
mundo religioso, além de duas condenações por parte do papa Gregório XVI,
expressas nas encíclicas Mirari vos (1832) e Singulari nos (1834).

Não se pode olhar o contexto do século XIX reduzindo os diversos atores


políticos em apenas dois grupos, como liberais e conservadores. Apesar de as duas
posições poderem ser facilmente delimitadas, e seus movimentos mapeados em muitos
momentos, a realidade era muito mais complexa. A dicotomia, insistentemente
reproduzida por parte da bibliografia, esconde uma vasta gama de tons das duas
posições. Entre aqueles classificados como liberais, por exemplo, durante décadas
estavam os socialistas, que ganhariam uma clara autonomia apenas na metade do
século87. Mesmo dentro da Igreja Católica, essas posições nem sempre são claras. Dois

85
Lamennais havia produzido uma visão teocrática de uma nova ordem cristã, liderada por um papa
poderoso, em oposição a uma igreja nacional enfraquecida que sucumbira aos interesses dos Estados. O
grito de guerra dos primeiros [textos de] Lamennais foi a escolha entre ordem ou anarquia. Como um
pensador cujo principal interesse teórico na Igreja era social e político, e cujo principal medo era o
impacto corrosivo da descrença, Lamennais, de fato, ficou cada vez mais desencantado com a hierarquia
eclesiástica real. Ele mudou-se para uma concepção mais democrática da Igreja e incentivou
abertamente maior liberdade e justiça social (HEDLEY, 2006, p. 48).
86
GREGÓRIO XVI, encíclica Singulari nos, 1834.
87
A palavra socialismo adquiriu seu significado atual a partir de meados da década de 1830, quando
Robert Owen (1771–1858), um reformista social galês, criou um sistema de cooperativa de compra para
operários da fábrica de tecidos que gerenciava em Manchester. Com base em textos de vários autores, a
partir da década de 1840, as palavras socialismo e comunismo passaram a indicar, de uma forma geral, o
movimento que denunciava as condições dos operários no mundo industrial, opondo-se ao liberalismo, e
com um projeto de reconstrução da sociedade (PIANCIOLA, 1998, p. 1197).

41
dos personagens mais importantes, cujas posições e posturas foram abordadas com
detalhes ao longo do texto – Hugues-Félicité de Lamennais e o papa Pio IX –
demonstram que as classificações enrijecidas e definitivas, em muitas situações,
confundem antes de esclarecer. Obviamente, é impossível retratar o período,
especialmente com a abordagem adotada por este trabalho, sem recorrer a expressões
como conservador e liberal, uma vez que essas posições estão em confronto real em
boa parte do século XIX. Mas essas definições são sempre pontuais, uma fotografia do
momento, e não uma noção estanque peremptória. Tanto Lamennais quanto o papa Pio
IX assumiram posições distintas, e contraditórias ao longo de sua atuação como
protagonistas, tornando-se impossível, desnecessário e contraproducente classificá-los
de maneira categórica. Contudo, o mesmo não acontece com personagens como Bonald,
ou Maistre, cujas posições diante das questões que se lhes apresentaram eram
indiscutivelmente claras, sem qualquer ambiguidade.

Quanto ao papa Pio IX, a historiografia costuma dividir seu papado em duas
fases: uma moderada e outra conservadora. Apesar de a explicação estar, de certa forma,
já consolidada nos estudos a respeito do período, tal divisão mostra-se bastante
esquemática e reducionista. Autores como Frank Coppa88, que se debruçaram de forma
cuidadosa sobre as memórias e biografias dos personagens do período, deixam claro que
essa suposta dicotomia ideológica de Pio IX mais esconde do que esclarece. As
memórias de Marco Minghetti89 (1818–1886), membro do conselho constituinte que
elaborou o Statuto Fondamentale, a constituição dos Estados Pontifícios, de 1848,
ministro das Obras Públicas, entre 1847 e 1848, e cogitado para o cargo de primeiro-
ministro, sucedendo Pellegrino Rossi após seu assassinato em 1848, revelam que
durante sua fase liberal, entre 1846 e 1849, Pio IX moveu-se ao sabor dos intensos
acontecimentos, mas não teria abandonado suas convicções sobre o poder soberano da
Igreja. A mesma leitura é apresentada por Luigi Carlo Farini90 (1812–1866), secretário-
geral do Ministério do Interior da Santa Sé em 1848, ao analisar de maneira detalhada o

88
COPPA, Frank J. “Cardinal Antonelli, the Papal States, and the Counter-Risorgimento”. Journal of
Church and State, n. 16, p. 454-471, 1974, e Cardinal Giacomo Antonelli and papal politics in European
affairs (1990).
89
MINGHETTI, Miei ricordi, 1889.
90
FARINI, The Roman State from 1815 to 1850 (1851).

42
primeiro período do pontificado de Pio IX. Mesmo entendendo que ambos os textos,
dada sua aproximação histórica com os fatos, devem ser lidos com muito cuidado, sua
inclusão entre as fontes, assim como tantas outras de igual jaez, mostrou-se muito
significativa.

Por sua vez, Ivan Scott questiona essa firmeza de princípios, entendendo
como natural a transição de Pio IX do liberalismo para o conservadorismo. Giovanni
Maria Mastai-Ferretti fora eleito no conclave de 1846, exatamente por ser uma figura
neutra em meio a um confronto declarado entre cardeais liberais e conservadores.
Assim, o novo papa, carente de experiências na Santa Sé, e totalmente inábil em matéria
política, inevitavelmente apresentaria comportamentos mutantes, uma vez que suas
ideias e convicções estavam sendo construídas em meio ao turbilhão de intensos
acontecimentos. Portanto, pode-se entender a oscilação do papa entre a flexibilização
descuidada e a rigidez extrema91. Uma carta escrita pelo arcebispo Mastai-Ferretti ao
cardeal Chiarissimo Falconieri Mellini (1794–1859), em junho de 1833, dá uma ideia da
imprecisão da interpretação política do futuro papa: Odeio e abomino até a medula dos
meus ossos os pensamentos e as operações dos liberais; mas nem o fanatismo dos
chamados papalinos é especialmente simpático para mim. O justo meio cristão seria o
caminho que gostaria de seguir com a ajuda do Senhor. Mas como fazer isso?92. É certo
afirmar que o cidadão Giovanni Mastai-Ferretti, nascido na região de Ancona, tinha
muito orgulho de sua nacionalidade italiana, não escondendo sua simpatia por sua
unificação, mesmo sem muita clareza do que isso significava, sendo até mesmo
cogitado pelos nacionalistas como o comandante do processo, no movimento chamado
de neoguelfismo. Contudo, o papa Pio IX, com sua formação, sua história, fé e devoção,
não poderia imaginar um mundo no qual os direitos supremos, eternos e soberanos da
Igreja não estivessem representados93. Os intensos acontecimentos nos anos entre 1846
e 1850 reforçaram os elementos de sua convicção que não poderiam ser respondidos
pelo nacionalismo, mas sim pelo pensamento conservador católico, associado a uma

91
SCOTT, 1969, p. 5. Não era provável que o soberano pontífice continuasse por muito tempo com uma
política flexível; antes, era na tradição, tanto quanto nas necessidades da organização, que Sua
Santidade deveria se tornar rígida na defesa. Mas o grau dessa rigidez não poderia ter sido previsto por
nenhuma referência à carreira anterior de Pio (idem, ibid.).
92
MARTINA, 1974, p. 177.

43
espécie de misticismo, que confundia o exercício do poder político com o espiritual, e
que, muitas vezes, fez com que esperasse uma solução da Providência para os
problemas concretos, como na questão romana, entre 1860 e 187094. Seu
posicionamento errático estava presente nos primeiros anos de seu pontificado; marca já
inscrita no Statuto Fondamentale, documento que deu status jurídico ao governo dos
Estados Pontifícios, apontado pela historiografia como uma marca de seu pensamento
liberal, mas que, ao mesmo tempo em que institucionalizou um governo constitucional,
impediu que os órgãos legislativos tratassem de assuntos que, mesmo laicos,
resvalassem em questões religiosas. Assim, embora o simulacro constitucional
realmente representasse uma concessão aos anseios que poderiam ser identificados
como liberais, foi incapaz de avançar além dos limites impostos pelo pleno exercício do
poder secular do papado. Uma acomodação com as transformações de seu tempo
parecia uma opção inviável para Pio IX; a ele cabia colocar a supremacia papal contra o
desafio de uma era revolucionária, assim como defender os poderes temporais do
papado como uma salvaguarda de sua função espiritual, em estrita vigilância contra as
ideias derivadas do racionalismo95. Seu pontificado consolidou como doutrina o
ultramontanismo, fundado no trauma da revolução e no pânico social dela derivado.

Para o esboço dos eventos e das posições políticas dos agentes ao longo do
período estudado, a pesquisa debruçou-se sobre uma enorme quantidade de fontes,
buscando um entendimento amplo do processo de construção das relações ideológicas,
institucionais e interpessoais que acabaram por consolidar o conservadorismo como o
pensamento hegemônico na Igreja Católica. Inicialmente, no primeiro capítulo,
procurou-se estabelecer quais foram os principais enfrentamentos vividos pela Igreja

93
COPPA, 1974, p. 545.
94
[Pio IX] Com o passar do tempo, especialmente em seus últimos anos, em decorrência, entre outras
coisas, das decepções que experimentou em 1848, que lhe deixaram uma marca profunda, e das duras
experiências da década de 1860, um certo pseudomisticismo prevaleceu nele que, ao confundir o plano
político com o sobrenatural, levou-o a esperar passivamente no Senhor para a solução de todos os
problemas, confiando num grande milagre da Providência que resolveria tudo a favor da Igreja, sem se
aprofundar nas questões nem tomar nenhuma iniciativa. Em contrapartida, em razão de circunstâncias
desfavoráveis e problemas de saúde, teve uma formação científica bastante curta, que nunca mais
concluiu. Suas lacunas teológicas estariam em evidência pelas polêmicas doutrinárias que surgiram em
seu pontificado, que continham em germe a crise modernista da primeira parte do século XX, e da qual
ele só alcançou os aspectos negativos (MARTINA, 1974, p. 178).
95
HOWARD, 2017, p. 31.

44
nos séculos XVIII e XIX, com especial atenção à Revolução Francesa e a seus impactos
sobre o clero. No segundo capítulo foram delineadas as bases dos ideários reacionário e
conservador, buscando compreender as teodiceias que fundamentavam essas
formulações. Esse desenho inicial permitiu entender as intricadas relações entre a Santa
Sé, os governos europeus, as igrejas nacionais, notadamente a Igreja Galicana na
França, o nacionalismo italiano, as pressões liberais e, especialmente, as ações e reações
dos homens da Igreja ante os perigos reais, e imaginários, de seu tempo, descritos no
terceiro capítulo.

As fontes de pesquisa ficaram restritas a dois tipos: documentos da Santa Sé


e a uma vasta bibliografia que cobriu mais de 200 anos de textos. Os documentos
oficiais da Igreja – encíclicas, cartas apostólicas, constituições apostólicas, bulas,
breves, proclamas, editos, alocuções – sempre que possível foram obtidos junto aos
arquivos eletrônicos da Igreja Católica, preferencialmente traduzidos do latim para o
italiano ou o inglês. A partir da restauração de 1815 os documentos papais ganharam
uma enorme importância na relação entre a Santa Sé e o restante da Igreja. Desde os
tempos antigos, os documentos papais eram usados para comunicação, mas seu uso foi
grandemente ampliado no século XIX: o papa Pio VI, em 24 anos de pontificado, emitiu
26 documentos, sendo que dois eram encíclicas; Pio VII, em 23 anos, editou 17
documentos, quatro encíclicas; Leão XII, em pouco mais de cinco anos, lançou 18, com
duas encíclicas; em seu breve pontificado de 20 meses, Pio VIII deu à luz apenas sete,
sendo uma encíclica; Gregório XVI em 15 anos editou 64, sendo sete encíclicas; e, por
fim, Pio IX, em seu longo pontificado de quase 32 anos, editou 76 manifestações, sendo
que 30 eram encíclicas e 7 cartas encíclicas96. Esse expressivo aumento de
manifestações, que quase sempre condenavam os erros em tom negativo e professoral, é
indicativo da sua importância crescente ao longo do século, e significativo para a
construção do ideário conservador que se consolidou como doutrina após 1870.

A seleção das fontes bibliográficas, perante uma vastíssima produção


literária sobre o tema, em muitos momentos representou uma dificuldade a ser vencida.

96
VATICANO. Disponível em: https://www.vatican.va.

45
Para a pesquisa foram utilizadas desde fontes produzidas no calor dos acontecimentos,
portanto centenárias, até outras escritas há poucos anos, baseadas em pesquisas recentes.
Parte do trabalho consistiu em compatibilizar a bibliografia, sempre a confrontando com
outros textos, questionando inclusive os fundamentos políticos e ideológicas que
inspiraram seus autores. Em muitos textos, nos quais não foi adotado rigor acadêmico
ou histórico, os autores mostraram-se predispostos em defender as posições da Santa Sé,
em textos panegíricos e apologéticos; contudo, mesmo estes, olhados com desconfiança
metodológica, mostraram-se úteis para o processo de entendimento do período e das
posições adotadas. Um exemplo que ilustra bem essa aproximação: o historiador
católico E. E. Y. Hales (Edward Elton Young Hales) (1908–1986) produziu alguns
textos essenciais para o entendimento do período e o papado de Pio IX97. Contudo,
esses textos foram produzidos antes do Concílio do Vaticano II, e, portanto, antes da
revisão dos primados de seu concílio homônimo de 1869-1870. Assim, os textos de
Hales reproduzem as teses e as asserções que ficaram consolidadas durante o
pontificado de Pio IX, e que ainda não haviam sido submetidas ao escrutínio do século
XX98. Porém, apesar disso, seus textos mostraram-se essenciais para estruturar uma
excelente cronologia do período, assim como para identificar e delimitar a atuação dos
principais personagens que compuseram a trama histórica. Não menos cuidadosa foi a
leitura da bibliografia referente à Revolução Francesa, cuja produção historiográfica é
riquíssima e complexa, mas muitas vezes separada por uma clivagem ideológica muito
distinta. Muitos dos textos elaborados por historiadores católicos não conseguem
afastar-se de uma análise histórica profundamente ideologizada dos eventos, como

97
HALES, E. E. Y. Pio Nono: a study in European politics and religion in the nineteenth century (1954),
e The Catholic Church in the modern world: a survey from the French Revolution to the present (1960).
98
Não é como um príncipe italiano mesquinho que Pio Nono será julgado pela história. Ele terá de ser
considerado em seu domínio como o mais importante oponente das reivindicações extravagantes,
políticas e ideológicas, dos progressistas do século XIX, como o mais obstinado e influente dos que
negavam a infalibilidade do progresso, a autoridade moral das maiorias e da onipotência do Estado.
Recusando-se, em nome das verdades eternas, a aceitar o entusiasmo apaixonado dos homens de
progresso, ele conquistou para o papado muito ódio em seus próprios dias. Mas ele restaurou a este uma
autoridade dentro da Igreja e uma influência externa, como não desfrutava desde o tempo do Concílio de
Trento. Ele foi, em suma, o criador do papado moderno (HALES, 1954, Prefácio, p. xiii). O Estado
Papal era uma teocracia benevolente. Pode não ter havido mais lugar, na Europa de 1860, para
teocracias benevolentes, e pode ter sido da natureza das coisas que a maré crescente do Risorgimento
devesse varrer esse Estado. Mas isso não é motivo para estigmatizar o governo de Pio Nono como
opressor, corrupto ou economicamente atrasado; nem foi a revolta, seja de moderados esclarecidos ou
de revolucionários, realmente uma revolta contra a opressão; foi antes um anseio por novas formas e o
despertar de ambições políticas (idem, ibid., p. 164-165).

46
Michel Vovelle, com seu The revolution against the Church99. Não é possível contar a
história da revolução e se esquecer dos violentos ataques sofridos pela Igreja durante a
exaltação revolucionária, mas isso deve ser entendido dentro de um contexto de
transformações radicais, ações e reações, movimentos e resistências.

A questão da análise das fontes bibliográficas remete-nos para uma reflexão


sobre o trabalho do historiador, que sempre é seletivo, nas duas acepções da palavra: é
meticuloso e minucioso, mas também selecionador, escolhendo os fatos que vão dar
base para suas reflexões, e organizando a forma com que esses fatos vão entrar em suas
explicações. Assim, de maneira absolutamente resumida, a História sempre é um
conjunto de fatos selecionados e ordenados de uma forma que permite uma
interpretação, que, por sua vez, é marcada pela subjetividade do historiador, que o faz
de forma acadêmica e intelectualmente honesta. Nunca é demais frisar que o
profissional que escreve a História o faz segundo suas verdades, crenças, preocupações
e inquietudes presentes, excluída a possibilidade de isenção ou distanciamento.

Benedetto Croce (1866–1952), filósofo e uma dos mais importantes


historiadores do século XX, ao escrever sobre o que seria a verdade nos livros de
História, frisou que todos sempre têm o caráter de história contemporânea, pois, por
mais remotos que possam parecer os eventos do tempo ali relatados, a história na
realidade refere-se às necessidades presentes e às situações atuais em que esses
eventos vibram [ao serem analisados] em minha mente, componho a história da
situação em que eu mesmo me encontro100. O historiador olha para o passado tendo
como instrumental seus pensamentos, preocupações e olhar presentes, pensando o
futuro. Assim, as razões profundas que motivaram e inspiraram o presente estudo estão
ligadas ao momento atual e à ascensão de um pensamento e um ideário conservador e
antidemocrático. A busca pelo entendimento da gênese dessa concepção também é a
tentativa de compreender e refletir sobre o tempo presente.

99
VOVELLE, The revolution against the Church: from reason to the Supreme Being (1991).
100
CROCE, History as the story of liberty, 1941, p. 19.

47
CAPÍTULO 1

OS ENFRENTAMENTOS DO CATOLICISMO NOS SÉCULOS


XVII E XVIII

Quando no dia 8 de dezembro de 1869, no transepto da Basílica de São


Pedro, em Roma, o papa Pio IX fez a abertura do Concílio do Vaticano101, sabia
exatamente o resultado que desejava; decisões que teriam repercussões em todo o
mundo católico por muitos anos. O papa passara boa parte dos seus, até então, 23 anos
de pontificado enfrentando conflitos e divergências dentro e fora da Igreja, sendo que o
maior deles fora o Risorgimento102 e a unificação da Itália, em 1860, sob o comando do
rei Vittorio Emanuele II; o Concílio representava uma tentativa de consolidar sua
autoridade, manter o pouco que restava dos Estados Pontifícios e a continuidade das
tradições da Igreja103.

Fora convocado pelo papa Pio IX em 29 de junho de 1868, após um longo


período de preparação e planejamento que começara quatro anos antes104. Foi o
vigésimo encontro ecumênico105 da Igreja Católica, distante trezentos anos de seu

101
Ao longo do texto o Concílio do Vaticano I será tratado como foi entendido na época, como o único.
Quando houver necessidade de alguma referência eventual, o Concílio do Vaticano II (1962-1965) será
numerado.
102
Risorgimento foi o nome dado ao longo processo entre 1815 e 1870 que buscou a unificação da Itália,
que, até 1861, era uma coleção de pequenos Estados, alguns sob controle de potências estrangeiras.
103
O’MALLEY, 2018, p. 21. Ao longo do texto a Igreja Católica será tratada apenas como Igreja; outras
religiões serão devidaemente identificadas.
104
Papa Pio IX (1792-1878), papa entre 16 de junho de 1846 e 7 de fevereiro de 1878, o segundo
pontificado mais longo da história depois de São Pedro, entendendo Pedro como o primeiro bispo de
Roma e, portanto, o primeiro papa: 37 anos. Em 3 de setembro de 2000, foi beatificado, pelo papa João
Paulo II. Foi o primeiro papa da história a ser fotografado.
105
O termo ecumênico está usado como definido por ALBERIGO (2015, p. 8): Com essa expressão
indica-se a extensão universal da representatividade de uma assembleia e, consequentemente, a extensão
da normatividade canônica das suas decisões. Na realidade, a “ecumenicidade” quase sempre foi uma
autoqualificação, uma aspiração ou, enfim, uma qualificação a posteriori. Os concílios convocados e
presididos pelo imperador bizantino (Nicéias, Éfeso, Calcedônia) recebiam por isso mesmo essa
qualificação; alguns, porém, só a obtiveram mediante reconhecimento posterior (o Constantinopolitano
I); outros (os lateranenses) deram-se o qualificativo mais modesto de “gerais”; outros ainda (o
Tridentino, o Vaticano I e o II) utilizaram-se dessa qualificação na base da convicção do catolicismo
romano de ser a única verdadeira Igreja.

48
antecessor, o Concílio de Trento (1545–1563)106, no intervalo mais longo entre duas
assembleias na história. Podem ser apontadas ao menos três razões para esse longo
intervalo. A primeira seria que, após Trento, cresceu entre a hierarquia da Igreja a ideia
de que todos os problemas do catolicismo estavam superados; o concílio supostamente
havia dado resposta a todos os problemas da Igreja. . A segunda razão era a dificuldade
para o deslocamento dos bispos, que habitavam um mundo católico que se expandira
por cinco continentes. O terceiro motivo foi o receio dos papas sobre o que um concílio
poderia decidir em relação a seu cargo. Desde o primeiro Concílio de Latrão107 até o
Concílio de Constance108, os pontífices acreditavam poder contar com o apoio dos
bispos reunidos em concílio. Contudo, após Constance, que assistiu à intervenção direta
do imperador germânico Sigismund de Luxemburgo (1368–1437), essa confiança
começou a mudar, e os papas passaram a temer resultados desfavoráveis. Esse temor
pode explicar, por exemplo, o hiato de 28 anos entre a eclosão da Reforma Protestante e
o Concílio de Trento. A terceira razão para esta lacuna foi a situação de disputas
internas na Igreja entre meados do século XVII e as últimas décadas do século XVIII, o
que tornava muito arriscada a realização de um concílio109.

Antes de 1869 os concílios contavam com a presença de leigos,


representados por governantes ou seus prepostos, que tomavam parte ativa dos
trabalhos. Contudo, em 1868, quando da convocação, o papa Pio IX proibiu a

106
O Concílio de Trento foi realizado entre 1545 e 1563, no norte da península italiana, como uma
resposta à Reforma Protestante, dentro do contexto da contrarreforma. Foram aprovadas condenações ao
protestantismo, definido como uma heresia; também foram reiterados elementos centrais da doutrina: a
Escritura, o cânon bíblico, a tradição sagrada, o pecado original, a salvação, os sacramentos, a missa e a
veneração dos santos.
107
O Primeiro Concílio de Latrão (1122–1123), convocado pelo papa Callixtus II para a ratificação das
decisões da Concordata de Worms, segundo a qual o imperador Henrique V, do Sacro Império Romano-
Germânico, reconheceu a autoridade pastoral da Igreja, assim como seu direito de designar os bispos no
território imperial.
108
O Concílio de Constance (1414 e 1418) realizado em Constance, sul da Alemanha, foi realizado para
acabar com o cisma papal, que havia criado o Papado de Avignon. Quando de sua convocação, três papas
pleiteavam a legitimidade do trono de Cristo. Ao fim do encontro papas rivais, os antipapas, Bento XIII e
João XXIII renunciaram; Gregório XII fez o mesmo antes do encerramento. O concílio elegeu o papa
Martinho V (1417-1431), pondo fim ao cisma. Sobre Constance, ver ALBERIGO, História dos concílios
ecumênicos, 2015, p. 221-236. Oficialmente, a Santa Sé lista nove antipapas e 266 papas; contudo, fontes
não oficiais apontam mais de 40 antipapas. Uma contagem precisa é difícil porque os padrões para a
eleição de papas mudaram frequentemente por mais de mil anos. Os antipapas atingiram o pico durante os
séculos XII a XV, com dois ou mais antipapas às vezes reivindicando o papado (POSNER, 2015, p. 10).
109
O’MALLEY, 2018, p. 3-5.

49
participação de seculares, que acabaram por influenciar a assembleia por outros meios,
de forma externa, inclusive por intermédio da imprensa. Foi o primeiro concílio
realizado sob a observação e divulgação da mídia, que cobriu todo o encontro. As
publicações preparatórias, além de escritas em grande quantidade pelo papado, foram
produzidas em várias partes do mundo. Um dos maiores concílios já realizados, com
704 bispos, sendo que nos anteriores participavam entre 150 e 350 bispos110, foi o
primeiro a ter efetivamente um caráter internacional com bispos de todos os continentes;
havia bispos da América – 40 dos Estados Unidos da América, 9 do Canadá e 30 da
América Latina – e mesmo da Austrália e Nova Zelândia. Mas todos eram brancos e a
maioria de origem europeia. A delegação da Europa representava dois terços dos
participantes, quase metade dos quais era italiana. Os Estados da Igreja, com 60 padres,
tinham uma representação muito superior à do Império Austríaco ou dos reinos
alemães111.

Apesar de cosmopolita, ocorreu na Europa, os assuntos tratados foram


europeus, pois tiveram origem na história europeia e, em sua maioria, tiveram urgência
somente na Europa112; contudo, seu fruto mais importante, Pastor Æternus, teve
impacto marcante na Igreja de todo o mundo. A constituição dogmática Pastor Æternus
foi emitida pelo Concílio do Vaticano em 18 de julho de 1870. O documento definiu
quatro doutrinas da fé católica: o primado apostólico conferido a Pedro, a perpetuidade
de seu primado nos pontífices romanos, o significado e o poder do primado papal e,
mais importante, a infalibilidade papal. Pio IX e a cúpula do Vaticano acreditavam que
a aprovação do dogma da infalibilidade papal colocaria fim aos problemas que se
arrastavam havia mais de um século.

Anos antes da convocação do Concílio, mas já como parte ideológica


programática de sua preparação, o papa Pio IX havia editado a encíclica Quanta Cura, e
seu apêndice Syllabus Errorum (1864), com uma série de proposições que causaram

110
O Concílio do Vaticano, em número de participantes, somente é superado, pelo Concílio de Constance
e pelo Vaticano II, este que reuniu mais de dois mil bispos.
111
VILANOVA, 1992, p. 575.
112
O’MALLEY, 2018, p. 12.

50
impacto entre religiosos e leigos, provocando hostilidade e resistência dos governantes
europeus113. O principal erro apontado pelo Syllabus era negar a existência de Deus; a
este se seguia uma lista imensa: propor a separação entre Igreja e Estado; sobrepor a
razão acima da fé; criticar a Escolástica; propugnar a liberdade religiosa, e por
decorrência o protestantismo; defender o socialismo, do comunismo, as sociedades
secretas – leia-se maçonaria –, as sociedades bíblicas e as sociedades clérico-liberais;
aventar a submissão da Igreja aos governos civis, e tantos outros erros mais. Entre
muitos, o mais presente, subjacente a tantos, era a ideia de que o papa poderia errar em
suas decisões e seus juízos: acreditar que os pontífices romanos e os concílios
ecumênicos ultrapassaram os limites do seu poder, usurparam os direitos dos príncipes,
e erraram, mesmo nas definições de fé e de moral114. A última proposição do Syllabus,
que explicitava e resumia o sentimento do papado perante o mundo, afirmava que era
um erro dizer que o papa deveria aceitar o progresso, o liberalismo e a civilização
moderna. Dessa forma, toda a vida social e política do século XIX, assim como as
aspirações democráticas da sociedade europeia, eram desregramentos perante a Igreja.

Os bispos estiveram reunidos em Roma, a partir de 8 de dezembro de 1869,


por pouco mais de dez meses. O Concílio terminou de forma abrupta, em 20 de outubro
de 1870, em decorrência da eclosão da Guerra Franco-Prussiana115 e da tomada de
Roma pelas tropas italianas em 20 de setembro. Estavam na pauta do encontro 53
declarações, mas apenas duas foram aprovadas, ambas de interesse pessoal do papa Pio
IX. Uma delas foi a constituição dogmática Dei filius, também chamada De Fide
Catholica, em 24 de abril de 1870, que reprovou de forma enérgica as heresias,
reafirmando os ensinamentos católicos sobre Deus, a Igreja e a fé. Segundo o
documento, deveria ser excomungado aquele que: negasse que há um só Deus

113
HALES, 1971, p. 333. Originalmente as encíclicas era apenas uma carta circular expedida por uma
autoridade da Igreja desde seus tempos primitivos. Contudo, a partir do século XVIII, com a encíclica Ubi
primum, de Bento XIV (1740), os documentos passaram a ter o caráter de ensinamento (O’MALLEY,
2010a, p. 244).
114
PIO IX, encíclica Syllabus Errorum, 1864.
115
A Guerra Franco-Prussiana, ocorrida entre 19 de julho de 1870 e 10 de maio de 1871, foi um conflito
armado ocorrido entre o Império Francês e o Reino da Prússia. Foi causada pela luta da hegemonia no
Continente Europeu, cujo equilíbrio era muito instável desde a queda de Napoleão Bonaparte em 1815. A
vitória germânica em 1870 provocou a queda de Napoleão III e o fim da monarquia na França. Tropas
francesas que davam apoio e proteção ao papa e ao Concílio foram obrigadas a se retirar, antecipando o
encerramento da assembleia.

51
verdadeiro; afirmasse que não existe nada além da matéria; desmentisse a criação
divina; sobrepusesse razão à fé, ou cresse que esta emana daquela; repudiasse a
revelação divina; contradissesse a Sagrada Escritura; rejeitasse os milagres
reconhecidos pela Igreja; questionasse os dogmas da Igreja; afirmasse que as ciências
humanas podem ser livres e suas conclusões tidas como verdade, ou que, por último,
asseverasse que o progresso das ciências, pode atribuir aos dogmas propostos pela
Igreja um sentido diverso daquele que ensinou e ensina a Igreja116. O Concílio de
Trento, no século XVI, preocupou-se em identificar e condenar interpretações errôneas
do cristianismo. Por sua vez, o Concílio do Vaticano cuidou de identificar e condenar
princípios e filosofias não cristãs que haviam surgido durante o Iluminismo do século
XVIII, mas não só. A Igreja de 1870 tinha uma legião de inimigos: Rousseau e os
enciclopedistas, Lutero, Calvino Danton e Robespierre.

Às vésperas do Concílio do Vaticano havia no mundo cerca de duzentos


milhões de católicos, três quartos dos quais viviam na Europa: França, Itália, Áustria,
Hungria, e Península Ibérica, sendo que a França contava com 37,5 milhões de
católicos, numa população total de 38 milhões117. A França era a nação católica mais
forte do continente; os números surpreendiam, uma vez que menos de cem anos antes
uma revolução radicalmente anticlerical havia sacudido o país e o planeta118. Mas não
era apenas a França que estivera convulsionada, todo o continente se agitava: a
Revolução Industrial impusera mudanças materiais e psicológicas em vários países
europeus; eram novas as formas de produzir, de trabalhar, de comunicar, de transportar.
A ciência abria novos campos de conhecimento, como a Física e a Química, que
passaram a explicar a vida e o mundo por intermédio de um paradigma muito distante
daquele defendido pelo catolicismo.

As transformações incluíram sobretudo mudanças intelectuais. O


Iluminismo trouxera para o debate público um pensamento laico, que não fizera
compromisso com a Escolástica e as exigências da fé, e que propunha uma educação

116
Dei Filius.
117
O’MALLEY, 2018, p. 23 e ss.

52
livre de superstições e obscurantismo. O Iluminismo trouxe consigo a ideologia de que
o futuro seria melhor que o presente, e que o passado deveria ser esquecido119. A
tradição da Igreja era um obstáculo e um empecilho para esse futuro luminoso.

A cúpula da Igreja – bispos, cardeais e papas – assistiu a essa transfiguração


do mundo com perplexidade e não pouca aflição; os valores fundamentais do
catolicismo, consolidados durante séculos, pareciam estar sendo destruídos. Os papas da
primeira metade do século XIX e seus cardeais testemunharam uma sensível redução da
autoridade, e, por conseguinte, da Igreja Católica. Ao longo do século XVIII o papado
enfrentara rivalidades das igrejas nacionais, que procuravam declarar sua autoridade,
confrontando o poder de Roma, criando movimentos que, temia-se, poderiam vir a se
tornar um grande cisma. Os mais ruidosos foram o galicanismo na França, o jansenismo
na França, no norte da península italiana e nos Países Baixos, o febronianismo nos
territórios alemães e o josefismo na Áustria.

1.1. O Iluminismo e o tempo do prophete philosophe120

Iluminismo foi o nome dado ao extraordinário desenvolvimento e às


transformações ocorridas na ciência, literatura, filosofia, religião e política na Europa
nos séculos XVII e XVIII121. Este não apresentou uma estrutura regular ou idêntica nos

118
CHADWICK, 1981, p. 445.
119
O’MALLEY, 2018, p. 25.
120
Tanto as especulações sobre o futuro, agora livres da religião cristã, quanto as previsões resultantes
do cálculo político apadrinharam a consagração do filósofo profeta. Lessing descreveu-nos esse tipo que
“elabora perspectivas bastante acertadas sobre o futuro”, mas que se iguala ao entusiasta, “pois ele não
consegue apenas esperar pelo futuro. Ele quer acelerar esse futuro, deseja ser ele próprio capaz de
acelerá-lo, (...) pois que proveito teria se aquilo que ele considera ser o melhor não se tornar o melhor
ainda em seu tempo de vida?” (G. F. Lessing, Die Erziehung des Menschengeschlechts, § 90, in
Gesammelte Werke, Leipzig, 1858, t. IX, p. 423, apud KOSELLECK, 2006, p. 38). O filósofo profeta
carrega consigo o conceito de revolução (idem, ibid.).
121
Dada sua importância e impacto, o Iluminismo ficou caracterizado como o zeitgeist, o espírito do
tempo, dos séculos XVII e XVIII. As generalizações produzidas ao longo da história esconderam
inúmeras nuanças, contradições, avanços e retrocessos, pressões e reações, marchas e contramarchas, que
o presente estudo não pretende descrever de forma detalhada, o que já foi feito por inúmeros de forma

53
diversos países europeus: na Inglaterra surgiu por intermédio de escritos teóricos sobre
política, religião, ética e direito natural; na França, na literatura e em livros dos
filósofos; nos Países Baixos, em textos de oposição à Igreja Católica. Contudo, seus
efeitos alcançariam todo o pensamento moderno e todo o mundo ocidental, espraiando-
se da França, Inglaterra e dos Países Baixos para a América do Norte, e de Portugal e
Espanha para a América do Sul122. Provocou transformações políticas, sociais,
econômicas e, sobretudo, filosóficas e religiosas.

O Iluminismo é em grande parte o resultado dos dois sistemas filosóficos


difundidos no século XVII, o empirismo e o racionalismo. O primeiro negou haver
diferenças substanciais entre conhecimento sensível e inteligível, colocando nos
sentidos a única fonte de nossa compreensão, afastando ideias inatas e promovendo o
método experimental; o segundo entendeu o conhecimento racional como um valor
absoluto. Os dois sistemas admitiam a razão como único critério de verdade123. A gnose
caminharia pelos processos racionais da observação da natureza e da humanidade, da
reflexão sobre o direito natural, do pensamento matemático, da experimentação e da
comparação. As experiências do passado, especialmente aquelas vivenciadas ao longo
da Idade Média, passaram a ser olhadas com ceticismo e crítica. Entre suas
características essenciais estava a fé inabalável na razão, não como forma de chegar à
verdade absoluta, mas para buscar sempre uma aproximação desta, entendendo que a
verdade é sempre mutável, ao contrário do pensamento de Tomás de Aquino (1225–
1274). Para o tomismo a verdade era una, proveniente da inteligência e da racionalidade
divinas. As coisas, criadas ou tornadas verdadeiras pela inteligência divina, podem
assim ser conhecidas pela inteligência humana. Ao saber, o homem volta-se para a
inteligência divina, que é o princípio e a fonte de todas as essências124. Assim, a moral

primorosa. Ao longo do capítulo são apresentadas algumas indicações bibliográficas buscando superar, ao
menos em parte, as limitações do texto. Inicialmente vale destacar os estudos de Peter Gay, The
enlightenment: an interpretation; the rise of modern paganism (1966) e The enlightenment: an
interpretation; the science of freedom (1977), e de Jonathan I. Israel, Radical enlightenment (2001),
Enlightenment contested (2006) e Democratic enlightenment (2011).
122
Nos países da Igreja Ortodoxa, a influência do Iluminismo foi limitada (HEGEL, 2003, v. 5, p. 254).
123
MARTINA, 1994, p. 279.
124
RAMOS, 2012, p. 24. Para os iluministas, a China, onde o povo não teria nenhuma revelação
sobrenatural, alcançou segurança e prosperidade mediante a ciência e a filosofia. Para os filósofos, a

54
também seria uma exigência da razão e da vontade humanas, e não a manifestação da lei
divina eterna.

Ao lado da razão, a confiança na natureza humana também era um pressuposto


do Iluminismo. O ser humano seria por natureza bom – o bom selvagem –, não estando
corrompido pelo pecado, e dessa forma não precisava da redenção que viria do perdão
divino; o pecado original perdeu seu sentido, liberando o ser, naturalmente bom, para
buscar sua felicidade. A corrupção nasceria a partir de leis ruins, nascidas de falsos
princípios. Essa confiança gerou um otimismo generalizado de que uma nova fase da
história humana estaria nascendo. Exatamente em decorrência dessa confiança no
futuro, havia um desprezo pelo passado, tido como a era das trevas, causada pela Igreja,
que transformou o homem livre em escravo de uma revelação transcendente125 –
destruir o passado era construir o bem da humanidade.

De forma simplificada, pode-se dizer que as bases do pensamento iluminista


tiveram dois precursores: Francis Bacon (1561–1626) e René Descartes (1596–1650),
que desenvolveram as bases da moderna epistemologia, que pressupunha a investigação
metódica e sem preconceitos – Bacon – e a filosofia e a ciência pautadas na dúvida
como método – Descartes. Enquanto o movimento na Inglaterra funcionava como
intensa discussão teórica, ele conheceu sua face mais efervescente na França, onde
condições específicas geraram as mais profundas críticas sociais, religiosas e políticas,
carregadas de anticlericalismo e antiabsolutismo, o que acabou por se tornar o fermento
intelectual da Revolução Francesa. De outra forma, nos reinos germânicos o Iluminismo
foi marcado pelos estudos da ética, da estética, da metafísica e do racionalismo,
especialmente com Gottfried Leibniz (1646–1716) e Immanuel Kant (1724–1804)126.

China seria o país ideal e Confúcio (551–479 AEC), alguém a ser reverenciado (MARTINA, 1994, p.
281).
125
MARTINA, 1994, p. 281-282.
126
HEGEL, 2003, v. 5, p. 254-255.

55
Entre as inúmeras facetas do Iluminismo encontrou-se o que viria a ser
chamado posteriormente de Revolução Científica, um verdadeiro terremoto no
aparentemente sólido edifício teórico da Escolástica construído no interior do
pensamento cristão127. Em razão das críticas da Igreja, ao longo dos séculos foi se
cristalizando a ideia de que a Revolução Científica, a partir do século XVII, teria uma
fundamentação ateísta, de oposição e de confronto à religião. Contudo, ao se analisar os
primeiros cientistas, primeiros responsáveis pelas grandes descobertas e pela construção
do método científico, percebe-se que, ao contrário, eram homens que se formaram
dentro de uma tradição religiosa, e que sua filosofia natural, como era chamada o que
viria a ser a ciência, conseguia incorporar a noção de Deus dentro de um contexto, ao
menos para seu momento, lógico. O pensamento científico foi um elemento
extremamente importante como causa para, no futuro, a negação do elemento divino, e
não sua consequência. Esse elemento não foi exclusivo; também pesaram para abalar o
arcabouço da igreja a ascensão do ceticismo, a Reforma Protestante, as críticas aos
privilégios e a corrupção da Igreja, a abertura da consciência europeia para outras
culturas ao redor do mundo e a conscientização do relativismo cultural128.

Um dos primeiros abalos surgiu a partir das reflexões de Descartes, um


pensador católico, que propôs um método científico novo: a obtenção da verdade por
meio da proposição de dúvidas sistemáticas, e da decomposição do problema em
pequenas partes buscando o entendimento do todo. Jean D’Alembert, na apresentação
da Encyclopédie – Discours préliminaire de l’Encyclopédie (1751) – discurso
preliminar da enciclopédia – sintetizou o método científico: Não é, portanto por
hipóteses vagas e arbitrárias que podemos esperar conhecer a natureza; é pelo estudo
cuidadoso dos fenômenos, pela comparação que faremos uns com os outros, pela arte
de reduzir [...] um grande número de fenômenos a um único que pode [surgir o]
princípio. Prosseguiu afirmando que quanto maior for a redução do número de

127
Um estudo aprofundado das causas e razões profundas da Revolução Científica do século XVII pode
ser encontrado em COHEN, How modern science came into the world: four civilizations, one 17th-
century breakthrough; razões estas que, segundo o autor, podem ser encontradas no pensamento
filosófico e científico de Atenas e Alexandria, entre os séculos IV Antes da Era Comum (AEC) e II da
Era Comum (EC).
128
HENRY, 2015, p. 9.

56
princípios de uma ciência, maior será seu alcance, sendo que a redução é na verdade a
sistematização da ciência129.

O cristianismo, a princípio, não se contrapunha de forma aberta ao


pensamento científico. Durante a Idade Média, muitos teólogos, como Nicolau de
Cusa130, conheciam e estudavam matemática. A filosofia natural, ou o estudo filosófico
do mundo natural, que mais tarde veio a se chamar apenas de ciência, era dependente da
teologia, a Rainha das Ciências131. Essa ordenação funcionou por mais de cinco
séculos, enquanto o cristianismo e toda a reflexão filosófica estavam escorados sobre os
pilares da escolástica com fundamentos aristotélicos. Mesmo após a Reforma
Protestante, que permitiu o surgimento de novas formas de pensar132, a filosofia natural
permaneceu como um suporte da teologia, independentemente da denominação133. O
domínio do pensamento aristotélico escolástico nas universidades formava pensadores
que buscavam na filosofia natural formas de comprovar e justificar sua fé; o mundo era
uma criação de Deus, e as novas filosofias buscaram explicá-lo por essa ótica. Descartes
desenvolveu o que seria chamado de filosofia mecânica, uma maneira deferente de
compreender o mundo natural. A explicação mágica do universo foi substituída por uma
teoria na qual a matéria é governada por um esquema determinístico com regras
invioláveis, passíveis de serem entendidas pela razão; o conhecimento do mundo natural
tornou-se uma compreensão concreta do mundo perceptível, que podia ser expressa
essencialmente em fórmulas matemáticas134.

No século XVII duas tradições intelectuais estavam em confronto. De um


lado o sistema de pensamento cristão de Tomás de Aquino, elaborado no século XIII, e

129
Cette réduction, qui les rend d’ailleurs plus faciles à saisir, constitue le véritable esprit systématique
(D’ALEMBERT, 2002, p. 20).
130
Nicolau de Cusa ou Nicolau Krebs (1401–1464) foi um cardeal da Igreja Católica Romana; foi um dos
primeiros filósofos do humanismo renascentista. Acreditando na ideia da primazia do conhecimento, se
valia-se do método matemático para compreender a natureza. Cusa expressou a mais alta ideia de Deus
por meio de uma concepção da mente como um instrumento matemático-comparativo para definir a
transcendência absolutamente indefinível do Supremo (CATÀ, 2008, p. 285-305).
131
HENRY, 2015, p. 1.
132
Um exemplo disso é encontrado no suíço Paracelso (1493–1541), que adotou uma filosofia química,
formando toda uma leva de alquimistas que o seguiram.
133
HENRY, 2015, p. 2-3.

57
fundado no aristotelismo – o tomismo ou Aristotelismo –, de outro lado, o
agostinianismo, com base neoplatônica, que viria a ser encontrado nas discussões sobre
a ciência e o cartesianismo135. Para o tomismo, majoritário até então, a cognição
humana de Deus somente poderia advir do conhecimento sobre o universo físico; na
razão humana o conhecimento vem primeiro por meio dos sentidos, sendo a mente
inicialmente a tábula rasa descrita por Aristóteles. Assim, o conhecimento é sempre
determinado pelos processos do intelecto, que extraem informações a partir da interação
física com os objetos. A partir dos sentidos o conhecimento é recebido pela mente. Para
o próprio Tomás de Aquino, o conhecimento de Deus obtido pela mente humana não
transcende o conhecimento obtido das coisas sensíveis; o conhecimento começa com as
sensações, e os objetos das sensações são precisamente qualidades sensíveis, tais como
cor, tamanho, forma, peso, movimento e todo tipo de mudança dos corpos136. A mente
humana não pode ter intuição direta de Deus e de sua obra137.

Para Agostinho, os objetos observáveis pelos nossos sentidos não constituem o


objeto próprio do intelecto humano. Assim como Platão, afirmou que os objetos do
verdadeiro conhecimento são imutáveis; a alma racional do ser humano exerce o
verdadeiro conhecimento e alcança a verdadeira certeza quando contempla as verdades
eternas em e por meio de si mesma. O mundo material, por sua vez, é mutável e,
portanto, não representa o verdadeiro conhecimento; assim por meio de instrumentos
corpóreos não se pode alcançar o verdadeiro conhecimento no mundo. Em Agostinho a
análise do conhecimento dos sentidos mostra que a alma e o pensamento puro existem;
a análise do pensamento puro mostrará que Deus existe. Isso se aplica tanto a verdades
da matemática e da geometria quanto às verdades relativas à natureza ou a Deus138.

Durante o século XVI, a filosofia natural, desde que dentro dos parâmetros
escolásticos, era aceita em todas as universidades. Contudo havia resistência ao
pensamento que fugisse desses limites, como ficou comprovado no julgamento e na

134
LEFEBVRE, 2005, p. 55.
135
PHILLIPS, 2002, p. 136. As duas escolas de pensamento e o confronto entre elas no século XVII estão
bem detalhados em seu livro Church and culture in seventeenth-century France.
136
GILSON, 1960, p. 91-93.
137
PHILLIPS, 2002, p. 137.

58
condenação de Galileu Galilei (1564–1642) pelo Santo Ofício, ou Congregação Sagrada
da Inquisição Romana e Universal139, em 1633, após demonstrar o heliocentrismo com
ferramentas matemáticas, sem recurso a experiências sensíveis140. Ao saber do
julgamento, Descartes escreveu a seu amigo Marin Mersenne (1588–1648), teólogo e
matemático, mostrando-se chocado com a condenação: Fiquei tão surpreso com isso
que quase decidi queimar todos os meus papéis [...]. Devo admitir que, se essa visão
[que a Terra se move] é falsa, o mesmo ocorre com todos os fundamentos da minha
filosofia141.

Ele estava certo, uma vez que seu Traité du monde et de la lumière (tratado
sobre o mundo e a luz) foi proibido pela Igreja, estando no Index Librorum
Prohibitorum142, lista de livros proibidos, até 1664, bem após sua morte. O livro, escrito
entre 1629 e 1633, apresentava explicações detalhadas de sua filosofia, seu método e
sua metafísica, assim como seus conhecimentos de física e biologia. Para ele, o mundo
era composto de minúsculos corpos que se moviam, o que explicava todo o movimento,
inclusive o Sistema Solar e o movimento circular dos planetas ao redor do Sol,
apresentados originalmente por Nicolau Copérnico (1473–1543). Descartes atrasou o
lançamento do livro após a notícia da condenação de Galileu pela Inquisição romana
por suspeita de heresia e a sentença de prisão domiciliar. Descartes discutiu sobre o
texto com Mersenne, decidindo adiar sua publicação: Mas por tudo isso eu não gostaria
de publicar um discurso que tivesse uma única palavra da qual a Igreja desaprovasse;

138
GILSON, 1967, p. 66-73.
139
A Suprema Congregação Sagrada da Inquisição Romana e Universal, criada em 1542 pelo papa Paulo
III, buscava impedir o crescimento do protestantismo; no mesmo movimento insere-se o reconhecimento
oficial, em 1540, da ordem religiosa criada por Inácio de Loyola, que se tornaria a Companhia de Jesus.
140
Todo o trabalho de Galileu foi pautado por uma convicção carregada de religião, sendo que, segundo
ele, a única linguagem adequada para decifrar o mundo e a vontade de Deus era a da matemática, com a
qual formulou a teoria do movimento de queda dos corpos e da trajetória dos projéteis (COHEN, 2005, p.
21).
141
GAUKROGER, 1997, p. 290.
142
O Index Librorum Prohibitorum era a lista de publicações consideradas heréticas ou contrárias à moral
pela Congregação do Índice, um dicastério da Cúria Romana, cujos católicos estavam proibidos de ler
sem uma autorização formal. Apesar da existência de censuras anteriores, o Index foi instituído em 1559,
pelo papa Paulo IV, pontífice e governante dos Estados Pontifícios entre 1555 e 1559. Teve 20 edições, e
foi abolido, em 1966, pelo papa Paulo VI.

59
então eu prefiro suprimi-lo a publicá-lo de forma mutilada143. Descartes era um católico
romano zeloso, e temia desagradar à Igreja.

Descartes acreditava que todos os fenômenos físicos poderiam ser


explicados pela ação das minúsculas partículas que se moviam, com ações de contato,
colisões, fricção e assim por diante, e constituíam a base de todas as coisas. Sobre essa
base construiu leis que estabeleciam como esse movimento se dava com os corpos, e o
que acontecia quando colidiam. Concluiu que a quantidade total de movimento no
universo era constante e transferível, não se perdendo com o passar do tempo. A
constância da quantidade de movimento no universo foi associada à imutabilidade de
Deus, que colocou o universo em movimento. Corpos inanimados somente ganharam
dinâmica porque Deus a imprimiu144. Para Descartes não existia ciência certa sem
Deus145. Apesar do sólido fundamento teológico de sua teoria para os fenômenos
físicos, o sistema explicativo só exigia a intervenção divina no momento da criação,
sendo desnecessário no momento seguinte146.

Em 1637, Descartes publicou de forma anônima o Discours de la méthode –


Discours de la méthode pour bien conduire sa raison, et chercher la vérité dans les
sciences (discurso sobre o método, para bem conduzir bem sua razão e buscar a verdade
nas ciências) –, apresentando a dúvida e o questionamento a respeito dos elementos
centrais do pensamento e da obtenção da verdade. O método, em suma, consistia em
rejeitar como falso tudo aquilo que pode, a princípio, ser colocado em dúvida; dessa
forma se conseguiria verificar se as verdades estabelecidas poderiam permanecer
axiomáticas e indubitáveis147. Descartes de forma alguma pretendia negar Deus, ao
contrário, desejava provar sua existência primordial148, mas o ceticismo de seu método

143
GAUKROGER, 1997, p. 291.
144
HENRY, 2015, p. 3. Nicholas Malebranche (1638–1715), um de seus seguidores, procurou sintetizar o
pensamento de Santo Agostinho e Descartes, demonstrando que toda matéria é inerte e passiva; todo o
movimento a que se assiste é fruto da intervenção divina.
145
PHILLIPS, 2002, p. 140.
146
HENRY, 2015, p. 5.
147
GAUKROGER, 1997, p. 310.
148
Descartes ao lançar o Discours de la méthode pensou, entretanto, que seu sistema possuía a dupla
vantagem de servir tanto à ciência quanto à defesa da religião cristã (PHILLIPS, 2002, p. 144).

60
inevitavelmente colidia com as fontes tradicionais de fé estabelecidas pelos filósofos
escolásticos; o método abriu um fosso entre um Deus transcendente e a cognição
humana149.

As muitas críticas que recebeu vieram de todos os lados. Teólogos católicos


entenderam que a filosofia de Descartes era uma defesa do ateísmo; sua rejeição dos
argumentos tradicionais para a existência de Deus foi entendida como a própria negação
dessa existência. A dúvida cartesiana que questionava tudo também poderia objetar
Deus150. Jansenistas151 e protestantes entenderam sua defesa do livre-arbítrio como
expressão do pelagianismo, uma antiga heresia que negava o pecado original152. As
críticas a Descartes transcenderam as fronteiras confessionais: em 1678, um crítico
luterano escreveu que a maioria de seus seguidores era de calvinistas. As principais
confissões – católicos romanos, luteranos e protestantes reformados – rejeitavam e
condenavam o método cartesiano153. De uma maneira geral, para os críticos o sistema
filosófico de Descartes rejeitaria a dependência do pensamento da informação recebida
pelos sentidos, fazendo com que suas conclusões não fossem confiáveis. Para Descartes,
uma descrição adequada do universo exigia que a mente fosse libertada da matéria, do
mundo físico, e a matemática era perfeita para esse fim. Descartes apresentou isso em
Meditationes de Prima Philosophia, in qua Dei existentia et animæ immortalitas
demonstratur (meditações sobre a filosofia primeira, em que a existência de Deus e a
imortalidade da alma são demonstradas), publicado em 1641. Na obra, que rejeita de
forma categórica os sentidos como forma de conhecimento, a intuição direta é a fonte de
entendimento do mundo. O conhecimento não é determinado por nenhum conteúdo de
fora da mente, e o pensamento, imaterial e imortal, não é dependente das coisas; o

149
GAUKROGER, 1997, p. 318.
150
GOUDRIAAN, 2015, p. 4.
151
Sobre o jansenismo se falará adiante, na oposição das igrejas nacionais ao papado.
152
O termo deriva do monge Pelagius da Bretanha (c. 350–423), que discutiu com Agostinho de Hipona
(354–430) sobre o pecado original. Agostinho defendia que o pecado original de Adão foi herdado pelos
homens, que estariam por ele escravizados. Pelagius, ao contrário, afirmava que a humanidade é livre
para escolher pecar ou não. O pelagianismo foi declarado herético, em 418, no Concílio de Cartago, e a
decisão foi confirmada em 431, no Concílio de Éfeso (MCKENNA, 2003, v. 11, p. 60-63).
153
GOUDRIAAN, 2015, p. 5-8. O texto apresenta uma extensa lista dos principais críticos das diversas
confissões.

61
pensamento precede a matéria – Cogito, ergo sum (penso, portanto sou)154. A metafísica
de Descartes apresentava dúvidas sobre todas as coisas, podendo incluir a própria
existência de Deus. A dúvida não era apenas uma suspensão do julgamento para um
momento posterior: os objetos da dúvida deveriam ser rejeitados como falsos ou
fictícios, e, em última instância, só existiria aquilo que pudesse ser provado.

Valendo-se do método cartesiano, filósofos naturais passaram a tentar


mostrar que a matéria não era, como Descartes havia dito, completamente passiva e
inerte. Para essa nova geração, a dúvida como método exigia a demonstração e
explicação dessa proposição cartesiana fundamental. Isaac Newton (1642–1727),
filósofo natural, originalmente um matemático, obcecado pela religião155, que
descartava a filosofia de Descartes, entendia que os questionamentos profundos
levavam ao ateísmo. Em julho de 1687, publicou Philosophiæ Naturalis Principia
Mathematica (princípios matemáticos da filosofia natural), compostos por três livros:
De motu corporum 1 e 2 (sobre o movimento dos corpos) e De mundi systemate (sobre
o sistema do mundo). Neles estão contidos os fundamentos da mecânica clássica, a lei
da gravitação universal e a comprovação matemática das leis de movimento planetário,
que Johannes Kepler (1571–1630)156 obtivera de forma empírica por volta de 1605. A
obra newtoniana revolucionou a forma de pensar o movimento, as ciências, o mundo e o
universo. Newton apresentou um sólido argumento contra a possibilidade de um éter
denso e cartesiano preenchendo os céus, sendo essa a explicação de sua objeção contra
as filosofias mecânicas convencionais, que têm a tendência de tornar a natureza

154
Mas logo depois notei que, enquanto tentava pensar que todas as coisas eram falsas, era o caso de eu
ter de ser alguma coisa; e observando esta verdade: “cogito ergo sum”, estava tão seguro e certo que
não podia ser abalado por nenhuma das suposições mais extravagantes dos cépticos [...]. Assim concluí
que eu era uma substância cuja essência ou natureza inteira reside apenas no pensamento e que, para
existir, não tem necessidade de lugar e não depende de nenhuma coisa material (DESCARTES, 2006, p,
28).
155
Newton era um cristão estudioso e dedicado, mas alimentava ideias próprias, que em sua época
poderiam ser consideradas hereges. Acreditava que adorar a Cristo como Deus era idolatria, uma
perversão depois que a igreja primitiva havia estabelecido a adoração adequada ao único Deus verdadeiro.
O responsável pela corrupção da fé teria sido Athanasius de Alexandria (c. 328–373), de quem a idolatria
da Igreja descenderia diretamente. Cristo era um mediador divino entre Deus e a humanidade, que estava
subordinado ao Pai que o criou (WESTFALL, 1993, p. 122-124).
156
Kepler formulou as três leis do movimento planetário, sendo que a primeira definiu que as órbitas
planetárias são elípticas, influenciando toda a astronomia posterior. Assim como outros pensadores de seu
tempo, sua teoria estava pautada pela convicção da presença de Deus na mecânica celeste; seus princípios

62
autossuficiente e, assim, dispensar Deus157. Newton não admitia a suposta tendência
ateísta do pensamento cartesiano; acreditava que Deus era onipresente no sentido literal,
como causa da gravidade158. Quase ao fim dos Principia, Newton escreveu: Este
sistema mais elegante do Sol, planetas e cometas não poderiam ter surgido sem o
design e o domínio de um ser inteligente e poderoso [...]. E para que os sistemas das
estrelas fixas não caiam um sobre o outro como resultado de sua gravidade, Ele os
colocou a imensas distâncias um do outro [...]159.

O século XVII iniciara com o pensamento e a ciência ainda ancorados na


autoridade de Aristóteles, e na descrição particular do cosmos decorrente dessa tradição.
O universo era formado por uma infinidade de esferas concêntricas que, movidas pela
esfera mais externa do primum mobile160, giravam em círculos perfeitos. As esferas
eram impenetráveis, e nada podia se mover de uma para a outra. A Terra, cuja Lua
apresentava uma superfície lisa, encontrava-se no centro desse universo e estava
sozinha, sem possibilidade de mudança. A progressão das esferas, da Terra para o
espaço, era o correspondente cósmico da Scala Naturae, a grande corrente do ser161, a
ligação de tudo e todos ao Criador. Porém, em pouco tempo, todo o edifício explicativo
aristotélico iria apresentar rachaduras, que se tornariam irreparáveis. Em 1572, o
astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546–1601) registrou a explosão de uma estrela,
uma supernova, na constelação Cassiopeia; cinco anos depois ele observou e estudou a
aparição de um cometa. Seus estudos provaram que os céus também estavam sujeitos a
mudanças, e contribuíram para Kepler elaborar a teoria das órbitas planetárias. Galileu

fundamentais são teológicos. Acreditava ter descoberto parte do plano de Deus, e as leis divinas que
regulavam o movimento (BARKER; GOLDSTEIN, 2001, p. 112-113).
157
WESTFALL, 1993, p. 259.
158
WESTFALL, 1993, p. 259.
159
NEWTON, 1999, p. 940.
160
Na astronomia clássica, medieval e renascentista, o sistema primum mobile (primeiro movido)
estabelecia que sete planetas que podem ser vistos a olhos nus – incluindo aí a Lua e o Sol –
movimentavam-se ao redor da Terra esférica em órbitas invisíveis; uma oitava esfera conteria todas as
outras estrelas.
161
A Scala Naturae, a grande corrente do ser, é uma estrutura hierárquica de toda matéria e vida, pensada
no cristianismo medieval, que começa com Deus, decaindo para seres angelicais, humanidade, animais,
paladares, minerais; isto é, a hierarquia caminhava do Ser Supremo para as formas imateriais, seguindo
até os objetos imutáveis. Dentro de cada categoria havia, da mesma forma, subdivisões estruturadas; o
ouro e a prata, por exemplo, estavam em um grau acima do restante dos minérios; o mesmo acontecia
com os homens e animais. Era um conceito derivado de Platão e Aristóteles, aprimorado na Idade Média.

63
desmontou a explicação celeste de Ptolomeu (90–168 EC), até então presente,
descobrindo as luas de Júpiter; suas pesquisas com telescópios revelaram as manchas
solares e as crateras da Lua. As questões levantadas ressoaram de forma profunda,
provocando uma crise nas explicações tradicionais do pensamento religioso e científico,
esquemas explicativos organicamente ligados por meio de um único sistema filosófico.
O método cartesiano, na segunda metade do século XVII, viria a ser adotado em
algumas universidades, como a de Paris, contrapondo-se a uma epistemologia
centenária162.

Os questionamentos das verdades estabelecidas, mesmo feitos por


pensadores que tinham a religião como norte, inevitavelmente iriam atingir a religião, e
o maior símbolo de autoridade do mundo cristão, a Bíblia. O pensamento moderno não
mais entendia como inquestionáveis os cânones bíblicos, então submetidos a um olhar
racionalista e crítico. As palavras bíblicas não encontravam relação na realidade
observável. Isso ficou evidente, por exemplo, quando em 1707 o Journal des Sçavans163
publicou que o livro Gênesis, da Bíblia, não podia ser usado para ensinar física e
astronomia, como até então se fazia. A verdade da fé não podia ser entendida pela
verdade da razão164.

Edward Herbert, Barão de Cherbury (1583–1648), já havia antecipado essa


crítica no livro De Veritate, prout distinguitur a revelatione, a verisimili, a possibili, et
a falso – da verdade, como se distingue da revelação, o provável, o possível e o falso –
(1624)165: para ele, o conteúdo ético-religioso mais importante das verdades básicas
inatas seria a existência de Deus, a necessidade da adoração divina por intermédio da
virtude e da piedade, a expiação do erro por meio do arrependimento e a crença na
recompensa e punição. Qualquer coisa que excedesse a isto seria uma adição feita pelas

Mais informações em LOVEJOY, Arthur O. The great chain of being: a study of the history of an idea,
de 1936.
162
PHILLIPS, 2002, p. 141-142.
163
O Journal des Sçavans, o diário dos cientistas, foi criado em 1665 pelo escritor e advogado Denis de
Sallo; é a mais antiga revista científica acadêmica publicada na Europa. Existe até hoje e, com exceção de
um intervalo durante a Revolução Francesa, entre 1792 e 1816, nunca deixou de circular.
164
PHILLIPS, 2002, p. 165-166.
165
De Veritate foi colocado no Index Librorum Prohibitorum em 1633, no qual permaneceu até 1946.

64
religiões positivas166. Em seu sistema, a religião não seria concebida como a adoração a
Deus, mas como conduta moral do indivíduo, para a realização da moralidade natural,
como amor ao próximo; a religião seria um estímulo para a virtude e a felicidade
humana.

Baruch de Espinosa (1632–1677), em seu Tractatus Theologico-Politicus


(1677) – tratado teológico-político –, prosseguiu na mesma linha. Para ele, as revelações
da Bíblia deveriam ser lidas como uma peça de literatura histórica, afastando os
milagres e as intervenções divinas167. A Bíblia não seria descritiva, precisando de um
acurado processo de interpretação; a leitura dos teólogos distorcia os textos bíblicos,
buscando impor uma visão única; para ele, os intelectuais da Igreja não tinham nenhum
escrúpulo em interpretar as Escrituras168. É verdade que a Escritura se deve explicar
pela Escritura enquanto estamos a investigar o sentido das frases e o pensamento dos
profetas; mas, uma vez encontrado o verdadeiro significado, temos necessariamente de
recorrer ao juízo e à razão para lhe podermos dar nosso assentimento169. Afirma que
tudo que consta na Bíblia que reprime a razão deveria ser ignorado pelos homens sem
nenhum prejuízo, uma vez que não diz respeito à teologia ou à palavra de Deus, e, dessa
forma, cada um poderá julgar o que quiser a tal respeito, sem que isso constitua crime;
nem a Escritura se deve adaptar à razão, nem a razão se deve adaptar à Escritura170.
Ainda sobre a Bíblia, escreveu que não fora escrita para ensinar ciência, assim, exige
dos homens apenas a obediência e condena a insubmissão, não a ignorância. Depois,
como a obediência a Deus consiste unicamente em amar o próximo [Epístola aos
Romanos: 13, 8], segue-se que a única ciência recomendada pela Escritura é a que é

166
HEGEL, 2003, v. 5, p. 255.
167
LEHNER, 2016, p. 13.
168
[...] os teólogos estão preocupados é em saber como extorquir dos Livros Sagrados as suas próprias
fantasias e caprichos, corroborando-as com a autoridade divina. Nem há mesmo nada que eles façam
com menos escrúpulos e com maior temeridade que a interpretação da Escritura, ou seja, da mente do
Espírito Santo; e se alguma coisa os aflige, não é o receio de atribuir ao Espírito Santo algum erro e
afastarem-se do caminho da salvação, mas sim poderem ser apanhados em erro [...] e serem alvo de
escárnio (ESPINOSA, 2004, p. 221).
169
ESPINOSA, 2004, p. 316-317.
170
Idem, ibid., p. 320.

65
necessária a todos os homens para que possam obedecer a Deus, sendo as outras
ciências desnecessárias171.

O conceito de uma religião revelada e a aceitação da verdade fornecida pela


autoridade das Escrituras eram inaceitáveis para a maior parte dos pensadores
iluministas. Quanto ao cristianismo, Cristo era considerado mais um entre tantos
fundadores de religiões, e sua palavra julgada por uma ótica ético-humanitária. Por sua
vez, a Bíblia era uma espécie de código de ética, a ser estudado independentemente de
qualquer suposta inspiração divina e interpretação pastoral. Ela deve ser purificada de
qualquer coisa ofensiva, notadamente milagres. As igrejas cristãs, para o Iluminismo,
eram associações religiosas entre todas as outras; sociedades para fomentar a religião e
sua moralidade peculiar com base no dogma de Cristo172.

A Igreja como instituição, sua estrutura hierárquica, seu poder estabelecido em


vários Estados, e o papado como um governo temporal, representavam para muitos um
perigo para a soberania do Estado. Em contrapartida, a liberdade individual impunha o
dever da tolerância perante a crença e a fé pessoais173. A solução para a aparente
contradição era a liberdade religiosa, que ao mesmo tempo mantinha a liberdade, mas
também fracionava a hegemonia católica, esta que já fora quebrada pela Reforma
Protestante. A primeira proclamação legal da liberdade religiosa foi estabelecida em
Maryland, nos Estados Unidos da América, em 1679. Mais tarde o preceito foi incluído
em constituições como a da Virgínia em 1776, e a dos Estados Unidos (1787 e 1791) e
da França (1793); no Édito de Tolerância austríaco (1781) e na Lei Comum Prussiana
(1794). Segundo John Locke (1632–1704), o Estado poderia tolerar apenas as
associações religiosas que não violassem as normas morais mínimas para a
manutenção da sociedade174. Esse argumento foi mais tarde usado pela Inglaterra
anglicana para justificar a exclusão de ateus e católicos do princípio da tolerância.

171
Idem, ibid., p. 302.
172
HEGEL, 2003, v. 5, p. 256.
173
Sobre a noção de tolerância no Iluminismo ver GRELL e PORTER (Ed.), Toleration in Enlightenment
Europe, 2000.
174
HEGEL, 2003, v. 5, p. 257, e MOODY, v. 3, p. 638.

66
Segundo aquela lógica, os católicos não respeitariam a soberania do Estado uma vez que
reconheciam a jurisdição estrangeira do papa, e negavam a autoridade política dos
governantes excomungados. A exclusão era justificada com base na lealdade: para os
britânicos o monarca é a autoridade suprema civil e religiosa: a lealdade do clérigo
[britânico] é total; ele reconhece o rei como supremo tanto em questões eclesiásticas
quanto civis [...] mas se uma Igreja é governada por um estrangeiro que não tem nem
dependência nem interesse comum com o rei do país, a lealdade civil dos que
pertencem a essa Igreja não pode deixar de ser enfraquecida pela sua lealdade
eclesiástica175. Já o ateu não podia jurar lealdade176 invocando Deus, por não acreditar
nele.

O pensamento iluminista não era de forma alguma monolítico, e um confronto


entre as noções de tolerância do inglês Locke e do hispano-holandês Espinosa,
contemporâneos nascidos no mesmo ano, 1632, demonstra a existência de um abismo
entre ambas. Locke apresentou uma noção de tolerância limitada e adequada à realidade
anglicana inglesa, enfatizando a liberdade de culto como uma extensão da liberdade de
consciência, e reduzindo a ênfase da liberdade de pensamento. A tolerância só poderia
ser aplicada a grupos que tivessem uma forma de adoração organizada, constituída
publicamente, para a qual a isenção poderia ser reivindicada, sejam eles dissidentes
protestantes, católicos, judeus ou maometanos177. Aqueles que não se vinculam a uma
religião organizada, agnósticos, deístas178 ou ateus, eram deixados em um limbo vago
sem nenhum status claro ou liberdade garantida. A salvação da alma teria prioridade

175
LASKI, 1917, p. 124. A exclusão de católicos do mundo político britânico, como a proibição de serem
eleitos para o Parlamento britânico, ou de os jesuítas entrarem no país, durou do século XVII até 1829,
quando o Catholic Relief Act (ato de alívio católico) suspendeu muitas das limitações (idem, ibid., p. 122
e 135).
176
Os juramentos de lealdade e de fidelidade eram obrigações feudais, pelos quais o vassalo prestava
homenagens e se comprometia perante seu senhor. No período moderno foram particularmente aplicados
na Grã-Bretanha, em atos de obediência e submissão ao rei, reconhecendo a soberania temporal do
monarca e sua independência perante o papa. Na França passou a representar o compromisso do cidadão
perante os princípios revolucionários (MONTOR, 1844, p. 239).
177
LOCKE, 2016, p. 160-165. Locke coloca em sua lista de tolerância luteranos, anabatistas, socinianos –
antitrinitários – dentro do âmbito da tolerância. Ele englobou judeus e muçulmanos acreditando que eles
poderiam ser convertidos ao cristianismo, e que este sempre foi o motivo para tolerar os não cristãos (nota
163, Mark Goldie, p. 190).

67
sobre todo o resto, sendo que o Estado organizado deveria reconhecer que esta
exigência teológica se sobreporia a todas as outras179. Os católicos, ligados a Roma e,
portanto, a um poder estrangeiro, também estariam excluídos; a tolerância era
suplantada pela soberania do monarca inglês, autoridade suprema da Igreja
Anglicana180.

Por sua vez, Espinosa, em Tractatus Theologico-Politicus (tratado teológico-


político), discutiu o lugar da religião na sociedade ao expor sua teoria geral de liberdade
e tolerância individual, uma vez que via a questão religiosa como secundária perante a
mais ampla, da liberdade de pensamento, esta, sim, fundamental para a construção de
uma boa sociedade. A liberdade religiosa foi tratada de forma secundária, pensada e
concebida em termos de liberdade de pensamento e expressão181. Para Espinosa, a ideia
de tolerância era antiteológica e republicana. Sua preocupação central era a libertas
philosophandi, a liberdade de pensamento e de expressão; a salvação das almas não
estava minimamente entre suas preocupações, não desempenhando nenhum papel nem
em sua teoria da tolerância como tal nem nos limites da tolerância que ele admitia como
necessária em uma dada sociedade182. A tolerância é a principal característica da
liberdade individual, e todos deveriam ter a liberdade de expressar qualquer crença,
sendo que as ordens religiosas e congregações183 deveriam ser proibidas de ter vínculos
com o Estado. Acreditava em uma religião filosófica idealizada, não cristã, a qual Cristo
não desempenha nenhum papel, e cujos fundamentos maiores seriam a justiça, a
caridade e o amor ao próximo184. Apesar da tolerância, Espinosa relutava em encorajar
que religiões organizadas expandissem sua influência, competissem por novos fiéis ou

178
Deísmo foi uma corrente filosófica, surgida durante o Iluminismo, que rejeitava a verdade tomista da
revelação como fonte de conhecimento; para os deístas, razão e a observação do mundo natural eram
suficientes para crer na existência de um Ser Supremo.
179
ISRAEL, 2000, p. 103.
180
LASKI, 1919, p. 23.
181
ISRAEL, 2006, p. 155.
182
Idem, 2000, p. 104.
183
As ordens religiosas são institutos religiosos de vida consagrada, que se caracterizam pelos votos de
seus membros – monges ou frades –, seguindo o carisma do seu fundador, podendo ser leigos ou clérigos
consagrados. Podem ser monásticas – beneditinos, basilianos, camaldulenses, capuchinhos, cartuxos,
celestes, clarissas –, mendicantes – agostinianos, carmelitas, dominicanos, franciscanos – ou clérigos
regulares – escolápios, jesuítas. Já as congregações religiosas, ao contrário das ordens que professam
votos solenes, professam somente votos simples, orientados não para o modo de vida monástico, porém
mais para o serviço social e para a evangelização, tanto na Europa como em áreas de missão.

68
se engajassem na política. Ele começa distinguindo cuidadosamente entre a tolerância
ao culto, estritamente falando, o que é uma coisa, e o empoderamento de grupos
religiosos para organizar e estender sua autoridade exatamente como desejam, o que
ele vê como algo bastante diferente185. A liberdade religiosa deveria ser respeitada
também por ser politicamente útil para o Estado, uma vez que impediria o surgimento
de religiões hegemônicas; a preponderância de uma religião sobre outras poderia afetar
a coesão, a estabilidade e a ordem da comunidade, bem como a liberdade do indivíduo e
a liberdade de expressão e imprensa. A liberdade de culto visava, em última instância,
enfraquecer o domínio eclesiástico sobre a população e a vida civil186.

Alguns filósofos iluministas, como Thomas Hobbes (1588–1679), Jean-Jacques


Rousseau (1712–1778), que refletiram sobre a relação do Estado com a Igreja,
desenvolveram uma teoria que aproveitava a influência da religião sobre a conduta
moral em favor da ordem e lei civil. Assim, em um intervalo de menos de um século,
consolidaram-se os princípios do iura maiestatica circa sacra (direitos sobre as coisas
sagradas), um conjunto de direitos especiais do governante que restringia a liberdade da
Igreja, submetendo-a ao Estado. Essas limitações estavam baseadas no direito divino
dos reis, segundo o qual o soberano era dotado de direitos derivados diretamente de
Deus, não podendo ser retirado por nenhuma ação humana, ou papal. O primeiro teórico
do “direito divino” foi Pierre de Belloy em duas obras: Apologie catholique (1585) e De
l’autorité du roi (1587) – apologia católica e da autoridade do rei. De Belloy afirmou
que, após a queda da humanidade, Deus estabeleceu o governo entre os homens, por
meio da autoridade do pai ou patriarca e dos direitos de primogenitura; a monarquia
corresponderia a este arranjo original: La principauté royale et monarchique a sa
source de la paternelle oeconomie (o principado real e monárquico tem sua fonte na
economia paterna)187.

184
ISRAEL, 2000, p. 105.
185
Idem, 2006, p. 155.
186
Idem, ibid., p. 157.
187
ALLEN, 1977, p. 383.

69
O iura maiestatica circa sacra compreendia grupos específicos de direitos reais.
Um deles seria os direitos para proteger a Igreja e a religião: o ius advocatie, ou ius
protectionis, direito de o rei proteger a Igreja dentro de seus Estados; ius inspiciendi, ou
ius inspectionis, direito de supervisão e controle da vida e das finanças da Igreja; e o ius
reformandi, direito de reformar e corrigir abusos internos cometidos por religiosos. Ao
lado desses estavam as prerrogativas reais: o ius cavendi, a capacidade de o soberano
tomar medidas preventivamente contra algum dano aos interesses, autoridade ou leis do
príncipe; aqui estavam incluídos o placet e exequatur188; o ius exclusivae, o direito de
veto a nomeações da alta cúpula religiosa dentro do Estado; ius dominii eminentis, o
direito de propriedade estatal da propriedade da Igreja; e o ius appellationis, ou
recursus abusu, o direito de apelação contra atos da autoridade eclesiástica prejudiciais
ao indivíduo. As concepções do Iluminismo sobre liberdade, religião e igreja,
associadas à doutrina da soberania absoluta do Estado, resultaram em um longo
processo de conflito da vida civil contra o catolicismo189.

Ao lado da filosofia e da ciência, o Iluminismo também teve uma faceta


literária, que, para efeitos de sua caracterização, pode ter sua gênese demarcada na
segunda metade do século XVII. Em 1685, o rei Luís XIV, da França, assinou a
revogação do Édito de Nantes, pondo fim a quase um século de relativa paz religiosa no
país. Em 1598, Henrique IV assinara o édito concedendo aos protestantes franceses,
huguenotes, a garantia de tolerância religiosa, após décadas de perseguição e
massacres190. A revogação em 1685, que teria nascido de uma aliança entre o rei e os
jesuítas, fez com que os protestantes voltassem a ser ameaçados e perseguidos; nas
décadas seguintes, mais de duzentas mil pessoas deixariam a França. Luís XIV também
deixou claro seu desejo de fortalecer seu reino, confiscando terras pertencentes aos

188
O placet sujeitava ao prévio exame a publicação e execução dos documentos pontifícios e episcopais.
Por sua vez, o exequatur era a autorização do monarca para que os decretos pontifícios fossem cumpridos
dentro dos limites do reino.
189
HEGEL, 2003, v. 5, p. 257.
190
O mais conhecido foi aquele ocorrido durante a Noite de São Bartolomeu, entre 23 e 24 de agosto de
1572, quando teriam morrido milhares de huguenotes em Paris e em mais 12 cidades francesas, como
Toulouse, Bordeaux, Lyon, Bourges, Rouen e Orléans. As perseguições e mortes continuaram nos meses
seguintes.

70
Países Baixos e aos Estados alemães independentes191. As primeiras críticas vieram da
Holanda, onde os protestantes gozavam de liberdade religiosa, e havia uma vigorosa
imprensa em língua francesa, extremamente crítica aos perigos representados pelo rei
franco e pelo clero católico para a tolerância religiosa. Para os protestantes batavos,
olhos iluminados pela luz [podem ver] aquela França [...] está sob o domínio de uma
fúria católica192. A metáfora dos iluminados foi incorporada, e acabou por se tornar o
termo que marcaria a época.

Ao fim do século XVII, as publicações anônimas tornaram-se a ferramenta


para fugir da censura, especialmente na Europa protestante. Surgiu uma república das
cartas, com a esperança de que os europeus estavam no limiar de uma nova era
iluminada, e de que os abusos criados no mundo seriam corrigidos193. No mundo
protestante uma vanguarda passou a acreditar que era possível uma nova versão do
cristianismo, sem as perseguições e injustiças cometidas pelos reinos católicos,
especialmente pela França. Da crítica inicial, ao longo dos anos, passou-se para o
anticlericalismo à heterodoxia aberta, e, finalmente, ao ateísmo e panteísmo194.

Outra publicação apócrifa de Cologne, Le jesuite seculariste (1683) – o


jesuíta secularista –, denunciava ao mundo como os jesuítas se tornaram maus,
assassinos disfarçados, pensionistas empregados da Espanha, pedagogos [...]
sodomitas195. As chaves desses textos eram abandonar o fanatismo religioso, e não
necessariamente negar o cristianismo196. Alguns protestantes como John Locke
permaneceriam cristãos enquanto desejavam um cristianismo mais racional; seu
contemporâneo também filósofo, John Toland (1670–1722), acabou por abandonar o

191
JACOB, 2008, p. 265.
192
COLOGNE, Pierre Martheau . Histoire de la decadence de la France prouvée par sa conduite, 1687,
p. 20, apud JACOB, 2008, p. 267. O autor é fictício; na imprensa holandesa os textos de crítica à França
normalmente eram publicados com o sobrenome Cologne: Jean le Blaue Cologne, Pierre Martheau
Cologne, Pierre de la Place Cologne ou Jean L’Ingenu Cologne (idem, ibid.).
193
COLOGNE. La reform dans la republique des lettres, ou Discours sur les pretentions ridicules, 1695,
p. 41, apud JACOB, 2008, p. 268.
194
JACOB, 2008, p. 268. O panteísmo – pan, tudo, e theos, deus – é a crença de que absolutamente tudo
compõe Deus, assim, universo e Deus são a mesma coisa, o absoluto.
195
COLOGNE, Jacques Vilebard, Le Jesuite seculariste, 1683, p. 187-190, apud JACOB, 2008, p. 268-
269.

71
cristianismo, adotando o panteísmo197, que não mantinha relação estreita com a
ortodoxia cristã198.

Ao longo da década de 1690, Locke e Toland travaram uma polêmica sobre


o cristianismo. Em 1695, John Locke publicou The reasonableness of christianity (a
razoabilidade do cristianismo), seu mais relevante trabalho teológico, no qual Locke,
convencido de que todo o conteúdo da Bíblia estava de acordo com a razão humana,
tentou o cristianismo à sua essência. No ano seguinte, Toland respondeu com o
Christianity not mysterious, questionando o porquê da existência e de doutrinas e
dogmas religiosos, e criticando as perseguições e os esforços para impor uma verdade
absoluta a todos199. Apesar das divergências, a origem e o ponto de partida de ambos
eram o mesmo, o protestantismo. Locke representava o pensamento crítico do
protestantismo conservador, que podia ser encontrado na Inglaterra e Holanda, que
aceitava a nova ciência e defendia a tolerância religiosa. Em contrapartida, menos
ortodoxos, e muito mais críticos, eram os grupos protestantes minoritários, como os
menonitas – anabatistas – e os quakers liberais na Inglaterra, que tinham origem no
protestantismo divergente do século XVI, a Reforma Radical com sua ênfase colocada
nos ditames da consciência individual.

As Revoltas Camponesas, que agitaram os reinos germânicos e parte da


Suíça entre 1524 e 1525, apesar de a princípio espontâneas, contaram com a liderança
do pastor Thomas Müntzer (1490–1525). Sua repressão teria causado a morte de cerca
de cem mil rebeldes, em batalha ou no cadafalso, incluindo Müntzer. Importantes
lideranças da Reforma Protestante, inclusive Martin Lutero, foram contrárias ao
movimento, e, de certa forma, referendaram as ações dos príncipes germânicos contra

196
JACOB, 2008, p. 269.
197
O termo “panteísmo” foi criado pelo matemático Joseph Raphson (1648–1715), em seu livro De
Spatio Reali, de 1697, baseado na obra de Baruch de Espinosa (1632–1677). Raphson delimita duas
perspectivas panteístas: na primeira, Deus compreende a natureza, o cosmos material, como realidade
última; tudo deriva da matéria, associando o panteísmo ao ateísmo. Na outra, Deus compreende todo o
espaço, certa substância universal, tanto material como inteligente, que modela todas as coisas que
existem a partir de sua própria essência (SUTTLE, 2002, s.p.).
198
JACOB, 2008, p. 269.
199
Idem, ibid.

72
os camponeses. Parte dos sobreviventes seguiu professando a Reforma Radical, que
pretendia diferenciar-se do luteranismo majoritário. Definiam-se como verdadeiros
crentes, formando igreja espiritual separada do mundo, cujos membros derivavam do
contato espiritual direto com Deus. A experiência das revoltas deu-lhes esperança e
autoconfiança, e para suportar uma perseguição feroz, a certeza de que nenhuma
agência terrena, sacramento ou escritura representava a graça de Deus200. Em fevereiro
de 1527, uma assembleia desses radicais em Schaffhausen, a Schleitheim Geständnis
(confissão de Schleitheim), na Suíça, comandada por Michael Sattler201, líder da
Brüderlich Vereinigung, associação fraterna, elaborou sete artigos de fé, nos quais se
opunham ao batismo infantil – origem do nome anabatista –, rejeitavam os juramentos,
a excomunhão, as estruturas familiares tradicionais e a propriedade privada, e se
recusavam a portar armas. Sua associação com as Guerras Camponesas tornou-os
perigosos, expondo-os à repressão202. Tanto católicos como protestantes executaram
mais de 600 anabatistas entre 1525 e 1533; os anabatistas viam em sua perseguição a
resistência à verdadeira igreja espiritual de Cristo. O movimento sobreviveu travestido
de um pacifismo cristão nos Países Baixos, na Suíça e na Prússia203.

A nova perseguição aos huguenotes, promovida por Luís XIV a partir da


revogação do Édito de Nantes após 1685, foi denunciada como uma nova perseguição
dos jesuítas aos judeus, tendo em seu lugar os protestantes. Para ludibriar o clero, e
atrair o público, os textos apócrifos passaram a trabalhar com a zombaria e a chacota,
ridicularizando situações que podiam ser facilmente identificadas nas igrejas e nos
palácios. Ao mesmo tempo surge uma nova literatura de viagens, mostrando lugares
exóticos, com diferentes sistemas de organização social ou política, alguns tirânicos,
outros com hábitos e padrões morais jamais abonados pelo cristianismo, que
conseguiram produzir um novo imaginário204. São dessa época Jacques Sadeur,
Nouveau voyage la terre australe – Jacques Sadeur, nova jornada para a terra do sul

200
WALLACE, 2004, p. 88.
201
Michael Sattler (1490–1527) foi um monge beneditino que trocou a Igreja Católica durante a Reforma
Protestante, da qual divergiu, tornando-se um dos primeiros líderes anabatistas. Responsável pela
Confissão de Schleitheim, foi preso pelas autoridades austríacas, junto com vários outros anabatistas,
torturado e morto pouco depois.
202
WALLACE, 2004, p. 88.
203
Idem, ibid., p. 89.

73
(1693) –, de um duvidoso Gabriel de Foigny, e A voyage into Tartary, containing a
curious description of that country (1689) – uma viagem ao Tartário, contendo uma
descrição curiosa desse país –, de um não menos incerto Heliogenes205. A literatura
utópica de viagens buscou, de forma não totalmente explícita, discutir a necessidade da
religião, abrindo novas perspectivas para a crítica. Na década de 1720, filósofos como
Montesquieu (1689–1755) e Voltaire (1694–1778) adotaram o gênero, fortalecendo-o
como veículo de crítica ao clero cristão, às suas doutrinas rígidas e à intolerância206.

Também na década de 1720, começam a surgir textos anônimos em quase


todas as línguas europeias, inclusive na França, e especialmente na Inglaterra, após a
derrubada do rei católico Jaime II pela Revolução Gloriosa (1688–1689), e a ascensão
dos reis protestantes Maria II e Guilherme III. Também são do período as primeiras
obras de Voltaire, que havia sido preso em Paris, seguindo depois para o exílio nos
Países Baixos e mais tarde na Inglaterra, onde havia relativa liberdade de pensamento.
Voltaire nunca foi um radical livre-pensador207, um republicano ou ateu, mas sua
iconoclastia deu suporte ao pensamento que o seguiria.

Na França, em 1719, surgiram cópias do Traité sur les trois imposteurs


(tratado sobre os três impostores), considerado o exemplo mais importante da literatura
subterrânea em francês da época, e uma das obras mais radicalmente antirreligiosas do
período. O Traité levava o leitor a acreditar que teria sido escrito no século XII por um
secretário do imperador Frederico II (1194–1250) do Sacro Império Romano-
Germânico. Contudo, contém trechos retirados diretamente de Thomas Hobbes, Gabriel
Naude (1600–1653), François La Mothe Le Vayer (1588–1672) e Espinosa, sendo,

204
JACOB, 2008, p. 269-270.
205
Gulliver’s travels – As viagens de Gulliver (1726) –, de Jonathan Swift, e Robinson Crusoe (1719), de
Daniel Defoe, mesmo tendo seus autores devidamente identificados, seguiram a mesma linha.
206
JACOB, 2008, p. 271.
207
O termo freethinker foi usado inicialmente para definir filósofos e cientistas dos séculos XVI e XVII,
que acreditavam que o pensamento somente seria livre quando libertado das limitações impostas pelas
religiões. Apareceu pela primeira vez por William Molyneux em uma carta a Locke, em 1697, na qual
chamava Toland de a free candid freethinker, um livre-pensador sincero (LAUER, 2003, v. 5, p. 966).
Quinze anos depois, o termo voltou a aparecer impresso no texto de Jonathan Swift, The sentiments of a
church of England man (1708) – os sentimentos de um homem da igreja da Inglaterra –: assim, os ateus,

74
portanto, obviamente posterior208. O texto apresenta Moisés, Jesus e Mohammed como
três grandes impostores da história. Os três seriam manipuladores, que instituíram
regramentos religiosos para obter controle político da população; dessa forma, as
religiões decorrentes dos impostores também seriam imposturas e embustes209. O livro
transcreve de maneira exata uma teoria psicológica sobre o porquê de os seres humanos
aceitarem a religião, apresentada inicialmente por Espinosa no Livro I da Ethica, ordine
geometrico demonstrata (1677) – ética, demonstrada em ordem geométrica210. Mais que
um panfleto de propaganda banal, o Traité exprimia uma visão de mundo sem recorrer a
nenhuma história de revelação, e na qual Deus não é um ator dos eventos humanos;
apresenta uma completa rejeição do judaísmo, cristianismo e islamismo como religiões
históricas, movimentos políticos mantidos vivos por causa do poder sacerdotal e da
superstição humana, ignorância e credulidade211. O texto expõe um mundo sem
sobrenatural ou crenças religiosas, que pode ser explicado a partir de fenômenos
naturais.

Também na década de 1720, autores cristãos começam a produzir textos que


respondiam aos questionamentos iluminados, assim como aos avanços da ciência, que
levantavam dúvidas sobre o poder divino. Teólogos e cientistas como Noël-Antoine
Pluche (1688–1761) e Bernard Nieuwentijt (1654–1718), entre outros, procuraram
demonstrar que Deus é o único ativo, automovente, autossuficiente e eterno. Toda a
matéria restante é passiva, finita, inerte, determinada e condicionada pela vontade
divina; todo e qualquer movimento seria o agir de Deus sobre a matéria212. Apesar de
contarem com o apoio de universidades e de religiosos, não foram capazes de aplacar o
processo de questionamento cada vez mais intenso.

os libertinos, os desprezadores da religião e da revelação em geral, ou seja, todos aqueles que


normalmente passam sob o nome de livre-pensadores, se unem apropriadamente ao mesmo corpo.
208
São conhecidos textos antirreligiososos e heréticos desde a Idade Média, assim como obras que
apresentam a tese esboçada no Traité, que, de forma alguma, pode ser tomada como original (POPKIN,
1996, p. xi e ss.).
209
Idem, ibid., p. viii.
210
O Traité é a primeira publicação a traduzir esse trecho da Ethica de Espinosa para o francês (idem,
ibid., p. xv).
211
POPKIN, 1996, p. xvi.
212
JACOB, 2008, p. 273.

75
A partir da década de 1740 a Europa viu-se novamente envolta em guerras –
Prússia e Áustria pela posse da Silésia (1744-1745); a Guerra da Sucessão Austríaca
(1740–1748) entre vários estados, e a tentativa de revolução nos Países Baixos
patrocinada pela Inglaterra (1747–1748) –, trazendo instabilidade para todo o
continente. A crítica ao poder dos governantes absolutistas e a seus desejos imperiais
provocou o aumento da agressividade da heresia filosófica213. Denis Diderot (1713–
1784) publicou Les bijoux indiscrets (1748) – as joias indiscretas –, no qual o rei Luís
XV foi retratado como um sultão que, com um anel mágico, conseguia conversar com
os genitais das mulheres, as bijoux214. Les bijoux indiscrets (as jóias indiscretas ) foi a
primeira de uma série de romances pornográficos, claramente materialista e críticos. Na
mesma linha estava Memoirs of a woman of pleasure (1749) – memórias de uma mulher
de prazer –, também chamado Fanny Hill, que é uma anglicização do latim mons
veneris, monte de Vênus215, de John Cleland (1709–1789). No mesmo ano foi editado
Thérèse philosophe (filósofa Teresa), atribuído ao marquês d’Argens, Jean-Baptiste de
Boyer (1704–1771), amigo de Voltaire e crítico do catolicismo. Thérèse é uma jovem
sexualmente precoce, que, depois de anos em um convento, torna-se aluna de um padre
jesuíta que lhe ensina o que é o materialismo, e que, mais tarde, passa a se prostituir.
Essas ficções, por meio do materialismo, hedonismo e ateísmo, não conheciam
restrições morais, e têm uma posição subversiva com relação à autoridade estabelecida,
promovendo o livre-pensamento e a heterodoxia216. Em paralelo surgiram obras
filosóficas materialistas, como L’Homme machine (1747) –o homem máquina–, de
Julien Offray de La Mettrie, que defendia que os seres humanos eram máquinas
sensíveis e automovíveis, sem nenhum elemento sobrenatural como a alma; o
pensamento, o sentimento e a moral eram partes da matéria. Essas obras, apesar de
bastante distintas, adotavam um materialismo panteísta, afastando a necessidade da
divindade como fonte da vida.

213
JACOB, 2008, p. 274.
214
No ano seguinte Diderot lançou Lettres sur les aveugles a l’usage de ceux qui voient – cartas sobre os
cegos para uso por aqueles que vêm –, tratando de problemas de visão como metáfora e questionando as
verdades religiosas estabelecidas. Os dois livros lhe garantiram alguns meses de prisão.
215
SUTHERLAND, 2017, s.p.
216
JACOB, 2008, p. 275.

76
Um folheto anônimo e clandestino, publicado em data incerta entre 1720 e 1740
e dedicado em homenagem a Anthony Collins, apresentou a posição de forma sucinta.
O texto Le philosophe in nouvelles libertes de enser, ou Le philosophe (o filósofo em
novas liberdades de pensamento) – origem do uso da palavra que se popularizou como
sinônimo de pensador radical do Iluminismo217 –, afirmava que a existência de Deus é o
mais difundido e profundamente enraizado de todos os preconceitos. Em substituição
ao ente divino, o filósofo colocava a sociedade civil; a única divindade que ele
reconhecerá na Terra218. Dessa forma, o livre-pensador afastava de suas preocupações
qualquer sentimento e esperança sobrenatural, passando a viver o mundo tal como ele
está aqui e agora.

A partir de 1751, Denis Diderot e Jean le Rond D’Alembert (1717–1783)


começaram a sistematizar o pensamento iluminista, que estava sendo construído há
mais de um século, desde Hobbes, passando por Espinosa. A Encyclopédie ou
dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers – enciclopédia ou dicionário
racional das ciências, das artes e dos ofícios (1751–1772) – buscava mudar a forma
como seus contemporâneos aprendiam, tendo como fundamento a secularização do
ensino e da aprendizagem, que até então estava mãos dos jesuítas. A Encyclopédie não
foi a primeira no mundo219, mas foi original ao contar com a colaboração de 60
intelectuais e cientistas de sua época. Participaram do projeto, entre outros, André Le
Breton (1708–1779), artigos sobre livros e as artes de impressão; Paul-Henri Thiry,
barão d’Holbach, (1723–1789), entre vários verbetes sobre ciência, escreveu sobre
química, mineralogia, política e religião; Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat,
marquês de Condorcet (1743–1794), matemática; Montesquieu, artigo sobre o gosto;

217
O texto Le Philosophe foi a base do artigo de Diderot e D’Alembert com o mesmo título na
Encyclopédie, ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers (enciclopédia, ou dicionário
racional das ciências, das artes e dos ofícios); foi a partir dele que a palavra filósofo foi incorporada
(O’HIGGINS, I970, p. 203 e 223).
218
JACOB, 2008, p. 276.
219
Muito antes de Diderot e D’Alembert, a primeira enciclopédia foi elaborada na década de 70 EC, por
Plínio, a Naturalis Historiae (história natural), com 37 livros e 2.493 capítulos; Isidoro de Sevilha, por
volta de 630, escreveu a primeira enciclopédia da Idade Média, a Etymologiae (etimologia) ou Origines
(origens); a partir de 830, Rabanus Maurus escreveu a enciclopédia mais popular da era carolíngia, a De
universali natura, De natura rerum, e De origine rerum (do mundo natural, da natureza das coisas, da
origem das coisas), com 22 livros e 325 capítulos (CHISHOLM, 1911, v. 9, p. 369-382).

77
Rousseau, música e teoria política; e Voltaire, história, literatura e filosofia. Sua edição
completa teve 35 volumes, com mais de 23 mil páginas, editada ao longo de mais de 20
anos.

Inicialmente, durante o pontificado de Bento XIV, a elaboração da Encyclopédie


contava com alguns colabores ligados ao clero, fazendo com que, de uma maneira geral,
fosse mais tolerante com relação à religião. Contudo, no mesmo ano da eleição de
Clemente XIII como papa, em 1758, a obra, ainda não concluída, foi incluída no Index
Librorum Prohibitorum (lista de livros proibidos), seguida da ameaça de excomunhão
de quem a lesse. A censura radicalizou as posições dos autores220. A partir de então
desapareceu a isenção dos verbetes, com os autores expondo seus próprios pontos de
vista políticos, filosóficos ou teológicos, em geral de forma satírica. Assim era possível
encontrar, ao menos nas primeiras versões da obra, um artigo com uma visão ortodoxa e
deísta, ao lado de outro com ideias ateístas. As ideias apresentadas nos textos chocaram
segmentos conservadores da sociedade francesa, como a negação do supremo poder
papal nos assuntos temporais e a denúncia da escravidão. Para muitos, a Encyclopédie
exerceu enorme influência sobre os intelectuais franceses, sendo considerada uma das
principais fontes intelectuais da Revolução Francesa221.

A segunda metade do século XVII estava marcada de forma indelével pelo


pensamento iluminista, que pressupunha pensar fora dos cânones da Bíblia, da Igreja, da
religião, e da monarquia. Aquilo que começara com a consolidação de um pensamento
racionalista chegou à metade do século XVIII negando o princípio da revelação ou da
verdade cristã, ansioso por construir uma sociedade sobre fundamentos puramente
humanos. O protestantismo, mesmo professando concepção diferente da igreja
tradicional, aceitou os princípios fundamentais do pecado original e da redenção222. O

220
MARTINA, 1994, p. 300. O autor afirma que o catolicismo não tinha tranquilidade e a segurança
psicológica necessárias para uma obra semelhante, uma vez que: não encontramos filósofos católicos
originais no século XVIII, nem apologistas influentes que apresentaram o dogma de uma forma
convincente e provaram sua correspondência com as necessidades do século (idem, ibid.).
221
LAUER, 2003, v. 5, p. 208-201.
222
MARTINA, 1994, p. 301.

78
Iluminismo foi além, rejeitando não só a Igreja, mas toda revelação. O novo mundo que
nascia estava em oposição e em confronto com a Igreja Católica.

O iluminismo católico

Por sua própria natureza, o Iluminismo era dotado de uma essência


complexa e multifacetada, mas suas diversas correntes traziam em si uma raiz comum,
que mais tarde seria definida pela trilogia liberdade, igualdade e fraternidade, e
formulações associadas à razão e à reflexão. Dentro do pensamento iluminista, o
conceito geral de liberdade dividia-se em quatro: liberdade política, de pensamento, de
expressão, de imprensa, e, não menos importante, a liberdade religiosa. Todas entravam
em choque com as ideias e práticas dominantes em Roma, mas a reivindicação de
liberdade religiosa preocupava particularmente. O desassossego papal já existia há
muito tempo, desde que a Paz de Augsburgo, em 1555, estabeleceu que os governantes
tivessem direito de estabelecer como o cristianismo seria professado em seu reino.

Em setembro de 1555, Carlos V (1500–1558), imperador do Sacro Império


Romano-Germânico e a Liga Schmalkaldic assinaram um tratado de paz pondo fim a
uma sucessão de conflitos religiosos que se arrastou por anos: a Paz de Augsburgo, ou
Confissão de Augsburgo. A liga, reunindo diversos príncipes alemães, fora criada em
1531, visando à autoproteção individual e coletiva, contra possíveis medidas agressivas
do imperador. Os príncipes, luteranos, entraram em conflito com o católico Carlos V,
confiscando terras da Igreja em seus reinos, expulsando bispos e dando apoio à
expansão do luteranismo no norte do império. O tratado, negociado em nome de Carlos
por seu irmão, Fernando223, deu efetivamente ao luteranismo o status oficial dentro dos
domínios do Sacro Império Romano-Germânico. A base da Paz de Augsburgo era o
princípio Cuius regio, eius religio (de quem [é] o território, dele [siga] a religião), que

223
Fernando I (1503–1564) foi imperador do Sacro Império Romano-Germânico de 1556 a 1564, mas
também foi rei da Boêmia e da Hungria, a partir 1526, e rei da Croácia, de 1527 até sua morte. Foi
escolhido negociador da paz por ter boas relações com os príncipes revoltosos.

79
permitiu aos príncipes do Sacro Império adotar sua religião livremente – luteranismo ou
catolicismo224 –, reafirmando, assim, sua soberania sobre esses domínios. Os súditos
que não aceitassem a religião do príncipe poderiam emigrar para outra região225. Dessa
forma, tornou-se permanente e legal a divisão do cristianismo dentro do Sacro Império
Romano-Germânico: somente depois de uma guerra que os consumiu durante 30 anos
que os alemães, esgotados, foram capazes de perceber que poderiam fazer do princípio
da igualdade [e tolerância] religiosa a base para a paz. O que começara essencialmente
como uma guerra civil religiosa entre os estamentos do Sacro Império Romano
terminou com o acordo de paz entre os senhores territoriais, emancipados em príncipes
soberanos226.

O acordo de paz englobava três princípios básicos. O primeiro, e mais


importante, era o Cuius regio, eius religio227: dentro de cada reino haveria uma unidade
religiosa, válida para todos seus habitantes, cuja religião seria escolhida segundo as
convicções do príncipe. O segundo era o Reservatum ecclesiasticum (reserva
eclesiástica), que exigia que todos os arcebispos, bispos, prelados e padres que
abandonassem a antiga fé em favor de outra perderiam seus ofícios, benefícios e toda a
renda derivada228; caso fosse o príncipe, os súditos não eram obrigados a fazer o
mesmo. Por último o princípio Declaratio Ferdinandei (declaração de Fernando), pelo
qual algumas cidades pudessem ser isentadas da uniformidade religiosa; seria aplicado
às cidades que, há mais de 30 anos, tivessem uma tradição mista, com católicos e
luteranos convivendo. O mesmo princípio permitia que nobres também não precisassem
seguir a religião oficial. Após a derrota na contenda com os príncipes, Carlos V abdicou
em favor de seu irmão Fernando229.

224
O acordo de paz permitiu somente o luteranismo, excluindo o calvinismo e o anabatismo. As minorias
não tiveram reconhecimento legal até a Paz de Westfália em 1648.
225
O acordo de paz permitia que os súditos que divergissem da religião do soberano poderiam mudar-se,
contudo nada dispunha com relação a seus bens e posses.
226
KOSELLECK, 2006, p. 27.
227
A formulação cuius regio, eius religio foi forjada a posteriori, não existindo na época do acordo
(OZMENT, 1980, p. 259).
228
Protestantes ignoraram em grande parte a reserva, no entanto seu sucesso em usurpar tais escritórios e
rendas se tornou um fator importante na eclosão da Guerra dos Trinta Anos, na primeira metade do século
XVII (OZMENT, 1980, p. 259).
229
Sobre Carlos V, Martin Lutero escreveu em 1540: Ele não compreende nossa causa, mesmo quando
alguém lê nossos livros para ele. Se ele fosse um Scipio, um Alexandre ou um Pirro, ele romperia a rede

80
O Iluminismo, ao professar as liberdades – política, de pensamento, de
expressão, de imprensa e religiosa – deixava subjacente o fundamento de que a
verdadeira autoridade não era proveniente de Deus, ou do governante, mas, sim, dos
governados. Um pensamento extremamente subversivo em meio das monarquias
absolutas e de um papado aferrado à ideia de um cristianismo uno que há muito
desaparecera, ou nunca existira.

O princípio básico do Iluminismo em toda a parte era a confiança absoluta


na razão humana, que, em sua forma extremada, negava que fosse possível a
compreensão de outra forma que não pelo intelecto. Dessa forma, estavam afastados os
fenômenos de revelação ou de origem sobrenatural. Iluministas religiosos incluíam em
seu esquema explicativo a possibilidade de uma inspiração divina transcendente230.
Comum a todos era a crença de que a razão continuaria a triunfar sobre o passado, sobre
a ignorância, sobre a superstição e todas as formas de repressão.

A Paz de Westfália, pondo fim à Guerra dos Trinta Anos231, em 1648,


também marcou o encerramento de um período de quase cem anos de conflitos e
matanças, nos quais a religião era a causa na maior parte das vezes. Ao fim, após quatro
gerações terem vivido sem conhecer a paz, havia um desgaste generalizado; tanto os
governantes católicos como os religiosos queriam superar o dogmatismo, o fanatismo e
as guerras religiosas. O desejo de superar um passado ainda recente de conflitos
preparou o terreno para o processo de valorização do pensamento baseado na razão, que

papal e conquistaria os próprios alemães. Ele começa muitas coisas, mas completa poucas. Ele capturou
Tunis, depois a deixou ir; conquistou a França [em Pavia], mas depois a restaurou. A mesma coisa
aconteceu quando ele subjugou Roma [em 1527]. Ele não segue adiante com nada. Ele cede facilmente
nas negociações e isto não é porque ele é um espírito generoso. [...] Philip [Melanchthon] disse que a
Alemanha é Polifemo cego. Esse é o maior fardo que um país deve suportar: estar sem um governante
(Luthers Werke in Auswahl (1538), 1950, p. 206, apud OZMENT, 1980, p. 260).
230
O’MALLEY, 2018, p. 37.
231
A chamada Paz de Westfália, conjunto de acordos e tratados que, em 1648, puseram fim a duas
guerras: a Guerra dos Oitenta Anos ou Revolta Holandesa (1568–1648), guerra de secessão dos Países
Baixos perante a Espanha, e a Guerra dos Trinta Anos (1618–1648), que envolveu o Sacro Império
Romano-Germânico e quase todos os países europeus por motivos variados – rivalidades religiosas,
dinásticas, territoriais e comerciais. Ao conjunto de tratados é creditada a origem do direito internacional,
do sistema dos Estados modernos e o nascimento do conceito de soberania territorial.

81
no interior da Igreja gerou o iluminismo católico232, em parte inspirado pelas reformas
do Concílio de Trento, que dava ênfase à autoridade dos bispos.

Após a Paz de Westfália tornou-se clara a divisão existente dentro do


catolicismo, com a Santa Sé vendo seus poderes reduzidos pela força da atuação dos
bispos. Os exemplos do desprestígio do papado foram muitos233. Em 1728, o papa
Bento XIII, pontífice entre 1724 e 1730, não conseguiu criar no calendário da Igreja um
dia dedicado ao papa Gregório VII (1073–1085), que fora canonizado em 1606 por
Paulo V. Seu texto exortando o santo relacionava entre as virtudes de Gregório VII sua
luta pelo primado do papa sobre o poder secular. O texto foi considerado uma ofensa
aos galicanos, defensores de uma igreja nacional francesa mais independente de Roma,
e à maioria dos monarcas católicos. Em 1725, o mesmo papa estabeleceu a uma
comissão, a Congregação para Seminários, que deveria fomentar a educação do clero,
que não conseguiu realizar a tarefa; três anos depois foi obrigado a emitir uma encíclica
ordenando a realização de novos seminários. A primeira encíclica de Bento XIV (1740–
1758), logo após sua entronização, Ubi primum, advertiu os bispos, que não estariam
cumprindo seus deveres para com a educação234.

As congregações, ou dicastérios, eram departamentos da Igreja criados para


examinar uma questão específica e relatar as conclusões ao conjunto dos cardeais. A
primeira foi a Congregação Sagrada da Inquisição Romana e Universal, o Santo Ofício,
criada em 1542 pelo papa Paulo III; mais tarde, em 1564, foi criada a Sagrada

232
LEHNER, na introdução do livro A companion to the catholic enlightenment in Europe (2010, p. 1-
61), faz uma longa apresentação mostrando como o conceito de iluminismo católico foi construído e
incorporado à academia de todo o século XX. O termo foi introduzido pelo historiador alemão da Igreja
Sebastian Merkle em 1908, insistindo que o conceito deveria ser considerado um fenômeno histórico que
se destacava dentro do Iluminismo geral. Os críticos religiosos passaram a rejeitá-lo, uma vez que
associava a Igreja Católica ao agnosticismo e ateísmo iluminista, assim como às correntes de pensamento
das igrejas protestantes. A evolução do debate desaguou na realização de um simpósio na Alemanha em
1988, que discutiu a originalidade dos ideais do iluminismo católico no país. Lehner é autor de diversos
livros sobre o tema.
233
LEHNER, 2010, p. 16.
234
Os bispos geralmente reclamam de que a colheita é realmente grande, mas os operários são poucos.
Talvez também se devesse lamentar que os bispos não gastaram os esforços necessários para preparar
bons operários suficientes para a colheita. Trabalhadores bons e fortes não nascem, mas são feitos. Mas
a sua criação é um assunto para o trabalho e a habilidade dos bispos (BENTO XIV, encíclica Ubi
Primum, 1740).

82
Congregação do Concílio, pelo papa Pio IV, para supervisionar as reformas
determinadas pelo Concílio de Trento235. A Sagrada Congregação do Índice, o Index,
criada em 1571 por Pio V, tinha como função examinar e licenciar os livros permitidos
para os católicos; ele também criou no ano seguinte a Congregação dos Bispos e
Regulares. Além dessas, na mesma época, havia uma série de comitês sobre temas
específicos – guerra com os turcos, heresia, reforma das leis canônicas, inundação do
Rio Tibre, etc. Em 1588, o papa Sixtus V organizou o sistema de administração da
Igreja em sete congregações para o governo dos Estados Pontifícios – milho, frota,
impostos, universidade de Roma, estradas e pontes e água, editora e consulta –, tendo as
quatro já existentes para os temas próprios da igreja – Inquisição, Concílio, Índice,
Bispos – e também criando mais duas: Sagrada Congregação dos Ritos, para determinar
as cerimônias, a Congregação para a Construção de Templos, e a Congregação da
Doutrina Cristã e Regulares, para resolver disputas entre monges e freiras, da mesma
forma que a Congregação dos Bispos deliberava sobre as disputas entre os bispos. A
reforma da estrutura marcou a transição da igreja medieval para a igreja moderna236.
Nos séculos seguintes novas congregações temporárias e permanentes foram criadas; a
importância que cada papa dava aos vários temas determinava o tamanho e a
importância de cada congregação. A Inquisição tinha precedência sobre as outras
congregações, tanto que alguns papas mantiveram a presidência para si, podendo agir
em toda a Igreja, e convocar o braço secular em seu auxílio para assuntos relacionados
não apenas à heresia, mas também à imoralidade, à blasfêmia, à simonia e à magia237. A
Inquisição, desde sua organização como uma congregação, quase sempre atuou em
conjunto com o Index, sendo ambas as verdadeiras executoras da política do papa, ou
das crenças do pontífice reinante, sobre a natureza e a definição da tradição católica238.

235
A Congregação do Concílio teve suas funções aumentadas lentamente: Por muitos anos após sua
fundação, teve uma pequena esfera de influência; na segunda metade do século XVII seu poder
aumentou, até que por volta de 1720 governou grandes áreas da vida pastoral da Igreja; diretamente nos
Estados Papais, muito claramente em quase todo o resto da Itália, menos na Espanha, menos ainda na
Alemanha católica, e não na França (CHADWICK, 1981, p. 337).
236
Idem, ibid., p. 321-322.
237
Idem, ibid., p. 323.
238
CHADWICK, 1981, p. 331.

83
Em meados do século XVIII os bispos gradualmente haviam se afastado de
Roma e, claramente, davam mostras de que não mais aceitariam intervenções papais239.
Parte dessa independência surgira após o Concílio de Trento (1545–1563), convocado
pelo papa Paulo III, buscando assegurar a unidade e a disciplina eclesiásticas da Igreja
Católica após o terremoto causado pela Reforma Protestante. Durante o concílio ficaram
claros dois movimentos distintos: Roma procurou fortalecer o papado, ao passo que boa
parte dos bispos, liderados pelos franceses, tentou por anos aprovar o ius divinum
(direito divino), do episcopado. Segundo esse princípio, os bispos teriam autoridade
carismática para governar a Igreja como sucessores dos apóstolos, recebendo seu poder
diretamente de Deus. Mais tarde, posições conciliaristas, como jansenistas e galicanas,
conforme se verá no galicanismo, associaram essa ideia à suposição de que o papa não
possuiria jurisdição universal dentro da Igreja, e dessa forma não poderia interferir no
governo dos bispos dentro das igrejas nacionais240. Os decretos de Trento não
aprovaram o ius divinum, mas mantiveram os poderes dos bispos, obtidos
anteriormente. Os documentos reconheceram a espiritualidade episcopal, mas também
fixaram suas diretrizes administrativas; os bispos tinham poder disciplinar para restaurar
a organização religiosa241; Trento determinou aos bispos residir na diocese, passando a
ter maior proximidade com o clero, nas paróquias, e com as ordens religiosas, devendo,
assim, dedicar mais empenho à educação nos seminários242.

Para o pensamento reformador católico, a Igreja manteve-se inerte às


questões mais urgentes, ao contrário dos governos seculares, como os príncipes do
Sacro Império Romano-Germânico, assentados em um crescente sentimento
nacionalista, que apoiavam a reforma eclesiástica. Para muitos pensadores católicos do
século XVIII, a Santa Sé e a nobreza ainda representavam o arcaico sistema feudal,
impedindo a implantação de Estados modernos243. Embora o pensamento reformador
tenha nascido das mudanças promovidas pela contrarreforma e da liberdade episcopal
do Concílio de Trento, os reformistas católicos criticavam as características da tradição

239
LEHNER, 2010, p. 20.
240
Para mais informações sobre as origens e a história do conciliarismo ver TIERNEY, Foundations of
the conciliar theory: the contribution of the medieval canonists from gratian to the great schism, 1968.
241
FORRESTAL, 2004.p. 33-34.
242
LEHNER, 2010, p. 20.

84
católica; desejavam novos cultos, uso dos idiomas locais, redução do excesso de
superstições e da credulidade para com imagens, quadros ou relíquias. A Igreja deveria
garantir a felicidade nesta vida, uma vez que já salvaguardava a felicidade na vida
futura. Mesmo não admitindo, esses reformadores católicos se aproximavam do
pensamento protestante244.

Ao fim do século XVII e ao longo do século XVIII, o Iluminismo laico


passou a expressar forte sentimento antirreligioso. A interpretação de que a doutrina
católica era irracional e impraticável ganhou força entre os pensadores, delimitando
claramente as posições, afastando os religiosos e possibilitando o surgimento daquilo
que muito mais tarde viria a ser chamado de iluminismo católico245. Teólogos e
intelectuais passaram a buscar uma retomada de doutrinas cristãs essenciais,
explicando-as dentro de parâmetros racionais246. Seu objetivo era usar as mais novas
realizações da filosofia e da ciência para defender os dogmas essenciais do cristianismo
católico, explicando-os em uma nova linguagem; da mesma forma, visavam reconciliar
o catolicismo com a cultura moderna. Esses pensadores tinham a crença deles de que a
religião precisava se modernizar, afastando a Escolástica como o fundamento universal
da teologia, se quisesse ser uma alternativa intelectual viável aos argumentos do
iluminismo anticlerical247. Visavam criar uma igreja mais moderna e pastoralmente
mais eficaz, purificando e simplificando as práticas de piedade da era barroca. Seus
trabalhos associaram ao catolicismo reflexões pautadas pelas novas teorias em
economia, ciência, filosofia e direito. Um autor desse período foi Ludovico Antonio
Muratori (1672–1750), historiador e padre italiano, autor de textos eruditos que
advertiram contra a devoção excessiva aos santos, inclusive à Virgem Maria, contra a
aceitação acrítica de relíquias e milagres, e a devoção popular, que se assemelhariam a

243
Idem, ibid., p. 48.
244
CHADWICK, 1981, p. 391-392.
245
LEHNER, 2010, p. 29. Neste trabalho, buscando restringir o estudo ao tema, propositalmente foram
deixados de lado o pensamento iluminista protestante –, John Milton e John Toland – e o judaico, o
Haskalá – Moisés Mendelssohn e Aaron Halle-Wolfssohn –; o protestante Locke e o judeu Espinosa
foram abordados no trecho referente ao Iluminismo geral.
246
Estudos sobre vários desses intelectuais – Nicolas-Sylvestre Bergier (1718–1790), Adrien Lamourette
(1742–1794), Benedict Stattler (1728–1797), Josep Climent i Avinent (1706–1781), Luke Joseph Hooke
(1714–1796), entre outros – podem ser encontrados em BURSON; LEHNER. Enlightenment and
catholicism in Europe: a transnational history, 2014.
247
LEHNER, 2016, p. 9 da edição digital.

85
cultos pagãos248. A crítica à idolatria era uma tentativa de romper com as tradições
cristãs típicas da Idade Média; a redução da sensibilidade mítica. Muratori escreveu
textos sobre a história italiana e da Igreja; entre 1738 e 1743, publicou em Milão
Antiquitates italicae medii aevi (antiguidades italianas da Idade Média), em cujo
terceiro volume imprimiu pela primeira vez a lista primitiva de livros do Novo
Testamento, o Cânone Muratori249. Em sentido contrário, os jesuítas, que operavam as
escolas mais numerosas e prestigiadas da Europa, continuavam a ensinar uma filosofia
ainda pautada pela época da criação da ordem, em 1534250. Essa fidelidade a um
pensamento filosófico ultrapassado alimentou a imagem de que a Companhia de Jesus
era adversária do progresso científico, o que não era verdade; a ordem, desde seu início,
manteve uma tradição de proximidade com a ciência e a pesquisa251. Como exemplo
dessa relação pode ser citada a publicação Journal de Trévoux, formalmente Mémoires
pour l’Histoire des Sciences & des Beaux-Arts, ou Mémoires de Trévoux, uma revista
acadêmica que começou a ser publicada mensalmente na França a partir de janeiro de
1701; depois da expulsão dos jesuítas passou a se chamar Journal de Littérature, des
Sciences et des Arts, desaparecendo finalmente em dezembro de 1782.

O pensamento reformista católico desenvolveu-se em paralelo com as novas


descobertas, e, algumas vezes, em decorrência delas. A impressão, e a criação de
bibliotecas modernas, o desenvolvimento da paleografia e o estudo de textos medievais
permitiram que religiosos se dedicassem de forma profunda ao estudo da história da
Igreja, e do cristianismo; os protestantes haviam começado a tradição, tarefa que foi
abraçada pelos monges252. Conventos e monastérios guardavam a grande maioria dos
textos cristãos, e reuniam membros alfabetizados, que tratavam os livros com devoção.

248
Idem, ibid., p. 39.
249
O Cânone Muratori, ou Fragmento Muratoriano, é um manuscrito latino do século VII, tradução de um
original grego escrito por volta de 170 EC, com a mais antiga lista dos livros do Novo Testamento.
Descoberto por Muratori, foi encontrado na Biblioteca Ambrosiana de Milão. A formação definitiva do
cânone do Novo Testamento somente ocorreu em 367, com a lista composta pelo bispo Athanasius de
Alexandria (SUNDBERG JR., 1973).
250
O’MALLEY, 2018, p. 40.
251
Uma história geral da Companhia de Jesus pode ser encontrada em O’MALLEY, The jesuits: a history
from Ignatius to the present. Sobre a relação dos jesuítas com as ciências ver UDIAS, Searching the
heavens and the earth: the history of jesuit observatories, 2003, e FEINGOLD, Jesuit science and the
republic of letters, 2002.
252
CHADWICK, 1981, p. 395.

86
O mais importante deles foi a congregação beneditina de Saint-Maur na França,
próxima de Verdun. A história sempre teve papel importante no monaquismo253; não só
pelo estudo, também pela manutenção das tradições relativas a cada ordem. Os monges
beneditinos franceses de Saint-Maur transformaram o estudo em uma missão, o que
acabou por influenciar a ordem e o mundo católico como um todo. Os maurícios,
movidos por ideais humanistas, incentivaram a educação e os estudos acadêmicos, a
concessão de bolsas de estudo, construção e melhoria de um sistema de bibliotecas; a
congregação inspirou beneditinos da França e dos reinos germânicos254.

Perante o crescimento de uma visão não religiosa do mundo, estimulada


pelo apelo à razão, os católicos sentiram-se compelidos a responder os ataques aos
fundamentos da fé, produzindo argumentos filosóficos para a existência da mente e da
matéria, argumentos históricos para a confiabilidade das Escrituras. Os intelectuais
católicos também tiveram de lutar contra os deístas, especialmente da Inglaterra, que
não eram ateus, mas ensinavam uma religião radicalmente descristianizada, na qual
Cristo não era um salvador divino. Contra a afirmação de Espinosa que não havia reino
espiritual sobrenatural, mas apenas matéria, e que tudo acontecia por necessidade e por
leis naturais, pensadores católicos refutaram com o conceito de vontade geral de Deus,
que estabelecera as leis eternas do universo255. Os iluministas católicos aceitaram a
razão como uma chave para a obtenção do conhecimento, mas esta era iluminada pela
fé, uma proposição que já não mais refletia a filosofia escolástica ortodoxa, já
incorporando o empirismo de John Locke256.

A razão esclarecida tornara-se um instrumento de crítica antropocêntrica à


tradição católica, despojando a teologia de seu lugar no topo da hierarquia das
disciplinas257. A crítica iluminista à teologia incorporava uma visão esperançosa da
humanidade, sem se preocupar com as provas da bondade de Deus ou do pecado

253
O termo “monaquismo” origina-se da palavra grega monadzein, ou viver em solidão, prática presente
em muitas religiões. No cristianismo, refere-se à vida nos mosteiros.
254
LEHNER, 2011, p. 11-12. O autor faz um estudo detalhado sobre o iluminismo católico entre os
beneditinos.
255
LEHNER, 2016, p. 13 da edição digital.
256
Idem, ibid.

87
original. Se o ser humano poderia se afastar do mal por meio da educação, como em
Rousseau, não havia necessidade de uma prova de Deus. Da mesma forma, os castigos
divinos e a ideia de que este seria o melhor dos mundos possíveis, defendida por autores
como Gottfried Leibniz (1646–1716) e Alexander Pope (1688–1744), não tinham
sentido para os iluministas radicais258. Os milagres podiam ser explicados por causas
naturais, o que, dessa forma, provaria que o catolicismo era falso. Argumentou-se que
os ritos de devoção – o rosário, a adoração eucarística, as orações pelas almas – eram
irracionais259. Em resposta, o padre inglês Thomas White (1592–1676) havia
respondido às críticas com seu livro Devotion and reason: wherein modern devotion for
the dead is brought to solid principles and made rational (1661); duas eram as teses
centrais: o rosário encontrava suas raízes na Bíblia, e que a oração pelos mortos nada
tinha a ver com histórias de fantasmas. Para White, a razão usada honestamente, sem
preconceitos, não colidia com a fé260.

O autor que mais corajosamente refutou os ataques à sua igreja foi o teólogo
católico francês, e ex-jesuíta, Nicholas Bergier (1718–1790), cujos textos rebateram as
teses daquilo que chamou de inconsistências nas obras de iluministas deístas, que não
acreditavam no Deus bíblico, mas sim em um princípio divino impessoal. Amigo íntimo
de Diderot, foi colaborador da Encyclopédie e escreveu parte do verbete Théologie.
Polemizou com Rousseau em Le déisme réfuté par lui-même ou examen en forme de
lettres des principes d’incrédulité répandus dans les divers écrits de M. Rousseau
(1765) – o deísmo refutado por si mesmo ou um exame em forma de carta dos
princípios de descrença espalhados nos vários escritos do Sr. Rousseau –, livro que teve
várias edições em francês, italiano e alemão, argumentando: Poderia Deus [...] obrigar-

257
GREYERZ, 2008, p. 190.
258
Voltaire, em 1756, escreveu o Poème sur le désastre de Lisbonne, poema sobre o desastre de Lisboa, ,
uma dura resposta à Igreja, que havia atribuído a um castigo divino, pelos pecados da cidade, o terremoto
de Lisboa, que em 1º de novembro de 1755 devastou a capital portuguesa, matando mais de 60 mil
pessoas. [...] Diga, você então que se mantém segundo as leis eternas, / Quem é o Deus que faz
crueldades como esta? / Enquanto você vê estes fatos repletos de horror, / Manterá que a morte é um
castigo para seus crimes? / E podeis então imputar um ato pecaminoso / A bebês que sangram no seio de
suas mães? [...] (VOLTAIRE, 2009, p. 157-165). Sobre os reflexos do terremoto no pensamento
iluminista ver ISRAEL, Democratic enlightenment: philosophy, revolution, and human rights, 2011, p.
39-55, “Earthquakes and the human condition”.
259
LEHNER, 2016, p. 13 da edição digital.
260
Idem, ibid.

88
nos a acreditar em dogmas incompreensíveis que não estivessem de acordo com nossas
ideias naturais?261. Contra Paul d’Holbach escreveu Examem critique ou réfutation du
système de nature (1770) – exame crítico ou refutação do sistema da natureza –,
advertindo dos efeitos socialmente nocivos do materialismo262. No início da década de
1770, Bergier teria se convencido de que a adesão católica aos ensinamentos de Santo
Agostinho sobre a graça teria prejudicado a religião. Para Agostinho, apenas os
batizados poderiam ser salvos; Bergier, ao contrário, defendeu que a graça de Deus
estava disponível para toda a humanidade, até mesmo àqueles não batizados, como os
indígenas das Américas e da Oceania. Visto que muitos deles não podiam conceber
claramente a ideia de Deus, sua relutância em aceitar a fé cristã não deveria ser
pecaminosa263.

Um erro de interpretação bastante comum é imaginar que o Iluminismo era


um movimento apenas de filósofos e intelectuais, que se perdiam em longos debates de
conceitos abstratos. Apesar das enormes diferenças regionais e socioculturais dos países
europeus, em meados do século XVIII as ideias iluministas já haviam saído dos salões
da elite cultural, e a crítica à religião já alcançava parcelas significativas da população.
Um sinal dessa penetração foi o forte declínio quantitativo de material impresso com
conteúdo religioso na França após 1750; em contrapartida, a produção de livros de
ciências e artes aumentou fortemente. O mesmo podia ser notado na feira de livros de
Leipzig, no Sacro Império Romano-Germânico, que existia desde 1632, na qual a
literatura cristã edificante foi gradualmente sendo substituída pela literatura popular264.

1.2. A oposição das igrejas nacionais ao papado

261
Citado por BURSON (2010, p. 109).
262
BURSON, 2010, p. 110.
263
LEHNER, 2016, p. 16 da edição digital.
264
GREYERZ, 2008, p. 191.

89
Gradativamente e por séculos a monarquia da França obteve o controle do
clero nacional, ao mesmo tempo em que Roma assistia à redução de seu poder dentro do
território francês. Essa situação, a princípio de fato, tornou-se uma realidade jurídica
com a assinatura da Concordata de Bolonha entre o rei Francisco I e o papa Leão X em
1516. O documento, que reconciliou e assentou em parte os conflitos da Igreja com a
França265, possibilitou ao monarca, oficialmente, indicar diretamente candidatos para os
bispados e arcebispados vagos, assim como preencher vagas nas principais abadias e
mosteiros do reino. Há muito a monarquia francesa declarava-se independente do papa
do ponto de vista temporal e que seu poder derivava de Deus, ou porque os recebia
diretamente dele ou porque o obtinha por legitimação da nação, e agora isso era uma
realidade. A partir dessa independência, em nome da soberania, a Concordata deu ao rei
a autoridade para exercer seu poder sobre a Igreja, situação que duraria até a Revolução
Francesa. O acordo referendou para o território francês uma deliberação do Concílio de
Constance (1414–1418), segundo a qual o papado renunciou, ao menos
temporariamente, às rendas de igrejas e mosteiros em território francês; em 1418, o
papa Martinho V, recém-eleito, sugerira a medida para acalmar os representantes
franceses no concílio266. Por fim, a Concordata de Bolonha fortaleceu a posição do
episcopado que reivindicava subordinar a autoridade dos papas à dos concílios gerais,
conforme fora estabelecido no Concílio de Constance, princípio doutrinário do
galicanismo teológico267, que foi reafirmado no Concílio da Basiléia (1431–1449)268.

Em 1594, Pierre Pithou (1539-1596), advogado do Parlamento, calvinista


convertido ao catolicismo, escreveu o livro Les libertés de l’Église Gallicane (as
liberdades da igreja galicana), defendendo a total autonomia do rei em questões
temporais com relação ao papa e a restrição do poder pontifício na França, ideias que

265
Os conflitos entre Roma e França existiam, ao menos, desde o início do século XIV, na disputa entre
Filipe IV e o papa Bonifácio VIII, que resultou na tentativa de deposição do papa e na transferência do
papado para a cidade de Avignon.
266
THOMAS, 1910, p. 166.
267
Idem, ibid., p. 5-7. O autor diferencia o galicanismo teológico – o direito de o clero francês eleger seus
líderes, o direito de julgar seus membros e o direito de tributar a si mesma – do galicanismo
parlamentar, que removeu da autoridade espiritual, e atribuiu ao poder temporal, todas as coisas sobre
as quais o Estado poderia ter o controle, como por exemplo os bens eclesiásticos (idem, ibid., p. 8).
268
O Concílio da Basiléia, ou Concílio de Florença, ou ainda Concílio de Ferrara, foi marcado por intenso
conflito entre as posições conciliares dos bispos e a autoridade do papa Eugênio IV, pontífice entre 1431
e 1447. Sobre o concílio ver ALBERIGO, 2015, p. 237-255.

90
foram adotadas pela Universidade de Paris, e ganharam força entre o episcopado e no
meio intelectual269. O movimento de emancipação do clero francês alcançou seu auge
com Luís XIV. Criado num ambiente galicano, em 1682, o jovem rei entrou em conflito
com o papa Inocêncio XI quanto à extensão da autoridade real em assuntos
eclesiásticos270. No mesmo ano, o monarca convocou uma assembleia geral
extraordinária do clero da França, buscando renovar a doutrina da França sobre o uso
do poder dos papas, que somente seria possível obter pela autoridade dos próprios
bispos, reunidos. A assembleia, composta por dois bispos e dois sacerdotes de cada
província eclesiástica, em 19 de março de 1682 aprovou a declaração Quatre articles,
reafirmando sua independência perante Roma271.

O primeiro artigo do documento afirmava que Cristo conferiu a Pedro e aos


seus sucessores autoridade sobre assuntos espirituais, mas não sobre assuntos temporais:
declaramos que os reis não estão sujeitos a nenhum poder eclesiástico por ordem de
Deus em assuntos que dizem respeito ao temporal; que eles não podem ser depositados
direta ou indiretamente pela autoridade das chaves da Igreja; que seus súditos não
podem ser isentos da submissão e obediência272. O segundo invocava o decreto Haec
Sancta sobre a autoridade dos concílios, aprovado pelo Concílio de Constance, em que
a Igreja da França não aprova a opinião daqueles que violam ou enfraquecem estes
decretos273. O documento, no século XV, criara um poderoso órgão colegiado
permanente, uma vez que as decisões do concílio tinham supremacia sobre o papa. Os
decretos de Constance haviam declarado que os concílios gerais recebiam sua
autoridade diretamente de Cristo, e que todos, incluindo o papa, estavam obrigados a
obedecer às suas decisões274275.

269
[...] na França a liberdade foi preservada mais do que qualquer outra nação católica, e isso não quer
dizer que tenha sido emancipada; foi franca e livre de sua primeira origem; preservou-se melhor do que
as outras em sua origem, sem abandonar seus direitos, algo que não existe nos países obedientes [ao
papa]. A liberdade da Igreja Galicana pode conviver com a dignidade da Santa Sé, e não são duas coisas
contrárias uma à outra: ambas são legítimas, o que faz com que a preserve como igreja, afastando uma
natureza herética (Les libertés de l’Église Gallicane, apud DUPIN, 1845, p. 1-3, tradução livre).
270
MACCAFFREY, 1914, p. 252 e ss.
271
COLLOMB, s.d.
272
DUPIN, 1845, p. 104.
273
Idem, ibid., p. 105.
274
FORRESTAL, 2004, p. 29.
275
Sobre o Concílio de Constance ver ALBERIGO, 2015, p. 221-236.

91
O terceiro artigo da declaração Quatre articles invocava as liberdades
galicanas, que seriam de longa data e portanto invioláveis, e que deviam ser respeitadas
pela Santa Sé, restringindo o exercício do primado papal no reino de França: que as
regras, morais e constituições emanadas pelo reino e pela Igreja Galicana devem ter
sua força e virtude, e que os costumes de nossos pais devem permanecer inabaláveis276.
O quarto artigo indiretamente invocava a falibilidade do papa, que seria o ponto central
do Concílio do Vaticano, duzentos anos depois. Afirmava que, embora o papa tenha a
parte principal em questões de fé, e que seus decretos digam respeito a todas as Igrejas,
e a cada Igreja em particular, seu julgamento não é irreversível, a menos que receba o
consentimento da Igreja277. Em 14 de janeiro de 1691, exatos 17 dias antes de morrer, o
papa Alexandre VIII, em seu último ato, condenou a declaração do clero francês,
anulando seus efeitos, sem, contudo, condenar seus autores278.

Invocando uma tradição cristã, o apelo galicano era a devolução do poder da


Igreja aos concílios; por séculos a autoridade plena e suprema do catolicismo era
exercida pelos bispos reunidos em assembleia, que reunidos em concílios, locais ou
gerais, governavam a Igreja de fato. Apesar da anulação da declaração Quatre articles,
suas ideias permaneceram presentes entre o clero francês; o galicanismo era uma
realidade complexa, que não podia apenas ser ignorada por Roma. O apoio dos reis da
França e de seus ministros à igreja local promoveu o movimento, que cresceu ao longo
do século XVIII, e provocou reflexos em outros Estados.

O clero germânico, que mantinha boas relações com seus congêneres


franceses, também reclamava que o papado exercia uma injustificada interferência nos
assuntos da igreja local. Em 1763 a insatisfação tornou-se pública com a edição do livro
De statu ecclesiae et legitima potestate Romani pontificis (sobre a constituição da igreja
e o poder legítimo do pontífice romano), escrito pelo bispo auxiliar de Trier, Johann
Nikolas von Hontheim (1701–1790), sob o pseudônimo Justinus Febronius. O livro, que

276
DUPIN, 1845, p. 106.
277
O’MALLEY, 2018, p. 26-27, e DUPIN, 1845, p. 106.

92
faz um estudo profundo dos Concílios de Constance e da Basiléia (1431–1449),
sintetizando antigas aspirações do clero enraizadas profundamente na igreja imperial
alemã, mas que também repercutia nos outros cleros regionais, não escondia um plano
maior: reunir toda a cristandade em torno de uma ideologia religiosa conciliarista
comum279. Febronius defendeu que a cúria deveria ser vigiada, com a convocação dos
concílios nacionais; os príncipes deveriam agir para reformar o catolicismo, com a
defesa das igrejas nacionais pelos príncipes; o poder não poderia ser exercido sem
mandato280. De statu ecclesiae foi imediatamente colocado no Index Librorum
Prohibitorum, lista de livros proibidos, o que contribuiu ainda mais para sua divulgação,
com traduções para francês, alemão, espanhol, italiano e português, e deu origem ao
febronianismo.

Desde o século XIV os compromissos conciliaristas estavam enraizados no


clero germânico. Apesar de um intervalo durante os anos turbulentos da Reforma
Protestante e da contrarreforma, floresceu na região um episcopalismo prático, segundo
o qual os bispos tomavam decisões locais independentes de Roma, enfraquecendo a
jurisdição papal. Esse episcopalismo permitiu que, na prática, se alcançasse um elevado
grau de independência de Roma. Contudo, o episcopalismo imperial alemão era
essencialmente pragmático por lhe faltarem elementos teológicos e canônicos, ao
contrário do que os galicanos tinham elaborado na França. Só no início do século
XVIII, de fato, começou a adquirir uma ideologia unificadora, quando as ideias
galicanas começaram a entrar nos territórios alemães, e fortaleceu-se com o apoio do
imperador José II (1765–1790) do Sacro Império Romano-Germânico. O livro de
Justinus Febronius representou a consolidação desse processo281.

O texto de Febronius tocou em especial o imperador José II, da Áustria, que


reinou entre 1765 e 1790. Os governantes vienenses da dinastia dos Habsburgos eram
católicos, e acreditavam que, tal como os cruzados, precisavam defender a Igreja em seu

278
AUBERT, 1976a, p. 415.
279
OAKLEY, 2003, p. 84-185.
280
CHADWICK, 1981, p. 408.
281
OAKLEY, 2003, p. 186.

93
país, assim como em toda a cristandade. Também eram movidos pelo desejo de
reformar o catolicismo, livrando-o dos vícios do passado. Para o imperador José II, o
Estado estava encarregado da missão histórica de purificar a Igreja da corrupção de
séculos. Defendia o fechamento de mosteiros, que fosse assegurado que os sacerdotes e
bispos fossem bem qualificados, a correção dos cultos supersticiosos dos camponeses e
pressionava o clero por uma educação melhor. A resistência dos Habsburgos ao papado
também se fundava em causas políticas. Desde o início do século, a Santa Sé havia
tomado posições que colidiram com os interesses da família. A mais importante ocorreu
durante a Guerra de Sucessão Espanhola (1701–1714). O ramo espanhol dos
Habsburgos foi rompido com a morte do rei Carlos II, em 1700, que não deixou
herdeiros. Em razão do complexo sistema de casamentos nobiliárquicos, no ano
seguinte, Filipe de Anjou, neto do rei de França Luís XIV, tomou posse como Felipe V
de Espanha, dando início à dinastia Bourbon. O trono era reivindicado por Carlos,
irmão do imperador austríaco José I, que depois viria a ser o imperador Carlos VI. Os
conflitos acabaram por também envolver Inglaterra, França, Países Baixos e Portugal,
com reflexos nas fronteiras das colônias na América. O papa Clemente XI apoiou os
Bourbons e a Áustria foi derrotada282.

Em 1781, em um claro desafio ao papado, o imperador José II afirmou o


direito de o Estado regular os assuntos religiosos independentemente de Roma. No
mesmo ano, extinguiu mais de quinhentos mosteiros em seus domínios e determinou
que a formação de sacerdotes ocorresse sob controle do Estado. Era o surgimento do
josefismo, cujo nome realça o papel do monarca no processo de reforma. A atuação do
imperador provocou a cúpula da Igreja. No ano seguinte à extinção dos mosteiros, o
papa Pio VI viajou a Viena para tentar negociar um compromisso e retomar o controle
papal sobre a igreja austríaca – foi a primeira vez que um papa deixou a península
italiana em mais de dois séculos; a última vez fora em 1533, uma viagem de Clemente
VII para Marselha. O papa também criticava a política de tolerância do império com
protestantes. O imperador recebeu-o de forma respeitosa e cerimonial, mas não cedeu
em sua decisão de dirigir a igreja dentro de seus domínios.

282
CHADWICK, 1981, p. 412-413.

94
Logo em seguida, o grão-duque Pedro Leopoldo I da Toscana, irmão de
José da Áustria e seu sucessor como imperador, implementou uma política semelhante
patrocinando o Sínodo de Pistoia em 1786. Durante dez dias cerca de 250 religiosos se
reuniram sob a liderança de Scipione de Ricci, bispo de Pistoia-Prato, para discutir a
limitação da autoridade na Igreja e, entre outras medidas, tentar eliminar as ordens
religiosas, mantendo um só corpo religioso. No ano seguinte, em uma convocação
episcopal em Florença, a maioria dos bispos toscanos recusou-se a apoiá-lo; o sínodo já
teria ido longe demais283. Tanto Leopoldo como Ricci eram jansenistas, e o programa
em Pistoia representava uma mescla de ideais do febronianismo e do Iluminismo, além
de uma influência jansenista tardia.

O jansenismo foi uma doutrina religiosa inspirada nas ideias do bispo de


Ypres, na Bélgica, Cornelius Otto Jansenius (1585–1638), que pretendia uma reforma
radical na Igreja Católica. Diferentemente de outros movimentos dos séculos XVII e
XVIII, que pretendiam restaurar os compromissos conciliaristas, o jansenismo, sob
severo código moral e ascético, propugnava uma ampla reforma da Igreja, salvando-a da
influência perniciosa dos jesuítas, que teriam promovido uma moralidade frouxa284.
Pretendia resgatar o espírito dos Santos Padres, os pais apostólicos da Igreja, voltando
ao estudo da patrística285.

Sob austero programa moral, os jansenistas desprezavam práticas de


devoção popular como peregrinações, novenas, relíquias e devoções como a do Sagrado
Coração de Jesus; menosprezavam a exuberância e o luxo barroco da Igreja no século
XVII, e defendiam o uso das línguas nacionais nas missas. Toda a doutrina foi expressa
no livro Sancti Augustini de humanae naturae sanitate, aegritudine, medicina adversus
Pelagianos e Massilianses, ou simplesmente Augustinus, publicado em 1640, após a
morte de Cornelius Jansenius. O livro foi condenado pela bula In eminenti (1643), do

283
O’MALLEY, 2018, p. 31.
284
Idem, ibid., p. 33.
285
Filosofia dos primeiros séculos do cristianismo que elaborou as verdades da fé e elucidou os dogmas
da Igreja.

95
papa Urbano VIII; mais tarde, o papa Inocêncio X, com a constituição apostólica Cum
Occasione (1653), qualificou as teses jansenistas como heréticas. Em 1713, a bula
Unigenitus dei filius (único filho de Deus), promulgada pelo papa Clemente XI,
novamente condenou as teses jansenistas286. A bula, por demais abrangente, teria
representado um enfraquecimento da autoridade do papa287, e não conseguiu impedir a
aceitação das ideias jansenista pela elite da sociedade secular e clerical, especialmente
na França e em Nápoles. Na passagem para o século XVIII, o jansenismo era um
fenômeno em toda a Europa, influenciando os movimentos que contestavam o
excessivo poder do papa. A essa presença somou-se o pensamento iluminista,
extremamente crítico à religião e à Igreja. Em 1764, os jesuítas foram expulsos da
França, uma vitória do jansenismo contra a Companhia de Jesus288; a proscrição foi
precedida de uma intensa campanha promovida pelo jornal jansenista Nouvelles
Ecclésiastiques, que, com uma tiragem de seis mil exemplares, construiu uma rede de
propaganda antijesuítica que atingiu até mesmo as colônias francesas na América289.

Apesar das divergências e dos constantes embates, jansenistas e jesuítas


foram igualmente influenciados pelas ideias iluministas, em particular pelo empirismo
de John Locke e pela física de Isaac Newton, que foram utilizados por católicos quando
desejavam demonstrar a viabilidade intelectual do catolicismo. Os jansenistas,
pessimistas, enfatizavam que era impossível para os humanos praticarem qualquer boa
ação sem a ajuda de Deus; por sua vez, os jesuítas enfatizaram que a natureza humana
era receptiva e capaz de boas obras por si mesma. A espiritualidade jesuíta, em meados
do século XVIII, era otimista, e mais voltada para o indivíduo, mais próxima de muitas
formas seculares de pensamento iluminista, que se concentravam no progresso humano

286
Declarados e condenados como falsos, capciosos, maliciosos, ofensivos aos ouvidos piedosos,
escandalosos, perniciosos, imprudentes, injuriosos à Igreja e à sua prática, insultando não só a Igreja,
mas também os poderes seculares sediciosos, impiedosos, blásfemos, suspeitos de heresia, e espancando
a própria heresia, e, além disso, favorecendo hereges e heresias, e também cismas, errôneos, próximos à
heresia, muitas vezes condenados, e finalmente hereges, renovando claramente muitas heresias,
respectivamente, e muito especialmente aquelas que estão contidas nas infames proposições de
Jansenius, e de fato aceitas no sentido em que estas foram condenadas (CLEMENTE XI, Unigenitus dei
filius, 1713).
287
CHADWICK, 1981, p. 393.
288
LEHNER, 2010, p. 23.

96
e na responsabilidade290. A abertura a novas correntes de pensamento, entretanto, não
afetou a maioria dos currículos das faculdades e de colégios jesuítas, que ainda se
baseava no Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu (plano e organização de
estudos da Companhia de Jesus)291, de 1599.

Em meados do século XVIII uma nova geração de governantes e ministros,


muitos educados nas universidades, criados dentro do pensamento iluminista, chegou ao
poder desejando reduzir a interferência de Roma nos assuntos de Estado; as monarquias
da dinastia Bourbon, da França, Espanha e do Reino das Duas Sicílias – Nápoles e
Sicília – não escondiam o pouco respeito que tinham pelo papa. Isso também aconteceu
nos domínios dos Habsburgos, que iam do sul da Holanda, passando pelos principados
do Reno e do Império austríaco até o norte da península italiana e a Toscana, e em
Portugal, com a família Bragança. O primeiro-ministro português do rei José I entre
1756 e 1777, Sebastião José Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, combateu a
influência da religião, e da Santa Sé no governo, promovendo reformas econômicas e
educacionais. Três anos depois ser empossado, Pombal expulsou os jesuítas de Portugal
e de seus domínios ultramarinos, em uma campanha contra a Companhia de Jesus que
humilhou o papado, incapaz de proteger uma das ordens religiosas mais influentes292.

As medidas de Pombal deram início a um amplo movimento contra os


membros da ordem: a França expulsou os jesuítas em 1764; o rei da Espanha, Carlos III,
pressionado por seus ministros, em 1767, determinou a prisão de todos os monges em
seus territórios, provocando reação semelhante no Reino das Duas Sicílias, que
mantinha relações estreitas com o reino ibérico, desterrando os religiosos para Roma.
Também por pressão espanhola, em 1773, o papa Clemente XIV emitiu a bula Dominus

289
VIAENE, 2012, p. 86. O jansenismo teve grande penetração entre as classes médias do norte da
península italiana, e suas posições contárias aos jesuítas em parte teriam contribuído para o fortalecimento
das ideias anticlericais presentes no movimento nacionalista Carbonari .
290
LEHNER, 2016, p. 15 da edição digital.
291
O Ratio Studiorum era a sistematização da pedagogia jesuítica, contendo 467 regras cobrindo todas as
atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino, recomendando que o professor nunca se afastasse
do estilo filosófico de Aristóteles e da teologia de Santo Tomás de Aquino. Suas orientações visavam
atingir europeus, indígenas americanos e elite colonial, com ensinamentos orientados pelos valores
morais cristãos, dentro da lógica do Concílio de Trento.

97
ac Redemptor, que extinguiu a Companhia de Jesus e prendeu o superior-geral da
ordem, Lorenzo Ricci, sem julgamento prévio.

Na Inglaterra as críticas à centralização do poder em Roma não foram


diferentes daquelas assistidas no continente. No século XVIII, os católicos ingleses, que
desde a reforma de Henrique VIII, em 1534, enfrentavam a acusação à Igreja Anglicana
de serem súditos de um tirano estrangeiro, assumiram posições de confronto aberto com
o papado293. Após uma série de oposições a decisões políticas dos papas Clemente XIV,
pontificado entre 1769 e 1774, e Pio VI (1775–1799), três católicos, Sir Richard
Throckmorton, Robert Edward Petre (1742–1801) e Charles Butler (1750–1832),
organizaram o Cisalpine Club, em cujas reuniões articularam sua visão inglesa do
galicanismo em uma igreja conciliarista. Quando da morte do rei George II, em 1760, os
católicos não obtiveram apoio do papa Clemente XIV para lutar pela restauração da
dinastia Stuart, também católica, afastada do trono desde a Revolução Gloriosa294 de
1688. Os católicos cisalpinos, ao norte dos Alpes, opunham-se aos ultramontanos, ao
sul das montanhas, que olhavam em direção ao papado, e aqueles acreditavam que a
Igreja deveria ser governada como o Estado inglês, com uma constituição forte e
instituições que forneciam freios e contrapesos; negava-se a infalibilidade papal,
sustentando que, em casos extremos, os fiéis deveriam recorrer a um concílio das
decisões papais com as quais discordavam, e que os bispos deveriam ser eleitos
democraticamente.

Os processos autonomistas dos bispos europeus, associados ao nacionalismo


agressivo dos monarcas e ministros, provocaram um grande abalo na estrutura do
catolicismo. Contudo, o maior impacto foi provocado pelo movimento intelectual e
filosófico do Iluminismo, que transformou o pensamento ao longo do século XVIII, o
Século das Luzes, inclusive dentro das fileiras da Igreja.

292
O’MALLEY, 2018, p. 34-35.
293
LEHNER, 2016, p. 15 da edição digital.
294
A Revolução Gloriosa derrubou o rei Jaime II da dinastia Stuart, um rei católico acusado de adotar
políticas em favor de sua religião em detrimento do protestantismo. Foi substituído por Guilherme III,
príncipe de Orange, um calvinista convertido ao anglicanismo. No ano seguinte foi aprovada a Bill of
Rights, que, entre outras coisas, proibiu que um católico voltasse a ocupar o trono britânico.

98
1.3. Revolução Francesa

A Revolução Francesa foi um fenômeno histórico de proporções e


consequências gigantescas, que não pode ser reduzido a uma análise simplista. Suas
diversas fases, ou etapas, representaram movimentos tão complexos que facilmente é
possível cair na armadilha da simplificação, da redução. Aqui se pretende uma pequena
parcela desse momento único da história da humanidade, destacando elementos da
intricada relação do processo revolucionário, e de seus líderes, com o catolicismo. É
importante destacar que a revolução, mesmo tomando-se sua complexidade, foi fruto do
pensamento iluminista; seus principais líderes tinham como parâmetros e paradigmas os
textos que ainda estavam com a tinta fresca nas tipografias de Paris, Londres, Amsterdã.
A Revolução Francesa teve como base teórica as ideias iluministas295.

A Revolução Francesa, que logo em seu início confiscou os bens da Igreja


Católica, matou um grande número de padres, freiras e bispos, mandando ao exílio
outros tantos; igrejas, mosteiros e conventos foram saqueados por uma população
furiosa. Ordens religiosas, como os dominicanos e os franciscanos praticamente
desapareceram. A revolução contra a monarquia estendeu seus braços para a Igreja, que
muito apoiara o governo; a perseguição e as execuções assustaram o clero europeu,
especialmente o papa Pio VI, governante dos Estados Pontifícios, o qual temia que a
agitação chegasse a Roma. A revolução não era um fenômeno isolado, mas inserida
dentro de um movimento ideológico e de reforma que percorria toda a Europa e o
mundo ocidental no início do século XIX. A crítica à Igreja não era uma expressão do

295
As relações entre as principais correntes revolucionárias e os autores iluministas já foram fruto de
muita pesquisa e estudos. Apenas deve-se destacar a grande influência das obras de Voltaire sobre o Club
Cordelier, de Danton e Marat; por sua vez, o pensamento de Rousseau, em especial Du contrat social
(1762) – do contrato social –, marcou a formação e atuação do Club Jacobin, e de jacobinos, como
Robespierre, Saint-Just e Couthon (BRANDES, 1906, p. 16-18). Saint-Just repetiu Rousseau quando
discursou no Parlamento exigindo a morte de Luís XVI: O contrato social é um contrato que os cidadãos
celebram entre si, e não um contrato com o governo (idem, ibid.).

99
ateísmo, mas uma condenação à noção de revelação, em oposição à razão, e a seu apoio
às monarquias absolutas.

A princípio, quando se reuniram para redigir uma constituição para a


França, aprovada em setembro de 1791, os constituintes não tinham como alvo a Igreja,
até mesmo porque entre eles havia muitos religiosos. As pressões por transformações
haviam sacudido o país, cuja economia estava destroçada e o povo estava em situação
miserável. A insatisfação generalizada obrigara o rei Luís XVI a convocar a Assembleia
dos Estados Gerais, em 1789, reunindo o Primeiro Estado, o clero com 291 deputados, a
nobreza, ou Segundo Estado, com 270 representantes, e o Terceiro, com 578 deputados
entre burgueses, camponeses sem terra e os sans-culottes – artesãos, aprendizes,
proletários. A representação do clero estava dividida entre 47 bispos e 204 párocos; a
prevalência do clero inferior explica a posterior aliança com o Terceiro Estado,
fundamental para o enfraquecimento do rei na Assembleia296.

Para a realização da Assembleia dos Estados Gerais, o rei Luís XVI


solicitara antecipadamente que fossem elaborados os Cahiers de doléances (cadernos de
reclamações), nos quais cada um dos Estados deveria expressar suas esperanças e
queixas diretamente ao rei. Com relação à Igreja, os Cahiers, de forma geral,
manifestavam simpatia à religião nacional, mas faziam críticas à instituição; pediam a
reforma da igreja francesa, o fim dos privilégios eclesiásticos, da isenção de impostos e
da cobrança de dízimos, a venda das propriedades clericais, que ocupavam cerca de dez
por cento do território francês297. Havia a esperança de que a constituição a ser
elaborada eliminaria abusos e reafirmaria as instituições religiosas. Não se imaginava
que na França ocorreria o mesmo que nos estados Unidos, cuja Constituição, aprovada
havia dois anos, não estabelecera uma religião oficial ao explicitar que nenhum

296
MARTINA, 1995, p. 14.
297
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 971.

100
requisito religioso poderá ser erigido como condição para a nomeação para cargo
público298.

As manobras de Luís XVI para tentar acabar com a Assembleia provocaram


a eclosão de uma sublevação em Paris, que seria posteriormente denominada como
Revolução Francesa, com a Tomada da Bastilha em 14 de julho de 1789, cinco dias
após a Assembleia dos Estados Gerais converter-se em Assembleia Constituinte. As
primeiras medidas do novo governo foram a abolição dos direitos feudais, em 4 de
agosto, e a Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen (Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão), em 26 de agosto, a qual, entre outros direitos, permitiu a
ampla liberdade religiosa299. O artigo 10 da declaração determinava: Ninguém pode ser
perseguido por causa de suas opiniões, nem mesmo de suas religiões, desde que sua
expressão não seja subversiva da ordem legal, ao qual o papa Pio VI teria respondido
que esse era um direito antinatural e tolo, uma subversão da razão300. A rápida
radicalização logo provocaria a aprovação de várias medidas anticlericais. A revolução
inaugurou para a Igreja Católica e o papado uma crise prolongada e traumática; a
soberania popular emergiu para ameaçar a hierarquia social, a autoridade espiritual
do papa e, de fato, a própria existência da Igreja de Deus301.

No século XVIII era impossível não perceber a presença física da Igreja na


paisagem das cidades – catedrais medievais, igrejas paroquiais, mosteiros e conventos, e
seminários – e na vida diária da população, por intermédio do batismo, casamento e
sepultamento, suas atribuições exclusivas. O catolicismo estava impregnado na cultura

298
Constituição dos Estados Unidos da América, artigo VII. A liberdade religiosa somente seria incluída
no texto constitucional em 15 de dezembro de 1791, com a aprovação da Primeira Emenda: O Congresso
não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos [...].
299
A Declaração Universal dos Direitos do Homem ampliou o Édito de Versalhes, vulgarmente
conhecido como o decreto de tolerância, que, assinado por Luís XVI em 7 de novembro de 1787, deu aos
não católicos na França o direito de praticar abertamente suas religiões, e status legal e civil, que
autorizava, por exemplo, casamentos fora do catolicismo. Pelo édito, o catolicismo romano continuou
como a religião do Estado do reino da França, mas foi permitida a existência de não católicos –
huguenotes, calvinistas, luteranos e judeus –, pondo fim às guerras religiosas no país.
300
BRANDES, 1906, p. 8.
301
PRICE, 2017, p. 13.

101
popular francesa, mas distante das classes médias e dos intelectuais302. As liberdades
galicanas, que davam autonomia ao rei perante o papa para decidir em questões
temporais, e restringiam o poder pontifício na França, permitiram maior liberdade do
clero.

O catolicismo francês legitimou e apoiou a monarquia dos Bourbons303, que,


por sua vez, abriu o clero aos interesses da nobreza. Os reis franceses protegiam a
Igreja, mas exerciam controle sobre sua estrutura hierárquica e seus bens. Desde a
Concordata de Bolonha (1516), assinada entre o rei Francisco I, da França, e o papa
Leão X, foi dado aos monarcas franceses o controle quase total sobre o preenchimento
dos cargos mais importantes na Igreja Católica francesa: o direito real prevalecia sobre a
igreja nacional; o preenchimento dos cargos na alta hierarquia da Igreja passou a
depender das relações de prestígio com o monarca e do status social do candidato. Às
vésperas da Revolução Francesa, o país contava com 16 arcebispos e 114 bispos, dos
quais apenas dois não pertenciam à nobreza, os quais defendiam com energia seus
privilégios. O clero inferior, empobrecido, era composto por cerca de 170 mil
religiosos, 0,6% da população, incluindo 50 mil padres paroquiais, 25 mil monges e 50
mil freiras304. A desigualdade social dentro da organização da Igreja fortalecia as
críticas dos padres, e os aproximava do jansenismo, colocando em risco sua influência e
coesão. O país também abrigava sedes das ordens religiosas históricas como Cluny,
Citeaux, Premontré, a Grande Chartreuse, La Trappe, além de teólogos respeitados305.

No fim do século XVIII a França estava quase falida, e a Constituinte já


discutira a incorporação dos bens episcopais ao Estado. As medidas objetivas que
afetaram a Igreja começaram a ser aprovadas em 4 agosto de 1789, quando os
deputados aboliram todos os privilégios dos indivíduos e dos grupos sociais. A partir de
então, o clero não mais poderia existir no Estado francês como uma ordem distinta, com

302
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 970.
303
A Dinastia Bourbon na França foi inaugurada por Henrique IV, que reinou entre 1589 e 1610,
sucedido por Luís XIII (1610–1643), Luís XIV (1643–1715), Luís XV (1715–1774) e Luís XVI (1774–
1792).
304
PRICE, 2017, p. 10-12.
305
LEFEBVRE, 2005, p. 40.

102
direito de cobrar certos impostos, os dízimos; da mesma forma, perdeu o poder de
administrar suas próprias propriedades. Os eclesiásticos passaram a ser cidadãos como
todos os outros e, dessa forma, sujeitos às leis do país306. No dia 2 de novembro de 1789
a assembleia aprova, por 568 votos a favor contra 346, a proposta do conde Mirabeau
(1749–1791), de expropriação dos bens do clero, especialmente as terras. No mesmo
dia, os constituintes aceitaram a proposta do bispo de Autun, Charles Talleyrand307, de
que as terras deveriam ser vendidas para salvar as finanças do Estado, e em
contrapartida foi aprovado que o governo francês pagaria os salários dos funcionários
eclesiásticos e manteria os hospitais e as escolas pertencentes à Igreja308. Em 13 de
fevereiro do ano seguinte, um ato do governo proibiu a formação de novos sacerdotes e
aboliu todas as ordens que não tivessem escolas ou hospitais, mas estavam proibidas de
terem novos membros309.

O confisco de terras eclesiásticas já havia ocorrido antes, como na Suécia no


século XVII, na época da reforma, mas nunca em proporções como as que se assistiu
durante a Revolução Francesa, que atingiu a totalidade dos bens eclesiásticos e também
boa parte das propriedades dos nobres. Os biens nationaux (bens nacionais), que
incluíam as propriedades eclesiásticas, as propriedades diretas do clero secular e do
clero regular, os biens de première origine (bens de primeira origem); as propriedades
dos emigrados e exilados, biens de seconde origine, nas quais também estavam os
ativos da coroa; as propriedades dos condenados à morte e deportados políticos e os
hospitais, hospícios e escolas das ordens religiosas. Essas propriedades, notadamente as
terras, seriam vendidas ao longo da revolução. Apenas as terras da Igreja representavam
por volta de 12% do país, cerca de 80 mil quilômetros quadrados, e estavam
fragmentadas em unidades de variados tamanhos por todo o país. Sua concentração nas
mãos do Estado deu ao Poder Público um meio eficaz para intervir na alteração das

306
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 971.
307
Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754–1838), clérigo, foi abade de Saint-Denis, em Reims
(1776), e em 1780 tornou-se agente geral do clero junto ao governo da França. Por quatro vezes ocupou o
cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros de Napoleão; foi constituinte após a queda do imperador, e
primeiro-ministro, durante o reinado de Luís XVIII.
308
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 971.
309
LEFEBVRE (2005, p. 162) aponta que os revolucionários não estavam preocupados em travar uma
luta aberta contra o papado e o papa Pio VI , que comandava a Igreja com pouca autoridade. O objetivo
era exclusivamente econômico: o novo governo precisava de rendas e riqueza, e a igreja francesa as tinha.

103
condições econômicas e sociais da França. O Estado poderia tanto aproveitar esse
fundo, explorando-o, quanto ceder a propriedade, ou, ao menos, sua posse, aos
camponeses sem terra ou que possuíssem apenas uma área muito pequena. Mas a
questão agrária, durante o período revolucionário, acabou por se tornar um dos grandes
problemas que suas lideranças precisaram enfrentar310.

Na Assembleia Constituinte, em 12 de julho de 1790, foi aprovado o decreto


Constitution Civile du Clergé (constituição civil do clero), que anulou a Concordata de
Bolonha311, de 1516, e instituiu a Église Constitutionnelle (igreja constitucional)312.
Pelo documento, sancionado por Luís XVI, até então o Roi Très Chrétien313, em 24 de
agosto do mesmo ano, os bispados foram reduzidos de 135 para 85314, e muitas
paróquias foram extintas; os bispos passaram a ser eleitos pelos contribuintes,
independente de sua fé315, sem confirmação ou investidura canônica, sua função seria a
de presidentes de concílios de sacerdotes das dioceses316; as decisões dos concílios
vinculavam as ações dos bispos, obrigando-os. O papa não mais poderia pedir dinheiro
à França; sua primazia era reconhecida, mas não sua jurisdição. O bispo eleito entraria
em comunhão com o papa, mas não poderia pedir confirmação papal317. Sua
consagração seria pelo bispo metropolitano, por seus próprios sacerdotes. A
Constitution Civile du Clergé representou a verdadeira ruptura da revolução com a
Igreja. Ao alterar a forma do governo da Igreja na França, com a eleição dos bispos,

310
As polêmicas envolvendo a política agrária durante a revolução preencheram séculos de debates entre
pesquisadores, e ainda apresentam pontos nebulosos. Dois estudos bastante antigos, mas muito detalhados
descrevem o processo de expropriação, assim como suas consequências: LOUTCHISKY, Ivan
Vasilevich, Quelques remarques sur la vente des biens nationaux, e VIALAY, Amédée, La vente des
biens nationaux pendant la révolution française.
311
A Concordata de Bolonha (1516) foi um acordo assinado entre o rei Francisco I, da França, e o papa
Leão X. Pelo documento, o papado receberia toda a renda que a Igreja Católica dava na França, e o rei da
França passaria a ter o direito de indicar arcebispos, bispos, abades e priores, assim como restringir o
direito de recurso destes a Roma. A Concordata permitiu o crescimento do galicanismo.
312
A igreja constitucional foi extinta pela concordata assinada entre Napoleão Bonaparte e o papa Pio VII
em 15 de julho de 1801.
313
O termo Roi Très Chrétien é uma locução traduzida do latim christianissimus, superlativo do adjetivo
christianus, cristão. O termo começou a ser usado pelos papas atribuindo honra a um soberano escolhido
pelo papa. A partir de Carlos V, que reinou entre 1364 e 1380, passou a designar exclusivamente o rei da
França.
314
A reorganização buscava fazer coincidir as fronteiras das dioceses com os departamentos
administrativos civis (TACKETT, 2015, p. 107).
315
PRICE, 2017, p. 15.
316
CHADWICK, 1981, p. 446.
317
LEFEBVRE, 2005, p. 162.

104
rompeu com uma a noção católica de revelação. A preservação da Igreja, e de seu
governo, era parte do projeto de Deus, e o papado, também uma instituição divina, era
responsável pela manutenção desse plano. Afastar Roma das decisões da governança da
Igreja era romper os desígnios da Providência318.

A Assembleia não pretendia a instauração de um Estado laico, até mesmo


porque eram todos homens educados por padres, e a ideia da laicidade era-lhes
desconhecida como conceito319. Ao contrário de tentar separar a Igreja do Estado, os
revolucionários franceses pretendiam unir os dois em um só organismo: uma religião
cívica, com culto, celebrações e símbolos próprios. Contudo, o povo espontaneamente
associou as novas cerimônias ao culto católico; no mesmo sentido, os novos sacerdotes
constitutionnels explicavam e justificavam a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão citando os evangelhos320.

Em 27 de novembro de 1790, quatro meses após a edição da Constitution


Civile du Clergé, todos os bispos, padres e funcionários eclesiásticos foram obrigados a
fazer um juramento de lealdade à Constituição civil, ao qual apenas aderiram poucos
bispos321, sendo que a grande maioria deixou a França, buscando exílio em Roma e nos
reinos italianos, na Inglaterra, e no Sacro Império Romano-Germânico. Contudo, quase
a metade do clero inferior, sem posses para a expatriação e resignada, prometeu
observância da Constitution322; a Igreja na França dividiu-se entre os sacerdotes
constitutionnels e os réfractaires, que não acataram a imposição323.

318
WOODWARD, 1963, p. 236. Para o autor, a eleição representava uma decisão da Assembleia
conscientemente arcaica; seus membros escaparam da idade média “gótica” apenas para cair em uma
obediência mais rígida a um mundo mais antigo [...] assim como na teoria política, tentou-se voltar à
tradição das antigas cidades-Estado. A eleição era uma das salvaguardas da liberdade antiga e,
portanto, um princípio sagrado. Os puristas examinaram a história da igreja primitiva e descobriram
que ela permitia a eleição de seus oficiais pelos fiéis (idem, ibid., p. 238).
319
LEFEBVRE, 2005, p. 161.
320
Idem, ibid.
321
MARTINA (1995, p. 14) e PRICE (2017, p. 16) falam que foram quatro; LEFEBVRE (2005, p. 164)
aponta que sete bispos prestaram juramento.
322
Para TACKETT (2015, p. 11) muitos daqueles que fizeram o juramento acreditavam que a legislação
revolucionária iniciaria as reformas necessárias para a renovação espiritual do catolicismo na França.
323
MARTINA, 1995, p. 14.

105
Também dividida ficou a população em várias regiões do país, segundo suas
razões e características próprias, sendo que em algumas a cerimônia de juramento era
um verdadeiro referendo com relação à política religiosa da revolução. Nas regiões com
maior presença protestante, como em Languedoc ao sul e na Alsace ao leste, os
católicos acreditavam que o governo revolucionário queria convertê-los ao calvinismo
ou luteranismo. Da mesma forma, nas províncias mais periféricas, como Bretanha,
Normandia, Lorraine, Franche-Comté e os Pireneus franceses, a população, que em sua
maioria se manteve apoiando a Igreja Romana, estimulou o clero a não fazer o
juramento. Já nas regiões próximas de Paris e das províncias centrais, de uma maneira
geral, padres e paroquianos apoiaram o juramento324. Em muitas províncias a divisão
dava-se dentro da própria cidade, entre a área urbana, radical, e a rural, mais ortodoxa.
Os líderes patrióticos de Paris, no entanto, tinham pouco entendimento das
complexidades do processo de juramento, das pressões dos paroquianos ou das
sutilezas da teologia [...]. Para eles [os líderes], o juramento era essencialmente um ato
político325. Para os revolucionários mais exaltados, a recusa ao juramento dos sacerdotes
réfractaires era um ato contrarrevolucionário, que estava ligado aos bispos exilados e à
campanha da imprensa conservadora, que pedia uma cruzada para salvar a verdadeira
religião326.

Após oito meses de indecisão e silêncio, em 10 de março de 1791, o papa


Pio VI publicou a encíclica Quod aliquantum, declarando a igreja constitucional
cismática e condenando a Constituição como um todo. O papa também suplicou que os
fiéis não comparecessem às funções dos novos sacerdotes constitucionais e não
recebessem os sacramentos deles. Apesar da longa mudez, o papado não poderia aceitar
as mudanças, porque a agitação poderia espalhar-se fazendo com que outros Estados

324
Uma análise sociológica e geográfica dos sacerdotes em 1790 mostra que os jurados, constitucionais,
eram os mais antigos, que temiam perder a paróquia; a incerteza da velhice empurrava o sacerdote ao
juramento; as incertezas também teriam influenciado a opção pelo desejo de muitos de se casar, o que era
permitido segundo a Constitution Civile du Clergé, ou se dedicar a atividades econômicas como o
comércio. Muitos dos sacerdotes jurados teriam voltado à Igreja depois da queda de Napoleão
(TACKETT, Timothy, Regional culture in eighteenth century France: the ecclesiastical oath of 1791,
citado por MARTINA, 1995, p. 44).
325
TACKETT, 2015, p. 108-109.
326
Idem, ibid., p. 110.

106
seguissem o exemplo francês. Mas ainda havia o problema da divisão do clero
francês327.

Em 4 de abril de 1792, o papa emitiu a carta apostólica Ubi Communis ao


episcopado da Córsega, dirigida ao bispo de Aléria, advertindo que o papado soubera
que a ilha francesa já havia aceitado a Constitution Civile du Clergé, e advertindo a
todos aqueles que se desviaram e se aproximaram do intruso, de seus vigários e de
outros sacerdotes, aprovados e delegados, ao horror de seus crimes, a nulidade dos
atos [sendo punidos] se continuarem a abusar dos traços paternos de Nossa
clemência328. Dez dias mais tarde, o papa enviou uma nova epístola, carta Populi Cum,
ao mesmo destinatário, mais uma vez avisando que os religiosos da ilha não deviam
ignorar as restrições de dever às quais cada um de sua ordem está vinculado, a menos
que prefiram ficar dominados pelo cisma e sofrer as sanções que, de acordo com os
cânones, são infligidas aos corruptos da doutrina e da disciplina329.

A encíclica do papa Pio VI colaborou para aguçar ainda mais os ânimos já


bastante exaltados. Os líderes políticos da Assembleia começaram a tratar os sacerdotes
réfractaires, não jurados, como inimigos. A agitação popular atacou alguns sacerdotes
constitutionnels, em vários pontos de Paris. Como medida conciliadora a Assembleia,
com atitudes dúbias, também não sabia como tratar a questão: em 7 de maio de 1791,
um decreto fechou capelas e oratórios, locais nos quais os constitucionais haviam sido
atacados; contudo, no mesmo dia, declarou que padres não jurados poderiam oficiar
missas nas mesmas igrejas que os jurados. A postura contraditória exprimia as
discordâncias existentes entre girondinos330 e jacobinos331 dentro do governo.

327
CHADWICK, 1981, p. 447.
328
PIO VI, carta apostólica Ubi Communis, 1792.
329
PIO VI, carta apostólica Populi Cum, 1792.
330
Girondino é o como, durante a revolução, era designado o grupo de deputados que na Assembleia
Constituinte representava a burguesia e a pequena burguesia francesa. Nunca chegaram a se constituir
como uma facção organizada ou partido político, sendo que o nome foi atribuído pelos opositores, os
Montagnards, porque o grupo, durante as votações, havia se unido em torno de deputados de Gironde,
região no sudoeste da França, onde fica a cidade de Bordeaux.
331
Partidários do Club Jacobin, Club des Jacobins, também chamados de Montagnards, ou montanheses,
pela posição em que se sentavam no plenário da Assembleia Constituinte. Os partidários reuniam-se no
convento dominicano de São Tiago, ou Saint Jacobus em latim e Saint-Jacques em francês, dando origem

107
Desde o início da revolução, o rei Luís XVI fora mantido no cargo como
monarca constitucional, mas entre 1789 e 1791, seus poderes foram transferidos para a
própria Assembleia Nacional. Temendo por seu futuro, na condição de reclusa, a família
real realizou uma tentativa de fuga, em 20 de junho de 1791, buscando repetir o que as
tias do rei haviam feito em fevereiro. No dia seguinte o rei foi preso em Varennes, a
pouco mais de 200 quilômetros de Paris, já próximo da fronteira com os Países Baixos.
Apesar de representar um episódio menor, teve um grande impacto sobre os ânimos já
muito exaltados e inflamados. O rei acreditava que, se conseguisse escapar, conseguiria
obter apoio dos reinos europeus para a reconquista do poder. A viagem de volta a Paris
foi marcada por multidões que ameaçavam atacar a caravana real; um nobre, que fora
cumprimentar o rei, foi assassinado por um grupo de camponeses inflamados.

Os eventos na França levavam preocupação às monarquias europeias, que


passaram a cogitar uma intervenção para restaurar a ordem anterior e libertar o rei. A
questão era especialmente preocupante para o imperador Leopoldo II do Sacro Império,
arquiduque da Áustria e rei da Hungria, Croácia e Boêmia, irmão de Maria Antonieta,
rainha consorte da França e também arquiduquesa da Áustria332. Também havia a
pressão exercida pela nobreza francesa no exílio, liderada por Carlos Filipe Bourbon,
irmão de Luís XVI e que viria a ser rei da França mais tarde, entre 1824 e 1830 como
Carlos X, que fugira para Turim e depois a Koblentz333, na fronteira franco-germânica.

Em 27 de agosto de 1791, o os imperadores Leopoldo II e Frederico


Guilherme II da Prússia, atendendo aos apelos dos franceses emigrados, assinaram a
Declaração de Pillnitz, anunciando que as monarquias da Europa, interessadas no bem-

à palavra jacobino. Suas posições variaram muito ao longo do processo revolucionário, e foram se
extremando ao longo da evolução dos fatos. A radicalização das posições fez com que recebessem o
apoio das camadas mais pobres da população, os sans-culottes. O grupo era liderado por Maximilien de
Robespierre.
332
Arquiduque e arquiduquesa eram títulos nobiliárquicos dos Habsburgo, famílias imperiais da Áustria e
do Sacro Império Romano-Germânico, que começaram a ser usados oficialmente por Alberto VI, da
Áustria, em 1563. O arquiduque estava subordinado ao imperador, sendo, muitas vezes, a mesma pessoa.
333
A cidade de Koblentz, na Prússia, tornara-se um centro de abrigo de aristocratas refugiados franceses.

108
estar de Luís XVI e sua família, tomariam atitudes severas se algo lhes acontecesse334; a
declaração foi tomada como uma ameaça pelos franceses. Na Assembleia os girondinos
defendiam a declaração de guerra contra a Áustria, e que ela poderia desmascarar o rei,
consolidar a revolução e impor respeito no exterior. Por sua vez, os jacobinos
acreditavam que a guerra seria prejudicial, uma vez que a cúpula do exército era
composta por nobres fiéis ao rei; cerca de 70% dos generais eram aristocratas; para eles,
a vitória ou a derrota seriam favoráveis ao rei335.

A aristocracia francesa, no momento da revolução, teria cerca de cem mil


indivíduos espalhados por todas as regiões do país336, mas boa parte de seus membros
iria partir nos anos seguintes. A imigração da nobreza francesa ocorreu em ondas. As
primeiras partidas teriam começado em meados de 1789, logo após a Tomada da
Bastilha. Em junho de 1790, um decreto da Assembleia Nacional extinguiu a nobreza e
seus privilégios337, provocando uma segunda onda de migração para o exterior. A
terceira onda surgiu em meados de 1791, quando um decreto determinou que todo o
corpo de oficiais, quase todos nobres, deveria jurar a Constituição, o que já havia
acontecido com os religiosos no fim do ano anterior; até o fim de 1791 quase todos os
oficiais do exército e da marinha haviam abandonado seus postos. Também em fins de
1791, mais da metade dos aristocratas que haviam sido eleitos para a Assembleia
Constituinte também emigrara, e os que restaram eram suspeitos de tramar ações
contrarrevolucionárias em conluio com o exterior338.

Em 20 de abril de 1792, a Assembleia Legislativa declarou guerra à Áustria;


as tropas austríacas, mais tarde, viriam a ser apoiadas pelos prussianos. A declaração,
cujo principal artífice foi o deputado Jacques Pierre Brissot (1754–1793), principal

334
BERTAUD, 1988, p. 59.
335
BERTAUD, 1988, p. 60.
336
TACKETT, 2015, p. 110.
337
Decreto de 19 a 23 de junho de 1790: Art. 1º – A nobreza hereditária é abolida para sempre;
consequentemente, os títulos de príncipe, duque, conde, marquês, visconde, vidame, barão, cavaleiro,
messire, escudeiro, nobre e todos os outros títulos similares [...] Art. 2º – Nenhum cidadão [...] pode usar
uniformes nem ter brasão [...] Art. 3º – Títulos de monsenhor e messeigneurs não serão concedidos a
nenhum órgão nem a qualquer indivíduo, nem a títulos de excelência, alteza, eminência, grandeza, etc.
[...]. (RONDONNEAU, 1817, p. 291, apud RIBERI, 2012, p. 307).
338
TACKETT, 2015, p. 111-112.

109
liderança dos girondinos, foi considerada uma estratégia para desviar a revolução para
uma guerra de conquista na Europa que permitiria à França enriquecer, além de
enfraquecer os jacobinos339. Nas primeiras batalhas o exército francês foi
fragorosamente derrotado. Os soldados acusaram os comandantes de traição, algumas
vezes matando-os; foi o que aconteceu com o general Théobald Dillon, conde Dillon,
que em 29 de abril de 1792, após perder uma batalha contra as forças austríacas em
Lille, foi assassinado por suas tropas, na fronteira com a Bélgica. Depois de meses de
derrotas, em 20 de setembro de 1792, os franceses conseguiram parar os austríacos na
Batalha de Valmy, a 190 quilômetros de Paris. O entusiasmo dos sans-culottes e a
confiança quase mística na revolução permitiram expulsar os exércitos invasores do
território francês antes do fim do ano340. Durante o Grande Terreur, em meados de
1794, o exército francês contava com três quartos de milhão de homens armados, um
elemento primordial para as sucessivas vitórias no campo de batalha341.

O que explicou o sucesso francês sobre tropas austríacas, muito mais


numerosas, foi algumas das características especiais do exército revolucionário, que
rapidamente se estruturou como um exército regular, voluntário e profissional,
eliminado os direitos dos nobres sobre a força. Mesmo posteriormente, o exército foi o
elemento da sociedade que se manteve mais fiel às ideias fundamentais da revolução, no
qual o princípio republicano de igualdade fora mantido como em nenhum outro
segmento. Antes da revolução, oficial e soldado eram separados por um abismo enorme.
O oficial era originalmente o senhor feudal, depois o proprietário de terras, depois o
nobre; e nenhum soldado particular, por muito que se distinguisse, poderia subir para
esta casta superior. Durante a revolução, essas relações foram invertidas: multidões se
ofereciam como soldados, inclusive homens de nascimento nobre; a aristocracia fora

339
GAUTHIER, 2007, p. 82. Entre os girondinos havia o desejo de que os exércitos austro-prussianos
reprimissem a revolução e restaurassem o poder real. A declaração fora considerada uma traição, e, em
parte, provocaria a prisão do rei Luís XVI pelos jacobinos em 10 de agosto de 1792.
340
Um dos responsáveis por esse avanço foi Rouget de Lisle (1760–1836), um monarquista que não jurou
a Constituição. Escapou de morrer na guilhotina durante o Grande Terreur por ser o autor da canção La
Marseillaise, hino adotado pelo governo revolucionário em 1792, que originalmente se chamava Chanson
de guerre pour l’armée rhénane (canção de guerra para o exército do Reno).
341
SCHAMA, 1989, p. 838. O autor tornou-se célebre por fazer um revisionismo da Revolução Francesa,
reduzindo sua importância e explorando os excessos revolucionários para descaracterizá-la. Contudo, seu
livro Citizens: a chronicle of the French Revolution apresenta muitos dados e estatísticas, que, ao
contrário do que ocorreu com suas análises, nunca foram questionados.

110
privada de seu direito de comandar; os oficiais passaram a ser escolhidos do meio da
tropa por intermédio do mérito de cada um342. As armas tornaram-se propriedade do
Estado, com o fim da propriedade privada dos equipamentos militares; os regimentos
foram ampliados e organizados por números. O exército que surgiu dessa rápida guerra
era moderno, contava com liderança, disciplina, tática e organização, e foi o responsável
pelos sucessos posteriores, quando comandado por Napoleão Bonaparte343. Como se
veria posteriormente.

Antes da mudança dos rumos da guerra, uma série de eventos precipitou


rápidas transformações internas na França e o acirramento da violência. Em 25 de julho
de 1792, o duque de Brunswick344 divulgou o Manifesto de Brunswick, que foi tomado
como uma afronta à França. O documento declarava a autoridade sagrada do rei Luís
XVI; afirmava que o objetivo da coalizão estrangeira era pôr fim à anarquia no interior
da França, impedir os ataques realizados ao trono e altar, restaurar o poder legal,
restaurar ao rei a segurança e a liberdade345. O texto exortava a parte saudável da
nação francesa a se rebelar, com a ajuda dos exércitos coligados, retornando à ordem
que vigia antes da revolução. Também pedia que os generais, oficiais, suboficiais e
soldados das tropas francesas retornassem à sua antiga lealdade, submetendo-se ao
legítimo soberano. O duque encorajava que os guardas nacionais346 se rebelassem,
mantendo as cidades tranquilas, até a chegada das tropas de suas majestades imperiais
e reais. Por fim, pedia a rendição imediata da cidade de Paris, e, o que mais irritou a
população e os líderes revolucionários, ameaçava punir qualquer um que viesse a se
defender contra o avanço dos exércitos estrangeiros, ou ameaçasse a integridade da
família real francesa; todos serão punidos no local de acordo com o rigor da lei da
guerra, e suas casas demolidas ou queimadas. Exijo e exorto todos os habitantes do
reino, da maneira mais forte e urgente, a não se oporem à marcha e às operações das

342
BRANDES, 1906, p. 41.
343
CHISHOLM, 1911, v. 11, p. 171.
344
Karl Wilhelm Ferdinand von Braunschweig-Wolfenbüttel, da Prússia, foi comandante em chefe dos
exércitos do Sacro Império Romano-Germânico, aliado da Áustria; o documento ficou conhecido como
Manifeste Brunswick.
345
Manifeste Brunswick, 1792.
346
Guarda Nacional foi uma milícia francesa criada em agosto de 1791, após iniciado o processo
revolucionário francês, unido as diversas tropas de burgueses criadas espontaneamente. O corpo tinha
como função a manutenção da ordem e segurança dos municípios.

111
tropas que comando, mas a conceder-lhes em todos os lugares entrada gratuita e boa
vontade347.

O documento e as derrotas no campo de batalha exacerbaram os boatos já


existentes de que os aristocratas e religiosos estavam tramando contra a revolução
juntamente com o rei. Acreditava-se que o duque de Brunswick já estava em marcha
para Paris, conforme o documento dava a entender, e que o povo parisiense seria
massacrado. Desde o começo da revolução, Paris vivia assolada por boatos de toda
ordem, mas a onda de rumores sobre um ataque estrangeiro provocou pânico na
Assembleia Legislativa348. No começo de agosto de 1792, os deputados representantes
de Paris passaram a exigir o destronamento do rei e a proclamação da República. Os
girondinos, que defendiam a monarquia constitucional, ainda dominavam a Assembleia,
mas rapidamente perdiam poder para os republicanos jacobinos349. No dia 10 de agosto
tropas comandadas por Danton350 e Santerre351 cercaram o Palácio des Tuileries, no qual
o rei vivia com a família. Houve um combate intenso, mas Luís XVI conseguiu se
abrigar no edifício da Assembleia, contando com a proteção dos girondinos até que a
suposta invasão austro-prussiana pudesse resgatá-lo. Membros da Comuna de Paris352,
que durante aquela madrugada, temendo a ameaça de invasão externa, convertera-se em
Comuna Insurrecional de Paris, invadiram a Assembleia, exigindo uma nova eleição e a
renúncia dos girondinos que haviam levado o país à guerra. A Assembleia foi
substituída pela Convenção Nacional e o rei destituído e preso. Em 21 de setembro, a
Convenção declarou a França uma República. Com a prisão do rei, o governo passou a

347
Manifeste Brunswick, 1792.
348
TACKETT (2011, p. 54-64) apresenta um panorama geral dos boatos durante a Revolução Francesa.
349
Desde meados de julho, Robespierre, vice-presidente do Club Jacobin , estimulava a derrubada de
Luís XVI.
350
Georges-Jacques Danton comandava o Club Cordeliers, que reunia representantes da população mais
pobre dos subúrbios de Paris, e era ainda mais radical que os jacobinos.
351
Antoine-Joseph Santerre, ligado aos Hébertistes, ou Exagérés (exagerados), grupo criado por Jacques
Hébert que se posicionava à esquerda dos jacobinos, foi um dos líderes da Tomada da Bastilha e,
posteriormente, comandante da Guarda Nacional em Paris.
352
Durante a Revolução Francesa, o governo da capital foi exercido pela Comuna de Paris (1789–1795).
A organização fora criada na véspera da Revolução de 1789, formada por um reitor, assistido por 4
conselheiros e 36 delegados escolhidos entre os membros das famílias burguesas mais antigas da cidade.
O reitor exercia funções judiciais em questões comerciais. Durante o processo revolucionário teve sua
composição alterada, sendo radicalizada. Não deve ser confundida com a Comuna de Paris durante a
revolta de 1871.

112
ser exercido pelo Conselho Executivo Provisório, chefiado por George-Jacques Danton.
A revolução preparava-se para entrar em sua fase mais radical353.

A derrubada de Luís XVI antecipou mais uma onda de ataques à Igreja, que
se prolongou até fins de 1894. Esse movimento foi chamado de descristianização, uma
tentativa de eliminar o cristianismo, suas práticas e crenças do território francês por
meio de medidas impostas pela violência, estabelecendo em seu lugar o culto à razão, e
posteriormente ao Ser Supremo354. A descristianização foi periodizada em dois
momentos: o Petite Terreur, em agosto e setembro de 1792, com a queda da monarquia
e os Massacres de Septembre, e o Grande Terreur, que vigorou desde a execução de
Luís XVI, em 21 de janeiro de 1793, até o suplício de Robespierre, em 29 de julho de
1794, o 9 Thermidor355.

No dia 11, todos os mosteiros, sem exceção, foram fechados; no dia 15


foram abolidas todas as ordens, mesmo aquelas que contavam com escolas e hospitais.
A pressão aumentou contra os sacerdotes réfractaires, sendo que muitos foram presos.
Os religiosos foram obrigados a prestar um novo juramento de lealdade à República, à
Constituição, às novas leis, à liberdade e à igualdade, reforçando os votos realizados em
27 de novembro de 1790 quando da edição da Constitution Civile du Clergé356. A nova
imposição não foi condenada pelo papa Pio VI, o que levou muitos sacerdotes
réfractaires a realizarem o juramento, dividindo o clero entre aqueles fiéis a Roma e os
moderados, como Jacques-André Emery, diretor da Saint-Sulpice357. Após o juramento
de Emery, várias paróquias aceitaram ter o apoio espiritual de algum religioso, mesmo

353
PRICE, 2004, p. 302-308 (e-book).
354
VOVELLE, 1991, p. 6. O termo descristianização nunca foi usado pelos revolucionários franceses; foi
um conceito elaborado por historiadores para definir o período. É um conceito altamente produtivo se
devemos julgar pela riqueza dos estudos que gerou (idem, ibid., p. 5).
355
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 972.
356
LEFEBVRE, 2005, p. 237-238. Novos juramentos de lealdade foram impostos em 1795 e 1797
(MARTINA, 1995, p. 17).
357
MARTINA, 1995, p. 17. Jacques-André Emery, diretor da Compagnie des Prêtres de Saint-Sulpice,
opôs-se à Constituição Civil do Clero, aprovada em 12 de julho de 1790, fazendo com que nenhum
membro da ordem prestasse juramento de lealdade. A rebeldia custou a perseguição à ordem, e a vida de
18 suplicantes, alguns nos Massacres de Septembre. Saint-Sulpice, com seu seminário clandestino,
representava resistência à igreja constitucional, assim, o juramento de Emery foi seguido por muitos
(MOLAC, 2013, s.p.).

113
que fosse um sacerdote constitucional; a aceitação garantiria certa liberdade e
segurança no ministério pastoral. Os bispos que haviam emigrado condenaram as
concessões como fraqueza, e passaram a tratar os moderados com desprezo358.

Em 20 de setembro de 1792, um dia antes da proclamação da República, a


Assembleia Legislativa aprovou um decreto estabelecendo definitivamente a laicidade
do Estado, criando o registro civil, com afastamento da Igreja de todas as tarefas
burocráticas e administrativas da vida dos cidadãos. O registro dos nascimentos359,
casamentos e óbitos passou a ser atribuição municipal, em departamentos públicos
dirigidos por funcionários eleitos na comunidade; os documentos elaborados passaram a
ter validade jurídica. Foi estabelecido o divórcio – Título IV, Seção V, artigo 1º –,
tornando a França o primeiro país a permitir a dissolução legal do casamento, que
poderia ser pedido conjuntamente ou por qualquer um dos cônjuges360. A lei também
determinou que todos os registros religiosos anteriores deveriam ser remetidos para o
órgão civil, e permitiu que todas as religiões pudessem realizar cerimônias, sem fins
civis, para seus fiéis. Em 22 de janeiro de 1793, o Conselho Executivo Provisório
proibiu, sob pena de punição, ao clero continuar mantendo qualquer registro de
batismo, casamento e enterro. A Assembleia também decidiu até retirar do clero sua
função de realizador do censo, trabalho que foi confiado a funcionários civis361.

Na guerra, agosto fora um mês péssimo para as tropas francesas, com uma
série de vitórias dos inimigos, a França assistiu a batalhões se dispersarem, soldados
serem dizimados e cidades fronteiriças tomadas. O clima de desespero provocou uma
caça aos traidores em todo o país. Da frente de batalha chegavam notícias de que

358
MARTINA, 1995, p. 18.
359
No registro de nascimento a criança deve ser apresentada aos funcionários (Título III, artigo 6º). A
idade mínima para os casamentos passou a ser 15 anos para homens e 13 anos para as mulheres (Título
IV, Seção I, artigo 1º) Foi proibida a bigamia (artigo 10) e o matrimônio consanguíneo (Artigo 11), sendo
vedado o casamento de incapazes (artigo 12).
360
No processo de restauração da monarquia francesa, após a derrubada de Napoleão, em 11 de abril de
1814, o divórcio, um veneno revolucionário, foi proibido, sendo reafirmada a indissolubilidade do
casamento. O divórcio foi abolido pela lei de 8 de maio de 1816, também conhecida como Lei de Bonald
– Louis de Bonald, deputado monarquista católico –, buscando restaurar ao casamento toda a sua
dignidade, no interesse da religião, da moral, da monarquia e da família (LÉVY, 1989, s.p.).
361
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 973.

114
sacerdotes réfractaires estariam colaborando com as tropas invasoras, o que alimentava
o já aferrado anticlericalismo das massas revolucionárias e das milícias armadas362. A
notícia da tomada de Longwy363, na fronteira belga, pelas tropas austríacas chegou a
Cambrai, 200 quilômetros de distância ao norte, em 30 de agosto; caíra o único
obstáculo à marcha dos aliados vitoriosos até Paris364. A população da cidade,
enfurecida, executou todos os réfractaires que meses antes haviam sido presos pelos
revolucionários locais. A explosão da fúria popular refletia propostas violentas que os
deputados discutiam na Assembleia. O deputado jacobino Antoine Merlin, também
conhecido como Merlin de Thionville, defendia que mulheres e filhos de exilados
fossem tomados como reféns para forçar sua volta. Jean-Antoine-Joseph de Bry, ou
Debry, advogava a formação de um batalhão de executores para exterminar aristocratas.
Marat insistia que apenas um morticínio poderia salvar a revolução365. Poucos dias após
os incidentes em Cambrai, uma nova explosão de violência eclodiu em Paris.

A capital francesa quedou-se apavorada. A falta de notícias confiáveis não


permitia saber exatamente o que acontecia na guerra e se o exército autríaco-prussiano
já estava a caminho de Paris. O vácuo de poder de 42 dias entre o momento da
derrubada do rei e a proclamação da República, em 21 de agosto de 1792, colaborou
para a formação de um clima de dúvidas e incertezas. A Comuna Insurrecional também
deu sua contribuição ao clima de insegurança, ao revistar sistematicamente toda a
cidade, entre 29 e 31 de agosto, à procura de armas escondidas e conspiradores366. A
vistoria uniu os dois principais rumores que circulavam entre todas as classes sociais da
cidade. Um deles dizia que estava em curso um movimento conspiratório que iria soltar
o rei e eliminar os principais líderes revolucionários; outro descrevia uma rebelião dos
prisioneiros, que seriam soltos e armados pelos traidores da revolução. As prisões

362
Aqui o termo massa é utilizado como definido por Ortega y Gasset, como um grupo de pessoas –
multidão – que se converte em uma determinação qualitativa, que se torna a qualidade social comum, o
homem não diferenciado dos outros homens, mas como repetindo em si mesmo um tipo genérico [que]
implica a coincidência de desejos, ideias, modos de vida, nos indivíduos que a constituem (ORTEGA Y
GASSET, 1932, p. 13).
363
A cidade era um ponto de defesa estratégico na fronteira, o único obstáculo à marcha dos aliados
vitoriosos para Paris.
364
BAX, 1900, s.p.
365
LEFEBVRE, 2005, p. 235-236.
366
TACKETT, 2011, p. 63.

115
estavam repletas, e acreditava-se que eram todos padres, aristocratas e guardas leais ao
rei, o que não era verdade. A ideia obsessiva de que estava em curso uma conspiração
nas prisões367, o desejo de vingança, o medo da chegada das tropas inimigas e a falta de
um governo centralizado provocaram a explosão de violência no dia 2 de setembro de
1792, os Massacres de Septembre368.

Durante dois dias os parisienses invadiram as prisões da cidade executando


a maioria dos prisioneiros. Entre 1.100 e 1.400 pessoas, supostamente ligadas a
atividades contrarrevolucionárias, foram mortas, sendo que, destas, eram 300
sacerdotes369. Nobres, clérigos, membros da Guarda Suíça de proteção ao rei e muitos
criminosos comuns foram mortos com espadas, paus ou lanças. A maior parte das
vítimas da ira popular ainda não havia sido julgada. Existia uma pressão por parte dos
jacobinos para acelerar os julgamentos, e no exato instante das primeiras mortes, os
deputados estavam aprovando uma moção exigindo que os prisioneiros fossem julgados
imediatamente370. Os primeiros mortos estavam detidos na Prefeitura de Paris, depois se
seguiram ataques ao mosteiro carmelita, transformado em cadeia, depois à prisão
Abbaye, à prisão de La Force, ao presídio de Châtelet, além dos presídios de
Conciergerie, Salpêtrière e Bicêtre. Os Journées de Septembre e as mortes só
terminaram em 6 de setembro. Não se soube exatamente quem foram os assassinos,
acredita-se que eram membros da guarda de Paris e tropas do exército que ainda não
haviam partido para a frente de batalha, além de pequenos comerciantes e sans-culottes.
Danton e Marat foram acusados de ordenar e estimular os massacres371, o que nunca

367
Não havia qualquer sinal de rebelião nos presídios de Paris. Os presos políticos, nobres e os religiosos
também acreditavam verdadeiramente que seriam libertados pelas tropas prussianas, que já estariam às
portas da cidade (LEFEBVRE, 2005, p. 236).
368
TACKETT, 2011, p. 64.
369
MARTINA, 1995, p. 15. Teriam sido 223 mortos para LEFEBVRE (2005, p. 237), e 230 segundo
PRICE (2017, p. 17). Um grupo de 115 clérigos mortos no mosteiro carmelita foi beatificado pelo papa
Pio XI em 17 de outubro de 1926, e estabeleceu o dia 2 de setembro dedicado aos Bem-Aventurados
Mártires dos Carmelitas. Entre os mártires estavam: Jean-Marie du Lau’Alleman, arcebispo de Arles;
Pierre-Louis de la Rochefoucauld, bispo de Saintes, e seu irmão François-Joseph de la Rochefoucauld,
bispo de Beauvais, e Ambroise Chevreux, o último superior-geral da Congregação de São Maurício
(Conference des évéques de France).
370
LEFEBVRE, 2005, p. 236.
371
Em seu jornal, Ami du Peuple, na edição 680, de 19 de agosto de 1792, Marat escreveu: Qual é o dever
do povo? A última coisa que precisa fazer, e a mais segura e sábia, é se apresentar em armas diante do
[presídio de] Abbaye, arrebatar os traidores, especialmente os oficiais suíços e seus cúmplices, e matá-
los à espada. Que loucura desejar processá-los! Está tudo pronto; você pegou em armas contra o país,

116
ficou provado, contudo teriam autoridade para impedi-los se assim desejassem372. Os
massacres abriram um abismo intransponível entre a Igreja Católica e a revolução. O
que havia começado com a fundação da igreja constitucional se convertera em luta
aberta contra a Igreja373.

Na Constituição aprovada em setembro de 1791 não havia nada que pudesse


ser considerado um ataque ao catolicismo. A base do texto era a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto, que permitiu a ampla liberdade
religiosa. Os enfrentamentos da revolução com a Igreja Católica, Constituição Civil do
Clero e a nacionalização dos bens da Igreja não tinham como objetivo destruir a
superestrutura religiosa, a crença religiosa, nem mesmo de separar a Igreja do Estado.
Mas a velocidade do processo revolucionário acelerou os confrontos afastando qualquer
possibilidade de conciliação374.

A radicalização da República levou ao poder os jacobinos, com apoio dos


sans-culottes e do governo da cidade de Paris, e recrudesceu a perseguição à nobreza, ao
clero e a toda oposição, dando início ao Grande Terreur, ou Terror Jacobino375. A
execução do rei Luís XVI em praça pública, em 21 de janeiro de 1793, e a prisão e
morte de aristocratas, clérigos, especuladores, opositores da revolução e o exílio de
religiosos376 assustou os países europeus, os quais temiam que o exemplo francês
provocasse rebeliões em seus territórios. O jacobinismo provocou o pânico em Roma,
que viu a igreja francesa ser destruída. O papa Pio VI incitou o imperador austríaco

massacrou os soldados, por que pouparia seus oficiais, incomparavelmente mais culpados? A loucura é
ter ouvido os faladores gentis, que aconselharam fazer deles apenas prisioneiros de guerra. São
traidores que devem ser sacrificados imediatamente, pois nunca poderiam ser considerados sob outro
ponto de vista (BAX, 1900, s.p.).
372
TACKETT, 2011, p. 55.
373
MARTINA, 1995, p. 15.
374
VOVELLE, 1991, p. 103.
375
O Período do Terror foi o período em que o poder político esteve concentrado nas mãos dos
jacobinos, entre 5 de setembro de 1793, com a queda dos girondinos, e 27 de julho de 1794, com a prisão
de Robespierre. Sob o controle dos jacobinos, oficialmente foram mortas 16.594 pessoas em todo o país,
sendo 2.639 só em Paris (LINTON, 2012, s.p.).
376
Estima-se que entre trinta ou quarenta mil padres tenham emigrado durante a revolução, e que vinte
mil tenham abandonado a vida religiosa (PRICE, 2017, p. 19).

117
Francisco II377, imperador do Sacro Império Romano-Germânico e rei da Boêmia e da
Hungria, a dar uma resposta à França, vingando os mártires e restabelecendo o direito
real, a justiça e a religião378. A França precisava ser punida, ou por Deus ou pelos
homens. Entre 1793 e 1794, período do Grande Terreur, os revolucionários
intensificaram os ataques ao catolicismo e aos sacerdotes réfractaires. Com a entrada
em vigor do calendário republicano379, ou calendário revolucionário, foi abolido o
domingo, o dia do catolicismo dedicado à adoração380, assim como todas as festividades
cristãs. Foram dados novos usos para igrejas, mosteiros e conventos, com a destruição
de estátuas e objetos, arte e relíquias sagradas. Sinos foram derretidos e utilizados como
matéria-prima para armas; artigos de ouro e prata foram incorporados ao tesouro para os
esforços de guerra. A partir de 24 de novembro de 1793, todas as igrejas e capelas
foram fechadas em Paris; algumas foram demolidas para a utilização das pedras de suas
estruturas e do chumbo dos telhados; foi proibida a colocação de cruzes no cemitério.
Centenas de sacerdotes refratários foram deportados para a colônia francesa da Guiana,
local em que muitos morreram em decorrência do clima insalubre e do tratamento
severo; outros foram afogados em massa em Nantes ou reunidos em navios antigos e
abandonados ao mar381. Cerimônias religiosas passaram a ser realizadas de forma
clandestina por sacerdotes, leigos e até mesmo mulheres. Em algumas comunidades
mais distantes da capital houve levantes de católicos contra o governo civil
revolucionário382.

Um dos mais conhecidos levantes: populares contra o governo


revolucionário, por sua longa duração e consequências, ocorreu na província de La

377
O imperador Francisco (1768–1835) às vezes aparece citado como II e outras como I; ele foi o último
monarca do Sacro Império Romano-Germânico, Francisco II, entre 1792 e a derrota para Napoleão em
1806; depois tornou-se o primeiro imperador da Áustria como Francisco I, de 1804 até sua morte.
378
PRICE, 2017, p. 17.
379
O calendário republicano começou a ser usado em 6 de outubro de 1793, contando os anos a partir de
22 de setembro de 1792, um dia após a proclamação da República. Foi revogado por um decreto de
Napoleão Bonaparte em 9 de setembro de 1805, que restabeleceu o calendário gregoriano, seguido pela
Igreja Católica, a partir de 1º de janeiro de 1806; esteve em vigência durante 12 anos, 2 meses e 27 dias.
380
A igreja primitiva não permitia um dia dedicado à devoção religiosa, tentando afastar-se das práticas
do judaísmo. Contudo, a partir do século X, foi criada a tradição informal de dedicar um dia a honrar
Virgem Maria; no século XVI, o papa Pio V estabeleceu o domingo como dia de veneração (VAN
DOREN; GUSMER, 2003, p. 718).
381
MARTINA, 1995, p. 16.

118
Vendée, no oeste do país, no litoral do Golfo de Biscay. Durante os primeiros três anos
da revolução, a França havia assistido a seis grandes levantes camponeses, La Grande
Peur (grande medo)383. Os primeiros levantes levaram a Assembleia Nacional a decretar
a abolição dos privilégios feudais em 4 de agosto de 1789. Contudo, em La Vendée, e
em outros que se seguiram, o caráter era distinto. A legislação de terras, aprovada entre
20 e 28 de agosto de 1792, havia dado aos camponeses a propriedade das terras
comuns384, e aboliu, sem exceções, todos os direitos senhoriais sobre os devedores; na
prática, a legislação expropriou os aristocratas de grande parte de suas propriedades. Os
deputados da Convenção ligados aos girondinos, com interesses nas terras comuns,
durante quase um ano conseguiram adiar a efetiva vigência da lei. Os conflitos com os
jacobinos acirraram-se em meados de 1793, quando os girondinos foram denunciados
por sabotarem a revolução; alguns foram presos e vários fugiram para o exterior,
ligando-se à contrarrevolução. Os líderes jacobinos determinaram a destruição dos
títulos de propriedade de terra dos nobres e da Igreja, o cancelamento das dívidas
agrárias e a divisão igualitária das heranças entre herdeiros de ambos os sexos,
incluindo os filhos ilegítimos385. A reforma da propriedade no campo aumentou
enormemente a agitação contrarrevolucionária, com a organização de
levantes:camponês nas áreas rurais; as medidas do governo contra a Igreja serviram
como pretexto para mobilizar a população católica das pequenas cidades por todo o
país.

382
PRICE, 2017, p. 17-19.
383
LEFEBVRE (1988) é quem melhor descreve os levantes no livro La Grande Peur de 1789, mostrando
seu caráter social causado pela fome, pelas más colheitas dos anos anteriores, pelo sistema feudal de
propriedade da terra, pela aristocracia. Os primeiros levantes levaram a Assembleia Nacional a decretar a
abolição dos privilégios feudais em 4 de agosto de 1789. Além desse, ocorreram outros cinco grandes
levantes de camponeses: o segundo, no inverno de 1789-1790, na Bretanha; o terceiro, no inverno de
1790-1791, também na Bretanha; o quarto, no verão de 1791, no centro do país; o quinto, na primavera de
1792, na região de Paris; e o sexto no verão-outono de 1792, em todo o país (GAUTHIER, 2007, p. 76-
77).
384
Terras comuns eram grandes propriedades agrárias que pertenciam a nobres que as arrendavam a
outros senhores, que por sua vez utilizavam a mão de obra camponesa para sua exploração. Os
arrendatários deviam pagar pesadas taxas anuais, as quais eram repassadas para os trabalhadores. O
sistema, que representava cerca da metade das terras agriculturáveis da França, gerava endividamento e,
por conseguinte, a servidão por dívidas dos camponeses (GAUTHIER, 2007, p. 74).
385
Idem, ibid., p. 85-86.

119
A província de La Vendée apresentava um forte sentimento contra o
governo, estimulado por aristocratas e padres refratários, que em agosto de 1793 já
haviam provocado distúrbios na região386. A população local, extremamente católica,
estava descontente com a proibição da liturgia e dos sacramentos, e o fechamento das
igrejas. Os religiosos, em sua grande maioria sacerdotes réfractaires, não jurados,
infringiam as regras e continuavam realizando batizados, casamentos e a unção dos
enfermos387. Para o governo em Paris, as comunidades afastadas das grandes cidades,
que incorporavam em seu dia a dia práticas religiosas e cujas vidas giravam ao redor da
paróquia, eram consideradas focos de contrarrevolução388. Em março de 1793, as igrejas
da região foram fechadas, algumas destruídas, com a deportação de todos os clérigos
que recusaram o juramento. Associada a isso estava a ordem de alistamento para o
exército, que necessitava de tropas para a guerra contra as tropas invasoras a leste.

E assim, na primavera de 1793, , uma das regiões mais prósperas do país,


produtora de grãos e carne, sustentando uma população de oitocentos mil habitantes, em
sua maioria camponeses, vivendo em uma área de pouco mais de sete mil quilômetros
quadrados, rebelou-se. Denominando-se Exército Católico, lutava por objetivos locais,
sobretudo pela reabertura de suas igrejas paroquiais com seus ex-padres389. As tropas
republicanas chegaram somente ao fim de junho, tempo que permitiu que a população
local se organizasse. Quando enfim chegaram, as tropas encontraram cerca de cem mil
camponeses esperando-as em uma verdadeira guerra de guerrilha390. As forças
insurgentes chegaram a ter vitórias expressivas como em Saumur, a 300 quilômetros de
Paris, em 9 de junho de 1793, na qual fizeram 11 mil prisioneiros391. Apesar das vitórias
iniciais, a falta de estratégia militar, de disciplina e de armamento esgotou a energia dos
rebeldes, virando o rumo do conflito392. Mesmo sofrendo derrotas, a população de La

386
LEFEBVRE, 2005, p. 208.
387
SECHER, 2003, p. 52-56.
388
JOES, 2006, p. 51.
389
Idem, ibid., p. 52-53.
390
Idem, ibid., p. 54.
391
Idem, ibid., p. 55. A queda de Saumur interrompeu o tráfego entre Nantes e Tours, deixando o litoral
isolado.
392
As tropas de Vendée esperavam armas e apoio britânico, que lhes prometeu ajuda militar desde que
conseguissem capturar um porto, o que nunca aconteceu (DOYLE, 2002, p. 256).

120
Vendée manteve o combate até o fim do ano. Em 12 de dezembro, os republicanos
conseguiram capturar os insurgentes em campo aberto, em Le Mans, um confronto no
qual as tropas rebeldes foram mortas. Menos de duas semanas depois, em Savenay,
mais alguns milhares de rebeldes foram capturados e mortos. Entre janeiro e março de
1794, após o fim dos combates, foram enviadas para a província as depois chamadas
colonnes infernales (colunas infernais), tropas cuja ordem era exterminar todos os
contrarrevolucionários, evacuar as populações neutras ou patrióticas; tomar as colheitas
e o gado e incendiar as aldeias rebeldes; o objetivo do aniquilamento não só era vencer
militarmente, mas também romper os laços dos rebeldes de Vendée com suas lideranças
aristocráticas, e com camponeses de outras regiões. Foi decretada a pena de morte para
todos os rebeldes e quem os houvesse ajudado – mulheres, crianças e idosos –, assim
como os instigadores contrarrevolucionários. A rebelião contrarrevolucionária e sua
repressão custaram um número imenso de vítimas393.

A proclamação da República acelerou o processo de perseguição à nobreza


e aos membros do clero, a fase do Grande Terreur . A execução do rei Luís XVI em
praça pública, em 21 de janeiro de 1793, e a prisão e morte de aristocratas, clérigos,
especuladores e opositores da revolução assustou os países europeus, que temiam que o
exemplo francês provocasse rebeliões em seus territórios. O jacobinismo provocou o
pânico em Roma, que via a igreja francesa sendo destruída. Mas o extremismo ainda
faria muitas mortes.

Ao longo de 1792 e 1793 o país assistiu à subida dos preços dos alimentos e
do desaparecimento dos gêneros essenciais. Os sans-culottes passaram a pressionar a
Convenção Nacional por um controle de preços, lançando exércitos revolucionários

393
O revisionismo histórico da Revolução Francesa sempre relaciona a repressão a Vendée e as mortes do
período do governo jacobino, o Terror , como sendo apenas expressão da crueldade dos líderes
revolucionários e da alma ditatorial de Robespierre. As críticas ao processo revolucionário escondem os
avanços sociais do período, especialmente aqueles advindos com a reforma agrária (GAUTHIER, 2007,
p. 89-92). A violência revolucionária está inserida em um contexto maior e mais complexo, envolvendo
respostas às questões sociais que a deflagraram e a reação das camadas dirigentes que resistiram à perda
do poder político e econômico. A resistência e a contrarrevolução nasceram do receio da perda do poder,
do status e da riqueza (HAYNES; WOLFREYS, 2007, p. 3).

121
contra os acumuladores e os gananciosos e antipatriotas habitantes do campo. A medida
era obstruída pelos girondinos, eles mesmos comerciantes e produtores. No dia 5 de
setembro, uma marcha sobre Paris levou uma multidão até a Convenção reunida. A
radicalização dos sans-culottes levou ao poder os jacobinos, afastando os girondinos.
Doze dias depois foi aprovada a Loi des Suspects (lei dos suspeitos), dando poderes
absolutamente abrangentes ao Comité de Sûreté Générale et de Surveillance (comité de
segurança geral e vigilância), podendo prender todo aquele que, por qualquer meio, se
mostrasse opositor ao regime. Em 16 de outubro de 1793, a rainha Maria Antonieta e
um grupo de girondinos foram mortos, iniciando um processo que eliminaria ao redor
de 16 mil pessoas sob a lâmina da guilhotina394.

O extremismo prevaleceu até 27 de julho de 1794, o 9 Thermidor, quando a


Convenção Republicana, aproveitando-se da divisão entre as lideranças jacobinas,
decretou a condenação de Robespierre, Saint-Just395, Couthon396 e mais 17 líderes dos
jacobinos; todos foram decapitados no dia seguinte. Oitenta e três membros da Comuna
de Paris e da prefeitura seriam executados nos dois dias seguintes397. As leis de exceção
foram anuladas e um novo governo assumiu, composto com maioria dos girondinos que
haviam sobrevivido à radicalização jacobina. Ao longo do período do Grande Terreur ,
dezenas de padres não jurados e freiras foram julgados e condenados à morte; entre elas
16 carmelitas, as Mártires de Compiègne, em 16 de julho de 1794398. Após a execução
de Robespierre, a perseguição foi atenuada, sem, contudo, desaparecer.

394
DOYLE, 2002, p. 251-253.
395
Louis Antoine Léon de Saint-Just (1767–1794) foi eleito para a Convenção em 5 de setembro de 1792,
e votou pela execução do rei. Foi um dos líderes do Comitê de Salvação Pública, durante o Terror
Jacobino.
396
Georges Couthon era advogado e maçom. Pertenceu ao Club Jacobin e foi deputado na Assembleia
Nacional. Sob inspiração de Robespierre, foi o redator da Loi 22 Prairial, ou Loi de la Grande Terreur
(lei do grande terror), aprovada em 10 de junho de 1794, que simplificou e agilizou o processo de
execução, eliminando o direito de defesa. Foi executado juntamente com Robespierre em 28 de julho de
1794 (PALMER, 2005, p. 365-366). Quando da aprovação da 22 Prairial, Couthon afirmou que crimes
políticos eram muito piores que crimes comuns, porque, no primeiro caso, apenas indivíduos são feridos,
ao passo que no segundo a existência da sociedade livre é ameaçada (SCHAMA, 1989, p. 835).
397
SCHAMA, 1989, p. 844.

122
Pouco antes do golpe girondino, os jacobinos estavam divididos: os
revolucionários mais exaltados estavam descontentes com a insistência de Robespierre
em criar religiões, juntamente com seus seguidores mais próximos. A primeira iniciativa
ocorreu em 10 de novembro de 1793, com instituição do Culte de la Raison, aprovado
pela Comuna de Paris, sob orientação de Pierre Chaumette399 e Jacques Hébert400, com
uma cerimônia na Catedral de Notre-Dame, três dias após Jean Gobel, o bispo
constitucional da capital, ter sido induzido a abdicar; ele foi seguido por seus vigários-
gerais e, pouco depois, por mais de 400 padres parisienses jurados401. Na catedral, foi
erguido um santuário em homenagem à razão e à liberdade. Foi construído um pequeno
templo grego, ladeado de bustos representando figuras importantes do Iluminismo:
Montesquieu, Rousseau, Voltaire e Benjamin Franklin; também foi apresentado o hino
Sainte Liberté (santa liberdade), de André Chenier, e uma publicação, o Moniteur du
Culte de la Raison (monitor do culto da razão), editado por Pierre Chantreau. As
lideranças radicais afirmavam que o cristianismo era tirânico e sobrenatural demais,
prestes a ser extinto. Por ordem da Comuna, em 24 de novembro de 1793, todas as
igrejas em Paris foram transformadas em templos da Razão. Após a morte de Hébert e
Chaumette, guilhotinados respectivamente em 24 de março e 13 de abril de 1794, a
religião laica foi convertida no Culte de l’Être Suprême (culto ao Ser Supremo)402.

Para Robespierre e Georges Couthon o ateísmo era por demais aristocrático,


sendo que uma crença em um Être Suprême era republicana. O Culte de l’Être Suprême
foi criado em 7 de maio de 1794, tendo Robespierre como pontífice, determinando que a
comemoração seria celebrada em 8 de junho, substituindo o domingo de Pentecostes. O

398
Em 1902, o papa Leão XIII declarou as freiras Veneráveis, o primeiro passo para a canonização.
Foram beatificadas pelo papa Pio X, em maio de 1906. Os carmelitas, homens e mulheres, dedicaram o
dia 17 de julho para a celebração de sua memória.
399
Pierre Gaspard Chaumette (1763-1794) foi presidente da Comuna de Paris e dirigente jacobino
ultrarradical durante o Grande Terreur. Acusado de ser uma das lideranças dos Massacres de Septembre,
em 1792, defendia a eliminação do cristianismo na França.
400
Jacques Hébert, juntamente com Georges-Jacques Danton, comandava o Club Cordeliers, criou o
grupo Hébertistes, ou Exagérés, posicionado à esquerda dos jacobinos.
401
VOVELLE, 1991, p. 103.
402
LAWLOR, 2003, v. 11, p. 945-946.

123
culto era baseado nas ideias de Rousseau403, com dois princípios: crença na existência
de um Ser Supremo, cujo templo era o universo e seu sacerdote a natureza, e na
imortalidade da alma. O culto impunha obrigações aos fiéis: odiar a tirania e defender os
oprimidos. Os jacobinos radicais acharam que o culto era reacionário e alguns católicos
mais ingênuos acreditavam que a revolução teria feito as pazes com a religião. O culto
existiu até a morte de Robespierre, em 28 de julho de 1794404. Em abril do mesmo ano
um grupo de intelectuais criou a Theophilanthropy, uma religião livre de dogmas e de
todas as restrições morais, também baseada nas reflexões iluministas de Voltaire e
Rousseau. Nunca se tornou uma religião de Estado405. Ao fim do período do Grande
Terreur, mesmo a igreja constitucional estava em decadência406.

A morte de Robespierre também pôs fim ao governo dos jacobinos, mas


acabou com a violência; em muitas cidades políticos e funcionários públicos
identificados com o regime do Grande Terreur foram caçados e mortos. O novo
governo comandado pelos girondinos, de caráter conservador, perseguiu e executou os
adversários, anulou boa parte da legislação do período anterior, inclusive a Loi 22
Prairial, e libertou os presos políticos. O controle dos preços dos alimentos e dos
gêneros essenciais foi cancelado; o fato, aliado à crise financeira, ao rigoroso inverno de
1794-1795 e à desestruturação produtiva provocada pelos jacobinos, gerou fome,
desabastecimento e tumultos populares nos anos seguintes. As comunidades religiosas
que haviam sido aparentemente destruídas durante o Grande Terreur voltaram a ser
organizadas. Por todo o país as igrejas foram reconstruídas e o culto ao Ser Supremo foi
abandonado em favor do catolicismo. Mulheres por toda a França começaram uma
campanha pela reconsagração, obrigando os padres a anularem os sacramentos
realizados durante a existência da igreja constitucional; as missas, as festas religiosas e
os festivais tradicionais foram restaurados407. Muitos religiosos que resistiram ao

403
Para Rousseau haveria de se dar primazia ao sentimento, sem, contudo, abandonar a razão. O homem
sensível teria amor por seus semelhantes, alcançando a verdadeira moralidade altruísta; sua consciência
seria a voz imortal e celestial, que penetraria no mundo dos fenômenos revelando-lhe as verdades mais
importantes, aquelas que iriam iluminar seu destino (LEFEBVRE, 2005, p. 57).
404
LAWLOR, 2003, v. 13, p. 626.
405
Idem, ibid., v. 13, p. 930.
406
MARTINA, 1995, p. 16.
407
SCHAMA, 1989, p. 854.

124
Grande Terreur na clandestinidade puderam voltar ao sacerdócio, mas a situação
política, mesmo com o governo girondino, era outra.

O governo que se instaurou após setembro de 1794, a Reação Termidoriana,


investiu na separação entre Igreja e Estado. A política era antes de tudo pragmática; o
custo do clero constitucional era elevado, e a economia francesa, enfrentando guerra
com todos os seus vizinhos, estava em frangalhos408. Em uma de suas primeiras
medidas, o governo decidiu primeiro deixar de pagar salários ao clero, abandonando
definitivamente a igreja constitucional. Curiosamente, a separação entre Igreja e Estado
deixou catolicismo e protestantismo com o mesmo status legal: ambas estavam sujeitas
às mesmas leis que regulamentavam e restringiam o culto público409. A Convenção
aprovou por unanimidade o livre exercício de todas as religiões, limitadas apenas à
ordem pública ao estado de guerra410, princípio que estava na nova Constituição
aprovada em outubro de 1795. A educação secular, sem nenhum sinal religioso, era uma
prova da liberdade de culto.

O golpe de 18 Fructidor foi uma tomada de poder por membros do


Diretório francês, em 4 de setembro de 1797, promovido pelos membros do Diretório:
Paul Barras, Jean-François Rewbell e Louis Marie de la Révellière-Lépeaux, com o
apoio de militares, deram um golpe de estado contra os monarquistas, que haviam
obtido 87 cadeiras nas eleições, conseguindo impor o nome de Jean-Charles Pichegru,
assumidamente monarquista, como presidente do Conselho. O golpe contou com o

408
Quando da Reação Termidoriana, a França estava enfrentando guerra contra a o Sacro Império
Romano-Germânico, a Áustria, o Reino Unido, Nápoles, Sicília, Portugal, a Prússia e Espanha e Países
Baixos, os três últimos até 1795, quando foram invadidos por tropas francesas.
409
DESAN, 2008, p. 563. Para Lutero, não era possível chegar ao conhecimento de Deus por meio do
mundo físico, mas apenas por intermédio da fé; o mundo físico não tinha mais significado religioso. Na
prática isso representou a secularização da política; uma vez que a realidade mundana era totalmente
oposta à espiritual, a Igreja e o Estado devem operar independentemente. A secularização da política
começou como uma nova forma de ser religioso (ARMSTRONG, 2009, p. 101).
410
Em 17 de outubro de 1794, 11 irmãs ursulinas, as Mártires de Valenciennes, da cidade de
Valenciennes, foram acusadas de traição. As freiras, que estavam em Paris, haviam retornado para a
cidade, na fronteira com a Bélgica, logo após a região ser invadida por tropas austríacas, em 1793. Apesar
de afirmarem que voltaram para a terra natal a fim de ensinar a fé católica, foram enviadas à guilhotina no

125
apoio de Napoleão, prestigiado comandante do Exército francês na península italiana,
então com 28 anos. Os monarquistas foram presos e as eleições anuladas. Foi imposta
lei marcial, com ordem para matar quem apoiasse o Antigo Regime. O golpe promoveu
nova perseguição aos religiosos, a quem foi imposto novo juramento de lealdade. Entre
setembro de 1797 e novembro de 1799, mais de dois mil padres foram presos e
degredados para a Guiana; vários morreram ainda antes de chegarem à colônia na
América411.

O apoio de Napoleão ao golpe de 18 Fructidor já demonstrava a força do


jovem general, que com apenas 26 anos, em 5 de outubro de 1795, 13 Vendémiaire,
comandara uma tropa de artilharia em Paris e repelira um ataque monarquista, matando
mil e quatrocentos rebeldes; logo em seguida recebeu o comando das forças francesas
na península italiana. As tropas francesas, em março de 1796, avançaram contra a
península italiana, chegando a Roma em menos de um ano. Contando com nove mil
soldados no território dos Estados Pontifícios, Napoleão não encontrou muita
resistência, impondo ao papa Pio VI o Tratado de Tolentino, assinado em Bolonha, em
19 de fevereiro de 1797. Pelos termos do tratado, o papa comprometeu-se a pagar à
França pesadas indenizações, abriu mão de qualquer reivindicação sobre a cidade papal
de Avignon, o Comtat Venaissin, que fora ocupado pelas forças francesas no início da
revolução412. O papa também concordou com a criação da República Cisalpina, criada
por Napoleão no norte da península italiana, após a expulsão dos austríacos que
ocupavam a região. O papado reconheceu o confisco de tesouros artísticos de Roma,
que foram levados para o Museu do Louvre em Paris. O tratado manteve os Estados
Pontifícios intactos, mas impôs ao papa uma rigorosa neutralidade perante os conflitos
no restante da Europa. Em 2 de fevereiro de 1798, as tropas italianas, dessa vez
comandadas por Louis-Alexandre Berthier, invadiram novamente Roma, após o
assassinato, dois meses antes, do general Mathurin-Léonard Duphot, que estava na

mesmo dia. Foram beatificadas pelo papa Bento XV em 13 de junho de 1920, sendo-lhes dedicado o dia
17 de outubro (LAWLOR, 2003, v. 14, p. 371).
411
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 975.
412
O Comtat Venaissin, um enclave no território francês ao redor da cidade de Avignon, fazia parte dos
Estados Pontifícios desde 1274; também compreendia a região da cidade de Valréas, que foi comprada
pelo Papa João XXII. O controle papal durou até 1791, quando foi anexado ao território francês.

126
cidade juntamente com Giuseppe Bonaparte, irmão de Napoleão413. Berthier aprisionou
o papa Pio VI, levando-o prisioneiro para a França, onde veio a morrer em 29 de agosto
de 1799, em Drôme, no sudeste do país414. No dia 15, um grupo de algumas centenas
dos pró-franceses no Capitólio declarou solenemente o fim do poder da Igreja sobre a
cidade, e o nascimento da República Romana, também chamada de República Romana
Jacobina, que durou poucas semanas415. Após a campanha do Egito, valendo-se de sua
popularidade, em 9 de novembro de 1799, Napoleão deu um golpe de estado, o 18
Brumaire, tornando-se primeiro cônsul e dividindo o consulado com Roger Ducos e
Emmanuel Sieyès. No cargo, prometeu garantir as conquistas da revolução, como
liberdade de opinião e crença, igualdade entre religiões e venda de propriedades
religiosas. Napoleão sabia que para restabelecer a ordem era essencial desarmar a ainda
muito ativa contrarrevolução francesa, e para isso precisava se reconciliar com o
catolicismo romano416.

O primeiro cônsul permitiu a volta dos exilados417, inclusive os padres,


desde que cumprissem a Constituição; também autorizou a reabertura das igrejas e dos
cultos públicos, deixando clara sua opção pela Igreja Católica Romana, em oposição à
Constitution Civile du Clergé418. Também garantiu liberdade de culto ao catolicismo na
Bélgica, na Renânia, na península italiana e em outros territórios anexados à França.
Napoleão Bonaparte não possuía fortes crenças religiosas pessoais, mas entendia a
importância política da religião, e sua penetração nas camadas populares, porém
também via a igreja estabelecida como uma forma de controle social419. Mesmo antes da
chegada de Bonaparte ao poder, já era possível identificar um renascimento religioso na
França. Estatísticas da Igreja, em 1796, anunciavam que mais de 32 mil igrejas

413
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 976.
414
Seu sucessor, o cardeal Barnaba Niccolò Maria Luigi Chiaramonti (1742–1823), que adotou o nome
de Pio VII em homenagem a Pio VI, foi eleito somente em 14 de março de 1800, em um conclave com
regras extremamente simplificadas, realizado em Veneza, sob proteção da Áustria (MARTINA, 1995, p.
20).
415
Idem, ibid., p. 19.
416
LEFEBVRE, 2011, p. 116.
417
A volta dos exilados provocou conflitos no interior da França, especialmente na Normandia. Muitos
nobres tentaram retornar a suas terras, então ocupadas por camponeses; muitos aristocratas foram mortos
nessa tentativa (DWYER, 2013, p. 81).
418
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 976.

127
francesas já contavam com clérigos; em 1797, o bispo constitucional de Rennes, e
posteriormente arcebispo de Besançon, Émile Le Coz (1740–1815), declarara que
quarenta mil paróquias foram dotadas de ministros. Mesmo supondo que os números
estariam em muito aumentados, é fato que houve um retorno significativo à prática
religiosa durante o período do Diretório420. Entre 1799 e 1800, já durante o consulado,
milhares de clérigos emigrados e exilados retornaram à França, e fizeram um juramento
à Constituição e ao novo governo, demonstrando a volta da atividade religiosa no país.

Como a entronização de Ercole Consalvi (1757–1824) como papa Pio VII, e


após as longas negociações dos intermediários da Santa Sé com o governo francês, que
exigiram 21 rascunhos e oito meses de discussão421, em 15 de julho, foi assinada a
chamada Concordata de 1801422. Alguns esforços para realizar um tratado com a Igreja
haviam sido tentados anteriormente entre o governo do Diretório e um agente do papa
Pio VI, ainda tendo como base a Constituição Civil do Clero423; um rascunho de tal
acordo fora redigido, mas o pontífice não assinara424. O acordo de 1801 continha 17
artigos, garantindo liberdade de culto ao catolicismo romano na França, mas
condicionando-o aos controles políticos do Estado. O artigo 1º garantia o direito à
liberdade de culto, enfatizando desde que conduzido em conformidade com os
regulamentos do governo; o artigo 2º estabelecia novos limites para dioceses e
paróquias, em colaboração com o governo (artigo 9º); determinava que os bispos
deveriam ser primeiramente nomeados pelo primeiro cônsul e, só então, receber a
investidura canônica do papa (artigos 4º e 5º); os artigos 6º e 7º exigiam que os bispos e
padres fizessem juramentos de obediência e lealdade ao governo; os padres deveriam
ser nomeados por seus bispos de acordo com o governo (artigo 10). Quanto aos bens da

419
ROBERTS, 1999, p. 35-36.
420
Idem, ibid., p. 39.
421
DESAN, 2008, p. 564.
422
Em muitos textos o documento aparece como Concordata de 1802 porque sua regulamentação, Les
Articles Organiques (os artigos orgânicos), só foi aprovada em abril de 1802. Um representante do papa,
arcebispo Giuseppe Maria Spina (1756–1828), desejava que a Concordata apresentasse em seu preâmbulo
a expressão religião dominante e fosse aceita, mas, por fim, catolicismo foi definido como a religião da
maioria dos cidadãos franceses (ROBERTS, 1999, p. 45).
423
Na Concordata de 1801 a Constituição Civil do Clero não foi citada de forma expressa, mas sua
extinção estava implícita. Aqueles que se opuseram à sua extinção criaram a Petite Église (pequena
igreja), um movimento cismático que existiu até a década de 1910.

128
Igreja expropriados durante o processo revolucionário, o papa comprometeu-se a não
questionar aqueles que os haviam adquirido (artigo 12); já os bens que porventura não
houvessem sido confiscados pela revolução ficariam à disposição dos bispos (artigo 13).
Aos católicos seria permitido fazer doações a fundações eclesiásticas, desde que na
forma de títulos do governo (artigo 16). Nos artigos 14 e 15 o governo garantia uma
renda aos bispos e padres425. A Concordata foi ratificada pela Encíclica Ecclesia Christi,
em 15 de agosto de 1801426. Eminências do governo francês como Charles Talleyrand e
Joseph Fouché (1759–1820)427, respectivamente ministros das Relações Exteriores e da
Polícia, ambos ex-padres, assim como o diplomata conde de Hauterive (1754–1830)428
opuseram-se ao acordo, demonstrando o anticlericalismo que ainda existia nos círculos
político e militar429. A Assembleia Legislativa também resistiu, mas foi coagida por
Napoleão, que afastou os deputados mais resistentes. Os membros do governo mais
próximos ao primeiro cônsul, que haviam sido escolhidos entre os revolucionários
moderados, em sua grande parte discípulos de Voltaire, diziam-lhe que estava
cometendo um erro ao permitir a volta da Igreja Católica na França; para eles o
cristianismo deveria ser considerado morto. A Concordata foi festejada apenas pelos
membros do clero, com exceção daqueles que juraram fidelidade à constituição
revolucionária, e que seriam demitidos; dos numerosos possuidores de propriedades da
Igreja, que até então se sentiam inseguros, e cujo acordo confirmava a propriedade; e da
grande massa de camponeses, que não sabia ler nem escrever, e que ansiava pela volta
das missas em suas igrejas. O clero no exílio fez objeções, mas aceitou a Concordata; o
papado anuiu ao acordo sob a ameaça militar da França430.

424
ROBERTS, 1999, p. 39.
425
Idem, ibid., p. 47.
426
[...] 11. Antes de tudo, o governo francês fez a declaração solene de reconhecer que a religião
apostólica católica romana é a religião professada pela grande maioria dos cidadãos franceses. [...] 12.
Nessas circunstâncias, antes de mais nada, ficou estabelecido que na França a religião apostólica
católica romana é exercida livremente. [...] 15. O primeiro cônsul da República francesa nomeará os
arcebispos e bispos da diocese da nova circunscrição e apresentará as indicações dentro de três meses, a
partir da publicação de nossa constituição apostólica (Encíclica Ecclesia Christi).
427
Joseph Fouché, duque de Otrante, durante os levantes populares contra o governo revolucionário, em
1793, foi responsável pela repressão em Lyon, ficando conhecido como Le bourreau de Lyon (o carrasco
de Lyon), cidade na qual cerca de duas mil pessoas foram mortas.
428
Alexandre Maurice Blanc de Lanautte, conde de Hauterive, foi conselheiro de Estado de Napoleão, e,
por várias vezes, ministro temporário das Relações Exteriores da França.
429
PRICE, 2017, p. 22. Alguns militares chegaram mesmo a tramar contra a vida de Napoleão, que,
segundo eles, estaria traindo a revolução (BRANDES, 1906, p. 42).
430
BOUDON, 2016, p. 47 (e-book); BRANDES, 1906, p. 43.

129
As concessões de Napoleão feitas à religião na Concordata, que para seus
contemporâneos representavam o abandono de uma das principais bandeiras da
revolução, estavam fundadas sobre sólidos fundamentos de economia política. Os 12
anos de conflitos haviam mergulhado a França em profundas dificuldades econômicas.
A fome ainda rondava a população mais pobre; a prosperidade esperada não existia. Em
meados da década de 1790 mais da metade do país não era cultivado. As terras que
haviam sido expropriadas do clero, da nobreza e dos emigrados haviam sido pagas por
seus compradores em papel-moeda, e o meio de pagamento havia sido corroído pela
inflação. A salvação econômica do país estava na volta da produção agrícola nas terras
que haviam sido vendidas. Contudo, não havia segurança jurídica na propriedade da
terra; não havia a certeza da posse das áreas, uma vez que a Igreja ainda pleiteava sua
devolução. O fim do período do Grande Terreur e a volta dos girondinos após setembro
de 1794, a Reação Termidoriana, trouxe a reivindicação da devolução das propriedades.
Ao impor ao papa a renúncia à devolução dos bens expropriados – artigo 12 – Napoleão
buscava dar aos compradores das terras a segurança que desejavam431.

A regulamentação da Concordata, os Articles Organiques (artigos


orgânicos), também conhecida como Loi du 18 Germinal an X, de 8 de abril 1802, foi
elaborada pelo conselheiro de Estado Jean-Etienne-Marie Portalis (1746–1807), chefe
da Administração de Cultos432. A lei criou o Ministério dos Cultos, que entre outras
atribuições administrava o crescente orçamento, pagando os salários clericais e
fornecendo bolsas de estudo para seminaristas, e estipêndios para noviças, nas

431
BRANDES, 1906, p. 48-50.
432
Portalis, juntamente com François Denis Tronchet (1726–1806), Félix-Julien-Jean Bigot de Préameneu
(1747–1825) e Jacques de Maleville (1741–1824), foi responsável pela elaboração do Código Civil
francês, outorgado por Napoleão Bonaparte e que entrou em vigor em 21 de março de 1804. Foi o
primeiro documento de codificação de leis do mundo moderno, regulamentando a relação das pessoas
umas com as outras, destas com as coisas e com as leis. Em seu mais importante discurso, Discours
préliminaire au projet de code civil, apresentou princípios centrais do Código Civil: a garantia da lei
escrita como forma de impedir a discricionariedade jurídica, a segurança jurídica, a não retroatividade das
leis, e o princípio geral da ordem pública, sobrepondo-se aos interesses pessoais individuais. Em abril de
1804, foi nomeado por Napoleão ministro dos Assuntos Religiosos (PORTALIS, 2004).

130
crescentes congregações femininas433. Os 77 artigos do documento regularizaram a
posição dos protestantes, concedendo certo reconhecimento oficial, até então
desconhecido, a luteranos e calvinistas, cujos ministros também eram pagos pelo erário
francês; denominações menos expressivas, como os batistas, metodistas ou menonitas,
não foram reconhecidas, mas foram toleradas não oficialmente434. O judaísmo era
legalmente tolerado e suas lideranças não renunciaram à sua autonomia perante a
autoridade estatal, apesar de haver boa interlocução entre o as lideranças judaicas e o
Ministério dos Cultos.

Quanto ao catolicismo, os Articles Organiques reafirmaram princípios do


galicanismo, consagrados no livro Les libertés de l’Église Gallicane (1594), de Pierre
Pithou, e na declaração Quatre articles, de 1682, declarando a independência da França
perante Roma, e impuseram muitas restrições à atuação do papado em território francês.
Apesar de representarem o regimento e a regulamentação para a aplicação da
Concordata de 1801, os Articles não foram assinados pelo papa Pio VII em sinal de
protesto contra o que entendeu ser a volta da Igreja Galicana. As restrições à Santa Sé
apareciam já em seu artigo primeiro, que estabelecia que nenhuma bula, suma,
revogação, decreto, mandado, provisão, ou qualquer outro elaborado por Roma, mesmo
que dissesse respeito apenas a um indivíduo, podia ser recebido, publicado, impresso ou
colocado em prática em território francês sem a autorização do governo. Da mesma
forma, ninguém exerceria qualquer função dentro da Igreja Católica sem a mesma
autorização (artigo 2º). Todas as publicações católicas, assim como as decisões dos
sínodos estrangeiros, exigiam a aprovação prévia do governo francês435 (artigo 3º); os
concílios e sínodos ou assembleias do clero francês também deveriam ser aprovados

433
DESAN, 2008, p. 566. Após a Concordada assistiu-se a um forte movimento de feminização do
catolicismo. As congregações femininas ofereciam educação às meninas, ao passo que o regime
napoleônico disponibilizava formação secundária secular apenas para meninos. Ao longo do século XIX
houve um forte crescimento das ordens religiosas femininas, que cresceram a taxas espetaculares, com
12.300 membros em 1808, e 104.000 em 1861. A Revolução Francesa despertara o fervor e a audácia de
muitas mulheres católicas, tanto leigas como religiosas, que desafiavam o governo civil (Idem, ibid., p.
568). MARTINA (1995, p. 110) apresenta números do crescimento das ordens femininas.
434
DESAN, 2008, p. 566.
435
Restrição semelhante já existiu durante o Antigo Regime, o que provocou muitas resistências do rei
Carlos IX quando da discussão da recepção na França das deliberações do Concílio de Trento, em meados
do século XVI.

131
expressamente pelo governo (artigo 4º). Os privilégios e as isenções foram abolidos
(artigo 10).

Os párocos passaram a ser nomeados pelos bispos, que estavam proibidos


de dar-lhes a investidura canônica, até a aprovação estatal de sua nomeação e a
realização do juramento de fidelidade à França (artigos 18 e 19)436, e eram obrigados a
residir em suas dioceses, só podendo deixá-las com autorização (artigo 20). Os bispos
também se tornaram responsáveis pela criação de seminários e pela escolha dos
professores e alunos (artigos 23 a 25). Foram adotados apenas uma liturgia e um
catecismo para todas as igrejas católicas na França (artigo 39). Foi escolhido o antigo
catecismo escrito pelo bispo de Meaux, o galicano Jacques Bénigne Bossuet (1627–
1704) em 1687, cuja publicação o rei Luís XIV outrora aprovara437. Aos padres foi
proibido ordenar orações públicas extraordinárias em sua paróquia sem a permissão
especial do bispo (artigo 40), repetindo uma antiga determinação galicana que os
obrigava a cumprir a liturgia dentro das regras prescritas pelo bispo, nada podendo
acrescentar; as missas ordinárias, além dos domingos, ocorriam no Natal, na Páscoa, na
Assunção de Maria e no Dia de Todos os Santos. Também pautada em uma regra
anterior à Revolução Francesa era a determinação de que os sermões e as pregações
solenes somente poderiam ser realizados por padres que houvessem obtido permissão
especial do bispo (artigo 50); segundo um relatório de Portalis, a medida visava vetar o
púlpito aos pregadores condenados ou mesmo suspeitos de heresia: Deste princípio
fluem tantas ordenanças pelas quais antigos reis proibiam o púlpito de ser usado por
pregadores turbulentos e preocupados, proibindo-os de usar palavras escandalosas ou
emocionalmente propensas438. Os párocos, assim como os pregadores das missas
paroquiais, deveriam rezar pela prosperidade da República francesa e pelos cônsules

436
Segundo uma explicação de Portalis à época, a preocupação visava excluir do clero francês indivíduos
suspeitos, ou que viessem a conspirar contra o Estado (DUPIN, 1845, p. 219).
437
O catecismo de Bossuet foi reeditado em 1806 com uma epígrafe reproduzindo a epístola de São
Paulo: Unus Dominus, una fides, unum baptisma – um Senhor, uma fé, um batismo – (DUPIN, 1845, p.
223). Bossuet foi tutor do filho de Luís XIV, Luís, o Grand Dauphin, pai de Luís, o Petit Dauphin ,
respectivamente o avô e o pai do futuro rei Luís XV. Algumas de suas obras mais importantes –
Exposition de la doctrine de l’Église Catholique (1671), Traité de la connaissance de Dieu et de soi-
même (1677) e Discours sur l’histoire universelle (1681) – foram escritas para a educação do “delfim”,
que, esperava, viria a se tornar um rei filósofo e cristão (BAKER, 1990, p. 51).
438
Relatório do ministro dos Cultos citado por DUPIN (1845, p. 227).

132
(artigo 51), assim como evitar qualquer acusação direta ou indireta, seja contra
indivíduos ou contra outros cultos autorizados pelo Estado439. Estavam proibidas todas
as cerimônias religiosas fora dos edifícios dedicados ao culto católico, como procissões,
nas cidades nas quais houvesse templos para diferentes religiões (artigo 45); a regra
visava evitar uma repetição de incidentes registrados durante as Guerras Religiosas que
ocorreram na França (1562 a 1598), entre católicos e huguenotes – protestantes
reformados e calvinistas440. Também a bênção nupcial passou a ser restrita apenas
àqueles que provassem que contraíram matrimônio perante o oficial civil (artigo 54),
sendo que a desobediência à disposição era considerada crime previsto nos artigos 199 e
200 do Código Penal. Por fim, em nenhuma parte do território francês poderia ser
erguida uma paróquia sem a autorização expressa do governo (artigo 61)441.

O novo episcopado francês foi composto por 16 bispos do Antigo Regime,


anteriores à revolução, 12 bispos constitucionais, que mais tarde assinaram uma
retratação do passado, e 32 padres foram promovidos. Entre eles estava o padre Joseph
Fesch, tio de Napoleão pelo lado materno, que fizera o juramento de lealdade durante o
Grande Terreur, e que, mais tarde, também assinou uma retratação. Ao mesmo tempo,
foram reorganizadas três mil paróquias, contra as mais de 30 mil em 1789442. A
composição social do episcopado mostra uma preocupação de Napoleão em consolidar-
se perante as elites; 47% dos bispos pertenciam à nobreza, 33,8% à burguesia e 11,8% à
pequena burguesia artesanal e mercante; os bispos anteriores a 1789 eram todos da

439
Quase dois séculos e meio antes, em 1561, uma portaria do rei Carlos IX determinou: proibimos, sob
pena de prisão, todos os pregadores de usar, em seus sermões ou em qualquer outro lugar, palavras
escandalosas ou que tendam a excitar o povo à emoção; por isso ordenamos que se contenham e se
comportem modestamente, que não digam nada que não seja para a instrução e edificação do povo e que
o mantenham em “tranquilidade e descanso” (DUPIN, 1845, p. 228).
440
As Guerras Religiosas Francesas, entre 1562 e 1598, teriam provocado a morte de mais de três milhões
de pessoas, que morreram no período por violência, fome ou doença; além de fortalecer o absolutismo
francês, as guerras destruíram a economia como um todo, e a agricultura em particular. Da mesma forma,
provocaram um declínio da nobreza feudal, o fortalecimento da ainda incipiente burguesia comercial e
praticamente o desaparecimento dos pequenos proprietários de terras. Também foi fortalecido o papel
religioso das mulheres, tocadas por uma onda de piedade penitencial e espiritualidade; ao fim das guerras
foram fundadas dezenas de novas ordens religiosas – entre outras Ordre des Carmes Déchaux (1591),
Ordre de la Très-Sainte-Annonciation (1604), Clarisses Capucines (1604 na França), Ordre de Sainte-
Ursule (1608 na França), Visitation de Sainte-Marie (1610) – e conventos para mulheres; também houve
um aumento do papel feminino na coleta de esmolas e em obras de caridade (HOLT, 2005, p. 199-216).
441
DUPIN, 1845, p. 213-232.
442
Segundo PRICE (2017, p. 26), em 1798 havia cerca de 50 mil sacerdotes ativos na França.

133
nobreza443. Quanto aos estudantes em seminários, entre 1808 e 1809, 60,4% provinham
de famílias camponesas abastadas, 21% do mundo dos artesãos e pequenos
comerciantes, e 18,5% eram filhos de comerciantes ou funcionários444.

A ordenação de novos padres foi permitida, mas passou a ser submetida a


controles rígidos, aprovados pelo Estado445; foi estabelecido um catecismo único para
toda a França, e a afirmação da precedência obrigatória do casamento civil sobre o
religioso, e o domingo foi restabelecido como um dia religioso festivo, a partir de 18 de
abril de 1802, domingo de Páscoa446.

Por pressão de Bonaparte, a Santa Sé foi forçada a regularizar a condição de


centenas de padres seculares que haviam casado durante a revolução, muitos dos quais o
fizeram para escapar da perseguição. Já havia um precedente, fornecido pelo papa Júlio
III, pontífice entre 1550 e 1555, que em 1554 permitira que, na Inglaterra, padres
casados permanecessem como leigos ou se separassem das esposas, reingressando no
sacerdócio. Os Articles Organiques obrigavam os sacerdotes a manter a lei canônica,
que proibia o casamento de clérigos, mas também permitia àqueles que haviam entrado
nas ordens sagradas contrair matrimônio, desde que abandonassem o sacerdócio. Como
explicou Jean- Marie Portalis, o ministro do Culto, os homens casados que uma vez
receberam ordens sagradas gozavam de todos os direitos, liberdades e vantagens
garantidas pelas leis do Estado, desde que se abstivessem do sacerdócio. Em um breve
apostólico, Etsi apsostolici principatus, sobre o governo apostólico, negociado pelo
cardeal Francesco Spina447 em 15 de agosto de 1801, o papa Pio VII aceitou remover as
censuras contra os padres do clero secular, e todos que haviam casado antes da
Concordata foram laicizados e puderam ter a validação do casamento. Após a

443
BOUDON, 2016, p. 85 (e-book).
444
PRICE, 2017, p. 26.
445
Entre 1790 e 1802, as ordenações praticamente foram suspensas (PRICE, 2017, p. 25).
446
MARTINA, 1995, p. 22-23.
447
O cardeal Francesco Carafa della Spina di Trajetto (1722–1818) foi um dos principais negociadores da
Concordata. Era parente do papa Paulo IV e do papa Paulo V e vinha de uma longa linhagem de cardeais,
que remontava ao século XIV.

134
Concordata, o representante do papa para acompanhar seu cumprimento, o cardeal
Giovanni Battista Caprara (1733–1810), passou a receber centenas de pedidos de
sacerdotes do clero regular que procuravam reabilitar seu casamento e se reintegrar à
Igreja Católica como leigos. Para Roma, monges e monjas que haviam feito votos
solenes de castidade e mais tarde, durante a revolução, casaram-se cometeram uma
ofensa mais grave contra a Igreja do que os clérigos seculares, porque havia um duplo
impedimento a seu casamento, tendo entrado nas ordens sagradas além de terem feito
votos solenes de castidade. Em um documento posterior, em 27 de outubro de 1802,
Inter plura illa mala, entre esses e muitos males, o papa Pio VII regulamentou o status
de todo e qualquer religioso, de ambos os sexos, que houvesse se casado antes de agosto
de 1801. Após a permissão, Caprara recebeu milhares de petições, quase mil apenas em
1803. Em seus formulários com o pedido, os religiosos casados forneciam informações
sobre suas vidas profissionais: 40% estavam envolvidos na administração civil, e mais
de 25% eram professores. A maioria dos peticionários tinha apenas um filho, sendo que
centenas, três ou mais filhos; a miséria era generalizada entre eles448. O futuro primeiro-
ministro francês, Charles Talleyrand (1815), também viria a ser beneficiado pela
autorização papal.

A Concordata era uma promessa de restauração do catolicismo na França e


nos países anexados, mas não envolvia ressarcimento pelas perdas, nem concessões ou
privilégios especiais449. A tolerância perante o catolicismo na França não encontrava
eco nos outros Estados satélites da França. No Reino de Nápoles, por exemplo,
governado por Giuseppe Bonaparte450, irmão do imperador, religiosos foram obrigados
a prestar juramento de lealdade a Napoleão, e aqueles que recusaram foram deportados;
noviciados e seminários foram fechados, assim como as dioceses cujos padres estavam
exilados451.

448
CAGE, 2015, p. 135-138.
449
A Concordata de 1801 sobreviveu até dezembro de 1905, quando o governo da Terceira República
legislou a separação entre Igreja e Estado (LATREILLE, 2003, v. 5, p. 977).

135
Em um primeiro momento, a aceitação da Concordata pelo papa Pio VII foi
vista como a total capitulação ao Estado francês. Com a aceitação do poder de Roma, o
acordo criou de fato um precedente significativo que, por décadas, foi defendido como o
grande triunfo do papado, e, mais tarde, do novo ultramontanismo452, sobre a Igreja
Galicana. Pela primeira vez a hierarquia havia sido restabelecida na França por um
papa, fazendo do pontífice romano a autoridade eclesiástica dominante no país453.
Contudo, as consequências da Concordata não eram tão simples.

Por um lado, ao tornar o clero dependente do Estado, a Concordada acabou


por fortalecer as posições do papado. O baixo clero havia ficado totalmente dependente
de seus bispos, fortalecendo a noção de hierarquia dentro da igreja francesa. Da mesma
forma, a nomeação dos bispos, que deveriam ser nomeados pelo governo e
posteriormente sacramentados pelo papa, também não ocorreu como desejado pelas
autoridades civis. A investidura canônica , na prática, tornou o papa o verdadeiro chefe
do episcopado. Isso ficou claro quando Pio VII se recusou a dar a investidura imediata
aos indicados do imperador, adiando o ato por anos. Uma vez que a Concordata não
previa um tempo para a instalação, o papa não violou o acordo. A percepção de que não
havia controle sobre a Santa Sé teria sido uma das razões para a invasão dos Estados
Pontifícios e a prisão do papa em julho de 1809. Por outro lado, a criação do Ministério
dos Cultos institucionalizou o poder civil sobre a igreja francesa por cem anos, até
1912, quando suas funções foram incorporadas ao Ministério do Interior.

As vitórias iniciais do governo francês foram a longo prazo obscurecidas


pelos ganhos da Igreja em áreas que se revelaram muito significativas. O galicanismo,
um cisma perigoso para o papado, havia perdido força, e os católicos franceses agora
estavam livres para praticar sua religião. Também importante foi a liberdade

450
Giuseppe-Napoleon Bonaparte (1768–1844), irmão mais velho de Napoleão, que o tornou rei de
Nápoles (1806–1808, como Giuseppe I) e, mais tarde, rei da Espanha (1808–1813, como José I).
451
MARTINA, 1995, p. 25.
452
O termo ultramontanismo, assim como suas variações, foi usado ao longo do texto como um sinônimo
para o ultraconservadorismo reativo da Igreja.
453
ROBERTS, 1999, p. 48.

136
indiretamente concedida às ordens religiosas e congregações, que, por não estarem
mencionadas na Concordata, puderam retornar à França, crescendo de forma
exponencial nas décadas seguintes. Essas consequências foram muito importantes para
o renascimento do catolicismo francês454. Em vez de restabelecer a Igreja Galicana sob
seu controle direto, Napoleão criou uma situação híbrida, na qual o catolicismo francês
passou a ser dividido entre Paris e Roma, dependente da Cúria Romana455, mas também
dependente do Estado.

Após a realização de um plebiscito, com 60% dos votos, foi aprovada a


criação do Império francês, e Napoleão indicado imperador. A coroação ocorreu em 2
de dezembro de 1804, na Catedral de Notre-Dame. Apesar da presença do papa Pio VII,
Napoleão recusou-se a receber a coroa de suas mãos, em um gesto que simbolizava que
não se submeteria a Roma, o que ficaria provado em pouco tempo456. Em novembro de
1806, Napoleão ainda em guerra com a Inglaterra, publicou o Decreto de Berlim,
estabelecendo o Bloqueio Continental, proibindo que todos os territórios franceses, ou
Estados satélites, em uma área que ia da Espanha à Rússia, permitissem o atracamento
em seus portos de barcos do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, ou simplesmente
Reino Unido, Estado monárquico constitucional criado em 1º de janeiro de 1801457. A
recusa de Roma em aderir ao bloqueio foi apresentada como motivo de Bonaparte a
uma maior radicalização, mas havia outras questões, como a demora do papa em dar
investidura canônica aos novos bispos, como previsto na Concordata de 1801, assim
como sua resistência à incorporação à França dos territórios italianos458. Em 2 de

454
Idem, ibid., p. 55.
455
Em sua origem, cúria significava o lugar onde o Senado se reunia. Na fase cristã do Império romano
passou a significar tribunal que tinha o bispo e seus conselheiros como juízes, passando, mais tarde, a
definir toda a equipe do bispo. Na alta Idade Média passou a indicar o conjunto de homens que
trabalhavam a serviço do papa em qualquer outro lugar e não somente em Roma. A partir do movimento
da contrarreforma o termo passou a ser usado para designar congregações ou dicastérios por meio dos
quais o papa exercia autoridade espiritual e jurisdicional sobre a Igreja (CHADWICK, 1981, p. 321).
456
As cerimônias religiosas assim como tudo o que se relacionava com a restauração da autoridade
sacerdotal e com a reinstituição do culto católico estavam tão em desacordo com os costumes e as ideias
que haviam prevalecido na França desde a revolução que as testemunhas de tais ritos mal podiam
acreditar em seus próprios olhos; eles não conseguiam se convencer de que aquilo era sério (BRANDES,
1906, p. 47).
457
Apenas Portugal, profundamente vinculado à Inglaterra, não acatou o decreto, o que provocou a
invasão francesa em 1808, e a fuga da família real para o Brasil.
458
PIRIE, 1936, p. 302.

137
fevereiro de 1808, as tropas francesas ocuparam Roma, e anexaram os Estados
Pontifícios à França. Em 10 de julho de 1809, o palácio papal foi invadido e Pio VII
preso; também foram presos o cardeal Bartolomeo Pacca (1756–1844), pró-secretário
de Estado, e todos os mais fiéis apoiadores do papa. Um mês antes de sua prisão Pio VII
publicara a Encíclica Quum memoranda detalhando os abusos provocados pelos
franceses nos anos anteriores, e excomungando Napoleão e seus agentes em Roma459. A
medida era invulgar; o último soberano excomungado pela Igreja fora Henrique IV, em
agosto de 1589, pelo papa Sixtus V, durante a luta pela sucessão do trono francês460.

Pio VII foi levado ao exílio forçado, primeiramente em Savona, nas


cercanias de Gênova, sob controle francês, e depois, em junho de 1812, em
Fontainebleau, há 60 quilômetros de Paris461. Os símbolos papais – anel, selos e
ornamentos usados durante as cerimônias – foram levados a Paris, assim como parte da
administração da Santa Sé; o imperador cogitava reinstalar a sede do catolicismo na
cidade462. Isolado, semirrecluso e pressionado, Pio VII, em 25 de janeiro de 1813,
assinou com Napoleão a Concordata de Fontainebleau, fazendo ainda mais concessões
ao imperador, como a abdicação de sua soberania temporal, concordando em residir na
França. Pouco tempo depois, alegando estar emocionalmente abalado à época, retirou
sua assinatura. A prisão do papa não provocou muitos protestos na França, uma vez que
o clero francês estava muito dependente do imperador, contudo, em outros lugares,
como na Espanha, Áustria, Bélgica, e nos Estados italianos, a defesa do catolicismo
conseguiu unir a população contra a ocupação francesa; as igrejas nacionais estavam
prontas para apoiar os movimentos de resistência a Napoleão porque sabiam que
contavam com o apoio do papado463. Pouco mais de um mês após a queda de Napoleão,

459
No passado, acreditávamos e esperávamos que o governo francês [afrouxasse] os freios à impiedade e
ao cisma, estimulado pelo voto unânime da grande maioria dos cidadãos. [...] com entusiasmo iniciamos
as negociações de paz [...]. Que fruto nasceu dessa indulgência e da nossa generosidade? [...] Portanto,
excomungamos e anatematizamos novamente, se necessário, seus diretores, advogados, consultores,
adeptos ou, de qualquer forma, implicados na execução dos males acima mencionados (PIO VII,
Encíclica Quum Memoranda, 1809.
460
DWYER, 2013, p. 318. Henrique IV foi rei da França (1589–1610), e primeiro monarca francês da
dinastia Bourbon; também foi rei de Navarra, como Henrique III (1572–1610).
461
MARTINA, 1995, p. 24.
462
DWYER, 2013, p. 318-320.
463
BOUDON, 2016, p. 325 (e-book).

138
em abril de 1814, chancelada pelo Tratado de Fontainebleau, fora assinado entre França
e Áustria, Rússia e Prússia, Pio VII conseguiu voltar a Roma464.

Ainda enquanto o papa Pio VII se encontrava preso em Fontainebleau,


Napoleão tentou obter o controle da igreja da França com a realização do Concílio de
Paris, em junho de 1811. A ideia inicial do imperador era transferir o poder papal de
nomeação dos bispos franceses, estabelecido pela Concordata de 1801, para o arcebispo
metropolitano de Paris, mas enfrentou a resistência dos 104 bispos franceses e italianos
reunidos. A grande maioria dos religiosos, tanto galicanos quanto romanistas, assinou
um documento exigindo a libertação do papa. Apesar das pressões governamentais, os
bispos questionaram a competência do concílio, realizado sem a convocação formal e
sem a presença papal. Da mesma forma, durante 49 dias a comissão de organização
negou a instauração do encontro, ou a aprovação de qualquer documento, sem a
aprovação de Pio VII. O concílio terminou em 5 de agosto sem produzir nenhuma
declaração465. Os líderes dos rebeldes franceses foram presos, e o restante teve de
rapidamente voltar às suas sedes466.

O exílio definitivo de Napoleão na Ilha de Santa Helena, na costa da África,


em 15 de outubro de 1815, pôs fim a 26 anos de turbulências entre a França e a religião.
Após a restauração monárquica, ao tomar posse como o novo rei, Luís XVIII foi
pressionado pelos bispos do Antigo Regime, que o seguiram no exílio, a restaurar o
catolicismo anterior à revolução. A Constituição aprovada em 4 de junho 1814
proclamou o catolicismo como a religião do Estado, sem, contudo, voltar atrás quanto à
liberdade religiosa467.

464
No folclore popular da época, Napoleão era um representante do diabo na Terra, se não o próprio,
imagem que a prisão de Pio VII veio alimentar ainda mais. Sobre o imaginário popular a respeito de
Napoleão ver JENSEN, Oskar Cox. Napoleon and British Song, 1797–1822, 2015.
465
MAYOL DE LUPÉ, 1916, p. 240-246.
466
PIRIE, 1936, p. 302.
467
BOUDON, 2016, p. 352 (e-book).

139
A restauração europeia começou com o Congresso de Viena; foi o processo
no qual a monarquia europeia buscou recuperar sua legitimidade, apoiada em princípios
anteriores à Revolução Francesa, princípios estes que já estavam enfrentando a pressão
política de uma burguesia ascendente. Ao contrário do desejo declarado de buscar uma
paz estável no continente, o Congresso provocou uma instabilidade que gerou mais de
cem anos de turbulências que viriam a culminar na Primeira Guerra Mundial. Tentando
restabelecer o mundo europeu anterior às guerras revolucionárias francesas e às guerras
napoleônicas, as fronteiras foram redesenhadas e o poder foi reconfigurado sobre bases
negociadas por líderes conservadores, que resistiam ao pensamento liberal468. Nascia
uma Europa politicamente conservadora, que buscava restaurar o passado em um
mundo que nunca mais seria o mesmo. As transformações ocorridas nas quase três
décadas revolucionárias haviam abalado as monarquias europeias, assim como os
valores da Igreja Católica. As doutrinas revolucionárias – substituição da autoridade
emanada de Deus pela soberania popular, liberdade de opinião e de consciência, a
igualdade entre os indivíduos, casamento civil, educação secularizada e separação entre
Igreja e Estado – iam contra os ensinamentos tradicionais da Igreja, e haviam abalado
profundamente a noção de autoridade do papado. A luta contra esses preceitos e pela
reconquista de sua antiga autoridade seria a tarefa central do papado no século
seguinte469.

O catolicismo ainda contava com a fé e a devoção da população,


especialmente na França. A revolução, a partir da reflexão dos filósofos do Iluminismo,
construíra conceitos que no futuro se tornariam verdades absolutas para uma boa parcela
da humanidade – entre eles liberdade de consciência e tolerância religiosa –, mas que
para a população comum francesa não foram entendidos como conquistas, e sim como
afrontas. Para os revolucionários, a separação da Igreja do Estado, a educação e a

468
A principal figura no congresso foi o chanceler austríaco príncipe Von Metternich (Klemens Wenzel
Nepomuk Lothar, Príncipe de Metternich-Winneburg zu Beilstein) (1773–1859), grande responsável pela
redefinição das fronteiras da Europa após a queda de Napoleão. Opositor do liberalismo, atuou para
reconduzir as monarquias ao poder, e restringiu a influência da França e da Rússia no continente. Seu
conservadorismo não era movido por uma sólida teoria de governo; apenas atuava para restabelecer um
mundo que havia desaparecido sob os escombros da Revolução Francesa (WOODWARD, 1963,
Introdução).
469
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 977.

140
liberdade iriam colocar fim na religião em geral, e no catolicismo em particular, e que a
era dos dogmas havia passado470; contudo não compreenderam que grande parte do
povo, profundamente ignorante, e imbuído de ideias e sentimentos transmitidos de
geração em geração durante séculos, não havia desistido de seu credo. Parte da
preservação da fé católica deveu-se em boa medida às mulheres, mesmo aquelas
pertencentes às famílias de classe média, para quem a Igreja nunca deixou de ser uma
referência. A violenta perseguição à religião durante mais de dez anos despertou na
população mais simples, junto aos camponeses e perante as mulheres, uma forte
simpatia pela Igreja e por seus padres. E a reação veio rapidamente. Na Bélgica, que
fora incorporada à França, o banimento do clero provocou insurreições em todo o país,
levando o governo francês a reprimir duramente os movimentos camponeses. A França
assistiu, entre 1795 e 1800, a dezenas de levantes: semelhantes àqueles ocorridos em La
Vendée. Na virada do século, o partido monarquista e eclesiástico possuía vantagem em
quase todas as comunas rurais dos 12 departamentos ocidentais471. Tudo isso seria o
caldo de cultura para a reabilitação da religião, e que logo ganharia seus teóricos
ultramontanos.

1.4. O clero francês no início do século XIX

As bases da Europa reconstruída pelo Congresso de Viena eram muito


diferentes daquelas existentes antes de 1789; o processo revolucionário havia quebrado
a ordem social, política e econômica, e provocado profundas transformações na Igreja
Católica. O galicanismo francês, extremamente ligado ao Antigo Regime, havia sofrido
um duro golpe quando a revolução, em novembro de 1789, confiscou e nacionalizou os
bens da Igreja e instituiu a Constitution Civile du Clergé, em julho do ano seguinte.
Vinte e cinco anos depois a igreja francesa havia perdido os bens, o episcopado, as

470
Um relatório oficial, elaborado durante a Convenção, vaticinava: Em breve os homens apenas
conhecerão esses dogmas tolos, fruto do medo e da ilusão, para desprezá-los. Em breve a religião de
Sócrates, Marco Aurélio e Cícero será a religião do mundo (BRANDES, 1906, p. 32-33).

141
fronteiras das dioceses, a coesão, a identidade e a hierarquia. Ao longo do século XVIII,
os bispos galicanos foram vistos por Roma como rebeldes e desobedientes, que
tentavam produzir um cisma no seio da Igreja. Após 1815 essa imagem persistia; o
galicanismo sobrevivera entre os bispos franceses, apesar de bem mais fracos sem o
antigo apoio do Estado. O episcopado francês, mesmo sofrendo pesados ataques de
Roma e do ultramontanismo militante, conseguiu renovar-se e manter-se fiel às teses
galicanas, que ainda resistiam à concentração do poder da Igreja na Santa Sé472.

Como seus contemporâneos em outros países, esses novos bispos contavam


com o respeito profundo pela autoridade do papado, maior do que muitos de seus
congêneres anteriores à revolução. Os galicanos eram bem-educados e sérios sobre suas
responsabilidades pastorais: queriam preservar práticas locais legítimas, defender os
direitos e as responsabilidades eclesiásticas tradicionais e defender a autoridade
suprema dos concílios episcopais. Acreditavam que a preservação da igreja local
representava o fortalecimento do catolicismo na França473. Para eles, a Santa Sé era o
centro onde todas as coisas chegam ao fim, e não a fonte de onde todas as coisas
emanam474.

Em meados do século XIX os religiosos galicanos na França enfrentaram


intensas e agressivas campanhas do clero ligado a Roma, e de parte da imprensa que
havia aderido às teses ultramontanas. Esses argumentos foram bem assimilados pelo
baixo clero, pouco instruído, que saía em grande quantidade dos seminários
reconstruídos. Apesar de a pesquisa histórica não comportar generalizações, e não ser
correta, do ponto de vista epistemológico, a definição de posições ideológicas baseadas

471
BRANDES, 1906, p. 35.
472
Grande parte da bibliografia sobre o período foi escrita por religiosos, ou autores leigos claramente
católicos, que, em sua maioria, apresentam o galicanismo após 1815 como um cadáver insepulto perante
o avanço inexorável do ultramontanismo, o que, a pesquisa histórica demonstra, não era verdade. Essa
tese, sem fundamentação histórica, quase sempre reproduz os argumentos de prelados ultramontanos da
época. Uma pesquisa bem documentada, com fontes primárias, pode ser encontrada em GOUGH, Paris
and Rome: The Gallican Church and the Ultramontane Campaign, 1848-1853.
473
O’MALLEY, 2018, p. 56.
474
FRAYSSINOUS, 1818, p. 79.

142
em origens sociais, o clero francês pós-revolucionário apresentava uma clara divisão a
partir de sua situação de classe475, que estava diretamente ligada à sua formação.

Os clérigos liberais e galicanos, em sua maioria, eram provenientes das


camadas burguesas, com uma boa educação anterior à do seminário, conseguindo boa
interlocução com o público educado. Por sua vez, a maior parte dos religiosos
conservadores ou ultramontanos era predominantemente oriunda da baixa nobreza, ou
das categorias rurais ou da classe trabalhadora, mais inclinados a se distanciar dos
mecanismos do mundo secular e a confiar em convicção mística da vitória redentora, e
com boa penetração nas camadas mais pobres da população476. Os seminários franceses
voltaram a existir por força da Concordata de 1801. Desde a restauração da Igreja na
França, os bispos tornaram-se responsáveis pela organização de seus seminários, com
seus regulamentos devendo ser submetidos ao governo para aprovação, e ficar
submetidos ao Ministério dos Cultos. Os bispos também foram incumbidos de
apresentar às autoridades de Estado os nomes dos professores e dos alunos de
seminários477.

A formação do clero francês estava nitidamente dividida em classes sociais,


que se manifestava na existência de duas instituições distintas: os petit séminaire e os
grand séminaire – seminários inferiores e superiores478. Durante a primeira metade do
século XIX, o clero paroquial francês oriundo dos seminários inferiores era muito
malformado, com uma enorme distância entre o ensino nos colégios e nas universidades
leigas. Entre 1879 e 1801, toda a juventude francesa cresceu sem nenhuma educação

475
Aqui o conceito é utilizado segundo definição proposta por WEBER (1982, p. 212): “Classes” não
são comunidades; representam simplesmente bases possíveis, e frequentes, de ação comunal, [...]
quando: 1) certo número de pessoas tem em comum um componente causal específico em suas
oportunidades de vida, e na medida em que 2) esse componente é representado exclusivamente pelos
interesses econômicos da posse de bens e oportunidades de renda, e 3) é representado sob as condições
de mercado de produtos ou mercado de trabalho [assim] “situação de classe” [seria] a oportunidade
típica de uma oferta de bens, de condições de vida exteriores e experiências pessoais de vida, e na
medida em que essa oportunidade é determinada pelo volume e tipo de poder, ou falta deles, de dispor de
bens ou habilidades em benefício de renda de uma determinada ordem econômica.
476
GOUGH, 1996, p. 15-16.
477
Artigos 21 a 23 dos Articles Organiques (DUPIN, 1845, 220).

143
religiosa, e ouvindo que os religiosos eram contrarrevolucionários e inimigos do povo.
No mesmo período o sacerdócio praticamente desapareceu, com padres mortos ou
exilados. A nova geração de sacerdotes que surge após a Concordata não tinha relação
com costumes e hábitos antigos, não aceitava a autoridade da hierarquia do clero, nem
havia nascido nas altas classes. Para poder suprir todos os cargos vagos, sua formação
religiosa era superficial e rápida479. Após a restauração católica, mais da metade dos
religiosos que estavam disponíveis para o serviço paroquial tinha mais de 50 anos, e em
1850, o número de ordenações não superava as mortes e aposentadorias480. A carreira
clerical não parecia interessante às famílias das classes médias, cada vez mais
numerosas. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, durante o Antigo Regime, o
recrutamento era facilitado por perspectiva e vantagens que a Igreja, associada ao poder
real, podia oferecer aos jovens. No século XIX, ao contrário, os filhos de ricos
proprietários de terras, industriais ou altos funcionários católicos eram insensíveis aos
apelos da Igreja, e preferiam estudar em colégios jesuítas, mas evitavam o sacerdócio
religioso.

O recrutamento para os seminários inferiores vinha principalmente das


camadas mais pobres da população. Em 1845, estimava-se que 85% do clero paroquial
provinha das classes trabalhadoras, cerca de 60% dos seminaristas eram originários das
camadas camponesas e o restante vinha de famílias da pequena burguesia e de famílias
de artesãos. Apenas 10% dos seminaristas eram filhos da burguesia ou das classes
médias urbanas. No mesmo ano, quase metade dos oito mil seminaristas na França
recebia ajuda financeira por meio de doações do governo, sendo que em alguns
seminários todos os alunos eram bolsistas, uma vez que suas famílias não tinham
condições nem mesmo de lhes pagar as passagens e de lhes comprar roupas481. Muitas
vezes as famílias camponesas enviavam aos seminários mais de um filho como forma
de evitar a divisão das terras quando da partilha das heranças. Assim, a vida religiosa
era, muitas vezes, uma alternativa para evitar a fome e a miséria absoluta.

478
Tradução livre; optou-se mais pelo sentido que pela tradução literal.
479
WOODWARD, 1963, p. 239.
480
GOUGH, 1996, p. 20.

144
Aos candidatos à vida religiosa não eram feitas muitas exigências
intelectuais. Por mais de uma década os seminários não existiram; muitos religiosos
morreram ou foram exilados, ordens religiosas e congregações eruditas desapareceram;
não havia professores para os jovens que buscavam a igreja. Os poucos remanescentes
eram velhos, sobreviventes da Revolução Francesa, que transmitiam aos alunos
desconfiança e rancor contra o mundo secular482. Assim, como o corpo docente, as
bibliotecas e instalações dos seminários foram dizimadas ao longo do processo
revolucionário. Aos pobres que lhes procurava, a igreja francesa apenas podia oferecer a
pobreza de seus próprios recursos.

Nos seminários inferiores o jovem interno estudava a eloquência sagrada, a


liturgia da missa e outras cerimônias, e a piedade pessoal, com pouco tempo para
estudos acadêmicos formais. Uma rotina rígida, com muitos exercícios espirituais para
desenvolver a disciplina pessoal, impedia a dedicação ao estudo. A educação era em
francês, e o latim apenas mais um tema no currículo, o que lhes impedia a leitura de
documentos pontifícios, textos de Direito Canônico, assim como a maior parte da
literatura eclesiástica. Os jovens chegavam a esses seminários vindos de áreas rurais,
muitas vezes falando o patois483, para quem o francês era tão difícil quanto o latim.
História era aprendida por meio de leituras em voz alta durante as refeições, e apenas 5
dos 80 seminários franceses apresentavam a disciplina no currículo. Para o uso no dia a
dia dos párocos havia antigas coleções de sermões e homilias pré-escritos para missas e
todas as outras circunstâncias, que, mesmo quando bem lidos, representavam
conhecimento arcaico, totalmente descolado do mundo moderno e da vida de pessoas
reais484; os seminaristas nada sabiam de política ou dos negócios do dia a dia, da

481
Dados citados por GOUGH (1996, p. 21), obtidos junto aos Archives Nationales e arquivos do
Ministère des Cultes, em Paris.
482
GOUGH, 1996, p. 22.
483
Tradicionalmente o termo francês patois é utilizado para designar uma linguagem fora dos moldes
formais, ainda que baseada na língua-padrão de um determinado país. Contudo, essa visão arcaica já foi
superada por estudos linguísticos mais recentes, que entendem que um patois é, sim, um idioma, falado
em apenas uma pequena região, como uma forma variante do idioma principal (WALTER, 1988, p. 4 do
e-book).
484
GOUGH, 1996, p. 25-26.

145
educação, das relações entre o capital e o trabalho, e quase nunca tinham acesso a um
jornal. Nas cidades maiores, os padres, com seu pouco conhecimento e minguado
salário485, estavam em uma clara situação de inferioridade perante os fiéis da classe
média e da burguesia. Suas despesas, assim como seus sermões, eram, ainda por força
das determinações da Concordata de 1801, vigiados e fiscalizados pelos conselhos
municipais; um comentário inadequado, ou um gasto não explicado, poderia ser objeto
de um relatório da polícia religiosa perante o Ministério dos Cultos. Os párocos não
tinham a quem recorrer, seja na busca de ajuda cultural, política ou financeira. As
camadas médias e burguesas apresentavam-se formalmente como católicas, mas
tratavam com distância e condescendência o humilde clérigo paroquial486, que também
não podia recorrer aos bispos. Ao lado da nulidade educacional do baixo clero, havia
uma outra formação religiosa, que se assemelhava a uma educação universitária.

Os seminários superiores eram projetados para os jovens de origem


burguesa, rigorosamente selecionados entre os alunos dos seminários inferiores487, ou
convidados a ingressar diretamente após terem concluído o ensino médio em faculdades
públicas. Esses seminários formavam a elite clerical, destinada a fornecer os futuros
bispos, superiores de seminário, vigários gerais, diretores de revistas católicas e párocos
em paróquias de grandes cidades. Aos futuros líderes da hierarquia católica eram
conferidos muitos privilégios, como poder vagar livremente pela cidade, ter seus
próprios livros e manter correspondência com o mundo exterior. O mais importante
seminário superior era o de Saint-Sulpice, em Paris, cuja formação geral e religiosa se
assemelhava àquela oferecida pelas boas universidades do país. O seminário conseguiu
preservar sua biblioteca em Paris, bem como um núcleo de professores que haviam

485
Os Articles Organiques, que regulamentaram a Concordata de 1801, em seus artigos 64 a 66,
estabeleceram os salários do clero francês. Os arcebispos receberiam 15 mil francos anuais e os bispos,
dez mil francos. Os párocos de primeira classe, mil e quinhentos, e os de segunda classe, mil (DUPIN,
1845, p. 230). Já o salário de um empregado não especializado era de 800 francos por ano; um
trabalhador qualificado, em meados do século XIX, poderia ganhar até dois mil francos, e um cartorário
notário, ao menos quatro mil francos. Na alta hierarquia do clero, um religioso que se tornasse cardeal
recebia um valor adicional de dez mil francos a seu salário anual (GOUGH, 1996, p. 27 e 30).
486
Idem, ibid., p. 29.
487
Em geral esses jovens provenientes de famílias pobres eram apadrinhados em sua formação por um
bispo ou por uma família nobre, para que continuassem seus estudos nos seminários superiores (GOUGH,
1996, p. 34).

146
obtido seus diplomas universitários antes de 1789. Em meados da década de 1830,
Saint-Sulpice de Paris já havia voltado a seu nível anterior à revolução, podendo,
inclusive, oferecer a seus alunos de elite a possibilidade de frequentar aulas na
Universidade Sorbonne. Em geral, os seminários superiores recebiam candidatos de
bom nível, ingressando diretamente no sacerdócio depois de uma sólida educação laica.
Depois de dois anos de uma educação generalista, que podia incluir até mesmo
matemática e botânica, os alunos faziam mais dois anos de teologia, história eclesiástica
e estudos bíblicos, e, posteriormente, mais um ano com a ênfase ao estudo da doutrina
católica e consagração pessoal. Durante o estudo, todos os alunos, incluindo sulpicianos
e lazaristas488, aprendiam os princípios do galicanismo; estudavam história eclesiástica,
filosofia e literatura patrística, com o intuito de lembrar-lhes que a igreja da França é
uma igreja nacional, com certos costumes tradicionais, e que expressa um ponto de
vista particular e característico sobre suas próprias relações com o Estado e o papado
romano489.

Desde a assinatura da Concordata de 1801 havia um clima de tensão entre a


maioria dos bispos e o baixo clero, o que os levava a se comportar quase como
adversários. Os bispos do século XIX, paradoxalmente, possuíam mais poder que seus
precursores do Antigo Regime, cujo mando era controlado por conferências episcopais,
assembleias diocesanas e atos oficiais. Após a Concordata, os bispos restabeleceram a
antiga autoridade, podendo escrever seus próprios regulamentos diocesanos, conforme
determinavam os Articles Organiques de 1802, com autoridade absoluta sobre
quinhentos ou seiscentos padres, um seminário e dezenas de escolas e faculdades;
também mantinham contatos constantes com prefeitos, gabinetes ministeriais e
acadêmicos, viajando para o exterior sempre que preciso. Outra causa de atritos entre o
episcopado e o conjunto dos padres estava na nomeação eclesiástica. Antes da
revolução o bispo era mais uma voz a ser ouvida no caso da nomeação de um padre, ou

488
A Congregação da Missão, Lazarista, ou Vicentina, é uma comunidade de sacerdotes e irmãos,
fundada por São Vicente de Paula em janeiro de 1617, tornando-se permanente em abril de 1625,
dedicada à formação de clérigos. Durante a Revolução Francesa sofreu pesadas perdas, com o fechamento
das 78 casas vicentinas então existentes. Voltou a existir após a Concordata de 1801, sendo oficialmente
legalizada em 1804. Em poucas décadas abriu inúmeros seminários na França e no exterior.
489
GOUGH, 1996, p. 36-39.

147
de sua remoção para outra paróquia; além do próprio rei, reitores de universidades e
colégios, abades e centenas de leigos influentes exerciam o direito de nomeação,
estabelecendo uma relação de agradecimento dos clérigos para com seus padrinhos.
Após 1802 esse poder sobre mais de 37 mil vigários passou a se concentrar unicamente
nas mãos dos bispos; um padre em atrito com a autoridade do bispo podia ser
transferido ou dispensado sem consulta ou recurso490.

Nos confrontos entre o alto clero, em geral galicano, e o baixo clero,


romanizado e em boa medida ultramontano, a nomeação dos religiosos para os altos
cargos eclesiásticos pelo Ministério dos Cultos, entre 1830 e 1850, tornou-se um
elemento-chave para o controle da Igreja na França. Todas as vezes que se abria uma
vaga o ministério examinava as muitas indicações, feitas por pessoas influentes na
sociedade francesa, de seus amigos ou parentes. Cada nomeação era avaliada pelos
integrantes do ministério, estes em sua maioria juristas e historiadores preocupados em
manter o galicanismo, que verificavam se o candidato possuía qualidades intelectuais e
boa reputação social. Nessa avaliação o conselho do arcebispo da província vaga era
muito importante491. Os bispos não eram escolhidos por suas qualidades religiosas ou
apostólicas, mas que fossem piedosos e de conduta impecável, certamente, e alguma
reputação na ciência eclesiástica; mas [...] homens com habilidades administrativas
sem serem burocratas puros492; melhores seriam aqueles que houvessem exercido
alguma responsabilidade em nível episcopal. Frédéric de Marguerye (1802–1876), bispo
em Saint-Flour e posteriormente em Autun, teria defendido que, acima de tudo, os
candidatos [que não seriam santos ou profetas] devem ser homens capazes de garantir o
respeito do público por uma religião por meio de seus excelentes modos, sua dignidade
pessoal e seu conhecimento do mundo. Todas as qualidades são mais fáceis de
encontrar entre as classes altas493. Do candidato também se desejava que fosse de

490
Idem, ibid., p. 30.
491
No fim da década de 1840, cinco arcebispos eram os principais conselheiros dos técnicos do ministério
em decorrência das suas conexões e de seus julgamentos criteriosos (idem, ibid., p. 59).
492
Idem, ibid., p. 61.
493
Citado por GOUGH, 1996, p. 62.

148
Saint-Sulpice e que não defendesse teses ligadas ao ultramontanismo494. Mesmo com
um processo de escolha ideologizado e marcado por relações pessoais, havia entre os
bispos representantes do pensamento ultraconservador. Dos 80 bispos franceses, no fim
da década de 1840, 33 eram galicanos convictos e atuantes. E 30 eram moderados, em
geral apoiadores da maioria, mas que se mantinham distantes das polêmicas com Roma.
E, paradoxalmente, também havia 17 bispos conservadores convictos e ativos; 5 foram
escolhidos durante a rápida passagem de um ultramontano pelo Ministério dos Cultos;
nos outros casos, o conservadorismo do candidato, mesmo conhecido, não foi
considerado sério para ofuscar suas outras qualificações, ou ainda só se revelou após a
instalação apostólica. Todos, apesar de comandarem dioceses de pouca importância e
afastadas de Paris495, viriam a ter um papel relevante na formação de clérigos fiéis ao
pensamento ultraconservador, assim como na divulgação de seus principais teóricos.

De uma maneira geral, ao longo das primeiras décadas do século XIX, a


igreja da França esteve dividida: de um lado os bispos e o alto clero, que se mantiveram
fiéis ao antigo galicanismo, com críticas à concentração de poder na Santa Sé; do lado
oposto, os padres do baixo clero, receptivos à pregação dos autores ultramontanos e de
seus propagandistas da imprensa. Eram duas convicções opostas. No campo galicano
existia a firme convicção de que a Igreja estaria condenada a perder toda influência na
sociedade moderna caso não estivesse profundamente enraizada no caráter nacional e
nas instituições locais, e se não fosse governada por uma estrutura flexível, federal e
colegiada. No campo oposto estavam aqueles para quem o desafio colocado pela
sociedade pós-revolucionária só poderia ser enfrentado por uma igreja centralizada,
uniforme em sua doutrina, coesa e disciplinada, controlada por um papa infalível e uma
administração romana vigilante496.

494
Em 1850, do total do episcopado, 59 bispos (74%) eram egressos do seminário Saint-Sulpice em Paris,
10 eram do sulpiciano Saint-Irénée e 15 de outros seminários sulpicianos nas províncias. Dos 80 bispos,
apenas um era formado pelo seminário da Congregação Vicentina (GOUGH, 1996, p. 64).
495
Idem, ibid.
496
Idem, ibid., p. 13. A situação de cisão começaria a mudar a partir de 1830, com a subida ao poder de
Luís Filipe I, que passou a nomear para o episcopado ex-vigários mais jovens, entre 40 e 50 anos,
substituindo de forma gradual a geração anterior a 1789. A maioria dos 77 bispos nomeados por Louis-
Filipe entre 1830 e 1848 veio da classe média (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 296).

149
O pensamento galicano estava claramente dividido entre o que mais tarde
foi chamado de galicanismo teológico, que aceita a autoridade do papa para as questões
de fé, tratando Roma como uma monarquia que precisava ser referendada pelo
consentimento aristocrático, o episcopado nacional497, e o galicanismo parlamentar,
exercido pelas autoridades civis francesas, atuando na burocracia e na política interna
do país498. A Concordata de 1801 permitiu que o Ministério dos Cultos passasse a
controlar a religião em geral, e a Igreja Católica em particular, fazendo com que o
governo civil herdasse todos os poderes da antiga monarquia em matéria de religião. A
partir de seu primeiro-ministro, Portalis, seus dirigentes, homens bem preparados, com
formação em teologia, conhecedores de eclesiologia e da lei canônica, mas, sobretudo,
peritos na jurisprudência galicana, conseguiram intermediar as relações entre as
dioceses francesas e a burocracia romana. A burocracia do ministério fazia a avaliação
de nuanças políticas de sermões e cartas pastorais e dava tratamento às questões mais
materiais do mundo eclesiástico e das finanças diocesanas499. O papel atuante do
ministério desagradava a Roma, o que fez com que a propaganda ultramontana excitasse
ainda mais um baixo clero já bastante receptivo.

Entre 1830 e 1870, o Ministério dos Cultos deu pouca importância à retórica
e à propaganda ultramontana e ultraconservadora no dia a dia das paróquias, que
pregavam a morte do galicanismo. O ministério, desconsiderando a atuação dos padres,
fazia sua propaganda galicana dirigida para as elites intelectuais, por intermédio do
patrocínio da publicação de livros que defendiam suas teses. Uma dessas publicações
foi o Manuel du droit public ecclésiastic francais (1824) – manual do direito público
eclesiástico francês –, pelo advogado André Marie Dupin (1783–1865)500, livro-base
para a atuação do órgão, contendo todos os textos básicos da história do galicanismo,
que foi adotado nos cursos de Direito durante décadas. Segundo a posição galicana,

497
GOUGH, 1996, p. 50.
498
THOMAS, 1910, p. 5-8.
499
GOUGH, 1996, p. 44-45.
500
André Dupin foi presidente da Câmara dos Deputados e senador durante o Segundo Império francês
(1852–1870) (idem, ibid., p. 45).

150
expressa por Portalis, Dupin e o ministério, o período entre a Constituição Civil do
Clero, em 1790, e a Concordata de 1801 representou apenas um hiato, mas não uma
ruptura fundamental na continuidade de uma longa tradição eclesiástica baseada no
conceito de equilíbrio entre três forças: a monarquia, o papado e o clero francês. O
equilíbrio deveria ser obtido definindo primeiro as relações entre o Estado e a Igreja e,
em segundo lugar, as relações entre o clero da França e seu soberano espiritual em
Roma501. A autoridade soberana do papado, e do papa, diria respeito exclusivamente às
questões ligadas à fé e ao dogma católico; para todas as outras, a domínio da Igreja
pertenceria ao poder civil, ao qual ela estava subordinada. Dessa forma, o papa não teria
o direito de intervir nos assuntos temporais ou de abalar a autoridade civil, como estava
disposto na declaração Quatre articles, desde 1682502 Os juristas do ministério faziam
clara distinção entre o clero diocesano, a igreja francesa, e as ordens religiosas,
entendidas como uma espécie de milícia internacional ligada diretamente a e sob
controle de Roma. A igreja nacional deveria permanecer francesa quanto a seu pessoal,
lealdade e regras, e obediente a Roma no que se referisse aos dogmas fundamentais; o
catolicismo seria o apostólico romano, mas alicerçado pelas tradições francesas e nas
liberdades galicanas, como definidas por Pierre Pithou no livro Les libertés de l’Église
Gallicane (1594) (as liberdades da Igreja Galicana), tese há quase três séculos aceita
pelo mundo intelectual e pela Universidade de Paris503.

Já dentro do alto clero francês, no seio do qual imperava o galicanismo


teológico, rejeitava-se uma aliança explícita com o poder civil e o mundo jurídico,
interessado em distinguir seus argumentos daqueles do Estado. O galicanismo ensinado
nos seminários superiores era muito diferente daquele estudado na universidade leiga;
era claramente distante das questões materiais da vida, e mais dedicado à história e à

501
Idem, ibid., p. 46.
502
O artigo 1º da declaração afirmava: São Pedro e seus sucessores, Vigários de Jesus Cristo, e toda a
própria Igreja, receberam autoridade de Deus somente em assuntos espirituais e de salvação, e não em
assuntos temporais e civis; que o próprio Jesus Cristo nos ensinou que seu reino não é deste mundo, e
que em outro lugar é necessário devolver a César o que pertence a César, e a Deus o que pertence a
Deus. Mantenhamos este preceito de São Paulo: que cada pessoa esteja sujeita aos poderes que estão
acima; pois não há poder que não seja de Deus, e ele comanda os que estão na Terra: portanto, aquele
que se opõe aos poderes resiste ao comando de Deus (DUPIN, 1845, p. 104).
503
GOUGH, 1996, p. 47.

151
jurisprudência da Igreja na França; menos inspirado no advogado André Marie Dupin
do século XIX, e mais no bispo galicano Jacques Bénigne Bossuet do século XVII. Era
uma espécie de continuidade dos ensinamentos anteriores à Revolução Francesa,
repudiada pelo episcopado do século XIX, que foram preservados em Saint-Sulpice e
pela Congregação Vicentina504. A escolha de Bossuet tinha um duplo sentido para os
bispos: ele fora ao mesmo tempo um galicano fervoroso e um absolutista convicto, para
quem os princípios constitutivos do Estado eram a religião e a justiça; a ordem social e
política dependeriam de uma reorganização religiosa, da Providência divina, assim a
monarquia é uma função espiritual providencialmente conferida por meio do
mecanismo da herança dinástica, e a pessoa do rei é, por conseguinte, sagrada505. Nos
dois seminários, além dos autores clássicos do galicanismo, também se estudavam
contemporâneos como o conde Denis Frayssinous (1765–1841), autor do obrigatório
Les vrais principes de l’Église Gallicane (1818) – os verdadeiros princípios da Igreja
Galicana.

Em Saint-Sulpice ensinava-se que somente poderia haver uma forma de


pronunciamento ex cathedra506 do papa: quando fosse referendado por um concílio
episcopal; somente assim as decisões do papado poderiam se tornar regras de fé
absolutas para a Igreja507. Frayssinous escrevera que uma decisão irrevogável da Igreja
somente poderia existir quando houvesse o consentimento do restante da Igreja: a
infalibilidade do papa acaba por ser a da Igreja universal; [os bispos] não podem
privar os acontecimentos da sua qualidade de depositários da fé, cada um no seu lugar,
uma qualidade que tiram de Jesus Cristo: sem se considerarem juízes do papa, ou
mesmo como seus iguais, julgam com ele, e é por meio deste concerto que a decisão se
torna irreformável508.

504
Idem, ibid., p. 48-49.
505
BAKER, 1990, p. 113.
506
Ex cathedra é uma frase latina que significa da cadeira. A frase foi originalmente aplicada às decisões
tomadas pelos papas a partir de Roma sobre questões de fé ou moral. Para o ultramontanismo do século
XIX, as decisões ex cathedra do papa teriam o caráter de infalibilidade, preceito que foi adotado pelo
Concílio do Vaticano em 1870.
507
GOUGH, 1996, p. 50.
508
FRAYSSINOUS, 1818, p. 80-82.

152
Na verdade, com exceção do período entre 1790 e 1801, a cúpula da igreja
da França nunca se afastou das teses galicanas da declaração Quatre articles509, de
1682. Ao longo dos séculos o episcopado francês deu muitas demonstrações de sua
independência perante Roma, avaliando e julgando decisões do papado510. Em 1699, a
Inquisição romana511 condenara formalmente o livro Explication des maximes des saints
sur la vie intérieure (1697) – explicação dos ditos dos santos sobre a vida interior –, do
bispo François Fénelon (1651–1715), acusado de quietismo512; a pena foi referendada
pelo papa Inocêncio XII no breve Cum alias (1699). Reunidos em concílio, bispos
franceses aceitaram a condenação, determinando a Fénelon a pena de exílio em sua
diocese em Cambrai; assim, uma sentença papal, antes de ser aplicada, precisou ser
referendada por um julgamento dos bispos franceses513. Sete anos depois, a situação
repetiu-se quando o episcopado julgou e aprovou a bula Vineam Domini, de Clemente
XI, que tratava de uma questão de consciência envolvendo o jansenismo. A bula foi
aceita pela assembleia dos bispos, juntamente com uma declaração afirmando que as
constituições papais somente vinculariam toda a Igreja quando fossem aprovadas pelos
bispos; o documento gerou um incidente diplomático entre o papa e o rei Luís XIV. As
crises continuaram sucedendo-se. Em 1671, o teólogo francês Pasquier Quesnel (1634–
1719) havia publicado o livro Abrégé de la morale de l’Evangile (a moralidade do
evangelho desbravada), com uma edição dos quatro evangelhos em francês, repletos de
notas do autor, um ardoroso defensor do jansenismo. Em 1693, Quesnel editou o Le
Nouveau Testament en français avec des réflexions morales sur chaque verset (o Novo

509
Idem, ibid., p. 254-256.
510
A noção dos bispos como magistrados da Igreja encontra suporte em Frayssinous: Os bispos são
inquestionavelmente juízes da fé nas suas dioceses, nos sínodos diocesano e provincial. Pelo seu poder
imediato e ordinário, o papa não se torna o bispo de cada diocese, no lugar do próprio bispo, reduzido a
ser apenas o seu instrumento, sem qualquer responsabilidade própria. O papa é bispo apenas em Roma,
não em qualquer outro lugar (FRAYSSINOUS, 1818, p. 229).
511
Não de deve confundir a Inquisição papal, criada por Gregório IX em 1184, com a Inquisição
espanhola, criada em 1478 por Fernando II de Aragão e Isabel de Castela visando manter a ortodoxia
católica em seus reinos, que existiu até 1834. Também se deve distinguir a Inquisição romana,
Congregação para a Doutrina da Fé, também chamada de Santo Ofício, criada em 1542 pelo papa Paulo
III para combater as heresias, notadamente o protestantismo, nas terras italianas (MACKEY, 2009, p. 27).
512
Doutrina espiritual proposta pelo teólogo espanhol Miguel de Molinos baseada na espiritualidade
exagerada, que defendia que, por meio da passividade contemplativa, o homem chega a Deus, uma vez
que este age sobre a alma sem qualquer participação humana. A doutrina foi acusada de heresia pela
constituição apostólica Caelestis Pastor, do papa Inocêncio XI, em 1687 (CONNOLLY, 2003, v. 11, p.
866-867, e SHELDRAKE, 2007, p. 134-138).

153
Testamento em francês com reflexões morais em cada verso). As obras foram
condenadas por Clemente XI no breve apostólico Universi Dominici Gregis (todo o
rebanho do Senhor), em julho de 1708, que não foi aceito pelos bispos franceses por
estarem em desacordo com liberdades galicanas. Por intermédio do rei Luís XIV, vários
bispos solicitaram a edição de um novo documento, que deveria evitar qualquer crítica
ao galicanismo. O papa cedeu editando a bula Unigenitus dei filius (único filho de
Deus), em setembro de 1713, restringindo suas críticas a Quesnel e ao jansenismo, que
mesmo assim só foi aprovada pelo episcopado francês de 1714, após mais de três meses
de exame514. Para o galicanismo teológico, os bispos franceses eram inteiramente
competentes para fazer julgamentos doutrinários, conceder ou recusar o “imprimatur”
a livros de teologia e Direito Canônico, ou fazer seleções para bibliotecas de
seminários. Não poderia haver dúvida de suas decisões a serem revogadas por uma
comissão de italianos da Congregação do Index515. O mesmo valia para as liturgias,
que, de Roma, eram controladas e supervisionadas pela Congregação Romana dos
Ritos, ou para a hierarquia, função da Congregação Romana dos Bispos e Regulares.
Nesses pontos galicanismos teológico e parlamentar estavam de acordo516.

Assim como o galicanismo, que perdera muito de sua força, ficando isolado
na cúpula da igreja francesa, apesar de ainda muito influente, o jansenismo era apenas
uma sombra do que era no período anterior a 1789 e também muito sujeito aos ataques
dos ultramontanos. Os poucos jansenistas atuantes, que antes pretendiam resgatar o
espírito dos santos padres, voltando-se à patrística, e que desprezavam as práticas de
devoção popular, assistiam ao crescimento da adoração ao Sagrado Coração, a Maria, às
peregrinações aos santuários e à veneração das relíquias. Essas práticas voltaram a ser
muito estimuladas pelos jesuítas, que se pensava extintos em 1773, e que retornavam
ainda mais fortes como expressão da fé.

513
COSENTINI, v. 5, p. 681-683.
514
COGNET, 2003, v. 14, p. 301-302.
515
GOUGH, 1996, p. 54.
516
DUPIN (1845, p. “i”), na quarta edição de seu Manuel, citando uma decisão das cortes francesas do
século XVII, faz uma advertência: Não reconhecemos na França, diz este magistrado, a autoridade, o
poder, nem a jurisdição das congregações que são mantidas em Roma; o papa pode estabelecê-las como
achar conveniente em seus Estados; mas os decretos dessas congregações não têm autoridade nem
execução no reino...

154
155
CAPÍTULO 2

O ULTRAMONTANISMO E AS FORMULAÇÕES
CONSERVADORAS.

O termo ultramontanisme foi usado no século XIX para definir os


defensores de uma visão do catolicismo totalmente centrada na figura do papa e em seu
poder de direção sobre toda a Igreja. Foi desde o início aplicado em oposição ao
gallicanisme, cunhado na mesma época517. Assim, ambos os termos passaram a ser
operados de forma conjunta, uma vez que tratavam não apenas de particularidades
eclesiológicas, mas de duas visões distintas de catolicismo518. É interessante observar
que, a partir dos textos de autores frequentemente tidos como ardorosos
ultramontanistas, é possível perceber, com alguma certeza, o momento em que o termo
ganha o caráter ultraconservador e reacionário que o notabilizaria. A palavra
ultramontano e suas variações não aparecem nas primeiras obras de seus principais
autores: Louis-Gabriel Ambroise, visconde de Bonald (1754–1840), Hugues-Félicité de
Lamennais (1782–1854), nem nos textos de Joseph-Marie, conde de Maistre (1753–
1821), o primeiro a falecer. Assim é de se supor que o sentido moderno que adquiriu
tenha surgido apenas na terceira década do século XIX, justamente quando os conflitos
entre o papado e as ideias liberais se tornam mais acirrados. O termo, com o uso que
adquiriu no século XIX, também não aparece na correspondência de Lamennais entre
1808 e 1824519.

2.1. O ultramontanismo antigo

517
O adjetivo “galicano” é derivado do latim gallicanus, que durante séculos era usado apenas como
sinônimo de francês, sem qualquer conotação a uma doutrina religiosa. Assim, por exemplo, o livro de
Pierre Pithou Les libertés de l’Église Gallicane (1594), apesar de tratar de religião, significava apenas as
liberdades da igreja francesa. Aos poucos, os clérigos defensores da igreja francesa começaram a ser
identificados como galicanos (GRES-GAYER; BERTHELOT DU CHESNAY, 2003, v. 6, p. 73).

156
Originalmente, durante a Idade Média, o termo ultramontano descrevia um
papa que não fosse italiano, que houvesse nascido ao norte, do outro lado dos Alpes, a
cadeia de montanhas que separa a península italiana do restante da Europa. Já em sua
versão moderna do século XIX, a palavra foi adaptada por pensadores católicos, que
defendiam a soberania da Igreja, e consequentemente do papa, sobre os Estados
nacionais, em uma espécie de monarquia universal, dando a essa soberania um forte
caráter contrarrevolucionário e, portanto, reacionário. Seus textos também forneciam o
apoio irrestrito ao papa como forma de oposição às ideias conciliaristas, e supostamente
cismáticas, adotadas pelas igrejas nacionais e seus movimentos internos – galicanismo,
jansenismo, febronianismo e josefismo, aos quais, no século XIX, havia se somado o
hermesianismo520.

A ideia de uma autoridade única e universal, acima dos limites da política e


vida social, fora totalmente destruída por Martin Lutero, que ao mesmo tempo em que
provocara um cisma no cristianismo, ao buscar apoio dos príncipes germânicos contra
Roma, o que, virtualmente, ele fez foi assumir a santidade do poder [secular] e,
portanto, por implicação, a justiça eterna de seus propósitos521. Assim, a ruptura
religiosa entrou em sincronia com uma ruptura política. Surgia oficialmente na Europa
Ocidental o Estado moderno: a autoridade política associada à consciência nacional e à
soberania territorial, sem a dependência da bênção ou da autorização papal para existir,
e cuja homologação dependia de uma relação entre o governo e os súditos. Desde
meados do século XVI o Estado passou a exigir para si a lealdade e a fidelidade antes

518
GRES-GAYER, 2003, v. 14, p. 283.
519
Ver LAMENNAIS, Œuvres inédites, t. 1er, Correspondance, 1866a.
520
Movimento teológico nascido a partir das ideias de Georg Hermes (1775–1831), professor de
dogmática da Universidade de Bonn, que a partir de 1820 passou a criticar publicamente a Igreja, tendo
como fundamento o iluminismo católico, o antropocentrismo e a racionalização da fé. Os textos de
Hermes foram proibidos e colocados no Index pelo papa Gregório XVI, por intermédio do breve Dum
acerbissimas (1835). A reação da Igreja ligada à Santa Sé, contrária às ideias liberais de Hermes,
provocou uma série de incidentes entre o governo da Prússia e os ultramontanos alemães, o que gerou os
Kölner Wirren (1835–1848), os incidentes de Colônia.
521
LASKI, 1919, p. 21.

157
devotadas à Igreja522. O culto medieval da unidade523, segundo o qual dualidade de
poder é inconveniente524, que permitia ao papa usar suas prerrogativas sobre os
soberanos, foi herdado pelo poder secular. Assim, o Estado poderia tolerar apenas as
associações religiosas que não violassem as normas morais mínimas para a
manutenção da sociedade525. Lealdade e fidelidade compunham esse padrão, conforme
apresentado em 1689 por Locke no Second treatise of [...] toleration, segundo tratado da
tolerância. Na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII os católicos foram excluídos da
cidadania porque negaram a plenitude da autoridade do Estado, isto é, recusam a
absorção por seus instrumentos, e a pena da recusa foi a exclusão526. Juntamente com a
destruição do conceito de autoridade, a Reforma e os Estados nacionais destruíram a
soberania da Igreja sobre o poder secular; soberania que fora invocada no passado por
papas como Gregório VII, pontífice entre 1073 e 1085, Inocêncio III (1198–1216),
Bonifácio VIII (1294–1303).

O crescimento de um sentimento autonomista de igrejas nacionais que


despontara nos reinos católicos, apoiado no poder político, foi apenas um dos sinais
dessa quebra da autoridade una. O centro unificado de poder, como considerado pelos
pensadores medievais, havia mudado de perspectiva527. O ultramontanismo precoce, ou
antigo, representava a preocupação de manter ou restaurar a identidade católica, abalada
com a Reforma Protestante, e os questionamentos da autoridade: nascidos com o
conciliarismo528. Seus autores procuraram restabelecer Roma como o centro do
catolicismo, recuperando características comuns capazes de reunificar e expandir a

522
Essa exigência de lealdade por parte do Estado seria uma das normas morais mínimas para a
manutenção da sociedade (HEGEL, 2003, v. 5, p. 257, e MOODY, v. 3, p. 638), que Locke estabelecera
para excluir de sua noção de tolerância os católicos, por definição fiéis a Roma.
523
LASKI, 1919, p. 23.
524
Idem, 1917, p. 2.
525
HEGEL, 2003, v. 5, p. 257, e MOODY, v. 3, p. 638.
526
LASKI, 1919, p. 23.
527
Idem, ibid., p. 21-23. Henrique VIII, com o Ato de Supremacia, em 1534, declarando-se o único chefe
supremo da Igreja na Inglaterra, apenas consolidou a ruptura iniciada com a Reforma Protestante (idem,
1917, p. 2).
528
A palavra conciliarismo é usada especialmente para designar um conjunto de ideias medievais que
cresceu nos séculos XIII e XIV, encontrando ampla aceitação na época do Cisma Ocidental (1378–1417).
Era movido pela convicção de que a Igreja, todo o povo cristão, formava um corpo sustentado pelo
Espírito Santo, com uma natureza corporativa. O Concílio de Constance (1414–1418) fortaleceu a posição

158
cristandade529. O Concílio de Trento (1545–1563), a primeira reação institucional da
Igreja contra as transformações, apesar de declarar o papel pastoral dos bispos,
possibilitou o romanismo, fortalecendo o papado, colocando em suas mãos, e sob o
controle da administração organizada, o movimento de reforma que se seguiu530. A
orientação de reunir e expandir a cristandade, assim como de defender as prerrogativas
de Roma e a eclesiologia hierárquica piramidal, transformou-se em uma linha de
atuação, que faria o vínculo de continuidade entre o romanismo pós-tridentino e o
ultramontanismo pós-revolucionário531.

Os fundamentos mais distantes do ultramontanismo remontavam às disputas


entre os papas e os monarcas nos século XI e XIII, mais precisamente ao teólogo Giles
de Roma, ou Aegidius Romanus (c. 1243–1316), autor do livro De ecclesiastica
potestate (o poder eclesiástico), que defendia a teocracia papal, segundo a qual o poder
temporal era inferior ao espiritual, devendo aquele se submeter a este532. Aos mesmos
fundamentos remetiam-se os teólogos do século XVI que, perante a Reforma, refutaram
a rejeição protestante ao papado. Esses pensadores, defendendo a legitimidade papal,
passaram a enfatizar sua autoridade, incluindo entre seus atributos a infalibilidade. Mais
tarde, no início do século XVII, o jesuíta Roberto Bellarmino (1542–1621), em De
scriptoribus ecclesiasticis (1613) – escritores eclesiásticos –, defendeu a suprema
autoridade do papa; o livro, até o início do século XIX, foi considerado a principal e
mais convincente doutrina contra o galicanismo. A renovação católica que marcou o
século XVII foi, portanto, inspirada por um novo apego ao papado, em especial nos
países nos quais o protestantismo crescia, como França e territórios alemães, com uma
tendência a enfatizar o poder constitutivo do papado. Na França esses teólogos

de que os conselhos gerais recebiam sua autoridade diretamente de Cristo, estando todos obrigados às
suas decisões, inclusive o papa (TIERNEY, 2003, v. 4, p. 53-54).
529
GRESGAYER, 2003, v. 14, p. 283.
530
ALBERIGO, 2015, p. 346-347.
531
GRES-GAYER, 2003, v. 14, p. 283.
532
Nas disputas envolvendo o papa Bonifácio VIII e o rei Felipe IV, da França, que abrangiam temas
como a tributação e isenção de impostos dos clérigos da Igreja Católica, Giles de Roma – ou Aegidius
Romanus, ou ainda Egidio Colonna – tomou o partido do papa. O livro De ecclesiastica potestate foi
usado como fundamento para a bula Unam Sanctam (1302) de Bonifácio VIII. A tese central era a
supremacia da alma sobre o corpo e a constituição da teocracia papal plena, inspirado pelo ideal
agostiniano da cidade de Deus, De Civitate Dei (NASH, 2003, v. 6, p. 220).

159
romanistas conviviam na Faculdade de Teologia de Paris, local em que a elite do clero
francês era educada, ao lado dos reformadores galicanos, que contavam com o apoio do
rei Luís XIV. O romanismo francês dos séculos XVII e XVIII, apesar de não representar
um pensamento coeso, contava com elementos que o distinguiam: a defesa de um
sistema hierárquico forte para a Igreja; a crença na necessidade de um catolicismo
clerical e centralizado de forma autoritária. O mesmo movimento defendia a restrição
dos leigos ao acesso dos evangelhos, dos documentos litúrgicos, dos livros filosóficos,
como a Summa Theologiae de Tomás de Aquino (c. 1225–1274) (1485), ou teológicos,
como documentos do Concílio de Trento, e a adoção rigorosa do Index533. Contudo, a
romanização tinha como princípio um catolicismo devocional e caritativo, além de
festivo e sociável, e a defesa das missões como forma de expandir a Igreja534. Os
fundamentos dos autores pretéritos foram incorporados ao ultramontanismo do século
XIX, que sobre essas premissas incorporou uma visão mais conflituosa, intransigente e
beligerante, que rejeitava o pensamento iluminista, assim como as transformações na
vida social e política, e o legado da Revolução Francesa. Os antigos argumentos
teológicos foram soterrados por premissas práticas e políticas. Entre as novas fileiras
ultramontanas, o papado não era apenas o centro e o garantidor da unidade da Igreja,
mas a única fonte política dessa mesma unidade535.

2.2. O ultramontanismo no século XIX

O ultramontanismo moderno possuía quatro características constitutivas: a


eclesiologia, que em boa medida abandonou a concepção teológica sobrenatural de
Roma, construindo fundamentos e interpretações jurídicas para a soberania papal e a

533
GRES-GAYER, 2003, v. 14, p. 284. Contra essa visão de catolicismo divergiam os autores
jansenistas.
534
Idem, ibid.
535
O’MALLEY, 2018, p. 62.

160
unidade da Igreja536; a teologia moral, fundada por Alphonsus Liguori (1696–1787),
tendo a penitência e a Eucaristia como fontes de força espiritual; a piedade e a adoção
de um catolicismo emocional, penitencial, popular e festivo, com a adoção de práticas
antes consideradas supersticiosas ou pagãs, a homenagem a santos e relíquias
milagrosas, devoção ao Santíssimo Sacramento, ao Sagrado Coração de Jesus e à
Virgem Maria – Mãe de Deus, Perpétua Virgindade, Imaculada Concepção –, o
estímulo às peregrinações a santuários, e o apostolado, com o envolvimento de clérigos
e leigos na missão de expandir o catolicismo romano537. Além das características
teológicas, o ultramontanismo moderno também foi marcado por uma essência
profundamente contrarrevolucionária, além de um passadismo intrínseco, cujo tempo
pretérito mítico é evocado e reina supremo.

O novo ultramontanismo era um movimento de reação: reação ao Estado


moderno, reação à Reforma Protestante, reação ao Iluminismo e, sobretudo, à
Revolução Francesa e suas consequências. As primeiras décadas do século XIX na
Europa já evidenciavam que as duas décadas e meia do processo revolucionário haviam
deixado marcas que estremeceriam ainda mais a já abalada autoridade da Igreja
Católica. O avanço do nacionalismo, o crescimento do proletariado como classe
consciente, o fortalecimento das ideias liberais, com a decorrente crença no progresso, e
a separação entre a Igreja e o Estado não eram apenas fenômenos temporários. Os
governos dos países dividiram-se entre concepções liberais e antiliberais, mas não
podiam negar ou apagar essas marcas. Embora houvesse em seu seio um pequeno grupo
de lideranças com simpatia pelo pensamento liberal, a Igreja cerrou fileiras ao redor do
conservadorismo nascente, movimento que se radicalizou entre 1815 e 1870 sob a
forma de um combate ideológico.

536
A teologia romana em meados do século XIX era dominada por jesuítas: Giovanni Perrone (1794–
1876), Carlo Passaglia (1812–1887), Johannes Baptist Franzelin (1816–1886) e Klemens Schrader (1820–
1875), todos conservadores. O último, extremamente rigoroso, igualava a liberdade de consciência ao
indiferentismo, da mesma forma que liberal era sinônimo de ateu (ROCK, 203, v. 12, p. 786).
537
GRES-GAYER, 2003, v. 14, p. 285.

161
A França, mais do que qualquer outro país, tornou-se o palco privilegiado
para esse embate. Sua aristocracia e seu clero, que juntos representavam grande parte
das elites intelectuais, foram destituídos do poder e dos bens; seus membros partiram
para o exílio, e muitos morreram. Aqueles que voltaram do degredo em 1814 traziam
consigo uma forte repulsa aos princípios liberais. Para eles a liberdade tornara-se
sinônimo de anarquia e desordem; a igualdade fora a causa primeira de expropriação de
seus bens, e a fraternidade a tradução exata da destruição das antigas instituições e de
seu modo de vida. Suas tradições, suas verdades, seus interesses e sua religião foram
desprezados e afastados ou simplesmente solapados. Vinte e cinco anos transformaram
o Antigo Regime em antiguidade remota. Ao voltarem do exílio nobres e clérigos
traziam em sua bagagem ressentimento, ódio e desejo de vingança; o que fora cobrado
com o sangue das vítimas se tornara sagrado; eles não voltaram para corrigir, mas para
restaurar [...] deificaram o passado, e nessa visão de encantamento descobriram
facilmente os princípios de uma teocracia538. Isso se aplicou de forma ainda mais
intensa se observada a igreja de Roma isoladamente, a instituição que mais sofrera
durante o período revolucionário. No início da revolução não havia um forte sentimento
anticlerical, e a ideia de uma ruptura entre Igreja e Estado, em 1789, não estava nos
planos dos líderes, especialmente os girondinos; o alvo, a princípio, fora apenas o
confisco dos bens da Igreja Católica como forma de suprir as necessidades financeiras
do Estado francês. Contudo, o apoio da Igreja aos contrarrevolucionários despertou a
desconfiança dos moderados e a ira dos jacobinos radicais. O ódio secular alimentado
contra o alto clero, a guerra contra a católica Áustria, apoiada por Roma, e as derrotas
iniciais das tropas francesas apenas acirraram os ânimos já muito exaltados. Duas
décadas de perseguição, o apoio de Napoleão ao galicanismo, a prisão de dois papas –
Pio VI em 1798 e Pio VII em 1809 – e a humilhação imposta pela Concordata de 1801
iriam tornar ideologicamente antagônicos o catolicismo e o liberalismo para grande
parte da Igreja539. Para os pensadores católicos, a restauração impôs a necessidade de
uma teoria política que garantisse a satisfação de suas demandas e que fizesse renascer

538
LASKI, 1919, p. 124-125.
539
Idem, ibid., p. 125-126.

162
uma vida baseada nas antigas tradições. Foi assim que eles reconstruíram sua história
em uma filosofia com a qual eles poderiam destruir a categoria do tempo540.

Para a Igreja, as memórias da revolução, mesmo após quase duas gerações,


ainda eram intensas; especialmente na França ela estava dividida entre os religiosos fiéis
a Roma, e às orientações papais, e os galicanos, que, com um discurso nacionalista,
defendiam a antiga tese da autonomia da Igreja Católica francesa541. Esse contexto de
divisão ideológica, aliado a um conjunto de autores e jornalistas influentes, possibilitou
o rápido desenvolvimento de um ultramontanismo militante, que seria adotado por boa
parte da cúpula da Igreja, e orientaria os passos da Igreja ao longo de muitos anos. O
fervor ultramontano francês espalhou-se entre o baixo clero, conquistando mentes e
corações da população católica542. Em meados do século XIX, ideias como o
galicanismo, o febronianismo ou o josefismo, que um dia dominaram boa parte da
cultura católica europeia, haviam perdido muito de sua penetração. Contudo, a adoção
de um pensamento belicoso, centrado em uma pauta fundada em paradigmas medievais,
pelos ultramontanos franceses não foi acompanhada pelos católicos em todos os países.

Apesar de ser apresentado como um movimento coeso e uniforme, que


atingiu seu clímax com o Concílio do Vaticano (1869–1870), o pensamento
conservador católico e o ultramontanismo moderno guardavam diferentes correntes, que
rigorosamente não poderiam, dependendo do enfoque, estar colocadas sob uma mesma
classificação. As diferenças sociais, políticas e ideológicas dos contextos católicos
locais geraram dessemelhança entre os pensadores e militantes, mesmo entre os
eclesiásticos. A propaganda conservadora e, mais tarde, a vitória de parte de suas teses

540
Idem, ibid., p. 127.
541
Este não é o espírito [religioso] que, no melhor dos tempos de nossa história, distinguiu tão
eminentemente a Igreja da França, a Igreja Galicana. É um espírito totalmente contrário a esse, e que
procura destruí-lo. Para aqueles que professam estas doutrinas antifrancesas, a Igreja deve formar uma
espécie de Estado dentro do Estado; tendo seu verdadeiro soberano no exterior, e suas leis à parte. Ela
finge estar sob seu próprio controle, e não pode ser alcançada nem pelas leis do país que ela bravamente
defende, nem pelos magistrados que ela insulta e desafia! Se este não é o espírito que os clérigos devem
ter para ser um clero nacional, é pelo menos o espírito que agentes muito ativos estão tentando inspirar
nele para torná-lo um clero inteiramente ultramontano (DUPIN, 1845, Préface).

163
no Concílio do Vaticano formularam a imagem de uma corrente doutrinária una,
centrada na figura do papa, um único catolicismo, em uma coesão que na verdade não
existia. O ponto que unia todas as diferentes correntes era a batalha para garantir a
unidade da Igreja: porque só há um Deus, há apenas uma Igreja e apenas uma verdade
dentro dessa Igreja, que é enunciada pela única cabeça da Igreja, [...] garantindo a
uniformidade por meio da supressão não apenas da dissidência, mas também da
diferença e da diversidade543, o que ficou consolidado na constituição dogmática Pastor
Æternus, emitida em 18 de julho de 1870, pouco antes do encerramento abrupto do
Concílio do Vaticano544. O que se chamou genericamente de ultramontanismo
apresentava características peculiares nos diversos países nos quais se apresentava; os
franceses em muito distinguiam-se, por exemplo, dos alemães, ou irlandeses, que
buscavam respostas para suas realidades específicas.

Johannes von Geissel, um dos principais intelectuais católicos do período


nos Estados alemães, arcebispo de Colônia e líder do episcopado prussiano nas décadas
de 1840 e 1860, dirigiu a tônica de sua atuação para a obtenção da liberdade do
catolicismo perante o governo da Prússia, com quem a Igreja mantinha relações
tumultuadas desde o fim do Sacro Império Romano-Germânico em 1806. Ao contrário
do que ocorria na França, com o posicionamento radical dos textos de Joseph de Maistre
e os primeiros trabalhos de Lamennais, o ultramontanismo alemão era muito moderado,
atuando mais como uma reação ao febronianismo ou ao josefismo do que como uma
verdadeira defesa dos privilégios do papa545. Mesmo não havendo uma identificação
com os problemas sociais, Von Geissel e a cúpula da igreja alemã negociaram com o
governo respostas para a situação vivida pela população católica, que enfrentava as
consequências sociais do processo de industrialização, em uma atitude que trazia em si

542
O’MALLEY, 2018, p. 59.
543
ARX, 1997, p. 9.
544
O encerramento antecipado do concílio foi decretado pelo papa Pio IX, pela bula Postquam Dei
munere, após Deus estar presente, sentindo-se prisioneiro depois da invasão de Roma pelas tropas da
Itália. Chegou-se a propor sua continuidade na Bélgica, mas o concílio nunca mais foi reunido.
545
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 113. A tradução alemã do Du Pape, de Joseph de Maistre, em 1822
influenciou alguns leigos que demonstraram simpatia com o novo movimento da França, que, movidos
pelo entusiasmo romântico, alimentavam uma imagem idealizada de um suposto do Estado teocrático
medieval contra o racionalismo do século XVIII (idem, ibid.).

164
uma crítica à modernização industrial546. Sua agenda conservadora, que associava a
disciplina dos católicos e a unidade da Igreja, foi usada como elemento de conciliação
para a construção de boas relações com o Estado e com o protestantismo majoritário547.
Von Geissel era conveniente tanto a Roma quanto a Berlim, pois, ao mesmo tempo em
que desenvolvia relações amistosas com o poder político, perseguiu duramente a
oposição liberal representada pelo hermesianismo, que desde a década de 1820 defendia
o iluminismo católico, o antropocentrismo e a racionalização da fé. Com o apoio do
governo, conseguiu intervir na Universidade de Bonn, usando o poder coercitivo do
Estado para defender a ortodoxia católica. Conservador, Von Geissel sustentava que as
rebeliões políticas e religiosas exigiam uma ação enérgica, que somente o Estado
poderia suportar548. Na Bavária o conde Karl-August Graf von Reisach (1800–1869)
arcebispo de Munique entre 1847 e 1856, também atuou como um interlocutor da Igreja
perante o governo, na tentativa de aproximar os reis bávaros Ludwig I e Maximilian II
ao papa Pio IX549. As relações amistosas da Igreja Católica com a monarquia prussiana
teriam fim em 1861 quando o rei Frederick William IV foi sucedido pelo irmão William
I, e com a morte de Von Geissel, em 1864. William I nomeou como chanceler Otto
Eduard Leopold, príncipe de Bismarck (1815–1898), depois elevado ao cargo de
primeiro-ministro, que passou a dominar a política interna e externa da Prússia. As
resistências do novo governo contra o catolicismo viriam a gerar uma série de conflitos
envolvendo o controle clerical da educação e as nomeações eclesiásticas, que ficaram
conhecidas como Kulturkampf, ou batalha cultural550.

546
Geissel organizou e promoveu a criação de uma série de instituições de caridade pela igreja prussiana
para atender desempregados, pobres, doentes, idosos, mães e órfãos, buscando reduzir as consequências
sociais da industrialização. A grande rede de associações católicas (Katholische Vereinigungen),
construída a partir de meados do século XIX, que não era exclusiva do ultramontanismo, tornou-se uma
marca do catolicismo germânico. Também durante seu mandato como cardeal houve a fundação de novas
confrarias leigas e sociedades marianas, e a recriação de várias antigas (YONKE, 1997, p. 27-30).
547
ARX, 1997, p. 9. Essa aproximação foi facilitada pelo claro enfrentamento das revoluções de 1848
pelos ultramontanos alemães. Ao mesmo tempo em que mantinha relações não conflituosas com o
Estado, o clero alemão impôs rígida observância da uniformidade doutrinária nos seminários e nas
faculdades teológicas.
548
YONKE, 1997, p. 20. Geissel também combateu duramente a seita cismática Deutschkatholiken
(católicos alemães), criada por Johannes Ronge (1813–1887) em Breslau, hoje Wrocław na Polônia, que
rapidamente se espalhou por Leipzig e Magdeburgo, nos territórios alemães, e que rejeitava o celibato
clerical, o uso do latim nos cultos e as doutrinas do purgatório e da transubstanciação.
549
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 338.
550
Por analogia, o termo Kulturkampf passou a descrever qualquer conflito entre autoridades seculares e
religiosas ou valores profundamente opostos, crenças entre facções de grande dimensão dentro de uma
nação, comunidade ou grupo (COLLINS, s.d.).

165
A Irlanda, outro país no qual o catolicismo se unificou ao redor da figura do
papa, também em muito se diferenciava do modelo francês. O maior destaque coube a
Paul Cullen (1803–1878), arcebispo de Dublin e o primeiro cardeal da Irlanda, que
construiu sua história e popularidade mantendo-se sempre distante dos poderes
estabelecidos ou daqueles identificados como reacionários políticos551. Logo que
regressou a Dublin, depois de 30 anos servindo em Roma, Cullen começou uma
campanha pela educação religiosa, indo contra a maioria do clero irlandês, que aceitava
uma proposta de compromisso com o governo britânico para a criação do sistema
interdenominacional em troca da liberdade religiosa no ensino superior. Assim como o
papa Pio IX, para quem a educação religiosa era a principal missão católica, Cullen
entendia que o ensino, em todos os seus níveis, deveria ficar sob controle clerical,
posição que conseguiu impor ao restante do clero no Sínodo de Thurles (1850), o
primeiro sínodo nacional na história da igreja irlandesa552. Thurles marcou o processo
de unificação do catolicismo irlandês sob o comando de Cullen, assim como um
posicionamento da Igreja em defesa dos mais necessitados, assaltados pela Grande
Fome Irlandesa, que entre 1845 e 1849 teria matado mais de um milhão de pessoas553.
Quanto à educação, o sínodo propôs uma universidade católica na Irlanda, em resposta à
criação das Queen’s Colleges e da Queen’s University of Ireland, de 1845. Nos decretos
do encontro, os bispos condenaram formalmente as universidades britânicas
interdenominacionais e, portanto, sem Deus. Cullen pautou seu trabalho pela
reconstrução do episcopado, que sofrera perseguições e repressão pela Inglaterra desde
meados do século XVII até 1829, quando o Roman Catholic554 amenizou as proibições.
Sua tarefa também foi conter o episcopado irlandês, que vinha de muitos anos de
irregularidades litúrgicas e insubordinação e contestação das decisões de Roma555. Mas

551
ARX, 1997, p. 5.
552
LARKIN, 1997, p. 69-70.
553
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 126. A Grande Fome, provocada por uma praga nas plantações de batata,
atingiu quase toda a Europa, e teria sido uma das causas das revoluções de 1848.
554
A Roman Catholic Relief Act (lei de socorro católico romano), também conhecida como Catholic
Emancipation Act (lei de emancipação católica), foi aprovada pelo Parlamento do Reino Unido em 1829.
Foi o encerramento de um processo de emancipação católica em todo o Reino Unido, que durou quase
dois séculos. Assim, os católicos puderam retomar seus direitos políticos, e exercer sua religião
livremente. O ato também visava diminuir as tensões na Irlanda, já próxima de uma guerra civil.
555
LARKIN, 1997, p. 74. O catolicismo irlandês nunca havia adotado plenamente o modelo criado pelo
Concílio de Trento, registrando uma persistente falta de sacerdotes e de templos, ausência de solenidade

166
sua marca principal foi o estímulo ao nacionalismo católico irlandês em oposição ao
processo de anglicização de sua cultura556, nem que para isso paradoxalmente fosse
necessário colaborar com os ingleses. Isso aconteceu quando apoiou William Gladstone
(1809–1898), líder do recém-fundado Partido Liberal da Inglaterra e futuro primeiro-
ministro, que, mesmo assumidamente antipapal, lutou para colocar fim ao
financiamento estatal da Igreja Protestante na Irlanda; assim, o liberalismo de Gladstone
associou-se ao catolicismo irlandês de Cullen557. O ultramontanismo do cardeal para a
época apresentava características liberais, pois, além de defender com ardor o poder
temporal do papa e a garantia da definição de sua infalibilidade, também vislumbrava
como meta imediata a luta contra a anglicização da vida irlandesa558.

Por sua vez, o ultramontanismo francês assumiu um caráter reacionário,


majoritariamente um movimento de reação ao Iluminismo e à Revolução Francesa:
agressivo e militante, monarquista e ao mesmo tempo defensor dos dogmas e das
instituições da Igreja, da autoridade e da soberania e unidade pregressas, anteriores
mesmo à Reforma Protestante. As dores e os ressentimentos provocados pelo processo
revolucionário, assim como a persistência da divisão entre galicanos e romanistas que se
mantinha mesmo após a restauração da Igreja, radicalizaram os ultramontanos na
França. A Igreja estava dividida: o galicanismo já não apresentava a mesma força que
tivera até 1789, mas ainda voltara a seu lugar, encastelado na cúpula da igreja francesa;
o episcopado sofria a resistência do baixo clero, leal a Roma e simpático às ideias dos
autores ultramontanos. O fosso entre essas posições foi ampliado a partir da década de
1820, com a edição e distribuição de textos que, por meio de argumentos políticos e não
bíblicos, valorizavam as antigas tradições da Igreja e sua autoridade, e uma monarquia
comandada pelo papa, que precisava ser defendida de forma intransigente. O livro Essai
sur l’indifférence, de 1817, do abade Félicité de Lamennais, rapidamente conseguiu
difundir no clero jovem a necessidade de uma igreja forte e unificada sob a autoridade

litúrgica, problema nos locais e nos ritos de celebração dos sacramentos. Ironicamente alguns desses
problemas causados pela alta taxa de natalidade católica foram solucionados com as mortes e a imigração
decorrentes da Grande Fome. Cullen também combateu a avareza, a embriaguez e a luxúria entre os
clérigos (idem, ibid., p. 76-78).
556
ARX, 1997, p. 7.
557
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 128.

167
do papa. Inspirado pelas leituras dos livros de Joseph de Maistre, Lamennais defendeu
de forma apaixonada os direitos da Igreja contra um Estado que destruía a fé e
estimulava o galicanismo do episcopado. A constituição divina da Igreja estava em risco
pela introdução em seu seio da descrença e da submissão à política e às ideias
liberais559. As notícias da França eram bem recebidas em Roma, que via com satisfação
a celebração do poder papal por uma igreja antes tão orgulhosa das libertés galicannes,
e de sua relação muito próxima com o monarca; era a exaltação do poder da Igreja em
oposição ao governo secular560.

2.3. A teoria medieval da supremacia do papado sobre o poder secular

Em 1815, no processo de restauração, o catolicismo estava ainda mais


dividido; bispos das igrejas nacionais e romanistas discutiam a independência
eclesiástica e o papel do papado; intelectuais aristocráticos sonhavam com a restauração
dos poderes religioso e temporal da Igreja há muito perdidos, ao passo que autores
católicos sensíveis aos ventos liberais defendiam uma modernização e adequação da
religião aos novos tempos.

Dos antes poderosos movimentos das igrejas nacionais apenas o


galicanismo ainda contava com algum tipo de estrutura orgânica, fortalecido pela
restauração da dinastia dos Bourbons e pelos efeitos da Concordata de 1801, que lhe
garantia o apoio do Estado francês. Apesar de serem vistos como os grandes inimigos
de Roma, os galicanos não apresentavam divergências profundas com o papado e a fé
católica. Em síntese, eram apenas dois os pontos de divergência profunda entre os
intelectuais ultramontanos e os galicanos: um deles era quanto à infalibilidade do papa

558
LARKIN, 1997, p. 76.
559
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 108-110.
560
O’MALLEY, 2018, p. 60.

168
sobrepondo-se aos concílios gerais ou a alguma fonte imediata da jurisdição episcopal.
O outro era a discussão sobre se as leis pontifícias se vinculavam automaticamente, sem
serem aceitas nos países particulares, pelo simples fato de terem sido promulgadas em
Roma. Os galicanos rejeitavam o poder papal de interferir nos poderes temporais dos
reis ou Estados, como defendiam os romanistas561.

Para os ultramontanos, a adoção dos fundamentos de poder de papas do


passado, como Gregório VII, no século XI, Inocêncio III, século XII, e Bonifácio VIII,
século XIII, seria o único remédio para vencer a revolução dos séculos XVIII e XIX,
que mesmo derrotada em 1814 ainda estaria subvertendo a sociedade contemporânea,
abrindo caminho para outras expressões do espírito maligno dos tempos presentes: o
liberalismo e o socialismo562. O século XIX viveria embates entre o bem e o mal, a
cidade da luz e a cidade da escuridão, Deus e satanás, conflitos que somente seriam
resolvidos com o triunfo da autoridade eclesiástica sobre a revolução. Para esses
ultramontanos, apenas governos conservadores baseados em sólidos fundamentos
religiosos poderiam evitar a catástrofe final. Os fundamentos da igreja medieval
buscados pelos ultramontanos do século XIX, além de distantes, guardavam em si
contradições e questões teológicas não resolvidas, que vinham provocando discussões
canônicas ao longo dos séculos. Contudo, para esses autores do século XIX, cuja
preocupação maior era política e não teológica, as controvérsias não representavam um
problema, uma vez que, como militantes da reação, estavam em busca do
convencimento por meio da popularização de suas ideias; buscavam respostas simples
para um mundo cada vez mais complexo.

561
O’KEEFFE, 1875, p. 2. Muitos textos, notadamente aqueles escritos no século XIX, atribuem o nome
galicana a qualquer doutrina contrária à fé católica, e o termo galicanismo à simples oposição a alguma
prerrogativa papal. Neste texto, galicano é todo aquele, leigo ou religioso, que expressamente segue os
princípios estampados no livro Les libertés de l’Église Gallicane (1594), de Pierre Pithou, e a declaração
Quatre articles (1682), reafirmando a independência da igreja francesa a Roma.
562
MENOZZI, 1997, p. 143, citando o teólogo Jean-Joseph Gaume (1802–1879), em obra não
identificada.

169
A valorização do mundo mítico medieval pelos católicos
contrarrevolucionários, e não aquele do Antigo Regime imediatamente anterior, era
justificada. Para o pensamento ultramontano reacionário, as monarquias absolutistas não
foram boas para o papado, e, portanto, para a Igreja como um todo. Anomalias
perniciosas e quase heréticas, como o galicanismo na França e o josefismo austríaco,
haviam surgido com o apoio dos governantes. Apesar de a reação ter triunfado na
Áustria de Metternich, na França, Espanha e no Reino de Nápoles dos Bourbons estava
claro que a contrarrevolução política não possuía os mesmos ideais que a
contrarrevolução religiosa. Sinais emitidos por Roma, como a reabilitação da
Companhia de Jesus pelo papa Pio VII em 1814, mesmo com a desaprovação dos
governos da Santa Aliança, mostravam que Roma não se identificava com o regalismo
dos novos monarcas, mas buscava a reconstrução do poder secular mais distante563.

Os debates canônicos dos séculos IX a XIII sobre o poder secular da Igreja


poderiam ser divididos em duas posições: uma hierocrática e outra dualista, ressaltando
que ambas são construções teóricas elaboradas por historiadores modernos e
contemporâneos com base nos textos medievais. A primeira, que combina as palavras
gregas para sacerdote (hiereus) e poder (kratos), descreve um modelo de monarquia
papal: o papa seria o sucessor direto e herdeiro de São Pedro, com capacidade para
nomear com a graça de Deus o soberano que seria responsável pelos cuidados dos
cristãos do mundo. Por esse modelo, o poder espiritual seria superior ao secular, e a
jurisdição espiritual superior à temporal. O papa, responsável pela cristandade perante
Deus, tem o direito e o dever de julgar, conceder e depor os governantes; seria o
mediador entre o governante e Deus. Por sua vez, a autoridade secular não seria
dotada de autonomia, sem poder ou meio para julgar o papa564. Dessa forma, o papado
seria na verdade uma monarquia universalista com poderes sobre todo o mundo565. Essa
concepção guardava alguma relação com o poder dos monarcas visigodos, merovíngios

563
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 88.
564
CANNING, 2003, p. 93.
565
O pensamento político cristão, desde o imperador Constantino I (272–337) e as obras de Eusébio de
Cesareia (c. 265–339), sempre foi monárquico. Os teólogos do cristianismo não defendiam outra forma
particular de governo, entendendo a monarquia como a única existente. A forma fora herdada do fim da
Antiguidade e mantida durante toda a Idade Média (idem, ibid., p. 4).

170
e francos, que detinham os poderes e a identidade da Igreja e da sociedade
simultaneamente, podendo legislar em assuntos eclesiásticos, nomear bispos e
estabelecer punições com base na religião566. O fundamento teórico-político da primeira
posição estava inscrito em uma carta escrita pelo papa Gelásio I, pontífice entre 492 e
496, para o imperador bizantino Anastasius I (c. 431–518) declarando claramente a
supremacia do reino espiritual sobre o secular567. Giles de Roma, no século XIII, no
livro De ecclesiastica potestate (o poder eclesiástico), consolidou a tese da dependência
radical do poder temporal ao espiritual.

A outra posição, posteriormente chamada de dualista, entendia que os


poderes espiritual e temporal caminham juntos em paralelo, com atribuições distintas.
Foi muito usada a analogia das duas espadas para descrever a existência de uma relação
entre os poderes distintos, entre o regnum e o sacerdotium, em uma interpretação
alegórica de Lucas: 22,38568. Curioso é que o pensamento hierocrata usava a mesma
metáfora para explicar que a Igreja deveria empunhar as duas espadas: uma material e
outra espiritual; a espada sacerdotal seria usada para encorajar a obediência ao rei em
nome de Deus, ao passo que a real seria empregada para expulsar os inimigos externos
de Cristo e para impor aos inimigos internos a obediência ao sacerdotium569. A mesma
analogia das duas espadas aparecia em uma explicação funcionalista dos dois poderes: o
potestas spiritualis deveria conduzir o homem a seu fim último, a salvação eterna, ao
passo que o potestas temporalis com a mesma função, mas agindo como auxiliar do

566
Idem, ibid., p. 26.
567
Existem dois poderes, o augusto Imperador, pelos quais este mundo é governado principalmente,
nomeadamente, a autoridade sagrada dos sacerdotes e o poder real. Destes, o dos sacerdotes é o mais
pesado, uma vez que eles têm de prestar contas até aos reis dos homens no julgamento divino. Também
sabeis, caro filho, que enquanto vos é permitido governar honradamente sobre a espécie humana, no
entanto, nas coisas divinas, inclinais humildemente a cabeça perante os líderes do clero e aguardais das
suas mãos os meios da vossa salvação. Na recepção e disposição adequada dos mistérios celestiais
reconheceis que deveis ser subordinado e não superior à ordem religiosa, e que nestes assuntos
dependeis do seu julgamento e não desejais forçá-los a seguir a vossa vontade (ROBINSON, 1904, p.
72-73).
568
Lucas: 22,38: Os discípulos disseram: “Vê, Senhor, aqui estão duas espadas”. “É o suficiente!”,
respondeu ele (A Bíblia de Jerusalém, 2002).
569
CANNING, 2003, p. 99. Tal alegoria somente passou a ser utilizada após o século XI, inicialmente em
um sentido antipapal pelo rei Henrique IV do Sacro Império Romano-Germânico, em sua luta contra o
papa Gregório VII. Já no século XII, São Bernardo de Claraval (1090–1153) usava-a no sentido
totalmente inverso: que ambas pertenceriam à Igreja, interpretação que será usada pelo papa Bonifácio
VIII na bula Unam Sanctam, em 1302 (TIERNEY, 1965, p. 227).

171
poder espiritual, uma autoridade delegada; a explicação retomava um paradigma do
século VII proposto por Isidoro de Sevilha (c. 560–636)570.

Identificar as duas concepções na atuação dos personagens da Idade Média


seria uma tarefa quase impossível. A primeira dificuldade seria semântica, uma vez que
as mesmas palavras passaram a designar conceitos e situações diferentes ao longo do
tempo, e, algumas vezes, no mesmo século571. Superada a dificuldade linguística, uma
segunda questão estaria nos textos produzidos pelos papas entre os séculos XI e XIII,
que oscilam entre uma posição e outra algumas vezes no mesmo documento. Um
exemplo dessa oscilação pode ser encontrado nos textos do papa Inocêncio III. No
início de seu pontificado emitiu uma série de pronunciamentos que parecem, à primeira
vista, afirmações de uma doutrina teocrática extrema, descrevendo-se como um
governante colocado entre Deus e o homem, abaixo de Deus, mas acima do homem; que
julgava a todos e não seria julgado por ninguém, uma vez que era herdeiro de Pedro,
que havia recebido não apenas a igreja universal, mas o mundo inteiro para governar572.
Já em outros momentos comportou-se como um observador, respeitando, ao menos em
tese, a autonomia do regnum, como em 1202, quando reconheceu que em princípio os
príncipes germânicos teriam direito de eleger livremente entre eles um imperador, o
qual ele apenas consagraria. Essa posição diferia em muito daquela apresentada na bula
Deliberatio (1200), na qual invocava o poder que lhe era outorgado por Deus para
intervir no processo sucessório do Sacro Império Romano-Germânico573. Independente
da discussão teológica posterior, ao longo da Idade Média o papado foi exercido como
uma monarquia centralizada na figura do pontífice. Mesmo com as diferenças que
delimitaram as discussões medievais, as duas posições exaltavam o poder monárquico
universal de Roma.

570
BERTELLONI, 2005, p. 24.
571
TIERNEY (1965, p. 230) destaca a impropriedade de usar uma terminologia e conceitos elaborados
nos tempos modernos, como por exemplo dualista e hierocrático, para caracterizar as ideias medievais.
572
Idem, ibid.
573
Idem, ibid.

172
O período compreendido entre os séculos XI e XIII foi marcado por uma
transformação radical nas ideias políticas vigentes desde o início da Idade Média. A
Europa, após conter as invasões a leste – húngaros e eslavos – e ao sul – muçulmanos
nas penínsulas ibérica e italiana – pôde começar um processo de expansão geográfica:
os germânicos reconquistaram terras dos eslavos; começou a retomada de parte dos
reinos espanhóis e da Sardenha e da Sicília dos mouros, com a expulsão dos bizantinos
das terras italianas, conquista da região da Síria e Palestina pela Primeira Cruzada, e a
cristianização da Escandinávia e Dinamarca. Ao mesmo tempo houve um expressivo
aumento dos excedentes agrícolas, crescimento das cidades, do comércio de curta e
longa distâncias. A urbanização propiciou o surgimento das universidades, em um
ambiente favorável à vida intelectual, a sofisticação das ideias políticas. Os territórios
de alguns Estados consolidaram-se; Inglaterra, Sicília, França, Portugal e Espanha
surgiram como Estados, assim como as cidades italianas, ainda elementares e
incipientes, e muito distantes das formas modernas de Estado, mas absolutamente
distintas das estruturas políticas da Alta Idade Média. Os novos Estados eram uma
comunidade politicamente organizada, com um território definido, dentro do qual existe
um governante ou governo com soberania interna e externa, dotado de uma burocracia
nascente e com reivindicações jurisdicionais universalistas. Esse conjunto de rápidas
transformações influenciou o pensamento político da época. Se antes do século XI as
ideias políticas eram restritas, a abertura da sociedade medieval foi alimentada pelos
conhecimentos resgatados do mundo antigo, entre eles o direito romano e a recuperação
do Corpus iuris civilis, elaborado entre 527 e 534 pelo imperador Justiniano, que,
juntamente com o Direito Canônico, o Common Law e a recuperação dos textos de
Aristóteles, iriam elaborar ideias sofisticadas para as questões políticas de seu tempo574.
A partir do conjunto dessas transformações surgia uma teoria política que consolidava a
situação histórica da dualidade e subordinação dos poderes, e uma situação histórico-
filosófica, com uma farta produção de textos teológicos e canônicos que retomavam o
princípio básico apresentado pelo papa Gelásio I no século V575. Paralelamente a Igreja
se desenvolveu como instituição legal e governamental, adotando muitos atributos de
um Estado, e com a consolidação de uma jurisdição eclesiástica superior à dos
governantes seculares, o que iria provocar inúmeros conflitos entre as autoridades

574
CANNING, 2003, p. 82-84.

173
temporais e espirituais. Não havia mais espaço para o poder difuso que antes a Igreja
exercera sobre os monarcas. Os fundamentos buscados pelos ultramontanos do século
XIX remontavam à teoria política da Baixa Idade Média, enfatizando a existência de
dois poderes diferentes, o espiritual e o temporal, com a subordinação do segundo ao
primeiro.

No campo político, desde o século IX o papado foi construindo sua


autoridade, que se expressaria com toda força nos séculos seguintes. Em 829, o rei Luís
I, o Piedoso, convocara a igreja francesa no sexto Concílio de Paris, a fim de que os
bispos aprovassem suas novas regras para sua sucessão monárquica, no qual foi
reafirmado que no papa coexistiam dois poderes: o temporal e o religioso576, ideia que
foi alicerçada pelos papas. Gregório IV, pontífice entre 827 e 844, reafirmou que o
governo papal era superior ao do imperador no que se referia às almas, e que Cristo
havia submetido os imperadores à autoridade sacerdotal dos papas. Já para o papa
Nicolau I (858–867), a Igreja Romana comandava, contando supremacia sobre todas as
outras igrejas e que o papa fora constituído como sucessor de Pedro e príncipe da Igreja
como um todo; o sacerdócio não poderia, portanto, ser julgado pelo poder temporal,
antes pelo contrário577. A partir do século IX a unção real aos reis no momento da
coroação, repetindo a bênção do papa Leão III a Carlos Magno em 800, tornou-se regra
simbólica, que, dada sua afinidade litúrgica com o batismo, sugeria esta também ser
uma espécie de sacramento; um sacramento instituído não por Cristo, mas pela Igreja,
em ordem, por sua intercessão, para auxiliar o recebimento da graça578. A
profundidade dos vínculos de Roma com o Império Carolíngio marcou o pensamento
político da Alta Idade Média: a Igreja era o corpus dentro do qual operava o governo
secular e espiritual, não existindo então o Estado no sentido de uma entidade

575
BERTELLONI, 2005, p. 24.
576
O documento final do concílio dizia: Principalmente, portanto, sabemos que o corpo de toda a santa
igreja de Deus é dividido em duas pessoas distintas, a saber, o sacerdote e o real, conforme aceitamos
ter sido transmitido pelos santos padres. A respeito desse assunto, Gelásio, o venerável bispo da Sé
Romana, escreve assim ao imperador Anastasius I: “Existem de fato”, diz ele, “duas augustas
imperatrizes pelas quais este mundo é principalmente governado: a autoridade consagrada dos bispos e
a autoridade real. Destas, o sacerdócio é fardo maior, na medida em que também devem prestar contas
diante de Deus pelos próprios reis dos homens” (transcrito por CANNING, 2003, p. 50).
577
CANNING, 2003, p. 53.
578
Idem, ibid., p. 56.

174
politicamente organizada com existência autônoma579. Os três elementos de mando na
Roma antiga – imperium, auctoritas e potestas580 – estavam concentrados nas mãos do
papa, que governava dentro de uma dimensão transpessoal581. As reformas da Igreja no
século XI, iniciadas por Gregório VII, iriam além da simples compilação das tradições
antigas; elas estavam em sintonia com as transformações políticas e econômicas em
curso.

Os primeiros sinais da reforma surgiram com as medidas promovidas pelo


papado582 para separar a vida clerical das influências do mundo laico: renovação da vida
monástica; combate à simonia, compra por leigos de cargos eclesiásticos e favores, que
passou a ser tratada como um crime; proibição do casamento de clérigos e do
concubinato entre os religiosos; eleição canônica dos bispos. A Dictatus Papae (1075),
do papa Gregório VII, deu um caráter oficial a esses princípios, que até então nunca
haviam sido enunciados583. A maior parte das proposições era de caráter estritamente
eclesiástico. Três tratavam dos poderes do papa em questões temporais e a submissão
destas ao papado: somente o papa pode usar insígnias imperiais (VIII); [que] todos os
príncipes devem beijar os pés do papa (IX); [que ele] pode depor imperadores (XII), [e

579
Por sua vez, os fundamentos dessa superioridade estavam na estrita relação entre o papado e Carlos
Magno e o Império Carolíngio; Carlos Magno seria como o rei Davi, combinava as funções de liderança
real e ensino sacerdotal (praedicatio) para guiar seu povo, uma comunidade de fé, à salvação (idem, ibid.,
p. 50).
580
Idem, ibid., p. 66. Na Roma imperial, o imperium era uma forma de autoridade detida por um cidadão
para controlar uma entidade militar ou governamental. Os indivíduos a quem foi dado tal poder eram
referidos como magistrados, cônsules e pretores. Auctoritas referia-se ao nível geral de prestígio que uma
pessoa tinha na sociedade romana, e, como consequência, o seu poder, influência, e capacidade de reunir
apoio em torno da sua vontade, que não era apenas política; era um misterioso poder de comando que
dotava as figuras romanas heroicas, a manifestação de conhecimento socialmente reconhecido. Por sua
vez, potestas originalmente se referia ao poder do magistrado para promulgar decretos, escrever leis e
exigir seu cumprimento, semelhante ao poder militar (SCHMITT, 2008, p. 458-459).
581
Termo da historiografia alemã usado para definir os aspectos teocráticos da impessoalidade dos
governantes carolíngios, mais tarde aplicado também ao papado, que iria além das características
puramente pessoais e privadas. O termo definia a existência de um reino distinto da vida de seu rei, que
iria além dele, continuando em todos os seus sucessores. É um termo útil, uma vez que mais amplo que
apenas “impessoal” (CANNING, 2003, p. 64).
582
O termo papatus foi usado pela primeira vez pelo papa Clemente II em 1047, para refletir o status
aumentado da Santa Sé hierarquicamente acima do bispado, episcopatus (CANNING, 2003, p. 85).
583
CANNING (2003, p. 86) apresenta pesquisa de Rudolf Schieffer, em Die Entstehung des päpstlichen
Investiturverbots für den deutschen König (1981), que mostra que Gregório VII foi o primeiro papa a
condenar formalmente a investidura leiga, ao contrário dos estudos anteriores que apontavam que tal
reprovação já teria ocorrido com os papas Nicolau II (1059 a 1061) e Alexandre II (1061 a 1073).

175
ele] pode absolver os súditos de juramento de fidelidade a iníquos (XXVII)584. A
última, em particular, tinha sérias implicações, minando a instituição da realeza, uma
vez que apenas ao papa caberia decidir quais eram os governantes iníquos, uma vez que
ele, em última instância, era o juiz do pecado. Os privilégios particulares da Sé
apostólica, e do pontífice, herdeiro direto de Pedro, provinham de sua posição de
superioridade perante os sínodos, bispos, arcebispos, patriarcas e o poder temporal dos
monarcas. Sob o poder do papa também estariam o poder legislativo em matéria
eclesiástica, denominação, consagração de basílicas, excomunhão, matéria litúrgica e
princípios temporais585. Tal conjunto de poderes expressamente colocava o papa acima
dos reis e imperadores, os quais poderiam depor caso fosse necessário, caso houvesse
razões religiosas e éticas586. A partir da Dictatus a questão da supremacia temporal do
papa tornou-se a base para a construção do princípio da supremacia do poder espiritual
perante o poder temporal, e fonte de atritos entre Roma e os monarcas europeus.

Os poderes da Dictatus foram primeiramente utilizados contra o imperador


Henrique IV do Sacro Império Romano-Germânico, que divergiu de Gregório VII
quanto à questão das investiduras, sendo excomungado, deposto por ordem papal e foi
obrigado a se humilhar perante o papa na Penitência de Canossa (1077). Henrique IV
foi novamente deposto por Gregório VII no Sínodo da Quaresma em março de 1080.
Em um ataque contra Roma, Henrique IV forçou o papa ao exílio em Salerno, onde
morreu em 1085. A natureza real do conflito, que ainda duraria até 1122, era a soberania
do papado sobre o poder temporal, e marcaria por séculos as relações entre a realeza e o
papado, não só nos reinos germânicos, mas também nas repúblicas italianas e,
principalmente, na França. As punições, excomunhão e deposições, a Henrique IV
foram medidas concretas, e não apenas declarações morais e teóricas; Gregório VII
reconhecera que apenas admoestações não seriam suficientes para obter a submissão do
poder temporal. Da mesma forma, reconheceu que os laços pessoais de fidelidade

584
GREGÓRIO VII, encíclica Dictatus Papae (1075). O texto também apresentava proposições que
seriam usadas pelos ultramontanos muitos séculos depois: nada pode revogar sua palavra, só ele pode
fazê-lo (XVIII); nada pode julgá-lo (XIX); que a Igreja Romana não erra e não errará jamais, de acordo
com as sagradas escrituras (XXII), e que o pontífice romano ordenado em uma eleição canônica está
indubitavelmente santificado (XVIII).
585
MORDEK, 1974, p. 2-5.

176
juramentada eram os mais fortes vínculos que poderia construir, dessa forma
favorecendo o desenvolvimento de vínculos feudais entre o papado e os governantes
seculares587. Gregório VII foi o primeiro papa a ter toda sua correspondência preservada
em arquivo, o que permite identificar suas aspirações e intenções. Nos documentos é
possível identificar seu claro desejo de aumentar o número de reis e senhores fiéis a
Roma, sob sua orientação. Um documento, datado de 1083, demonstra que, para ele, a
atuação a fim de submeter o regnum ao sacerdotium era uma missão papal sagrada
perante toda a cristandade e como herdeiro e sucessor de São Pedro588.

As reformas empreendidas por Gregório VII provocaram imensas e


profundas transformações no mundo cristão. O reformismo fomentou o monarquismo,
com o surgimento de uma abundância de ordens religiosas. As reformas também
possibilitaram a instituição das Cruzadas589, movimentos militares que por várias vezes
atacaram possessões muçulmanas no Oriente Próximo e em Jerusalém, entre os séculos
XI e XII, e o surgimento das ordens monásticas de cavaleiros, como as ordens de São
João, ou Ordem de Malta, ou ainda Cavaleiros Hospitalários (1099), dos templários, ou
Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo (1118), e dos Cavaleiros Teutônicos, também
conhecida como Cavaleiros Teutônicos de Santa Maria de Jerusalém (1189). O mesmo
movimento reformista marcou o estabelecimento da Inquisição (1184 e 1231) e a
repressão violenta às heresias590. As reformas iniciadas por Gregório VII foram
aprofundadas cem anos depois, durante o pontificado de Inocêncio III, que transformou

586
FRANZEN, 1969, p. 180.
587
CANNING, 2003, p. 93.
588
Idem, ibid.
589
A Primeira Cruzada foi instituída pelo papa Urbano II, pontífice entre 1088 e 1099, após a
excomunhão do rei Felipe I, da França.
590
O primeiro desses organismos foi uma Inquisição Episcopal, criada pela bula Ad abolendam, do papa
Lúcio III, em 1184, administrada por bispos locais, a quem foi determinado erradicar as heresias,
categorizadas como crime capital e público, elencando especialmente os cátaros, ou albigenses, patarinos,
Humilhados de Lyon, josefinos e arnaldistas. Meio século mais tarde, o papa Gregório IX instaurou a
Inquisição Papal por meio da edição de duas bulas: Excommunicamus, de 1231, que estabelecia
inquisidores profissionais com a função de localizar pessoas suspeitas de heresia, convencendo-as a se
retratar, e a bula Licet ad capiendo, de 1233, que constituiu a Inquisição propriamente dita, entregando
sua operacionalização aos frades da Ordem Dominicana, ou Ordem dos Pregadores (OP), fundada em
1216 pelo sacerdote espanhol Domingos de Gusmão, canonizado em 1234, que viria a ser usada como um
importante instrumento político muito utilizado pelo papa Bonifácio VIII em suas disputas com Filipe IV,
rei da França (MACKAY, 2009, p. 27).

177
o papado em um poderoso potentado feudal de toda a Europa; Roma tornou-se o árbitro
supremo, poder religioso e temporal do mundo ocidental591.

O pensamento ultramontano do século XIX incensava o pontificado de


Inocêncio III, que consolidou a plenitude do poder papal sobre o mundo temporal, que
se manteve pelos duzentos anos seguintes, e envolveu-se em uma imensa ampla gama
de questões eclesiásticas e políticas, atuando como protagonista de várias e prolongadas
disputas entre o poder temporal e o espiritual. Com Inocêncio, o papado estabeleceu que
o cristianismo contava com a responsabilidade de exercer seu poder de império no
comando dos destinos políticos da cristandade ocidental; assim, tudo no mundo deveria
submeter-se ao julgamento de Deus, inclusive reis e príncipes. Para o papa, haveria uma
hierarquia, ou um arranjo divino, que estabeleceu as relações de dependência do político
para com o espiritual, do Estado para com a Igreja. O papa, dessa forma, estaria
justificado, ou mesmo obrigado, a intervir onde quer que a ordem cristã fosse
perturbada por culpa moral ou injustiça objetiva; era um árbitro em todas as questões
pendentes no mundo592. Esses princípios foram adotados desde o início de seu
pontificado, em 1198, que se inaugurou com a intervenção da Igreja na luta entre os
príncipes do Sacro Império Romano-Germânico para a sucessão ao trono do imperador
Henrique VI, mais um na longa lista de atritos entre o papado e os reinos germânicos.
Inocêncio III entendeu que naquele momento estavam em jogo questões territoriais
vitais para os interesses da Igreja, e, portanto, universais, como o controle do Reino da
Sicília, pleiteado por alguns dos governantes germânicos. Para Inocêncio, dentro do
arranjo feudal, o papa era o suserano de todos os povos cristãos do Ocidente. Durante
seu pontificado o poder de Roma sobre o mundo secular foi reconhecido pelos
monarcas da Sicília, Inglaterra, de Aragão, Portugal, Dinamarca, Polônia, Boêmia,
Hungria, Dalmácia e outros territórios menores, que reconheceram o poder papal,
tornando seus Estados um feudo de Roma. A preservação da lei e da paz e os deveres
tradicionais do imperador passaram ao papado, e um sistema papal de vassalagem

591
FRANZEN, 1969, p. 220.
592
Idem, ibid., p. 222.

178
desenvolveu-se, construído inteiramente sobre a forte autoridade moral do papa593. A
Inglaterra é um exemplo dramático do processo de estabelecimento de Roma como um
suserano feudal universal e da intervenção do papa nos assuntos internos dos reinos. O
rei João da Inglaterra (1199–1216), o João Sem Terra, perdera seus amplos domínios
continentais na Normandia após uma guerra movida contra o rei Felipe II, da França. Na
tentativa de reaver suas posses, João promoveu várias batalhas contra o reino francês,
sendo sempre derrotado. Os pesados impostos cobrados dos nobres ingleses para custear
as campanhas militares provocaram o levante:dos barões, Inglaterra dos barões contra o
rei, que buscou apoio em Roma para se manter no poder. Em 1213, João declarou-se
vassalo do papa Inocêncio III, submetendo os reinos da Inglaterra e da Irlanda ao poder
de Roma, tornando seu reino parte do patrimônio de São Pedro, não havendo príncipe
no mundo romano que ousasse atacá-lo ou invadir suas terras em prejuízo da Sé
Apostólica594. Em 1215, Inocêncio III emitiu a bula Pro rege Johanne, contra barones
(pelo rei João, contra os barões), anulando a Carta Magna, Magna Carta Libertatum,
que fora imposta ao rei pelos barões, limitando seu poder; a anulação deu-se porque,
segundo o documento papal, o rei João não era detentor de poder para ceder os direitos
da coroa aos nobres sem o consentimento de seu superior feudal595.

No campo doutrinário, a superioridade do poder espiritual sobre o temporal


foi estampada em uma série de decretos papais que destacaram o imperium da Igreja:
Solitae (1200), Per Venerabilem596 (1202), Novit ille (1204), nos quais era impossível
separar as preocupações seculares das eclesiásticas, intervindo no debate que movia
canonistas há mais de um século, envolvidos na discussão sobre a natureza e a forma da
relação entre o sacro e o terreno. A mesma preocupação esteve presente na convocação
do quarto Concílio de Latrão (1215), estabelecido e dirigido por Inocêncio III, cujos

593
Idem, ibid., p. 223.
594
CHENEY e SEMPLE, Selected letters of pope Innocent III concerning England (1953), citado por
TURNER, 2003, p. 40.
595
O’KEEFFE, 1875, p. 32. A Carta Magna foi reeditada após a morte de João por seu filho Henrique III,
em 1216.
596
No decreto Per venerabilem, Inocêncio recusou-se a legitimar os filhos do conde Guilherme de
Montpellier para que pudessem entrar no clero, mas defendeu o poder do papa de legitimar no campo
secular, reafirmando a posição do papa Gelásio I de que os bispos são superiores aos governantes
seculares porque são responsáveis perante Deus pelas almas dos reis (POWELL, 2003, v. 7, p. 472).

179
temas, entre outros, eram: a proibição da tributação contra a Igreja e o clero, em um ato
de independência perante o poder laico, o combate aos hereges e o chamamento para a
Quinta Cruzada, para a libertação da Terra Santa597. Sua autoridade também foi
fortemente exercida ex officio nos assuntos internos da Igreja, intervindo energicamente
nas eleições episcopais e nos processos inquisitoriais de prelados e bispos. Suas
perseguições às heresias, especialmente contra os cátaros, deu início à Cruzada
Albigense598, que resultou na eliminação física dos hereges599. Inocêncio III também
publicou, em 1210, a bula Devotioni vestræ (vossa devoção), que autenticou a
Compilatio tertia (terceira compilação), a mais antiga coleção oficial de legislação do
Direito Canônico, composta a pedido do papa pelo cardeal Petrus Collivacinus de
Benevento. A ela seguiram-se outras até o Decretales Gregorii, do papa Gregório IX,
compilação canônica definitiva que substituiu as muitas coleções anteriores.

O terceiro vértice da tríade paradigmática medieval do pensamento


ultramontano era o papa Bonifácio VIII, cujo pontificado, entre 1294 e 1303, foi
marcado pelos conflitos com o rei Felipe IV, da França, e representou uma baliza
divisória entre o apogeu e a decadência dos papados medievais. O primeiro
enfrentamento fora causado pela tributação imposta pelo monarca ao clero para
financiar a guerra travada contra Eduardo I, da Inglaterra. A cobrança dos impostos
infringia decreto do quarto Concílio de Latrão (1215), segundo o qual o clero não
poderia pagar impostos a governantes laicos sem o consentimento papal. Bonifácio, em
resposta, em 1296, emitiu a bula Clericis laicos (clero leigo), reafirmando o decreto
conciliar e proibindo a cobrança sem a licença apostólica. A bula, em uma mensagem
indireta aos reis da França e da Inglaterra, afirmava expressamente que os governantes
laicos não possuíam jurisdição sobre clérigos ou suas propriedades. Felipe resistiu e
ameaçou suspender o envio de dinheiro a Roma, forçando o papa a recuar por meio da
bula Etsi de statu (1297), que revogou a proibição em casos de emergência financeira

597
Idem, ibid., p. 471.
598
Entre 1209 e 1229, a Igreja, por iniciativa do papa Inocêncio III, com o apoio da dinastia francesa dos
Capeto, moveu uma guerra contra a heresia dos cátaros, nome derivado da cidade de Albi, no sudoeste da
França.

180
do reino francês. Em 1301, o rei prendeu o bispo Bernard Saisset, de Toulouse,
apoiador do papa, acusado de blasfêmia, heresia e traição. Bonifácio contra-atacou
emitindo a bula Ausculta fili, revogando a isenção da Etsi de statu e advertindo a Felipe
IV de que ele respondia a um superior e estava sujeito ao chefe da hierarquia
eclesiástica, e que nenhum poder sobre os clérigos foi concedido a leigos; também
exigiu a libertação do bispo600. A disputa com o rei francês culminou na bula Unam
Sanctam (1302), na qual Bonifácio III utilizou a imagem hierocrática das duas espadas,
para, de maneira expressa, confrontar o poder temporal, superando em clareza até
mesmo o decreto Per Venerabilem de Inocêncio III601. Como resposta, o ministro-chefe
do rei Felipe, Guillaume de Nogaret, acusou Bonifácio de heresia. Ele foi preso em
1303 por tropas francesas em Anagni, nos Estados Pontifícios, vindo a morrer pouco
tempo depois. Os embates entre o papa e Felipe IV provocaram um fértil debate
acadêmico e uma abundante produção teórica nas décadas seguintes602.

2.4. O ultramontanismo e as bases do pensamento conservador

599
FRANZEN, 1969, p. 224. A eliminação dos hereges estava prevista no cânon 3º do quarto Concílio de
Latrão , inclusive sugerindo uma rebelião dos súditos dos soberanos que recusassem o “extermínio” dos
hereges (ALBERIGO, 2015, p. 203).
600
CANNING, 2003, p. 137.
601
Somos informados pelos textos dos evangelhos de que nesta Igreja e no seu poder estão duas espadas;
a saber, a espiritual e a temporal. Pois quando os Apóstolos dizem: “Eis aqui duas espadas” (Lucas:
22,38), ou seja, na Igreja, uma vez que os Apóstolos falavam, o Senhor não respondeu que eram
demasiadas, mas suficientes. Certamente aquele que nega que a espada temporal está no poder de Pedro
não ouviu bem a palavra do Senhor que ordena: “Mete a tua espada na tua bainha” (Mateus: 26,52).
Ambos, portanto, estão no poder da Igreja, ou seja, a espada espiritual e a material [...]. Assim, devemos
reconhecer mais claramente que o poder espiritual supera em dignidade e em nobreza qualquer poder
temporal, seja ele qual for, uma vez que as coisas espirituais ultrapassam o temporal. [...] Portanto, se o
poder terrestre errar, será julgado pelo poder espiritual; mas se um poder espiritual menor errar, será
julgado por um poder espiritual superior; mas se o poder maior de todos errar, só pode ser julgado por
Deus, e não pelo homem [...] (Bonifácio VIII , bula Unam Sanctam, 1302).
602
Mais detalhes sobre esse debate político podem ser encontrados em CANNING, A history of medieval
political thought – 300-1450.

181
Inicialmente o ultramontanismo francês era essencialmente um movimento
de dissidência entre intelectuais603, insatisfeitos com as posições pragmáticas dos
teóricos galicanos, estes que buscaram apoio, lógico e esperado, junto ao governo civil
de Luís XVIII, na monarquia que se restaurava após a queda de Napoleão. O
galicanismo retomava sua tradição histórica de vinculação ao governo, para a
manutenção de seu poder hegemônico na França; a revolução, para os intelectuais
galicanos, fora apenas um breve hiato em sua história já centenária. Mas com o retorno
do exílio dos jovens intelectuais, nobres e católicos, que de variadas formas haviam
sofrido as consequências da vaga revolucionária, o movimento dissidente politizou-se,
deixando de lado as formulações apenas religiosas, passando a defender um projeto de
mundo reacionário. Sob o argumento de identificar os responsáveis pelas dificuldades
enfrentadas pela Igreja Católica, atacavam de forma arrebatada a Reforma Protestante, a
Igreja Galicana, o Iluminismo, o liberalismo, a revolução, todas as transformações
ocorridas nos últimos quatro séculos. Tornaram-se inimigos declarados do gigantesco
conjunto de mudanças na cultura material, intelectual, organizativa e simbólica da
humanidade; adversários das transformações da ciência, da técnica, da razão, das novas
formas como os seres humanos passaram a se organizar para produzir, para se governar,
para crer. Contra esse mundo, esses autores católicos construiriam um arcabouço teórico
eminentemente político, muito distante de fundamentos teológicos que diziam defender.
A obediência estrita ao representante de Deus na Terra não se ligava às questões da
salvação, mas sim à resistência contra o liberalismo e sua tentativa de la destruction
violente de l’espèce humaine, empreendida ao longo de todo o século XVIII604.

A Revolução Francesa consolidou o processo de destruição da ordem do


Antigo Regime, cujas estruturas fundamentais foram atacadas de forma vigorosa pelo
pensamento iluminista, substituindo a autoridade divina pela filosofia, pela ciência e
pela razão. O processo revolucionário terminou a obra, atacando também a hierarquia,
secular e clerical. Assim, no alvorecer do século XIX, filosofia e política haviam se
unido para acabar com os antigos parâmetros de ordem e de autoridade. Sobre as cinzas

603
GOUGH, 1996, p. 85.
604
MAISTRE, 1862, p. 33-35.

182
do Antigo Regime nascia um ainda incipiente Estado liberal, mas que já contava com
energia suficiente para se impor; da autoridade estatal nascia uma autoridade política,
construída pelo voto, pela representação, pelo consenso, pelo parlamento e pela
autoridade científica, por sua vez erigida pelo experimento, pela verificação e pela
razão. Toda a ordem anterior havia sido abalada, e as principais vítimas eram o
absolutismo e o papado, e com eles a autoridade teocrática. A razão humana, cativa sob
o poder da Igreja, libertou-se, e, para muitos, as explicações religiosas não mais cabiam:
onde os homens até então oravam por um milagre, agora investigavam as causas. Onde
eles acreditaram em um milagre, eles descobriram uma lei. Nunca antes na história do
mundo houve tanta dúvida, tanto trabalho, tal investigação, tal iluminação605. Contra as
ordens e autoridade antigas o Iluminismo apresentou Voltaire e Rousseau, a sátira e a
reflexão. A revolução não foi um acidente histórico, mas um evento único, a reversão
mais persistentemente antecipada, discutida e deliberadamente empreendida de uma
forma inteira de vida no Ocidente desde o surgimento do cristianismo606.

O processo revolucionário, em muito devido à sua violência e longa


duração, teria, segundo os autores reacionários franceses, desacreditado os princípios do
Iluminismo, desvalorizando as soluções racionais ardorosamente discutidas durante as
últimas décadas do século XVIII607. Contudo, a reação não podia negar a Revolução
Francesa, um dos principais eventos da história ocidental recente, que se igualou à
Reforma Protestante no abalo que provocou. A contraposição viria sob a forma de um
pensamento filosófico e político, que atacava os dois, não apenas a revolução e a
filosofia do Iluminismo, mas que via na reforma, supostamente a origem dos males
vividos.

605
BRANDES, 1906, p. 58.
606
BERLIN, 2013, p. 101.
607
Idem, ibid. As explicações das causas do fracasso da Revolução Francesa representam uma temática
específica, quase um gênero, da análise histórica há mais de 200 anos. As críticas ao processo
revolucionário compreendem todo o espectro político-ideológico, quase sempre pautadas por
interpretações revisionistas. Essas análises, algumas bastante populares, não serão abordadas por fugirem
do escopo principal deste trabalho.

183
O século XVIII havia desenvolvido no imaginário francês a noção de
individualismo, criando uma nova ordem moral, baseada na crença no progresso e na
ciência; o conhecimento e a razão converteram-se na base do progresso e da civilização,
as bases das quimeras de futuro. A virada do século, de várias formas, tornou
impossível para os homens viverem de um pensamento comum, de uma fé comum, de
uma ciência comum, de uma moralidade comum, de uma educação comum, porque
existem muitos pensamentos diversos, de diferentes crenças, de ciências desiguais, de
morais particulares e de educação diferente608. O pensamento iluminista deu aos
homens a liberdade de pensar, de acreditar, de escrever, de viver e de se elevar como
quiserem, afastando também, além da ordem e da autoridade, a antiga moral. Os autores
reacionários tinham preocupações muito claras com relação às duas primeiras.

A despeito de a base de seu discurso estar fundada no catolicismo, o


pensamento reacionário, expresso pelos autores ultramontanos, acreditava que,
restaurada a ordem e a autoridade da Igreja, a antiga velha religião voltaria, por sua vez,
a ser restabelecida em seu esplendor; voltar-se-ia naturalmente ao Deus revelado da
Providência, aquele que estivera presente entre os homens por séculos609. Seus textos de
crítica e censura ao Iluminismo eram, por si mesmos, pensamentos racionais, dotados de
lógica interna, coerentes com seus princípios. Não há religião sem misticismo [contudo]
os pensadores de 1800 a 1830 são o menos místicos possível. Eles são raciocinadores,
homens de ideias e homens que têm, quando o têm, um ardor apaixonado apenas por
ideias [...] colocam muito poucos sentimentos em suas ideias, e só se embriagam de
lógica610.

Obviamente, as ideias conservadoras, inicialmente contrarrevolucionáriase


reacionárias, não foram fenômenos exclusivamente da França, nem muito menos
católicos. O anglo-irlandês Edmund Burke (1729-1797), já nos primeiros momentos da
revolução, fez duras críticas aos ataques à religião na França, condenando duramente o

608
FAGUET, 1891, p. viii.
609
Idem, ibid., p. xi.

184
confisco dos bens da Igreja. No texto Reflections on the revolution in France (1790)611
– reflexões sobre a revolução na França –, Burke definiu o homem como um animal
fundamentalmente religioso, e o ateísmo, que estaria sendo gestado em um motim, e
num delírio bêbado do espírito quente tirado do alambique do inferno, que em França
está agora a ferver tão furiosamente [desperta a atenção] entre nós, e entre muitas
outras nações, estamos apreensivos [...] que algumas superstições rudes, perniciosas e
degradantes podem ter lugar a partir dele612. Apelava que o mesmo não acontecesse no
Reino Unido, onde estamos decididos a manter uma igreja estabelecida, uma
monarquia estabelecida, uma aristocracia estabelecida, e uma democracia
estabelecida, cada uma no grau em que existe613. Ele olhava para a França, temendo o
processo revolucionário, mas sem perder de vista a religião e a defesa da igreja da
Inglaterra614.

Não por acaso, a forte reação intelectual começou logo após o retorno à
França da maioria dos exilados da revolução, festejando a restauração da monarquia
francesa sob a dinastia dos Bourbons em 1814–1815615, com Luís XVIII. Quase todos
os autores do conservadorismo católico possuíam características em comum: eram
nobres pelo nascimento e ligados por laços pessoais com as antigas famílias reais, ou,
quando menos, descendentes de grandes proprietários de extensas áreas rurais e quase
todos viveram no exílio616. Seus formuladores, Louis Gabriel Ambroise, visconde de

610
Idem, ibid., p. xiii.
611
O livro seria o primeiro texto moderno que pode ser plenamente definido como conservador, termo
que somente seria utilizado mais tarde: Não foi até cerca de 1830 que os termos “conservador” e
“conservadorismo”, aplicados à política, apareceram no Ocidente, mas a substância há muito havia
precedido as palavras (NISBET, 1995, p. 13).
612
BURKE, 1951, p. 88.
613
Idem, ibid.
614
É interessante observar que Burke encarou a Revolução Francesa de forma muito distinta do que havia
feito com a Revolução Americana uma década antes. O levante das 13 colônias dos Estados Unidos foi
saudado como uma luta pela liberdade, ao passo que na França estaria havendo um ataque contra a
mesma liberdade, com a vitória do arbítrio e da opressão. A diferença estava na religião, que na América
movia os revolucionários e que na França era combatida. Burke acreditava que, desde as rebeliões em
nome de Deus, a reforma, nunca houvera uma revolução na Europa que fosse tão exclusivamente
dedicada à salvação do homem e sua completa reconstrução espiritual (NISBET, 1995, p. 17-19).
615
A restauração monárquica francesa é apresentada com duas datas, uma vez que foi interrompida pelo
retorno de Napoleão ao trono francês no chamado Governo dos Cem Dias, entre 20 de março e 8 de julho
de 1815.
616
BRANDES, 1906, p. 61.

185
Bonald, e Hugues-Félicité de Lamennais, eram franceses; Joseph de Maistre, filho de
mãe francesa e pai italiano, nasceu no Ducado de Sabóia617, e foram os principais
responsáveis pela criação de uma verdadeira escola de pensamento pautada pela reação
ao mundo surgido após o processo revolucionário. A eles seguiram-se outros autores,
como François-René, visconde de Chateaubriand (1768–1848), e o espanhol Juan
Donoso Cortés, marquês de Valdegamas (1809–1853), e jornalistas como Louis
Veuillot (1813–1883) e Carlo Maria Curci (1810–1891), que sobre a base teórica
anterior construíram uma sólida propaganda por vezes reacionária, por vezes
conservadora. A primazia do poder secular papal, sua soberania e sua infalibilidade,
para eles, não eram doutrinas abstratas, mas soluções para os problemas da época, que
exigiam uma ação rápida e intransigente. Como reação ao novo, ao pensamento
iluminista, às ideias liberais, argumentaram em favor da ordem e da tradição, tendo
como ideal um idílico mundo medieval no qual a Igreja, ao menos em seus textos,
reinava como soberana universal. Para retornar à suposta estabilidade perdida seria
preciso a atuação de um poder forte, centralizado e único, capaz de decidir de forma
efetiva: o papado. Foram autores que propuseram a retomada da autoridade perdida com
a revolução não por intermédio da fé ou da oração, mas pela atividade política, pela
militância e pelo engajamento político. O mundo necessitava de decisão e autoridade, e
seus textos ofereciam-nas por meio de um olhar para o passado, e, em alguns casos,
como Maistre, formulando teorias políticas e organizativas para a Igreja, como as
contidas no livro Du Pape (1819), que viriam a oferecer soluções para um futuro muito
além de seu tempo. Ao construírem suas utopias, esses autores estabeleceram um
fantasioso mundo medieval, feudal e teocrático, como o ideal de perfeição, de ordem e
disciplina a serem buscadas.

Pode parecer desnecessário frisar que durante a Idade Média não havia o
conceito de Idade Média. Este surgiu a partir do século XV, quando o pensamento
renascentista procurou definir-se como fruto de um momento histórico que se distinguia

617
Maistre nasceu na região governada pela Casa de Sabóia, que no século XVIII consistia em vários
territórios no sul dos Alpes e no norte da península italiana; a dinastia governava o Ducado de Sabóia, o
principado do Piemonte e o condado de Nice, mais o Reino da Sardenha, de onde veio o nome oficial do
Estado – Sardenha-Piemonte – desde 1720. A capital era Turim, no Piemonte (LEBRUN, 2010a, p. 1).

186
do anterior, ainda não qualificado, buscando suas origens na Antiguidade Clássica, a
qual, acreditava-se, fazia renascer. O termo possuía um caráter nitidamente pejorativo:
era apenas um momento intermediário entre o fim do Império Romano, época de
esplendor de arte, cultura e poder, e o Renascimento, a retomada daquela era. Surgia
apenas como aquilo que estava entre, no meio de, dois momentos de glória, uma idade
média – media ætas – quando reinaram as trevas. O termo havia surgido inicialmente
com o poeta italiano Francesco Petrarca (1304–1374); foi definido como marco de
periodização histórica pelo bibliotecário pontifício Giovanni Andrea (1417–1475) e se
tornou de uso corrente apenas no fim do século XVII. Em 1688, o historiador luterano
alemão Christoph Cellarius, na obra Historia Universalis, dividiu os períodos históricos
em antigo, medieval e novo, e então veio a ser padronizada: a Idade Média era o período
que iria do imperador Constantino I (272–337 EC), e a posterior tomada de Roma pelos
povos bárbaros, até a tomada de Constantinopla pelos otomanos em 1453. A conotação
pejorativa apenas desapareceu no início do século XIX, quando passou a ser estudada
com rigor científico pela historiografia618. Essa recuperação em muito se deveu aos
autores ultramontanos, que a engrandeceram como momento mítico de esplendor e
glória da Igreja.

Suas ideias, nos textos que reagiam à revolução e ao pensamento


individualista do iluminismo, buscavam recuperar a imagem da Idade Média e do
feudalismo, além de estruturas históricas como a família patriarcal, a comunidade local,
a guilda, a religião e a Igreja619. Recuperavam institutos que haviam perdido muito de
sua importância para o pensamento político europeu dos séculos XVII e XVIII sob a
influência individualizante e centralizadora do direito natural; a dura realidade do
indivíduo era a única coisa importante; as instituições eram secundárias620. Nas
primeiras décadas do século XIX, o mundo medieval tornou-se um fascínio intelectual

618
BURR, 1915, p. 813-814; LE GOFF, 2015, p. 25-34.
619
É preciso destacar que estas definições gerais do que seria o pensamento reacionário do início do
século XIX são uma generalização buscando traçar linhas gerais, ou pontos em comum, presentes entre os
vários autores que o representam. Detalhes específicos desse pensamento serão vistos posteriormente.
620
NISBET, 1995, p. 14.

187
na França e nos Estados germânicos621. O passado recente passou a ser visto como uma
deterioração da grandeza medieval, da grandeza de uma religião que não fora superada,
de cavalheirismo, das corporações, de feudos e mosteiros e, por último, mas não menos
importante, da grandeza de um corpo de pensamento unificado e sintético. As revoltas
econômicas, religiosas e filosóficas, contra uma tradição, segundo eles, absolutamente
estabelecida, eram uma conspiração quase diabólica622. Bonald, Maistre, Lamennais , na
França, assim como outros, buscaram no mundo medieval-feudal dos séculos XII e XIII
soluções para as questões vividas no início do século XIX; buscaram estruturas do
passado para responder às ameaças representadas pelo poder democrático,
igualitarismo, centralização política, utilitarismo e, em suma, modernidade623.
Desejavam construir uma sociedade teocrática a partir de uma teoria
contrarrevolucionária, por meio da militância por suas ideias.

Do ódio ao pensamento esclarecido caminhou-se para uma paixão pelo


mundo feudal, e dele para um ardor conservador. O mundo contemporâneo era a
antítese do ideal medieval de autoridade e liberdade, esta entendida como o direito de
um grupo corporativo à devida autonomia; grupos que iam do indivíduo à família, à
guilda, à paróquia, à Igreja, ao Estado culminando em Deus. A autoridade representada
como cadeia ascendente, hierárquica, desempenhou um papel essencial na perspectiva
conservadora da sociedade. O mundo moderno era a desintegração dessa concepção
corporativa e social em uma sociedade dominada pela massa de indivíduos, por
unidades aritméticas iguais624.

A recuperação do passado feudal estava fundamentada em uma filosofia da


história, que viria a ser incorporada a quase todos os aspectos do pensamento

621
O pensamento ultramontano nos estados germânicos não será abordado neste estudo, que ficará
concentrado nos autores franceses, mais influentes junto à Santa Sé.
622
Idem, ibid., p. 34.
623
Idem, ibid., p. 36.
624
Idem, ibid., p. 58. Para Thomas Hobbes, as corporações eram bens comuns menores nas entranhas de
um maior, como vermes nas entranhas de um homem natural [...] que estão perpetuamente se
intrometendo com as leis fundamentais, para o abuso do bem comum; como os pequenos vermes, que os
médicos chamam de ascarides (HOBBES, 1909, p. 257).

188
conservador, segundo a qual a experiência concreta e a tradição estavam acima de
qualquer dedução. O presente não era livre para ser reescrito segundo a vontade dos
homens, pois vinculava-se por fios inquebrantáveis às tradições do passado, ao qual
deve honras. A legitimidade é o resultado de história e tradições que vão além dos
recursos de qualquer geração em particular [...] a verdadeira história é expressa não
de uma forma linear, cronológica, mas na persistência de estruturas, comunidades,
hábitos e preconceitos, geração após geração625. Assim, os comportamentos humanos e
seus pensamentos somente podem ser entendidos pela ótica do passado.

Rousseau, na introdução ao segundo discurso do Discours sur l’origine et


les fondements de l’inégalité parmi les hommes (1755) – discurso sobre a origem e os
fundamentos da desigualdade entre os homens –, fundamenta sua teoria explicativa com
uma história hipotética da organização dos homens, e como esta gerou a dessemelhança
entre eles. No texto, deixa claro que sua preocupação não era com os fatos, que
efetivamente desconsidera, mas uma hipótese: Comecemos, portanto, deixando de lado
todos os fatos, pois eles não afetam a questão. As indagações que podem ser feitas com
relação a este assunto não devem ser tomadas como verdades históricas, mas apenas
para raciocínios hipotéticos e condicionais; mais adequados para elucidar a natureza
das coisas do que mostrar sua origem genuína626. Esse método explicativo foi
violentamente criticado pelos autores ultramontanos na formulação de sua filosofia,
para quem uma dedução não pode explicar a ocorrência de fenômenos. Enquanto os
racionalistas progressistas viam o presente como o início do futuro ainda a ser escrito,
os autores católicos início do século XIX o viam como o último ponto alcançado pelo
passado em crescimento contínuo e contínuo627, mas não era qualquer passado: a
tradição era benéfica quando envolta em uma espécie de aura sagrada, sendo que
aquelas desprovidas dessa qualidade deveriam ser abandonadas. O conservadorismo
rejeitava a priori mudanças e transformações que não tivessem sólidos vínculos com o
passado remoto.

625
NISBET, 1995, p. 42-43.

189
As verdadeiras constituições de um povo já estão pressupostas na história
de suas instituições, não em um pedaço de papel ou em um acordo entre homens628.
Segundo Maistre, ao refutar Rousseau em De l’état de nature, où examen d’un écrit de
Jean-Jacques Rousseau (1795) – do estado da natureza, ou exame de um escrito de
Jean-Jacques Rousseau –, afirma que é um erro acreditar que a criação de um governo
pode ser executada por uma assembleia; ao contrário a constituição civil de um povo
nunca resulta de uma deliberação [...] são os homens que presidem ao estabelecimento
político das nações e que criam suas primeiras leis fundamentais629. Essa criação é
fundada na história e nas tradições: nenhuma instituição importante e realmente
constitucional jamais estabelece algo novo; simplesmente declara e defende direitos
anteriores [...] as leis são feitas em momentos diferentes apenas para declarar direitos
esquecidos ou contestados, e sempre há uma série de coisas que nunca são escritas630.
E prossegue: Há outro atributo para a veneração conservadora do antigo e do
tradicional: a crença de que, não importa quão obsoleto seja uma estrutura ou “modus
vivendi”, pode haver um fundamento contínuo, até mesmo vital, do qual o homem se
beneficia psicológica ou sociologicamente631.

Além de uma filosofia da história particular, o pensamento conservador


estava fundamentado pela noção de prejudice (preconceito), ou o conjunto de
sentimentos, opiniões e impressões não nascidas da razão intelectual632. O termo foi

626
ROUSSEAU, 2015, p. 139-140. Adam Smith usou o mesmo artifício em The wealth of nations (1776),
ou An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations (uma investigação sobre a natureza e as
causas da riqueza das nações).
627
NISBET, 1995, p. 44.
628
Maistre, citado sem fonte por NISBET (1995, p. 46). Maistre também refutou as afirmações que
tratavam dos homens de forma genérica, afirmado que essa categoria não existia no mundo real:
Considero as “constituições” dos jacobinos uma piada de mau gosto [...] feitos para o Homem. Mas na
terra não existe homem como tal. Eu vi... francês, italiano, russo, etc. [...] mas declaro que nunca na
minha vida vi um homem, a menos que ele exista e seja desconhecido para mim (idem, ibid., p. 47).
629
MAISTRE, 1996, p. 68.
630
Idem, ibid., p. 69.
631
NISBET, 1995, p. 48.
632
O termo prejudice aqui não deve ser confundido com o sentido mais comum que a palavra preconceito
tem na língua portuguesa: prejulgamento negativo ou juízo discriminatório. No pensamento conservador
o termo representa um valor positivo; significa o conjunto de conceitos e opiniões formados

190
utilizado por Edmund Burke para definir uma forma de conhecer, de saber, totalmente
desprovida do elemento racional, em distinção ao conhecimento do Iluminismo, mais
tarde fundamento da Revolução Francesa. Em vez do conhecimento adquirido pelo
estudo e aprofundamento reflexivo, o prejudice seria uma sabedoria intrínseca que
antecede o intelecto, inscrita na tradição e na experiência individual e coletiva633. O
raciocínio teria usos limitados nos assuntos humanos, e o verdadeiro crescimento
humano seria dado a partir dos sentimentos, das emoções, da grande experiência vivida,
e, sobretudo, da lógica pura dedutiva, que não permitisse a dúvida e o ceticismo no
momento da decisão. O inconsciente opunha-se diretamente ao intelectualismo e ao
gnosticismo.

O prejudice aparentemente pode guardar alguma relação com o conceito-


chave de general will (vontade geral), de Rousseau, uma vontade coletiva que visa ao
bem comum ou ao interesse comum, e que se distingue das vontades individuais:
Contanto que vários homens juntos se considerem um corpo, eles só têm uma vontade
que se relaciona à conservação comum e ao bem-estar geral. Então todas as fontes do
estado são vigorosas e simples, suas máximas são claras e brilhantes; ele não tem
interesses confusos, contraditórios; o bem comum [...] requer apenas bom senso para
ser visto634. Contudo, em Rousseau essa vontade natural dos homens é mediada e
filtrada pela razão, afastando qualquer elemento puramente experimental. Por sua vez, o
prejudice é pré-racional, um sentimento desprovido da intermediação do intelecto, e
cuja imaginação ativa pode se apresentar estabelecendo princípios ou leis, fornecendo
os meios práticos para dirigir ou participar de um governo de fato635.

antecipadamente, sem a necessidade de ponderação ou conhecimento racional dos fatos, também


dispensável (MORAES SILVA, 1878, v. 2, p. 492).
633
NISBET, 1995, p. 50.
634
ROUSSEAU, 1896, p. 181.
635
NISBET, 1995, p. 52-53. O prejudice é o tipo de conhecimento pelo qual, um século mais tarde, o
também conservador Michael Oakeshott (1901–1990) distinguiria o practical knowledge (conhecimento
técnico) do technical knowledge (conhecimento científico). Esses dois tipos de conhecimento,
distinguíveis mas inseparáveis, seriam componentes gêmeos do conhecimento envolvido em toda
atividade humana concreta. Numa arte prática, como a culinária, ninguém supõe que o conhecimento que
pertence ao bom cozinheiro se limita ao que está ou pode ser escrito no livro de culinária; é a técnica
que chamei de conhecimento prático. [...] O conhecimento técnico está formulado em regras que são, ou
podem ser, deliberadamente aprendidas, lembradas e, como dizemos, colocadas em prática; mas seja ou

191
Para a corrente conservadora, o racionalismo político levaria à constituição
de uma espécie de imperialismo sobre a vontade coletiva, ou seja, um governo dotado
de racionalidade política extrapolaria suas atribuições, que devem ser políticas e
jurídicas. Esse governo exorbitaria seus poderes para campos nos quais prevaleceria o
prejudice: a vida econômica, a organização social, a moral e a espiritualidade. Apenas
esses elementos poderiam manter as pessoas unidas em oposição à tirania imposta pelo
racionalismo. A força motriz das lutas dos povos pela liberdade seriam os
conhecimentos historicamente construídos de forma lenta no pensamento das pessoas –
prejudice sobre religião, propriedade, autonomia nacional e papéis sociais enraizados
nas sociedades –, e não os direitos abstratos636.

Maistre não utiliza a palavra, mas o conceito de prejudice está na base de


suas reflexões, especialmente quando se contrapõe diretamente a Rousseau: Para
conhecer a natureza do homem, a forma mais direta e mais sábia é sem dúvida saber o
que ele sempre foi. Desde quando é que as teorias podem ser opostas aos fatos? A
história é política experimental; esta é a melhor, ou ainda, a única boa política637. A
comprovação histórica do conhecimento humano imanente estaria já demonstrada na
Bíblia: este casal [Adão e Eva], nunca tendo passado por um estado de infância e tendo
desfrutado desde o momento da sua criação de todas as forças da nossa natureza, deve
necessariamente ter sido revestido desde o primeiro momento com todos os
conhecimentos necessários para a sua preservação638. A inteligência humana surgiria a
partir de suas relações com a inteligência criadora, uma ordem extraordinária cuja
razão humana, reduzida à sua própria competência, só pode suspeitar639. Mesmo os
povos bárbaros – mas nunca selvagens – já seriam dotados desse conhecimento
ancestral inato e presente em suas habitações, agricultura, criação de animais, leis, em

não, ou tenha sido, precisamente formulado, sua principal característica é que é suscetível de
formulação precisa, embora habilidade especial e discernimento possam ser necessários para dar-lhe
essa formulação (OAKESHOTT, 1962, p. 7-8).
636
NISBET, 1995, p. 55-56.
637
MAISTRE, 1996, p. 21.
638
Idem, ibid., p. 24.
639
Idem, ibid.

192
sua vida simples. Existe no mundo um memorial único e um dos mais preciosos do seu
gênero, para o considerar apenas como um livro histórico; este é o livro do Gênesis.
Seria impossível imaginar uma imagem mais natural da infância do mundo640. Assim,
as qualidades do pensamento humano não seriam nada senão a soma das qualidades
atribuídas a esse ser pelo Criador641, e citando Edmund Burke, Maistre afirma que o
homem com todos os seus afetos, todo o seu conhecimento, todas as suas artes, é
verdadeiramente o homem da natureza, e a teia do tecelão é tão natural como a da
aranha642. Reconhecia o conhecimento científico como necessário para a manutenção
da sociedade, assim como as conquistas das ciências naturais, contudo, uma vez que
deixamos o círculo das nossas necessidades, o nosso conhecimento torna-se inútil ou
duvidoso. A mente humana, sempre a trabalhar, empurra sistemas que se sucedem uns
aos outros sem interrupção. Eles nascem, florescem, murcham e morrem como as
folhas das árvores643.

Outro conceito central do pensamento conservador é autoridade como forma


de imposição da ordem. No Iluminismo, a autoridade nasce apenas do direito natural644
e da razão, e a liberdade deveria ser observada apenas à luz das demandas do indivíduo
e do Estado645. Em oposição, a reação conservadora trouxe, além da autoridade divina,
outras fontes: os grupos intermediários, tais como a família, a religião, a comunidade
local, a guilda; grupos que representavam estruturas de autoridade e que exigiam um
grau substancial de autonomia e de liberdade corporativa para desempenhar suas

640
Idem, ibid., p. 25-26.
641
Idem, ibid., p. 51.
642
Idem, ibid., p. 52.
643
Idem, ibid., p. 102.
644
Segundo a Encyclopédie, vol. 5, Paris, 1755: Entendemos por lei natural certas regras de justiça e
equidade, cuja razão natural só estabeleceu entre os homens, ou melhor, que Deus gravou em nossos
corações, preceitos fundamentais da lei e de toda justiça: viver honestamente, não ofender ninguém e dar
a cada um o que lhe pertence. [...] Esta lei natural, baseada em tais princípios essenciais, é perpétua e
invariável: nem a lei nem o costume podem infringi-la, nem dispensar o homem de suas obrigações; em
sua maneira ele difere do direito positivo, ou seja, as regras existem apenas porque elas foram
estabelecidas por leis formais (BOUCHER D’ARGIS, 2002, s.p.).
645
A crítica à noção iluminista de liberdade não era exclusividade da Igreja Católica. O pensamento
religioso anglicano também a censurava como um erro. Para os pensadores anglicanos no início do século
XIX, a filosofia francesa havia colocado um pensamento radical à disposição das massas, como se a
liberdade fosse uma ideia aplicável a todos. Os iluministas, em busca de um ateísmo anticristão, haviam
cometido um erro fundamental, deturpando a natureza da liberdade, e ao afirmar o direito e a capacidade
de cada homem de pensar por si mesmo (ALMOND, 2020, p. 253).

193
funções646. Assim, haveria um triângulo de autoridade, formado pelo indivíduo, pelo
Estado e pelos grupos intermediários, aos quais, de uma forma geral, as origens eram
facilmente encontradas na Idade Média. Assim, antes de serem os indivíduos do
Iluminismo, os homens pertenceriam a grupos aos quais deveriam respeito. O papel do
Estado estava restrito à magistratura, à sua força militar, à paz pública, à segurança
pública, à ordem pública e à propriedade pública; todo o restante caberia ao privado, aos
grupos intermediários647. A autoridade, como fica patente em Bonald, em última
instância deriva do poder divino, que, como tal, não pode ser contestada. Mas torna-se
uma necessidade imperiosa que o estado político fique o mais longe possível de uma
intromissão nos assuntos econômicos, sociais e morais; e, inversamente, que faça todo
o possível para fortalecer e ampliar as funções da família, da vizinhança e do
associativismo voluntário648, em uma clara ênfase no vínculo social, na relativa
insignificância do indivíduo, diante da tradição e da hierarquia. A ideia da prevalência
dos vínculos sociais sobre o indivíduo representava um ataque direto a uma Europa que
havia aderido ao absolutismo iluminista, na qual se implantava uma política
internacional igualitária baseada em uma relação direta entre os indivíduos e o
Estado649.

Contudo, não se deve acreditar que o pensamento conservador defendia um


Estado fraco, com uma autoridade débil. Para Maistre o maior símbolo do Estado era o
carrasco, que indicava de forma inequívoca o poder do governo sobre o povo; o
carrasco seria a representação do poder e da subordinação por intermédio do horror. O
carrasco dava ao Estado o sentido da ordem e do respeito público, afastando a crença na
bondade intrínseca dos indivíduos, esta sim uma força capaz por si mesma de destruir o
tecido social650. Maistre defendeu um Estado que não interferisse na vida econômica,
social ou moral do povo, mas que fosse ao mesmo tempo suficientemente forte em
detrimento das liberdades individuais: o homem em geral, se deixado por si mesmo, está
muito viciado para ser livre. Que cada um examine a natureza do homem em seu

646
NISBET, 1995, p. 57.
647
Idem, ibid., p. 59.
648
Idem, ibid., p. 61-62.
649
ARMENTEROS, 2011, p. 168 (e-book).

194
próprio coração, e ele compreenderá que, onde quer que a liberdade civil pertença a
todos igualmente, não haverá mais nenhum meio de governar os homens651. Prossegue
afirmando que, em toda parte, um número muito pequeno governou as grandes massas
de homens; pois, sem uma aristocracia, mais ou menos poderosa, a soberania não é
suficientemente forte652.

Para Maistre, a ideia de reunir a vida social nas mãos do Estado iria contra o
passado ideal, no qual as tarefas estavam dispersas entre vários cidadãos pacíficos, que
trabalham, rezam, estudam, escrevem, dão esmolas, cultivam a terra e nada pedem às
autoridades653. Contra esse subjacente mundo monástico o Iluminismo e a revolução
construíram uma casta burocrática que degradaria a sociedade: esta verdade é
particularmente aparente em nossos dias, quando de todas as partes os homens se
lançam sobre os recursos do governo, que não sabe como dispor deles [...]. Nossa
juventude, ambiciosa de distinções e de riqueza, apinha-se na carreira de empregos
públicos654. Um exemplo desse crescimento pernicioso da burocracia era a criação do
exército regular e profissional e do alistamento militar nacional criado durante a
revolução. Durante o período feudal a guerra era limitada seja pela tecnologia
empregada, pelo número de soldados, pelas distâncias ou pela obrigação de prestar
serviços aos senhores feudais e à Igreja. A guerra moderna perdeu o caráter circunscrito
com propósitos limitados e o cerimonial feudal que havia na era pré-revolucionária,
tornando-se uma verdadeira cruzada pela liberdade, igualdade e fraternidade655. As
guerras napoleônicas inevitavelmente trouxeram consigo a expansão ininterrupta dos
exércitos, a criação de uma burocracia específica e uma sucessão de guerras e conflitos.

Não há no pensamento conservador convicção mais sólida que a absoluta


incompatibilidade entre liberdade e igualdade, que decorreriam de objetivos claramente

650
NISBET, 1995, p. 66-67, e MAISTRE, 1912, p. 111-112.
651
MAISTRE, 1975, p. 238.
652
Idem, ibid., p. 239.
653
Idem, ibid., p. 244.
654
Idem, ibid.
655
NISBET, 1995, p. 69.

195
contraditórios. O objetivo básico da liberdade seria a proteção da propriedade individual
e familiar, os bens materiais e imateriais da vida656. Em contrapartida, o objetivo
inerente à igualdade seria a redistribuição ou o nivelamento da desigualdade na
participação dos valores materiais e imateriais de uma comunidade. Qualquer esforço
dos governos para compensar as desigualdades inevitavelmente feriria a liberdade657.
Essa perspectiva estava presente em todos os autores conservadores658. A contradição
entre os valores explicaria a diferenciação de tratamento dado a dois fenômenos
históricos quase contemporâneos: a Revolução Americana e a Revolução Francesa. A
primeira fora movida pelos anseios de liberdade das colônias contra o governo
britânico, cuja administração cerceava a liberdade dos cidadãos. Ao contrário, a
Revolução Francesa, ao priorizar a igualdade de todos, estaria criando um sistema de
opressão e cerceando a liberdade dos cidadãos; a liberdade individual fora transferida
para o Estado, e impunha-se contra a aristocracia, a Igreja e a monarquia. O poder
convertera-se em sinônimo de opressão. Essa proposição fora formulada por Burke logo
no início da revolução, e mais tarde ecoada por Maistre e Bonald: o poder no século
XIX tornara-se uma nova forma de despotismo em que todo o povo ou uma simples
maioria poderia impor sua vontade tirânica às minorias e às elites659.

656
O próprio direito natural do príncipe é, no fundo, o exercício do direito de propriedade, um direito que
tem sua origem na natureza e é anterior a qualquer contrato, é o fundamento de seu poder ou soberania.
O príncipe é um proprietário independente que administra seus próprios negócios; sem um mestre, já que
ele é independente, ninguém pode impor-lhe leis, e ele tem o direito de impor ou estabelecer as condições
sob as quais ele recebe e protege aqueles que estão a seu serviço (BLAIZE, 1858, p. 75).
657
Para Corey Robin, pesquisador do pensamento conservador, a oposição liberdade versus igualdade
esconde uma falsa dicotomia: historicamente, o conservador favoreceu a liberdade para as ordens
superiores e a restrição para as ordens inferiores. O que o conservador vê e não gosta na igualdade, em
outras palavras, não é uma ameaça à liberdade, mas sua extensão. Pois, nessa extensão, ele vê uma
perda de sua própria liberdade. [...] Essa foi a ameaça que Edmund Burke viu na Revolução Francesa:
não apenas uma expropriação de propriedade ou explosão de violência, mas uma inversão das
obrigações de deferência e comando (ROBIN, 2018, p. 8).
658
NISBET, 1995, p. 72.
659
Idem, ibid., p. 74. Todas as outras nações começaram a tela de um novo governo, ou a reforma de um
antigo, restabelecendo com maior exatidão alguns ritos ou outra religião. Todas as outras pessoas
lançaram as bases da liberdade civil de maneiras mais severas e um sistema de moralidade mais austera
e masculina. A França, quando soltou as rédeas da autoridade régia, dobrou a licença de uma feroz
discórdia nos costumes e de uma insolente irreligião nas opiniões e práticas; e estendeu-se por todos os
níveis da vida, como se ela estivesse comunicando algum privilégio, ou expondo algum benefício isolado,
todas as infelizes corrupções que geralmente eram a doença da riqueza e do poder. Este é um dos novos
princípios de igualdade na França (BURKE, 1951, p. 35).

196
Os grupos sociais intermediários, assim como acontecia quanto ao princípio
da autoridade, tornaram-se o parâmetro para a noção de liberdade, mensurada pela
preservação dos direitos de parentesco, religiosos, de associação e econômicos,
justamente os que mais sofreram no processo revolucionário. Para os conservadores, os
direitos de grupos como a família, a igreja, a comunidade local, a guilda representariam
o verdadeiro repositório da liberdade individual; a lealdade intrínseca a esses grupos era
o contrapeso necessário contra o poder do Estado660.

Ainda dentro dos conceitos fundantes do pensamento conservador, a


propriedade é quase tão importante quanto o direito à vida661. Para Bonald, a
propriedade é o instituto mais antigo da humanidade, precedente a qualquer outro, e que
teria surgido no exato momento em que os seres começaram a se relacionar662. Aliás,
para ele, a sociedade é, fundamentalmente, a união de homens e propriedades. Ela só
poderia ser representada por homens que eram proprietários. Mas a sociedade
constituída não conhece os homens, só conhece as profissões; portanto, só poderia ser
representada por profissões daqueles que eram proprietários663.

A natureza da propriedade, descrita pelos conservadores do início do século


XIX, equiparava-se àquela dada pelos romanos, não como apêndice externo do homem
a serviço de suas necessidades, mas um sinal de sua civilização, a própria condição

660
O papel de resistência e equilíbrio dos grupos intermediários, segundo NISBET (1995, p. 76), está
descrito de forma eloquente nos textos de Alexis Charles Henri Clérel, ou conde de Tocqueville (1805–
1859).
661
Para o homem civilizado os direitos de propriedade são mais importantes que o direito à vida. [...]
Quase tudo o que o torna mais importante para nós do que para os animais está associado às nossas
posses, à propriedade, desde a comida que partilhamos com os animais aos melhores produtos da
imaginação humana. NISBET (1995, p. 82) citando o ensaísta católico norte-americano Paul Elmer More
(1864–1937).
662
BONALD, 1880, p. 124.
663
Idem, ibid., p. 270. Para Bonald, o mundo feudal, surgido com a desagregação do Império Romano, foi
organizado tendo a propriedade como base: agora, nos primeiros anos de nossas monarquias europeias, e
particularmente da monarquia francesa, havia apenas três proprietários: eles eram a religião, o rei e a
nobreza; profissão sacerdotal, profissão real, profissão militar; religião pública, poder único, distinções
sociais permanentes ou a vontade geral da sociedade representada pela religião, poder geral exercido
pelo rei, força geral exercida pela nobreza. Todo o resto da nação estava sem propriedades sociais: pois
toda propriedade na sociedade incorporada deve obrigar um serviço à sociedade, e é para poder
assegurar e exigir esse serviço que a servidão foi estabelecida (idem, ibid., p. 271).

197
humana, sua superioridade sobre o restante do mundo. Para o direito romano, o
fundamento essencial da família são seus bens, sobretudo a terra, que pertencem
unicamente ao chefe da família, por meio do instituto do pater potestas, ou patria
potestas (poder paterno), segundo o qual o chefe masculino da família, entendida de
forma ampla, independente do grau de parentesco ou idade, possuía poder de vida e
morte sobre seus dependentes, inclusive os escravizados. O mesmo arbítrio estendia-se
desde as pessoas até os bens de qualquer um dos membros que juridicamente
pertenciam ao pater enquanto vivesse664. Esse sistema, com naturais alterações, foi a
base do sistema feudal de progenitura e vínculos, mantendo a propriedade em apenas
uma mão, sem subdivisões quando da sucessão. Quase todas as leis medievais de
família e casamento, incluindo a ênfase rigorosa na castidade da mulher e a terrível
punição que poderia ser atribuída à esposa acusada de adultério, surgem de uma
reverência quase absoluta à propriedade, pela herança legítima da propriedade665.

Quando tratam da importância da propriedade na organização social, Burke


e Bonald, assim como outros, referem-se especificamente à propriedade da terra,
desprezando a propriedade fluída, móvel, os interesses financeiros e comerciais,
associados a uma visão de mundo ateia. Para Bonald, as propriedades em dinheiro são
apenas propriedades fictícias ou convencionais, e não propriedades naturais666. A
Revolução Francesa teria entregado o poder à grande classe que vive da propriedade de
outros, cujo luxo se multiplica na Europa a um ponto assustador, e que o comércio
mantém. Porque o comércio é tido como a única religião das empresas, já que o
dinheiro se tornou o novo deus dos homens667. Assim, são frequentes as críticas e a
desconfiança dos conservadores ao capitalismo, à economia industrial e à tecnologia; o
comércio, a indústria e as grandes cidades seriam tão subversivos da sociedade quanto o
eram as doutrinas jacobinas dos direitos naturais. As atividades comerciais e a
vizinhança traziam a proximidade física, mas distância social entre seus habitantes, em
oposição à vida rural na qual as pessoas estavam fisicamente isoladas, mas socialmente

664
No direito romano as mulheres só deixavam o patria potestas com o casamento, mas passavam para o
manus do marido, o que juridicamente representava a mesma submissão.
665
NISBET, 1995, p. 85.
666
BONALD, 1880, p. 294.

198
unidas [...] o capitalismo, assim como a democracia popular, ameaçavam a vida de
seres humanos668.

Os fundamentos do pensamento conservador do século XIX – tradição,


prejudice, autoridade e poder, liberdade e propriedade – davam ênfase à Igreja Católica,
e à moralidade judaico-cristã, como pedra de toque da sociedade, e expressando seu
horror aos golpes sofridos pela Igreja durante o processo revolucionário. Contudo, a
devoção para alguns, como Bonald, Maistre e Chateaubriand, era institucional, e não
teológica. A religião era predominantemente pública e um elemento de normatização
das relações em uma sociedade, algo a que se deviam lealdade e respeito formal, pilar
valioso para o Estado, mas não uma experiência de revelação. Paradoxalmente, essa
concepção, como elemento que formalizava e regulamentava as relações sociais, de
alguma forma assemelhava-se ao sentido que Rousseau dava à religião.

Em Du contrat social, Rousseau argumentou que durante o paganismo a


religião e o Estado estavam unidos, não havendo distinção entre os deuses e as leis. Essa
unidade que fora quebrada pelo cristianismo que os colocou em esferas distintas,
criando conflitos. Dessa forma, haveria dois códigos – legislativo e moral – tornando os
homens sujeitos a deveres contraditórios, impossibilitando a fidelidade ao mesmo tempo
à religião e à cidadania, destruindo a unidade social. Contudo, ainda segundo Rousseau,
nenhum Estado jamais foi fundado sem uma base religiosa, e o cristianismo, ao
abandonar as questões terrenas, ao contrário do que poderia parecer, no fundo, causa
mais dano ao enfraquecer do que bem ao fortalecer a constituição do Estado669. O
cristianismo seria inteiramente espiritual, ocupado apenas com as coisas celestiais,
sendo que o país terreno seria tratado com indiferença; desde que ele não tenha nada do
que se censurar, pouco importa para ele se as coisas vão bem ou mal aqui na Terra670.
Já o pacto social assinado entre o soberano e os súditos exige que todos assumam

667
Idem, ibid., p. 342.
668
NISBET, 1995, p. 97. A Igreja Católica viria a endossar essas críticas, associando o capitalismo, e o
socialismo, à destruição da sociedade tradicional.
669
ROUSSEAU, 1947, p. 110.

199
comportamentos dotados de uma moralidade coletiva material e concreta, estabelecendo
os padrões da conveniência pública por meio da religião civil do Estado. Quanto às
questões metafísicas, cada homem pode ter as opiniões que quiser, sem que seja da
conta do soberano tomar conhecimento delas; pois, como o soberano não tem
autoridade no outro mundo, qualquer que seja a sorte de seus súditos na vida futura,
isso não é problema seu, desde que sejam bons cidadãos nesta vida671. Assim, a religião
seria totalmente civil, com pouquíssimos dogmas, ou sentimentos sociais, sem os quais
um homem não pode ser um bom cidadão ou um súdito fiel.

Visão muito semelhante da institucionalização da religião foi compartilhada


pelos conservadores franceses; neles não há nada sobre dogmas, fé ou revelação, mas
sim o direito de a Igreja exercer sua autoridade perante o Estado. Para Bonald, por
exemplo, o grande objetivo de seu primeiro livro, Théorie du pouvoir politique et
religieux (1796) – teoria do poder político e religioso –, era restabelecer a autonomia e a
autoridade, perdidas pela Igreja Católica durante a revolução e apenas parcialmente
devolvida por Napoleão com a Concordata de 1801. No livro, a sociedade foi dividida
em três esferas – governo, igreja e família –, todas com autoridade atribuída por Deus e
soberanas dentro de seu universo672. Neste sentido, Lamennais é ainda mais claro em
seu Essai sur l’indifférence en matière de religion (1817), no qual denunciou a
indiferença religiosa por parte do Estado e defendeu a restauração da autoridade da
Igreja Católica. A Europa avançava para a perfeição, a que o cristianismo chama tanto
as nações quanto os indivíduos, quando a reforma veio repentinamente para
interromper seu progresso e precipitá-lo em um abismo no qual é diariamente
afundado, e cujo fundo ainda não conhecemos673. Mais tarde, com o Iluminismo, razão
humana teria sido colocada no lugar da razão divina, com o homem substituindo Deus e
podendo estabelecer livremente seu julgamento privado e seus desejos pessoais. Com
isso a autoridade foi negada e os homens libertaram-se da obediência. Para Lamennais,
a cada nova negação, uma nova destruição; ao negar a expiação e a devoção, os

670
Idem, ibid., p. 112.
671
Idem, ibid., p. 114.
672
NISBET, 1995, p. 104.
673
LAMENNAIS, 1859, p. 5.

200
monumentos da adoração foram destruídos; ao negar o livre-arbítrio e um estado
futuro, os deveres foram destruídos; enfim, a negação de Deus foi a destruição de tudo,
das leis, da sociedade, do próprio homem674. Assim, a Igreja, segundo o ideal
ultramontano, a fim de evitar que a Europa afundasse em um abismo da descrença e
desordem, precisava restaurar a capacidade de organização dada pela religião; sem
religião e ortodoxia os seres humanos estariam expostos à convulsão social e à perda de
equilíbrio675. Os autores reacionários do início do século XIX buscavam a restauração
do poder e da autoridade da Igreja como forma de conter e dirigir as paixões humanas;
esse sentido, em essência, guardava muita proximidade com a religião civil proposta
pelo então repudiado Rousseau.

Em geral, as análises do pensamento católico do período apresentam esses


autores de forma estereotipada, definindo-os como tradicionalistas, monarquistas,
obscurantistas, rigidamente ligados a uma tradição escolástica medieval, hostil a tudo
que era novo e vivendo na Europa pós-revolucionária, buscando em vão restaurar uma
antiga teocracia medieval nacionalista, pré-democrática e amplamente imaginária676.
Émile Faguet677, ao caracterizar seu principal representante, Maistre, definiu-o como um
absolutista feroz, teocrata raivoso, legitimista intransigente, apóstolo de uma trindade
monstruosa feita do papa, do rei e do carrasco, em tudo partidário dos dogmas mais
duros, estreitos e inflexíveis, figura sombria da Idade Média onde havia o médico, o
inquisidor e o carrasco678. Mesmo autores que tinham uma visão positiva e indulgente
do pensamento conservador católico do início do século XIX acabam por estereotipá-lo,
deixando de observar os matizes de suas ideias. É o caso do jurista alemão Carl Schmitt,

674
Idem, ibid., p. 6.
675
NISBET, 1995, p. 104.
676
BERLIN, 2013, p. 104. BRANDES (1906, p. 62) descreve-os como personagens fortes e despóticos,
que amam o poder porque requerem obediência e autoridade e desejam submissão [eram] homens feitos
de matéria de pontífices e inquisidores.
677
Auguste Émile Faguet (1847–1916), francês, foi autor de uma vasta obra de crítica literária e de
análises filosóficas e políticas. Socialista, condenava com veemência o pensamento conservador de sua
época.
678
E prossegue: seu cristianismo não é amor, nem bondade [...] seu cristianismo é terror, obediência
passiva e religião do Estado. Um pouco mais adiante o autor compara Maistre a um patrício romano do
século V, que não entendeu nada de Jesus, mas cujas circunstâncias fizeram dele um cristão, sem mudar
sua natureza ou suas ideias, que aprende que o império foi destruído, que só restam soberanias parciais
e locais no mundo (FAGUET, 1891, p. 1, 59-60).

201
para quem esses autores defendiam a necessidade de tempos de decisão, uma vez que as
revoluções empurraram a noção da decisão para o centro do pensamento. [...] A
infalibilidade era a essência da decisão que não podia ser apelada, e a infalibilidade da
ordem espiritual era da mesma natureza que a soberania da ordem estatal. Os autores –
Maistre, Bonald, Lamennais em sua origem – opunham-se aos governos fundados no
liberalismo nascidos após a vaga revolucionária. Segundo ele, eram autores que agiam
contra esse novo monarca, que queria um deus [sic], e seu deus não podia se tornar
ativo; queria um monarca, mas ele tinha de ser impotente; exigia liberdade e
igualdade, mas limitava o direito de voto às classes mais favorecidas. O mundo burguês
aboliu a aristocracia do sangue e da família, mas permitiu o governo impudente da
aristocracia monetária, a mais ignorante e a forma mais comum de uma aristocracia;
não queria nem a soberania do rei nem a do povo679.

2.5. As diferentes faces do ultramontanismo na França

2.5.1. Visconde de Bonald

As formulações generalistas, que atribuem ao pensamento conservador o


dom de ser o último esforço desesperador do feudalismo e da idade das trevas para
resistir à marcha do progresso680, não podem ser atribuídas a todos os autores.
Contudo, essa definição se encaixa perfeitamente a Louis Gabriel Ambroise, visconde
de Bonald, um homem de mente clara e visão estreita, que se tornou mais estreita e
intensa no decorrer de sua longa vida681. Ele teria feito uma adaptação mecânica do
pensamento de Tomás de Aquino, associando a liberdade individual e a busca pelo
conhecimento científico a formas derivadas do pecado original. A competição, uma

679
SCHMITT, 2005, p. 55-60.
680
BERLIN, 2013, p. 99.
681
Idem, ibid., p. 104.

202
panaceia dos liberais, era a negação rebelde da disciplina divina, assim como a busca
por conhecimento fora dos bosques sagrados da teologia ortodoxa era meramente uma
busca caótica de sensações violentas por parte de uma geração corrupta e dissipada; a
única forma de governo apropriada ao homem era a antiga hierarquia europeia de
propriedades, corporações e organizações sociais pautadas pela tradição e fé, com
autoridade secular e espiritual definitiva nas mãos do Vigário de Cristo, e de monarcas
como seus agentes devotos e obedientes682.

Filho de família nobre, Bonald estudou na escola dos Oratoriens, no


Oratoire de Saint Philippe Néri, em Paris. Ao terminar o ensino fundamental, o collége,
entrou para os Mousquetaires, tropa militar real, que foi extinta por Luís XVI em 1776,
por razões econômicas. Na volta à vida civil, tornou-se prefeito de Millau, no sul da
França, em cuja região a família possuía propriedades rurais, cargo que ocupava em
1789. Um ano mais tarde deixou a prefeitura, exilando-se com a família em Heidelberg,
na fronteira franco-germânica, na qual já se encontravam muitos nobres franceses. No
exílio escreve seu primeiro livro, Théorie du pouvoir politique et religieux (1796) –
teoria do poder político e religioso683 –, obra elaborada nas precárias condições do
desterro.

Segundo seu filho, Théorie du pouvoir foi escrito unicamente com a ajuda
do Discours sur l’histoire universelle (1681) – discurso sobre a história universal –, do
bispo galicano Jacques Bossuet: lembro-me de que ele não tinha quase nada em sua
mesa, exceto a Histoire universelle de Bossuet684. A despeito de sua oposição ao
pensamento iluminista, especialmente a Rousseau, Bonald, ainda segundo seu filho,
nunca se ocupou dos estudos filosóficos: sentia-se mais atraído pela política [...] mais

682
Idem, ibid., p. 105.
683
BONALD, 1880, p. 5. As informações biográficas estão na introdução do livro (p. 1-75), escrita por
seu filho Victor Marie Étienne, também visconde de Bonald e da mesma forma um autor conservador e
ultramontano.
684
Idem, ibid., p. 6. O nome completo do livro é Discours sur l’histoire universelle a monseigneur le
dauphin: pour expliquer la suite de la religion, & les changemens des empires (discurso sobre a história
universal para meu senhor o delfim: para explicar a continuação da religião, e as mudanças dos impérios).

203
inclinado a se entregar às suas próprias reflexões do que a mergulhar em leitura
profunda; sobre a leitura escreveu que a mente, por meio da leitura, torna-se incapaz de
produzir685. O livro foi impresso em Constance, na fronteira suíça, financiado por
religiosos e distribuído entre os exilados. Mais tarde algumas cópias chegaram à França,
mas foram apreendidas, consideradas material subversivo. Esse objetivo Bonald não
negava: achei que estava cumprindo um dever e peguei minha caneta sob a influência
de uma impressão irresistível. Esta obra composta sem ajuda e sem livros, com
reflexões e recordações, no meio de todas as misérias da emigração [...] foi impressa
na Alemanha e enviada para Paris, onde foi apreendida pela polícia e onde quase o
consegui [combater o governo] sozinho686. Voltou a Paris também em 1796,
completamente sem posses, vivendo escondido por cinco anos, continuando a escrever
contra a revolução e as formulações iluministas, especialmente Voltaire, Rousseau e
Montesquieu, autores que, segundo seu filho, não leu.

Repudiava Du contrat social (1762) – sobre o contrato social –, de


Rousseau, uma obra sofista, que fora inventada para lisonjear as paixões democráticas
da multidão, que iriam destruir a sociedade ao tornar o poder apenas um contrato
revogável à vontade, uma barganha que degrada o homem. O homem nada poderia fazer
exceto por meio de Deus, nada devendo a outro homem [...] Deus é fonte de toda
ordem, de todo poder, e cuja vontade imutável é a única regra de tudo o que existe,
tanto física quanto moralmente, ele substituiu o mundo social em fundações imortais687.
Se todo o poder emana de Deus, a sociedade também estava invariavelmente sujeita às
mesmas regras determinadas pelo poder divino; uma vez dentro dessas normas, a ordem
e a paz poderiam ser estabelecidas e preservadas; quando o poder é constituído em
completa independência dos homens, está em suas leis naturais, está em sua natureza
divina. Porque Deus é o autor de todas as leis naturais dos estados688.

685
Idem, ibid.
686
Idem, ibid., p. 7.
687
Idem, ibid., p. 16.
688
Idem, ibid., p. 17.

204
Em Théorie du pouvoir Bonald, para justificar o poder monárquico
absoluto, compara o Estado a uma família, que seria uma sociedade natural constituída
– constituées –, perfeita na medida em que busca a preservação dos seres. Da mesma
forma, uma sociedade política constituída, o Estado, busca a preservação de seu povo. A
sociedade seria mais constituída quanto mais seus membros mantivessem relações
perfeitas entre si. A família é formada pelo casamento, ou união indissolúvel de um
homem e uma mulher, forma a sociedade natural, cujo fim é a produção do homem689,
sendo que o divórcio representaria uma espécie de poligamia econômica, pois permite
a pluralidade ao permitir a separação; mas é mais imperfeito que a poligamia,
destrutiva do homem físico, por destruir o homem moral690. Da mesma forma, quando o
poder político está compartilhado por um grande número de pessoas ele também se
torna imperfeito, permitindo a existência de uma situação de anarquia. Quando existe o
divórcio o homem pode ter um número infinito de mulheres, na sociedade política, o
poder pode ser aquele [de pertencer a] um número indefinido de pessoas; e é fácil ver
que a sociedade natural, ou a família, será mais defeituosa à medida que o número de
mulheres se distanciar da unidade ou do casamento: como a sociedade política, ou
governo, será mais vicioso para medir o número que expressa as pessoas que exercem
o poder691. O poder dividido é obra da vontade depravada do homem. [...] Onde todos
querem dominar com vontades iguais e forças desiguais, apenas um deve dominar, ou
todos são destruídos692. Existiriam inúmeras diferentes combinações de governos
republicanos, mas apenas uma forma de governo monárquico.

A veneração de Bonald pela família, que seria reproduzida por quase todos
os pensadores conservadores, está na relação intrínseca entre unidade familiar e a
propriedade. O melhor meio de proteção da propriedade, a terra, contra a dispersão e

689
Idem, ibid., p. 140.
690
Idem, ibid., p. 142. Pouco mais tarde Bonald escreveria Du divorce: considéré au XIXe (1801) – sobre
divórcio: considerado no século XIX –, no qual afirmou que iria destruir a família, e que somente era
tolerado entre os judeus, que o trouxeram para o mundo moderno por pertencerem a sociedades nômades
imperfeitas; a pluralidade de uniões ou poligamia [...] entre os judeus [...] pode ser adequada a uma tribo
que tenta ascender à força e à dignidade de uma nação; [é aceito entre os judeus] por causa da dureza de
seus corações, mas abolido pela religião cristã (idem, ibid., p. 124).
691
Idem, ibid., p. 145.
692
Idem, ibid., p. 146.

205
fragmentação eram as leis medievais e a garantia da primogenitura; o grande respeito
pela unidade da família derivava de um objetivo interesse patrimonial. A transferência
do patrimônio sob a forma de herança seria a forma mais fácil de obter a garantia do
sucesso da prole. As propostas liberais e socialistas de tributação e redistribuição dos
bens eram atacadas com vigor, para que nunca mais se repetissem as medidas de força
impostas pela revolução693.

Haveria um caminho evolutivo natural para todas as sociedades que


passariam da democracia à aristocracia, da aristocracia à realeza; esta é sua inclinação
natural: o progresso reverso é impossível694. Segundo Bonald, ao propor o Contrat
social Rousseau teria formulado um método e uma explicação que distanciava as
sociedades de sua inclinação natural. O progresso inverso, da realeza para a
democracia, seria impossível, porque a inclinação natural das sociedades é passar da
democracia para a realeza, que os problemas eternos das repúblicas terminam mais
cedo ou mais tarde com o estabelecimento do poder de um só, e que as crises violentas
que às vezes sofrem as monarquias, longe de mudar a forma de governo, muitas vezes
melhoram a legislação695. Ainda segundo ele, Rousseau havia percebido essa linha
evolutiva natural, e a omitido; por ter percebido que a inclinação natural das
sociedades era para a realeza, o autor do Contrat social ousou argumentar que a
sociedade não estava na natureza do homem, e que ela era absurda696. Rousseau
também, ao negar a fonte divina do poder, teria colocado as ideias republicanas à frente
da unidade de poder; soberania do povo [adiante da] soberania de Deus, esta, sim, a
declaração revolucionária dos direitos humanos, a declaração mais justa e cristã dos
seus deveres. O homem nada pode fazer a respeito do homem exceto por meio de Deus,
e nada deve a outro homem exceto a Deus. Qualquer outra doutrina não dá base para
poder nem para deveres. Ele destrói a sociedade ao tornar o poder apenas como um

693
NISBET, 1995, p. 79.
694
BONALD, 1880, p. 148. Esta hipotética linha evolutiva fica ainda mais interessante ao se lembrar de
que o único livro utilizado como fonte de Bonald era Discours sur l’histoire universelle, de Bossuet, um
tratado de história sob o ponto de vista religioso, feito exclusivamente para a educação de Luís, o Grand
Dauphin.
695
Idem, ibid., p. 149.
696
Idem, ibid., p. 148.

206
contrato revogável à vontade, [tornando o poder] apenas uma barganha entre
interesses pessoais.

Um homem seria naturalmente movido por certezas, especialmente a


convicção de que a monarquia era o governo mais natural e perfeito, seja para a
sociedade política como para a sociedade religiosa. A confiança da evolução necessária
e obrigatória para a monarquia, aquela à qual todas as outras formas de governo
tendem a retornar, a fim de encontrar estabilidade e descanso, moveria o homem para a
sociedade perfeita697. A perfeição estava baseada em tríades: na sociedade doméstica
nas relações entre o pai, a mãe e o filho; na sociedade política, na distinção entre
soberano, ministro e súdito; e na sociedade religiosa, Deus, o papa e os homens.
Absolutamente todas as leis naturais eram derivadas a partir dessas relações, formuladas
e reguladas por Deus. A forma monárquica era a mais natural, uma vez que o próprio
Deus assim governava o universo, como Ser Supremo, Soberano Senhor de todas as
criaturas, tendo deixado na Terra seu um vigário visível para representá-lo698, assim
como sua igreja. Dessa forma, os reis não precisariam agarrar-se a qualquer nova
doutrina em moral e religião; teriam um meio seguro e sempre disponível para cumprir
seus deveres: dirigir-se à suprema e única autoridade legítima na religião e na moral, à
Igreja cristã personificada em sua cabeça visível, uma autoridade que, quando pedem
sua ajuda ou assistência, devem acreditar ser infalíveis, mesmo quando as escolas
discutem sobre sua infalibilidade699. Uma única soberania existe em Deus, que a delega,
de forma mais ou menos igual, à família, à Igreja e ao governo, cada qual munido da
autoridade, que, por derivar de Deus, também é suprema. Assim, a autoridade da família
é sacrossanta, e nem o Estado nem a Igreja podem transgredir as regras impostas pelas
relações de parentesco. O mesmo se aplica ao governo e, sobretudo, à religião. Qualquer
invasão de um dos níveis de autoridade por outro caracterizaria a tirania. Para Bonald, a

697
Idem, ibid., p. 19.
698
Idem, ibid., p. 21.
699
Idem, ibid., p. 24.

207
revolução na França deveria ser repudiada, entre outras razões, por ter o Estado
invadido a autoridade da família e da Igreja700.

As formulações iniciais expostas em Théorie du pouvoir foram reproduzidas


por Bonald em todas as suas obras, quase sem quase nenhuma variação: Deus é criador
e monarca de todo universo, a família é a base de toda a sociedade, na qual a política,
monárquica, deve se espelhar. Bonald como um dogmático, para quem é mais
imperiosa, mais fundamental, mais obsessiva e mais sombria a necessidade de pensar
sempre a mesma coisa, [tendendo a] dizer a mesma coisa indefinidamente, sempre
encontrando novas maneiras de dizê-la e novos argumentos para provar que está certo
em dizê-lo701. Em uma frase Bonald resume a simplicidade de suas ideias: As mentes
superiores são naturalmente inclinadas ao absoluto e sempre tendem a simplificar suas
ideias [...] A dúvida em que mentes medíocres repousam é para mentes fortes o que é
indecisão para personagens fortes, um estado de inquietação que não pode se
estabelecer702.

Bonald foi admirador extremado do medievalismo político ortodoxo, e um


influente pilar das ideias iniciais da restauração da autoridade da Igreja, que construíram
os dogmas da reação à revolução e ao liberalismo; ideias que em sua própria época já se
mostravam obsoletas. Contudo, seus fundamentos ideológicos foram adotados pela
cúpula da Igreja em Roma, entrando no corpus geral da teoria política católica e
certamente influenciando a ação da Igreja703.

2.5.2. Joseph de Maistre

700
NISBET, 1995, p. 61.
701
FAGUET, 1891, p. 73.
702
BONALD, 1859, p. 25.
703
BERLIN, 2013, p. 101.

208
A Igreja Católica que surgiu após o encerramento do Congresso de Viena,
em 1815, era muito diferente daquela que assistira à eclosão da Revolução Francesa 26
anos antes; o papado havia perdido grande parte de seu poder e influência perante uma
Europa restaurada, que em muito diferia da anterior. O Sacro Império Romano-
Germânico, o Estado eclesiástico independente, seguiu o mesmo caminho: os
principados episcopais, Colônia, Mainz, Treves, Salzburgo, havia desaparecido ao
longo das guerras napoleônicas, e junto com eles os principados eclesiásticos católicos,
governados por bispos, uma característica da sobrevivência medieval. Um acordo entre
França e Áustria, em 1803, extinguiu os principados, secularizando todas as
propriedades eclesiásticas. A Igreja Católica renascida nos territórios germânicos
proclamava sua independência perante Roma. O mesmo aconteceu na Espanha, que
inaugurou um governo fundado em uma constituição liberal após conseguir restaurar o
poder civil derrotando os franceses em 1810; a Inquisição romana foi abolida e o clero
estabeleceu um sistema de concílios sem a necessidade de confirmação do papa704. Nos
territórios italianos, o liberal grão-duque Leopoldo II, da Toscana, conseguiu, ao menos
por um tempo, afastar seus bispos da autoridade imediata do papa, pleiteando liberdade
semelhante àquela exposta pela declaração Quatre articles, de 1682, da Igreja Galicana.
A igreja russa, também controlada pelo poder civil, questionava a autoridade. Nos
Estados Unidos da América o papa nunca mais recuperou a pouca autoridade que
possuía; na Áustria o imperador Francisco I, um católico conservador, em 1816, proibiu
seus bispos de irem a Roma para serem consagrados, uma vez que o papa seria apenas
mais um entre eles705. Diante do quadro de desagregação da Igreja Católica, Joseph de
Maistre, um alto funcionário da diplomacia do Reino da Sardenha-Piemonte, diplomata
lotado na Rússia, que já combatia ideologicamente a Revolução Francesa desde 1793706,
decidiu defender também o papado. Desse empenho nasceu uma das mais importantes
obras do pensamento conservador, que iria fundamentar o princípio da soberania papal:
Du Pape (1819).

704
A Inquisição seria novamente instaurada pelo rei Fernando VII, mas foi definitivamente abolida em
1834 por sua filha Isabel II.
705
LATREILLE, 1906, p. vii-xvi.
706
Edição de Lettres d’un royaliste savoisien à ses compatriotes (cartas de um monarquista de Sabóia
para seus compatriotas).

209
Filho de mãe francesa e pai italiano, Joseph-Marie de Maistre nasceu em
1753 em Chambéry, Ducado de Sabóia, parte do Reino da Sardenha-Piemonte na época,
que era governado pela Casa de Sabóia. Sua família era proprietária de grandes lotes de
terra e estava ligada à política francesa há muitas décadas; o pai recebera do rei
piemontês Carlos Emanuele III o título de conde. Como o mais velho de dez irmãos,
Maistre tornou-se herdeiro natural das propriedades e do título do pai, como
determinava a lei à época. Educado por jesuítas707, na juventude pertenceu à
maçonaria708, tendo se associado à loja de Lyon, de tendências místico-religiosas
martinistas, inclinada para a busca do caminho interior e a igreja interior, que de forma
alguma pretendia a subversão das instituições políticas e eclesiásticas709. O cristianismo
esotérico do martinismo, preocupado com a queda do primeiro homem, seu estado de
privação material de sua fonte divina, e o processo de seu retorno à iluminação, com a
divina Providência assumindo aspectos apocalípticos, marcaria profundamente toda a
obra de Maistre710.

Na mesma época pertenceu à confraria leiga dos Pénitents noirs (penitentes


negros), que realizavam ações de piedade e caridade, especialmente acompanhando os
últimos momentos dos condenados à morte, os moribundos e os loucos711. Foi eleito
senador em Sabóia em 1788, tendo demonstrado certo entusiasmo no início da
Revolução Francesa, da qual logo se afastou quando perdeu o direito a participar da

707
Na juventude, durante seus estudos, antes de ler qualquer livro, buscava a autorização de seu pai, um
senador piemontês como ele também viria a ser, ou seu confessor jesuíta (MAISTRE, 1912, p. 10).
708
Segundo BERLIN (2013, p. 108), de seu tempo de juventude na maçonaria, Maistre teria guardado
uma paixão por doutrinas esotéricas, dicas ocultas, sugestões e interpretações visionárias escondidas na
Bíblia: com ênfase nas maneiras misteriosas pelas quais Deus move suas maravilhas para realizar, na
astúcia da Providência em transformar as consequências não intencionais da atividade humana em
fatores no cumprimento do plano divino, insuspeitado por seus beneficiários irremediavelmente cegos. O
antigo vínculo com a maçonaria também iria gerar certa desconfiança do clero, apesar de sua devoção
inabalável ao catolicismo (idem, ibid.).
709
OMODEO, 1939, p. 11.
710
Idem, ibid., p. 30-32. O martinismo foi um tipo de misticismo cristão surgido na França na primeira
metade do século XVIII, estabelecido por Jacques Martinez de Pasqually (c. 1727–1774), fundador de
L’Ordre de Chevaliers Maçons Élus Coëns de l'Univers (ordem dos cavaleiros-maçons eleitos sacerdotes
do universo). O termo “martinismo” não pode ser confundido com a também mística Ordre Martiniste
Traditionnel, criada por Augustin Chaboseau em 1888. No livro Un reazionario: il conte J. de Maistre,
OMODEO apresenta um estudo aprofundado das tendências místicas e ocultistas da corrente franco-
maçônica.
711
Idem, ibid., p. 13. A figura do carrasco em sua obra, que aparece em muitos momentos como um
redentor, pode ter começado a nascer durante o período em que pertenceu à confraria.

210
Assembleia dos Estados Gerais, convocada por Luís XVI, como proprietário rural712.
Fugiu de Chambéry quando a região foi tomada pelo exército revolucionário francês em
1792. Até então Maistre não havia produzido nada significativo; sua carreira literária
iniciou-se após o exílio forçado pela Revolução Francesa, quando começou a escrever
panfletos contrarrevolucionários anônimos713. Entre 1792 e 1797 Maistre participou da
organização de uma rede de espionagem para fornecer ao governo da Sardenha-
Piemonte informações sobre os acontecimentos na Sabóia ocupada pela França. Para
tanto contou com a ajuda de muitos padres fugitivos de Sabóia e da França. Maistre fez
boas relações com esse meio católico emigrante e, especialmente, com o governo de
Turim714. Morou em várias regiões do norte da península italiana, até se tornar
embaixador de Sabóia na Rússia, em 1802, período em que viria a produzir seus textos
mais importantes, já como um crítico feroz de todas as formas de constitucionalismo,
um crente na divindade da autoridade e do poder e um adversário inflexível de tudo que
o Iluminismo representara: racionalismo, individualismo, liberalismo e secularismo715.

Apesar de os intelectuais iluministas dos séculos XVI a XVIII serem


apresentados, equivocadamente, como uma unidade, havia diferenças e enormes
divergências entre eles. Contudo, por mais que algumas discordâncias fossem
inconciliáveis, havia certas crenças que os uniam: a capacidade social e racional da
humanidade e a intencionalidade das ações; que as questões éticas e políticas poderiam
ser respondidas com uma certeza científica; acreditavam na necessidade de liberdade
plena para os indivíduos e para os governos, e, sobretudo, aceitavam a existência de
regras e leis que regiam a natureza e os homens, que podiam ser descobertas pela razão;
verdades que Maistre passou a atacar com fúria716. Contra concepções idealizadas da
natureza humana, apresentou fatos empíricos da história; ao invés da aposta no futuro e
no progresso, defendeu a salvação pela fé e tradição. Nos lugares em que os iluministas
viam a ciência, Maistre apontava a prevalência do instinto, da sabedoria cristã e da

712
A convocação feita por Luís XVI unificou no Primeiro Estado nobres e proprietários, e muitos donos
de terras, como Maistre, não puderam participar.
713
LEBRUN, 2010a, p. 2.
714
MAISTRE, 1975, Introduction, p. viii.
715
BERLIN, 2013, p. 110.
716
Idem, ibid., p. 112.

211
experiência acumulada pelas gerações, o prejudice. No lugar de otimismo, apresentou
pessimismo sombrio717; contra uma visão escatológica de harmonia e paz eternas,
apresentou a necessidade divina de conflito eterno e do sofrimento, do pecado e do
derramamento de sangue e da guerra. No lugar dos ideais de paz e igualdade social,
fundados nos interesses comuns e na bondade natural do homem, ele afirmou a
desigualdade inerente e o conflito violento de objetivos e interesses como sendo a
condição normal do homem caído718.

Sua primeira obra de enfrentamento direito à Revolução Francesa foi


Considérations sur la France, de 1797, um panfleto que reproduzia as teses de Edmund
Burke719, um inglês protestante, estampadas no livro Reflections on the revolution in
France, de 1790, no qual escreveu contra a violência, a imoralidade e o ateísmo da
revolução720. A obra de Maistre, repleta de um pessimismo profundo, era marcada pelo
exílio721: só há violência no universo; mas somos estragados pela filosofia moderna,
que tem dito que tudo é bom, ao passo que o mal contaminou tudo, e que, num sentido
muito verdadeiro, tudo é mal722. Com um apelo emocional, Maistre apoiou-se na
retórica da religião, invocando a civilização cristã como a única possibilidade de
redenção; uma fé que durante dezoito séculos reinou sobre uma grande parte do mundo
e particularmente sobre a parte mais iluminada do globo, [e que] não há nenhuma
instituição no universo que possa ser contraposta a ela723. Considérations deu um
significado cósmico às mudanças que estavam ocorrendo ao proclamar que os eventos
da revolução, profundos, intensos e rápidos, demonstravam claramente o papel da

717
Os textos maduros de Maistre, escritos durante sua temporada em São Petersburgo (1802–1817),
apresentam um paradoxo, no qual a estética do terror convive com o sublime; a vida na Terra, descrita
como cruel, vil e desoladora, antecipa os fins superiores e benignos da Providência (ARMENTEROS,
2010, p. 102).
718
BERLIN, 2013, p. 113. O autor ressalta similaridades entre o radicalismo jacobino e o extremismo de
Joseph de Maistre. Enquanto os primeiros desejavam destruir todos os sinais do Antigo Regime, para
reconstruir uma nova ordem sobre suas ruínas, Maistre desejava arrasar a “cidade celestial” dos
filósofos do século XVIII, não deixando pedra sobre pedra (idem, ibid., p. 114).
719
LEBRUN, 2010b, p. 22.
720
O’MALLEY, 2018, p. 63; MAISTRE, 1975, Introduction, p. vii.
721
CIORAN, 1995, p. 8.
722
MAISTRE, 1862, p. 47.
723
Idem, ibid., p. 74-75.

212
Providência nos assuntos humanos724. Interpretou a intervenção divina como punição e,
ao mesmo tempo, como o caminho para a regeneração da França, antecipando uma
futura restauração da antiga monarquia dos Bourbons em seu esplendor absolutista. Para
ele, a monarquia constitucional seria absurda porque, uma vez que exigia
necessariamente o debate de ideias, tornaria impossível o exercício do poder,
necessariamente centrado na figura da autoridade. A obra, proibida na França, teve sua
circulação limitada aos grupos de exilados, o que gerou prestígio a Maistre como uma
voz contrarrevolucionária. Conde Blacas d’Aulps (1771–1839), de quem se tornaria
amigo durante o exílio em São Petersburgo e amigo íntimo de Louis Stanislas Xavier
(1755–1824), futuro rei Luís XVIII, chegou a encomendar-lhe um ensaio sobre o golpe
de 18 Fructidor, em 4 de setembro de 1797, o qual Maistre recusou, alegando que seu
estilo era muito conhecido na França725. O livro também lhe custou um emprego
público jurídico em Turim, uma vez que o rei Carlos-Emmanuel, da Sardenha-
Piemonte, era um aliado da república francesa e não podia ofender seu aliado
favorecendo o autor de um panfleto monarquista726.

As bases de suas reflexões filosóficas foram expressas no livro Les soirées


de Saint-Pétersbourg (1821) – as noites de São Petersburgo –, em uma ousada tentativa
de refletir sobre o mal na Terra727, e responder por que a Providência divina às vezes
poupa os culpados e permite que os inocentes sofram728. Para tanto, Maistre reencanta a

724
MAISTRE, 1975, Introduction, p. x. Sem dúvida, porque a primeira condição de uma revolução
decretada é de que tudo o que a poderia impedir não exista [...]. Mas nunca a ordem é mais visível,
nunca a Providência é mais palpável do que quando a ação superior toma o lugar do homem e age
sozinha: é isto que vemos neste momento. O aspecto mais marcante da Revolução Francesa é a força
motriz que dobra todos os obstáculos. O seu redemoinho transporta como uma palha leve tudo o que a
força humana tem sido capaz de lhe opor: ninguém impediu a sua marcha com impunidade. [...] Notou-
se, com grande razão, que a Revolução Francesa lidera mais os homens do que os homens a lideram. [...]
Os canalhas que parecem liderar a revolução entram nela como meros instrumentos, e assim que têm a
pretensão de dominá-la, caem de forma ignóbil (idem, 1862, p. 4-5).
725
LEBRUN, 2010b, p. 2.
726
Idem, ibid., p. 34.
727
Les soirées de Saint-Pétersbourg ou entretiens sur le gouvernement temporel de la Providence, suivies
d'un traité sur les sacrifices (as noites de São Petersburgo ou palestras sobre o governo temporal da
Providência, seguidas de um tratado sobre os sacrifícios) foi escrito enquanto estava a serviço na Rússia,
entre 1802 e 1817, e só foi publicado em 1921, mesmo ano de sua morte. Como em Platão, foi escrito sob
a forma de um diálogo entre Maistre, um nobre e um senador russos, e um exilado francês.
728
Quando lançado, no ano de sua morte, o livro trazia como anexo o ensaio Traité sur les sacrifices, no
qual Maistre apresenta uma até então inédita análise sobre os ritos sacrificiais, mostrando que a unidade
social repousa sobre a religião, entendida como a fonte sancionada da coesão simbólica e imaginária da

213
natureza e dá-lhe um sentido moral. Ao contrário da divindade transcendente dos
agostinianos, que criou as leis da natureza e deixou o mundo, o Deus de Les soirées é
imanente, intervindo em todo o universo. Assim, as leis divinas são mais flexíveis e
adaptáveis, segundo os ditames inescrutáveis da Providência. Dessa forma, a justiça
divina é o sentido mais pleno da soberania: o que é então uma injustiça de Deus para
com o homem? Poderia haver por acaso algum legislador comum acima de Deus que
prescreveu a maneira pela qual ele deveria agir para com o homem? E quem será o juiz
entre ele e nós?729. A grande quantidade de erros cometidos no mundo exigia uma
quantidade proporcional de punição para satisfazer a justiça de um Juiz severo. A
estranha teodiceia de Maistre imagina um Deus injusto, cruel, implacável; Deus
agrada-se da desgraça de suas criaturas [...], portanto, devemos orar a ele e servi-lo
com muito mais zelo e ansiedade do que se sua misericórdia fosse ilimitada como
imaginamos [...] Quanto mais terrível Deus nos parecer, mais teremos de redobrar
nosso temor religioso em relação a ele, mais nossas orações terão de ser ardentes e
infatigáveis730. E esse Deus responde à oração, seja atribuindo bênçãos e milagres, seja
distribuindo punições por meio de guerras, doenças e tragédias. Quanto mais terrível
Deus nos parecer, mais teremos de redobrar nosso temor religioso em relação a ele,
mais nossas orações terão de ser ardentes e infatigáveis: pois nada nos diz que sua
bondade compensará isso731. Dessa forma, o homem quando reunido em grupo também
se torna poderoso, podendo mover o mal e o universo em direção ao bem732.

Em sua visão mística da história, Maistre consegue reconhecer em todas as


tragédias a mão divina distribuindo os sofrimentos em quantidade equivalente e

sociedade em sua relação com os deuses. A vitalidade do sangue, ou melhor, a identidade do sangue e da
vida, posta como um fato de que a antiguidade não duvidava, e que se renovou em nossos dias, [...] que o
céu, irritado com carne e sangue, só poderia ser apaziguado com sangue; e nenhuma nação duvidou de
que havia uma virtude expiatória no derramamento de sangue! No entanto, nem a razão nem a loucura
poderiam inventar essa ideia, muito menos torná-la geralmente adotada. Tem sua raiz nas profundezas
da natureza humana, e a história, neste ponto, não exibe uma única dissonância no universo. Toda a
teoria se baseava no dogma da reversibilidade (MAISTRE, 1912, p. 189). Uma análise do texto sob o
ponto de vista da Sociologia da Religião pode ser encontrada em BRADLEY, Maistre’s theory of
sacrifice, 2001, p. 65-83.
729
MAISTRE, 1912, p. 140.
730
Idem, ibid., p. 141.
731
Idem, ibid.
732
ARMENTEROS, 2014a, p. 134.

214
proporcional aos pecados. Um exemplo seria o dilúvio bíblico, que dada sua dimensão
pressupõe crimes inéditos, e que esses crimes pressupõem um conhecimento
infinitamente superior ao que possuímos. Isso é o que é certo e o que precisa ser
explorado. Este conhecimento, liberto do mal que o tornara tão fatal, sobreviveu na
família justa à destruição da humanidade. A correlação causa e consequência seria
imediata, uma vez que as verdades mais difíceis de encontrar são muito fáceis de
entender, citando um suposto texto de Platão733. Já a criação divina responde como o
criador: no vasto domínio da natureza reina uma violência aberta, em uma espécie de
fúria que arma todas as criaturas. Todo o mundo natural, animal e vegetal se rende à
violência, à bestialidade e à selvageria. No vasto domínio da natureza reina uma
violência manifesta, um tipo prescrito de raiva que arma todos os seres; [em tudo] você
encontra o decreto da morte violenta escrita nas próprias fronteiras da vida. Já no
reino vegetal começamos a sentir a lei: da imensa catalpa734 à mais humilde erva,
quantas plantas morrem e quantas são mortas!735. No mundo animal a violência
assumiria cores ainda mais dramáticas, sempre havendo um animal para devorar o
outro, especialmente o homem, sempre disposto a matar em uma guerra sem fim736.
Contudo, paradoxalmente, a guerra não seria um mal em si, uma vez que é nela que a
vontade divina, o anjo exterminador, poderia cumprir sua missão737. Assim, toda a
Terra, continuamente encharcada de sangue, é apenas um imenso altar onde tudo o que
vive deve ser imolado sem fim, sem medida, sem abrandamento, até a consumação das
coisas, até a morte da morte738.

733
MAISTRE, 1912, p. 41.
734
Catalpa, árvore subtropial de grandes dimensões.
735
Idem, ibid., p. 121.
736
Acima dessas numerosas raças de animais está o homem, cuja mão destrutiva não poupa nada do que
vive; ele mata para se alimentar, ele mata para se vestir, ele mata para se enfeitar, ele mata para atacar,
ele mata para se defender, ele mata para aprender, ele mata para se divertir, ele mata para matar [...]. É
o homem o responsável pela matança do homem (idem, ibid., p. 121-122).
737
A guerra é, portanto, divina em si mesma, pois é uma lei do mundo. A guerra é divina por meio de
suas consequências sobrenaturais, gerais e específicas [...] é divina na glória misteriosa que a cerca e na
atração não menos inexplicável que nos leva a ela. A guerra é divina na proteção concedida aos grandes
capitães, mesmo os mais perigosos, que raramente são atingidos em batalha, e somente quando sua fama
não puder mais aumentar e sua missão for cumprida. A guerra é divina na forma como é declarada. [Na
guerra] Deus apresenta-se para vingar a iniquidade que os habitantes do mundo cometeram contra ele. A
terra ávida por sangue abre sua boca para recebê-lo e retê-lo em seu ventre até o momento em que
deverá devolvê-lo. [...] A guerra é divina em seus resultados, que escapam absolutamente às
especulações da razão humana [por fim,] divina pela força indefinível que determina seu sucesso (idem,
ibid., p. 123-124).
738
Idem, ibid., p. 122.

215
As imagens apocalípticas de guerra, crimes, tortura e punição ilustram a
base do pensamento de Maistre, segundo o qual os homens só podem ser salvos sendo
cercados pelo terror e pelo medo, devendo ser lembrados constantemente do mistério
assustador da criação. A purificação nasce do sofrimento perpétuo e da conscientização
da estupidez, da malícia e do desamparo da humanidade. Os legisladores devem ser
implacáveis na imposição de regras e pelo extermínio dos inimigos. Os inimigos seriam
todos aqueles que procuram subverter a ordem divina, os membros daquilo que Maistre
chama de la secte – a seita: protestantes, jansenistas, deístas e ateus, maçons e judeus,
cientistas, democratas, jacobinos, liberais, utilitaristas, anticlericais, igualitários,
perfectibilistas739, materialistas, idealistas, advogados, jornalistas, reformadores
seculares e intelectuais. Seriam inimigos também todos os que se valem de conceitos
abstratos, como razão, liberdade e consciência individuais, assim como os reformadores
e revolucionários. Os membros da la secte não descansariam tentando impor um novo e
satânico mundo, como já haviam feito na Revolução Americana e na Revolução
Francesa. Dentre todos os inimigos, Maistre dedicou muitas páginas contra os cientistas;
todos os intelectuais são ruins, mas os mais perigosos são os cientistas naturais [...] um
grande perigo para o Estado740. Nas palavras de Maistre: se Ele colocou certos objetos
além dos limites de nossa visão, é sem dúvida porque seria perigoso para nós percebê-
los distintamente741.

Ele rejeitava os cientistas e filósofos por sua tentativa de conhecer e explicar


as coisas do mundo e da vida, tentando desvendar os desígnios da Providência divina:

739
Corrente filosófica dos séculos XVIII e XIX que acredita que a natureza humana é aperfeiçoável;
normalmente a palavra é associada aos illuminati, que por sua vez eram membros de uma sociedade
secreta da Bavária, criada em 1776, que se opunham à superstição, ao obscurantismo e à influência
religiosa sobre a vida pública. O grupo foi acusado de ser o mentor da Revolução Francesa (COLLINS,
s.d.).
740
BERLIN, 2013, p. 121-122.
741
MAISTRE, 1912, p. 166. Agradeço a Deus por minha ignorância ainda mais do que por meu
conhecimento; pois minha ciência sou eu, pelo menos em parte, e consequentemente não posso ter
certeza de que seja boa: minha ignorância, ao contrário, pelo menos aquela de que falo, é Dele;
portanto, tenho toda a confiança possível nela. Não irei loucamente tentar escalar o recinto salutar com
o qual a sabedoria divina nos rodeou; tenho certeza de que estou deste lado nas terras da verdade: quem

216
seria necessário perder o juízo para acreditar que Deus instruiu as academias a nos
ensinar o que Ele é e o que Lhe devemos. Pertence aos prelados, aos nobres, aos
grandes oficiais do Estado serem os depositários e os guardiões das verdades
conservadoras; ensinar às nações o que é certo e errado; o que é verdadeiro e o que é
falso na ordem moral e espiritual742. Assim apenas os clérigos, aristocratas e militares
podem proferir verdades sobre o mundo e os homens: antigamente, havia muito poucos
eruditos e um número muito pequeno desses poucos era ímpio; hoje só vemos
cientistas: é uma profissão, é uma multidão, é um povo [...]. Por todos os lados, eles
usurparam influência ilimitada; e, no entanto, se há algo certo no mundo, é, em minha
opinião, que não cabe à ciência liderar os homens743. Suas teses sobre a ciência foram
desenvolvidas no livro Examen de la philosophie de Bacon: ou l’on traite différentes
questions de philosophie rationnelle (exame da filosofia de Bacon: no qual são tratadas
diferentes questões de filosofia racional), editado em 1836, após sua morte. Contudo, a
base do pensamento científico de Maistre, fundado em um platonismo tardio, que
converte a ciência em uma espécie de religião, já aparece em Les soirées: Toda doutrina
racional é baseada no conhecimento antecedente, pois o homem nada pode aprender,
exceto porque sabe [...] deve-se admitir que antes de chegarmos a uma determinada
verdade já a conhecemos em parte [...] não basta, portanto, acreditar na ciência,
devemos também acreditar no princípio da ciência, cujo caráter é para ser necessário e
necessariamente acreditado744. A verdadeira ciência nasceria da intuição, como na
ciência primitiva745.

Suas ideias políticas foram sistematizadas no livro Essai sur le principe


générateur des constitutions politiques (1814), escrito em 1809, um panfleto político
com o objetivo claro de atuar sobre a política interna da Rússia. Quando de sua chegada
a São Petersburgo, Maistre era apenas o representante de um dos menos importantes
Estados da Europa; contudo, sua situação pessoal mudara muito e rapidamente. Em

pode me garantir que além (para não fazer uma suposição mais triste) eu não estarei no reino da
superstição? (idem, ibid., p. 168).
742
MAISTRE, 1912, p. 142.
743
Idem, ibid.
744
Idem, ibid., p. 97.
745
Idem, ibid., p. 44.

217
poucos anos ele se tornara íntimo de Alexandre I, não medindo esforços para interferir
em suas decisões políticas. Em 1809, o czar havia adotado algumas medidas
liberalizantes, que ficaram a cargo do secretário de estado e conselheiro Mikhail
Speransky (1772–1839), responsável por elaborar sua regulamentação; entre elas estava
a reforma do sistema educacional. A possibilidade de modernizar a educação russa
interferia diretamente nos interesses dos jesuítas, que controlavam o sistema de ensino
no império, com os quais Maistre mantinha sólidos vínculos, ótimas relações com os
líderes jesuítas e era um frequentador assíduo da Academia Jesuíta de Polok, na
Universidade de Vilna, hoje Estônia746. Do ponto de vista de Maistre, os textos
legislativos de Speransky, chamados de constitucionais, eram medidas revolucionárias
semelhantes àquelas adotadas durante a Revolução Francesa, que deixariam a Rússia
parecida com a França napoleônica747.

Em Essai, Maistre atacou duramente o regime constitucional, afirmando que


nenhuma constituição resulta de deliberação, e que os direitos das pessoas nunca são
escritos, ou, se escritos, são descrição daquilo que já existe, isto é, apenas uma
declaração de direitos. As leis escritas imporiam limites ao homem, uma vez que estão
circunscritas a um número finito de casos, e não garantem direitos. Essa garantia
somente pode ser dada a partir da concessão dos soberanos; a própria liberdade é uma
concessão do monarca, e a prova é que quase todas as nações livres foram criadas por
reis748. A tese secundária do livro é o caráter insubstituível e indispensável da religião
na construção de instituições duráveis749: podemos até generalizar a afirmação e
pronunciar sem exceção: que nenhuma instituição pode durar, a menos que seja
fundada na religião [...] nações nunca foram civilizadas exceto pela religião750. A
defesa dos interesses dos jesuítas também estava expressa no texto: qualquer sistema
educacional que não seja baseado na religião cairá em um piscar de olhos, ou apenas
derramará venenos no Estado. Da mesma forma o argumento em favor da Academia de

746
OMODEO, 1939, p. 142.
747
LEBRUN, 2010b, p. 37.
748
MAISTRE, 1833, Prefácio. Quem iria propor uma constituição a um soberano legítimo, como alguém
propõe uma capitulação a um general sitiado? Seria tudo indecente, absurdo e, acima de tudo, ruim.
749
LEBRUN, 2010b, p. 38.
750
MAISTRE, 1833, p. 41 e 44.

218
Polok: por que uma escola de teologia em todas as universidades? [...] é para que as
universidades subsistam e o ensino não se corroa. Inicialmente, eram nas escolas
teológicas que as outras faculdades se instalavam, como servos ao redor de uma
rainha751. Com receio da repercussão do livro na corte de Alexandre I, Maistre
publicou-o na Rússia anonimamente, mas a estratégia não foi bem-sucedida. Ele havia
enviado uma cópia a Bonald em Paris, que sem autorização a publicou em 1814, com o
nome de Maistre estampado na capa. A edição causou-lhe triplo mal-estar. Na Rússia, o
indispôs com o czar, que já não via com bons olhos as investidas dos jesuítas contra a
Igreja Ortodoxa, e precipitou uma série de incidentes752 que culminaram na expulsão da
Companhia de Jesus do império russo em 1820753.

O texto também foi mal recebido pelo rei Vittorio Emanuele II, que o havia
designado como diplomata em São Petersburgo em 1802. Contudo, para Maistre, as
piores consequências vieram de Paris. O rei Luís XVIII, irmão mais novo do rei Luís
XVI, que estivera exilado entre 1891 e 1814, quando retornou ao país e foi coroado,
pouco antes da publicação não autorizada do livro na França, havia se submetido às
pressões e aceito uma constituição que garantia e preservava elementos importantes do
período revolucionário. A carta constitucional reconhecia o parlamento de duas câmaras
legislativas com eleições periódicas, previa ampla liberdade religiosa, impunha
limitação ao rei para estabelecer impostos, garantia a liberdade de imprensa e
assegurava a propriedade para aqueles que adquiriram as terras e os bens anteriormente
confiscados do clero e da nobreza. O mundo napoleônico, mesmo derrotado,
sobrevivera por intermédio de seus códigos, dos sistemas administrativos e da
organização militar, e pela tolerância religiosa. A edição de Essai por Bonald, como um

751
Idem, ibid., p. 51.
752
Maistre e os jesuítas, após 1814, passaram a promover o catolicismo romano entre a nobreza de São
Petersburgo, desconsiderando o fato de que o czar é o soberano da Igreja Ortodoxa (OMODEO, 1939, p.
142). Maistre e os jesuítas tentavam catequizar a aristocracia convencendo-a de que a religião nacional
russa carecia de um “quid”, algo misterioso, presente na igreja romana, e da qual o papa era o detentor
e guardião. E a esse defeito primário atribuiu a cultura escassa e a falta de prestígio do clero russo, a
corrupção dos mosteiros e o automatismo litúrgico-sacramental da religião russa (idem, ibid., p. 177).
753
Após a reabilitação da Companhia de Jesus em 1814, os jesuítas foram expulsos de vários países:
Rússia (1820), França (1828, 1880, 1902 e 1904), Espanha (1835, 1868 e 1932), Suíça (1847), territórios
alemães (1847 e 1872), México (cinco vezes entre 1821 e 1914), Colômbia (1850), Guatemala (1871),
Nicarágua (1881) e Brasil (1889) (BRODERICK; LAPOMARDA, 2003, v. 7, p. 787-793).

219
protesto contra a Constituição, provocou um sério abalo nas relações entre Maistre e a
dinastia dos Bourbons, com quem sempre tivera boas relações no exílio, e que desejava
manter após a restauração da casa real754.

Após 1809 e o fim da redação do Principe générateur des constitutions


politiques, Maistre foi tomado por um crescente pessimismo e desesperança ante a
reconstrução do mundo destruído em 1789, conforme demonstra sua vasta
correspondência. Uma carta de 1804 já mostrava ter compreendido o imenso alcance
dos acontecimentos revolucionários, sendo inútil acreditar na restauração total das
velhas ideias755. A queda de Napoleão em 1814 acentuou sua frustração com o processo
de reconstrução da Europa; ele havia observado que os monarcas que retomavam seus
tronos encontravam seu poder sob severas restrições; a aceitação por Luís XVIII de uma
constituição, que lhe impunha a limitação de seu poder, era um claro sinal de que a
revolução deixara marcas duradouras756. Em uma outra carta, em agosto de 1819,
descrevia seu sentimento: estou sobrecarregado, farto da vida [...] e minha mentalidade
sofre por isso: de pequena escala, tornou-se nada, “hic jacet” [aqui jaz]; mas estou
morrendo com a Europa e estou em boa companhia757. Maistre, nos últimos anos da sua
vida, estava dividido entre um pressentimento escatológico, que o levava a considerar o
presente em termos de uma utopia futura, e a busca no passado distante, uma natureza
que já não mais existia; Maistre estava em desacordo com o tempo presente758.

754
OMODEO, 1939, p. 175-177.
755
GLAUDES, 2010, p. 54.
756
Em uma carta escrita ao marquês de Clermont Mont-Saint-Jean, em setembro de 1815, afirmou: As
nações morrem como indivíduos e [...] não há evidência de que a nossa não esteja morta; mas [...] se a
palingênese é possível (na qual ainda acredito e espero) [...] onde estão os componentes desta
contrarrevolução? Bonaparte está em Santa Helena; é uma pena que a sua doutrina permaneça em todos
os concílios. Em qualquer caso, não pense por um minuto [...] que a ordem tradicional poderia ter
respirado por 15 anos em uma atmosfera tão venenosa sem ter sofrido a mínima inconveniência
(MAISTRE, transcrito por GLAUDES, 2010, p. 57).
757
GLAUDES, 2010, p. 58.
758
JAUSS, Hans Robert, citado por GLAUDES, 2010, p. 58.

220
Foi com esse estado de espírito que Maistre escreveu o livro Du Pape759,
lançado em 1819, afirmando que o papado era o paradigma de todo poder monárquico.
Sua longa estada na Rússia, e o contato com a Igreja Ortodoxa, que não reconhecia
autoridade, teriam sido a razão de suas reflexões, que viriam a ser estampadas no livro.
Em uma carta ao conde Marcellus (1795–1861) afirmou que em 14 anos [Maistre]
nunca havia deixado de ser assaltado pelas reivindicações de Photius e sua posteridade
religiosa760. O desenvolvimento de suas ideias sobre o papado também teria sido
incrementado a partir de sua longa convivência com o conde e futuro duque Blacas
d’Aulps (1771–1839), conselheiro do futuro rei Luís XVIII exilado em São Petersburgo,
entre 1803 e 1808. Com a intensa troca de correspondência, tentando refutar os
argumentos galicanos adotados por Blacas após sua participação no governo
monárquico restaurado e sua conversão em 1814, Maistre aprofundou a reflexão e
decidiu redigir o livro761. Por último, também teria contribuído a estreita relação de
Maistre com a Companhia de Jesus e a comunidade jesuíta na Rússia; mesmo com a
supressão da ordem em 1773, essa ordem sempre demonstrou sua vigorosa lealdade e
obediência ao papa762.

O papado, fonte de onde todas as outras autoridades fluíram, teria criado os


impérios e as monarquias. No momento da restauração, segundo Maistre, o catolicismo
precisava de um papa infalível, uma vez que não poderia haver cristianismo sem
catolicismo e sem a soberania do papa: nenhuma moral pública nem caráter nacional
sem religião, nenhuma religião europeia sem cristianismo, nenhum verdadeiro
cristianismo sem catolicismo, nenhum catolicismo sem papa, nenhum papa sem a
supremacia que pertence a ele763. Uma vez que as casas reais restabelecidas haviam
cedido às forças contrárias à religião, e aceito a limitação de sua autoridade, cabia ao
papado fornecer uma base para a sociedade política.

759
Cujo título original era: Du pape; considéré dans ses relations avec l’Église, les souverainetés
temporelles, les églises séparées et la cause de la civilisation.
760
MAISTRE, 1975, Introduction, p. ix. Photius foi um patriarca ecumênico de Constantinopla,
representante espiritual dos fiéis ortodoxos, do século IX.
761
Idem, ibid.
762
Foram exatamente as estreitas relações entre Maistre e os jesuítas que obrigaram sua saída da Rússia
em 1817 (idem, ibid., p. x).

221
Maistre foi o primeiro autor a defender clara e expressamente converter a
infalibilidade do papa, antes uma tese teológica, em uma medida política764. Não há no
livro fundamentos teológicos profundos ou argumentos sobrenaturais específicos do
catolicismo; a infalibilidade do papa advém apenas de sua autoridade, que imporia
respeito absoluto aos governos seculares. Dada sua insuficiência teológica, Du Pape, em
um primeiro momento, não foi incorporado como doutrina; contudo, foi lido com muito
interesse pelos bispos e cardeais conservadores em Roma765, especialmente aqueles que
seriam os responsáveis pela orientação política da Igreja ao longo dos cinquenta anos
seguintes. O texto também foi bem recebido nos meios eclesiásticos, ainda muito
preocupados com a luta contra as igrejas nacionais, cuja afirmação de que o galicanismo
havia sido destruído atendia aos interesses de muitos na Santa Sé.

No texto, a argumentação teológica fora, surpreendentemente, desprovida de


seu conteúdo religioso, tornando-se uma teoria política766, o que é explicitado nas
primeiras linhas do texto: seria difícil acrescentar novos argumentos [teológicos]
àqueles que os defensores desta alta prerrogativa já acumularam, [...] as verdades
teológicas não são senão gerais verdades manifestadas e divinizadas dentro da esfera
da religião767. Seu conceito de autoridade ao ser aplicado ao catolicismo percorria um
caminho que começava com a autoridade política do soberano, passando pela autoridade
teológica do papa, até chegar ao fundamento da autoridade teológico-política: a própria
autoridade de Deus. A infalibilidade papal, a soberania absoluta espiritual768, foi
deduzida a partir de uma formulação de poder político: poder temporal e poder

763
Texto de uma carta citada por Richard Lebrun, sem identificar o destinatário (MAISTRE, 1975,
Introduction, p. xi).
764
DUFFY, 2014, p. 276.
765
MARTINA, 1995, p. 171.
766
De Maistre [...] renunciando a todo aparato teológico, tentou em sua obra principal basear a
restauração da supremacia papal em simples raciocínio histórico e político [...] em vez de ordená-la
diretamente por direito divino (COMTE, Auguste, Œuvres, 1968-1971, t. IV, p. 21, apud MACHEREY,
1991, p. 44).
767
MAISTRE, 1975, p. 1.
768
As duas palavras infalibilidade e soberania eram “perfeitamente sinônimos”. Para ele, toda
soberania agia como se fosse infalível, [...] a autoridade como tal é boa uma vez que existe: “Qualquer
governo é bom uma vez estabelecido”, sendo que uma decisão é inerente à mera existência de uma
autoridade governamental, e a decisão como tal é valiosa justamente porque, [...] tomar uma decisão é
mais importante do que como uma decisão é tomada (SCHMITT, 2005, p. 54-55).

222
espiritual estariam vinculados por uma correspondência recíproca769. O direito de
autoridade soberana provém de Deus, e tudo que existe somente pode subsistir a partir
dessa soberania. A revolta contra a autoridade, como foi a Revolução Francesa, é,
inevitavelmente, uma revolta contra o autor supremo da autoridade; a derrubada
revolucionária da monarquia, assim como a contestação da autoridade do papa, é em si
mesma uma insurreição contra Deus. A diferença entre os dois poderes reside no fato de
que, no primeiro, o soberano pode estar equivocado, de modo que a infalibilidade que
se lhe dá é apenas uma suposição [ao passo que] o governo espiritual é
necessariamente infalível; pois Deus não teria confiado o governo de sua igreja a seres
de ordem superior, se não tivesse dado infalibilidade aos homens que a governam770.
Esse seria o argumento decisivo de Maistre a favor da infalibilidade papal: seria absurdo
admitir que Deus poderia fundar sua igreja sem dar a ela a infalibilidade a seu líder.
Apesar de as duas infalibilidades – temporal e espiritual – serem absolutas, elas
necessariamente seriam assimétricas: ao passo que a infalibilidade da palavra do papa,
em virtude de sua suprema autoridade apostólica, fixada de forma dogmática por Deus,
é irrecorrível e irreversível, as decisões tomadas pelo poder temporal podem ser
revertidas, ou mesmo revogadas; a decisão ungida pelo poder divino não – a Igreja
pode excomungar o príncipe, e o príncipe pode matar o pastor, contudo, o príncipe
nada pode contra a Igreja771. É preciso ressaltar que Maistre, em Du Pape, não deixa
explicita a tese da supremacia do poder do papa sobre os soberanos; de forma discreta
afirma que esta seria apenas uma hipótese com a qual trabalha772; contudo o texto faz
elogios a todos os papas que enfrentaram o poder temporal, especialmente Gregório VII,
Inocêncio III e Bonifácio VIII (1294–1303)773, homens superiores que se elevaram
sobre as dificuldades de seu tempo para manter a Igreja eterna774. Maistre reinterpretou

769
PRANCHERE, 2001, p. 134.
770
MAISTRE, Réflexions sur le protestantisme (1789), Œuvres completes, 8:145, apud PRANCHERE,
2001, p. 146.
771
MAISTRE, 1975, p. 174, citando o livro Explication des maximes des saints sur la vie intérieure, do
bispo François Fénelon , de 1697.
772
Idem, p. 122-123; PRANCHERE, 2001, p. 146.
773
MAISTRE, 1975, p. 160-164, 202-204 e 189-190 respectivamente.
774
Seria melhor dizer, talvez, que em certo sentido a Igreja nunca envelhece. A religião cristã é a única
instituição que não conhece decadência, porque só ela é Divina. Quanto a aspectos externos, práticas,
cerimônias, permite mais ou menos variações humanas. Mas nas coisas essenciais é sempre o mesmo –
seus anos não acabarão. Assim, em vez de derrubar as leis da raça humana, ela se permitirá ser
obscurecida pela barbárie da Idade Média; mas produz, não obstante, naqueles tempos, uma multidão de
homens superiores, que somente dela derivam sua superioridade. Depois se renova junto com a
humanidade, acompanha-a, aperfeiçoa-se em suas várias relações – diferindo assim, e de maneira

223
a história da Igreja durante a Idade Média de forma esquemática para dar-lhe um caráter
civilizatório durante o período, como a grande responsável pela construção das
monarquias europeias, uma civilização católica perante uma Europa bárbara775.

Maistre era um apologista, intransigente da monarquia absoluta, seja no


mundo secular, seja na Igreja. As decisões tomadas em um processo eclesiástico
colegiado, como defendiam os galicanos, gerara a instabilidade do poder católico por
150 anos. Para ele, as questões haviam de ser decididas rapidamente e sem a
possibilidade de recurso. Desprezava o galicanismo, assim como a declaração Quatre
articles, que, em 1682, reafirmou a liberdade da igreja francesa perante Roma, que fora
o primeiro passo do caos revolucionário instalado em 1789776. Defendia a adoção da
infalibilidade do papado como um recurso para a recuperação das tradições e do apogeu
perdidos em décadas de anarquia. Segundo ele, a anarquia revolucionária tivera
origem no Concílio de Constance, uma vez que os bispos lá reunidos, apesar de uma
assembleia infinitamente respeitável pelo número e pela qualidade das pessoas, não
poderiam ter decretado o poder dos concílios ecumênicos, uma vez que lá não havia um
papa teologicamente infalível777. Um segundo momento da anarquia, teria ocorrido
quando a Reforma Protestante passou a enfrentar a autoridade legítima do papa,
passando a contaminar a humanidade desde o século XVI. Não posso deixar de dizer
que a primeira mão profana foi trazida por Lutero e por Calvino, quando, sob o nome
de protestantismo e reforma, efetuaram um cisma na Igreja, cisma fatal, uma cisão
absoluta; a reforma teria provocado um golpe contra a hierarquia católica, virando as
mentes dos homens para a discussão dos dogmas religiosos, preparando-os para

marcante, de todas as instituições e impérios humanos, mesmo, que têm sua infância, sua virilidade
[virilité no original] sua velhice e seu fim (idem, ibid., p. 22).
775
Um alto estado de civilização doma as paixões; ao torná-los, talvez, mais abjetos e contaminantes,
tira deles, de qualquer modo, aquela impetuosidade feroz que caracteriza uma época bárbara. O
cristianismo, que nunca cessa de trabalhar para melhorar a humanidade, principalmente exibiu sua
influência na juventude das nações; mas todo o poder da Igreja seria nulo, se não estivesse concentrado
em um chefe, um estrangeiro e um soberano (idem, ibid., p. 152).
776
Idem, ibid., p. 35.
777
Idem, ibid., p. 62. O que, então, devemos pensar daquela famosa Sessão IV [do Concílio de
Constance] em que o conselho (assembleia) se declara superior ao papa? A resposta é fácil. Deve ser
dito que a assembleia falava bobagem, como também têm feito, desde sua época, o Grande Parlamento
da Inglaterra, e a Assembleia Constituinte, e a Assembleia Legislativa, e a Convenção Nacional, e os
Quinhentos e os Duzentos, e as últimas Cortes da Espanha – em uma palavra, todas as assembleias
imagináveis, por mais numerosas que sejam, mas sem presidente (idem, ibid., p. 63).

224
discutir os princípios da soberania, e com a mesma mão minou o trono e o altar778. As
revoluções e as guerras eram apenas consequências dessa anarquia.

Du Pape foi escrito e editado com grande habilidade, além de um senso


aguçado de sintonia com o momento vivido. Napoleão havia caído em 1814, pondo fim
a quase 20 anos de guerras continentais; a Europa estava com a economia e as
instituições devastadas; o Congresso de Viena havia declarado a necessidade de um
organismo supranacional que evitasse novas guerras e revoluções, como fora a atuação
conjunta da Áustria, Prússia e Rússia, a Santa Aliança, no processo de restauração
monárquica. Ao atribuir uma função universal ao papa, Maistre apresenta um poder que
estava acima dos governos779. Os poderes temporais do papado seriam capazes de no
futuro evitar tanto as guerras quanto a violência social e política associada às
revoluções, arbitrando conflitos e pressões, mesmo quando um povo, exausto pela
coação, estivesse à beira de uma revolução780. Os papas deveriam ser árbitros oficiais
de soberania temporal, oficiais jurídicos internacionais com a capacidade de preencher
e desocupar tronos781.

Maistre construiu sua reputação de escritor por meio de seus textos de


reação à Revolução Francesa, que começaram com a edição anônima de Considérations
sur la France, em 1797. Antes havia escrito alguns discursos, um livro de memórias
sobre a maçonaria, além de algumas memórias sobre tópicos mais gerais, nunca antes
publicadas. Durante sua longa estada em São Petersburgo, entre 1803 e 1817, produziu
bastante, mas um único volume, Essai sur le principe générateur des constitutions

778
Idem, ibid., p. 43.
779
OMODEO, 1939, p. 198.
780
Fazendo referência a processos revolucionários recentes, nos quais soberanos foram depostos,
escreveu: Que reis da França, da Espanha, da Inglaterra, da Suécia, da Dinamarca foram realmente
depostos pelos papas? [...] Todas as dissensões, todos os males daqueles tempos tiveram origem numa
soberania mal constituída, e na ignorância de todos os princípios. O príncipe eleito goza sempre como
um possuidor temporário. Não pensa senão em si próprio, porque o Estado só lhe pertence pelos
prazeres do momento. Ele é quase sempre um estranho ao verdadeiro espírito da realeza, e o caráter
sagrado pintado, e não gravado, na sua testa dificilmente resiste ao menor atrito.(MAISTRE, 1975, p.
184).

225
politiques , escrito em 1807, foi editado contra seu desejo, sendo que o restante de sua
obra só se tornou conhecido após sua morte782. Durante 20 anos de atuação
contrarrevolucionária Maistre nada publicou por vontade própria; contudo, Du pape era
diferente: foi o único texto que desejou ver publicamente associado a seu nome, tendo
se empenhado para sua edição. Ao deixar São Petersburgo, Maistre viajou para Paris
com os originais à procura de uma editora. Por intermédio de padres amigos conheceu
um impressor interessado em Lyon que, por sua vez, apresentou-lhe o editor Guy-Marie
Deplace (1772–1843), católico e monarquista, com quem se correspondeu por 18 meses
na preparação do texto783. A rapidez relativa com que o livro foi publicado, apenas três
anos entre seu término e a edição, e a assumida autoria demonstram o forte interesse de
Maistre em interferir de alguma forma na conturbada cena política e religiosa da
restauração.

Apesar de uma vida quase que inteiramente dedicada à contrarrevolução, a


obra de Maistre pode ser resumida como uma tentativa contínua de usar os meios do
Iluminismo – a valorização da razão, o recurso à evidência empírica – para combater os
objetivos do próprio Iluminismo: a retirada da religião da política e o distanciamento de
Deus dos assuntos humanos; contudo, o contrailuminismo de Maistre era
exclusivamente católico, baseando-se em precedentes católicos para elaborar uma
síntese católica784. Para Maistre, o divino poderia ser apreendido de forma empírica,
medido, detalhado e racionalmente compreendido785. Seu pensamento representou um
caso de ortodoxia heterodoxa: um pensamento concebido em defesa do catolicismo, que
de forma paradoxal se vinculava ao racionalismo do Iluminismo786. Maistre, a partir de

781
ARMENTEROS, 2014a, p. 136-137. A ideia já havia sido apresentada anteriormente por Gottfried
Wilhelm von Leibniz (1646–1716), em Monadologie (1714).
782
LEBRUN, 2010b, p. 2. De l’Église Gallicane, em 1821, Les soirées de Saint-Pétersbourg (1821),
Lettres à un gentilhomme russe sur l’Inquisition espagnole, (1822), Examen de la philosophie de Bacon
(1836). Lettres et opuscules inédits du comte Joseph de Maistre (1853), Mémoires politiques et
correspondance diplomatique (1859) e Oeuvres complètes (1884–1886).
783
MAISTRE, 1975, Introduction, p. x.
784
ARMENTEROS, 2014a, p. 142-143.
785
Idem, ibid., p. 131.
786
A obra de Joseph de Maistre apresenta-se como uma polêmica contra o racionalismo do Iluminismo
[...] uma defesa do “princípio católico”, que nada mais é do que o “princípio da autoridade”, tomado em
conjunto com o rigor de suas consequências. [...] De fato, toda sua obra procura mostrar que a
autoridade forma um sistema: a autoridade metafísica de Deus é necessariamente realizada na

226
elementos lógicos e da filosofia política, desenvolveu um método de pensamento
reacionário que permitiu a consolidação daquilo que viria a ser chamado de
ultramontanismo, e que abandonou quase que totalmente a antiga tradição conciliar da
Igreja. Para Maistre, toda autoridade dos bispos derivava da autoridade do papa. O papa
governa e não é governado, julga e não é julgado, ensina e não é ensinado787.

2.5.3. Hugues-Félicité de Lamennais

É extremamente difícil definir de forma categórica o pensamento do padre e


escritor Hugues-Félicité de Lamennais: na juventude foi um defensor ardoroso das
teorias ultramontanas reacionárias, que mais tarde acabariam prevalecendo na Igreja.
Em sua maturidade tornou-se um emissário das ideias do iluminismo católico do século
XVIII e do liberalismo, para finalmente, na velhice, encontrar o socialismo cristão, que
defendeu também de forma arrebatada788. Enquanto Maistre representava o pensamento
conservador enraizado na tradição católica, Lamennais, em suas obras maduras, tornou-
se conhecido como o representante de uma espécie de ultramontanismo liberal, o que os
colocou em posições absolutamente antagônicas. Para esse Lamennais, o futuro do
papado estava em abraçar a causa da liberdade. Em toda sua vida expressou seu
inconformismo perante as teses majoritárias no seio da Igreja: foi um radical
ultramontano quando a maioria dos religiosos era galicana; tornou-se republicano
quando o clero era leal às instituições monárquicas; converteu-se à democracia, quando
a própria ideia de liberdades democráticas era considerada pela burguesia católica
moderada como sinônimo de anarquismo e subversão social789.

autoridade política do soberano e na autoridade espiritual do papa. O ponto notável, no entanto, é que
esta defesa sistemática da autoridade é ela mesma tributária do racionalismo iluminista, já que Maistre
pensa em autoridade sobre o modelo de designação da soberania, em comum com o pensamento de
[Samuel (1632–1694)] Pufendorf, Rousseau e dos fisiocratas (PRANCHERE, 2001, p. 132-133).
787
O’MALLEY, 2018, p. 65.
788
SPULLER, 1892, Avant-propos, p. xi.
789
LAMENNAIS, 1964, p. 1.

227
Nasceu em 1782, em Saint-Malo, na Bretanha, no noroeste da França, uma
cidade cercada por muros à beira-mar, que ainda hoje guarda características feudais790;
filho de uma família abastada, cujo pai, em 1786, havia recebido uma carta de nobreza
de Luís XVI791. Quando jovem foi um dedicado estudante das obras do Iluminismo,
vindo a se converter ao catolicismo somente aos 22 anos por influência de seu irmão
padre, Jean-Marie792. Em 1809, com ajuda do irmão, escreveu Réflexions sur l’état de
l’Église en France au XVIIIe siècle (reflexões sobre o estado da Igreja na França no
século XVIII), que foi apreendido pela polícia, considerado perigosamente subversivo,
e que mais tarde viria a ser definido como sua primeira obra ultramontana793.

O texto, em tom lúgubre, mostrava que as heresias, desde o fim da Idade


Média, estariam afligindo a Igreja, entre elas, com destaque, a razão humana e a
liberdade de pensamento: essa liberdade [criou uma espécie de homens] que,
demonstrando um desdém soberbo por tudo que os outros homens reverenciam [...];
[razão e liberdade] apagaram a tocha que durante 17 séculos iluminou o espírito
humano, descendo [...] por meio das regiões sombrias da dúvida para o abismo sem
fundo do ateísmo794. A autoridade teria sido quebrada inicialmente por John Wycliffe
(c. 1328–1384), com a defesa da igreja nacional da Inglaterra, sua tradução da Bíblia
para o inglês, a livre interpretação dos evangelhos e a defesa do retorno da Igreja à
pobreza de seus primitivos tempos, e também por Jan Huss (c. 1373–1415) e sua heresia
inspirada por Wycliffe. Ambos teriam aberto o caminho para Lutero e Calvino e a
Reforma Protestante: o cisma abalou singularmente a autoridade da Santa Sé, ao
diminuir o respeito do povo pelos soberanos pontífices [...] esses fanáticos apóstolos da
independência, Wiclef e John Hus, que, por quebrar os laços da união, prepararam

790
O escritor, diplomata e poeta conservador François-René, visconde de Chateaubriand, também nasceu
em Saint-Malo, em 1768.
791
Em razão do título, seu nome passou a ser La Mennais; quando, na década de 1830 passou a defender
princípios liberais e democráticos, adotou o nome Lamennais, omitindo a origem aristocrática
(BOUDENS, v. 8, p. 308). No presente trabalho optou-se por usar o segundo, nome pelo qual se tornou
conhecido.
792
Jean-Marie de La Mennais (1780–1860), religioso, foi o criador da congregação Prêtres Missionnaires
de l’Immaculée Conception, além de escolas para meninos e meninas jovens pobres da região da
Bretanha. Foi durante muito tempo um devotado colaborador e amigo íntimo do seu irmão caçula.
793
ARMENTEROS, 2014b, p. 148; CHISHOLM, 1911, p. 124-126.
794
LAMENNAIS, 1836ª, p. 11.

228
violentamente o caminho para a reforma795. Após o protestantismo, todo o castelo da
autoridade teria sido sistematicamente destruído: Blaise Pascal (1623–1662), Bossuet,
Newton, Leibniz, Pierre Bayle (1647–1706), François Fénelon, Voltaire, Rousseau,
Diderot, d’Holbach, entre tantos outros seres perversos entregues à mente de
satanás796.

Em Réflexions sur l’état de l’Église en France au XVIIIe siècle, Lamennais


também elogiou e recomendou obediência à Concordata de 1801. O começo do
século havia mudado a situação da Igreja na França: não sei que energia poderosa
fertiliza todas essas ruínas em um momento; templos voltam a erguer-se, a
adoração renasce e, com ela, os sentimentos que o cristianismo inspira e nutre797.
A violência recente dos tempos do Grande Terreur teria, segundo ele, desaparecido:
os ódios e as inimizades são aplacados, e tantas vítimas inocentes de uma
revolução desastrosa esqueceram seus sofrimentos assim que puderam chorar aos
pés dos altares do Deus que os consola798. Era necessário assegurar a restauração
da Igreja e sua existência, fixar os direitos de seus ministros e determinar suas
relações com o governo e a administração. Este foi o objetivo da Concordata799.

Em 1814, Lamennais publicou Tradition de l’Église sur l’institution des


évêques (tradição da Igreja sobre a instituição dos bispos), também escrito juntamente
com o irmão Jean-Marie. Em suas primeiras páginas: “Tu és Pedro, e sobre esta rocha
edificarei a minha igreja, e as portas e o inferno não prevalecerão contra ela”. A
governança da sociedade cristã, a autoridade de seu líder, a perpetuidade de sua

795
Idem, ibid., p. 8.
796
SPULLER, 1892, p. 214.
797
LAMENNAIS, 1836ª, p. 72.
798
Idem, Ibid.
799
Idem, Ibid. O sucessor de Pedro, o único juiz, no interesse da Igreja havia pronunciado
definitivamente que o dever dos pastores era dar ao rebanho o exemplo de obediência. Portanto, o papa
não hesitou em declarar aos bispos que qualquer oposição seria inútil. Chefe supremo da ordem pastoral
e fonte de jurisdição, abriu novos canais para fertilizar esta antiga Igreja dos Gauleses, fundada por seus
predecessores. Nunca os Vigários de Jesus Cristo exerceram seu poder com tanto esplendor; nunca eles
exibiram autoridade tão grande e magnífica [...]. Em 1800, a religião católica e a unidade de poder
renasceram juntas, e a autoridade do chefe da Igreja, como a autoridade do chefe de Estado, adquiriu,
em proporção correspondente, um novo grau de força necessário para restauração da ordem política e
religiosa (idem, ibid., p. 73-74).

229
doutrina, a imortalidade de sua duração, tudo está contido nestas palavras de Jesus
Cristo, [...] cuja força é sempre presente mesmo depois de 18 séculos800. Ainda na
introdução Lamennais lembra que o extenso volume fora escrito enquanto o papa Pio
VII estava preso801. O livro era uma reação à convocação por Napoleão do Concílio de
Paris da igreja da França, para permitir que o arcebispo metropolitano de Paris
assumisse o poder papal de nomeação dos bispos franceses. Passados cinco anos, a
opinião de Lamennais a respeito da Concordata havia mudado radicalmente. Ele havia
lido a antiga justificativa da regulamentação da Concordata, os Articles Organiques,
escrita por Jean Portalis, autor da lei em 1802, afirmando que o poder público não é
nada, se não for tudo; os ministros da religião não devem pretender limitá-lo802, o que
lhe fizera mudar de opinião.

Criticando a convocação do concílio, Lamennais relacionou os diversos


crimes de um imperador ateu. Comparou Napoleão aos imperadores romanos que
perseguiam a religião cristã, os cristão e os primeiros padres: proclama sua espada o
deus dos franceses [...] não tem fé exceto na força e usa tudo para derrubar a religião
de seus pais [...] reúne os bispos de seu império, e dá ordens para revogar o antigo
costume, para estabelecer, contra a vontade expressa do papa, uma nova disciplina
[...]exorta-os a se constituir em estado de guerra contra esse chefe, renunciando ao
edifício que lhe devem803. Sobre a resistência dos bispos: Napoleão exorta-os a se
constituir em estado de guerra contra esse chefe [...] sedução, astúcia e violência são
usadas por sua vez para forçar os bispos ao perjúrio; eles são levados a dizer o que
não disseram, a escrever o que não escreveram, e pela primeira vez vemos um monarca
se curvar sem corar para o papel indigno de falsificador804. E conclui: o maior número
de bispos resiste e, estupidamente atroz, ele os castiga por sua fidelidade, que é a sua

800
LAMENNAIS, 1830, p. 1. Meio século depois o argumento seria o fundamento da Constitutio
Dogmatica Pastor Æternus (1870), no Concílio do Vaticano.
801
Será fácil ver que escrevemos durante dias ruins, com nossas reflexões dirigidas a Deus. Pensamos,
no entanto, que deveríamos deixá-lo como reparação pelo silêncio com que a posteridade, mal-
informada, talvez viesse reprovar o clero francês, e também como lição para futuros déspotas, que se
imaginem capazes de abafar a verdade com decretos, espiões e calabouços (idem, ibid., p. 2).
802
PORTALIS, citado por SPULLER (1892, p. 52-53).
803
LAMENNAIS, 1830, p. 230-231.
804
Idem, ibid.

230
salvaguarda. Basta: a história dirá o resto805. Lamennais defendeu que a escolha do
episcopado deve ser feita livremente pela Santa Sé, em oposição à Concordata de 1801,
que determinara que os bispos deveriam ser primeiramente nomeados pela autoridade
laica governamental, para só depois receberem a investidura canônica do papa. O texto
desprezava explicitamente a Concordata, alegando que fora assinada sob coação
extrema do papa Pio VII. Fazendo referência expressa ao livro Traité historique et
critique de l’élection des évêques (1792), do teólogo Mathieu-Mathurin Tabaraud
(1744–1832), Lamennais afirmou que a indicação dos bispos pelo poder político, longe
de ser autorizada pela Igreja, é condenada por uma antiga tradição de decretos dos
concílios; assim, todas as nomeações feitas pelos reis franceses ao longo dos dois
últimos séculos eram derivadas de um poder usurpado. A atribuição desse poder ao
imperador pela Concordata era uma concessão ilegítima, porque as coisas não
mudaram na natureza desde o século XVI, que então era apenas um abuso que merecia
e deve ser proscrito, uma usurpação pelo título de seu estabelecimento, e uma
instituição abusada por sua oposição manifesta ao espírito de governo elástico, não
pode ser hoje uma concessão legítima806. Os príncipes precisariam se convencer de que
a autoridade dos papas é uma guarda segura para os privilégios que deles derivam807.
Tradition de l’Église só chegou às livrarias após a queda do imperador808.

Lamennais havia depositado muita esperança na restauração dos Bourbons


ao trono da França; acreditava que o rei Luís XVIII conseguiria reconstruir o mundo
anterior à revolução. Mas a realidade mostrou-se distante de seus sonhos. Descobriu
horrorizado que o Ministério dos Cultos convidara um judeu para uma solenidade após
a posse do rei em 1814, e pedira que fizesse uma oração em hebraico pela prosperidade
da França; não aceitou que bispos participassem de um ato de completa falta de decoro
perante o catolicismo: não é extraordinário e contra todo o decoro que o ministro dos
Cultos peça orações públicas aos judeus? Se houvesse muçulmanos em Paris, eles
seriam oficialmente convidados a enviar saudações a Mahomet pela prosperidade da

805
Idem, ibid.
806
Idem, ibid., p. 316.
807
Idem, ibid.
808
ARMENTEROS, 2014b, p. 149.

231
França. Caberia aos bispos falar e falar em voz alta. Temo que tenham grande
dificuldade em abandonar o hábito da escravidão809. Para ele, o novo governo era
apenas uma decoração monárquica, que não apagou os efeitos da Revolução Francesa:
receio que a revolução honrosa se limite à troca de um despotismo forte por um
despotismo fraco. Se meus temores se concretizarem, minha decisão está tomada e
deixo a França sacudindo a poeira dos pés810. Sobre a política religiosa do governo,
escreveu ao irmão em 6 de março de 1815: o silêncio que mantêm sobre os assuntos
eclesiásticos me faz acreditar cada vez mais que nada está resolvido ainda. Tudo está
indo de mal a pior. O descontentamento vence. O jacobinismo vence a fraqueza do
governo e o futuro está repleto de desastres811. Na mesma carta sobre as reformas do
novo governo na educação: malditas sejam a filha e a mãe, a velha e a nova
universidade! Amaldiçoados sejam os criadores desta raça infernal! Malditos sejam
aqueles que a deram à luz e que ajudarão a levantá-la! Danem-se os chefes, danem-se
os subordinados, dane-se toda essa canalha infame!812. Em uma carta anterior, em 28
de setembro de 1814, havia demonstrado sua insatisfação com relação ao ensino
religioso: em todos os lugares, a universidade opõe-se ao estabelecimento de escolas
eclesiásticas nas cidades. Em Poitiers, o comissário do governo ameaçou usar todos os
meios rigorosos que os decretos de Bonaparte colocavam à sua disposição. Não
sabemos onde isso vai acabar813. Nesse período, Lamennais também não poupou
críticas à imprensa, e à tolerância das autoridades com os ataques a Roma: quanto à
imprensa, nunca foi pior: os eclesiásticos jacobinos querem que a imprensa seja livre,
mas só para eles. O ministro, por sua vez, apoia o jornal que, como o Diário Geral da
França, é hostil ao Papa [...]; é um escândalo vergonhoso. Ainda sobre o controle da
Igreja pelo Estado escreveu ao irmão em 5 de janeiro de 1816: estou ansioso para ver
os negócios da igreja da França encerrados. Receio, no entanto, que o estado em que
nos encontramos continue. Ambição e política são tudo; a nenhuma religião, ou quase
nada. Paris é o centro das intrigas mais vis; agora é com lugares eclesiásticos [que
passam a ser] lugares civis [...] muda-se de acordo com as circunstâncias e as opiniões

809
LAMENNAIS, 1866a, p. 143-144. Carta a seu irmão Jean-Marie, em 29 de junho de 1814.
810
Idem, ibid., p. 150. Carta ao irmão em 7 de julho de 1814.
811
Idem, ibid. p. 202.
812
Idem, ibid.
813
Idem, ibid., p. 170.

232
dos homens em crédito814. E conclui: estamos realmente vivendo em um século
abominável815. Assim, Lamennais passa a se sentir desconfortável perante o rei Luís
XVIII. Ele se mostrara indiferente aos galicanos ou jacobinos, que, acreditava, estariam
em seu governo. O monarca era fraco, e incapaz de buscar um apoio moral na
autoridade do papa. A nobreza, que regressara do exílio, com ganância e intrigas,
também o desagradou816.

Sua frustração e aborrecimento fizeram com que sua esperança se voltasse


totalmente para a tradição da Igreja, para a Santa Sé, para a ideia da infalibilidade
pontifícia e da monarquia universal, deixando de pensar de forma monárquica, adotando
reflexões teocráticas. O poder dos monarcas derivava da Igreja representada pelo papa,
e como tal deveria haver submissão ao herdeiro de Pedro. Em 1816, Lamennais, aos 34
anos, foi ordenado padre, sem ter frequentado um seminário, e passou a se dedicar aos
estudos apologéticos, buscando restaurar a confiança e a autoridade da Igreja, perdidas
durante a Revolução Francesa. Inspirado por Maistre e Bonald, pretendia também
fornecer uma base religiosa para a sociedade civil817. Era urgente um reavivamento
clerical como o principal meio de curar as feridas recentes, e esse viria por
intermédio de uma teocracia, tendo o papa como líder supremo dos reis e dos povos,
como forma de combater os males provocados pela Revolução Francesa e pelos
excessos do liberalismo. Muito influenciado pelos textos de Maistre, adotou seu estilo
radical, que mesclava com o ultrarrealismo, a defesa intransigente da monarquia
absoluta.

Sua obra de maior impacto viria em seguida: Essai sur l’indifférence en


matière de religion (ensaio sobre a indiferença em assuntos religiosos), publicada em
três volumes, em 1817, 1819 e 1823. O primeiro volume era um veemente repúdio
retórico contra aqueles que viam a religião apenas como uma instituição política

814
Idem, ibid., p. 249.
815
Idem, ibid.
816
MARECHAL, 1913, p. 470-471.
817
BOUDENS, 2003, v. 8, p. 308.

233
prática, aqueles que admitiam a necessidade da religião, mas rejeitavam a revelação e
aqueles que reduziam a crença ao menor denominador comum818. Na segunda década
do século XIX os dois atores que na França haviam assumido claramente a defesa da
religião , Bonald e Maistre, ainda eram pouco conhecidos, e o segundo ainda não havia
editado Du Pape. Agora era a vez de Lamennais, que acreditava que a restauração,
política e religiosa, impunha-lhe a obrigação de apresentar uma postura firme e
decidida. Acreditava nesse momento que deveria combater os erros de uma filosofia
hipócrita que mal disfarça seu ódio inveterado de todos os princípios religiosos. Erros
que teriam criado a pretensão insolente e sacrílega, um protesto sedicioso contra a
soberania que [à religião] pertence no mundo moral, uma confissão implícita de
incapacidade de destruí-la819. O indiferentismo religioso não era uma atitude aceitável
para o cristão, uma vez que representava na prática uma forma de ateísmo, que causava
desordem moral e dissolução social. Filosoficamente, Lamennais considerava que o
ateísmo era descendente do protestantismo, de Descartes, e, mais particularmente, da
ideia da razão individual, um conceito a princípio teológico que se teria tornado uma
proposição política820.

Para Lamennais, até o começo do século XVI, a Europa estava avançando


em direção à perfeição, a que o cristianismo chama tanto as nações quanto os
indivíduos, quando a reforma veio repentinamente para interromper seu progresso e
precipitá-lo em um abismo no qual é diariamente afundado, e cujo fundo ainda não
conhecemos821. A razão divina teria sido substituída pela razão humana, o homem fora
colocado acima de Deus: o homem então se tornou inimigo do homem, [...] soberano de
direito tanto na ordem política quanto na religiosa, cada um praticamente reivindicou o
domínio, e tentou estabelecer a regra de seu julgamento privado e de seu poder pessoal
[...] que inevitavelmente terminaria em servidão política e anarquia religiosa822. A

818
O’MALLEY, 2018, p. 66. A última crítica era dirigida diretamente a Rousseau, que, segundo
Lamennais, procurava reduzir a religião a elementos consensuais mínimos, sobre os quais todos podiam
concordar (ARMENTEROS, 2014b, p. 149). Apesar da posterior revisão de suas posições, o livro tornou-
se uma das fontes do pensamento ultramontano (CHISHOLM, 1911, p. 124-126).
819
LAMENNAIS, 1895, p. xxxiv.
820
ARMENTEROS, 2014b, p. 150.
821
LAMENNAIS, 1895, p. 5.
822
Idem, ibid.

234
negação da autoridade e o espírito de independência provocaram as guerras furiosas
que encheram de derramamento de sangue a Alemanha, a Boêmia, a França, a
Inglaterra e os Países Baixos [...] cada nova negação conduziu a uma nova
destruição823. O antídoto contra os desvios estaria ancorado na tradição do catolicismo,
a maior religião do mundo, cujos dogmas provinham de uma revelação primitiva que
Deus havia dado à humanidade no início dos tempos, professada através dos séculos e
por toda a Terra824. Na verdade, esta é a tese central do livro.

Os autores que refletiram sobre o catolicismo no século XIX atribuem a


Lamennais o crédito de ter sido o primeiro autor a denunciar o indiferentismo como o
maior mal que a religião poderia sofrer. A afirmação é um equívoco porque no fim do
século XVII, o bispo galicano Bossuet, em seu Discours sur l’histoire universelle
(1681), já havia denunciado o indiferentismo religioso, mas também porque a ideia
fundamental do livro é outra. Em Essai sur l’indifférence , Lamennais faz uma defesa
inflamada da religião verdadeira, aquela que, ancorada na tradição de séculos,
apresenta uma autoridade absoluta e necessariamente infalível, isto é, o catolicismo
romano. O livro combate o discurso que aceita o indiferentismo de que todas as
opiniões filosóficas, religiões e doutrinas éticas são igualmente verdadeiras e valiosas.
Aqueles que professam tais ideias deveriam ser resgatados, mostrando-lhes que existe
apenas uma única religião divinamente revelada e infalivelmente guardada por séculos
pelo papado825. A indiferença atacada por Lamennais se tornaria, décadas depois, a
doutrina adotada pela Igreja – o Indifferentismus, Latitudinarismus do Syllabus Errorum
do papa Pio IX. Para Lamennais, as duas premissas desenvolvidas ao longo dos séculos,
a de que todas as religiões são verdadeiras e a de que todas são falsas, deveriam ser
proscritas como o maior flagelo da humanidade, uma vez que há uma única religião
verdadeira, e em consequência a única útil, única necessária, sendo todas as outras
falsas e, consequentemente, nocivas826. Não poderia haver tolerância, o mais
monstruoso dos erros: tolerar Deus era o maior dos crimes, a invenção mais satânica

823
Idem, ibid.
824
ARMENTEROS, 2014b, p. 150.
825
SPULLER, 1892, p. 98-99.
826
LAMENNAIS, 1895, p. 55.

235
do gênio do mal, o flagelo mais terrível que já existiu, desencadeado na Terra para
perder a humanidade827.

O primeiro volume de Essai sur l’indifférence foi colocado à venda de


forma anônima, sem a identificação de Lamennais como seu autor; a autoria somente
lhe seria atribuída na segunda edição, menos de um ano após a primeira. Apesar da
pouca repercussão na imprensa, o livro passou a ser lido de forma apaixonada, e em
pouco tempo seu escritor era aclamado. O volume apresentava a ideia da supremacia da
verdadeira religião, bem escrita e por um padre. Lamennais foi reconhecido pela Igreja
como um novo Bossuet, sem os desvios galicanos. O clero da França, e particularmente
os jovens membros da Igreja, tanto nas aldeias como nas grandes paróquias das cidades
mais populosas, adotaram Essai como uma leitura obrigatória. A fama adquirida com o
livro fez com que Lamennais recebesse o epíteto, que o acompanhou pelos 15 anos
seguintes, de le pieux auteur de l’Essai sur l’indifférence (o piedoso autor do ensaio
sobre a indiferença)828. Porém, ao mesmo tempo em que era incorporado pelo clero
jovem, que declarava seguir a doctrine menaisienne, o livro recebeu muitas críticas do
episcopado francês, mais velho, que não havia aceitado bem seu livro anterior,
Tradition de l’Église sur l’institution des évêques de 1814, com pesadas críticas ao
galicanismo; Lamennais tornara-se, de certa forma, um proscrito para a cúpula da igreja
da França829.

Pouco tempo após a publicação seu irmão Jean-Marie escreveu para o bispo
Gabriel Bruté830: um excelente livro [...] que põe fim a todas as nossas controvérsias
com os filósofos, assim como as obras de Bossuet acabaram com as de seu tempo; é um
golpe com uma clava, dado com um braço vigoroso, na cabeça de nossos sábios [que]
estremecem de raiva e soltam belos gritos. E completou: a primeira edição está
vendida; a segunda será em breve. Parece que essa França infeliz, que pensávamos

827
SPULLER, 1892, p. 99.
828
Idem, ibid., p. 95.
829
BOUTARD, 1905, p. 206.

236
estar perdida, está faminta por religião831. Joseph de Maistre, que dois anos depois
lançaria Du Pape, teria notado nele pensamentos fortes e profundos; grandes visões [...]
um terremoto sob um céu de chumbo832.

Ao fim do primeiro volume Lamennais prometia para breve uma


continuação, com o meio infalível para alcançar a certeza na fé. Ela veio em 1819, como
o segundo volume de Essai, todo dedicado à verdade e à certeza. Não escrevia como
teólogo ou místico, mas como um sociólogo que projeta um sistema para a restauração
social de um mundo que fora destruído pela revolução, pelas perturbações nascidas das
falsas doutrinas filosóficas dos racionalistas833. O autor explicita o ponto logo no início
do prefácio do segundo volume de Essai: De que se trata? Reconstituir a sociedade
política com a ajuda da sociedade religiosa834. Depois de os povos terem afundado
cada vez mais na terra, buscando a salvação no Iluminismo e nas paixões individuais,
[...] o mundo político cairá em uma confusão assustadora, e não haverá outra
sociedade além da Igreja, porque não haverá mais autoridade e obediência, verdade,
amor e espírito de sacrifício do que nela835. A Europa só renascerá por meio da
religião836. No livro Lamennais apresenta um novo sistema, em um procedimento quase
revolucionário, que quebrasse a resistência dos homens, para a qual não haveria outra
alternativa: a fé na religião e na Igreja, ou o nada.

Lamennais desenvolveu toda uma teoria em oposição à teoria iluminista da


supremacia da razão individual. Para restaurar a sociedade, argumenta, é necessário
restaurar em primeiro lugar a ordem da verdade e da certeza. A dúvida destrói os
homens e as sociedades, e a razão humana ergue barreiras de incerteza. Contra a

830
Simon William Gabriel Bruté de Rémur (1779–1839), um missionário francês nos Estados Unidos e
primeiro bispo da diocese de Vincennes, em Indiana.
831
Citado por SPULLER, 1892, p. 96.
832
Idem, ibid. Também foi por intermédio de Maistre que Lamennais havia enviado o livro a Roma
(BOUTARD, 1905, p. 209).
833
BOUTARD, 1905, p. 194.
834
LAMENNAIS, 1859, p. 23.
835
Idem, ibid.
836
Idem, ibid., p. 22.

237
epistemologia de Descartes, Lamennais apresentava o sensus communis (senso comum),
da humanidade que aceita e dá validade à fé, uma antítese ao julgamento privado. A
única maneira para diferenciar o certo do errado é por meio da submissão do juízo
individual à consideração das razões coletivas, (soumises à l’examen de plusieurs
raisons – sujeito ao exame por várias razões)837. Somente após a prova do senso comum
que um juízo ganha autoridade. Até então, eles são apenas raciocínios incertos, a
concordância de julgamentos por si só pode acabar com a incerteza. Onde este acordo
não é encontrado, a dúvida reina na paz do consentimento da sabedoria; mas onde
quer que seja encontrada, a dúvida cessa, ou então os homens a acusam de loucura838.
A convicção individual, e, por conseguinte, a razão, nada prova, uma vez que gera uma
infinidade de verdades distintas e sem valor. Conceder autoridade à razão é, portanto,
violar a própria lei fundamental da razão, é abalar o mundo moral, é constituir o
império do ceticismo universal e cavar um abismo onde todas as verdades, todas as
crenças seriam necessariamente engolidas839. Para o leigo é impossível fazer a
distinção entre o bem e o mal sem o conhecimento de Deus. É somente a partir desse
conhecimento que se forma a verdade universalmente acreditada; a verdade de fato e
atestada unanimemente por todos os homens, em todos os séculos; a verdade soberana
nasce da intervenção do poder supremo sobre nosso entendimento humano840. Além do
senso comum, a validação da verdade também se dá a partir do sentimento, da sensação,
de evidência. Como exemplo da autenticação da verdade pela evidência, Lamennais
menciona a existência de Deus: em toda parte a primeira resposta que os homens dão,
quando sua razão é questionada sobre a existência de Deus [...] a unanimidade desta
resposta confirma a evidência841.

E a verdade universal era o catolicismo, a maior religião do mundo, cujos


dogmas eram os descendentes de uma revelação primitiva que Deus havia dado a Adão,
à humanidade no início dos tempos, e que fora professada, em várias formas e em

837
Idem, ibid., p. 103.
838
Idem, ibid.
839
Idem, ibid., p. 104.
840
Idem, ibid., p. 105.

238
vários graus, por todos os povos através dos séculos e por toda a Terra842. O catolicismo
era sociedade tão antiga quanto o tempo, tão extensa quanto o universo, tão forte como
a verdade, tão santa quanto o próprio Deus, depositária perpétua das esperanças da
raça humana e que [...] reúne os eleitos e os conduz à eternidade que lhe pertence843.
Todas as outras religiões foram e eram apenas cultos idólatras fundados em crenças
verdadeiras, mas cujas paixões mais ou menos corromperam844.

Uma religião somente poderia ser verdadeira se tivesse origem divina, que
nascesse da manifestação do próprio Deus como expressão de sua vontade. O
cristianismo havia começado com Jesus Cristo, seu princípio estava na origem do
mundo: desenvolvera-se na origem da humanidade sem nunca mudar de substância,
sem nunca variar, tinha permanecido e deveria permanecer perpétuo845. Essa
periodização do cristianismo e, por conseguinte, da Igreja Católica, em Lamennais é
completamente desprovida de historicidade: todas [as religiões] pertencem ao
cristianismo e apenas a ele; e, quando falamos do cristianismo, não devemos parar
nossas mentes no tempo decorrido desde a encarnação do Verbo Divino, mas devemos
abraçar toda a continuação da religião, antes como depois de Jesus Cristo846. Ele
sempre fora o fundamento da verdadeira fé, o único mediador, o chefe supremo da
sociedade espiritual dos justos, os homens nunca foram salvos, exceto em vista de seus
méritos infinitos, e pela virtude de seu sangue847. O cristianismo começara juntamente
com o mundo, quando Deus fez a primeira revelação a Adão, profetizando às raças
futuras Jesus Cristo, o reparador de seus crimes, e a voz de Jesus Cristo penetrando
tanto o passado como o futuro para anunciar o perdão prometido e agora
irrevogavelmente concedido848. Em toda trajetória da humanidade, o cristianismo teria
se desenvolvido sem nunca mudar, sem nunca variar, permanecendo perpetuamente o

841
Idem, ibid., p. 115. Justifica essa verdade a partir de uma frase que atribui a Platão: Todos os homens
que têm apenas a menor porção de razão invocam Deus no início, quaisquer que sejam suas ações,
independentemente de sua importância (idem, ibid.).
842
ARMENTEROS, 2014b, p. 150.
843
LAMENNAIS, 1859, p. 289.
844
Idem, ibid., p. 290.
845
BLAIZE, 1858, p. 53.
846
LAMENNAIS, 1859, p. 287.
847
Idem, ibid.
848
Idem, ibid., p. 288.

239
mesmo, e perpetuamente uno. Uma linha única de patriarcas e profetas unia Adão a
Jesus Cristo849. A ideia foi criticada quando do lançamento do segundo volume, uma
vez que guardava uma contradição lógica: se o cristianismo é apenas o desenvolvimento
da verdade no tempo, a revelação de Jesus Cristo deixa de ser necessária, a menos que a
razão geral infalível, sensus communis, assim o declarasse, uma vez que esta existia
antes mesmo do cristianismo, sendo a única competente para a julgar. Assim, quando
Lamennais admitia que a razão geral é suficiente para discernir a verdadeira religião,
podendo julgá-la, a autoridade da razão geral seria superior à autoridade da Igreja
Católica, que passaria a ser mais uma religião, e não a verdadeira850.

A despeito de o segundo volume de Essai atacar duramente princípios do


pensamento cartesiano, que já se tornara a base do pensamento nas universidades
europeias, a doutrina do senso comum encontrou forte oposição do clero, especialmente
porque permitia o questionamento ao princípio da infalibilidade da Igreja851. Em
meados de 1821, Lamennais enviou uma longa carta ao bispo Filippo Anfossi (1748–
1825), um tomista rigoroso, vigário-geral dos dominicanos que ocupava o cargo de
mestre do Palácio Sagrado em Roma, e que fizera críticas ao segundo volume de Essai.
O contato fora-lhe indicado por Joseph de Maistre.

Na correspondência, Lamennais dizia-se um ardoroso combatente da igreja


contra o galicanismo, desde a publicação de Tradition de l’Église sur l’institution des
évêques, que juntamente com artigos escritos em jornais renovaram a animosidade dos
galicanos contra mim. Não me tentaram responder [porém o segundo volume de Essai]
tornou-se o objeto dos seus ataques, embora tenha sido atacado ao mesmo tempo pelos
constitucionalistas, os jansenistas e os ímpios852. Lamennais afirmou que pessoas de

849
Curiosamente, e divergindo de Joseph de Maistre em Du Pape, na linhagem dos patriarcas Lamennais
não inclui Moisés, considerando a revelação de Moisés como sendo exclusivamente própria apenas do
povo judeu, reconhece apenas a revelação de Adão como base das verdades comunicadas à raça humana
e à Igreja (BLAIZE, 1858, p. 54).
850
BLAIZE, 1858, p. 56-57.
851
Idem, ibid., p. 57.
852
Idem, ibid., p. 58.

240
boa-fé haviam ficado surpresas ao me verem atacar a filosofia cartesiana, na qual
tinham sido alimentadas, e não compreenderam os princípios que eu estava tentando
substituir desta perigosa filosofia [; assim] acreditei ser meu dever submeter ao
julgamento da Santa Sé o livro que suscitou uma oposição tão forte853. Juntamente com
a carta, Lamennais enviou a Anfossi um livro de quase quatrocentas páginas que
escrevera em resposta às críticas, editado poucos meses antes com o sugestivo título de
Défense de l’Essai sur l’indifference en matière de religion (defesa do ensaio sobre a
indiferença em questões de religião). Também pediu ao religioso que sua defesa não
fosse examinada com um olhar puramente filosófico, mas sim teológico, e que, caso não
encontrasse nada a ser repreendido, oficialmente fosse declarada sua ortodoxia. Uma
declaração oficial ajudaria a continuar a realizar as muitas conversões que o meu
trabalho tem feito e continua a fazer, operadas diariamente entre os descrentes e os
protestantes854. Segundo a carta, sua obra havia prestado um serviço considerável à
religião e à sociedade civil, uma vez que o julgamento particular, que é a fonte de todas
as heresias, [para sua doutrina] ou é católico ou renuncia a toda a razão855.

A resposta foi rápida: o livro foi aprovado por Pietro Glauda, membro da
Congregação da Doutrina Cristã e Regulares, em novembro de 1821. Sua aprovação
elogiosa foi estampada em uma edição de Défense de l’Essai sur l’indifference,
publicada em Roma em 1822, e depois incluída em todas as outras edições na Europa.
Afirmou Glauda: o autor mostra que, longe de causar qualquer prejuízo às provas da
verdade da religião cristã, e de seguir as pisadas errantes dos filósofos, como alguns
imaginaram, é de fato o único a chegar à verdade com certeza. Espero que este esforço
literário seja muito aceitável para os amantes da verdade; de onde julgo que podemos
nos dar ao luxo de imprimi-lo856. As edições também passaram a contar com a
aprovação de outros prelados, como Paolo del Signore, diretor do Arquiginnasio
Romano no Palazzo della Sapienza: não apenas não encontrei nada contrário à própria
religião e aos bons costumes, mas tenho visto que o sistema de autoridade estabelecido

853
Idem, ibid., p. 59.
854
Idem, ibid., p. 60.
855
Idem, ibid., p. 61.
856
LAMENNAIS, 1824, p. 7.

241
pelo autor é perfeitamente consistente com os princípios da religião manifestados por
Deus ao homem857. Segundo o arcebispo Basilio Tomaggian, de Durrës, Albânia, a
serviço em Roma: queira Deus que todos aqueles que perderam miseravelmente a sua
verdadeira fé por não quererem submeter à autoridade infalível da Igreja Católica
[optando pelas] escassas luzes da sua razão, fiquem desiludidos com a leitura desta
pequena obra. Este é o objetivo que o erudito e piedoso autor almeja em sua
“Défense”858. O Imprimatur si videbitur também foi concedido pelo cardeal Girolamo
Della Porta (1746–1812), titular da Igreja S. Pietro in Vincoli, em Roma, e pelo próprio
Filippo Anfossi859.

O sucesso do primeiro volume de Essai sur l’indifférence e a aprovação de


Défense de l’Essai pela hierarquia de Roma deram a Lamennais grande notoriedade. Em
1824, foi convidado para uma visita à cidade por bispos franceses, lá chegando em
junho. Lamennais teria ficado contente com o convite porque acreditava
verdadeiramente que o papado representava luz e salvação para as nações cristãs do
mundo860. Foi muito bem recebido por vários cardeais, que queriam discutir seu livro,
contudo, sua primeira impressão da cidade não foi boa. Percebeu a Santa Sé indiferente
e ociosa, ou demasiado ocupada com preocupações de carreira e rivalidades
judiciais861. Sua presença na cidade teria despertado boatos de que havia vindo à casa à
procura de um canonário numa igreja, ou de alguma sinecura numa biblioteca862. Entre
a burocracia de Roma surgira o rumores de que o papa Leão XII teria indicado o padre
como cardeal in pectore, algo que nunca pôde ser provado, uma vez que o papa morreu,
em 1829, sem publicar o nome863. Lamennais encontrou-se três vezes com o papa Leão

857
Idem, ibid.
858
Idem, ibid., p. 8.
859
BLAIZE, 1858, p. 68.
860
BOUTARD, 1905, p. 253.
861
Idem, ibid., p. 258.
862
Idem, ibid., p. 264.
863
MIRANDA, 2021, s.p. Frequentemente o termo in pectore é usado quando há uma nomeação papal
para o Colégio de Cardeais sem um anúncio público do nome do indicado. O papa reserva esse nome para
si mesmo, revelando-o quando lhe parece conveniente. Quando publicada a elevação, o cardeal assume o
posto a partir da data de sua primeira nomeação, recebendo retroativamente todos os emolumentos
acumulados. Desde o século XV, os papas têm feito nomeações secretas para administrar as complexas
relações entre facções dentro da Igreja. A participação do novo cardeal no Colégio de Cardeais

242
XII, que em todas elas teria se mostrado extremamente gentil e atencioso. O papa fora
informado das posições do padre francês contrárias ao galicanismo e as estimulou. Logo
após sua entronização, em setembro de 1823, Leão XII mostrara-se muito crítico às
concessões feitas por seu antecessor, Pio VII, a Napoleão e à igreja francesa,
especialmente a assinatura da Concordata de 1801 e a coroação do imperador. Também
censurou o rei Luís XVIII, que resistiu aos apelos dos políticos ultraconservadores, os
ultras, comandados pelo então deputado Bonald, compondo um governo duas vezes
comandado por um aristocrata liberal, duque de Richelieu (1766–1822)864, e composto
por muitos bonapartistas865.

Logo em seguida, Lamennais publicou De la religion, considérée dans ses


rapports avec l’ordre civil et politique (1825) – ensaio sobre a religião considerada
em suas relações com a ordem civil e política –, uma série de duras críticas às
decisões do anterior governo liberal do duque de Richelieu, e, ao mesmo tempo,
apoiando a plataforma ultraconservadora do novo primeiro-ministro conde Joseph
de Villèle (1773–1854)866. Ao assumir a presidência do Conselho de Ministros,
Villèle, contando com o apoio no Parlamento, cuja maioria era composta pelos
ultraconservadores867, os ultras, obtida com a eleição de dezembro de 1823, colocou
em prática uma política de restauração de instrumentos políticos do Antigo Regime,
claramente contrarrevolucionários, anulando as reformas de Richelieu. Estavam na
pauta conservadora: o ataque à laicidade dentro do Ministério da Educação Pública,

dependeria da decisão direta do papa, e não de qualquer cerimônia ou ritual. Caso o papa venha a morrer
sem publicar uma nomeação que fez in pectore, esta perde a validade (BOUDINHON, 1913, s.p.).
864
O duque de Richelieu, Armand-Emmanuel-Sophie-Septimanie de Vignerot du Plessis, foi duas vezes
presidente do conselho de ministros do rei Luís XVIII: setembro de 1815 a dezembro de 1818, e fevereiro
de 1820 a dezembro de 1821. Aristocrata, perdeu sua riqueza durante a revolução, mas, mesmo assim,
aderiu ao liberalismo durante a restauração. Foi o principal responsável pela implantação da Constituição
liberal francesa de 1814 e pela manutenção de galicanos nos cargos do Ministério dos Cultos. Enfrentou
duramente os ultraconservadores no Parlamento, afastando sua influência no governo. Sobre o período
ver ROCHECHOUART, Souvenirs sur la révolution: l’empire et la restauration, 1892.
865
BOUTARD, 1905, p. 260-262. O próprio Leão XII, por sua própria iniciativa e sem o conhecimento
do secretário de Estado, escrevera uma carta a Luís XVIII na qual se queixava de seu ministério. A carta
foi entendida como uma trama dos ultras forjada em Paris (idem, ibid., p. 262).
866
O conde de Villèle, Jean-Baptiste Guillaume Joseph Marie Anne Séraphin, foi deputado conservador
ligado à Igreja Católica (1816–1830), e primeiro-ministro (1821–1828) dos reis Luís XVIII e Carlos X.
867
Os ultras eram religiosos, mas afastaram-se do galicanismo da igreja francesa após serem fortemente
influenciados pelos textos de Maistre, Lamennais e Bonald (HAURANNE, 1867, p. 42).

243
cujo ocupante era o bispo galicano Denis-Antoine-Luc, conde de Frayssinous868,
pregador da corte de Luís XVIII; a censura à imprensa869; a repressão aos
movimentos de oposição; defesa intransigente da Igreja Católica, e aumento de sua
influência na sociedade francesa. Em De la religion, considérée Lamennais
defendeu as reformas propostas por Villèle, atacando com vigor a oposição liberal.

Uma das reformas facilitava a criação das comunidades religiosas


femininas. Uma lei de 1817 exigira que as novas comunidades fossem criadas a partir
da aprovação de leis específicas; o gabinete de Villèle propunha a aprovação por
simples decreto do Poder Executivo. A discussão escondia a preocupação de que as
religiosas transferissem seu patrimônio para as ordens por meio de doações inter vivos
ou testamentária; os setores mais liberais propunham que as freiras, ao fazerem seus
votos, fossem privadas do direito de dispor livremente de seus bens. O debate também
envolvia os valores orçamentários destinados às comunidades870. No livro, Lamennais
disse que as limitações representam uma lei penal contra a caridade, contra o sacrifício
voluntário de si mesmo para a felicidade dos outros, uma lei na qual os compromissos
com Deus não são reconhecidos871. Reproduzindo trechos de um discurso de Bonald no
Parlamento, afirmou que o motivo da perseguição era o aumento do espírito religioso
em toda a Europa; forjada por um fermento religioso introduzido na massa do corpo
social, [...] a impiedade se fortalece porque está ameaçada [em virtude do]
renascimento do episcopado, das concordatas feitas com a Santa Sé, do
estabelecimento espontâneo de mil e oitocentas comunidades de mulheres [...] elas são
hoje mais difíceis de suprimir do que os jesuítas eram há 60 anos872.

868
A Frayssinous foram dados os dois ministérios como forma de agradar aos deputados católicos que
pediam um religioso à frente da educação pública (idem, ibid., p. 87).
869
Em uma carta ao embaixador austríaco em Paris, conde Anton Apponyi (1782–1852), Metternich
criticou a proposta de censura à imprensa por considerá-la muito branda (METTERNICH, 1881c, p. 378).
870
HAURANNE, 1867, p. 61-62. Lamennais escreveu uma brochura, fartamente distribuída, condenando
a imposição de dificuldades à criação de comunidades (idem, ibid., p. 192).
871
LAMENNAIS, 1826, p. 67.
872
Idem, ibid., p. 76.

244
Também nos primeiros anos do gabinete de Villèle o Parlamento
discutiu reformas que recolocariam a educação nas mãos do clero. Em apoio,
Lamennais, em De la religion, considérée , condenou o aumento da influência que o
Estado exerce sobre a sociedade doméstica para corrompê-la. O meio mais poderoso,
sem dúvida, e do qual o gênio do mal soube aproveitar ao máximo para estender o
reinado do ateísmo, é a educação pública873. Lembrou que a educação sempre fora um
direito exclusivo do episcopado, garantido por uma decisão de 1680 do Conselho de
Estado do rei Luís XIV, e que foi destruído pela revolução. O livro acusou o Estado e
a sociedade francesa de serem ateus, porque se recusavam a se submeter a Roma,
pois sem o papa não poderia haver igreja874. As propostas de censura à imprensa
do gabinete de Villèle também foram aprovadas por Lamennais, que considerou
adequada, para elevar a dignidade do episcopado especialmente quando a França é
inundada com livros, jornais, panfletos, nos quais desprezo e ridículo são derramados
em grandes ondas sobre os objetos mais sagrados875. Lamennais aceitava a censura aos
jornais, o que viria a repudiar em pouco tempo.

O livro também fez uma ardorosa defesa do projeto da lei


antissacrilégio, Loi anti-sacrilège, apresentado por Joseph de Villèle quando ainda
deputado, antes de assumir o cargo de primeiro-ministro. A lei, aprovada em 1825,
aproveitando a maioria de ultraconservadores, punia duramente a violação de bens
católicos considerados sagrados: a profanação a vasos contendo objetos sagrados era
punida com trabalhos forçados perpétuos. Se a profanação houvesse sido feita em vasos
contendo hóstias consagradas, a punição seria a morte; e se fosse sobre as próprias
hóstias, a pena de morte aplicada da mesma forma que aos parricidas: corte da mão
direita seguida de decapitação876. A lei foi revogada em 1830, já durante o reinado de
Luís Filipe I, que chegou ao poder com a revolução. Durante os cinco anos da vigência
da lei ninguém foi condenado à morte, e apenas um homem, acusado de roubo
sacrílego, foi condenado a trabalhos forçados perpétuos. Lamennais frisou que um

858
Idem, ibid., p. 85.
874
Idem, ibid., p. 181.
875
Idem, ibid., p. 122.

245
Estado constitui um ser moral, cujas máximas, crenças e doutrinas se expressam por
seus atos públicos e principalmente por sua legislação; contudo, se os Estados não
tivessem religião, também não teriam moralidade, pelo menos obrigatória, pois a
moralidade não tem sanção positiva e dogmática exceto na religião877. E prosseguiu
afirmando que sem a moral religiosa sobraria apenas a ideia de justiça aplicada pelo
Estado878. Ao fim, Lamennais conclui que somos constantemente levados de volta à
mesma conclusão: nenhum papa, nenhum cristianismo; sem cristianismo, sem
religião; sem religião, sem sociedade. Separar-se de Roma, fazer um culto para
criar uma igreja nacional seria proclamar o ateísmo e suas consequências879.

Com os dois livros, Essai sur l’indeference e Défense de l’Essai, as teses de


Lamennais haviam adquirido prestígio e o respeito da hierarquia católica em Roma e, de
certa forma, a aprovação do papa Leão XII. Já com De la religion, considérée, e os
muitos panfletos que redigiu entre 1822 e 1825, Lamennais entrou na arena dos
debates partidários no Parlamento; seus textos passaram a dar o tom ultramontano para
as questões particulares que engajavam deputados e partidos políticos. Ele, um padre,
havia apresentado as razões e os conceitos para a teocracia do governo francês. Apesar
de seu sucesso, novas questões se tornariam incômodas.

Uma nova geração, que não vivera os tempos da Revolução Francesa,


havia se acostumado com as liberdades garantidas pela Constituição de 1814, assim
como os princípios básicos da filosofia iluminista dos séculos XVII e XVIII. Os
autores que, como ele, procuravam cativar as mentes francesas em favor da soberania
do papado encontravam resistência entre a burguesia e as camadas médias da
população; os elogios à Inquisição e aos jesuítas pareciam exagerados até mesmo para
os mais fervorosos. As consequências de sua opinião sobre a intolerância civil
provocaram uma forte repulsa; as ideias sobre a monarquia absoluta, o dom do clero,

876
A pena ao crime de parricídio esteve em vigor durante o Antigo Regime; revogada durante a
revolução, foi restabelecida em 1810.
877
LAMENNAIS, 1826, p. 59.
878
Idem, ibid.

246
os bens da mão morta880, o restabelecimento das congregações religiosas, a educação
clerical, não estavam mais em harmonia com os fatos sociais881. Lamennais, que já
defendera a censura – quando o ministério pediu a censura dos jornais, e quando os
realistas a concederam, foi sem dúvida para reprimir a licença dos escritores ímpios e
das opiniões anárquicas882 –, gradativamente a abandonou, passando a escrever a favor
da liberdade de imprensa. Passou a acreditar que uma imprensa livre seria um meio
de influenciar a opinião pública e trazer de volta para a Igreja aqueles que se haviam
separado dela; também era uma forma de a Igreja se defender dos ataques que recebia.
As liberdades de imprensa e de opinião, associadas à liberdade de culto, todas
garantidas pela Constituição francesa de 1814, que havia servido para acusar o Estado
de ateísmo, passaram a ser vistas de forma oposta, como a defesa da fé883.

A partir de Des progrès de la révolution et de la guerre contre l’Église


(do progresso da revolução e da guerra contra a Igreja), de 1829, a aceitação da
causa da liberdade deixou de ser uma contradição à fé; ao contrário, tornou-se sua
reafirmação884. Os primeiros passos dessa transição foram dados quando refletia
sobre a questão da educação pública laica. A liberdade de ensino para a Igreja era,
em seu entender, uma decorrência da liberdade de consciência. Aceitar a educação
como um privilégio único do Estado implicava aceitar seu direito de impor uma crença
única, afastando a diversidade. Assim, o direito de ensinar servia à causa da liberdade.
Para defender o catolicismo em que acreditava, ele foi gradualmente levado a afirmar a
liberdade de imprensa, a liberdade de consciência, a liberdade de ensino e, também em

879
Idem, ibid., p. 316.
880
Mortua manus designa a propriedade perpétua e inalienável de bens imóveis por uma corporação ou
instituição legal; termo normalmente usado em relação aos bens que são deixados em testamentos e
doações, que se tornam inegociáveis; durante a Idade Média eram isentos de impostos e pagamento de
taxas feudais.
881
BLAIZE, 1858, p. 69.
882
Frase de abertura do pequeno texto de Lamennais: Quelques reflexions sur la censure et sur
l’université (1820) (LAMENNAIS, 1836b, p. 193).
883
BLAIZE, 1858, p. 71-72.
884
Para Lamennais, não havia inconsistência entre ultramontanismo e liberalismo; o Povo herdou a
Tradição; o Papa era seu porta-voz, ele interpretava a Tradição assim como o Legislador de Rousseau
interpretava a Vontade Geral, a causa do Papa e do Povo foi a mesma, sendo a da Verdade e da
Liberdade contra todas as pretensões de príncipes temporais e aristocracias de qualquer natureza.
Assim, Lamennais tornou-se o fundador do catolicismo liberal, bem como o campeão do
ultramontanismo (HALES, 1954, p. 42).

247
decorrência destas, a liberdade política e civil885. Pedimos à Igreja Católica a liberdade
prometida pela Carta a todas as religiões, a liberdade desfrutada pelos protestantes, os
judeus, desfrutada pelos seguidores de Maomé e Buda. [...] Pedimos liberdade de
consciência, liberdade de imprensa, liberdade de educação: e isso é o que pedimos886.

Ao longo da década de 1820, as duas doutrinas políticas, a soberania


monárquica como derivada do direito divino e a da soberania do povo, derivada do
contrato social, estiveram em confronto. Na primeira fase de sua vida, Lamennais havia
incorporado o direito divino, submetendo-se ao princípio católico que está em sua base.
Ele apenas reproduzia formulações anteriores; não há nenhum argumento próprio que
não seja encontrado entre os escritores que ele adotou como seus mestres em teologia e
política887. Em seus primeiros textos não reconheceu o direito do povo de resistir ao
soberano; reconhecia apenas uma soberania que abraçava a ordem espiritual e temporal,
de um pontífice como juiz supremo dos povos e dos reis, a consagração do mais pesado
despotismo imaginável, pois não só pesaria sobre o corpo, como acorrentaria a
consciência e entregaria o ser humano desarmado a uma vontade única e arbitrária888.

Contudo, ao longo da década ele mudara. Em Des progrès de la révolution


o movimento da sociedade para a democracia não mais lhe parecia uma violação da lei,
mas uma aspiração legítima por uma ordem mais justa. Uma vez livre de suas falsas
teorias e de suas consequências, o liberalismo é o sentimento que, onde quer que a
religião de Cristo reine, desperta parte do povo em nome da liberdade. [...] Se os povos
católicos de hoje estão mais agitados, se são mais impacientes que outros com o jugo
do homem, é porque entre eles o cristianismo está mais vivo e seu espírito penetra em
toda a sociedade889. Da mesma forma, a rebelião contra um poder tirânico tornou-se

885
BLAIZE, 1858, p. 73.
886
LAMENNAIS, 1829, Preface, p. vii. Curiosamente Lamennais, no primeiro parágrafo de Des progrès
de la révolution et de la guerre contre l’Église, vaticinou que uma nova revolução estaria para ocorrer na
França e na Europa, exatamente o que viria a acontecer menos de um ano depois, em julho de 1830,
abalando as estruturas políticas do continente.
887
BLAIZE, 1858, p. 79.
888
Idem, ibid., p. 80.
889
LAMENNAIS, 1829, p. 32.

248
abençoada: o sentimento de perfeição moral nos indivíduos [...] tornou impossível a
partir de agora ter um despotismo estável e tranquilo, pois onde está o espírito de Deus
há liberdade [...] nenhum poder pode obter verdadeira submissão a menos que seja
fundado na lei e governe de acordo com a lei890. E concluiu: nunca tal dominação será
estabelecida de forma duradoura sobre aqueles [homens] que a verdade de Jesus
Cristo libertou891.

A Revolução de 1830, que eclodiu inicialmente na França no fim de julho,


recebeu o apoio do grupo ao redor de Lamennais e seus seguidores. Nesse período, a
mudança de suas posições, mesmo que gradativamente, já era visível; ele caminhava
para uma postura menos rígida, que ficaria explícita a partir da criação do jornal
L’Avenir, em outubro de 1830. Lançado juntamente com seus discípulos Charles
Forbes René de Tryon, conde de Montalembert (1810–1870) e Jean-Baptiste Lacordaire
(1802–1861), era editado sob o lema Dieu et liberté – unissez-les (Deus e liberdade,
uni-os). O jornal nasceu em parte em decorrência das reflexões do grupo ante os eventos
revolucionários. Lamennais abandonava muitas de suas ideias conservadoras, expostas
inicialmente em Essai sur l’indifférence de 1817, e gradativamente passava a adotar
posições mais liberais, próximas do iluminismo católico francês do século XVIII892. As
ideias apresentadas em L’Avenir associavam de uma forma pouco comum o liberalismo
político e a defesa do fortalecimento das prerrogativas do papado, estas elemento central
do ultramontanismo. Defendiam que a Igreja não deveria se opor ao processo de
construção de Estados constitucionais e liberais, uma vez que estes poderiam ser
perfeitamente compatíveis com a fé cristã. Pediam que a Igreja apoiasse a reivindicação
dos povos católicos oprimidos – na Polônia, Bélgica, Irlanda, Holanda – para que não
sofressem discriminação em seus Estados893.

890
Idem, ibid.
891
Idem, ibid.
892
Até o fim, então, Lamennais manteve uma compreensão cristã da sociedade como constituída pela fé e
influenciada pela Providência. A diferença era que ele via a fonte da coesão social não mais em uma
igreja hierárquica, mas no povo como a encarnação de Deus no sofrimento (ARMENTEROS, 2014b, p.
160).
893
CHADWICK, 1998, p. 16.

249
Para os criadores do jornal, uma defesa cega do passado colocaria em risco
o catolicismo, e defender o passado seria perder o contato com os homens do
presente894. O grupo também apoiou as revoluções de 1830 no restante do continente.
Ao lado da defesa da reforma da Igreja, o jornal também passou a apoiar as reformas
liberalizantes da sociedade francesa, defendendo: a separação entre o Estado e a
Igreja, com o fim da tutela do Ministério dos Cultos; a liberdade de consciência; de
reunião e associação, com a possibilidade de criação de comunidades religiosas de
trabalhadores; de educação, com o fim do monopólio universitário estatal; de
imprensa, com o fim da censura, e liberdade religiosa, para que a Igreja pudesse
escolher e disciplinar livremente seus membros sem tutela895. Em seus textos da
década de 1820, Lamennais já havia defendido a liberdade, mas era uma liberdade
que não dava espaço à tolerância, sem nenhuma simpatia pelo liberalismo político
ou pela democracia. Mas ele havia mudado.

A liberdade passou a ser o elemento central do pensamento de


Lamennais a partir dos anos de 1830. Acreditava que era perigoso para o
catolicismo, dentro do clima liberal que crescia em parte do mundo, estar sempre do
lado dos déspotas. Formulou que a Igreja não é inimiga da liberdade, mas sua protetora,
e que a doutrina dos direitos do homem era derivada dos fundamentos do
cristianismo896. Seu amigo e discípulo, Lacordaire, em 1834 escreveu
Considérations sur le système philosophique de M. de La Mennais deixando clara
essa opção: três coisas constituem uma ordem social: a religião, o poder e a
liberdade [esta] uma condição necessária de qualquer ordem social pois a
liberdade é o conjunto de direitos que nenhuma sociedade regular pode tirar de
seus membros sem violar a justiça e a razão897. Aquilo que parecia contraditório era
na verdade uma estratégia que visava defender a Igreja do clima intelectual,
sociológico e cultural da época, assim como livrá-la da supervisão estatal imposta
pela Concordata de 1801. Dessa forma, a Igreja poderia aproximar-se do povo e

894
MENOZZI, 1997, p. 144.
895
SYKES, 1922, p. 77.
896
CHADWICK, 1998, p. 15.
897
LACORDAIRE, 1847, p. 4.

250
derramar sobre suas imensas misérias as inesgotáveis correntes da caridade
divina898. Esta sua fase seria conhecida como populismo católico, muito sensível às
forças sociais e preocupado com os limites do poder do Estado899. Também em
1830, Lamennais criou a Agence générale pour la défense de la liberté religieuse
(agência geral de defesa da liberdade religiosa), uma organização para o
monitoramento das violações da liberdade religiosa e da liberdade de educação.

É curioso observar, após 1830, como a teodiceia de Joseph de Maistre e


Lamennais, assim como as visões da Providência, distinguem-se tão fortemente. Para o
primeiro Deus é injusto, cruel, implacável; Deus agrada-se da desgraça de suas
criaturas900, e a Terra é um imenso altar de sacrifícios901. De outra forma, para
Lamennais, na apresentação que faz aos leitores de Paroles d’un croyant (1834), Deus é
bom: você vive em tempos ruins, mas esses tempos vão passar. Depois dos rigores do
inverno, a Providência trará de volta uma estação menos severa, e o passarinho
abençoará em suas canções a mão benéfica que lhe devolveu calor e abundância, sua
companheira e seu doce ninho902. Dessa forma, o antigo ultramontano dividiu-se em
dois campos desiguais: o ultramontanismo liberal e o ultramontanismo autoritário903,
que cada vez mais contaria com o apoio da Santa Sé.

898
Trecho da primeira edição de L’Avenir, em 16 de outubro de 1830, citado por ARMENTEROS (2014b,
p. 154).
899
THEOBALD, 1998, p. 213.
900
MAISTRE, 1912, p. 141.
901
Mas o anátema deve atingir o homem de forma mais direta e visível: o anjo exterminador gira como o
sol ao redor deste globo infeliz e deixa uma nação respirar apenas para atingir outras. Mas quando
crimes, e especialmente crimes de certo tipo, acumulam-se a um ponto marcado, o anjo pressiona de
forma incansável, e com sua tocha de fogo [...] atinge todos os povos da terra; outras vezes, ministro de
uma vingança precisa e infalível, ataca certas nações e as banha de sangue [...] não façam nenhum
esforço para escapar de seu julgamento ou abreviá-lo (idem, ibid., p. 123).
902
A esperança adoça tudo e o amor torna tudo mais fácil. Existem homens agora que estão sofrendo
muito porque te amaram muito. [...] quando a violência passar por si mesma, eu o publicarei, e você o
lerá com lágrimas menos amargas então, e você também amará esses homens que tanto o amaram [...]
devemos esperar e orar a Deus para encurtar a provação. [...] A terra está triste e murcha, mas ficará
verde novamente. O hálito do perverso não passará para sempre como um hálito ardente. O que está
feito, a Providência quer que seja feito para a sua educação, para que você aprenda a ser bom e justo
quando chegar a sua hora, [...] só o bem é duradouro (LAMENNAIS, 1877, p. 3-5).
903
O’MALLEY, 2018, p. 68.

251
A associação entre o catolicismo e as liberdades não nascera entre os
franceses, mas entre os belgas. Desde o Congresso de Viena, em 1815, a Bélgica
deixara de ser uma província francesa, ocupada durante a Revolução Francesa, para
vir a compor os Países Baixos, juntamente com Holanda e Luxemburgo. Apesar de
a Constituição prever um Estado laico, o calvinista rei Guilherme I, que chegou ao
poder após a queda de Napoleão, na prática impunha o protestantismo aos belgas.
Para os católicos, a defesa do conceito amplo de liberdade, e do liberalismo, era
uma estratégia para conseguir garantir a manutenção da religião e sua expansão. O
movimento católico liberal belga era centrado no trabalho de Engelbert Sterckx
(1792–1867), vigário-geral do arcebispo Francis Anthony de Méan (1756–1831), da
cidade de Mechelen, próxima de Antuérpia, e foi apoiado pela oposição liberal
belga na luta pela independência; Sterckx viria a se tornar o arcebispo em 1832,
após a morte de Méan904. Em uma carta enviada por Lamennais, em 24 de dezembro
de 1829, à condessa Louise de Senfft, esposa de um diplomata de Napoleão, ele
afirmou estar acompanhando com atenção os eventos na Bélgica: veja este
movimento sublime de um povo inteiro, declarando que quer viver e morrer livre, e
marchando de cabeça erguida para conquistar a liberdade da Igreja, a liberdade da
educação, e tudo o que é grande, nobre e sagrado entre os homens [...] treme-se diante
do liberalismo? Bem, catolicize-se, e a sociedade renascerá905. Curiosamente, a
Revolução de 1830 na Bélgica consolidou as ideias que Lamennais expunha no
L’Avenir. Após a independência e a instalação de Leopoldo I como rei dos belgas em
1831, a nova Constituição incorporou a maioria dos princípios do jornal, que passou
a ser impresso em Louvain, vendendo mais cópias que na França. A igreja belga
conquistou uma liberdade que nenhum outro Estado católico possuía906. Lamennais
havia percebido que a solução dos belgas para resolver problemas específicos,
associando liberdade, liberalismo e catolicismo, poderia ser aplicada de maneira
geral; assim ele desenvolveu um sistema teórico que incluía uma nova filosofia

904
SYKES, 1922, p. 77.
905
LAMENNAIS, 1863, p. 105-106.
906
CHADWICK, 1998, p. 16. Pela Constituição belga de 1831, o Estado deixou de ter voz na escolha dos
bispos, algo extraordinário em um Estado católico; o Estado não mais poderia impedir a publicação das
bulas papais; foi abolida a censura, e abandonado o sistema de concordatas com Roma. Esta Constituição
belga tornou-se um modelo para os católicos mais liberais do século XIX (idem, ibid., p. 17).

252
social, que incorporava a Igreja dentro de uma nação democrática907. A Bélgica
havia influenciado Lamennais, que por sua vez havia motivado a Bélgica, e agitaria os
católicos ao longo do século XIX.

As novas posições de Lamennais de forma nenhuma representavam uma


ruptura com Roma ou com a Igreja. Ele era padre, guardava obediência ao papa e
acreditava que uma aliança com o liberalismo, com o apoio de Roma, conseguiria
fazer frente ao episcopado francês que se mantinha fiel ao galicanismo. Mas não foi
entendido como um projeto de um religioso católico fiel; suas ações foram acusadas
pelos bispos franceses de falta de ortodoxia. Para eles, Lamennais parecia-se com um
político pregando uma revolução, escondida sob o manto da religião; também perdeu o
apoio do clero mais jovem ao defender o fim dos subsídios estatais. Em março de 1831,
monsenhor Félix Dupanloup (1802–1878), futuro bispo de Orléans, escreveu a um
cardeal em Roma: estou muito consolado com o que me dizes sobre a firmeza do papa
em relação ao abade de Lamennais e aos seus apoiantes: é muito importante; o jovem
clero é terrivelmente acessível a essas doutrinas de cisma, orgulho e liberdade
desenfreada. Se L’Avenir chegar a Roma, você saberá bem908. Ele, desconhecendo
essa crítica e profundamente convencido de suas ideias, acreditava que comparecer
diante do papa, e explicar-se, faria com que desaparecessem as resistências a seu
trabalho na França909. Ele também acreditava no prestígio que obtivera na Santa Sé com
seus livros anteriores, o que iria ajudá-lo na missão papal. Contudo, Lamennais não
sabia que o papa Gregório XVI, desde sua entronização, acompanhava de perto suas
atividades por meio de uma rede de espionagem, que envolvia clérigos e leigos, que
chegava mesmo a receber cópias de sua correspondência violada; a rede, que contou

907
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 270.
908
CANALS VIDAL, 1986, p. 175.
909
CHADWICK, 1998, p. 17. Ele acreditava que o papa abençoaria a ideia da liberdade, esquecendo-se
de que poucos meses antes Gregório XVI praticamente inaugurou seu pontificado convocando o exército
austríaco aos Estados Pontifícios para deter homens armados em um levante liberal; o jornal L’Avenir
criticou duramente a repressão (idem, ibid., p. 18).

253
com o apoio de altas personalidades, como o chanceler austríaco Metternich (1773–
1859), produzia dossiês regulares para o papa910.

No começo de 1832, Lamennais e os cofundadores do L’Avenir, Lacordaire


e Montalembert, viajaram a Roma a fim de obter a aprovação do papa Gregório XVI
para suas ações911. Lamennais acreditava que poderia ter recepção semelhante àquela
que tivera em junho de 1824, quando visitara a Santa Sé e discutira o livro Défense de
l’Essai com o papa Leão XII, que o recebera muito bem. O mesmo não aconteceu em
sua segunda viagem: durante três meses aguardou em Roma uma audiência, sendo
recebido pelo papa por apenas 15 minutos, junto com outros religiosos, quando se tratou
apenas de temas corriqueiros. O pontífice recusou-se a dar qualquer apoio ao programa
político de Lamennais, uma vez que ali estaria subjacente um claro apoio à agitação
política na Europa no pós-revolução de 1830. A resposta veio algum tempo depois, bem
mais dura, sob a forma de uma clara reprimenda de Gregório XVI com a encíclica
Mirari vos (1832), repudiando a ideia de que a Igreja precisava de regeneração e
reforma ou que deveria aliar-se ao liberalismo revolucionário912.

A encíclica não citava pessoalmente Lamennais, mas desagradou a seus


seguidores, assim como a seus críticos. Jovens padres franceses, poloneses e belgas
continuaram a reproduzir o pensamento do padre silenciado. Em contrapartida, seus
críticos acharam que a advertência fora muito branda, uma vez que Lamennais, mesmo
calado, não retirou nada do que escrevera e pregara. Suas cartas, que continuavam sendo
interceptadas, tratavam de assuntos gerais e corriqueiros, mas não da Igreja, em um
clima de submissão total. Os bispos franceses não se conformaram, sendo que para
muitos apenas o silêncio não era suficiente; era preciso que ele abjurasse suas ideias.

910
Por um século e meio, os documentos dessa espionagem permaneceram inéditos no Vaticano. Apenas
nos anos de 1980 o papa João Paulo II permitiu sua abertura pública. Em 1911, o jesuíta Paul Dudon
(1859–1941) havia consultado parte dos arquivos, cujos trechos foram publicados no livro Lamennais et
le Saint-Siège, 1820-1834: d’après des documents inédits et les archives du Vatican. Dudon fez uma
leitura exclusivamente política dos documentos, exaltando o papel de Gregório XVI nos incidentes.
911
Mais detalhes da visita, assim como de seus bastidores, serão vistos no trecho dedicado à política e ao
pontificado de Gregório XVI, uma vez que ao redor da presença de Lamennais em Roma havia a sombra
de toda a política europeia da época.
912
No trecho que trata especificamente do papado de Gregório XVI há mais detalhes sobre a encíclica.

254
Parte do episcopado recusava-se a ordenar padres que não fizessem uma declaração
formal de que não seguiriam Lamennais, ou de que aceitavam integralmente a encíclica
Mirari vos. O debate foi para os jornais que especulavam sobre o caso913. Em 5 de
novembro de 1833, Lamennais escreveu ao papa: a minha consciência sente
necessidade de assegurar a Vossa Santidade [...] não apenas da minha submissão a
toda a extensão do meu dever, como sacerdote e como católico, mas também da
disposição sincera e respeitosa onde sempre estive, onde estou e onde estarei sempre,
com a graça de Deus, para lhe provar minha inviolável reverência, amor e devoção914.

Em respeito à encíclica, Lamennais decidiu fechar o L’Avenir e a


agência915. Em uma carta a seu amigo barão de Vitrolles, em agosto de 1833,
escreveu sobre sua fidelidade a Roma: no que diz respeito à Igreja e seus interesses,
ele [o papa Gregório XVI] era um juiz da adequação e utilidade de meus esforços. Eu
não contestei, mesmo que aparentemente, seu poder de governo. Ele pronunciou-se
contra mim, eu tive de parar e pronto. Isso não é uma questão de fé. Obedeço à
autoridade do primeiro pontífice, respeito seus pensamentos, mas mantenho os meus916.
Na mesma carta anunciou que os incidentes com o papado o fizeram desistir de lutar
contra as forças dentro da Igreja: resolvi, aconteça o que acontecer, não me intrometer
mais nos assuntos da Igreja, porque não há nada a ser feito por ela a partir de agora,
até que Deus tenha realizado as mudanças que ele está preparando no mundo. Também
não desisto de trabalhar para o que acredito ser o bem do meu país; mas não acredito
que meus esforços sejam úteis no momento917. Sua relação com a Igreja estava rompida,
e tornou-se pública com a edição de Paroles d’un croyant (palavras de um crente), uma

913
CHADWICK, 1998, p. 26.
914
LAMENNAIS, 1863, p. 356.
915
SYKES, 1922, p. 78.
916
LAMENNAIS, 1886, p. 237. A amizade com o barão Eugène François d’Arnauld (1774–1854) durava
mais de uma década, apesar de, na época da correspondência, já não mais partilharem as mesmas
posições. Em uma carta de janeiro de 1833 Lamennais afirmou: por exemplo, você inclina-se para o
despotismo, e eu, para a república: nós dois temos nosso sistema, e quando estivermos juntos, não será
jamais para defender o sistema que preferimos (idem, ibid., p. 231).
917
Idem, ibid., p. 238.

255
longa oração a Cristo, em que Lamennais descreve as mazelas da vida do século XIX, e
critica o poder dos monarcas918.

Questionado pelo arcebispo de Paris, Hyacinthe-Louis de Quélen (1778–


1839), seu inimigo declarado, que estaria quebrando seu silêncio sobre os assuntos
religiosos, afirmou que o texto fora escrito há um ano, e que o livro não tratava de
religião, mas sim de política919. O papa não leu, mas pediu que fosse estudado pelo
cardeal Luigi Lambruschini (1776–1854), ligado aos jesuítas e que mais tarde viria a
ser seu secretário de Estado. O cardeal declarou-se horrorizado e pediu uma severa
punição. Ela veio em 25 de junho de 1834, com a encíclica Singulari nos (1834), que
circulou na França com o falso subtítulo Sobre os erros de Lamennais920. O livro foi
colocado no Index Librorum Prohibitorum.

A indignação do papa Gregório XVI ampliou a importância de Paroles d’un


croyant, garantindo que se tornasse um best-seller e assim permanecesse mais de um
século921. Mas a encíclica não excomungou Lamennais, apenas exortou: rezemos-lhe
com rezas repetidas para dar a este homem um coração dócil e um grande espírito para
ouvir a voz do Pai mais amoroso e doloroso922. A censura foi bem recebida pela grande
maioria do episcopado francês, que, após a surpresa inicial em 1830, já havia feito as
pazes com o rei Luís Filipe I, que se mostrara mais moderado do que esperavam; o mais
famoso padre do país não podia pregar o fim de seu governo. A única medida do novo
soberano contrária aos interesses da religião foi a revogação do artigo 6º da
Constituição de 1814 que fixava o catolicismo como religião do Estado. , a redução dos
salários dos bispos e cônegos, suspensão dos subsídios aos seminários para meninos e a
remoção dos crucifixos dos tribunais923.

918
Quem não ama a seu irmão é amaldiçoado sete vezes, e quem se torna inimigo de seu irmão é
amaldiçoado setenta vezes sete. É por isso que reis e príncipes, e todos aqueles que o mundo chama de
grandes, foram amaldiçoados: eles não amavam seus irmãos e eles tratavam vocês como inimigos. Amem
uns aos outros e não temerão nobres, príncipes ou reis (LAMENNAIS, 1877, p. 14-15).
919
CHADWICK, 1998, p. 27.
920
No trecho que trata especificamente do papado de Gregório XVI há mais detalhes sobre a encíclica.
921
CHADWICK, 1998, p. 30.
922
GREGÓRIO XVI, encíclica Singulari nos, 1834.
923
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 294.

256
Após a divulgação de Singulari nos Lamennais passou a ser desprezado pelo
clero ultramontano, afastando-se inclusive seus amigos Montalembert924 e
Lacordaire925, que o considerava um inimigo; contudo, suas obras iniciais continuaram a
ser lidas inclusive em Roma926. O autor rompeu definitivamente com a estrutura da
Igreja Católica, mas continuou sua pregação cristã, para quem a verdade estava contida
completamente no cristianismo, aquele que emergia da voz do povo. Lamennais
sustentaria doravante que era esta voz, e não a teologia, ou o conhecimento acumulado
pelos estudiosos – ou a filosofia histórica que ela poderia constituir –, que levaria a
mensagem de libertação927. Em seus escritos levou o iluminismo católico francês às
suas consequências extremas, chegando mesmo a declarar-se socialista no fim da
vida928.

924
Apesar de afastado de Lamennais, Montalembert tornou-se deputado e prosseguiu até o fim da vida
como um liberal, defendendo principalmente a educação laica, plataforma básica do partido político
católico que décadas depois criaria (CHADWICK, 1998, p. 34). Toda sua pregação, a partir de seu
afastamento de Lamennais, passou a ser por uma Igreja livre em um Estado livre (HALES, 1954, p. 146).
925
A partir de 1834, Lacordaire aproximou-se do arcebispo de Paris, Hyacinthe-Louis de Quélen,
passando a defender a primazia do papa sobre toda a Igreja, assim como sua infalibilidade. Pouco depois
entrou para a ordem dos dominicanos. Também se aproximou do papa Gregório XVI, por quem foi
incumbido de criar mosteiros e seminários no interior da França. Em 1848 apoiou a revolução, e voltou a
defender ideais de um catolicismo liberal, distanciado-se novamente do papado (SCANNELL, 1910, s.p.).
926
CHADWICK, 1998, p. 31.
927
ARMENTEROS, 2014b, p. 157.
928
Idem, ibid., p. 147.

257
CAPÍTULO 3

O PAPADO RESTAURADO EM UMA NOVA EUROPA.

O regresso do papa Pio VII a Roma em 24 de maio de 1814, depois de 1179


dias preso na França, representou para os católicos a restauração do papado em sua sede
milenar com todo seu poder e glória. O Congresso de Viena lhe garantiu a retomada do
trono de Pedro, mas as bases da nova fase de seu pontificado não seriam as mesmas que
deixara em 10 de julho de 1809. Pio VII e seus sucessores iriam enfrentar contingências
de uma realidade totalmente nova.

Nos anos compreendidos entre a queda de Napoleão em 1814 e as


revoluções liberais de 1830, muitos governantes europeus voltaram ao trono tentando
restabelecer os regimes absolutistas derrubados pelas campanhas napoleônicas, contudo
as ideias dos iluministas e revolucionários já estavam impregnadas por todo o mundo
ocidental. A Revolução Francesa havia destruído as estruturas políticas, sociais e
econômicas do Antigo Regime, e lançado as bases de uma sociedade liberal,
democrática, dotada de garantias mínimas à soberania e à liberdade popular. Os direitos
estampados na Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen (Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão), de 26 de agosto de 1789, mais que uma declaração
ideológica, representava respostas objetivas às necessidades de uma sociedade em
transformação e às aspirações de um mundo moderno que surgia. Os códigos e leis da
Revolução Francesa foram gradualmente sendo incorporados às estruturas legislativas
de quase todos os países europeus929.

929
As transformações nos Estados europeus ocorreram de forma absolutamente diversa em cada caso, não
havendo semelhanças imediatas entre eles. Contudo, apenas a título de caracterização do período, é
possível perceber linhas comuns entre essas transformações, todas elas indicando a adoção dos ideais
liberais do Iluminismo e da Revolução Francesa. Para detalhes das transformações em cada país ver
MARTINA, Storia della Chiesa da Lutero ai nostri giorni – L’età del liberalismo, v. 3, 2015.

258
O princípio da igualdade, apresentado na Déclaration nos artigos 1º, 6º e
930
13 , gradativamente decretou o fim de um sistema baseado nos privilégios, legais, de
classe e de sangue931. Os efeitos desse princípio se espraiaram sobre muitos aspectos da
vida civil, como desaparecimento dos privilégios econômicos e as isenções tributárias
às classes nobres e ao clero. A igualdade, que também estava impressa no Código Penal
francês de outubro de 1791, inspirado pelo iluminismo de Cesare Beccaria932 e
Montesquieu, e depois reproduzida no Código Penal napoleônico de 1810, expandiu-se
para outros países, mesmo aqueles que não enfrentaram as baionetas de Napoleão. A
nova lei penal pôs fim a todos os privilégios na punição de um crime, e estabeleceu que
todos, de forma equânime, devem saber de que estão sendo acusados. No serviço militar
e no recrutamento obrigatório também, ao menos em tese, deixou-se de privilegiar a
aristocracia. Na administração pública a igualdade também foi aplicada, na formação da
burocracia estatal e no processo de contratação de funcionários para os escritórios
públicos, e na abolição dos tribunais locais de exceção933.

Por sua vez, a noção de liberdade934 estabeleceu o direito de igualdade do


indivíduo perante os outros. Na política, o princípio traduziu-se no fim do
reconhecimento do direito divino dos reis; os dirigentes passaram a governar pela
vontade do povo, e não mais pela vontade de Deus935; princípio que foi incorporado às
monarquias constitucionais parlamentares. Tendo a liberdade como princípio, o cidadão

930
Art. 1º – Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem
fundamentar-se na utilidade comum. [...]; Art. 6º – A lei é a expressão da vontade geral. Todos os
cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou por meio de mandatários, para a sua formação.
Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. [...]; Art. 13 – Para a manutenção
da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve
ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades [...].
931
Poucos dias antes da declaração, em 4 de agosto de 1789, a Assembleia Constituinte já havia decretado
o fim dos direitos e privilégios feudais dos nobres (MARTINA, 1995, p. 34).
932
Cesare Beccaria (1738-1794), aristocrata milanês, foi o principal representante do iluminismo penal e
da Escola Clássica do Direito Penal.
933
MARTINA, 1995, p. 34-35.
934
Art. 4º – A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique os outros: assim, o exercício
dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites para além daqueles que asseguram o gozo
desses mesmos direitos pelos outros membros da sociedade. Estes limites só podem ser determinados por
lei.
935
No Estado moderno o direito divino dos reis foi transferido para o direito do Estado, que passou a
exigir dos súditos fidelidade e lealdade (LASKI, 1917, p. 122).

259
não mais poderia ser preso, apenas nos casos previstos em lei936. As liberdades de
imprensa, opinião e religiosa937 passaram a ser garantidas por lei, e a censura,
suprimida; a divulgação e propaganda de uma religião tornaram-se livres de coação e
impedimento. No campo econômico, o exercício do princípio da liberdade pôs fim às
guildas e às corporações medievais, e a seus privilégios e monopólios, garantindo o
livre-comércio938. Mesmo cometendo excessos e derrotada no campo militar, a
Revolução Francesa pôs em ação mecanismos que materializaram juridicamente um
desenvolvimento econômico e social que já se processava há ao menos dois séculos. O
rápido desenvolvimento dos princípios iluministas e revolucionários nos países,
individualmente e com bastante rapidez, colocou fim no Antigo Regime, possibilitando
a criação de uma nova sociedade da burguesia que iria desempenhar o papel
predominante no século seguinte939.

A virada do século XVIII para o XIX marcara o surgimento de um novo


Estado, um Estado secular. Soberanos viram-se livres para governar sem a Igreja
Católica, que era absolutamente identificada com o Antigo Regime; o príncipe não mais
precisava aceitar e respeitar os princípios da Igreja; as noções de bem e mal não mais
eram estabelecidas a partir dos padrões morais da Igreja. A política ganhou autonomia
própria, buscando o bem temporal, não mais o bem sobrenatural; a religião perdeu
importância na esfera política. Além do prestígio político e poder temporal, o clero
também perdeu boa parte da riqueza que possuía antes da vaga revolucionária940; ao

936
Art. 9º – Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável
prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.
937
Art. 10º – Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua
manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11 – A livre comunicação das
ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar,
escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos
na lei.
938
MARTINA, 1995, p. 34-36. Deve ser lembrado que os princípios de igualdade e de liberdade
interessavam de imediato à burguesia europeia, que enfrentava os privilégios do Antigo Regime como
uma limitação a sua expansão. Quanto aos trabalhadores, esses preceitos foram sendo, na prática,
conquistados lentamente por meio das lutas sociais ao longo dos séculos XIX e XX.
939
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 86.
940
No século XIX a Santa Sé estava endividada, e os Estados Pontifícios, em uma situação de
subdesenvolvimento. Os papas do século XVIII pagaram o preço de uma estratégia fixada no
territorialismo e pelos gastos impudentes para financiar a luta da Igreja da contrarreforma (VIAENE,
2012, p. 85).

260
confisco dos bens da Igreja na França, em novembro de 1789, seguiram-se outros ao
longo do século XIX941.

Caso exemplar ocorreu nos principados germânicos. O Sacro Império


Romano-Germânico, antes das guerras napoleônicas, era composto por uma série de
reinos, ducados, entidades autônomas, principados laicos e os principados eclesiásticos
que eram governados por bispos católicos ligados diretamente a Roma. Em de abril de
1805, França e Áustria assinaram o Tratado de Pressburg formalizando a separação dos
Estados germânicos do império austríaco, pondo fim ao Sacro Império Romano-
Germânico, e estabelecendo a extinção dos principados eclesiásticos e a secularização
dos bens territoriais da Igreja Católica942. Todas as propriedades eclesiásticas, incluindo
catedrais, abadias, colégios e mosteiros, foram passadas para os soberanos locais. A
medida fazia parte da Paz de Lunéville, assinada entre a França e a Áustria em 1801,
que previa uma compensação aos príncipes germânicos pelas perdas territoriais
causadas durante a guerra. O clero germânico, em pouquíssimo tempo, passou de uma
posição rica e poderosa para uma condição de pobreza, incapaz de até mesmo formar
novos religiosos. O fim da instituição dos principados eclesiásticos, que se tornaram
anacrônicos desde a Paz de Westfália em 1648, representou a tendência geral de
secularização dos Estados943. Em 1815, a Europa tinha apenas um príncipe-bispo, o
papa, e ele erguia-se cada vez mais como o centro visível de uma Igreja que parecia
menos local, mais universal944.

De uma forma geral, os Estados deixaram de reconhecer as leis canônicas,


abolindo a legislação anterior que referendava e sancionava as determinações
eclesiásticas. Os votos religiosos deixaram de ter reconhecimento legal, desaparecendo
o estatuto jurídico especial dado à condição de eclesiástico, sacerdote ou religioso;
todos passaram a ser, perante o Estado, cidadãos com direitos iguais a todos os demais.

941
MARTINA, 1995, p. 41.
942
KITCHEN, 2006, p. 9.
943
MARTINA, 1995, p. 42.
944
DUFFY, 2014, p. 277.

261
Com a liberdade religiosa, os eclesiásticos passaram a gozar de plena liberdade no
exercício da sua missão religiosa, mas, ao mesmo tempo, foram sujeitos aos mesmos
direitos e às mesmas leis que o comum dos homens. Entre as prerrogativas perdidas
estava o foro eclesiástico, que ao longo do século XIX passou a ser visto como
sinônimo de injustiça945, e mesmo assim foi tenazmente defendido pela Igreja. A adoção
do casamento civil, uma relação contratual exclusiva do Estado, estava ligada à
liberdade religiosa, e trazia consigo o divórcio, absolutamente proscrito pelo Direito
Canônico946. As liberdades de imprensa e de opinião tiveram como efeito imediato o
abandono civil da censura eclesiástica, com a qual a Igreja persistia, mantendo
inalterados a censura prévia e o Index Librorum Prohibitorum947, que agora se limitava
apenas a seus fiéis.

Mesmo perante as transformações que se espalharam rapidamente por todo


o mundo após a queda de Napoleão Bonaparte, a Igreja Católica continuou orientando-
se com base nos parâmetros estabelecidos pelo Concílio de Trento e pela
contrarreforma, que ainda marcariam todo o século XIX e boa parte do século XX. Foi
mantida a estrutura de governo, baseada no papel monárquico mundial do papa, e
diocesano do bispo; também ficaram inalteradas as relações hierárquicas e de
dependência burocrática entre os diversos órgãos administrativos da instituição
eclesiástica – Cúria Romana, cúrias episcopais, paróquias. O poder diretivo sobre as
congregações religiosas e os leigos permaneceu atribuição do clero diocesano; a
formação dos sacerdotes continuou ocorrendo em seminários isolados do mundo
exterior. A vida religiosa conservou-se baseada na assistência à missa, na prática dos
sete sacramentos, nos exercícios de piedade pessoal e coletiva diante de relíquias e
imagens948. O processo de secularização da sociedade e do Estado foi interpretado como

945
O foro eclesiástico era um direito, garantido por leis e decretos reais, o qual, variando em cada reino
desde a Idade Média, determinava que, entre outras coisas, os religiosos não poderiam ser julgados por
juízes leigos, mas por seus pares em tribunais religiosos regidos pela lei canônica.
946
O divórcio era admitido na antiguidade pagã, persistindo na prática na legislação civil dos primeiros
séculos da Alta Idade Média. Passou a ser formalmente condenado após o ano 1000, com a afirmação do
Direito Canônico. Reapareceu com a Reforma Protestante nos Estados reformados (MARTINA, 1995, p.
69).
947
Idem, ibid., p. 70.
948
MENOZZI, 1997, p. 131.

262
a implantação de um projeto satânico que colocava em risco a própria sobrevivência da
fé cristã: foi precisamente a consideração do processo de secularização como um
projeto destrutivo descristianizante – e a consequente necessidade de dar-lhe uma
resposta adequada – que determinou as expressões típicas da Igreja dos séculos XIX e
XX949.

As dinastias europeias retomaram seus tronos a partir do Congresso de


Viena (1814–1815), comandado pelo poderoso chanceler austríaco Metternich,
representante de Francisco I da Áustria. O imperador, desde sua posse em 1792, havia
comandado três alianças internacionais contra a França, em uma guerra que durou 23
anos. A direção de Metternich da diplomacia da restauração era vista pelo imperador
como uma consequência natural de sua luta contra a revolução e do processo de
humilhação militar que a dinastia Habsburgo sofrera. O chanceler, que se manteve no
cargo entre 1809 e 1848, construiu um sistema de poder europeu fundado no
conservadorismo extremo e nos princípios do Antigo Regime, anteriores à revolução.
Esse sistema reproduziu no continente a política interna católica conservadora austríaca,
implantada desde a posse de Francisco I950. Mas o Congresso também garantiu ao
governo austríaco a posse de amplos territórios no norte e centro da península italiana.
Durante as negociações ficou acertado que sua soberania seria exercida sobre o Ducado
de Milão, Veneza e os territórios dependentes; ficariam fora de suas posses as
províncias de Brescia e Bergamo, Crema e Valtellina, criando uma espécie de corredor
que separava Milão e o Vêneto. Ainda durante o Congresso tropas austríacas tomaram a
região, unindo as duas possessões, sem que as demais potências europeias
protestassem951.

O Império Austríaco, que até 1805 fizera parte do Sacro Império Romano-
Germânico, era um imenso território no coração da Europa que englobava dentro de um
mesmo território populações italianas, alemãs, polonesas, eslavas, magiares, cujo

949
Idem, ibid., p. 132.
950
JÁSZI, 1929, p. 75.

263
sentimento separatista e nacionalista crescia estimulado pelo pensamento liberal
iluminista. Em meados do século XVIII, a imperatriz Maria Teresa, que governava em
conjunto com seu filho José II, começou a implantar um sistema de reformas políticas e
econômicas buscando acalmar as pressões internas952. Essas reformas foram totalmente
suspensas por seu filho Francisco I, que assumiu o trono após um breve período de
governo de seu tio Leopoldo II. Pouco mais de um mês após sua posse, em 20 de abril
de 1792, a Assembleia Legislativa francesa, comandada pelos girondinos, declarou
guerra à Áustria. As tropas francesas em menos de um ano, após alguns fracassos
iniciais, impuseram sucessivas derrotas contra a Áustria, até 1805, quando Napoleão
impôs a Francisco I o Tratado de Pressburg, enfraquecendo o império, que ficou
dividido entre a Áustria e os Estados germânicos organizados na Confederação do
Reno. Pressionado, o imperador passou a conduzir o império segundo a doutrina do
Machtstaat, estado de força, baseado na centralização militarista, burocratização, fim
das instituições liberais, repressão violenta aos movimentos nacionalistas no norte da
península italiana, nos Bálcãs e na Hungria. Em um país no qual ainda havia escravidão
dentro de suas fronteiras, foram eliminadas todas as fontes de um pensamento livre e a
crítica política com a ajuda de uma polícia violenta e do clericalismo, tornando o
império absolutamente incapaz de assimilar os postulados reais da época, para
introduzir aquelas reformas sem as quais nenhum Estado poderia existir na atmosfera
mais livre e democrática da Europa953. O imperador criou no país um sistema de
espionagem antiliberal, que mais tarde viria a se espalhar por todas as capitais
europeias, e atuaria em sintonia com Roma. O sistema, temeroso do fantasma da
revolução, ameaçava com a forca e com a prisão os patriotas sérios interessados no
benefício do país, e recompensava generosamente todo espião e trapaceiro, era uma
antítese diametral do que se poderia chamar de educação cívica razoável954. A arte e a
imprensa foram censuradas e os estudantes passaram a ser vigiados e perseguidos. Toda
a educação e a ciência foram colocadas a serviço da dinastia e do catolicismo, em uma
rígida aliança com o clericalismo. Não só eram perseguidas as ideias políticas, mas

951
GIGLIO, 1912, p. 15.
952
A imperatriz Maria Teresa, de Habsburgo, reinou entre 1740 e 1780, e seu filho José II entre 1765 e
1790. Ambos, apesar de católicos convictos, defendiam a reforma da Igreja para adaptá-la aos novos
tempos.
953
JÁSZI, 1929, p. 75.
954
Idem, ibid., p. 77.

264
também o veneno deísta, inspirado por filósofos como Immanuel Kant, Johann Fichte
(1762–1814) ou Friedrich Schelling (1775–1854), que negavam a revelação e buscavam
na razão o conhecimento do mundo. A religião, que já marcava de forma indelével a
política imperial, tornou-se ainda mais dominante quando o imperador casou-se com
sua terceira esposa, princesa Caroline Augusta, da Bavária, que levou para a corte um
grande número de jesuítas de Munique, os quais passaram a ocupar funções no
palácio955. Metternich entendia o papel dos jesuítas como uma defesa intransigente da
Igreja, uma arma salutar contra as invasões do espírito do erro, assim como seu
objetivo principal: a manutenção do trono e do altar, e o triunfo de ambos sobre seus
adversários956. Após a expulsão dos jesuítas da Rússia, a pedido do chanceler, o
governo austríaco permitiu que se instalassem em um antigo convento dominicano em
Lemberg, atualmente na Ucrânia957.

O período da restauração, iniciado em 1815, e que se estendeu até as


Revoluções de 1848, foi uma tentativa de a monarquia europeia recuperar sua
legitimidade, apoiada em princípios conservadores anteriores à Revolução Francesa,
princípios estes que iriam enfrentar a pressão política de uma burguesia ascendente.
Apesar de os governos dos Romanovs na Rússia, dos Habsburgos na Áustria e dos
Bourbons, na França, Espanha e no Reino de Nápoles, desconfiarem das intenções do
papa Pio VII, havia o consenso de que a restauração, assim como o projeto
contrarrevolucionário europeu, deveria contar com a autoridade moral do papa, que
ainda aparecia para o mundo como símbolo do princípio de ordem e autoridade, para
reduzir as pressões por mudanças958.

955
Em 1819, o casal imperial visitou o papa em Roma, selando definitivamente as influências
ultramontanas no governo. A nova imperatriz era absolutamente contrária ao Aufklárung (iluminismo),
tendo impedido a criação do ensino de jardim de infância temendo que se promovesse uma iluminação
excessiva entre as classes mais baixas. Ela costumava afirmar que preferia ser enforcada a contribuir com
algo para a tendência infeliz desse período instável (JÁSZI, 1929, p. 79).
956
METTERNICH, 1881c, p. 237-238.
957
Idem, ibid., p. 235.
958
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 105.

265
A Igreja Católica entendeu que esse era o momento de também buscar
reconstruir uma sociedade cristã, em oposição às tendências de secularização da vida
social e política; para o papado, para Roma, era impossível a reconstrução da sociedade
e da civilização europeia sem o fundamento que apenas a Igreja poderia dar. É
necessário distinguir a restauração monárquica de 1814, com as dinastias reivindicando
a volta aos tronos que ocupavam no século XVIII, de uma suposta restauração católica.
Para vários autores, após a queda de Napoleão, a Igreja Católica teria vivido um
processo de restauração, mas é preciso fazer ressalvas a essa visão. O retorno ao
momento imediatamente anterior à Revolução Francesa não teria como acontecer. O
Congresso de Viena restituiu à Igreja os Estados Pontifícios, contudo a secularização da
vida social e política ao longo dos anos revolucionários nunca foi desfeita. O
catolicismo que emergiu em 1815 ainda era a religião mais popular na Europa, com
cerca de 100 milhões de católicos contra 30 ou 40 milhões de protestantes, 40 milhões
de ortodoxos e 9 milhões de anglicanos959, porém a Igreja havia perdido seu poder
econômico, seu poder político, os antigos privilégios e sua influência. Mais de 60 por
cento viviam em três países – França, Espanha e Áustria –, que praticamente não
haviam vivido um processo de industrialização, e nos quais, apesar da urbanização, o
clero ainda apresentava os valores de suas congregações agrárias960. Regiões como a
Bélgica e a Polônia não eram independentes, e os católicos não tinham liberdade
religiosa.

Antes da revolução, as grandes potências da Europa eram a Grã-Bretanha, a


França, a Áustria, a Espanha e Portugal, estes dois com um vasto império ultramarino;
eram quatro as potências católicas e apenas uma protestante; a Polônia era católica, e a
região da Bélgica pertencia à Áustria católica; a Renânia, Estado germânico na fronteira
com a Holanda, era governada por arcebispos católicos. Inegavelmente a Igreja Católica

959
GILLEY, 2006, p. 14.
960
Em 1815, a França contava com 28,5 milhões de católicos e 700 mil protestantes; a Espanha, 10
milhões de católicos, e no Império Austríaco Habsburgo havia 24 milhões de católicos, cerca de 80% da
população. Dos outros 40 milhões de católicos restantes, 14 milhões viviam nos sete estados italianos
independentes, três milhões em Portugal e mais três milhões na Bavária, e quatro milhões nos Países
Baixos, cerca de 60% da população. Outros 16 milhões constituíam minorias nos Estados não católicos:
quatro milhões na Prússia, um e meio milhão nos outros Estados alemães, quatro e meio na Irlanda, três
milhões na Rússia e Polônia, 750 mil na Suíça e 500 mil na Turquia (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 85).

266
possuía muita influência em todo o continente. Contudo, após a vaga revolucionária,
toda a geopolítica europeia havia se transformado: as grandes potências no início do
século XIX passaram a ser Grã-Bretanha, Áustria, Prússia e Rússia, um poder católico
romano ante um poder ortodoxo e dois não católicos. França, derrotada, já não era
preponderante; Espanha deixara de ser potência ao perder seu império após o processo
de independência dos países da América. A Prússia incorporara os territórios
germânicos da Confederação do Reno, tornando-se ainda mais poderosa do que já era
no século XVIII; a Rússia, que não mantinha boas relações com Roma, ocidentalizara-
se, passando a intervir na política europeia; a Grã-Bretanha havia consolidado um novo
império. Polônia deixara de existir, submetida à Rússia961, e na Bélgica um rei
protestante holandês governava. Napoleão legara uma nova Europa na qual os
protestantes eram politicamente muito mais poderosos que os católicos. O papado
contava apenas com o apoio incondicional da conservadora Áustria; Roma possuía
menos influência que Londres ou Berlim962.

O Congresso de Viena, cujo objetivo declarado era tentar refazer o


equilíbrio no continente por meio da reconstrução de uma Europa anterior à
revolução963, devolveu à Igreja Católica quase todas as terras na península italiana que
ela havia perdido. Para o conservadorismo do Congresso, era útil ancorar a obra de
restauração contrarrevolucionária na autoridade moral do papa, que de repente
apareceu aos olhos de toda a Europa como o símbolo do princípio de ordem e
autoridade964. O sofrimento do papa Pio VI nas mãos de Napoleão, e a resistência de

961
Entre 1772 e 1795 a Polônia foi dividida entre a Prússia, a Áustria e o Império Russo, sendo este
último o mais violento. A população grega ortodoxa da Polônia forneceu aos russos um pretexto
duradouro para intervir na Polônia como força de proteção religiosa. Repnin [Nikolai Vasilyevich
Repnin (1734–1801), o emissário russo, dirigiu a Polônia quase como governador-geral: sob sua
vigilância imediata realizavam-se as sessões da Assembleia Nacional da Polônia. Deputados
considerados indesejáveis foram levados para a Sibéria. A Polônia decaiu para o status de província
russa. Sangrentas guerras civis, provocadas pela Rússia, tiveram como consequência a contínua
intensificação do controle russo (KOSELLECK, 2006, p. 33).
962
CHADWICK, 1981, p. 535-536.
963
Em suas memórias, editadas em 1879 por seu filho, Metternich apresentou o verdadeiro objetivo do
Congresso de Viena: As grandes frases de “reconstrução da ordem social”, de “regeneração do sistema
político da Europa”, de “paz duradoura”, etc., estavam sendo usadas para tranquilizar os povos e dar a
este solene encontro um ar de dignidade e grandeza; mas o verdadeiro objetivo do Congresso era
compartilhar entre os vencedores os despojos tirados dos vencidos (METTERNICH, 1881a, p. 474).
964
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 104.

267
Pio VII ao imperador, assim como a atuação do cardeal Ercole Consalvi, negociados na
Concordata de 1801 com a França e o secretário de estado de Pio VII entre 1814 e 1823,
como negociador papal na conferência, tiveram importante peso para a devolução dos
Estados Pontifícios à administração de Roma; a região de Avignon, o Comtat Venaissin,
não foi devolvida, permanecendo com parte do território francês. Durante as
negociações Consalvi buscou melhorar as relações entre a Santa Sé e as duas grandes
potências não católicas vitoriosas das guerras napoleônicas, Inglaterra e Rússia,
tentando limitar a influência da Áustria na península italiana, ciente do efeito dessa
influência no nacionalismo italiano. A fixação de uma forte presença papal no centro da
península italiana, com um território cortando a região de leste a oeste, era uma arma
contra o monopólio austríaco na região, e também, mais tarde, viria a ser um problema
para a unificação italiana965. Consalvi acreditava que a adoção pura e simples do sistema
de poder de Metternich, fortalecendo o poder do Império Austríaco, isolando Inglaterra
e Rússia, na verdade colocaria em risco a estabilidade da Igreja nos Estados
Pontifícios966.

3.1. Pio VII e o cardeal Consalvi

O papa Pio VII retomou os Estados Pontifícios, subdividino-os em 17


legações apostólicas, as legazioni apostoliche, para fins administrativos, que eram
administradas por um cardeal – legazioni superiori – ou um bispo – legazioni minori;
Roma era chamada de legazioni pontificie. A restituição dos territórios foi condicionada
a uma promessa do papa de modernização do governo papal. Durante boa parte de seu
pontificado os territórios estiveram fora do controle da Igreja, tendo passado por um
processo de modernização e laicização; sistemas jurídicos antiquados foram substituídos
pelo Código Civil Napoleônico, o serviço público foi aberto aos leigos e as

965
DUFFY, 2014, p. 272.
966
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 93.

268
comunidades locais passaram a ter governos autônomos967. Ao contrário, os arredores
de Roma, que sempre estiveram sob o controle do papado, eram governados por padres,
sem espaço para eleições ou administradores leigos. O cardeal Consalvi havia se
comprometido em manter as inovações nas legações reincorporadas, desde que fossem
compatíveis com o Direito Canônico968. A promessa de modernização não foi cumprida.
Uma comissão administrativa provisória, ainda durante as atividades do Congresso,
chefiada pelo ainda arcebispo e depois cardeal Agostino Rivaròla (1758–1842), após
tomar posse em maio de 1814, eliminou toda a administração francesa, restaurando a
velha burocracia e a lei feudal dos barões, uma ocorrência única na Europa Ocidental969.
Consalvi protestou contra a medida, que colidia com o que ainda estava negociando em
Viena, que somente terminaria com o acordo assinado em julho de 1816.

Com a devolução de Roma e dos Estados Pontifícios, as congregações


foram reorganizadas; a Inquisição Romana voltou a promover inquéritos ; o Index
Librorum Prohibitorum voltou a supervisionar os livros970, e a Congregação do
Concílio a administrar dioceses e paróquias, de modo que a máquina ficou mais
centralizada em 1820 do que em 1789971. A Revolução Francesa e Napoleão haviam

967
Em um protesto, apresentado ao Congresso de Viena pelo cardeal Consalvi em junho de 1815, o papa
Pio VII lamentou que algumas de suas principais reivindicações não foram atendidas: Os principados
eclesiásticos [germânicos], que foram destruídos pela violência revolucionária [...], não foram
reintegrados e foram atribuídos a diferentes príncipes seculares católicos e não católicos. Os bens
eclesiásticos [...] foram deixados em parte para os novos proprietários [...]. O Santo Império Romano,
centro de sintonia política, uma venerável obra da antiguidade, consagrada pelo augusto caráter da
religião, e cuja destruição havia sido a mais desastrosa derrota imposta pela revolução, não ressuscitou
de suas ruínas (MARTENS, 1887, p. 478-480, e LATREILLE, 1906, p. xiii).
968
DUFFY, 2014, p. 277.
969
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 100.
970
A censura aos livros imposta pelo Index não era aplicada na França nos séculos XVII e XVIII, durante
o auge do galicanismo. Em 1647 uma decisão do Parlamento francês decidiu não reconhecer a autoridade,
o poder, nem a jurisdição das congregações romanas em território francês. Segundo a argumentação do
então advogado-geral Orner Talon (1595–1652), o papa pode estabelecê-la [censura] como achar
conveniente em seus Estados; mas os decretos dessas congregações não têm autoridade nem execução no
reino [...] nestas congregações os livros proibidos são censurados [em número que] aumenta a cada ano
[...] livros que dizem respeito à preservação da pessoa de nossos reis e ao exercício da justiça real foram
censurados (DUPIN, 1845, p. i, Avertissement).
971
CHADWICK, 1981, p. 552. Uma nova congregação criada pelo papa Pio VII foi Congregação para
Assuntos Extraordinários da Igreja, para atender emergências da Igreja, como uma revolução, e para
supervisionar a reconstrução após as guerras napoleônicas. Foi reativada a Congregação do Concílio para
supervisionar a aplicação das reformas do Concílio de Trento. Na história da Cúria Romana, o pontificado
de Pio VII ocupa um lugar notável na medida em que buscou intervir no funcionamento da Cúria, não por

269
destruído grande parte da estrutura da Igreja antes de 1789, e muito não fora
reorganizado. Instituições que limitavam a autoridade do papado sobre a estrutura da
Igreja, como capítulos de catedrais972 e bispos-príncipes no extinto Sacro Império
Romano, desapareceram em meio à onda revolucionária. Pio VII, em 1814, emitiu a
bula Sollicitudo omnium ecclesiarum, autorizando a reconstrução de antigas ordens
religiosas que praticamente haviam desaparecido, especialmente a Companhia de Jesus.
Em 1773, havia cerca de 20 mil jesuítas; seis anos após sua recriação o número não
passava de dois mil. O papa devolveu aos jesuítas seus antigos privilégios, inclusive
colocando-os novamente no comando do Colégio Romano. Para muitos cardeais
conservadores, os jesuítas representavam um símbolo de um passado glorioso, e os
principais adversários do jansenismo e do galicanismo973.

Ainda sob a orientação de Consalvi, Roma buscou o apoio dos governos


restaurados para também poder empreender a reconstrução das igrejas locais. Os anos
seguintes ao Congresso de Viena foram marcados por uma série de negociações e
concordatas com as monarquias europeias974; os acordos representavam um esforço da
Cúria Romana para recuperar parte de seus antigos direitos, assim como proteger seus
interesses com mais eficácia975. Apesar de os setores conservadores do papado
argumentarem que as concordatas incorporavam alguns limites exagerados ao direito de
o papa intervir, Consalvi buscava a criação de bases sólidas para a reconstrução da
Igreja abalada pela revolução, mesmo que fosse preciso fazer algumas concessões até
mesmo a governos protestantes e ortodoxos976. As concordatas representaram a bênção

meio de uma reforma das instituições já existentes, mas pela criação de novas (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p.
107).
972
O capítulo de catedral, ou cabido, era um órgão colegiado dentro de uma diocese com autoridade para
tomar decisões, que auxiliava a administração e o governo da diocese, assumindo sua a jurisdição
ordinária quando da morte do bispo ou de seu afastamento sem substituição imediata. O termo é derivado
do uso monástico inicial designando a sala na qual os monges se reuniam para ler (FANNING, 1913,
s.p.).
973
CHADWICK, 1981, p. 591-596.
974
Entre outras, a Igreja Católica assinou concordatas com a Sardenha em 1817, com o Reino de Nápoles
em 1818, com a Bélgica em 1827, duas com a Suíça, em 1828 e 1845, com as duas Sicílias em 1834. A
despeito dessa aproximação com as monarquias europeias, a Igreja apoiou as revoluções coloniais na
América, especialmente na Colômbia e no México (DUFFY, 2014, p. 274-275).
975
CHADWICK, 1981, p. 539.
976
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 106.

270
da Igreja às monarquias restauradas, dentro do que foi chamado de princípio de
legitimidade977.

Ao mesmo tempo, aliado à reação, o papa Pio VII tentou obter o apoio das
autoridades políticas para impor o Direito Canônico sobre setores considerados
fundamentais da vida social – casamento, educação e assistência – assim como à volta
das imunidades eclesiásticas do Antigo Regime978. Mas as concordatas também foram
assinadas seguindo os interesses austríacos. Em 1816, Consalvi comprometeu-se com
Metternich a realizar tratativas como os soberanos dos reinos germânicos, garantindo a
presença e o funcionamento da Igreja Católica livre nesses Estados, seguindo a direção
e o sentido apontados pelos interesses austríacos na região. Em um relatório ao
imperador Francisco I, em 5 de abril de 1816, Metternich escreveu: em minha opinião,
devemos fazer a Alemanha aceitar uma constituição eclesiástica e admitir princípios
que são nossos, sem que pareçamos querer impor nossos princípios à Alemanha [...] eu
consideraria muito preferível poder conhecer os pontos de vista de algum distinto
clérigo da Alemanha, a quem poderíamos com segurança deixar a iniciativa da
organização, em vez de tomá-la por nós mesmos. E continuou: é importante chegar a
uma concordata com a Santa Sé para todos os Estados da Confederação Germânica,
[...] no entanto, se os tribunais alemães cometessem o erro de não admitir o princípio
de uma concordata única restaria outra solução, a das concordatas separadas, mas,
ainda assim, baseadas em princípios uniformes979.

As relações diretas entre Metternich e Consalvi também envolveram


concessões papais abrangendo a Igreja em território austríaco. Logo após o Congresso
de Viena, instalou-se uma contenda entre o papa Pio VII e o governo austríaco sobre a

977
HALES, 1960, p. 75.
978
MENOZZI, 1997, p. 142.
979
METTERNICH, 1881b, p. 3-4. As negociações conjuntas fracassaram. Entre 1817 e 1830, Roma
assinou concordatas separadas com vários Estados que mais tarde iriam formar a Confederação
Germânica: em 1817 com a Baviera, em 1821 e em 1827 com os Estados que formavam a província
eclesiástica da Confederação do Reno, em 1824 com Hanover, em 1827 com a Saxônia, em 1830 com
Gnesen, hoje na Polônia (idem, ibid., p. 5).

271
administração do clero nos território de Veneza e da antiga República de Ragusa980, que
foram incorporadas à Áustria após a queda de Napoleão. Após as negociações sigilosas
do chanceler com Consalvi, ficou acertado que o papa renunciaria ao direito de nomear
os bispos nas regiões, aceitando as indicações do imperador; também, em maio de 1818,
foi assinada a bula De Salute Dominici Gregis, reconhecendo o direito perpétuo de
Francisco I, assim como o de seus descendentes, para nomear o patriarca de Veneza,
bem como todos os arcebispos e bispos em todas as antigas repúblicas de Veneza e
Ragusa. Ainda ficou acertado que os bispos da região estavam desobrigados de ir a
Roma para a confirmação, o que era exigido a todos os bispos italianos. O papa também
abriu mão de qualquer influência nos domínios temporais austríacos na península
italiana, incluindo seminários e instituições de caridade, bens móveis ou imóveis e seus
rendimentos981.

Os intelectuais católicos franceses, Lamennais, Maistre e Bonald, unidos


por um pensamento reacionário, cada um a sua maneira, deram apoio incondicional a
Pio VII, visto como um mártir, assim como Pio VI, contra os abusos da Revolução
Francesa; para esses intelectuais, o período revolucionário não passara de um fato
episódico, um acidente histórico, resultado de uma conspiração promovida por
protestantes, judeus e maçons982. Apenas o papado poderia não só impor a grandeza do
catolicismo do passado contra a corrupção dos tempos presentes, e, mais efetivamente,
apagar esses tempos, recorrendo ao passado; seu ideal de autoridade e poder estava
fundado nos moldes daquilo que teria existido durante o período medieval. A Idade
Média, mitológica, era o ponto culminante do desenvolvimento histórico da civilização
humana983. Os textos conservadores católicos, após a restauração, passaram a defender o
estabelecimento de uma monarquia mundial, tendo o papa como soberano, impondo-se
sobre os governos seculares. Contudo esses autores não criaram o pensamento

980
Ragusa era uma república marítima aristocrática no leste do Mar Adriático, correspondendo hoje ao
território da Croácia, que existiu entre 1358 e 1808, quando foi invadida pelas tropas francesas de
Napoleão. Após a restauração monárquica tornou-se parte do Império Austro-Húngaro.
981
METTERNICH, 1881b, p. 98-101.
982
O pensamento conservador pós-revolucionário defendia que 1789 havia sido um movimento ateísta, e
que a restauração deveria reverter seus feitos. Assim se exigia recristianização, com a restituição dos
privilégios, da riqueza e da influência da Igreja Católica (DAVIES, 2002, p. 52).
983
MENOZZI, 1997, p. 143.

272
conservador entre os católicos, eles apenas vocalizaram e deram algum brilho
intelectual ao pensamento ultraconservador e contrarrevolucionário, àquilo que já estava
presente e vivo nos corredores da Santa Sé.

Os sete anos entre a restauração do papado e a morte de Pio VII, em 1823,


foram relativamente tranquilos em termos dos conflitos externos, mas o mesmo não
ocorria na política interna de Roma. O papa voltara do exílio na França profundamente
abalado e doente, praticamente incapaz de exercer plenamente seu poder, o qual foi
delegado quase que totalmente a Consalvi. Durante o exercício do governo de fato da
Igreja, o cardeal reorganizou a administração do Estado abalada por quase duas décadas
de intervenção francesa, além de realizar a supressão do poder político dos feudos ainda
sobreviventes nos Estados Pontifícios. Consalvi buscava uma renovação religiosa que
afastasse a Igreja do absolutismo do Antigo Regime984.

As reformas foram a senha para o ressurgimento das facções internas do


cardinalato, trazendo à tona a luta que existira durante o conclave que escolheu o
cardeal Barnaba Niccolò Maria Luigi Chiaramonti como o futuro papa985. Nos séculos
XVII e XVIII, os conclaves foram muito mais uniformes em formato, procedimento e
resultados que ao longo de sua história. Os embates davam-se, em geral, por questões
menores, ou centradas na nacionalidade dos candidatos – pontifícios, italianos,
romanos-germânicos. A Revolução Francesa trouxe certo caos para algo que, assim
como o Antigo Regime, pensava-se ser permanente, também trouxe para dentro do
Sagrado Colégio a política continental986. Os três meses e meio do conclave realizado
em Veneza, então território austríaco, entre dezembro de 1799 e março de 1800,
expuseram três facções mais ou menos equilibradas. Os austriaci, ligados ao imperador

984
MARTINA, 1995, p. 228.
985
O termo conclave (com chave) originou-se durante o processo de escolha do papa Gregório X, que
demorou cerca de três anos; o conclave que o elegeu foi o mais longo da história da Igreja, em virtude da
incapacidade das facções francesas e italianas de chegarem a um acordo sobre um candidato adequado. A
população de Viterbo, nas cercanias de Roma, onde se realizava a assembleia, trancou os cardeais,
removeu o telhado do local e ameaçou deixá-los sem comida, só autorizando sua saída após a escolha do
novo papa em setembro de 1271 (SHEPPARD, 2003, v. 6, p. 498).
986
BAUMGARTEN, 2003, p. 179.

273
Francisco I, que queriam que o papa favorecesse a Áustria, porque representava de
maneira sólida o Antigo Regime, mas também porque desejavam a consolidação do
domínio do império sobre o norte da península. Em 1797, Pio VI assinara com
Napoleão o Tratado de Tolentino, que entre outras coisas garantia a presença francesa
na região, ocupada por suas tropas no início da revolução987. Francisco I desejava que o
novo papa não efetivasse o tratado, e dispunha o poder de veto do jus exclusivae contra
qualquer nome que o defendesse. O segundo grupo eram os zelanti, conservadores que
pretendiam reconstruir a Europa ou pelo menos a Igreja Católica exatamente como
existia em 1789, e não aceitavam a perda dos territórios papais. A princípio, o grupo
manteve-se estritamente afastado de qualquer facção política. Por último, estavam os
liberali, cardeais que, apesar de conservadores, queriam um papa disposto a fazer
alguma acomodação com a Revolução Francesa e Napoleão. O nome do cardeal
Barnaba Chiaramonti fora proposto por Consalvi, ainda arcebispo, que secretariava o
conclave, como uma solução que acomodou os zelanti e os liberali: ele era parente do
falecido Pio VI, ocupara cargos importantes em seu papado, era relativamente jovem,
com 58 anos, e não se definira claramente por nenhuma das facções. O cardeal František
Herzan (1735–1804), representante direto de Francisco I, ainda tentou vetar o nome de
Barnaba Chiaramonti, mas não conseguiu. O imperador austríaco, desgostoso com a
escolha, recusou que o novo papa usasse a Catedral de São Marcos, em Veneza, para
sua entronização988.

Consalvi tornou-se cardeal em agosto de 1800, tornando-se secretário de


estado da Santa Sé, que ocupou até sua prisão, juntamente com o papa Pio VII, em
1809. Voltou do exílio juntamente com o papa, tornando-se o embaixador
plenipotenciário de Roma no Congresso de Viena. Perante o sistema de poder
continental de Metternich, e a marginalização da Igreja no continente, Consalvi
defendeu a adoção de uma política neutra para o papado, o que não era bem-visto por
grande parte do cardinalato. Consalvi, responsável por toda a administração dos Estados

987
O Comtat Venaissin, um enclave no território francês ao redor da cidade de Avignon, fazia parte dos
Estados Pontifícios desde 1274 – também compreendia a região da cidade de Valréas –, e que fora
comprado pelo Papa João XXII. O controle papal durou até 1791, quando foi anexado ao território
francês.

274
Pontifícios, apesar de seus esforços para reformar o Estado, não conseguiu construir
uma forma de governo capaz de manter sob controle os setores mais reacionários. Roma
vivia um cabo de guerra entre as duas forças que haviam ficado praticamente em
silêncio por quase uma década989.

Os politici, muitas vezes chamados pejorativamente de politicani


(politiqueiros), embora antiliberais, eram muito mais moderados, tolerando posturas
conciliatórias e aceitando mudanças. Consalvi liderava esse grupo. Do outro lado estava
o cardeal Bartolomeo Pacca, que fora pró-secretário de Pio VI, que orientava os zelanti.
O grupo mantinha sua posição de fortalecer e centralizar a Igreja, opondo-se firmemente
contra qualquer reforma modernizante ou secularizante; todos os sinais da revolução,
em Roma e no mundo, deveriam ser apagados como se nunca houvessem existido.

Com habilidade os cardeais conservadores passaram a ocupar os escritórios


de estado que estavam nas mãos de civis durante a ocupação francesa, trazendo práticas
e normas obsoletas e derrubando o Código Civil Napoleônico. Desde o retorno do papa
a Roma instalou-se uma luta entre as duas facções, que foi vencida pelos zelanti com
facilidade990. O grupo fora fortalecido durante o pontificado de Pio VII, que criou 94
novas cadeiras durante seus 23 anos de pontificado; a maioria provou ser mais
conservadora que o papa991. O estabelecimento dos conservadores na hierarquia e na
burocracia da Igreja recebeu um robusto apoio com a recriação da Companhia de Jesus
em 1814; rapidamente centenas de jesuítas apareceram da noite para o dia, tão bem
providos de fundos que, tanto na França quanto na península italiana, começaram
imediatamente a comprar propriedades destinadas a colégios e seminários992. Os
zelanti tornaram-se o principal obstáculo ao projeto de Pio VII para ver Consalvi como
seu sucessor; a maioria dos cardeais guardavam-lhe rancor, não só por suas posições

988
PIRIE, 1936, p. 294-298; BAUMGARTEN, 2003, p. 183-184.
989
WOODWARD, 1963, p. 98.
990
PIRIE, 1936, p. 303.
991
BAUMGARTEN, 2003, p. 186.
992
PIRIE, 1936, p. 304.

275
mais moderadas, mas também por ele, como medida de economia, ter cortado parte da
renda dos cardeais.

Nos anos seguintes à restauração do papado, em 1814, o papa Pio VII criou
novos 58 novos cardeais; todos, com exceção de apenas um, eram filhos de duques,
marqueses, condes, viscondes e barões, sendo que cinco eram príncipes – Stanislao
Sanseverino (1764–1826), Emmanuele de Gregorio (1758–1839), Giorgio Doria
Pamphilj (1772–1837), Carlo Odescalchi (1785–1841) e Tommaso Sforza (1782–1857),
sendo que os três últimos tornaram-se cardeais com menos de 45 anos. Nobre também
era Rudolf Habsburg-Lotharingen (1788–1831), irmão do imperador Francisco I da
Áustria, que se tornou cardeal com apenas 31 anos, como uma forma de melhorar as
relações do papa com o império. O único não aristocrata era o espanhol Francisco
Gardoqui Arriquíbar (1747–1820), filho de uma família de banqueiros e industriais.
Muitos eram parentes de cardeais, como Tiberio Pacca (1786–1837), sobrinho do
influente Bartolomeo Pacca. Cerca da metade dos novos cardeais, 28 deles, havia
sofrido algum tipo de perda, agressão ou violência durante o período revolucionário e o
governo de Napoleão, e seriam aqueles que assumiriam no futuro as posições mais
conservadoras dentro do cardinalato. A maior parte daqueles que estavam em Roma em
uma das invasões francesas – 1798 e 1808 – foi presa por recusar-se a fazer juramento
de lealdade ao imperador francês, e permaneceram encarcerados por anos, libertados
apenas após a queda de Napoleão. O cardeal Francesco Serlupi (1755–1828) quase
morreu de fome em uma prisão na Córsega. Fabrizio Turriozzi (1755–1826) e Antonio
Maria Frosini (1751–1834) foram obrigados a abandonar o cargo de governador que
exerciam em duas comunas dos Estados Pontifícios e exilar-se. Lorenzo Caleppi (1741–
1817), refugiado em Portugal, fugiu para o Brasil juntamente com a família real em
1808. Os franceses Alexandre Talleyrand-Périgord (1736–1821), César-Guillaume de la
Luzerne (1738–1821) Louis-François de Bausset-Roquefort (1748–1824), Anne-
Antoine-Jules de Clermont-Tonnerre (1749–1830) e Anne-Louis-Henri de la Fare
(1752–1829) recusaram-se a fazer o juramento de lealdade à Constitution Civile du
Clergé em 1790, e precisaram partir rapidamente para o exílio. La Fare, que fora
encarregado por Luís XVIII, também exilado, de representar os refugiados franceses

276
perante o governo da Áustria, adquiriu a cidadania austríaca, abandonando a francesa
em protesto. A maior parte desses cardeais conservadores foi nomeada nos dois
consistórios de 1816, em março e setembro993. Da mesma forma, os cardeais mais
idosos foram formados nesse ano; 17 deles morreram antes do papa Pio VII, sendo que
três – Camillo de Simone (1737–1817), Antonio Lante (1737–1817), ambos com 79
anos, e Lorenzo Caleppi (1741–1817) com 75 – morreram no ano seguinte à elevação.
Também nas listas de 1816 estavam dois futuros papas: Annibale Della Genga (1760–
1829), Leão XII, e Francesco Saverio Castiglioni (1761–1830), Pio VIII994.

3.2. Leão XII

A morte de Pio VII encontrou seu braço direito, o cardeal Consalvi, como
prefeito da Congregação para a Propagação da Fé; ele estava com 65 anos, doente e
muito cansado dos embates com os conservadores, e com pouco apoio entre os cardeais
eleitores. Nos últimos anos ele também havia antagonizado o governo austríaco em
razão da sua política hostil em relação à Santa Sé. Consalvi lutara persistentemente para
evitar a absoluta hegemonia austríaca na península italiana, o que o indispôs com os
cardeais simpáticos ao imperador Francisco I. Consalvi esperava algum apoio de
diplomatas de outros países, mas esse nunca veio; Roma, que sabidamente estava sob a
influência austríaca, era considerada pelas várias cortes europeias como um cargo de
importância secundária, pelo qual não valia a pena esforçar-se995. O cardeal estava
muito doente – morreria no ano seguinte – e não tinha nem condições de indicar um
nome, como fizera quando da eleição de Pio VII.s

993
Consistório é uma assembleia solene de todos os cardeais presentes em Roma, presidida pelo papa,
para tratar de alguns dos assuntos mais graves relativos ao governo da Igreja universal. O nome teve
origem no Império Romano, para designar uma reunião entre o imperador e seus principais conselheiros.
Podem ser públicos, para tratar de questões gerias da Igreja, ou secretos, convocados pelo papa quando
ele deseja criar novos cardeais, aceitar suas demissões, anunciar um Ano Santo, nomear bispos e
determinar se um servo de Deus, já beato, deve ser canonizado (VAN LIERDE, 2003, v. 4, p. 465-466).
994
MIRANDA, 2021, s.p.
995
PIRIE, 1936, p. 305.

277
Em uma carta ao conde Anton Apponyi, diplomata austríaco, Metternich
deu instruções sobre sua atuação como embaixador extraordinário no conclave. O papa
Pio VII havia defendido os interesses em geral e os nossos em particular [assim] só
podemos lamentar sinceramente a sua perda, [...] devendo Vossa Excelência reforçar
adequadamente a cor desta parte de seu discurso. As qualidades pessoais de Pio VII, a
fé viva e a coragem inabalável que desabrochou em meio às adversidades e às
perseguições996. O conde deveria deixar claro o testemunho do imperador Francisco I
de seu respeito filial pela Igreja e pela Santa Sé, de proteger a liberdade dos sufrágios
dos cardeais eleitores e de contribuir com os concílios e as exortações que ele
encarregou de lhes dirigir em seu nome, de fixar sua escolha no indivíduo mais digno
da tiara. O embaixador deveria atuar juntamente com o cardeal Giuseppe Albani(1750–
1834) para garantir que pessoa virtuosa ascenda ao trono papal, agregando à piedade
iluminada um caráter conciliador e princípios moderados, e finalmente, por todas as
suas qualidades, pode estar à altura das circunstâncias graves e difíceis em que se
encontre chamado a assumir as rédeas do governo espiritual da Igreja e dos seus
Estados997. Cabendo ao embaixador a única tarefa de assegurar que qualquer cardeal
que não tenha as qualidades designadas acima seja removido do papado, e de ajudar,
pelo contrário, com todas as suas forças e por todos os meios honestos e dignos de tal
fim nobre, a exaltação de um ou outro dos cardeais que unem essas qualidades, e
especialmente daquele que parecer a você uni-los no grau mais eminente. Metternich
também recomendou que Apponyi atuasse em conjunto com os embaixadores da Santa
Aliança:mas gosto de pensar que não precisamos de temer que as coisas tomem um
rumo tão infeliz, especialmente se as Coroas concordarem em instruir os seus
respectivos plenipotenciários para se consultarem uns aos outros, a fim de impedir,
através da exclusão indireta, a eleição de qualquer candidato que, segundo o seu
julgamento comum, não tenha as qualidades necessárias para ser papa998.

996
Todas as referências a seguir foram tiradas do documento de Metternich ao embaixador Anton
Apponyi (METTERNICH, 1881c, p. 57-61).
997
Idem, ibid., p. 59.
998
Idem, ibid., p. 61.

278
Os 49 votantes reuniram-se no conclave em 2 de setembro de 1823,
imediatamente assumindo suas posições como pró e anti-Consalvi. Os cardeais já não se
reuniam como um corpo de aristocratas, como fora durante os séculos XVII e XVIII;
um elemento plebeu já se fazia sentir, com menos formalismo e menos ostentação. O
conclave repetia a fórmula do anterior: os austriaci, que tinham votos suficientes para
impedir qualquer nome, segundo os interesses do imperador Francisco I. Os zelanti
representavam pouco mais da metade do Colégio de Cardeais. Por sua vez, os
moderados eram minoritários, e viam com pouca esperança em fazer um papa: seus
candidatos eram rechaçados pelos dois grupos extremamente conservadores. Um dos
nomes bem cotados era o do cardeal Francesco Castiglioni, também muito próximo do
papa falecido, mas, durante o conclave, descobriu-se que era o candidato de Consalvi,
sendo imediatamente descartado999. Castiglioni, em março de 1829, seria eleito como o
papa Pio VIII.

Durante um impasse entre os zelanti e as ameaças de veto dos austriaci,


chegaram ao concílio as informações de que as sociedades secretas, notadamente o
grupo Carbonari, bastante ativo nos Estados Pontifícios:Estados Pontifícios1000,
estariam preparando um levante, aproveitando a vacância na Santa Sé. A notícia, cuja
origem não foi informada, uniu as facções conservadoras e amedrontou os moderados;
considerou-se que um conclave prolongado poderia colocar em risco a segurança da
Igreja em Roma. O cardeal Antonio Gabriele Severoli (1757–1824), um dos zelanti, e
nomeado por Pio VII em março de 1816, teve sua candidatura vetada pelo imperador

999
A descoberta ocorreu de forma um tanto curiosa: o cardeal zelante Antonio Pallotta (1770–1834), que
chegara ao cardinalato poucos meses antes da morte de Pio VII, ao contar os votos, reconheceu a
caligrafia de Consalvi em uma cédula com o nome de Castiglioni, denunciando-o ao restante do conclave
e anulando as chances do cardeal (PIRIE, 1936, p. 306; BAUMGARTEN, 2003, 187).
1000
O grupo clandestino Carbonari surgira durante as guerras napoleônicas, e seu principal objetivo era
derrotar os governos autocráticos nos reinos italianos, estabelecendo um único e centralizado governo
constitucional. Os carbonari defendiam o fim dos Estados Pontifícios e a unificação da Itália. Muito
numerosos no Reino de Nápoles, tentaram rebeliões fracassadas em 1820 e 1821. Em setembro de 1821, o
papa Pio VII publicou a bula Ecclesiam a Jesu (igreja de Jesus), condenando expressamente o Carbonari
como uma sociedade secreta maçônica, e excomungando seus membros. Em 1830 e 1831 tentaram
promover levantes nos Estados Pontifícios, que foram esmagados por tropas austríacas e francesas, o que,
de certa forma, representou o fim da capacidade de organização do grupo (REINERMAN, 1968, p. 55-69;
HALES, 1954, p. 24).

279
Francisco I, exercendo o jus exclusivae1001. Em seguida os conservadores apresentaram
o nome do cardeal Annibale della Genga, também um zelanti, nomeado em março 1816,
que foi eleito papa em 28 de setembro de 1823, sob o nome de Leão XII, com
exatamente os dois terços exigidos, a menor margem de vitória em 400 anos. Durante
todo o seu pontificado, entre 1823 e 1829, esteve doente, afastando-se de suas funções
diversas vezes1002.

O papa Leão XII foi rápido em vingar as injúrias sofridas pelo cardeal Della
Genga; uma de suas primeiras medidas foi demitir o cardeal Consalvi, que o havia
dispensado do serviço diplomático papal durante as negociações do Congresso de
Viena, quando ainda era o arcebispo Annibale della Genga. Consalvi o considerava
demasiadamente arcaico por defender um regime mais forte e conservador para os
Estados Pontifícios1003. O papa foi apoiado pelos conservadores, que consideravam o
trabalho do cardeal uma espécie de jacobinismo filosófico1004; contudo, a medida
desagradou aos clérigos moderados, levando-os à clandestinidade e a uma aproximação
com as sociedades secretas, que estavam em franco crescimento, especialmente o grupo
Carbonari1005. O espírito de moderação controlada que prevalecia sob a atuação de
Consalvi foi substituído por um estado policial puritano, que buscava governar a vida
diária por meio da espionagem, que perseguiu e reprimiu os movimentos nacionalistas
italianos com métodos brutais1006. Para tanto, contou com os trabalhos de Tommaso
Bernetti (1779–1852), sobrinho do cardeal Cesare Brancadoro (1755–1837), que exercia
as funções de governador de Roma, mesmo não sendo ordenado; tornado cardeal em
1826, passou a responder pela Congregação para os Militares1007. Bernetti foi o primeiro

1001
Jus exclusivae (direito de exclusão), também conhecido como veto papal, era um direito reivindicado
por monarcas católicos da Europa – França, Espanha, Sacro Império Romano-Germânico e depois a
Áustria – de vetar um candidato ao papado. Era exercido por intermédio de um cardeal especificamente
designado para isso. O direito nunca foi formalmente reconhecido, nem proibido; algumas bulas papais
apenas ordenaram que os cardeais não elegessem um papa sem deferência ao poder secular. O jus
exclusivae só foi oficialmente proibido pela constituição apostólica In hac sublimi em agosto de 1871,
pelo papa Pio IX (SÄGMÜLLER, 1909, s.p.).
1002
PIRIE, 1936, p. 307.
1003
DUFFY, 2014, p. 278.
1004
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 101.
1005
GILLEEY; STANLEY, 2006, p. 15.
1006
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 103.
1007
CHAMBERS, 2006, p. 182-183.

280
chefe de polícia do Estado papal restaurado, e o responsável pela repressão policial,
atividade que atingiria o apogeu durante o papado de Gregório XVI (1831–1846)1008.
Para a luta contra as sociedades secretas foram chamados os jesuítas; como
compensação pela perda de propriedades confiscadas por seus antecessores, ele
concedeu à Companhia de Jesus importantes doações e vários edifícios em Roma, entre
outros o Colégio Romano e a Igreja de Santo Inácio; também lhes deu incentivos e
facilidade para prosseguir seus projetos educacionais, sendo que detinham o monopólio
das mensalidades escolares nos Estados Pontifícios1009.

Os antigos atritos entre os cardeais Consalvi e Annibale della Genga, agora


papa Leão XII, sintetizavam uma divisão na cúpula da igreja romana. Em um lado
estavam aqueles que foram chamados de forma depreciativa de liberali, minoritários,
que desejavam usar principalmente relações e meios políticos para construir a
restauração católica, convencidos de que a realidade assim o exigia. Para o grupo, seria
vantajoso manter-se aberto a algumas das tendências modernas, desde que não viessem
a comprometer a fé e a devoção. A aceitação de algumas imposições políticas durante o
Congresso de Viena1010, para o grupo, representava uma postura cautelosa buscando
manter boas relações com os governos laicos vitoriosos; desejavam estabelecer uma
cooperação mais estreita entre os príncipes e as autoridades eclesiásticas, mantendo
assim os governantes próximos e subordinados à fé católica1011.

Na posição oposta encontravam-se os conservadores, que representavam a


grande maioria dos cardeais, absolutamente hostis ao Iluminismo e às instituições
modernas. Defendiam o absolutismo político e o catolicismo oficializado como religião
de Estado, mas, ao mesmo tempo, queriam uma Igreja livre de qualquer influência

1008
CHADWICK, 1998, p. 9.
1009
PIRIE, 1936, p. 308.
1010
Consalvi teria exercido as funções de cardeal secretário de estado aberto às mudanças ocorridas no
último quarto de século na Europa, disposto a aceitar a perda de muitas formas concretas do Antigo
Regime e a reconhecer a utilidade de uma separação clara entre as esferas de interesse eclesiástica e
secular (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 92).
1011
Idem, ibid., p. 90.

281
governamental e sem interferência no exercício de sua doutrina e de sua missão
apostólica. Boa parte do grupo era mais velha, com muitos de seus representantes tendo
sofrido consequências da agitação revolucionária. Estavam amarrados aos antigos
costumes e privilégios, e confiavam mais no poder e na força do que nas admoestações
e no pacífico poder da clemência e da tolerância1012. Para eles, o espírito liberal era
uma continuidade dos princípios, heréticos, da Reforma Protestante. Desejavam moldar
a sociedade pelo poder eclesiástico, que fora dado diretamente por Deus e superior ao
poder dos príncipes, mesmo aqueles católicos. Intransigentes, consideravam os
moderados, também chamados de maçons, traidores da religião, não hesitando em
advogar o uso de instituições leigas, da imprensa católica, de instrumentos de força,
inclusive policiais para a restauração de uma sociedade plenamente cristã1013. Leão XII
fez uma clara opção pelo grupo mais conservador ao escolher o cardeal Giulio Maria
della Somaglia (1744–1830) como seu secretário de estado; o decano do Colégio dos
Cardeais, um homem do século XVIII, intransigente contra qualquer reforma, vivera
intensamente as mazelas da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas, fora preso
algumas vezes e em duas ocasiões tivera de fugir de Roma1014. O papa também era
muito próximo e influenciado pelo cardeal Pacca, com quem mantinha longa amizade.
Formado em escola jesuítica, o cardeal fora núncio apostólico em Colônia, na Renânia,
posto que teve de abandonar em razão dos atritos com os religiosos ligados ao
febronianismo. Também fora núncio em Paris quando da morte de Luís XVI, à qual
assistiu; opusera-se à Concordata de 1801, mantendo um contato com os bispos do
Antigo Regime que recusaram a submissão a ela. Em 1809 fora levado preso para a
França juntamente com o papa Pio VII, podendo voltar para Roma somente após a
queda de Napoleão. Participou do Congresso de Viena como procurador de estado, mas
foi afastado por Consalvi, quando este passou a comandar as negociações; Pacca
defendia uma política de restauração da antiga ordem centrada no papado, e não nos
governos, ao contrário do que estava construindo Metternich com a Santa Aliança1015.

1012
Idem, ibid.
1013
Idem, ibid., p. 90-91.
1014
Idem, ibid., p. 96; CASEY, 2003, v. 4, p. 632.
1015
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 97; LEFLON, 2003, v. 10, p. 739.

282
Também influente era o padre Gioacchino Ventura, barão de Raulica (1792–
1861), que impressionara o futuro papa Leão XII com a oração fúnebre de Pio VII, um
herói cristão, que no início do século XIX, reparou as perdas, e vingou os ultrajes que o
cristianismo sofreu no século XVIII [e] com sua mansidão expandiu muito o império, e
aumentou singularmente a glória1016. Ventura era jesuíta e posteriormente entrou para a
ordem dos Clérigos Regulares da Divina Providência, mais conhecida como Teatinos ou
Caetanos, chegando a ser seu superior. Admirador do pensamento católico reacionário e
contrarrevolucionário, traduziu para o italiano obras de Bonald, Maistre e Lamennais,
com quem mantinha correspondência frequente, e de quem se distanciaria após as
punições impostas pelo papa Gregório XVI. Mais tarde, Ventura também se tornaria
amigo e conselheiro de Pio IX.

Os primeiros textos de Lamennais também foram muito bem recomendados


a Leão XII. Seus livros foram apresentados ao novo papa pelo cardeal Giulio Somaglia,
que exaltava a sua importância para a religião no momento da restauração do poder da
Igreja; Lamennais era relativamente jovem, defensor do papado, religioso e escrevia
bem. Em um despacho, em 1º de junho de 1824, escreveu o cardeal: Vossa Eminência
não ignora os famosos escritos deste senhor abade e os seus sentimentos de devoção à
Santa Sé, cuja autoridade defende com vigor, com um talento que o coloca entre os
escritores mais poderosos. Por [ter] condições de prestar cada dia um serviço maior à
religião católica, ele merece consideração, estima e deferência1017. Quando chegou a
Roma ao fim de junho, sua reputação, como um ardoroso defensor do papado, o
precedera; a boa recepção recebida nos três encontros com Leão XII demonstrou seu
prestígio1018.

Leão XII suspendeu a cautelosa laicização da administração das duas


últimas décadas, passando a governar com métodos policiais e fortalecimento da

1016
VENTURA DE RAULICA, 1824, p. 7.
1017
DUDON, 1911, p. 26.
1018
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 98.

283
Inquisição Romana1019, também dirigida pelo cardeal Giulio Somaglia, restaurando a
marca da infâmia, com a obrigação do uso do sambenito1020 por todos que fossem
punidos de alguma forma pela Inquisição. Buscando impor um modo de vida mais
rígido nos Estados Pontifícios, tornou-se impopular obrigando os súditos a observarem
infindáveis regras e regulamentos relativos a assuntos públicos e privados1021. Opôs-se à
introdução das ferrovias e da iluminação a gás nos territórios da Igreja, proibiu a valsa e
determinou a prisão daqueles que não respeitassem o domingo, assim como para quem
gritasse ou vaiasse nos teatros; proibiu a vacinação contra a varíola. Proibiu que as
costureiras fizessem vestidos curtos ou transparentes; a punição poderia ser a
excomunhão. As mulheres foram proibidas de ter bens, devendo vendê-los ou doá-los.
Foi instituído um sistema de denúncias anônimas. Segundo o pensamento conservador
da cúpula da Igreja, mesmo as inovações inocentes poderiam ser muito perigosas:
ferrovias facilitavam a comunicação, e com ela a infiltração de ideias liberais; a
iluminação a gás, por sua vez, permitiria que as pessoas reunissem-se durante a noite,
tramando golpes e revoluções; festas pagãs e corpos expostos abriam caminho para a
licenciosidade1022. Leão XII também exerceu uma política antissemita nos territórios da
Igreja, com a proibição de atividades comerciais entre os católicos e os judeus, que
foram obrigados a voltar a morar nos guetos, cercados por muros que eram fechados
durante a noite, trancados com cadeados1023; os judeus mais ricos foram forçados a
emigrar1024.

Desde o século XVI, os judeus eram os confinados em guetos pelo papado


para limitar o contágio. Em 1555, o papa Paulo IV emitira a bula Cum nimis absurdum
(por ser absurdo), revogando todos os direitos da comunidade judaica e impondo

1019
Idem, ibid., p. 95.
1020
O sambenito era uma peça de vestuário penitencial que era usada especialmente durante a Inquisição
medieval. Era semelhante a um escapulário com cores diferentes para cada tipo de punição. A palavra
teve origem na Espanha, derivada de San Benito.
1021
PIRIE, 1936, p. 308.
1022
MARTINA, 1995, p. 162.
1023
O’MALLEY, 2010a, p. 239. Sob a alegação de que os judeus haviam colaborado com as tropas
napoleônicas durante a invasão da península italiana, durante o papado de Leão XII todas as modestas
medidas de tolerância de seus antecessores com relação aos judeus, nos Estados Pontifícios, foram
canceladas (KERTZER, 1997, p. 18, e-book).

284
restrições religiosas e econômicas aos judeus nos Estados Pontifícios. A bula renovou a
legislação antijudaica já existente, sujeitando os judeus à degradação da vida e à
restrição da liberdade pessoal: criou o gueto em Roma e nas principais cidades dos
estados, exigindo que toda a comunidade passasse a morar neles; foram obrigados a
usar roupas e chapéus amarelos que os diferenciassem e a assistir aos sermões católicos
obrigatórios durante o shabbat judaico; foi proibido que tivessem empregados cristãos,
assim como manter propriedades em seus nomes; também estavam proibidos de
trabalhar aos domingos; somente poderiam comunicar-se em latim ou italiano, e as
únicas atividades permitidas eram os trabalhos não qualificados, como vendedores de
tecidos de segunda mão, peixeiros e prestamistas de penhores; a nenhum cristão era
permitido frequentar suas casas, e todos os atos de tolerância, promulgados por atos
anteriores da Igreja, ficavam revogados1025. Restritos aos guetos, desenvolveram uma
vida comunitária isolada, com suas próprias instituições, com seus ritos, sinagogas,
rabinos e líderes1026.

Um novo código foi elaborado por uma comissão encabeçada por Belisario
Cristaldi (1764–1831), que em 1826 se tornaria cardeal; a nova lei penal aboliu os
tribunais civis, permitindo a execução sumária dos ladrões1027. A encíclica Ubi primum
(1824)1028 e a constituição apostólica Quo graviora (1826)1029 atacaram as reformas

1024
Sobre o antissemitismo da Igreja Católica, ver KERTZER, David I. The popes against the jews: the
Vatican’s role in the rise of modern anti-semitism, 1997.
1025
PAULO IV, bula Cum nimis absurdum (1555). O nome reproduzia a primeira frase da bula: Por ser
absurdo, sem sentido e impróprio estar em uma situação em que a piedade cristã permite aos judeus
(cuja culpa – tudo por sua própria culpa – os condenou à escravidão eterna) acesso à nossa sociedade e
até mesmo viver entre nós; na verdade, carecem de gratidão para com os cristãos, pois, em vez de
agradecimento pelo tratamento cortês, voltam a invectivas, e entre si, em vez da escravidão que
merecem, conseguem reivindicar a superioridade... Em 1586, a bula Hebraeorum gens sola, do papa Pio
V, restringiu os judeus nos Estados Pontifícios a Roma e Ancona; todos os outros deveriam deixar as
cidades, levando tudo, inclusive os ossos de seus ancestrais que estivessem enterrados (KERTZER, 1997,
p. 17, e-book).
1026
Idem, Ibid, p. 10.
1027
DUFFY, 2014, p. 278-279.
1028
Uma certa seita [...] arrogou injustamente para si mesma o nome de filosofia, e despertou das cinzas
as fileiras desordenadas de praticamente todos os erros. Sob a suave aparência de piedade e
liberalidade, esta seita professa o que eles chamam de tolerância ou indiferentismo [...] Mas uma
tolerância que se estende ao Deísmo e ao Naturalismo, que até mesmo os antigos hereges rejeitaram, ela
[a seita] trabalha por todos os meios para que a Bíblia sagrada seja traduzida, ou melhor, mal traduzida,
para as línguas comuns de cada nação [...] uma interpretação distorcida do evangelho de Cristo [...] um

285
liberais e as sociedades secretas em geral, e a maçonaria em particular, que foram
equiparadas ao galicanismo, ao josefismo e ao indiferentismo1030, erros nascidos da
tolerância religiosa e do liberalismo. As sociedades bíblicas também foram atacadas por
Pio VII, cujas origens protestantes indicavam que espalhariam o indiferentismo1031. Por
meio da concessão de indulgências, estimulou-se a formação de confrarias católicas, a
realização de procissões, peregrinações e festas em homenagem à Virgem Maria1032.

Durante o pontificado de Leão XII o ensino passou a ser regulado pela bula
Quod divina sapientia – sabedoria divina – (1824), que reorganizou toda a educação
pública nos Estados Pontifícios, submetendo-a à supervisão eclesiástica. A autonomia
das antigas universidades – Bolonha, Roma, Ferrara, Perugia, Camerino, Macerata e
Fermo – foi abolida, racionalizando as suas hierarquias, colocando-as sob a supervisão
imediata da Igreja. Toda educação passou a ser submetida a um rígido controle
teológico de uma congregação especial para a supervisão dos estudos em todos os
Estados Pontifícios, a Congregação dos Estudos, em uma espécie de “ministério da
educação”, com a prerrogativa de selecionar professores para preencher as cátedras

evangelho dos homens, ou o que é pior, um evangelho do diabo! (LEÃO XII, encíclica Ubi primum,
1824).
1029
Nossos predecessores [...] têm sido solícitos em restringir e abolindo totalmente as seitas que
ameaçam a ruína completa da Igreja [...] que tramavam maliciosamente contra Cristo; [...] julgamos ser
o caráter de nosso ofício condenar novamente essas seitas clandestinas [...] ordenamos estritamente, e
em virtude da Santa Obediência, todo e qualquer fiel de Cristo [...] não pode ousar ou presumir aderir ou
propagar, ou promover, as sociedades mencionadas acima [...] ousar ou presumir exortar, induzir,
provocar ou persuadir outros a se inscrever, ser contado como parte ou estar entre sociedades desse tipo
[...] ajudá-los e apoiá-los, de qualquer forma (LEÃO XII, constituição apostólica Quo graviora, 1826).
1030
Indiferentismo é um sistema doutrinário o qual defende que todas as opiniões filosóficas, religiões e
doutrinas éticas são igualmente verdadeiras e valiosas. Por conseguinte, nenhuma religião contém uma
verdade absoluta. Difere: da tolerância religiosa, na qual uma religião pode ser considerada falsa; também
se distingue da irreligião, que considera todas as religiões como falsas e erradas; da liberdade de
consciência religiosa, segundo a qual o Estado deve abster-se de julgamentos sobre qualquer forma de
culto, e da neutralidade religiosa, na qual o Estado não se envolve em controvérsias religiosas. Da mesma
forma, se distingue da indiferença religiosa, que é a negligência perante a prática religiosa, e do
sincretismo, ou a fusão de vários credos (MCMAHON, 2003, v. 7, p. 421).
1031
Algumas sociedades bíblicas haviam sido criadas ao longo dos séculos XVI e XVIII, inclusive na
França, a Société Biblique Française, instituída em 1792, que chegou ao fim em 1803. Contudo, o
empreendimento de maior sucesso foi a British and Foreign Bible Society, fundada em Londres em 1804,
que rapidamente conseguiu expandir suas atividades pelo norte da Europa. Na Rússia a sociedade foi
apoiada e financiada pelo czar Nicolau I, que estimulou a criação de uma similar na Polônia, e a edição de
bíblias em todas as línguas do império (BOUDOU, 1922, p. 105-109). A primeira sociedade bíblica
católica foi fundada em 1805 em Regensburg, na Bavária (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 91).
1032
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 92.

286
universitárias, assim como aprovar, corrigir ou rejeitar os currículos das faculdades1033.
A supervisão eclesiástica do ensino durou até a unificação italiana em 1860 e a tomada
dos Estados Pontifícios. A bula também restituiu aos jesuítas a Pontificia Università
Gregoriana, que haviam perdido em 1773, por decisão do papa Clemente XIV1034.

Para o pensamento católico conservador, a sociedade deveria estar


organizada de forma estritamente hierárquica, na qual a educação poderia desestabilizar
essa organização de forma subversiva. O ensino deveria ser acessível apenas a um
pequeno círculo de privilegiados, que seriam os futuros dirigentes, em quem a
população trabalhadora deveria confiar de forma resignada e paciente. Qualquer esforço
para expandir a educação e a cultura eram vistos com desconfiança. Nos Estados
Pontifícios havia pesadas suspeitas até mesmo contra os jardins de infância para
crianças pobres, criados pelo também padre Ferrante Aporti (1791–1858) em 1827, em
Cremona, na Lombardia. Tanto os jardins de infância quanto as creches estiveram
proibidas nos territórios da Igreja até a década de 1850, mas para as mulheres a
educação permaneceu totalmente vetada1035.

O rigor do papa Leão XII criou inúmeras situações diplomáticas


embaraçosas a vários ministérios dos negócios estrangeiros europeus, uma vez que não
aceitava ninguém que não declarasse uma rigorosa ortodoxia. Por exemplo, o escritor
visconde de Chateaubriand (1768–1848) viveu uma situação constrangedora ao ser
indicado para a embaixada francesa em Roma, sendo submetido a um severo
interrogatório pelo núncio apostólico em Paris antes de receber suas credenciais; além
disso, foi obrigado a assinar um termo declarando a autoridade da Igreja de Roma e do
papa. O curioso é que ele, em 1802, havia escrito o romance Génie du christianisme,
uma firme defesa da fé católica, pregando a sabedoria e a beleza do cristianismo contra
o Iluminismo e a revolução. O conde Blacas d’Aulps, principal assessor do rei Carlos X,

1033
WISEMAN, 1859, p. 158.
1034
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 102-103.
1035
MARTINA, 1995, p. 163.

287
teria dito que Chateaubriand havia fundado uma seita à qual teria de provar
pertencer1036.

Durante seus pouco mais de cinco anos de pontificado, Leão XII oscilou
entre duas posições conservadoras. Em um primeiro momento submeteu-se totalmente
aos radicais do cardinalato, que estavam convencidos de que, após a decadência
irrevogável das estruturas políticas e sociais do Antigo Regime, a Igreja deveria usar
prestígio intelectual e espiritual para influenciar as novas classes dirigentes, em vez de
buscar o apoio dos príncipes católicos. O grupo estava convencido de que o papado
deveria assumir a restauração religiosa e social da Europa apresentando-se como único
representante espiritual. Apenas ao fim da vida Leão XII cedeu àqueles que defendiam
uma postura mais política e negociada ao lado dos chanceleres conservadores
Metternich (1773–1859), da Áustria, conde Villèle (1773–1854), da França, e Karl
Robert Reichsgraf (1773–1854), da Rússia. A aproximação de pouca duração retomou
em parte a política de Consalvi de colaboração da Santa Sé com os poderes
conservadores para a construção de uma frente comum contra a ascensão do
liberalismo1037. Faleceu em 1829, desprezado pelo povo romano, que não tinha em alta
conta suas tentativas de reforma moral da vida, desprezado pelos liberais que o
chamavam de tirano, em dívida com a Santa Aliança, e não perdoado pelos fanáticos
desapontados por ele afastar-se do conservadorismo radical1038. Durante seu
pontificado o papa Leão XII converteu em uma política de Estado os ressentimentos
contrários à revolução, a reação às tendências modernizantes e liberalizantes, a
resistência contra os avanços da economia. Essa política se aprofundaria com seus
sucessores.

O papa Leão XII fez 25 novos cardeais em oito consistórios ao longo do


pontificado; além disso, deixou dez cadeiras vagas ao morrer em 10 de fevereiro de
1829. Dos novos cardeais, 15 eram nascidos na península italiana; quatro eram

1036
PIRIE, 1936, p. 309.
1037
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 96-97.

288
franceses, três espanhóis, dois austríacos e um português. Vinte deles eram
descendentes de famílias nobres, sendo que três eram filhos de príncipes – Gustave
Croy (1773–1844), Giacomo Giustiniani (1769–1843) e Benedetto Barberini (1788–
1863); três eram filhos de comerciantes, um de militar, e apenas um era proveniente das
camadas populares: Patrício da Silva (1756–1840), filho de uma família de modestos
agricultores do interior de Portugal. O maior número de nomeações ocorreu em 1826,
quando foram nomeados 12 cardeais. O mais velho foi o cardeal Bonaventura Gazzola
(1744–1832), nomeado em 1827, com 80 anos, e o mais novo o espanhol Pedro de
Inguanzo y Rivero (1764–1836), com apenas 38 anos. Quinze dos cardeais nomeados
por Leão XII também eram advogados, sendo que dez possuíam doutorado utroque
iure, tanto em Direito Canônico quanto em Direito Civil. Também eram 15 aqueles que
sofreram pessoalmente as mazelas do período revolucionário. Entre eles estava o
cardeal e monge beneditino Mauro Cappellari (1765–1846), que mais tarde viria a ser o
papa Gregório XVI1039; em 1808, com a ocupação francesa de Roma, foi obrigado a
fugir para uma região sob controle austríaco. Giacomo Giustiniani (1769–1843) saiu de
Roma em 1798, e viveu como leigo em várias partes da Europa até 1814, tal como
Giacomo Filippo Fransoni (1775–1856) e Ignazio Nasalli (1750–1831). Giovanni
Antonio (1765–1838) estava na Rússia em 1798 e só pôde voltar a Roma em 1804.
Ludovico Micara (1775–1847) precisou fugir de Roma em 1810, ao recusar-se a realizar
uma celebração em homenagem às vitórias de Napoleão, foi detido e encarcerado;
posteriormente fugiu, mantendo-se clandestino até a restauração. O mesmo ocorreu com
Pietro Caprano (1759–1834), que foi preso em junho de 1812 por recusar-se a fazer o
juramento de lealdade à França. Joachim-Jean-Xavier d’Isoard (1766–1839)
permaneceu exilado por vários anos; em 1809, foi preso juntamente com o papa Pio VII
e levado à França. Gustave Croy e Jean-Baptiste de Latil (1761–1839), em 1791,
recusaram-se a jurar lealdade à Constitution Civile du Clergé, e precisaram exilar-se;
Croy foi para Viena, e não voltou à França até 1819. Leão XII também elevou ao
cardinalato Tommaso Bernetti, que já exercia as funções de governador de Roma,
contra o conselho do cardeal Ercole Consalvi, além de responder pela Congregação para
os Militares; antes de sua nomeação, o futuro cardeal já havia realizado, a mando do

1038
Idem, ibid., p. 97.
1039
Seu nome de batismo era Bartolomeo Cappellari, tendo adotado Mauro como seu nome religioso, ao
entrar para a congregação beneditina.

289
papa, várias missões em Viena e em São Petersburgo, cujos objetivos nunca foram
revelados1040. O novo cardeal mantinha hostilidade resoluta aos regimes políticos
liberais e a convicção de que a única esperança para a continuação dos Estados papais
repousava em uma política conservadora1041.

3.3. Pio VIII

Treze dias após a morte do papa Leão XII, 39 eleitores, outros 12 chegariam
posteriormente, reuniram-se no novo conclave: 30 italianos e 9 de outras nações – 6
franceses, 2 espanhóis e 1 austríaco –, divididos em três grupos: moderados, zelanti e
ultraconservadores1042. Estes, mesmo sendo a maioria, estavam enfraquecidos em seu
prestígio pela impopularidade do papa Leão XII. Os zelanti também careciam da
unidade, uma vez que a união do último conclave nascera de sua inimizade comum por
Consalvi. Já os moderados eram liderados pelo cardeal Albani(1750–1834), apesar de
este sabidamente ser representante dos interesses do imperador Francisco I na eleição, e
amigo de Metternich1043. Quando da invasão francesa na península, em fevereiro de
1798, Albani havia sido expropriado de todos os seus bens, e desde então recebia uma
pensão do governo austríaco1044. Os ultraconservadores apoiavam o nome de
Emmanuele de Gregorio, elevado ao cardinalato pelo papa Pio II, no consistório de
março de 1816; ele era nobre e detestava qualquer sinal da revolução, tendo sido levado
preso para a França duas vezes, juntamente com Pio VI, e posteriormente com Pio VII.

1040
MIRANDA, 2021, s.p.
1041
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 267.
1042
O Sagrado Colégio era composto por 58 cardeais, mas nem todos comparecerem, ou chegaram a
tempo de sua abertura (MONTOR, 1844, p. 37).
1043
O cardeal Albani somente chegou ao conclave no dia 3 de março, porque estivera esperando a
chegada das ordens e instruções de Viena (idem, ibid.).
1044
Idem, ibid., p. 21.

290
O cardeal Albani mostrou-se o mais ativo do conclave, trabalhando
intensamente para evitar a eleição de um candidato apoiado pela França1045. Após um
mês sem um consenso, Albani propôs o nome de Francesco Castiglioni, que já fora
cogitado na eleição anterior. O cardeal, após a ocupação de Roma pelas tropas
francesas, em fevereiro de 1808, recusara-se a prestar juramento de fidelidade e lealdade
a Napoleão, rei da Itália1046; pela desobediência ficou preso, sendo transferido de uma
cidade para outra até sua libertação em 1814. Castiglioni também havia sido elevado ao
cardinalato em 1816 pelo papa Pio VII. Seu nome conseguiu unificar as facções, uma
vez que seu antigo mentor, Consalvi, já estava morto. Os ultraconservadores tinham
resistência a seu nome, mas sabiam que Castiglioni estava muito doente, e que não teria
um longo papado. Castiglioni, eleito por 47 votos, quase unanimidade1047, foi coroado
por Albani em 5 de abril de 1829, tomando o nome de Pio VIII; seu primeiro ato foi
nomear o cardeal como seu secretário de estado1048.

O novo papa manteve os cardeais conservadores em cargos-chave da


burocracia da Santa Sé. O cardeal Pacca foi confirmado em seu cargo na Chancelaria
Apostólica, responsável pelas finanças que iriam manter os exércitos papais, cargo que
acumularia com a Inquisição Romana. Emmanuele de Gregorio foi nomeado para
Penitenciária Apostólica, antes chamada Supremo Tribunal da Penitenciária Apostólica,
e dicastério, outra denominação das congregações papais da cúria responsável pelas
questões relativas ao perdão das punições de religiosos, responsável ainda pela
absolvição de excomunhões, dispensa de impedimentos sacramentais e administração de
indulgências. Giulio Somaglia foi mantido na biblioteca da Santa Sé, vindo a falecer
antes do papa, em abril de 1830.

1045
PIRIE, 1936, p. 311-313.
1046
Reino da Itália foi um Estado criado por Napoleão em 1805 na península italiana. Tinha capital em
Milão e abrangia a Lombardia, Emília-Romagna, Friuli Venezia Giulia, Trentino, Tirol do Sul e Marche.
Napoleão, ao criá-lo, declarou-se rei. O território correspondia à antiga República Cisalpina, criada em
1797 após a expulsão dos austríacos da região pelas tropas francesas.
1047
METTERNICH, 1821c, p. 588. O chanceler comemorou o fato de o novo papa não ser um
carbonário.
1048
MONTOR, 1844, p. 61.

291
O papa Pio VIII esteve pouco tempo no comando do catolicismo: apenas 20
meses, entre 31 de março de 1829 e 1º de dezembro de 1830. Sua encíclica Traditi
humilitati nostrae, em 24 de maio de 1829, estabeleceu o programa para o seu
pontificado, reafirmando o supremo ofício de Roma, e insistindo na luta contra o
jansenismo e o indiferentismo, contra a tradução da Bíblia para o vernáculo1049 e contra
o casamento entre pessoas de religiões deferentes1050. Pio VIII atacou duramente as
sociedades secretas e os grupos extremistas e anticlericais, porque eles esconderam suas
sociedades, eles levantaram suspeitas de suas más intenções. Posteriormente, esta má
intenção irrompe, prestes a atacar as ordens sagradas e civis [...] corrompendo os
jovens educados em ginásios e escolas secundárias1051. A encíclica reafirmou as
condenações feitas pelos seus papas1052, ordenando que as punições fossem mantidas.
De uma forma geral, o papa enfatizou o supremo ofício magisterial de Roma, o que era
questionado no século anterior pelos movimentos das igrejas nacionais – galicanismo na
França, o jansenismo na França e nos Países Baixos, o febronianismo nos territórios
alemães e o josefismo. A reivindicação de Roma como única liderança espiritual da
humanidade era bem recebida entre os clérigos mais jovens, que não haviam vivido os
tempos do Antigo Regime, mas guardavam péssimas lembranças da belicosidade da
Revolução Francesa1053.

As preocupações de Pio VIII estavam centradas nas questões pastorais e na


ortodoxia da Igreja, atacando qualquer coisa que lhe parecesse um ressurgimento do
jansenismo. Era conciliador para as questões secundárias, mas rigoroso naquilo que
entendesse ser os direitos da Igreja1054. Em seu curto pontificado enfrentou duas crises

1049
Opondo-se às traduções da Bíblia, a encíclica dizia: Devemos também ter cuidado com aqueles que
publicam a Bíblia com novas interpretações contrárias às leis da Igreja. Eles distorcem habilmente o
significado com a sua própria interpretação. Imprimem as Bíblias no vernáculo e, absorvendo uma
despesa incrível, oferecem-nas gratuitamente mesmo aos incultos. Além disso, as Bíblias raramente estão
sem pequenas inserções perversas para assegurar que o leitor beba seu veneno letal em vez da água
salvadora da salvação (PIO VIII, encíclica Traditi humilitati nostrae, 1829).
1050
Em 1830, publicou a encíclica Litteris altero abhinc, declarando que um casamento só poderia ser
devidamente abençoado se fosse garantida a educação dos filhos na fé católica.
1051
PIO VIII, encíclica Traditi humilitati, 1829.
1052
Papa Clemente XII, In eminenti (1738); Bento XIV, Providas romanorum (1751); Pio VII, Ecclesiam
a Jesu Christo (1821); Leão XII, Quo graviora, 1826.
1053
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 105.
1054
Idem, ibid., p. 99.

292
de maiores dimensões, que exigiram uma atitude mais enérgica. A primeira foi a
publicação, em janeiro de 1830, das decisões dos governos germânicos da província
eclesiástica da Confederação do Reno, determinando o funcionamento da Igreja na
região.

A província, reunindo os bispados de Fribourg, Mainz, Fulde, Rottenbourg,


Limbourg e Hessen, fora criada em 1821, mas os bispos ainda não haviam sido
estabelecidos1055. A Confederação do Reno surgira em 1805, quando Napoleão impôs
ao imperador Francisco I o Tratado de Pressburg, separando os Estados germânicos da
Áustria. As decisões de 1830, idênticas em todos os reinos, reservavam os privilégios
soberanos na nomeação dos bispos e na organização dos bispados e da formação dos
sacerdotes. Cada Estado deveria exercer sua soberania e seus direitos inalienáveis de
proteção e vigilância sobre a Igreja. Todos os regulamentos, circulares dirigidas ao clero
e aos diocesanos, impondo alguma obrigação, estariam sujeitos à aceitação pelo Estado,
só podendo ser publicados após o seu placet; todas as bulas de Roma também exigiram
a mesma aprovação. Nenhuma disputa eclesiástica católica poderia ser discutida fora da
província, ou perante juízes estrangeiros. Os bispos deveriam, obrigatoriamente, ser
alemães de nascimento e súditos do Estado, e obrigados a fazer um juramento de
obediência, lealdade e fidelidade perante o soberano. Nenhuma autoridade estrangeira
poderia cobrar qualquer imposto ou taxa sobre o clero local. A aprovação de alunos nos
seminários seria fiscalizada pelas autoridades do Estado. Por fim, nenhum eclesiástico
poderia aceitar dignidade, pensão, medalhas ou títulos honoríficos de governo
estrangeiro, sem consentimento oficial1056. Em 30 de junho, o papa Pio VIII publicou a
carta apostólica Ad Eepiscopos Provinciae Ecclesiasticae Superioris Rheni (para a
província episcopal do Alto Reno), com duras críticas à intervenção do Estado nos
assuntos da Igreja, e pedindo a retratação dos governos1057. Os protestos papais tiveram
algum sucesso apenas em Hessen, onde os regulamentos foram mantidos, mas aplicados

1055
MONTOR, 1844, p. 153-154; JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 139.
1056
WALTER, 1862, p. 340-345.
1057
Idem, ibid., p. 345-348.

293
com menos rigor1058. A segunda crise ocorreu com a Revolução de 1830, que obteve
respostas dúbias do papa.

A Revolução de 1830 eclodiu entre os dias 27 e 29 de julho, os Trois


Glorieuses; França via-se mais uma vez sacudida por um levante:França popular. Após
um longo período de crises e tensões1059, o levante eclodiu após o rei Carlos X decidir
pelo fechamento da Câmara de Deputados, controlada por liberais depois de um longo
período comandado pelos ultras, convocando novas eleições para 19 de julho, quando
os liberais novamente obtiveram maioria. O rei manteve seu primeiro-ministro
ultraconservador, então minoritário, e, seis dias depois, no dia 25, publicou uma série de
portarias, Les Ordonnances de Saint-Cloud1060, que visavam garantir a volta dos ultras
ao poder. Após três dias de levante, Carlos X recebeu exílio na Áustria. Para o trono
vago os parlamentares indicaram Luís Filipe I, da Casa de Orléans, o ramo mais jovem
da Casa de Bourbon, pondo fim à dinastia. O novo monarca foi proclamado rei dos
franceses, roi des français, e não mais rei da França, roi de France. O rei consolidou
seu poder, afastando as ameaças republicanas, com a promulgação de uma nova
Constituição, que desagradou a republicanos, socialistas e ultraconservadores.

Metternich, a partir de Frankfurt, escreveu uma série de relatórios para


Francisco I sobre a situação na França. Em um dos primeiros, em 1º de agosto, afirmou
que o rei Carlos X teria, de certa forma, provocado a revolução, uma vez que desafiou
os liberais com suas medidas, sem ter avaliado corretamente sua força1061. Em um
documento de 5 de agosto, o chanceler reconheceu a vitória da revolução, e demonstrou

1058
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 139.
1059
As tensões entre o rei Carlos X e parte significativa dos setores liberais franceses caminharam em
uma tensão crescente durante o longo governo ultraconsevador do primeiro-ministro Joseph de Villèle,
entre 1821 e 1828, que foram agravadas pelas medidas antiliberais de seus sucessores, visconde de
Martignac (1778–1832), entre janeiro de 1828 e agosto de 1829, e conde de Polignac (1780–1847), entre
agosto de 1829 e julho de 1830.
1060
Carlos X suspendeu a liberdade de imprensa, tornando todas as publicações sujeitas à autorização do
governo; dissolveu novamente a Câmara de Deputados, que ainda não havia se reunido; reduziu o número
de deputados em 40%, dificultando a participação política da burguesia comercial ou industrial, e, por
último, nomeou conselheiros estaduais ligados à aristocracia.
1061
METTERNICH, 1882, p. 12.

294
seus temores: Que influência a catástrofe do dia deve ter no futuro próximo e mesmo
em um futuro mais distante? Um lado para o qual devemos dirigir nossos olhos sem
demora é o lado italiano. É a Itália que as conspirações revolucionárias buscarão
certamente ganhar1062.

O levante de Paris também teve consequências no restante da Europa,


provocando uma série de movimentos nacionalistas e liberais nos Estados alemães, na
Bélgica, em várias regiões da península italiana e entre os tchecos e poloneses vivendo
sob o império russo. A Revolução de 1830 permitiu a independência da Bélgica,
católica, com relação aos Países Baixos, protestantes, aos quais estava vinculada desde
o Congresso de Viena em 18151063. A revolução provocou uma divisão nas igrejas
locais. Religiosos de regiões controladas por forças estrangeiras incorporaram o
discurso nacionalista, como Paul Cullen, arcebispo de Dublin, apoiando os movimentos
de emancipação.

Desconsiderando os conselhos da maioria da cúpula da Igreja, Pio VIII, de


forma quase imediata, reconheceu Luís Filipe I como rei dos franceses, mas mostrou-se
hostil aos movimentos de emancipação nacional que eclodiram na Bélgica, Polônia e
Irlanda1064, mesmo esses levantes tendo o catolicismo como uma de suas causas nesses
países. Contudo, o clima revolucionário na península italiana e a agitação dos carbonari
não permitia que o papa apoiasse uma rebelião e desautorizasse outra: os fundamentos
liberais e nacionalistas eram os mesmos1065. Os levantes nos Estados Pontifícios:Estados
Pontifícios foram subjugados por tropas austríacas a pedido do cardeal Albani1066, a
quem cabiam as questões políticas. Na Polônia a supressão da revolução coube às tropas

1062
Idem, ibid., p. 15.
1063
Para mais detalhes sobre a Revolução de 1830, sua cronologia, causas e consequências, ver
RIBALLIER, 1830, 1911; PILBEAM, The French Revolution of 1830, 1991; e POPKIN, Press,
revolution, and social identities in France, 1830-1835, 2002.
1064
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 99.
1065
HALES, 1960, p. 89.
1066
PIRIE, 1936, p. 315.

295
russas. A Santa Aliança, na prática, tornara-se a repressora da Europa e a fiadora da
política da Santa Sé em seus Estados1067.

O reinado de Pio VIII foi muito curto, para ter muito impacto na política
papal; indicou apenas seis cardeais, quatro italianos, um francês e um britânico, que
também não tiveram papel marcante na política da Igreja, uma vez que todos morreram
até 1837. O mais novo deles, o duque Louis-François de Rohan Chabot (1788–1833)
morreu antes de completar 45 anos. Ele representou um novo perfil no cardinalato: era
funcionário civil do governo francês, tendo, inclusive, prestado serviços ao imperador
Napoleão. Com a restauração, em 1814, passou a servir ao governo dos Bourbons,
precisando fugir da França quando da eclosão da Revolução de 1830. Thomas Weld
(1773–1837) foi o primeiro inglês nomeado cardeal em mais de 80 anos, o último fora
Henry Benedict Stuart (1725–1807), neto do rei Jaime II em 1749. Weld, filho de uma
rica família de proprietários de terras, dera asilo a religiosos franceses que fugiram da
revolução a partir de 1789. Sua indicação era uma reverência à Igreja Católica britânica,
depois da sua emancipação por meio da Roman Catholic Relief Act, de 18291068. No
conclave seguinte ele chegou a receber alguns votos, o único não italiano a consegui-lo.

3.4. Gregório XVI

O conclave para a sucessão do papa Pio VIII ocorreu durante mais um dos
pontos de inflexão da política e do pensamento do século XIX: a Revolução de 1830. O
levante de julho na França:de 1830 representou uma vitória das classes médias e do
sistema parlamentarista, em claro embate contra as tentativas de restaurar o Antigo
Regime. Os ideais de liberdade, justiça, nacionalismo haviam sido represados com a

1067
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 100.
1068
MIRANDA, 2021, s.p.

296
restauração de 1814 e 1815, mas não foram superados. Havia uma nova geração, que
nunca havia conhecido o mundo do século XIX, que escrevia, dava aulas, fazia política,
vivia em cidades, sem nenhum compromisso com o passado. O liberalismo e o
socialismo eram ideais vivos e presentes. A reação em cadeia, com a exportação da
agitação revolucionária para Bélgica, Polônia, Irlanda, Piemonte, Parma, Modena e os
Estados Pontifícios deixou claro que as aspirações não eram superficiais, e muito menos
localizadas. A repressão comandada por tropas austríacas, russas e inglesas, que se
seguiu às revoluções, apenas conseguiu abafar temporariamente um anseio que se
generalizava, e que iria explodir em 1848 com muito mais força1069.

Após o Congresso de Viena a Áustria voltara a dominar toda a região da


Lombardia e do Vêneto, controlando todo o norte da península italiana. Assim, a
escolha do soberano para os Estados Pontifícios era vital para o imperador Francisco I,
especialmente em um momento de grande agitação nacionalista e revolucionária nos
territórios italianos. O cardeal Albani, como secretário de estado do Pio VIII, mostrara-
se extremamente leal a Metternich, e esperava-se que novamente tivesse um papel
marcante no novo conclave. Mas essa confiança não se reproduzia entre o cardinalato.
Durante os seus 20 meses de poder como secretário de estado Albani havia se tornado
muito impopular. Os cardeais italianos e aqueles ligados aos governos dos Bourbons, da
Espanha e do Reino da Sicília, não aceitaram a rapidez com que Roma reconheceu o
novo rei francês, Luís Filipe I, após a derrubada de Carlos X pela Revolução de 1830.
Para boa parte do cardinalato, Carlos X era um amigo da Igreja; apesar de ter mantido
intacta a Concordata de 1801, após a restauração o governo fora generoso com o
catolicismo, que foi declarado como religião oficial, descrito na Constituição de 1814
como religião do Estado1070; o divórcio fora revogado no Código Civil Napoleônico; o
descanso de domingo voltou a ser obrigatório; foram aumentadas as dioceses, e a Igreja
passou a ser responsável por parte da educação, que permitiu o fortalecimento dos
seminários inferiores, que recebiam os alunos das camadas populares1071. No conclave,

1069
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 261.
1070
Constituição da França de 1814, artigo 6º.
1071
WOODWARD, 1963, p. 249.

297
Albani também era repudiado pelos cardeais austríacos, liderados por Karl Kajetan von
Gaisrück (1769–1846), que se ressentiam de sua proximidade com Metternich1072.

O conclave foi aberto em 14 de dezembro de 1830, inicialmente com a


presença de 34 dos 55 cardeais, que mais uma vez dividiram-se entre os zelanti, ainda
mais radicalizados, comandados por Tommaso Bernetti, e os moderados, controlados
por Albani. Os dois eram experientes por terem servido no governo do papa Pio VIII,
mas representavam ideias muito distintas: o primeiro defendia a centralização,
hierarquização e independência da Igreja perante o poder temporal; queria a volta do
poder imperial do papado e o repúdio a qualquer coisa que pudesse lembrar um
pensamento liberal ou revolucionário1073; por sua vez, Albani insistia na defesa dos
Estados papais por meio de estreita cooperação com a Áustria1074. A reunião do Sagrado
Colégio, cujos membros em sua quase totalidade haviam vivido a hostilidade e
ferocidade da Revolução Francesa, foi aberta com notícias de violência revolucionária
na França, Bélgica e Polônia. Isso fez com que os zelanti obtivessem o apoio de alguns
moderados assustados. Os conservadores queriam a qualquer custo eleger um dos seus.
O primeiro candidato ao trono papal, proposto por Bernetti, foi o cardeal Emmanuele de
Gregorio, que já fora indicado no conclave anterior1075. Ele tinha o perfil correto:
estivera preso com o papa Pio VI em 1798, e fora libertado depois de sua família pagar
um vultoso resgate; em janeiro de 1811 foi preso em Roma e levado para Paris, onde
ficara preso até abril de 1814. Sua candidatura não conseguiu obter a maioria, e Albani,
vendo a impossibilidade de eleger seu favorito, o cardeal Pacca, apresentou o nome de
Giacomo Giustiniani1076. Contudo, o cardeal Juan Francisco Marco y Catalán (1771–
1841), exercendo o jus exclusivae, apresentou o veto do rei Fernando VII, da Espanha,
contra sua eleição. Enquanto servia em terras espanholas, no fim da década de 1810,
Giustiniani estivera envolvido na nomeação de bispos para as novas repúblicas na
América, cuja independência não fora reconhecida pelo governo espanhol. Como havia

1072
PIRIE, 1936, p. 318-319.
1073
Bernetti até era conhecido por falar da queda do poder temporal em um futuro mais ou menos
distante como praticamente inevitável (idem, ibid., p. 319).
1074
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 261.
1075
BAUMGARTEN, 2003, p. 189.
1076
MIRANDA, 2021, s.p.

298
acontecido no passado, os cardeais concordaram em aceitar o veto com base na longa
tradição e na necessidade de acomodar os governantes católicos1077.

Por fim, Bernetti apresentou o nome de Mauro Cappellari, mas muitos


levantavam sua falta de experiência administrativa como impedimento; ele era
beneditino e só saíra do mosteiro para ir a Roma para sua nomeação como cardeal, em
18261078. Mas para os conservadores parecia um bom nome: em 1799, ainda usando seu
nome de batismo, Bartolomeo, publicara o livro Il trionfo della Santa Sede e della
Chiesa contro gli assalti de’ novatori (o triunfo da Santa Sé e da Igreja contra os
assaltos dos inovadores), uma poderosa proclamação da autoridade papal nas esferas
espiritual e temporal1079. A obra, dedicada ao papa Pio VI, que era prisioneiro dos
franceses, era um vigoroso ataque ao febronianismo e ao jansenismo, e à Revolução
Francesa, e foi muito bem recebida nos círculos conservadores do cardinalato1080. O
nome de Cappellari também foi aceito pelos austríacos, como uma forma de enfraquecer
Albani, que não aceitava seu nome1081. Em meados de janeiro de 1830, chegou ao
conclave a notícia de uma revolta em várias regiões dos Estados Pontifícios, e esmagar
a revolta exigiria o uso do exército austríaco. Assim, Cappellari, um conservador que
vinha de uma família nobre do Vêneto, controlada pela Áustria, e que já contava com o
apoio de Metternich, foi eleito no dia 2 de fevereiro1082. Adotou o nome de Gregório
XVI, em uma homenagem a Gregório VII, um dos papas que mais lutaram pelo
primado do papa sobre o poder secular, e já dava sinais de como seria seu papado. A
eleição de Gregório XVI foi festejada por Metternich. Em uma carta para Rudolf von
Lützow (1780–1858), influente embaixador austríaco na Santa Sé, cargo que ocuparia
por 22 anos, o chanceler, em 12 de fevereiro, escreveu: O nome de Capellari estava, no
entanto, na base das nossas esperanças e desejos1083. Mostrou-se muito satisfeito, uma

1077
BAUMGARTEN, 2003, p. 190.
1078
MIRANDA, 2021, s.p.
1079
O’MALLEY, 2010a, p. 240.
1080
BAUMGARTEN, 2003, p. 190. O livro era uma defesa intransigente do papado, segundo o qual toda
a Igreja estava sujeita ao papa, sem admitir nenhuma forma de poder conciliar. O livro foi reeditado após
sua elevação a papa, e traduzido para o francês e o alemão, contribuindo em muito para a disseminação de
ideias ultramontanas entre o clero (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 262 e 330.).
1081
PIRIE, 1936, p. 321-322.
1082
BAUMGARTEN, 2003, p. 190.
1083
METTERNICH, 1882, p. 149.

299
vez que a escolha é uma prova contundente da justiça que o Sagrado Colégio prestou à
nossa corte1084.

Depois de eleito, percebeu-se que o novo papa, que tinha a reputação de ser
um teólogo competente, com obras acadêmicas reconhecidas, não tinha nenhum talento
ou perspicácia para a política1085. Ele vivera 40 anos em um clima de contrarrevolução,
alimentando desconfiança contra uma sociedade distante do padrão do Antigo Regime,
que deveria ser reconstruído e restaurado. Todos os problemas eram entendidos dentro
de um padrão de pensamento ligado ao século XVIII, mantendo seu papado em uma
luta constante para consolidação de seus ideais conservadores, sem qualquer conciliação
da Igreja com a sociedade moderna1086. Gregório XVI também atuou decisivamente
para a consolidação definitiva do espírito ultramontano conservador no corpo
cardinalício, sufocando o pluralismo, com a superação do nacionalismo eclesiástico
exercido pelas igrejas regionais, e sua submissão na prática ao poder secular, em relação
a Roma1087. Essa obstinação o tornava extremamente autoritário e doutrinário, mantendo
boas relações apenas com aqueles que lhe estivessem de acordo; tudo aquilo que não
estivesse ligado ao mundo espiritual representava um erro a ser combatido. Como
reflexo de uma longa vida monástica, tinha dificuldade de se relacionar com as pessoas
e nenhum interesse pelas questões laicas dos Estados Pontifícios. Também não
conseguia exercer atividades diplomáticas uma vez que não conhecia outras línguas
exceto o italiano e o latim1088. Assim, aquele que comandasse a Secretaria de Estado
teria muito poder.

Para o cargo, os cardeais mais radicais indicaram Tommaso Bernetti, o


fiador da eleição de Gregório XVI, que ocupou o cargo entre fevereiro de 1831 e janeiro
de 1836. Ele não era clérigo apesar de ser cardeal; seus anos em Roma foram marcados
pelas atividades da administração civil e, especialmente, pela repressão policial, tarefa

1084
Idem, ibid., p. 150.
1085
PIRIE, 1936, p. 321.
1086
JEDIN; DOLAN, 1981a, p. 265.
1087
Idem, ibid.

300
que voltou a exercer de maneira rigorosa. Seu primeiro enfrentamento ocorreu logo em
3 de fevereiro de 1831, horas após a eleição do novo papa, quando as regiões de
Modena, Romagna, Marche, Úmbria e Parma declararam-se independentes e criaram as
Provincie Unite Italiane1089. Em 15 de fevereiro, Metternich enviou uma carta a seu
embaixador em Paris, Anton Apponyi, para que transmitisse a informação ao governo
francês de que a Áustria não ficaria impassível ante os levantes:Estados Pontifícios: o
chamado princípio da não intervenção nunca foi reconhecido por nós e nunca iremos
sancioná-lo com a nossa admissão. [...] Sempre repeliremos o mal que nos ameaçará;
repeliremos o inimigo que, sob a égide de uma completa independência de ação, deseja
nos tornar escravos de nós mesmos; protestaremos contra qualquer falsa pretensão e,
se pudermos, faremos justiça a ela1090.

Para comando das tropas papais Tommaso Bernetti nomeou o cardeal


Giovanni Antonio Benvenuti (1765–1838), que já havia prestado serviços semelhantes
para os papas Pio VII e Leão XII, que foi preso pelos rebeldes poucos dias depois, e
mantido como refém, enquanto negociava termos que foram rejeitados em Roma1091.
Por intermédio de Albani, Bernetti pediu que Metternich enviasse tropas para esmagar a
rebelião, que foi derrotada em 26 de abril, quando a cidade de Ancona foi tomada pelas
tropas austríacas1092. O governo francês, pouco depois, enviou tropas, apoiando a
repressão ao levante:Estados Pontifícios. Nos dois meses seguintes, Metternich trocou
intensa correspondência com o embaixador Apponyi, com orientações para sua atuação
em Paris. Informou que manteria as tropas austríacas nos Estados Pontifícios, mas que
ficam reduzidas em última análise ao cuidado de assegurar a pacificação, de modo a

1088
Idem, ibid., p. 263-264.
1089
SYKES, 1922, p. 77. Em 14 de fevereiro de 1831, Metternich escreveu: A revolução de Modena não
é um evento isolado; é um episódio da vasta conspiração que envolve toda a Itália; é o sinal de uma
conflagração que seus autores querem generalizar. Poderíamos fornecer uma série de provas, mas a
simultaneidade das revoltas que acabam de estourar nos Estados do papa torna qualquer prova
supérflua [...]. Este vasto quadro, tramado na França por muito tempo, obviamente carrega o prestígio
do bonapartismo. O plano, de acordo com os dados de que dispomos, é tirar do papa seu domínio
temporal, para formar um Reino da Itália sob o rei constitucional de Roma (METTERNICH, 1882, p.
152-153).
1090
Idem, ibid., p. 155. O chanceler estava convencido de que a agitação revolucionária na península
italiana era provocada por anarquistas franceses e por bonapartistas.
1091
MIRANDA, 2021, s.p.
1092
CHAMBERS, 2006, p. 183.

301
dificultar ao máximo a renovação da revolta, e reunir os meios para suprimir a
anarquia, que ainda poderia emergir1093. A manutenção da ocupação era necessária,
porque estamos convencidos de que o soberano pontífice necessita ser ajudado para
que o resto dos seus Estados seja assegurado [...] a simples presença de uma força
armada fiel aos seus deveres proporciona a tranquilidade aos Estados romanos1094. A
Áustria, dessa forma, estaria suprindo uma lacuna da Santa Sé: O Pontifício Governo
cometeu uma falta imensa ao não aproveitar os 15 anos de paz de que gozou para
governar, especialmente nas legações, os vários ramos da administração1095. As tropas
austríacas e francesas ocuparam a região durante oito anos, uma vez que durante o
período a agitação revolucionária nunca desapareceu, já que era devida à depravação
geral da época, uma terrível conspiração de homens ímpios, como afirmou Gregório
XVI na encíclica Mirari vos, de 1832. A longa permanência dos exércitos estrangeiros
permitiu ao papa contornar a agitação, impedindo um grande levante:Estados
Pontifícios simultâneo em toda a península italiana, o que aconteceria durante o papado
de seu sucessor, Pio IX1096. Contudo, a intervenção das tropas estrangeiras transformou
a questão dos Estados Pontifícios em uma questão europeia, na qual França e Áustria
lutavam pela hegemonia sobre a região, em uma rivalidade que durava séculos, e que
havia começado na década de 1470, com a disputa entre as casas de Habsburgo e
Valois. O litígio, muitas vezes armado, duraria até 1859, quando a França finalmente
impôs-se no norte da península italiana, expulsando os austríacos da Lombardia na
Batalha de Solferino1097.

Bernetti não ficaria à frente da Secretaria de Estado; com o tempo foram


acumulando-se desentendimentos com o governo da Áustria, que pedia um papel mais
atuante do papado para conter a agitação nos Estados Pontifícios:Estados Pontifícios1098.

1093
METTERNICH, 1882, p. 172.
1094
Idem, ibid., p. 173.
1095
Idem, ibid., p. 175. Em outra carta, de 4 de junho de 1831, Metternich orienta Apponyi a se reunir
com representantes diplomáticos da Grã-Bretanha, Rússia e Prússia, para tratar de possíveis novos
levantes na península italiana (idem, ibid., p. 176).
1096
O’MALLEY, 2010a, p, 240.
1097
HALES, 1954, p. 26.
1098
JEDIN e DOLAN apontam que a pressão austríaca existiu, mas a oposição dentro do Colégio de
Cardeais também pesou na demissão de Bernetti (1981ª, p. 267).

302
Gregório XVI, não resistindo à pressão de Metternich, em janeiro de 1836, pediu a
Bernetti que renunciasse ao cargo. Mesmo contra a vontade, pressionado, aceitou a
demissão1099. Para seu lugar foi indicado o cardeal Luigi Lambruschini, prefeito da
Congregação da Disciplina Religiosa. Fora elevado a cardeal pelo papa Gregório XVI
em setembro de 1831, tinha formação jesuítica e fora obrigado a fugir de Roma quando
as tropas francesas invadiram a região em 1798, só voltando à cidade em 18141100. A
indicação de Lambruschini representou o reconhecimento junto ao papa do prestígio da
Companhia de Jesus, cujos interesses o cardeal representava em Roma. A relação entre
os dois se manteria firme durante todo o pontificado de Pio IX1101. Lambruschini era
profundamente ligado ao cardeal Giulio Somaglia, que fora secretário de estado do papa
Leão XII, relação que incutiu ao novo secretário de estado um ódio profundo à
Revolução Francesa e à França, origem de todo mal que se abatera sobre a Igreja, e
aversão a qualquer reforma. Lambruschini havia servido na nunciatura de Paris entre
1827 e 1831, tornando-se muito próximo ao rei Carlos X; após sua derrubada, o novo
governo francês exigiu da Santa Sé sua retirada1102. Inteligente e extremamente rígido
com seus subordinados, logo ganhou total ascendência sobre o papa, que concordava
com todas as sugestões de seu secretário de estado, e assinava tudo que se lhe colocasse
sem questionamento1103. Lambruschini levou a influência jesuíta para o centro da
administração dos Estados Pontifícios. Um exemplo dessa simbiose foi a forma como o
papado enfrentou o surto de cólera em Roma em 1837: sob a influência dos jesuítas, foi
ordenada uma procissão solene rogando à Virgem Maria proteção contra a doença. O
cortejo, que percorreu parte da cidade, saindo do castelo papal até a sede da Companhia,
foi acompanhado pelo papa Gregório XIV e por seus cardeais. Durante semanas, a sede
dos jesuítas tornou-se o centro das esperanças da população de Roma contra a cólera,

1099
PIRIE, 1936, p. 321.
1100
Idem, ibid., p. 322. Mas [Lambruschini] pertencia aos membros da Cúria que mais resolutamente
fecharam suas mentes às ideias modernas. No entanto, se ele era um reacionário em decorrência de sua
personalidade inata e de seu desenvolvimento, e muito decidido a lutar sem piedade contra qualquer
legado da revolução, sua experiência diplomática lhe ensinara que, na prática, ele deveria moderar a
rigidez de seus princípios. Isso se manifestou na administração dos Estados Pontifícios, cujo duro regime
policial já era exagerado, bem como em sua política eclesiástica geral que, quando necessário, adaptou
às condições constitucionais (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 267).
1101
MCCABE, 1913, p. 395.
1102
PÁSZTOR, 2003, v. 8, p. 307.
1103
PIRIE, 1936, p. 322-323.

303
em uma opção terapêutica que remontava às epidemias do século XVI. Em 1837, o
surto matou 5.419 romanos1104.

A partir de 1830, o papado passou a enfrentar também problemas


doutrinários. Aos olhos do cardinalato os conceitos liberais eram identificados com a
revolução; também para muitos bispos e sacerdotes, a salvação da Igreja passava pela
restauração do Antigo Regime, com a volta do catolicismo à posição de prestígio que
tivera até o século XVIII. Contudo, o conservadorismo dos governos restaurados, a
repressão política generalizada imposta pela Santa Aliança e a situação de submissão
dos católicos em países com maioria protestante ou ortodoxa passaram a incomodar
alguns jovens clérigos, especialmente aqueles que, nascidos durante ou após a
Revolução Francesa, passaram a aceitar uma ordem social e política baseada nos
princípios liberais: liberdade pessoal no lugar do despotismo; liberdades políticas [...]
legalmente ancoradas; o direito dos povos à autodeterminação; primado do princípio
da nacionalidade sobre o princípio da legitimidade; e [...] liberdade de imprensa e
liberdade de religião juntamente com uma limitação dos privilégios eclesiásticos,
possivelmente até a separação entre Igreja e Estado1105. Os ideais iluministas, liberais e
democráticos passaram a ser vistos como a expressão política da mensagem dos
evangelhos. Esse catolicismo liberal1106, e posteriormente o socialismo cristão,
gradativamente foi tornando-se um problema para a Santa Sé, que se tornaria ainda mais
combatido após a Revolução de 1830. Essas ideias se tornaram públicas em trabalhos de
religiosos como os padres Johann Baptist von Hirscher (1788–1865), Ignaz Döllinger
(1799–1890), que viria a ter um papel preponderante durante a segunda metade do
papado de Pio IX, Antonio Rosmini (1797–1855), o cardeal belga Engelbert Sterckx, o

1104
MCCABE, 1913, p. 395-396.
1105
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 269.
1106
A expressão “catolicismo liberal” apareceu no também liberal jornal Le Globe (1824–1832) ao se
referir aos jovens católicos que em março de 1829 haviam criado o jornal Le Correspondant, sob o lema
Liberté civile et religieuse par tout l’univers (liberdade civil e religiosa por todo o universo). O jornal,
publicação católica mensal de maior importância na França, existiu até 1937 (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p.
276; LAGRÉ, 2002, p. 28). Contudo, a expressão não pode ser usada como definição de uma corrente
orgânica dentro da Igreja, uma vez que esta nunca chegou a se constituir como tal; os pensadores
católicos tidos como liberais expressavam ideias próprias que nunca chegaram a se constituir como uma
corrente (HALES, 1954, p. 268). Mesmo os muitos seguidores de Lamennais apresentavam profundas
divergências entre si.

304
bispo francês Olympe-Philippe Gerbet (1798–1864), e os discípulos de Georg Hermes
(1775–1831), na Universidade de Bonn, com seu hermesianismo. Contudo o mais
influente era Hugues-Félicité de Lamennais, um antigo ultramontano conservador que
gradativamente caminhara para o catolicismo liberal.

No jornal L’Avenir, Lamennais, apoiado por Montalembert e Lacordaire,


defendia que, com apenas alguns gestos da Igreja, o liberalismo poderia se transformar e
aproximar-se da Igreja. A ideia ganhou força com a independência na conferência de
Londres, em janeiro de 1831. O novo status do catolicismo no país confirmou suas
crenças; a aliança entre o catolicismo e o liberalismo passou a ser vista como a única
forma de salvação para a Igreja, que daria uma alma ao regime1107. L’Avenir, com seu
lema Dieu et liberté, incorporou muitos dos ideias de 1789, tentando convencer os
católicos em geral, mas especialmente os clérigos, de que a Igreja precisava dissociar-se
do Antigo Regime, para criar um pensamento cristão humanista voltado para o futuro.
Era a tentativa de rejuvenescer o pensamento e a ação católicos, incorporando a eles as
novas tendências artísticas, científicas e democráticas da época, uma ideia bem recebida
por muitos jovens1108. A Agence générale pour la défense de la liberté religieuse
(agência geral de defesa da liberdade religiosa) também foi bem-aceita entre os
jovens clérigos, que vivenciavam pessoalmente as violações à liberdade religiosa. A
agência expandiu suas atividades para outros países, buscando apoio aos católicos
da Irlanda, Polônia, Alemanha e Holanda. Em novembro de 1831, o jornal lançou uma
campanha propondo a Sainte Alliance des Peuples, em oposição à Santa Aliança dos
reis. Aos conservadores, o projeto de uma união internacional católica pareceu como um
movimento de revolução internacional1109.

Por intermédio de uma rede de espionagem, o papa Gregório XVI


acompanhava bem de perto as atividades dos clérigos que defendiam a reforma da

1107
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 275.
1108
Idem, ibid., p. 277.
1109
Idem, ibid., p. 278.

305
Igreja. Os movimentos de Lamennais, o rebelde mais conhecido de todos, eram
relatados a Roma, por Luigi Lambruschini, então arcebispo de Gênova, que se tornaria
cardeal no consistório de setembro de 1831, que servira ao núncio de Paris e fora amigo
do padre, e depois por seu substituto na França, arcebispo Pietro Antonio Garibaldi
(1797–1853). O arcebispo de Paris, Hyacinthe-Louis de Quélen, também mantinha o
papa informado dos movimentos de Lamennais e seus companheiros. Gregório XVI era
pressionado para que Roma expressasse claramente seu repúdio às tendências liberais
dentro da Igreja. Pressões que vinham de Metternich, por meio do cardeal Karl
Gaisrück, que substituíra Giuseppe Albani como representante dos interesses da Áustria
junto ao papado, e do czar russo Nicolau I, possivelmente por meio de seu embaixador
em Roma, príncipe Grigory Gagarin (1810–1893). Os dois monarcas ficaram
profundamente irritados com a defesa que Lamennais fazia das revoluções pela
Europa1110. Quando o escritor, Montalembert e Lacordaire chegaram a Roma em
dezembro de 1831, para tentar explicar-se, o papa Gregório XVI já havia recebido
inúmeras cartas sobre suas atividades, a maioria delas negativa. O secretário de estado,
o cardeal Tommaso Bernetti, já informara ao embaixador francês na Santa Sé que o
papa não faria nenhum gesto de aprovação; para Gregório, pessoalmente irritado por
alguns artigos do L’Avenir, as doutrinas de Lamennais representavam uma ameaça à paz
da Igreja e da França,e que se sentia pessoalmente ferido por alguns dos artigos do
L'Avenir. .

Com ardor irrefletido, Lamennais buscava em Roma a bênção para um


programa tido como revolucionário, que teria o condão de subverter toda a ordem
existente da Igreja. Aprovar o programa do L’Avenir significaria para o papado
abandonar todos os acordos com os Estados dos quais dependia toda a estrutura externa
da Igreja naquela época1111. Em Roma, os três só foram recebidos pelo papa Gregório
XVI em 15 de março de 1832, após passarem quase três meses no ostracismo, mas com
seus passos totalmente vigiados. As cartas escritas para amigos na França foram abertas
e copiadas por espiões austríacos que as repassaram para Metternich, e depois

1110
CHADWICK, 1998, p. 19.
1111
HALES, 1954, p. 44.

306
encaminhadas ao papa1112. Uma especialmente fazia uma péssima descrição de Gregório
XVI, que ele ainda não havia conhecido: O papa é um bom religioso, que não sabe
nada das coisas deste mundo, e não tem ideia do estado da Igreja. Sua verdadeira e
profunda piedade inspira nele uma coragem passiva, ou seja, ele sofreria qualquer
coisa ao invés de falhar sua consciência. Mas, ao mesmo tempo, não poderia faltar
mais coragem ativa; isto para tudo o que se pode imaginar1113. Sobre o cardinalato, sua
impressão não é melhor: Agora, imagine este velho rodeado de homens que conduzem
negócios, [...] homens aos quais a religião é tão indiferente quanto a todos os gabinetes
da Europa, ambiciosos, gananciosos, avarentos, cobardes, cegos e imbecis como os
eunucos do baixo Império [Romano], estes são os que conduzem tudo e que sacrifica a
Igreja aos interesses mais miseráveis1114. Poucos dias após a audiência, o serviço
secreto austríaco interceptou uma carta de Lamennais, que foi repassada a Gregório
XVI, em que definia como tirania o governo papal nos Estados Pontifícios. Descrevia
como os exércitos papais e austríacos haviam tiranizado a população dos territórios do
norte da península um ano antes. Comparava a ação do papado na região à repressão do
czar da Rússia contra os poloneses1115.

Quase todos os conselheiros do papa o convenceram de que era impossível


para Roma não se manifestar acerca das ideias de Lamennais, que se espalhavam
rapidamente entre o clero jovem, e que o silêncio poderia ser visto como aceitação.
Assim surgiu a encíclica Mirari vos (1832), que não condenou pessoalmente
Lamennais, mas sim todos os seus princípios. Gregório XVI repudiou a ideia de que a
Igreja precisava de regeneração e reforma ou que deveria aliar-se ao liberalismo
revolucionário. Em termos doutrinários a epístola fez críticas às transformações liberais,

1112
CHADWICK, 1998, p. 21. A interceptação da correspondência de Lamennais também está
comprovada em uma anotação no diário da esposa de Metternich, condessa Melanie Zichy-Ferraris
(1805–1854), registrado em 19 de maio de 1832: Depois do jantar, acompanhei Clément [Metternich] ao
seu escritório, e lá li uma carta abominável de Lamennais a um de seus amigos, carta da qual parece que
ele está à frente de um partido republicano revolucionário. Revela seus planos com revoltante
atrevimento, e que [nada] impedirá todos os países monárquicos que ainda restam de perecer em breve
pela tempestade de liberdade que vai se desencadear sobre o mundo. Que o céu finalmente confunda
estes agitadores criminosos (METTERNICH, 1882, p. 235).
1113
LAMENNAIS, 1866b, p. 92.
1114
Idem, ibid.
1115
CHADWICK, 1998, p. 22.

307
que estariam reduzindo a importância da Igreja e de suas verdades e dogmas; o celibato,
o sacramento do casamento, tudo estaria sendo abandonado pelos governos laicos.
Atacou o liberalismo, e com o ele o indiferentismo e a liberdade de consciência, que
acreditava que seria possível obter a vida eterna em qualquer religião, contanto que se
amolde à norma do reto e honesto. A encíclica usou tons fortes e sombrios: a
depravação exulta; a ciência é impudente; a liberdade, dissoluta. A santidade do
sagrado é desprezada; a majestade do culto divino não só é desaprovada pelos homens
maus, como também é profanada e mantida ao ridículo. Assim, a sã doutrina é
pervertida e erros de todos os tipos espalham-se corajosamente. Em uma crítica direta à
imprensa, o papa afirmou estar horrorizado ao ver doutrinas monstruosas [que] nos
assediam, disseminando-se por todas as partes, em inumeráveis livros, folhetos e
artigos que, se insignificantes pela sua extensão, não o são certamente pela malícia que
encerram, e de todos eles provém a maldição que com profundo pesar vemos espalhar-
se por toda a terra. Sobre as rebeliões na Europa: Vemos a destruição da ordem
pública, a queda dos principados e a derrubada de todo poder legítimo que se
aproxima1116. Por fim exortou os príncipes católicos a apoiarem, com seus recursos e
poder, o bem-estar da Igreja, e que entendessem que sua autoridade derivava de Deus
para a defesa da Igreja.

Acreditava-se que a condenação genérica também serviria para silenciar


todos os outros críticos dos rumos da Igreja e acalmar os ânimos. O que não aconteceu.
Em 30 de abril de 1834, apareceu em Paris a edição de Paroles d’un croyant, apócrifo,
mas que se sabia ser de Lamennais. O parágrafo final do prefácio indicava a autoria:
Cristo, crucificado por você, prometeu libertá-lo. Acreditem em sua promessa e
apressem seu cumprimento, reformem o que precisa de reforma, treinem-se em todas as
virtudes e amem-se uns aos outros como o Salvador da raça humana os amou, ate a
morte1117. Paroles d’un croyant foi elaborado com todos os elementos para incomodar a
hierarquia da Igreja: pregava democracia, e denunciava a tirania dos reis, a opressão dos
povos e o absurdo das sucessões hereditárias; todos os governantes eram falsos, exceto
Cristo, e a única lei a ser seguida era a da justiça e da fraternidade; que obedecer a Deus

1116
Citações de GREGÓRIO XVI, encíclica Mirari vos, 1832.
1117
LAMENNAIS, 1877, p. 5.

308
implicava necessariamente desobedecer aos governos; os governantes, para manter sua
tirania, haviam comprado o clero com dinheiro e honras, e que, assim, os sacerdotes
tornaram-se os valetes dos reis ao invés de servos de Cristo1118. No texto, Lamennais
flerta com a revolução: O murmúrio confuso e o movimento interno das pessoas em
turbulência são o precursor da tempestade que em breve passará sobre as nações
trêmulas. Prepare-se, pois os tempos estão se aproximando. Naquele dia, haverá
grandes terrores e gritos como não se ouvia desde os dias do dilúvio1119. E prossegue
com imagens apocalípticas: Os reis uivarão em seus tronos [...] os ricos e poderosos
sairão de seus palácios nus, com medo de serem enterrados sob suas ruínas. Vamos vê-
los, vagando pelos caminhos, pedindo aos transeuntes alguns trapos para cobrir sua
nudez, um pouco de pão preto para saciar sua fome, e não sei se eles vão conseguir1120.
Paroles d’un croyant rapidamente foi editado em vários idiomas, e, na Áustria, teria
irritado profundamente o chanceler Metternich1121

Orientado pelo cardeal Lambruschini, que como membro do corpo


diplomático da Santa Sé havia servido em Paris, aconselhou ao papa uma condenação
formal e expressa ao texto, a qual veio a público em 25 de julho de 1834, na encíclica
Singulari nos, que circulou entre o episcopado francês com o subtítulo falso de Sur les
erreurs de Lamennais (sobre os erros de Lamennais). No documento, o papa condenou
expressamente Paroles d’un croyant, por seu indiferentismo, afirmando que as
liberdades de consciência e de opinião deveriam ser condenadas por serem uma
repulsiva conspiração das sociedades que incendeiam a destruição dos assuntos
sagrados e do Estado. O livreto distorceria as palavras da Sagrada Escritura a fim de
estabelecer firmemente seus delírios depravados. O autor estaria tentando romper
qualquer vínculo de fidelidade e submissão aos soberanos, tendo acendido o fogo da
rebelião por todos os lados para que se desencadeie a subversão da ordem pública.
Desprezo para o judiciário, a violação das leis e todos os elementos do poder sagrado e
do poder civil são extirpados1122. Com o livro, e seu ímpio abuso da palavra de Deus,

1118
CHADWICK, 1998, p. 29.
1119
LAMENNAIS, 1877, p. 72.
1120
Idem, ibid.
1121
CHADWICK, 1998, p. 29.
1122
GREGÓRIO XVI, encíclica Singulari nos, 1834.

309
os povos são levados a romper os laços de toda ordem pública, a derrubar ambas as
autoridades, a excitar, fomentar e sustentar sedições, motins e rebeliões em reinados:
um livro que, portanto, contém proposições respectivamente falsas, caluniosas,
imprudentes, que conduzem à anarquia1123. Paroles d’un croyant apresentaria uma
interpretação nova e injusta, que define o poder dos soberanos como contrário à lei
divina, e, com calúnia monstruosa, mesmo “o fruto do pecado e o poder de Satanás”.
Ele aplica as mesmas palavras infames à sagrada hierarquia e aos soberanos por
causa do pacto de crimes e maquinações que, segundo seu delírio, os vê unidos contra
os direitos dos povos1124. Não há no texto da encíclica questões pastorais ou
doutrinárias, apenas a condenação e a repulsa pelas críticas ao poder e à autoridade.
Singulari nos fez algo que grande parte da hierarquia da Igreja desejava que a encíclica
anterior, Mirari vos, houvesse feito: condenar o sistema de pensamento de Lamennais.
Falamos aqui também daquele sistema filosófico errôneo que foi recentemente
introduzido e está claramente para ser condenado. Este sistema, que vem do desejo
desprezível e desenfreado de inovação, não busca a verdade que está na sagrada e
apostólica herança. Em vez disso, outras doutrinas vazias, doutrinas fúteis e incertas
não aprovadas pela Igreja, são adotadas1125.

A encíclica dedicou palavras muito duras para um livro tão pequeno.


Normalmente os papas não usavam todo o seu peso para condenar publicações isoladas,
o que era feito por meio do Index. Qualquer outro livro, mesmo que considerado
herético, não receberia tal tratamento. Mas naquele momento, em que os Estados
Pontifícios enfrentavam levantes:Estados Pontifícios e tentativas de revolução, contidos
por tropas austríacas, a exigência de Metternich de condenação de Lamennais não
poderia ser desconsiderada1126.

1123
Idem, ibid.
1124
Idem, ibid.
1125
Idem, ibid.
1126
CHADWICK, 1998, p. 30.

310
As duas encíclicas representaram a consolidação, e sistematização
programática, de uma visão de mundo que já estava presente no cardinalato1127, e que já
era corrente e dominante em Roma, e que então se tornara a doutrina oficial. A Igreja,
assim, assumia sua subserviência ao poder secular, colocando de lado sua longa
tradição, sua organização e todos os precedentes acumulados ao longo dos séculos de
desafio aos príncipes1128. Defender as monarquias europeias dos ataques provenientes
de membros da Igreja tornara-se uma obrigação do papa, mesmo quando esses
soberanos não eram católicos, como Rússia e Países Baixos. No caso da Áustria o ônus
era ainda mais pesado: com os Estados Pontifícios cercados por tropas austríacas, das
quais dependiam para manter a ordem e impedir a revolução, o papa Gregório precisava
submeter-se a Metternich. Ao mesmo tempo, o papa assumia claramente a defesa de um
mundo do Antigo Regime, em meio a uma realidade que mais em nada se parecia com a
que existira havia 40 anos. À exceção da Espanha e do sul da península italiana, os
Estados europeus, protestantes e católicos – França, Bélgica, Renânia, norte da
península –, com diferentes graus, reconheciam a necessidade da tolerância aos cultos
minoritários entre a população. As guerras de Napoleão haviam rompido as
delimitações entre católicos e protestantes em muitas áreas, praticamente desaparecendo
com os Estados com uma única fé. Na política, economia, educação, o mundo não mais
era aquele que o papa Gregório XVI queria preservar1129.

1127
A presença de um cardinalato avesso a todas as transformações da revolução foi um elemento
fundamental para a construção do pensamento conservador dentro da Igreja Católica: para que o
conservadorismo moderno se desenvolva em uma corrente de pensamento e se constitua como uma
contracorrente abrangente ao pensamento liberal do Iluminismo [...] era necessário que seu desenho
fundamental – uma precondição para tudo o mais – tivesse sido vivido vital e imediatamente por estratos
e círculos identificáveis dentro de um espaço de vida histórico (MANNHEIM, 1986, p. 102).
1128
WOODWARD, 1963, p. 233. Para o autor, a submissão da Igreja aos Estados modernos era um
processo que se desenvolvia há quase cem anos; a extinção da Companhia de Jesus, em 1773, pelo papa
Clemente XIV, já era um claro sinal dessa obediência e subalternidade (idem, ibid., p. 234-235).
1129
Após a condenação pública, em uma carta para a condessa Louise de Senfft, em 20 de agosto de 1834,
Lamennais escreveu: As linhas traçadas por Gregório XVI, que nem se deve dar ao trabalho de ler, são
como as faixas que envolvem a múmia; ele fala para um mundo que não existe mais; sua voz lembra um
daqueles ruídos vagos que ecoam, solitários, nos túmulos sagrados dos sacerdotes de Mênfis. Se não há
um plano de Deus nisso, muito culpados são aqueles que desataram a língua deste velho para fazê-lo
amaldiçoar sua idade, que o fazem crescer nas estradas sepulcrais onde ele vagueia como um sombrio
retorcido, enquanto acima, à luz do dia, a humanidade segue a carreira que o dedo divino traçou para
ela (LAMENNAIS, 1863, p. 399).

311
Ao longo de seus 15 anos de papado, Gregório XVI enfrentou: o
nacionalismo, que se expandia por todas as regiões da península italiana ; a resistência à
administração eclesiástica nos Estados Pontifícios; a grande penetração da organização
secreta Carbonari, a qual, antes restrita à região de Nápoles, no fim de seu pontificado
já estava presente em todo o norte. Também viu o aumento da influência da maçonaria,
cujos membros estavam até mesmo no interior da Igreja1130. O nacionalismo havia
provocado revoltas inflamadas nas regiões da península italiana controladas pela
Áustria, fortalecendo o movimento Giovine Italia (jovem Itália), dirigido por Giuseppe
Mazzini (1805–1872) e Giuseppe Garibaldi (1807–1882), que juntamente com Camillo
Giulio Benso, conde de Cavour (1810–1861), seriam os futuros líderes do processo de
unificação da Itália.

Contra as rebeliões, o cardeal Bernetti representou o braço armado do papa,


que agiu de forma dura, contando com a ajuda de tropas austríacas. A presença das
tropas austríacas nos Estados Pontifícios apenas aguçou ainda mais o sentimento
nacionalista, já farto de intervenções estrangeiras. Em 1831, Bernetti criou o grupo
Centurioni (centuriões), uma milícia papal de repressão que atuava livremente. Ao
menos oficialmente, a missão inicial da milícia era ajudar as autoridades pontifícias a
manterem os liberais sob vigilância e evitar a eclosão de um movimento revolucionário
nos Estados Pontifícios. Porém, em pouco tempo, o grupo passou a ser utilizada em
ações violentas de repressão. O cardeal Bernetti manteve a organização envolta em
mistério: os voluntários não usavam uniformes ou insígnia, e suas identidades não eram
conhecidas pelas autoridades policiais. Segundo o cardeal, o segredo era essencial para
uma força de combate1131. Os centurioni atuavam aliados a voluntários, recrutados

1130
Desde a criação da primeira loja maçônica, em 1717 em Londres, havia uma crescente indisposição
da Igreja para com a maçonaria, e sua defesa do anticlericalismo. Ela foi condenada pela Igreja diversas
vezes: em 1738, pela encíclica In eminenti, editada pelo cardeal Giuseppe Firrao (1670–1744) em nome
do papa Clemente XII, que estava doente, condenando à excomunhão os católicos que aderissem à
sociedade secreta; o mesmo foi repetido por Bento XIV, na constituição apostólica Providas romanorum
de 1751, por Pio VII, na constituição apostólica Quo graviora (1826), na encíclica Humanum genus
(1844), do papa Leão XIII, e pelo Código de Direito Canônico de 1917. Erroneamente a maçonaria foi
associada às sociedades secretas que lutavam pela unificação da Itália, como os Carbonari (BENIMELI,
2014, p. 140-143).
1131
REINERMAN, Alan J. The Failure of popular counter-revolution in Risorgimento Italy: the case of
the centurions, 1831-1847, apud SARLIN, 2019, s.p.

312
criminosos e delinquentes; podiam portar armas e estavam isentos de certos impostos
municipais. Eram influenciados pelo fanatismo não só político, mas também religioso,
porque estimulados por bispos e padres1132. As consequências da repressão foram
desastrosas: as prisões papais ficaram lotadas, e exilados liberais levaram ao restante da
Europa seu antipapismo; ademais, a manutenção da máquina de repressão arruinou as
finanças do papado. O pontificado de Gregório XVI, para muito além dos territórios da
Igreja, tornou-se sinônimo de violência obscurantista. Em toda a Europa, houve
católicos que vieram rejeitar a aliança do trono e do altar como fórmula para a
tirania1133.

O pontificado de Gregório XVI, que fora inaugurado com o esmagamento


aos movimentos nacionalistas, e com a dura repressão às tentativas de levante nos
Estados Pontifícios:Estados Pontifícios, mostrou-se também rigoroso contra as
revoluções liberais de 1830, muitas das quais contaram com o apoio de grupos católicos
que defendiam reformas liberalizantes. O papado, tendo como interlocutor o
conservador chanceler austríaco Metternich, opôs-se com vigor às lutas das populações
católicas pela independência nacional da Polônia e da Irlanda, decorrentes da agitação
revolucionária de 18301134; a medida afastou de Roma setores da opinião pública, que
viam com simpatia a emancipação dos fiéis desses países, especialmente da primeira.
No fim de 1830, militares nacionalistas poloneses, com o apoio do baixo clero,
promoveram o Levante de Novembro, ou Revolução dos Cadetes, contra o domínio da
Rússia, que havia incorporado parte do país graças ao Congresso de Viena. Orientado
por Metternich e cardeais conservadores, o papa Gregório XVI tratou como se fora um
movimento subversivo instigado por radicais e maçons. Assim, em 9 de fevereiro de
1831, foi publicada a primeira encíclica assinada pelo papa, Chiamati Dalla Divina ,
afirmando que o governo instituído é mais do que um príncipe [o czar russo Nicolau I],

1132
FARINI, 1851, p. 72.
1133
DUFFY, 2014, p. 280-281.
1134
No caso da Polônia, o papa amenizaria sua posição de irrestrito apoio ao czar russo Nicolau I em
julho de 1842, com a publicação da encíclica Haerentem Diu, criticando a situação da Igreja Católica no
império, mas amenizando a crítica ao soberano: no entanto, venerados irmãos, não desanimemos,
amparados pela esperança de que o mais poderoso imperador da Rússia, ilustre rei da Polônia, pelo
elevado sentido de justiça e pela grandeza de espírito que o distingue, queira cumprir nossos pedidos
insistentes e dos católicos submetidos a ele (GREGÓRIO XVI, alocução Haerentem Diu, 1842).

313
um pai amoroso, [...] um pai que aspira apenas ao bem dos filhos e só por eles
preocupa-se1135, curiosamente o mesmo czar que tentava impor o rito ortodoxo aos
católicos poloneses. O apelo à submissão foi muito mal recebido por grupos católicos
de toda a Europa. O mesmo mal-estar foi sentido após a publicação de outras duas
encíclicas editadas em abril e julho de 1831 – Quel Dio e Armi valorose – ambas
elogiando expressamente Francisco I – a quem uma indelével gratidão nos vinculará
perpetuamente1136 –, pela repressão contra as revoluções desencadeadas a partir de
1830, que, em território austríaco, buscavam a independência de Viena1137. Roma havia
se tornado totalmente dependente da política externa e dos exércitos austríacos, assim
como da influência política de Metternich, que no fim de 1831 havia intermediado
empréstimos do banco Rothschild para que o cardeal Bernetti organizasse o exército, e
sanasse as finanças da Santa Sé1138.

O império vienense dominava todo o norte da península italiana, com


exceção apenas do Piemonte, que se mantinha como um reino independente; a Áustria
também exercia forte influência no sul, no Reino das Duas Sicílias – Nápoles e Sicília –,
assim como nos ducados centrais. O levante dos católicos poloneses voltaria a ser tema
da constituição apostólica Cum Primum, outorgada em 9 de junho de 1832, dirigida a
todos os arcebispos e bispos residentes no reino da Polônia. As desgraças polonesas
seriam devidas a alguns traficantes de engano e falsidade, o que, a pretexto da religião,
tendo levantado-se neste tempo miserável contra o poder legítimo dos príncipes
[Nicolau I, czar da Rússia], encheram sua pátria de luto imenso, já livre de qualquer
vínculo de submissão devido1139. Citando a Bíblia1140, o papa Gregório XVI pediu que

1135
Idem, encíclica Chiamati Dalla Divina (1831).
1136
Idem, encíclica Quel Dio, 1831.
1137
Mas se com a mais sincera sinceridade de gratidão reconhecemos no exército imperial austríaco real
aquelas fileiras eleitas de gente valente, a quem Deus quis reservar o triunfo sobre a perversidade dos
rebeldes, e com ele a honra de devolver seus Estados à Santa Sé, coroando com tão feliz êxito os
impulsos incessantes daquela mais pura religião que forma o mais belo elogio de seu augusto e poderoso
senhor Francisco I [...] (Idem, ibid.).
1138
HALES, 1954, p. 27. O papa Gregório XVI foi muito criticado pelos cardeais mais conservadores,
que acreditavam que a Igreja Católica estaria se rendendo a um banqueiro judeu. A desaprovação
aumentou quando pouco depois o papa concedeu a Carl Mayer von Rothschild (1788–1855) a Sagrada
Ordem Militar Constantiniana de São Jorge (POSNER, 2015, p. 12). Para a história da família e da casa
bancária Rothschild, ver FERGUSON, Niall. The House of Rothschild, the world’s banker, 2000.
1139
GREGÓRIO XVI, encíclica Cum Primum, 1832

314
os poloneses assumissem a mesma postura dos primeiros cristãos perante o poder do
Império Romano: resignação diante do poder terreno. A adesão de Gregório ao
conservador sistema de equilíbrio de poder na Europa, construído por Metternich, não
era apenas pragmática e utilitarista, mas também ideológica, assim como fizeram seus
antecessores, Leão XII e Pio VIII, e o cardinalato.

Entre outubro e novembro de 1820 realizou-se na Silésia, ao norte do


território austríaco o Congresso de Troppau, reunindo o imperador Francisco I da
Áustria, o czar Alexandre I da Rússia e o príncipe herdeiro da Prússia, que viria a se
tornar o rei Frederico Guilherme IV, além de seus chanceleres, entre eles Metternich1141.
O congresso discutiu a revolução liberal promovida pelos carbonari, em Nápoles, em
julho do mesmo ano, que forçou o rei Fernando I das Duas Sicílias a prometer a
instauração de uma monarquia constitucional liberal. Em 19 de novembro os
imperadores reunidos em Troppau concordaram com uma invasão em Nápoles para
acabar com o levante, o que ocorreu em 23 de fevereiro de 1821, quando cerca de 50
mil soldados austríacos arrasaram os revolucionários. Depois de Nápoles, uma rebelião
idêntica aconteceu no Piemonte, pertencente ao Reino da Sardenha, que foi, da mesma
forma, esmagada pela Áustria. Durante o congresso, Metternich e Alexandre I
aproximaram-se, mantendo longas conversas. Em dezembro, o chanceler austríaco
enviou ao czar uma longa carta, que chamou de Profession de foi politique (profissão de
fé política)1142. O documento representou a consolidação do pensamento católico
reacionário europeu perante as ameaças de revolução que surgiam por todo o
continente.

1140
Romanos: 13, 1-2: Cada um se submete às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não
venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. Assim, aquele que se revolta contra a
autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus. E os que se opõem atrairão sobre si a condenação. 1
Pedro: 2, 13-14: Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, seja ao rei, como soberano,
seja aos governadores, como enviados seus para a punição dos malfeitores e para o louvor dos que
fazem o bem (A Bíblia de Jerusalém, 2002).
1141
Entre 1818 e 1822, foram realizados vários congressos entre as grandes potências – o próprio termo é
uma criação desse período – para discutir as questões europeias. Troppau foi um deles (HOBSBAWM,
1996, p. 103).
1142
METTERNICH, 1881b, p. 425-445. Uma cópia do texto foi enviada no mesmo dia ao imperador
austríaco.

315
Metternich começou o texto perguntando-se se os soberanos europeus
estariam preparados para o futuro próximo, já que as paixões desencadeiam-se e unem-
se pela derrubada de tudo o que a sociedade tem respeitado como fundamento de sua
existência: religião, moral pública, leis, costumes, direitos e deveres, tudo é atacado,
confundido, derrubado ou questionado1143. A grande maioria do povo, que quer apenas
viver e descansar, assistiria silenciosa à agitação provocada por poucos. As mudanças
dos últimos séculos teriam provocado a sensação de que religião, moral, legislação,
economia, política, administração haviam se tornado um bem comum e acessível a
todos. A ciência parece infundida; a experiência não tem valor para os presunçosos; a
fé para eles nada é, substituída por uma pretensa convicção individual, e dispensa-se,
para chegar a essa convicção, todo exame e todo estudo; pois esses meios parecem
subordinados demais a uma mente que se acredita suficientemente forte para abarcar
de relance todo um conjunto de questões e fatos. Da mesma forma, as leis não têm valor
para eles, porque foram feitas por gerações rudes e ignorantes, seu poder reside em si
mesmo; por que ele deveria submeter-se àquilo que poderia ter sido útil apenas para o
homem privado de iluminação e conhecimento? O que pode ter sido suficiente para a
idade da “debilidade”, não poderia mais ser adequado para o da razão, do vigor, do
grau de aperfeiçoamento universal. A moralidade também teria desaparecido, uma vez
que cada um interpretaria sua essência como lhe agrada e permite que todos os demais
façam o mesmo, desde que esse outro não o mate e roube. A meta desses idealistas seria
realizar uma fusão da religião e da política e criar para cada indivíduo uma existência
totalmente independente de qualquer autoridade ou religião. Essa nova ordem proposta
tende, em princípio, apenas a individualizar todos os elementos que formam a
sociedade e fazer de cada homem a cabeça de seu próprio dogma, o árbitro das leis [...]
o único juiz finalmente de suas crenças, de suas ações e dos princípios segundo os
quais ele pretende regulá-los. A França teria sido o país que teve a infelicidade de
conter o maior número desses homens. É no seu seio que a religião e tudo o que tem de
mais sagrado, que a moralidade e o poder [...] foram por eles atacados com uma
continuação e uma sistemática implacável. Foram as cenas de horror vistas durante a
Revolução Francesa que levaram ao fracasso da propaganda jacobina em suas
primeiras esperanças criminosas. Contudo o germe revolucionário, espalhado pela

1143
Todas as referências a seguir foram tiradas do documento de Metternich dirigido ao Czar Alexandre I

316
Europa por meio das conquistas de Napoleão, derrubando governos, destruindo
instituições, pôde entrar na Prússia, nos Estados italianos, na Espanha encoberto com o
véu do amor sincero à pátria1144. Os príncipes da Confederação do Reno teriam
colaborado com esse processo nos Estados germânicos, comportando-se como
auxiliares e cúmplices desse sistema, ao qual sacrificaram as instituições que em seus
países, desde tempos imemoriais, serviram de salvaguarda contra a arbitrariedade e a
democracia.

Os agentes dos males seriam as classes médias1145 da sociedade [nas quais]


essa gangrena moral venceu, e é apenas entre elas que os verdadeiros líderes do
partido podem ser encontrados. A grande massa do povo não lhe oferece um domínio.
[...] Os homens das classes superiores da sociedade que se lançam na carreira de
revoluções são ou falsos ambiciosos, ou perversos e perdidos. Esses homens, movidos
por interesses mesquinhos, comporiam as sociedades secretas, um poder real, e tanto
mais perigoso porque atua nas trevas, mina todas as partes do corpo social e em todos
os lugares deposita as sementes de uma gangrena moral que não demorará muito para
se desenvolver e dar frutos. Este flagelo é um dos mais reais que os governos amigáveis
ao descanso e seus povos podem monitorar e combater. Após a restauração
monárquica, esses agentes teriam infiltrado-se França, na Espanha, nos Estados
germânicos e na península italiana, com o grito, desde 1815, de constituição. Mas, não
se engane, essa palavra, suscetível de grande latitude na interpretação [mas] o quer
que ela se refira [significa] mudança e problemas. A classe média, que se apoderou da
imprensa, entregando-se a uma fúria cega, [usando] todos os meios que julga

(idem, ibid.).
1144
Metternich, assim como os governantes das potências europeias, temia profundamente um novo
processo revolucionário na França, uma vez que os espíritos da revolução e do liberalismo ainda vagavam
livremente. Temia-se que uma coalizão de forças entre jacobinos e liberais pudesse desencadear novos
levantes. A eclosão da Revolução de 1830 em Paris, assim como dos movimentos nacionalistas por toda a
Europa, aguçou esses temores (HOBSBAWM, 1996, p. 106).
1145
O termo classes médias em Metternich refere-se àqueles que não compunham a aristocracia nem as
camadas populares, incluindo, inclusive, o que hoje se entende como classe média, como intelectuais, por
exemplo. Na época o termo já era um tanto vago. A expressão começou a ser usada, no fim do século
XVII e começo do século XVIII, de forma mais ou menos indistinta para se referir a lojistas, fabricantes,
artesãos independentes em melhor situação, funcionários públicos, profissionais, comerciantes menores e
assim por diante. Eram pessoas que estavam abaixo da pequena nobreza, mas acima do nível das classes
trabalhadoras (HUNT, 1996, p. 15).

317
adequados para satisfazer a sede tem de poder, [atacando a] tudo o que os séculos
legaram de respeito sagrado e positivo pelos homens; finalmente negando o valor do
passado e declarar-se os mestres da criação de um futuro.

A solução do problema da subversão das classes médias estaria nas mãos


dos monarcas: estamos convencidos de que a sociedade não pode mais ser salva sem
determinações fortes e vigorosas por parte dos governos, que ainda são livres em seus
pensamentos e ações [...] se esses governos se mantiverem diante da verdade, se se
libertarem das ilusões, fecharem-se em suas fileiras e estabelecerem-se em uma linha
de princípios corretos. Eu sua teodiceia, a repressão à revolução era uma tarefa divina:
Agindo assim, os monarcas cumprirão o primeiro dos deveres que lhes são impostos
por Aquele que, ao lhes confiar o poder, os encarregou de zelar pela manutenção da
justiça, dos direitos de cada um e de todos, de evitar os caminhos do erro e andar
firmemente no caminho da verdade. O texto assume o tom de conclamação salvítica:
Monarcas, o mundo pode ser salvo se eles os colocarem em ação, mas estará perdido
se eles não o fizerem. A união entre os reis é a base fundamental da política a ser
seguida para salvar a sociedade hoje de sua ruína total [...] tudo o que até hoje foi
considerado fixo em princípio é atacado e destruído. Os escrúpulos religiosos não
poderiam impedir a atuação dos soberanos, uma vez que o julgamento e o exame devem
substituir a fé; a moralidade cristã deve substituir a lei de Cristo conforme interpretada
pelas autoridades cristãs. Uma das formas de tornar o combate mais eficaz seria a
censura à imprensa: Certamente não somos os únicos a nos perguntar se a sociedade
pode existir com liberdade de imprensa, um flagelo desconhecido pelo mundo antes da
última metade do século XVII, e restrito até o fim do século XVIII, com poucas
exceções, à Inglaterra1146.

Metternich prossegue com os conselhos: A primeira e maior das questões,


para a imensa maioria de qualquer nação, é a fixidez das leis, sua ação ininterrupta, e

318
não sua mudança. Que os governos, portanto, governem, que mantenham as bases
fundamentais de suas instituições, antigas e novas; porque se, em todos os tempos, é
perigoso tocá-las, não é hoje, e na turbulência geral, que pode ser útil fazê-lo. A
convocação pede a repressão dos movimentos doutrinários dentro de seus estados,
demonstrando que não compactuam ou são indiferentes; que sejam precisos e claros em
cada uma de suas palavras, e que não busquem ganhar com concessões às partes que
visam apenas à destruição de qualquer poder que não seja deles [...] que sejam justos,
mas fortes; benevolentes, mas severos [...] deixem sufocar as sociedades secretas, essa
gangrena da sociedade. E, por fim apela que mantenham o princípio religioso em toda
a sua pureza e não deixem que os dogmas sejam atacados e a moral interpretada
segundo o contrato social ou as visões de simples sectários. [...] Qualquer grande
Estado, determinado a sobreviver à turbulência do momento, ainda tem grandes
chances de salvação1147.

A preocupação central do chanceler austríaco era a estabilidade das


monarquias conservadores europeias, cuja agitação revolucionária e nacionalista
ameaçava. As dinastias que voltavam a seus tronos – Hohenzollern na Prússia,
Romanov na Rússia1148, Habsburgo na Áustria, Bourbon na França, Espanha e Reino de
Nápoles – haviam passado mais de 20 anos lutando contra a revolução, e não
pretendiam enfrentar outra onda revolucionária. Para a Santa Aliança, a união entre o
trono e o altar era uma forma de encorajamento ao sentimento religioso, com a religião
mantendo a população distante da agitação revolucionária. As ideias dos pensadores
ultramontanos reacionários – Bonald, Maistre e a primeira fase de Lamennais – não
tinham nenhuma importância prática. Os monarcas desejavam manter a revolução longe
de seus reinos, ao passo que, ao pensamento católico reacionário, com seu medievalismo
religioso, a aliança entre o trono e o altar tinha um significado mais profundo: o de
preservar uma velha sociedade viva e orgânica contra a corrosão da razão e o

1146
A censura à imprensa tornara-se um elemento da política tão importante quanto a repressão policial e
a religião; o padre, os policiais e o censor eram agora os três principais pilares da reação contra a
revolução (HOBSBAWM, 1996, p. 230).
1147
Todas as referências a seguir foram tiradas do documento de Metternich dirigido ao Czar Alexandre I
(METTERNICH, 1881b, p. 425-445).

319
liberalismo; o indivíduo encontrava nesta aliança uma expressão mais adequada de sua
trágica condição do que em qualquer solução formulada pelos racionalistas1149.

Para Roma o pensamento conservador laico, a soberania do poder


monárquico representava a resistência civil ao liberalismo e à anarquia. De forma mais
pragmática, também representava a garantia da segurança de Roma e a repressão contra
a agitação revolucionária nos Estados Pontifícios. Mas também caracterizava um
problema quanto à nomeação dos bispos, prerrogativa de que soberanos como Francisco
I da Áustria não abriam mão. Outro problema estava no campo doutrinário, uma vez que
essa soberania secular colidia com a ideia maior de soberania divina, da qual decorrem
todos os poderes, inclusive a autoridade dos soberanos. Quando Mauro Cappellari
adotou o nome de Gregório XVI, em explícita homenagem a Gregório VII, papa entre
1073 e 1085, evidenciou sua concepção de autoridade, com o primado do papado sobre
o poder secular. Essa crença ele já havia defendido em 1799, quando escreveu o livro Il
trionfo della Santa Sede e della Chiesa contro gli assalti de’ novatori proclamando a
autoridade papal nas esferas espiritual e temporal, adotando explicitamente para a Igreja
o conceito político secular de soberania. O próprio Deus era o governante soberano.
Isso significava que a plenitude da autoridade soberana do papa – legislativa, judicial
e executiva – exigia obediência absoluta. Enquanto as revoluções perturbavam a
Europa, Cappellari exaltou a Igreja como imutável, infalível e monárquica1150. Só uma
sociedade verdadeiramente religiosa, baseada na Idade Média católica, única sociedade
realmente cristã, curaria a doença e os erros do século XIX1151.

Um dos embates de Gregório XVI para a construção dessa hegemonia


católica se deu no campo da educação, notadamente na França. Durante o reinado de
Carlos X, o bispo Denis Frayssinous, ministro da educação do gabinete
ultraconservador de Joseph de Villèle defendia o fim da laicidade dentro do

1148
Oficialmente os Romanovs nunca deixaram o trono, mas o czar Alexandre I enfrentou as tropas de
Napoleão dentro de seu território entre junho e dezembro de 1812.
1149
HOBSBAWM, 1996, p. 230.
1150
O’MALLEY, 2010b, p. 59.

320
Ministério da Educação Pública e a reimplantação do ensino religioso. Após a
Revolução de 1830, o rei Luís Filipe I tentou uma aproximação com Roma, fazendo
algumas concessões na educação, sem obter a pacificação. Os jesuítas, embora
proibidos no país desde 1828, na prática controlavam uma parte significativa da
educação, especialmente nos seminários inferiores. Em 1828 havia na França 12
casas da Companhia de Jesus; em 1840 eram 74. A situação dos jesuítas só foi resolvida
em 1845, com um acordo entre o governo francês e a Santa Sé, representada pelo
secretário de estado Luigi Lambruschini, garantindo sua permanência em solo
francês1152.

O problema religioso também se expressava nas universidades. Durante


a restauração todo o ensino secundário era controlado por nomeações, currículos e
examinadores escolhidos pela Universidade de Paris, que por sua vez era controlada
pelo Estado. Não era possível ingressar no ensino superior sem frequentar uma escola
aprovada pela universidade. Dessa forma, os seminários inferiores, nos quais os
professores eram vinculados aos bispos, não permitiam que seus alunos ingressassem na
universidade. Durante todo o reinado de Luís Filipe I e o pontificado de Gregório XVI a
questão da educação foi um ponto de constante conflito, com os católicos exigindo
liberdade para suas escolas e radicalizando as posições de liberais como Montalembert,
que defendiam a total liberdade de educação, permitindo aos católicos administrarem
livremente suas escolas1153.

Se o conflito com a França era a educação, com a Prússia era o casamento.


As guerras napoleônicas haviam rompido todas as fronteiras dos Estados germânicos, e
com elas as divisões entre católicos e protestantes, relativamente estáveis há quase três

1151
O’MALLEY, 2010a, p. 240; CHADWICK, 1998, p. 2.
1152
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 297.
1153
CHADWICK, 1998, p. 34. A militância de Montalembert, ao contrário do que se esperava, conseguiu
construir uma mentalidade de defesa da laicidade da educação entre os franceses, especialmente quanto à
escola secundária. Por muitos anos, jornais e panfletos católicos acusaram as escolas públicas de serem
sites de reproduction des peste, criadouros de pragas, com uma educação ateísta e materialista (JEDIN;
DOLAN, 1981ª, p. 300).

321
séculos. Desde a Paz de Augsburgo (1531), assinada entre o imperador Carlos V e os
principados alemães, cada soberano teria o direito de estabelecer a religião do reino.
Todos os súditos que não aceitassem a religião do príncipe, e não deixassem o reino,
perderiam os direitos civis. Com o passar do tempo essa separação foi flexibilizada, e
finalmente desapareceu após a invasão de Napoleão aos Estados germânicos. Com o
surgimento de muitas regiões nas quais católicos, protestantes e luteranos conviviam,
passaram a ocorrer os casamentos mistos. Mas para a Igreja ainda vigiam as regras para
o matrimônio estabelecidas pelo Concílio de Trento, no decreto Tametsi, em sua sessão
XXIV, de novembro de 1563, que declarou que os contratos clandestinos de casamento
livremente firmados eram válidos, desde que cumpridos os regulamentos da Igreja
quanto à celebração, o que na prática exigia que fossem celebrados por um sacerdote
católico. A determinação transformou todos os casamentos com protestantes ou não
católicos em adultério1154. Na década de 1820 os casamentos mistos intensificaram-se
nos Estados germânicos, fazendo com que a Prússia, hegemônica na região desde o
Congresso de Viena, o estabelecesse como regra na região da Renânia católica. Ao
descontentamento dos bispos, que invocavam a encíclica Litteris altero abhinc (1830),
do papa Pio VIII, que declarou que um casamento só poderia ser devidamente
abençoado se fosse assegurada a educação católica dos filhos, somaram-se os protestos
dos nacionalistas renanos contra o domínio prussiano. A escolha do conservador conde
Clemens Droste zu Vischering (1773–1845) para o Arcebispado de Colônia, em 1835,
aumentou a pressão, uma vez que se opunha ao decreto imperial prussiano e recusava-se
a aceitar casamentos mistos, dando início aos Kölner Wirren (1835–1848), incidentes de
Colônia.

Em 20 de novembro de 1837, Droste zu Vischering foi preso e encarcerado


com criminosos. Estimulados por emissários do papa Gregório XVI, que considerou
uma afronta à liberdade da Igreja, bispos da região passaram a negar o sacramento a
noivos de religiões diferentes; a negativa fez com que alguns padres também fossem

1154
CHADWICK, 1998, p. 35. A lei canônica, orientada pelo decreto Tametsi, passou a estabelecer que
um casamento misto só pudesse ser aprovado se uma promessa fosse feita de que o parceiro católico no
casamento deveria exercer a religião católica livremente; e se os filhos do casamento fossem batizados
como católicos e educados na religião católica (idem, ibid.).

322
presos. O arcebispo de Gnesen-Posen, região da Polônia invadida pela Prússia, Martin
van Dunin (1774–1842), acompanhou a decisão de Droste zu Vischering e também foi
preso. O arcebispo de Colônia só foi libertado em abril de 1839, e Dunin em agosto de
1840. Ao assumir o trono prussiano em junho de 1840, o imperador Frederick William
III cedeu, aceitando a disciplina da Igreja Católica sobre os casamentos. No lugar de
Droste zu Vischering foi escolhido um ultramontano radical, Johannes von Geissel, mas
que, em defesa da unidade da Igreja na Prússia, tentou construir boas relações com o
Estado e com o protestantismo majoritário. Os incidentes gerariam uma relação
complicada entre a Igreja Católica e a Prússia pelas décadas seguintes, inclusive
considerada uma causa da Kulturkampf (batalha cultural), durante o governo do
primeiro-ministro Bismarck após a década de 18601155. Nos outros Estados em que
havia populações mistas, como na Áustria, ou na Suíça, em que poucos católicos
conviviam com a maioria protestante, a rigidez do papa Gregório XVI na questão do
casamento, contrária à noção geral de tolerância que se ampliava na Europa, causou
dificuldades1156.

Em 3 de dezembro de 1839, na carta apostólica In supremo apostolatus


fastigio, o papa Gregório XVI condenou o tráfico de escravizados: No nosso tempo, Pio
VII, movido pelo mesmo espírito religioso e caritativo dos seus predecessores, interveio
zelosamente junto dos detentores do poder para assegurar que o tráfico de escravos
[SIC] pelo menos cessasse entre os cristãos [que] embora tenha diminuído em mais de
um distrito, ainda é praticado por numerosos cristãos. E conclui: Proibimos
estritamente qualquer eclesiástico ou leigo de presumir defender como permissível este
tráfico de negros sob qualquer pretexto ou desculpa, ou de publicar ou ensinar de
qualquer maneira, em público ou privado, opiniões contrárias ao que expusemos nesta
Carta Apostólica1157. Curiosamente o texto condenava o comércio de escravizados, mas
não a instituição da escravidão, uma discussão que se tornou acalorada especialmente

1155
Foi denominada como Kulturkampf uma série de atritos entre o primeiro-ministro Otto von Bismarck
e o papa Pio IX, entre 1872 e 1878, que envolviam o controle clerical da educação e das nomeações
eclesiásticas nos territórios alemães. Por analogia, o termo passou a ser usado para descrever qualquer
conflito entre autoridades seculares e religiosas.
1156
CHADWICK, 1998, p. 34-41.
1157
GREGÓRIO XVI, breve In supremo apostolatus fastigio (1839).

323
nos Estados Unidos da América. A semente estaria na frase: Admoestamos e suplicamos
vigorosamente no Senhor, para que ninguém se atreva a fazê-lo no futuro, injustamente
molestar índios, negros ou outros homens deste tipo; ou para roubá-los de seus
bens1158.

Assim como seus antecessores, os papas Pio VII e Pio VIII, Gregório XVI
também investiu contra as traduções da Bíblia para as línguas europeias. A carta
apostólica Inter praecipuas machinationes, editada em maio de 1844, quase ao fim de
sua vida, condenou as sociedades bíblicas: Entre os esquemas especiais com os quais os
não católicos conspiram contra os adeptos da verdade católica para desviar suas
mentes da fé, as sociedades bíblicas são proeminentes [...] um exército em marcha,
conspirando para publicar em grandes números cópias dos livros da Escritura divina.
Infiéis. Então, as sociedades bíblicas convidam todos a lê-los sem guia1159. Citando
Tertuliano; (c.155–c. 220), um dos primeiros padres, a tradução divulgada pelas
sociedades era uma habilidade apropriada para hereges. Tendo repudiado a palavra de
Deus dada e rejeitado a autoridade da Igreja Católica, eles interpolam “por artifício”
nas Escrituras ou pervertem “seu significado por meio da interpretação”. E,
finalmente, você não ignora a diligência e o conhecimento necessários para traduzir
fielmente para outro idioma as palavras do Senhor1160. As sociedades bíblicas nunca
cessam de caluniar a Igreja e esta Cátedra de Pedro como se tivéssemos tentado
manter o conhecimento da Sagrada Escritura dos fiéis. No entanto, temos documentos
que detalham claramente o zelo singular que os Sumos Pontífices e bispos nos últimos
tempos têm usado para instruir o povo católico mais profundamente na palavra de

1158
ENGLAND; READ, 1844, p. xi. O texto original em latim: Admonemus et obtestamur in Domino
vehementer, ne quis audeat in posterum Indos, Nigritas, seu alios hujusmodi homines injuste vexare, aut
spoliare suis bonis (idem, ibid., p. viii). Estranhamente, no texto que se encontra atualmente no endereço
eletrônico do Vaticano a expressão injuste vexare desapareceu. No site, o trecho está, em italiano, desta
forma: Ammoniamo e scongiuriamo energicamente nel Signore tutti i fedeli cristiani di ogni condizione a
che nessuno, d’ora innanzi, ardisca usar violenza o spogliare dei suoi beni (admoestamos e suplicamos
vigorosamente no Senhor a todos os cristãos fiéis de todas as condições, que nenhum homem doravante
se atreva a usar a violência, ou a desapossar de seus bens). Disponível em:
https://www.vatican.va/content/gregorius-xvi/it/documents/breve-in-supremo-apostolatus-fastigio-3-
dicembre-1839.html. Acesso em: 18 dez 2021.
1159
GREGÓRIO XVI, encíclica Inter praecipuas machinationes, 1844.
1160
Idem, ibid.

324
Deus1161. O documento invocava o papa Inocêncio III, que teria estabelecido uma severa
vigilância contra as traduções, porque eram vulgarizadas e lidas em reuniões secretas de
heréticos. Criticava o luteranismo e o calvinismo, que estimularam a Bíblia em
vernáculo acessível a todos. A encíclica, por fim, exortou aos membros da Igreja que se
esforçassem para manter os fiéis distantes dessas traduções, confiscando-as: Também
tomem dos fiéis as Bíblias vernáculas que foram publicadas contrariamente às sanções
dos romanos pontífices e todos os outros livros que são proscritos e condenados1162.

O pensamento conservador, que se tornou francamente majoritário no


papado, apresentava um conjunto de princípios que também mostrara um valor
inestimável para o reavivamento da fé entre os jovens, que se afastaram do
intelectualismo à procura da devoção, do ascetismo, do celibato e do ritual da Igreja
Católica. Para esse reavivamento o papado contou com o trabalho do monge Prosper
Guéranger (1805–1875), cuja preocupação central era a retomada da liturgia ortodoxa
católica, que teria sido desvirtuada pelo galicanismo francês. Guéranger havia sido
aluno do seminário de Lamennais, La Chênaie, que o inspirou a estudar história
litúrgica. Anos mais tarde, em 1833, Guéranger recriou o mosteiro beneditino de
Solesmes, no noroeste da França; fundado em 1010, fora praticamente destruído durante
a Revolução Francesa. O novo mosteiro foi bem recebido pelo papa Gregório XVI,
como um símbolo do renascimento do monismo na França. O monge publicou L’année
liturgique (o ano litúrgico), obra em seis volumes que lançou entre 1841 e 1866,
descrevendo a liturgia católica ao longo do ano, incluindo a missa, as solenidades da
Igreja, biografias de santos e seus dias festivos. A obra também despertou o interesse do
papado, uma vez que reverenciava a tradição em oposição ao progresso de seu tempo.
Segundo Guéranger, o culto francês aos santos e aos milagres locais ia contra o
princípio da unidade da Igreja: as liturgias galicanas também não tinham nem a
dignidade nem a universalidade do rito romano1163. O ataque à liturgia galicana era um
ataque ao ponto central da liberdade da igreja francesa, as libertés galiciennes,
consagradas na declaração Quatre articles, de 1682.

1161
Idem, ibid.
1162
Idem, ibid.

325
Outro ponto de enfrentamento do tradicionalista Guéranger era quanto à
música litúrgica. Segundo ele, faltava aos hinos usados na igreja francesa, escritos nos
séculos XVII e XVIII, antiguidade, que não lhes permitia ser enquadrados na
constituição apostólica Quo primum de 1570. Para os bispos galicanos, as diferenças
locais da liturgia estavam amparadas pelo papa Pio V, na constituição apostólica1164. O
documento, que promulgou a liturgia tridentina, previa: liturgia, à forma e ao rito
original dos santos padres, obrigatória para todo o mundo cristão, a não ser que fosse
criada por uma instituição aprovada desde a origem pela Santa Sé, ou então em virtude
de um costume consagrado pela prática ininterrupta de mais de 200 anos. Já os
defensores do rito romano, como Guéranger, argumentavam que o processo de
restauração católico após a Revolução Francesa fizera com que as liturgias diferentes
passassem a competir entre si, desaparecendo os ritos tradicionais. A campanha pela
adoção do rito romano, ardorosamente defendida pela influente revista ultramontana e
conservadora L’Univers, editada pelo jornalista Louis Veuillot (1813–1883), fez com
que vários concílios provinciais na França aderissem à causa de Guéranger e do
papado1165.

Ademais, as músicas da liturgia galicana estariam contaminadas com


elementos incompatíveis com as solenidades da Igreja: Wolfgang Amadeus Mozart
(1756–1791) fora maçom, Johann Sebastian Bach (1685–1750) protestante, e as missas
de Gioachino Antonio Rossini (1792–1868) eram seculares e muito semelhantes a
óperas1166. Para substituí-las, Guéranger recuperou o canto gregoriano, que fora
sistematizado e oficializado pelo papa Gregório I, pontífice de 590 até 604, ano de sua
morte1167. A referência essencial tanto eclesiástica quanto cultural e artística era o
regresso ao mundo medieval; os beneditinos, inspirados por Guéranger, foram ativos no
processo de reinstituir ritos medievais, fazendo com que a restauração litúrgica e a

1163
O’MALLEY, 2018, p. 74.
1164
Em alguns documentos essa constituição aparece como sendo de 1568, data correta pelo calendário
juliano. Após a instituição do calendário gregoriano, em 1582, a data da edição passou a ser 1570.
1165
O’MALLEY, 2018, p. 75.
1166
Idem, ibid., p. 76-77.

326
restauração teocrática parecessem estar absolutamente conectadas1168. Diferentemente
do que ocorreu com relação à liturgia, Guéranger não contou com o apoio de Roma para
a adoção universal do canto gregoriano medieval, uma vez que o papado ainda preferia
a música polifônica barroca da Renascença em suas celebrações1169. À exceção da
música, durante o papado de Gregório XVI cresceu na cultura católica a visão
mitificada da Idade Média como modelo e exemplo de sociedade que atendia aos
princípios cristãos.

Ao longo de seus 15 anos de pontificado, o papa Gregório XVI realizou 26


consistórios, com a nomeação de 75 cardeais; a maior parte foi nomeada in pectore,
sendo que cinco nunca foram conhecidos, uma vez que o papa morreu antes das
publicações. Dos cardeais constituídos, 65 eram italianos, sendo que muitos dos Estados
Pontifícios, três britânicos – após o Roman Catholic Relief Act, de 1829, a igreja
católica britânica ganhou mais importância para o papado –, três franceses, dois
portugueses, um alemão e um austríaco. Os dois portugueses, Francisco de São Luiz
Saraiva (1766–1845) e Guilherme Henriques de Carvalho (1793–1857), combateram as
tropas francesas após a invasão de Portugal em 1808. Saraiva foi arcebispo de Salvador,
na Bahia, e morreu sem receber os símbolos cardinalícios. Do total dos nomeados, 25
nasceram após o início da Revolução Francesa em 1789, inclusive Giovanni Maria
Mastai Ferretti (1792–1878), futuro papa Pio IX, sendo que nove já no século XIX, e
apenas 17 haviam sofrido algum tipo de agressão, violência ou perda durante os 24 anos

1167
Graças aos esforços de Guéranger o canto gregoriano tornou-se um estudo paleográfico entre os
beneditinos do mosteiro de Solesmes, mas que ficou lá restrito por muitas décadas (BERGERON, 1998,
p. xi-xv).
1168
MENOZZI, 1997, p. 146. Além da liturgia, durante o pontificado de Gregório XVI, a corrente
conservadora católica investiu inclusive contra os padrões estéticos do século XIX. A crítica às formas
estilísticas posteriores a Rafael (1483–1520) pretendia que nas igrejas a arte moderna fosse substituída
por imagens piedosas com modelos medievais (idem, ibid., p. 147).
1169
Mais tarde, em 1851, Guéranger seria nomeado pelo papa Pio IX consultor tanto da Congregação
Romana dos Ritos quanto da Congregação do Index, evidenciando sua relação com a causa ultramontana.
Apesar do insucesso quanto ao canto gregoriano, Guéranger conseguiu substituir em toda a Europa os
ritos locais, especialmente o galicano, pelo rito romano. Em 1853, o papa Pio IX editou a constituição
apostólica Inter multiplices: A Liturgia da Igreja Romana foi restaurada de acordo com nossos desejos,
[para evitar] fraudes mais sutis dos traiçoeiros e seus erros, e possam cada dia mais e mais glorificar-se
para se manterem firmes e constantemente próximos com afeto e devoção filial a esta Sé Apostólica, e
obedeçam a ela, como é seu dever, com grande reverência (PIO IX, constituição apostólica Inter
multiplices, 1853). Assim, na França, e em toda a Europa, a romanização da liturgia foi completa
(O’MALLEY, 2018, p. 79).

327
do período revolucionário e do governo de Napoleão. O mais velho deles foi Lorenzo
Girolamo Mattei (1748–1833), com 85 anos, que morreu antes de receber o título, assim
como outros três: Gaetano Maria Trigona e Parisi (1767–1837), Francesco Capaccini
(1784–1845) e Joseph Bernet (1770–1846). Já os mais novos foram o germânico
Francesco Saverio Massimo (1806–1848) e o austríaco Friedrich von Schwarzenberg
(1809–1885), ambos com 32 anos, sendo que este último foi o que mais tempo
permaneceu no cardinalato, durante 44 anos1170.

Gregório XVI nomeou 49 cardeais descendentes da nobreza, sendo que a


maioria tinha parentes que haviam pertencido ao Colégio de Cardeais; quatro – Adriano
Fieschi (1788–1858), Gabriele Della Genga (1801–1861), Fernando Maria Pignatelli
(1770–1853) e Giacomo Piccolomini (1795–1861) – eram descendentes de papas1171.
Sete eram provenientes da burguesia comercial, 15 de famílias de classe média, e
apenas 3 eram filhos de trabalhadores humildes: Angelo Mai (1782–1854), Giuseppe
Gasparo Mezzofanti (1774–1849) e Francesco Capaccini (1784–1845). Dos novos
cardeais, 28 eram doutores em Direito Civil e Canônico, doutorado utroque iure, nove
eram doutores em Teologia e dois em Filosofia. Ainda entre os novos cardeais, oito já
haviam trabalhado de alguma forma junto à Inquisição Romana, e cinco como censores
do Index Librorum Prohibitorum. Deles, 39 italianos e 25 não italianos, 54 comporiam
o quorum do conclave de 1846 que elegeu o papa Pio IX, e 13 participariam do Concílio
do Vaticano em 1869 e 18701172.

A despeito de ser um conservador absolutamente contrário a tudo que os


tempos modernos impunham, Gregório XVI promoveu a cardeal alguns intelectuais,
que tiveram destaque na cultura e nas ciências em seu tempo. O primeiro deles foi
Angelo Mai, filho de uma família humilde da Lombardia, que muito jovem entrou para
a Companhia de Jesus. Paleógrafo e estudioso de línguas orientais, em 1820 tornou-se

1170
MIRANDA, 2021, s.p.
1171
Fieschi era descendente dos papas Inocêncio IV, papa entre 1243 e 1254, e Adriano V (1276); Della
Genga era sobrinho de Leão XII (1823–1829); Pignatelli descendia de Bento XII (1335–1342), e
Piccolomini, de Pio II (1458–1464) e Pio III (1503) (idem, ibid.).

328
chefe de guarda da Biblioteca Papal do Vaticano. A partir de 1825, organizou uma
monumental coleção de 40 volumes, na qual recolheu e ordenou todas as descobertas
científicas feitas nos últimos três séculos. Também foi responsável pela restauração de
inúmeras obras da biblioteca tidas como perdidas; foi consultor da Inquisição Romana.
Giuseppe Gasparo Mezzofanti, bolonhês, filho de carpinteiro, especializou-se no estudo
de idiomas; ainda adolescente concluiu com distinção o curso de teologia, antes de ter
atingido a idade mínima para a ordenação como padre. Também estudou etnologia,
arqueologia, numismática e astronomia. Foi professor de hebraico e grego na
Universidade de Bolonha, e consultor da Congregação para a Correção dos Livros da
Igreja Oriental, e da Congregação do Index’. Consta que falava perfeitamente 38
línguas e mais 50 dialetos. Francesco Capaccini, romano, também filho de uma família
de modestos comerciantes. Dedicou-se ao estudo de teologia, filosofia, letras, direito e
ciências – física, matemática e astronomia. Foi astrônomo do Observatório de Nápoles.
Curiosamente, Mai, Mezzofanti e Capaccini eram os cardeais originários das famílias
mais pobres. Também destacou-se Francesco Saverio Massimo, filho de nobres, nascido
em Dresden, na Saxônia. Foi membro, presidente e fundador de várias sociedades
arqueológicas, na península italiana, na França e na Grécia. Supervisionou a construção
do Museu Gregoriano Egípcio em Roma, e realizou um extenso trabalho de restauração
de museus nos Estados Pontifícios1173.

3.5. Pio IX

No momento da morte do papa Gregório XVI, o último da geração de


clérigos formada antes da Revolução Francesa e de Napoleão, a Igreja Católica não
apresentava muitos problemas teológicos ou dotrinários, mas a situação política dos
Estados Pontifícios era muito tensa. A invasão e o domínio de Napoleão na região
redesenhou o mapa da península italiana, de certa forma possibilitando o reagrupamento

1172
Idem, ibid.

329
dos italianos em apenas um país. Ao dissolver as fronteiras dos antigos reinos italianos,
obrigando suas populações a uma convivência até então desconhecida, as tropas
francesas conseguiram reduzir na prática rivalidades e inimizades centenárias. Estados
vizinhos, que haviam sido inimigos hereditários, descobriram que podiam viver juntos
em paz, com base em uma história e tradição comuns. O alistamento militar obrigatório,
introduzido na península por Napoleão, também colocou lado a lado nativos de várias
províncias, libertando-os de preconceitos. A aproximação possibilitou a descoberta de
uma identidade comum, e, por conseguinte, do nacionalismo1174. As constantes invasões
francesas e austríacas após a restauração monárquica estimularam ainda mais esse
sentimento, somando a ele o patriotismo. Às questões política juntava-se a catástrofe
social de uma brutal depressão econômica que varreu o continente a partir de meados da
década de 1840. As colheitas foram insuficientes para a alimentação da população, e
grandes massas, como na Irlanda e no sul da península italiana, morreram de fome. Nas
cidades o desemprego aumentou assustadoramente e massas de trabalhadores urbanos
perderam suas ocupações1175.

Enquanto isso, nos Estados Pontifícios prevalecia a repressão política.


Estima-se que entre 1821 e 1846, mais de 200 mil pessoas foram punidas por crimes
políticos com pena de morte ou prisão perpétua, e que quase dois milhões de habitantes
estiveram sujeitos à vigilância policial constante1176. Desde o papado de Leão XII, os
italianos não podiam andar armados, todas as reuniões passaram a ser proibidas e
jornais e livros, duramente censurados; a educação foi reduzida a um número mínimo, e
sempre em língua Italiana,; foram proibidos os idiomas regionais. Gregório XVI
também reiterou todas as proibições de seu antecessor relativas à ciência e à
tecnologia1177. Nos tribunais também apenas o italiano era permitido, reduzindo em
muito a possibilidade de defesa dos acusados1178. Os príncipes italianos também se

1173
Idem, ibid.
1174
PIRIE, 1936, p. 325.
1175
HOBSBAWM, 1996, p. 207.
1176
PIRIE, 1936, p. 326.
1177
Gregório XVI baniu evidentemente a invenção de seus Estados [...] correndo o risco de transformar
os Estados Pontifícios como um ponto isolado, cortado da comunicação moderna (LAGRÉE, 2002, p.
405).
1178
PIRIE, 1936, p. 327.

330
valiam da dura repressão para calar os movimentos nacionalistas e com a revolta
popular1179. O que era apenas agitação, sob o papado de Gregório XVI tornou-se uma
possibilidade concreta de levante e rebelião. Para Metternich, chanceler austríaco, e
François Guizot (1787–1874), seu correspondente francês, a agitação na península era
apenas uma questão de repressão; a Áustria, dominando a Lombardia e Vêneto, temia a
agitação nacionalista em outras regiões da península1180. O Colégio de Cardeais,
composto em sua maior parte por italianos, inquietava-se com o sentimento
nacionalista. Para a população, o prestígio da política desenvolvida pelo papa Gregório
XVI e por Lambruschini, seu secretário de estado, estava em seu ponto mais baixo.
Receosos, os cardeais abriram o conclave rapidamente, sem esperar a chegada dos
cardeais que estavam fora de Roma1181. A abertura em 14 de junho de 1846 deu-se sob
um forte esquema de segurança destinado a preservar a ordem na cidade: tropas da
Áustria ocuparam vários pontos estratégicos de Roma e seus navios de guerra
ancoraram no porto de Ancona, no Mar Adriático. Nas províncias dos Estados
Pontifícios, clérigos da confiança de Lambruschini foram encarregados do governo
provisório, durante a ausência dos cardeais em Roma1182.

A principal rivalidade do conclave ficou concentrada entre os cardeais


conservadores, entre os statisti e stranieri (estadistas e estrangeiros), comandados pelos
dois ex-secretários de estado do papa Gregório XVI. Tommaso Bernetti havia indicado
o cardeal Mastai Ferretti, e Lambruschini, apoiado pela Áustria, defendia candidatura
própria1183. Os liberali apoiaram o cardeal Tommaso Gizzi (1787–1849), o favorito da
população romana, mas supostamente liberal demais para o conjunto dos cardeais, que
recebeu apenas dois votos nas sucessivas eleições realizadas no conclave1184. Bernetti,

1179
HALES, 1954, p. 17.
1180
Idem, ibid., p. 25.
1181
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 57.
1182
PIRIE, 1936, p. 328.
1183
Os statisti estavam ansiosos por afirmar a independência espiritual e temporal de Roma contra os
governantes católicos, principalmente Metternich. Entre eles se encontrava Mastai, um cardeal
eminentemente italiano em sua aversão a Viena (HALES, 1954, p. 19).
1184
BAUMGARTEN, 2003, p. 192. Durante os períodos mais intensos da repressão política promovida
pelo papa Gregório XVI e por seu secretário de estado, Lambruschini, o cardeal Gizzi acolheu
perseguidos, permitindo que escapassem, sempre se recusando a admitir a presença de corporações
militares papais de perseguição em área de sua jurisdição (HALES, 1954, p. 28).

331
tão conservador quanto Lambruschini, havia percebido o sentimento majoritário do
cardinalato, de que se deveria eleger um papa italiano, relativamente jovem, disposto a
corrigir os excessos de Gregório XVI e fazer algumas reformas1185.

Bernetti, sabendo que o cardeal Karl von Gaisrück estava a caminho de


Roma com os vetos de Metternich a seu nome e aos de Mastai e de Gizzi, acelerou a
votação, e em menos de 48 horas o elegeu como o papa Pio IX, uma homenagem a Pio
VII, seu primeiro patrono1186.

Para os padrões do papado, Giovanni Mastai Ferretti, com 54 anos na data


do conclave, era jovem. Filho de um conde, sobrinho do bispo de Pesaro e sobrinho-
neto do cardeal Pietro Girolamo Guglielmi (1694–1773), nascera na comuna de
Senigallia, no litoral Adriático, nos Estados Pontifícios. Tentara a carreira militar, mas a
epilepsia que o acompanhara desde criança o impediu. Estudante de filosofia e teologia
em Roma, em 1810 foi obrigado a sair da cidade em razão da presença das tropas
francesas na região, voltando apenas em 1814. Fora ordenado em abril de 1819 em
Roma, e, entre 1823 e 1825, atuara como auditor da delegação apostólica no Chile, o
primeiro futuro papa a sair da Europa desde Gregório X, pontífice entre setembro de
1271 e março de 1272, que estivera uma vez na Palestina. Em dezembro de 1832
tornara-se bispo de Ímola1187. Era considerado um moderado perante os arcaísmos da
administração papal, opondo-se à natureza policial implantada desde o papa Leão XII.
Contudo, não cogitava permitir a participação ativa da população nos negócios de
Estado, nem fazer concessões à agitação nacionalista nos Estados Pontifícios. Também
rejeitava o neoguelfismo proposto pelo primeiro-ministro da Sardenha, o padre maçom

1185
FARINI, 1851, p. 171. Havia uma anedota em Roma durante o conclave de 1846, afirmando que
mesmo que Inácio de Loyola tivesse sido eleito, seria impossível ter um papado mais reacionário que o
anterior (MONSAGRATI, 2019, p. 12).
1186
Além de Bernetti apenas quatro cardeais elevados pelo papa Pio VII participaram do conclave:
Giacomo Fransoni, Benedetto Barberini, Francisco de Cienfuegos y Jovellanos (1776–1847) e Vincenzo
Macchi (1770–1860). Karl von Gaisrück também fora indicado por aquele papa, mas chegou atrasado ao
conclave. Todos os outros 45 cardeais haviam sido escolhidos por Gregório XVI, e apenas um, Charles
Acton (1803–1847), não era italiano, apesar de ter nascido em Nápoles (MIRANDA, 2021, s.p).
1187
Idem, ibid.

332
Vincenzo Gioberti (1801–1852), que queria unir a Itália em um único reino tendo o
papa como seu rei1188; achava que, como chefe espiritual de todos os cristãos, não
deveria desempenhar o papel de soberano em uma federação italiana. Apesar de não
concordar com as práticas e os métodos de seu antecessor, e nos primeiros dias indicar
que seguiria um caminho diferente de seu antecessor, Pio IX recebera uma pesada
herança, cujas contingências políticas o fizeram gradativamente aceitar.

3.5.1. O papado “liberal”

A administração dos Estados Pontifícios ainda estava fechada para as


práticas políticas e constitucionais que se generalizavam na Europa. A organização
política existente na França ou na Inglaterra fazia parecer que a Santa Sé vivia em um
século anterior. A dissonância política também se repetia na economia: as finanças da
Igreja estavam em situação precária. A constante agitação política na Europa esvaziara
os cofres de Roma, impedindo que rendas como aquela proveniente das grandes
propriedades rurais continuassem fluindo. A cúpula da Igreja acreditava que a teoria
econômica moderna era um componente pernicioso e repreensível do movimento liberal
secular que infectou o continente1189. O vultoso empréstimo tomando por Gregório XVI
em 1831 junto ao banco Rothschild fora utilizado sem produzir riqueza para o Estado.
Não havia profissionalismo ou transparência na administração das finanças. A miséria,
inclusive nas grandes cidades, não podia ser atenuada com a caridade, como pregava a
Igreja. Além da administração, a justiça também era anacrônica. Não existia uma regra
de Direito Penal clara e reconhecida, com procedimentos rápidos e públicos, e
julgamento por um júri, coisa que na Inglaterra já havia há 150 anos. A aplicação

1188
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 60. O neoguelfismo, que unia intelectuais moderados, era uma referência
à disputa entre guelfos e gibelinos na sucessão do Sacro Império Romano-Germânico, após a morte do
imperador Henrique V, em 1125, que não deixara herdeiros. Os guelfos apoiavam o papa Honório II, que
defendia a Casa de Welf, italianizado como guelfo, e os gibelinos apoiavam a dinastia de Hohenstaufen,
de Waiblingen, gibelino (MILANI, 2005, s.p.).
1189
POSNER, 2015, p. 11.

333
indiscriminada da pena de morte nos Estados Pontifícios também incomodava os
espíritos liberais europeus. Os espiões e as milícias paramilitares, como o grupo
Centurioni, era procedimento usual adotado por Lambruschini; a polícia secreta prendia
indiscriminadamente, invadia casas de suspeitos e os torturava. O próprio papa, ainda
como cardeal, em Ímola assistira à perseguição e morte de um fugitivo por alguns
centurioni dentro da catedral da cidade. As prisões estavam superlotadas, uma vez que o
aparato policial e repressivo era muito mais rápido que o judicial. A corrupção, o
suborno e o peculato eram práticas regulares1190. Pio IX implantou reformas na justiça
logo em seus primeiros meses: tentou implantar um sistema que permitisse o habeas
corpus, simplificou o complicado sistema de tribunais criminais, promoveu uma
reforma geral do Código Penal e ordenou a inspeção regular das prisões1191.

Para administração dos Estados dos Pontifícios, o papa criou um Conselho


de Estado, uma câmara consultiva de 24 vereadores, eleitos por voto indireto,
começando nas comunas, mas sem qualquer papel decisório. Não era obrigatório ser
clérigo, mas o presidente seria um cardeal nomeado pelo papa. Para a administração da
cidade de Roma, foi criado um conselho deliberativo de cem membros, todos também
nomeados pelo papa. Em junho de 1847, foi formado o Conselho de Ministros, que
admitia ministros leigos, algo que o Colégio de Cardeais jamais poderia admitir. Sob a
presidência de Giacomo Antonelli, (1806–1876), ex-tesoureiro da Santa Sé e cardeal
recém-elevado, compunham o ministério os liberais e todos laicos: Francesco
Sturbinetti (1807–1865), vice-presidente; Gustavo Galletti (1805–1868), ministro da
Justiça; Gaetano Recchi (1797–1856), ministro do Interior; Marco Minghetti (1818–
1886), ministro de Obras Públicas; Camillo Aldobrandini (1816–1902); ministro das
Armas; Annibale Simonetti, ministro das Finanças; e Giuseppe Pasolini (1815–1876),
ministro do Comércio, Agricultura e Indústria. As reformas administrativas foram
recebidas sem entusiasmo pela população, muito diferente das primeiras medidas
adotadas por Pio IX. A esperança de um governo liberal iluminista era apenas uma
ilusão. Quando da posse do conselho de estado consultivo, Consulta di Stato, em 15 de

1190
HALES, 1954, p. 29-31.
1191
Idem, ibid., p. 59.

334
novembro de 1847, Antonelli, presidente do Conselho de Ministros e a partir de março
de 1848 secretário de estado, discursou: Para melhor compreender e atender às
necessidades do público, ele os reuniu em um conselho permanente, para ouvir suas
opiniões e usá-las em suas próprias deliberações soberanas, consultando sua
consciência e conferindo com seus ministros e o sagrado colégio. Deixou claro aos
conselheiros os limites impostos pelo papa: as decisões da Consulta di Stato eram
apenas indicativas, e jamais seria uma instituição incompatível com a soberania
papal1192. Pio IX detinha o poder espiritual e secular, do qual o cardinalato não admitia
que abrisse mão: seu duplo papel impossibilitou o papa de tornar-se um monarca
constitucional no sentido de possuir uma soberania limitada, um poder que estava
sujeito à vontade de uma assembleia eletiva1193.

Ao lado de uma pesada herança do papa Gregório XVI, Pio XI a princípio


contava com a desconfiança popular, uma vez que o Colégio de Cardeais era
absolutamente conservador, comandado pelos ex-secretários de estado Lambruschini e
Bernetti. O cardinalato, que também pouco sabia sobre Mastai, suspeitava de que fosse
movido por uma espécie de liberalismo1194. A mesma desconfiança contra o novo papa
havia entre os soberanos das maiores potências europeias, Prússia, Rússia e Áustria, o
apoio mais constante, assim como entre os monarcas dos Estados italianos da
península1195.

Afável e mais liberal do que a maioria dos cardeais esperava, ele logo
ganhou a simpatia da população dos Estados Pontifícios, em 17 de julho de 1846, um

1192
SPADA, 1868, p. 394-395. Compunham o conselho: oito advogados, oito condes, três príncipes, dois
marqueses, dois comerciantes e um bispo (idem, ibid.).
1193
HALES, 1954, p. 59-61.
1194
Antes de deixar o cargo, em 22 de junho de 1847, 15 dias antes de renunciar, Gizzi emitiu uma nota
advertindo ao povo que as reformas implantadas não deveriam ser mal interpretadas e que não
representavam qualquer sinal de hostilidade do papa, especialmente à Áustria: Sua Santidade não foi
capaz de conceber, sem grande dor de alma, que alguns espíritos agitados gostariam de aproveitar o
presente estado de coisas para expor ou fazer prevalecer doutrinas e pensamentos totalmente contrários
às suas máximas [...] e ao caráter sublime do Vigário de Jesus Cristo [...] e para excitar no povo por
palavras ou atos, desejos e esperanças de reforma além dos limites indicados (SPADA, 1868, p. 234).

335
mês depois de sua eleição, ao anistiar mais de mil presos acusados de sedição e permitir
a volta de exilados, excluídos religiosos e presos comuns; também determinou que as
inquisições políticas parassem imediatamente. As medidas, festejadas em Roma,
discutidas em um comitê com cardeais liberais e conservadores, não encontraram
profunda resistência no Colégio de Cardeais; muitos as viam como inevitáveis para
evitar novos levantes; os conselheiros papais apenas divergiam quanto a uma anistia
geral para as condenações políticas ou a um procedimento mais gradual e
individualizado1196. Nunca um papa encontrara as prisões tão cheias no momento de sua
posse1197. Metternich, em uma carta ao embaixador austríaco na Santa Sé, Rudolf von
Lützow, ainda em julho de 1846, afirmou que o correto seria conceder o perdão e não
uma anistia que apaga os crimes cometidos como se não houvessem acontecido: O
perdão pressupõe a culpa e a existência de uma autoridade investida do direito de
perdoar, porque detém o direito de punir [...] a anistia não ultrapassa os limites de uma
declaração de nulidade, [...] uma declaração de esquecimento; não é a falha, são as
consequências da falha que ela anula1198.

Animado por sua popularidade em Roma, o papa Pio IX permitiu a


formação de comitês consultivos de leigos e até mesmo uma milícia cívica. Decisões
foram tomadas para melhorar a educação popular, suspender a censura à imprensa e
introduzir linhas telegráficas1199. A liberdade permitiu o surgimento de inúmeros
jornais. No fim de agosto de 1846 foi criada uma comissão para estudar a construção de
uma ferrovia nos Estados Pontifícios ligando o Mar Tirreno ao Adriático, cruzando os
Montes Apeninos. Foram feitos planos para fornecer iluminação a gás nas ruas; uma
destilaria de gás seria instalada para dar beleza e segurança à cidade. Também estudou-

1195
HALES, 1954, p. 52-53. Entre os cardeais, Pio IX podia contar apenas com dois: o próprio Gizzi e,
Luigi Amat (1796–1878).
1196
FARINI, 1851, p. 177. Para os primeiros, os condenados já haviam sofrido muito, e um ato de
misericórdia seria um golpe brilhante, que o novo reinado deveria começar com brilho, e que nenhum
raio mais brilhante do que este poderia descer do trono supremo do perdão. Já para aqueles que
defendiam um processo mais lento, devolver à liberdade um grande número de pessoas, que até pouco
tempo estavam organizando sedições, poderia ser ofensivo para os amigos do governo (idem, ibid.).
1197
CHADWICK, 1998, p. 64.
1198
METTERNICH, 1883, p. 254-255.
1199
SMITH, 1988, p. 115.

336
se a criação de institutos agrícolas e escolas rurais1200. A Santa Sé ainda passou a
permitir bailes e festas nos jardins da cidade. A população animava-se com os boatos de
que o novo papa não via com simpatia a aproximação da Igreja com a Áustria, e que
lutaria pela expulsão dos austríacos de Milão e Veneza, regiões que governavam desde
18151201. O papa, a princípio desconhecido, tornara-se popular, algo semelhante ao que
ocorrera com papa Pio VII quando retornou a Roma após seu exílio ordenado por
Napoleão. Popularidade não compartilhada pelos setores conservadores da Igreja.
Muitos religiosos protestaram contra um papa jacobino, freiras foram chamadas a orar
contra o mal de um papa liberal; em muitas regiões dos Estados Pontifícios circularam
boatos de que Pio IX se filiara à organização Giovine Italia, de Giuseppe Mazzini, e que
aboliria a Companhia de Jesus1202. Os boatos aumentaram depois de o papa nomear o
cardeal Tommaso Gizzi, tido como ultraliberal, para ocupar a Secretaria de Estado.
Logo após sua indicação, o cardeal iniciou os estudos para a construção de uma
ferrovia, fez pronunciamentos a favor da educação e reformou a censura, que
continuaria existindo apenas para as questões da religião e relativas ao papa, mas com
direito de apelação contra o veredicto dos censores1203. Aparentemente o novo papa
faria um governo diametralmente oposto ao de Gregório XVI.

Contudo, além das aparências, da impressão popular e das reformas iniciais


empreendidas, Pio IX manteve-se fiel à linha adotada por seus predecessores. Em 9 de
novembro de 1846, publicou a encíclica Qui pluribus uma exortação aos patriarcas,
primazes, arcebispos e bispos para que mantivessem os fiéis distantes dos erros de seu
tempo. O documento agradava às sensibilidades conservadoras, mostrando que o papa,
em questões de fé e defesa da Igreja, estava ao lado do papa Gregório XVI. O texto
trouxe advertências: Uma guerra amarga e terrível está sendo travada contra a Igreja
Católica nesta nossa era por homens que estão em união impiedosa uns com os outros,
adversários da sã doutrina, desdenhosos da verdade, com a intenção de tirar das trevas
todo monstro de opinião e com todas as suas forças de acumular, espalhar e disseminar

1200
HALES, 1954, p. 58.
1201
Idem, ibid., p. 18.
1202
CHADWICK, 1998, p. 66.
1203
Idem, ibid., p. 67.

337
erros entre o povo1204. Também alertou contra as armadilhas usadas pelos detratores da
verdade e da luz [pois] esforçam-se para extinguir todo o amor à justiça e à
honestidade na mente dos homens, buscando destruir os dogmas e as doutrinas da Igreja
Católica, ensinando que os sagrados mistérios da nossa religião são invenções
humanas; acusando a doutrina da Igreja Católica de contradizer o bem e as vantagens
da sociedade humana; negando a divindade do próprio Cristo. No documento criticou
de forma velada o protestantismo, assim como a exegese e a hermenêutica da Bíblia por
todo aquele que, abusando da razão e estimando a palavra de Deus como obra
humana, ousa explicá-la e interpretá-la a seu bel-prazer, quando o próprio Deus
constituiu uma autoridade viva, que ensina e estabelece o verdadeiro e o significado
legítimo de sua revelação celestial, e, com julgamento infalível, define toda
controvérsia de fé e moral, de modo que os fiéis não sejam enganados1205. Também, da
mesma forma repetindo seus antecessores, criticou o indiferentismo, as sociedades
bíblicas, acrescentando a elas a condenação à nefasta doutrina do comunismo, como
dizem, mais avessa à própria lei natural, [contra] os direitos de tudo, das coisas, das
propriedades, [que] desviam os homens da observância de todas as religiões e destroem
o rebanho do Senhor1206.

O referido liberalismo de Gizzi também foi colado à prova algum tempo


depois, em 5 de julho de 1847, quando o papa Pio IX criou a Guarda Cívica, uma
corporação popular destinada a manter a ordem nas cidades dos Estados Pontifícios,
constantemente abalada pela atuação de antigos membros do grupo Centurioni, que
ficaram proibidos de qualquer ação oficial, e de grupos sanfedistas1207. Em 9 de julho de
1847, em protesto contra a criação da Guarda Cívica, Gizzi pediu demissão; temia que

1204
PIO IX, encíclica Qui Pluribus (1846). Segundo alguns autores, a encíclica teria sido escrita pelo
cardeal Lambruschini (CHADWICK, 1998, p. 68).
1205
Idem, ibid.
1206
Idem, ibid.
1207
FARINI, 1851, p. 232. O termo sanfedismo originou-se da locução Santa Fede; foi um movimento
criado pelo cardeal Fabrizio Ruffo (1744–1827), organizado em Nápoles como uma milícia para
combater o exército francês na região. Formado por camponeses, aos moldes do levante francês em La
Vendée, de 1793, e infiltrado por criminosos, cometeu atrocidades tão selvagens quanto as de seus
oponentes. Após 1815 grupos reacionários em outras regiões, Piemonte, Veneza, Modena, Toscana, e
Estados Pontifícios, também foram chamados de sanfedistas. Em meados do século o termo adquiriu um

338
armar a população desagradaria ao governo austríaco, com o qual mantinha boas
relações por meio do embaixador Lützow. Foi substituído pelo cardeal Gabriele Ferretti
(1795–1860), também sem um perfil conservador, mas que desagradava tanto a liberais
quanto a jesuítas, o qual, por sua vez, ficou apenas seis meses no cargo: de 17 de julho a
31 de dezembro de 18471208.

Apesar de ocupar o cargo por pouco tempo, Ferretti, a quem competiam as


relações exteriores, protagonizou um grave incidente com a Áustria. Em 6 de agosto de
1847, tropas austríacas fortemente armadas, sem qualquer notificação prévia, entraram
no território dos Estados Pontifícios, invadindo a cidade de Ferrara, fortalecendo
enormemente uma pequena fortificação que mantinha lá. O cardeal Luigi Ciacchi
(1788–1865), legado apostólico na Romagna, representando o papa Pio IX, protestou
contra a invasão: Tal procedimento é totalmente ilegal e contrário aos acordos feitos
desde o Tratado de Viena, bem como a um longo curso de costume, e, na minha
qualidade de Legado Apostólico desta Cidade e Província, pretendo fazê-lo. A fim de
preservar os direitos da Santa Sé em sua integridade, eu solenemente, e da forma mais
eficaz, protesto contra a ilegalidade de tal procedimento1209. Ferretti protestou no
mesmo tom contra a invasão. Poucos dias depois Ciacchi foi deposto pelas tropas
estrangeiras, e obrigado a ceder toda a administração da província ao comando
austríaco. O escritório de Metternich em Viena, muitos dias depois, respondeu aos
protestos da Santa Sé de forma lacônica, afirmando que o governo imperial nada mais
fizera do que fazer uso de um direito que lhe era garantido por tratado. Quanto às
reformas promovidas pelo papa, dizia-se favorável, mas não admitia a introdução de
novas teorias abusivas: Reformar é melhorar o que existe, não substituir algo
inteiramente novo, sem raízes no passado. [...] Que tais mudanças sejam temidas,
sobretudo nos Estados Pontifícios, onde o duplo caráter da autoridade, tanto temporal
quanto espiritual, deve ser sustentado pela estabilidade de suas instituições, bem como

sentido pejorativo, usado para definir todos os partidários extremados da união do trono e do altar
(SHAY, 2003, v. 12, p. 666).
1208
MIRANDA, 2021, s.p.
1209
FARINI, 1851, p. 246.

339
pela dignidade da Santa Sé, quanto à segurança do catolicismo universalmente1210. A
decisão da invasão fora exclusiva do chanceler, que exercia as funções de príncipe
regente da Áustria. A morte do imperador Francisco I, em 1835, deixou como sucessor
seu único filho, Fernando I, que tinha deficiência mental. A regência que se formou era
dirigida por Metternich, sucedido pelo arquiduque Luís José Antônio João (1784–1864),
e pelo conde Franz von Kolowrat-Liebsteinsky (1778–1861), e governou o império até a
renúncia de Fernando I provocada pela Revolução de 1848.

Metternich desejava dar uma demonstração de força, deixando claro que não
toleraria agitação na península. Ao mesmo tempo em que invadiu os Estados
Pontifícios, o governo austríaco reforçou as suas tropas nas regiões da Lombardia e do
Vêneto, em seu poder desde 1815. Em uma intensa troca de correspondência nos meses
de agosto e setembro de 1847, o chanceler deixou claras suas intenções: O que
aconteceu neste Estado é uma revolução. A revolução cobre-se com a máscara da
reforma; toda reforma [...] produz outro efeito, torna-se óbvio que o que se qualifica
como reforma está errada em sua base [...] as reformas realizadas neste Estado foram
além em sua concepção original, e desviaram-se do caminho em que o governo
pretendia1211. Ao conde Karl von Buol-Schauenstein (1797–1865), embaixador na corte
do rei Vittorio Emanuele II, da Sardenha-Piemonte, em setembro, o chanceler escreveu
que o governo do reino deve saber que as facções estão visando a uma revolução
radical, enquanto escondem seus verdadeiros desígnios sob a bandeira da reforma
social. É a única e indivisível república italiana com a qual sonham, ou pelo menos a
criação de diferentes repúblicas unidas por um vínculo federal, como os Estados
Unidos da América. Reafirmou os tratados do Congresso Viena de 1815, enfatizando
que eles representavam uma forte barragem contra os planos subversivos perseguidos
pelos revolucionários italianos. E concluiu: É importante reunir os principais poderes
signatários destes tratados e das respostas que deles já nos chegaram e que são
unânimes em reconhecer o valor das garantias sob as quais se situa o Estado de posse

1210
Idem, ibid., p. 260.
1211
Carta ao embaixador Apponyi em Paris, de 6 de agosto de 1847 (METTERNICH, 1883, p. 414).

340
dos soberanos que reinam na Itália1212. Para ele, Itália era uma palavra desprovida de
significado político; não conhecemos outra Itália senão aquela composta por diferentes
soberanias independentes, sendo que os Estados Pontifícios estariam nas garras de uma
revolução flagrante. A revolução na península é adornada com as cores do liberalismo,
a Itália não é um país onde as ideias liberais podem dar frutos; o povo italiano não as
compreende e só sabe aplicá-las sob a forma de licença; [...] o que esses homens
almejam é uma revolução radical1213. E as consequências da agitação teriam reflexos no
catolicismo: Constrangimentos aguardam o papa no campo da religião. Não há linha a
ser traçada entre as reformas legislativas, administrativas e religiosas; o soberano
pontífice, reformador civil, necessariamente se encontrará exposto às reivindicações
por parte dos reformadores em matéria de religião. Para Metternich, as excitações do
movimento democrático inculcado nas mentes nas populações, e nesta fração da
população que forma o baixo clero contêm, a meus olhos, muito mais perigo para o
soberano pontífice do que o trabalho dos sectários que arvoram a bandeira política1214.
A intensa correspondência com os embaixadores continuou por todo o segundo
semestre de 1847.

Mas o incidente de Ferrara estimulou o papa Pio IX a tentar concretizar seu


projeto de uma liga alfandegária nos territórios italianos de toda a península, aos moldes
do que havia ocorrido com os Estados alemães, que já haviam formado o zottverein; a
união aduaneira também não chegou a concretizar-se, apesar de contar com o apoio do
rei Carlos Alberto da Sardenha-Piemonte1215. As medidas políticas adotadas, assim
como a simples ideia de uma união entre os territórios italianos, que garantiria a
independência dos príncipes italianos, desagradou profundamente a Viena, colocando o
novo pontífice em conflito com o governo da Áustria1216. É difícil precisar se Pio IX
causara esse conflito de forma intencional, ou se fora motivado apenas pela sequência

1212
Idem, ibid., p. 415.
1213
Carta a Apponyi de 27 de setembro de 1847 (idem, ibid., p. 417-418).
1214
Correspondência ao embaixador Lützow, em Roma, de 10 de outubro de 1847 (Idem, ibid., p. 426).
1215
FARINI, 1851, p. 264.
1216
SCOTT, 1969, p. 3. O que parecia ser a consequência mais potente da reforma de Pio IX foi um
renascimento da rivalidade triangular da França, Áustria e Inglaterra. Mais uma vez, como nos séculos
anteriores, as elaboradas teorias da Igreja e do Estado foram substituídas pelas relações competitivas
entre os poderes externos à Itália (idem, ibid., p. 4).

341
de acontecimentos. Concretamente, a invasão de Ferrara por tropas austríacas, que foi
tomada como uma provocação, e a dura resposta do cardeal Ferretti estimularam os já
exaltados ânimos nacionalistas italianos. Metternich conseguira agitar a opinião pública
a um ponto até então nunca visto, obtendo a oposição até mesmo daqueles que não se
interessavam por política. O fim da censura permitiu que mesmo os jornais mais
conservadores agitassem o nacionalismo ofendido, defendendo a resistência. De todos
os lados chegavam a solidariedade e o apoio ao papa. Cidades de toda a península
ofereceram tropas para expulsar os austríacos de Ferrara; formaram-se milícias armadas
e muitos jovens alistaram-se na Guarda Cívica. Mobilizaram-se não apenas de liberais
leigos, mas também de padres, bispos e ordens religiosas que coletaram dinheiro para as
despesas com armamentos1217. Entre a população circulou o boato de que o papa Pio IX
excomungaria o imperador Fernando I, assim como o regente e chanceler Metternich, o
que não ocorreu.

A popularidade de Pio IX era surpreendente, inclusive para ele próprio. De


vários países chegavam turistas e peregrinos que queriam conhecer os novos ares que
emanavam de Roma. As manifestações de apoio chegavam de muitos locais distantes,
mediante, por exemplo, cartas da comunidade italiana nos Estados Unidos da América,
ou da imprensa. Em um artigo, em 23 de março de 1847, no The Times de Londres,
Giuseppe Mazzini, em nome da Giovine Italia, divulgou uma carta aberta a Pio IX
conclamando-o a assumir a luta pela unificação da Itália: Não há homem, não direi na
Itália, mas na Europa mais poderoso do que você. Você tem, portanto, bendito pai,
deveres imensos; Deus os mede de acordo com os meios que ele dá a suas criaturas. A
Europa vive uma tremenda crise de dúvidas e de desejos1218. Com um estilo que em
muito lembrava Lamennais em Paroles d’un croyant, Mazzini afirmou que não
receberemos [a liderança] dos reis e das classes privilegiadas, cuja própria posição
exclui o amor, o espírito de todas as religiões, mas do povo. O espírito de Deus desce
sobre muitos, reunidos em Seu nome. O povo tem sofrido ao longo dos séculos sobre a
cruz, e Deus irá abençoá-lo com uma fé. O texto concluía: Para cumprir a missão que

1217
FARINI, 1851, p. 262.

342
Deus lhe confia, duas coisas são necessárias: acreditar e unificar a Itália. Sem a
primeira você cairá à beira do caminho, abandonado por Deus e pelos homens; sem a
segunda você não terá aquela alavanca com a qual, sozinha, você pode alcançar coisas
grandes, sagradas e duradouras1219. Contudo, nada disso aconteceu. Depois de longa
negociação, em 16 de dezembro de 1847, Pio IX fez um acordo com Metternich, que
retirou as tropas de Ferrara. Poucos dias depois, Ferretti, tido como liberal, foi
exonerado e substituído pelo cardeal Giuseppe Bofondi (1795–1867), mais conservador,
que havia sido elevado a cardeal seis meses antes, e que ocupou o cargo de secretário de
estado entre 1º de fevereiro e 10 de março de 18481220. Em Roma a solução do impasse
foi tomada como uma vitória do papa sobre os austríacos. A invasão de Ferrara fez com
que o papa parecesse mais liberal e nacionalista, e o líder natural da resistência
militar; Metternich fizera dele o herói da Itália1221.

Ao invés de acalmar a agitação, a saída dos austríacos agitou ainda mais o


clima político nos Estados Pontifícios. Nas províncias do norte cresceram os ataques
dos radicais contra todos aqueles ligados aos interesses estrangeiros, e aos
conservadores. Na região da Romagna os assassinatos políticos cresceram
enormemente, fazendo com que a agitação se expandisse para outras legações, cujos
conservadores administradores eclesiásticos não tinham habilidade política, nem
disposição de negociar com os liberais. Os grupos nacionalistas organizados viram sua
influência aumentar e expandir-se entre a população pobre. No fim de 1847, Mazzini e
outras lideranças da Giovine Italia tentavam obter apoio e dinheiro em Londres e em
Paris. A volta dos exilados, então anistiados, aumentou ainda mais a temperatura da
agitação revolucionária1222. A tensão nos Estados Pontifícios logo se expandiu para a
Lombardia e o Vêneto, controlados pela Áustria, que não titubeou em reprimir de forma
violenta e sangrenta o furor nacionalista, e posicionou tropas na fronteira da Lombardia
com as províncias pontifícias. Ao mesmo tempo cresceu o boato de que os austríacos

1218
HALES, 1954, p. 66. A carta pública de Mazzini muito teria desagradado a Pio IX, que nas ruas de
Roma era chamado de gran carbonaro (WOODWARD, 1963, p. 283).
1219
HALES, 1954, p. 66.
1220
Idem, ibid., p. 67.
1221
CHADWICK, 1998, p. 71.
1222
FARINI, 1851, p. 329-332; GIGLIO, 1912, p. 17.

343
ameaçavam a independência da Toscana. A região, apesar de autônoma, era governada
por uma linhagem da dinastia dos Habsburgos e, portanto, ligada a Viena, e, em razão
da repressão política, uma importante fonte de homens e recursos para os movimentos
nacionalistas1223.

A Revolução de 1848 e a Igreja Católica

No dia 13 de janeiro de 1848, o que se esperava há tempos explodiu sob a


forma de um levante em Palermo, que rapidamente se expandiu por todo o Reino das
Duas Sicílias. Em Nápoles, os revolucionários conseguiram obter do rei Ferdinando II a
promessa de uma constituição aos moldes da Constituição liberal da Espanha de 1812.
O rei nomeou um primeiro-ministro liberal, rompeu as relações diplomáticas e declarou
guerra à Áustria. O sucesso inicial do movimento foi o estopim para mais um ciclo
revolucionário em toda a Europa, que em 24 de fevereiro, em Paris, derrubou o rei Luís
Filipe I, instaurando uma República. Em 13 de março a revolução em Viena derrubou o
chanceler e regente austríaco Metternich, pondo fim a uma liderança europeia de mais
de 40 anos, entre 1809 e 1848, um símbolo do conservadorismo e da opressão
estrangeira na península italiana. A convulsão revolucionária que se seguiu em quase
todas as capitais europeias favoreceu a causa italiana de uma forma até então inédita. A
concorrência entre os Bourbons e os Habsburgos, desde o século XVII, pelo controle da
península italiana, arrefeceu nos primeiros meses de 1848; franceses e austríacos
estavam mais preocupados com a situação interna, permitindo que o nacionalismo
italiano tivesse alguma chance de sucesso na luta pela unificação da Itália. Em Roma,
dias depois, a chegada da notícia da queda de Metternich provocou uma explosão de
alegria e o repicar dos sinos por toda a cidade. O novo momento revolucionário não
mais se restringia à burguesia e às classes médias; a elas juntaram-se os pobres e, mais

1223
FARINI, 1851, p. 337.

344
importante, os trabalhadores organizados, inspirados por teorias socialistas
1224
revolucionárias .

Aparentemente o clima da festa nacionalista parecia não indicar um perigo


imediato para o papa, que para a população dos Estados Pontifícios representava uma
espécie de salvador da Itália, o soberano da Igreja que estava expulsando os poderosos
de seus assentos e levantando os humildes1225. Contudo, a aparente tranquilidade de Pio
IX não escondia a tensão crescente entre os cardeais nos corredores do palácio papal do
Quirinale. Apesar de muitos não terem vivido os tempos da Revolução Francesa, os
ataques revolucionários à Igreja eram bem conhecidos, e ainda provocavam pânico no
cardinalato. Ao contrário do papa, a grande maioria dos cardeais opunha-se à reforma, a
qualquer reforma em princípio; acreditavam que uma concessão levaria a outra, que por
sua vez levaria a mais uma, sucessivamente. Os prelados em Roma estavam tomados
pelo medo da revolução que dominava o pensamento católico há mais de meio
século1226.

Pressionado, e tentando reduzir a tensão, o papa Pio IX no mesmo dia, em


14 de março de 1848, publicou dois documentos, que pareciam discordantes. O primeiro
era o proclama Romani, e quanti, apelando à população, sob seu governo: Poupe o
pontífice da amargura que ele já sente em eventos similares que acabam de ocorrer em
outro lugar. Pois se mesmo entre os homens, que em qualquer instituto pertencente à
Igreja de Deus, houver alguns que mereçam, por sua conduta, desestima e
desconfiança, o caminho está sempre aberto às representações legais1227. O documento
trazia a ameaça de uma punição divina: Não queremos amargar nosso espírito e o
coração de todas as pessoas boas, prevendo as resoluções que seremos obrigados a

1224
O presente estudo não comporta uma análise detalhada das complexas condições econômicas e sociais
presentes na Europa que precipitaram os acontecimentos da Revolução de 1848. Um panorama geral
encontra-se no consagrado estudo de HOBSBAWM, A era das revoluções (The age of revolution),
especialmente em seu capítulo final.
1225
CHADWICK, 1998, p. 73.
1226
SCOTT, 1969, p. 6.
1227
PIO IX, proclama Romani, e quanti, 1848.

345
tomar para não sofrer o espetáculo dos flagelos pelos quais Deus está acostumado a
chamar os povos de volta de seus erros1228. O segundo documento foi o edito Nelle
istituzioni, que converteu o governo dos Estados Pontifícios em uma espécie de
monarquia constitucional. Segundo o papa a decisão foi influenciada pelo que acontecia
no restante da península: como nossos vizinhos julgaram seus povos maduros para
receber o benefício de uma representação que não seja meramente consultiva, mas
deliberativa, não queremos estimar menos nossos povos, nem confiar menos em sua
gratidão, não para com nossa humilde pessoa, pela qual nada queremos senão para
com a Igreja e esta Sé Apostólica1229. Nelle Istituzioni continha um anexo, o Statuto
fondamentale del governo temporale degli Stati di Santa Chiesa (estatuto fundamental
para o governo temporal dos Estados da Santa Igreja), uma espécie de constituição
outorgada pelo papa, que estabelecia um governo com funções divididas entre três
Poderes, ao quais se somava um quarto, um Poder Moderador. De uma maneira
complicada, o documento tentava conciliar os elementos da antiga máquina
administrativa de governo da Igreja com instituições parlamentares1230.

Pelo Statuto as funções executivas seriam exercidas por um corpo de


ministros escolhidos pelo papa, que poderia ser religioso ou, pela primeira vez na
história, leigo. O Legislativo seria composto por duas câmaras: o Conselho Superior e o
Conselho de Deputados, ambos com competência para elaborar leis. Para o primeiro os
membros seriam nomeados vitaliciamente pelo papa entre pessoas que ocupassem
cargos governamentais, administrativos e militares, ou que tivessem uma renda acima
de quatro mil scudi. Os membros do Conselho de Deputados seriam eleitos a cada
quatro anos entre pessoas que tivessem uma renda acima de três mil scudi; também
poderiam ser eleitos professores das universidades, advogados, membros das câmaras
de comércio, industriais e membros de organismos morais e instituições piedosas. Os

1228
Idem, ibid.
1229
Idem, edito Nelle Istituzioni, 1848.
1230
A primeira declaração dos ministros papais poderia incluir as palavras: “de acordo com sua
natureza [do papa], suas ações devem ser sempre boas e nunca podem ser más”. No entanto, isso era
uma teologia ruim e uma lei constitucional ruim. O mais infalível dos papas não é impecável. O rei da
Inglaterra não pode errar; a razão não é que ele seja perfeito e possa fazer todas as coisas bem, mas que
seus ministros assumem a culpa e a responsabilidade por tudo o que ele faça errado como rei. Quem
poderia ser o responsável pelas ações do Vigário de Deus na Terra? (WOODWARD, 1963, p. 286).

346
eleitores precisariam ser obrigatoriamente católicos, ter renda acima de 500 scudi, ou
então ser apto a ser eleito, ocupando os cargos que permitiam a eleição. Os deputados
poderiam elaborar leis sobre todos os temas, exceto sobre assuntos eclesiásticos ou
mistos: leis regulando temas contrários aos cânones ou às disciplinas da Igreja, questões
envolvendo relações diplomáticas da Santa Sé no exterior, ou o exercício da religião
católica. O Poder Judiciário seria exercido por um tribunal permanente, composto por
juízes leigos, sendo proibida a criação de tribunais extraordinários. Por sua vez, o Poder
Moderador estava nas mãos do Consistório Sagrado, composto pelo Colégio de
Cardeais e o papa, a quem cabia examinar e decidir pela aprovação da vigência de todas
as leis antes de entrarem em vigor1231.

Ao lado dos três Poderes era criado o Conselho de Estado, composto por 10
conselheiros escolhidos pelo papa, e um corpo de 24 auditores; com poder consultivo,
poderiam elaborar projetos de lei, regulamentos da administração pública e opinar sobre
matérias de governo. A Guarda Cívica, criada em julho de 1847, foi transformada em
uma instituição permanente do Estado. Foi abolida a censura prévia governamental,
mantida apenas a censura eclesiástica. O Statuto fondamentale protegeu a propriedade
privada como inviolável, com a possibilidade de desapropriações por motivo de
reconhecida utilidade pública, passíveis de indenização. A dívida pública e as demais
obrigações do Estado foram garantidas, com a tributação sobre particulares, de
entidades morais, instituições piedosas ou públicas. A administração municipal e
provincial seria exercida livremente segundo leis locais1232.

A queda do governo austríaco em 13 de março de 1848 provocou uma


reação imediata no norte da península italiana. Entre os dias 17 e 22 de março, a
população de Milão, capital da Lombardia, e de Veneza, capital do Vêneto, expulsou
das cidades as tropas austríacas; no dia 24, Carlos Alberto, da Sardenha-Piemonte,
declarou guerra contra a Áustria, em uma campanha de libertação nacional, conflito que

1231
PIO IX, edito Nelle Istituzioni, 1848.
1232
Idem, ibid.

347
duraria um ano. O domínio austríaco no norte da península, com sua centralização e
arrogância típicas de um governo militar, já havia esgotado a paciência dos italianos. A
declaração de guerra foi um ato preventivo de Carlos Alberto, que temia que os
republicanos assumissem a liderança da luta contra Viena1233.

No mesmo dia o general Giovanni Durando, um militar profissional


piemontês comandante das tropas papais, foi enviado para proteger a fronteira dos
Estados Pontifícios; as tropas papais, mesmo com ordem diversa, ultrapassaram os
limites fronteiriços e invadiram o que era o território austríaco, reforçando a impressão
que já existia de que o papa Pio IX havia aderido à causa Italiana1234. No dia 25 de abril,
os ministros leigos do Conselho de Ministros, que existia desde junho de 1847,
enviaram um ofício ao papa, avaliando três ações decisões possíveis perante a guerra e a
possibilidade real de invasão dos Estados Pontifícios pela Áustria: [ou] Vossa Santidade
consente em fazer a guerra por seus súditos [ou] declara absolutamente que não deseja
que a guerra seja feita; ou declara, finalmente, que deseja a paz, mas não pode impedir
que a guerra seja feita. Assinaram a nota, além do cardeal Antonelli, presidente do
conselho, todos os ministros – Sturbinetti, Galletti, Recchi, Minghetti Aldobrandini,
Simonetti e Pasolini1235. Na análise das três alternativas, os ministros deixavam claro
que a segunda opção, a neutralidade, traria todos os males [...] e comprometeria
seriamente o domínio temporal da Santa Sé. Nem se pode imaginar, sem nojo, quais
reações, quais desordens poderiam surgir, se não na capital, nas províncias, a partir de
uma decisão contrária ao entusiasmo do qual o povo está tomado1236. Em contrapartida,
o ministério, mesmo que fale apenas em termos gerais, considera a guerra como um
mal, neste caso a considera como o menor dos males, de fato como a única forma de
dar à Itália a paz natural e duradoura que só pode surgir por meio da aquisição justa
da nacionalidade1237.

1233
WOODWARD, 1963, p. 284.
1234
MARTINA, 1995, p. 233.
1235
MINGHETTI, 1889, p. 369-371.
1236
Idem, ibid., p. 370.
1237
Idem, ibid.

348
Pressionado internamente e pelos reinos peninsulares ao norte e ao sul para
que aderisse ao combate contra os austríacos, em 29 de abril de 1848, o papa Pio IX
declarou expressamente sua total desvinculação com o movimento nacionalista italiano.
Atendendo aos cardeais, entre os quais circulavam notícias de críticas austríacas à
indecisão de Roma, o papa convocou um consistório, no qual apresentou a alocução
Non semel, frisando de maneira clara que nunca havia pensado fazer qualquer gesto
contrário aos austríacos1238. Afirmou também que as mudanças que promovera
representavam a continuidade de uma orientação que vinha de muito tempo: Desde os
últimos dias de Nosso Predecessor Pio VII, os principais príncipes da Europa tiveram o
cuidado de sugerir à Sé Apostólica que adotasse na administração civil das coisas um
método mais expedito e mais de acordo com os desejos dos povos seculares. As
reformas empreendidas faziam parte desse processo, e que era um insulto sugerir que o
papa se havia desviado dos santos institutos da tradição, e se afastado da doutrina da
Igreja. Pio IX recusou qualquer responsabilidade nos eventos que se seguiram nos
reinos italianos: Nada mais fizemos do que o que parecia útil para a prosperidade de
nosso Estado, não só para nós, mas também para os príncipes1239. Afastou de forma
decisiva a ideia de que poderia vir a entrar em guerra contra a Áustria, e condenou as
pressões para que assumisse a liderança da Itália, como sugeria o neoguelfismo: Não
podemos deixar de rejeitar os conselhos desleais, manifestados também por meio de
jornais e panfletos, daqueles que gostariam que o pontífice romano fosse presidente de
uma certa nova República a ser feita pelos povos da Itália [...] erra muito quem pensa
que nossa mente pode ser tão lisonjeada pela ambição de um domínio temporal
maior1240. Originalmente o texto da alocução, rascunhado pelo papa, era bem diferente:
declarava sua simpatia à causa italiana, pela qual orava pela formação de um Estado que
pudesse posicionar-se perante o conjunto dos Estados europeus. O documento que veio
a público mudou o espírito geral do texto, que passou a ter um tom de neutralidade,
omitindo qualquer entusiasmo pela causa italiana. A redação final, após consulta a
outros cardeais, teria sido dada pelo cardeal Antonelli, presidente do Conselho de

1238
AUBERT, 1976a, p. 57. Para alguns autores, a alocução Non Semel apresentava as ideias iniciais que
viriam a se consolidar mais tarde na encíclica Syllabus Errorum (1864), especialmente a condenação
explícita daqueles que alegaram que a revogação do poder temporal serviria à liberdade e ao bem da
Igreja; na Syllabus a mesma censura é apresentada na proposição 76 (HALES, 1954, p. 105).
1239
PIO IX, alocução Non Semel, 1848.
1240
Idem, ibid.

349
Ministros, que abandonara as posições próximas àquelas dos liberais, expressas, por
exemplo, no ofício enviado ao papa quatro dias antes, aderindo ao pensamento
conservador majoritário no cardinalato1241. Antonelli, filho de uma família de ricos
comerciantes nos Estados Pontifícios, tornara-se cardeal em 1847 sem nunca ter sido
ordenado ao sacerdócio. Sua elevação deveu-se à sua reputação de moderado com um
excelente relacionamento com os liberais; ele teria sido um dos articuladores do Statuto
fondamentale, a constituição outorgada pelo papa em 1848, assim como teria
comemorado a queda do governo conservador de Metternich na Áustria, além de ser o
responsável pela indicação de Pellegrino Rossi (1787–1848) como primeiro-ministro.
Extremamente pragmático, após tornar-se secretário de estado de Pio IX, em março de
1848, passou a defender de forma intransigente a necessidade da manutenção e do
fortalecimento do poder secular do papado1242.

A alocução Non Semel mudou a opinião pública, até então muito favorável
ao papa. Sua publicação converteu Pio IX em traidor da causa italiana1243; foi estimado
que estivesse tão impopular quanto o papa Gregório XVI em sua morte1244. Pio IX
chegou a receber uma delegação civil que lhe pediu que entregasse o poder a um
gabinete leigo que poderia declarar guerra; dessa forma ele salvaria seu sacerdócio e sua
consciência. Apesar de contar com muitos liberais no governo, o papa havia se tornado
um reacionário para grande parte dos nacionalistas italianos, perdendo inclusive o apoio
que tinha entre os liberais moderados desde sua eleição1245. Aos olhos de uma parcela
significativa do povo ele havia falhado1246. Em 4 de maio de 1848, sentindo-se
pressionado inclusive por uma séria crise econômica, Pio IX nomeou como primeiro-
ministro o liberal Terenzio Mamiani (1799–1885), dando-lhe liberdade para formar o
ministério. Ele estava exilado na França desde 1831, e não aceitara a anistia de 1846,
por recusar-se assinar a declaração de lealdade ao papa que era exigida como condição

1241
CHADWICK, 1998, p. 78; MARTINA, 1995, p. 233; AUBERT, 1976a, p. 63.
1242
CHADWICK, 1998, p. 92-93; MIRANDA, 2021, s.p; MARTINA, 1995, p. 230.
1243
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 61.
1244
HALES, 1954, p. 77.
1245
AUBERT, 1976a, p. 59. O papa também se sentia intimidado perante os proprietários de terras, que
acreditavam que os Estados Pontifícios enfrentavam uma crise decorrente das concessões feitas aos
liberais (idem, ibid., p. 60).
1246
O’MALLEY, 2018, p. 97.

350
para o benefício; com a nomeação, Mamiani foi desobrigado da assinatura. O novo
primeiro-ministro tentou sem sucesso persuadir o papa a agir, atendendo àquilo que a
população de Roma esperava: separação do poder espiritual, que o impedia de declarar
guerra à Áustria, do poder temporal, que tinha a missão de defender o território.
Mamiani propôs a retirada do governo, instaurando a laicidade do poder nos Estados
Pontifícios, a declaração de guerra contra a Áustria e o encorajamento da juventude
romana a juntar-se à causa nacionalista italiana pela libertação da Itália, pontos que
foram totalmente rejeitados por Pio IX1247. O cargo do papa como soberano italiano e
líder nacional estava em oposição ao seu cargo de líder espiritual internacional. A
declaração de guerra contra os austríacos o indisporia contra todos os conservadores da
Europa, levando a igreja da Áustria a uma situação de pária, podendo, inclusive, causar
um cisma. Em contrapartida, na hipótese remota de uma vitória na guerra de libertação
da península, com a expulsão dos austríacos, a questão da unificação dos territórios
italianos ganharia ainda mais força, colocando em xeque seu poder temporal. Caso não
declarasse guerra seu governo em Roma enfrentaria a violência de uma população
radicalizada1248.

Mamiani, em uma das primeiras reuniões do Conselho de Deputados recém-


eleito, apresentou uma moção para aprovar a decretação do estado de guerra; clubes
populares e parte da Guarda Cívica pediam que o primeiro-ministro anunciasse a
deposição do papa, instaurando um governo provisório. Em 10 de julho, após ser
repreendido publicamente pelo papa, Mamiani renunciou1249, sendo substituído pelo
também liberal Edoardo Fabbri (1778–1853), que ocuparia o cargo por apenas 41 dias,
entre 6 de agosto e 16 de setembro de 1848, o qual não conseguiu reduzir a crescente
tensão nos Estados Pontifícios. Foi substituído por Pellegrino Rossi, o terceiro liberal a
ser nomeado sucessivamente por Pio IX, cujo assassinato em 15 de novembro de 1848
acelerou os acontecimentos em Roma.

1247
SCOTT, 1969, p. 13.
1248
CHADWICK, 1998, p. 76.
1249
Idem, ibid., p. 79.

351
Rossi nascera na Toscana e desde 1815 havia se engajado na luta pela
independência da península perante a Áustria. Após conflitos em Nápoles, em 1831,
exilou-se em Genebra, tornando-se cidadão suíço. Eleito, exerceu as funções de
deputado durante um breve período, mas logo aceitou convite do chanceler François
Guizot para estabelecer-se na França, obtendo também a cidadania francesa. Em 1845,
fora nomeado por Guizot, de quem era amigo1250, como embaixador da França junto a
Gregório XVI, com a missão específica de discutir a questão dos jesuítas em solo
francês. O rei Luís Filipe I desejava reduzir a influência da Companhia de Jesus no
país, mas sabia que a simples proibição não teria efeito. Desde 1761, quando a
ordem foi banida da França, os jesuítas tornaram-se clandestinos, passando a
organizar-se em outras sociedades religiosas – Pères de la Foi, Société du Sacré-
Cœur, Société de la foi de Jésus –, que chegaram a migrar para outros países, como
a Bélgica e a Espanha. Apesar dessas outras denominações – paccanaristes,
ligoristes – Jean-Etienne-Marie Portalis, titular do Ministério dos Cultos, denunciou as
sociedades como jesuítas disfarçados, mas nada foi feito1251. Dessa vez, o rei Luís
Filipe I pretendia algo mais efetivo: Rossi foi enviado a Roma para submeter ao
Papa que as relações da França e do Vaticano melhorariam muito se os jesuítas
fossem destituídos pela autoridade eclesiástica1252, pronunciamento papal que não
foi obtido.

A Revolução de 1848 em Paris derrubou o governo francês, isolando Rossi


em Roma. Em 10 de setembro, tentando apaziguar os ânimos entre os liberais em Roma,
Pio IX o nomeou primeiro-ministro. Imediatamente Rossi limpou a força policial de
homens não confiáveis, e passou a proteger os judeus do antigo gueto que corriam risco
de ataque; também passou a cobrar os impostos atrasados e atendeu algumas
reivindicações dos militares. Apesar de seu passado claramente liberal, foi entendido
pelos revolucionários como um governante conservador tirânico e burguês convocado
para sufocar a revolução; os boatos falavam que daria um golpe de estado fechando o

1250
François Guizot, chanceler francês, era protestante, o que era um elemento a mais para ser repudiado
em Roma. Rossi, por sua vez, era casado com uma protestante. Ademais, os livros do liberal Rossi
estavam no Index (WOODWARD, 1963, p. 289).
1251
MCCABE, 1913, p. 398-399; ANQUETIL, 1845, p. 603.

352
jovem Parlamento. Ao mesmo tempo, Rossi também era odiado pelos setores
conservadores, especialmente pelo cardinalato, que temia sua intenção de abolir os
privilégios eclesiásticos1253. No dia 15 de novembro, o primeiro-ministro foi
assassinado por um desconhecido, com uma facada no pescoço, nas escadarias do
prédio do Conselho de Deputados, ao chegar para uma sessão na qual apresentaria seu
programa de reformas1254. O clima apreensivo fez com que quase todos os cardeais
abandonassem Roma, temendo uma invasão da cidade pelos revolucionários que os
acusavam de um complô conservador. Ficaram na Santa Sé ao lado do papa os cardeais
Giovanni Soglia, secretário de estado, que ocuparia o cargo até 29 de novembro de
1848, e Giacomo Antonelli, tesoureiro da Santa Sé, que sucederia Soglia no cargo,
assim como o arcebispo Francesco Pentini (1797–1869), que seria elevado a cardeal em
18631255. No dia seguinte, sob forte tensão, o papa recebeu uma delegação que lhe
entregou um documento já escrito de uma proclamação declarando Roma uma cidade
Italiana, a convocação de uma assembleia nacional para a criação de uma confederação
de todos os Estados italianos e a declaração de uma guerra contra a Áustria pela
independência nacional1256. Ganhando tempo, no dia 17, o papa publicou um édito,
assinado conjuntamente com o cardeal Soglia, nomeando um ministério democrático, e
adiando temporariamente as outras decisões. Com palácio papal cercado pela multidão e
sob a mira de canhões, o papa Pio IX foi obrigado a dispensar a Guarda Suíça, que foi
substituída por membros da Guarda Cívica1257.

Assim, cercado, mas contando com o apoio dos embaixadores da França,


Espanha e Bavária, no dia 24 de novembro o papa saiu do Palácio do Quirinale,
disfarçado como um simples pároco, fugindo para a cidade de Gaeta, próxima de
Nápoles, sob a proteção do rei Fernando II do Reino das Duas Sicílias1258. No dia 28,

1252
MCCABE, 1913, p. 406.
1253
AUBERT, 1976a, p. 61.
1254
CHADWICK, 1998, p. 81. Durante todo ano de 1848, os Estados Pontifícios assistiram a inúmeros
assassinatos políticos. A morte de Rossi não foi a única, mas a mais importante porque atingiu
diretamente a administração de Roma (JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 62).
1255
CHADWICK, 1998, p. 82.
1256
SCOTT, 1969, p. 19.
1257
Idem, ibid.
1258
MONSAGRATI, 2019, p. 7-8.

353
três dias após chegar à cidade, Pio IX determinou a anulação de todos os atos e decisões
tomados desde a morte de Pellegrino Rossi, e a nomeação de uma comissão
governamental composta por sete membros e presidida pelo cardeal Castruccio
Castracane (1779–1852), secretário da Congregação para a Propagação da Fé; a decisão
improvisada, e sem ouvir outras opiniões, na prática, desautorizou e deslegitimou o
governo constitucional dos Estados Pontifícios que ainda estava em exercício1259. O
mesmo documento atribuiu os protestos em Roma a uma conspiração: Os atos de
violência dos quais nos queixamos só podem ser atribuídos às maquinações que foram
usadas e à medida que foram tomadas por uma classe de homens degradados diante da
Europa e do mundo, cuja ingratidão [receberia] a ira do Todo-Poderoso. O levante era
um trabalho malicioso de homens maus [...] cuja finalidade era criar impedimentos
para o exercício de nossos deveres sagrados1260. A explicação conspiracionista,
remontava à época da Revolução Francesa, tendo como base o pensamento do jesuíta
Augustin Barruel (1741–1820). Em seu livro Mémoires pour servir à l’histoire du
jacobinisme (1797) – memórias a serviço da história do jacobinismo –, o padre
desenvolveu uma teoria sobre a ideia básica de que a revolução era uma conspiração
com o objetivo de derrubar o cristianismo, assim como todos os tipos de organização
política e social baseada nos ensinamentos morais da Igreja Católica; a trama envolveria
uma associação entre o ocultismo, o iluminismo francês e os maçons1261. Ele associou
assim o paganismo ao pensamento iluminista, em uma conspiração para matar
Deus1262. Curiosamente uma edição do livro em italiano surgiu em 1850, publicada em
Nápoles, editado apenas com a identificação a spese della società editrice, à custa da
editora. Nessa edição, o tradutor não identificado informa que a obra serve para
informar o leitor italiano de que a subversão está por toda parte, disfarçada na
maçonaria e no iluminismo1263. Mesmo sem citá-lo, o papa Pio IX evocou a ideia de

1259
Idem, ibid., p. 10.
1260
SHEA, 1877, p. 148-150.
1261
Portanto, quando eu declaro Voltaire (Voltaire, François-Marie Arouet), Diderot e Alembert como os
líderes de uma conspiração anticristã, não pretendo me limitar a provar que seus escritos são de
inimigos do cristianismo, digo que cada um deles formou o desejo de aniquilar a religião de Jesus Cristo,
que secretamente comunicaram esse desejo um ao outro, que combinaram os meios para o conseguir [...]
Todos os conspiradores têm uma linguagem secreta, uma palavra de ordem, uma fórmula ininteligível
para o vulgo, mas cuja explicação secreta revela incessantemente aos seguidores o grande objeto da sua
conspiração (BARRUEL, 1850, p. 33).
1262
JOSEPHSON-STORM, 2017, p. 58.
1263
[...] os defensores da conspiração estão sempre presentes [...] que, sem tal sociedade, a impiedade e a
rebelião não poderiam ter sido frutos malnascidos em um dia ou de um acidente, como se quer que

354
uma grande conspiração, presente no livro: as revoluções e os levantes são movidos por
uma minoria inescrupulosa que explora e amplia uma situação; não eram as más
condições de vida que levariam à revolta, mas sim acidentes isolados e uma segurança
pública descuidada que permitiriam o episódio inicial e a subsequente cadeia de atos
violentos1264.

Ao fim de dezembro de 1848, com o vácuo de poder, os deputados


aprovaram a eleição de uma constituinte para os Estados Pontifícios, decisão
diariamente atacada pelo papa Pio IX na proclamação Da Questa Pacifica, de 1º de
janeiro de 1849. Afirmou que esperava remorso e arrependimento de nossos filhos
desencaminhados pelos sacrilégios cometidos contra a Igreja e contra ele; mas, ao
contrário, foi cometido um novo e mais monstruoso ato de crime desmascarado e
verdadeira rebelião, ousadamente cometido por eles [...] a convocação de uma
Assembleia Geral Nacional para estabelecer novas formas políticas aos Estados
Pontifícios, [para] destruir a autoridade temporal do romano pontífice sobre os
Domínios da Santa Igreja. Em seguida, proibiu ao fiel de participar de qualquer
reunião que possa ser usada para a nomeação de indivíduos a serem enviados à
assembleia condenada, lembrando que a proibição é absoluta e já sancionada pelos
decretos do sagrado Concílio Geral de Trento, no qual a Igreja tem repetidamente
anunciado suas censuras e principalmente a excomunhão, sem a necessidade de
qualquer declaração, de qualquer pessoa que ouse ser culpada de ataque contra a
soberania temporal dos supremos pontífices romanos1265. Mesmo com a proibição e a
ameaça de excomunhão, a eleição para a constituinte ocorreu em 21 de janeiro 1849,
com o voto de mais de 50% dos eleitores potenciais. Em 9 de fevereiro, quatro dias após

acreditemos; [...] o abade Barruel em toda esta obra demonstra claramente o espírito de revolta, que
desde meados do século [passado], por intermédio dos filósofos, propôs destruir o cristianismo
(BARRUEL, 1850, Introdução, p. 16-17).
1264
SCOTT, 1969, p. 7.
1265
PIO IX, proclama Da Questa Pacifica (1849). O ministro das Relações Exteriores da França, Édouard
Drouyn de Lhuys (1805–1881), emitiu uma nota criticando a manifestação papal, listando uma série de
reformas essenciais nos Estados Pontifícios: anistia, um código civil, abolição do tribunal do Santo
Ofício, fim das atribuições dos tribunais eclesiásticos na jurisdição civil, a transparência em questões
financeiras. A nota também advertia que, caso essas sugestões fossem deixadas de lado e o papa
continuasse a colocar obstáculos no caminho da reforma, os franceses poderiam achar necessário
administrar o território por conta própria (COPPA, 1974, p. 465).

355
serem empossados, os constituintes aprovaram por 134 contra 123 votos, o fim do poder
temporal do papa, mas garantindo sua independência no exercício da autoridade
espiritual, e a criação da República de Roma. Também foi abolida qualquer distinção de
cidadania com base na religião; o catolicismo deixou de ser religião do Estado, sendo
instaurada a educação laica, e concedida total liberdade de imprensa1266.

A fuga do papa Pio IX permitiu que os setores nacionalistas italianos,


abrangendo uma vasta gama de posições ideológicas, desde nacionalistas conservadores
até socialistas, unissem-se em novo governo. Comandados pelo advogado moderado
Carlo Armellini (1777–1863), pelo liberal Marco Aurelio Saffi (1819–1890) e pelo
nacionalista, republicano radical e social-democrata Giuseppe Mazzini, foi formado um
triunvirato aos moldes da antiga República Romana para a gestão das primeiras medidas
do novo governo; Roma tornava-se a capital política e ideológica da unificação italiana,
do Risorgimento1267. O novo governo, de imediato, enfrentou dois problemas: o
descrédito dos Estados europeus quanto à sua continuidade, e a falência provocada por
uma brutal crise econômica e uma alta inflação. Uma de suas primeiras medidas foi uma
resolução secularizando todas as propriedades da Igreja, seguida de garantia de proteção
estatal aos religiosos, o que não impediu uma fuga em massa da cidade1268. Contudo, o
destino da República de Roma estava impreterivelmente ligado ao restante da península.
Em 23 de março de 1849, exatamente após um ano de guerra, as tropas austríacas
derrotaram os piemonteses, fazendo com que o rei Carlos Alberto da Sardenha-
Piemonte renunciasse em favor de seu filho Vittorio Emanuele II (1820–1878). Apesar
de as tropas do Piemonte conseguirem manter as batalhas por um ano, o insucesso era
esperado há muito: o rei não conseguira apoios internacionais contra a Áustria;
Inglaterra, França e Prússia não desejavam ver o conflito local estender-se por todo o

1266
HALES, 1954, p. 98; CHADWICK, 1998, p. 86; JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 64.
1267
MONSAGRATI, 2019, p. 5.
1268
Durante sua existência, inúmeras denúncias de violência praticadas pelo governo da República de
Roma contra a Igreja e os religiosos chegaram ao papa em Gaeta; muitas das quais ficaram registradas
pelos cronistas católicos contemporâneos. Contudo, os atos de violência foram localizados, circunscritos a
alguns grupos radicais exaltados, especialmente nas províncias, e que não poderiam ser comparados
àqueles ocorridos durante a Revolução Francesa. Para mais detalhes ver HALES, Pio Nono: a study in
European politics and religion in the nineteenth century, 1954, p. 123-127.

356
continente1269. A derrota alertou o governo da França, que até então se havia recusado a
intervir na península; a pacificação da política interna francesa permitiu uma atenção
maior com a situação política nos territórios italianos. Após eleito, o novo governo
francês entendeu que deveria restaurar o papa em Roma antes que os austríacos o
fizessem1270.

A França vivera o ano de 1848 de forma intensa e convulsionada. Um mês


após o levante revolucionário em Palermo, que rapidamente se expandiu por todo o
Reino das Duas Sicílias, em 20 de fevereiro, Paris assistiu a um levante com barricadas
de trabalhadores grevistas e estudantes republicanos que tomaram as ruas exigindo o
fim do governo do primeiro-ministro. François Guizot chegou a decretar estado de
emergência na cidade, mas as tropas da Guarda Nacional, chamadas para a repressão,
ficaram ao lado dos rebeldes protegendo-os dos soldados do exército regular. No dia 23
todo o gabinete francês renunciou após perder o apoio da burguesia e das classes
médias, sufocadas por uma crise econômica que se arrastava há anos. Um gabinete de
crise provisório, comandado pelo conde e escritor Alphonse Lamartine (1790–1869), foi
escolhido pela Câmara dos Deputados. Diante da insurreição que havia tomado toda a
capital, o rei Luís Filipe I abdicou em favor de seu neto, o príncipe Filipe, conde de
Paris, que governou por apenas três dias, entre 24 e 26 de fevereiro. Pressionado pela
população, o governo provisório que se seguiu, em 5 de março, aprovou o sufrágio
masculino direto, acabando com o voto censitário. Dois meses mais tarde foi eleita uma
Assembleia Constituinte, majoritariamente liberal, moderada e republicana, apesar da
oposição socialista que, armada, mantinha as grandes cidades francesas convulsionadas;
Lamennais foi um dos eleitos1271. Uma nova Constituição foi aprovada em 4 de

1269
SCOTT, 1969, p. 16.
1270
CHADWICK, 1998, p. 88. Antes de decidir pela invasão militar, o presidente Luis-Napoleão enviou a
Roma o diplomata Ferdinand Lesseps (1805– 1894), que posteriormente se tornaria célebre pela
construção do Canal de Suez e início das obras do Canal do Panamá. Seu objetivo, frustrado, era buscar
uma solução junto a Giuseppe Mazzini, membro do triunvirato que governava a República de Roma, para
o retorno de Pio IX a Roma. Para mais informações sobre a viagem e as negociações ver BOURGEOIS,
Rome et Napoléon III (1849-1870), étude sur les origines et la chute du Second Empire, 1907.
1271
Lamennais foi eleito deputado constituinte defendendo causas socialistas. Durante o mandato,
elaborou um projeto de Constituição, que foi rejeitada, tida como radical demais. No período criou os
jornais Le Peuple Constituant e La Révolution Démocratique et Sociale, ambos defendendo o

357
novembro, proclamando a república democrática presidencialista, o sufrágio masculino
sem restrições e a separação de Poderes.

Em 10 de dezembro, Luís-Napoleão(1808–1873), sobrinho de Napoleão


Bonaparte, com 74,65% dos votos, foi eleito como o primeiro presidente da França1272.
Luis-Napoleão chegou ao poder apoiado na imagem do tio, após duas tentativas de
golpe de estado contra o governo do rei Luís Filipe, em 1836 e 1840; nas duas vezes,
tendo fracassado, exilou-se na Inglaterra. O orgulho nacional por Napoleão Bonaparte,
associado à lembrança de tempos gloriosos, ainda era muito forte entre os franceses,
especialmente na população mais pobre das pequenas cidades e nos camponeses. O rei
Luís Filipe, ao chegar ao poder após a Revolução de 1830, tentara construir uma
associação entre o novo governo e a memória histórica do imperador, mas seu grande
beneficiário foi Luis-Napoleão, que, além do nome, herdara do tio sonhos grandiosos de
conquista1273. O presidente também nutria uma dívida de gratidão para com o papa: em
1831, o sobrinho de Napoleão fora preso na Romagna durante a tentativa de levante dos
carbonari aos quais estava ligado; na ocasião o arcebispo Giovanni Mastai Ferretti,
futuro papa, ajudara-o a fugir, dando-lhe dinheiro e um passaporte, gentileza da qual
Luis-Napoleão nunca se esqueceu1274. A simpatia de Luís-Napoleão era para com o
papa, mas não para a Igreja Católica, e a recíproca não era inteiramente verdadeira: Pio
IX, assim como o cardinalato como um todo, olhava o descendente de Napoleão
Bonaparte com reserva e desconfiança, mas compreendia a importância estratégica da
França para defesa de Roma. O apreço do presidente francês, que se tornaria imperador
após o golpe de estado de dezembro de 1851, a Pio IX lhe imporia um sistema de
alianças, que lhe viria a custar o trono em 18701275. A intervenção francesa em Roma
também era defendida pela Igreja e pelos católicos franceses; ao longo da década de
1840, e ao longo do governo de Luís-Napoleão, o número de fiéis na França cresceu,
provocando uma renovação do catolicismo no país, especialmente no norte e noroeste

aprofundamento da Revolução de 1848. Foi cassado em dezembro de 1851, quando Luís-Napoleão , com
um golpe de estado, reinstalou a monarquia, o Segundo Império, assumindo o título de Napoleão III.
1272
PRICE, 2001, p. 15. O próprio Lamartine, um republicano moderado, obteve apenas 17 mil votos,
0,24% do total.
1273
PRICE, 2001, p. 1-2.
1274
HALES, 1954, p. 132.

358
do país. Parte dessa renovação foi devida ao trabalho de Montalembert1 e Lacordaire,
antigos discípulos de Lamennais1276. A igreja da França estava profundamente marcada
pelo pensamento de Lamennais: os conservadores pelos textos do início de sua vida
intelectual; os liberais por suas obras posteriores a 1830. Apesar de divergirem quanto à
noção de liberdade, cada uma a sua maneira, as duas correntes, eram papistas1277.

Em 23 de abril de 1849, aproveitando-se de que a República de Roma


estava desprotegida ao norte, após a derrota do Piemonte para as legiões austríacas, e
desafiando a oposição republicana francesa, o exército de Luís-Napoleão desembarcou
em Civitavecchia, no Mar Tirreno, a 80 quilômetros de Roma1278. Mostrando-se ciente
dos movimentos de Luis-Napoleão, três dias antes o papa Pio IX, ainda refugiado na
cidade napolitana de Gaeta, durante um consistório, emitira a encíclica Quibus
quantisque malis com duras críticas ao governo republicano de Roma e ao povo dos
Estados Pontifícios: Somos forçados a deplorar que muitos, mesmo entre o povo,
tenham sido tão miseravelmente enganados, fechando os ouvidos às nossas palavras e
aos nossos avisos1279. No documento, de certa forma, o papa arrependia-se da anistia
concedida em agosto de 1846: Muitos a quem esse perdão foi concedido não só não
mudaram em nada a sua forma de pensar, como esperávamos, mas, sim, insistindo cada
dia mais amargamente nos seus desígnios e nas suas maquinações [...] que conspiram e
ao mesmo tempo travam uma guerra amarga contra nossa Santíssima Religião1280. A
frustração de Pio IX estava explícita: Aquelas concessões que nós espontânea e

1275
TREVELYAN, na introdução de CESARE, 1909, p. xxii.
1276
CHADWICK, 1998, p. 34. Por muitas razões, o catolicismo francês em grande parte se concentrou
nas regiões da Normandia e da Bretanha, ao passo que a região de Paris e o sul alimentavam desde a
Revolução Francesa um forte sentimento anticlerical (idem, ibid., p. 104). De uma forma geral, os
católicos franceses apoiaram o golpe de estado de Luís-Napoleão, considerado o maior milagre da
benevolência de Deus conhecido na história, assim como a escalada conservadora de seu governo, com a
garantia absoluta da propriedade, uma severa repressão ao movimento socialista (JEDIN; DOLAN, 1981b,
p. 66-67).
1277
HALES, 1954, p. 264.
1278
A invasão francesa na península provocou a oposição em Paris, inclusive dos republicanos
moderados: Um verdadeiro pandemônio desencadeou-se nas câmaras com a notícia da ação do governo
em Roma. Jules Favre [1809–1880, deputado] falou para republicanos humilhado, envergonhado de que
a República francesa se atreveu a atacar republicanos romanos. Por qual motivo?, perguntou o orador;
por algo tão pequeno como o papado e suas instituições teocráticas; por algo tão imenso em seu mal
como o absolutismo (SCOTT, 1969, p. 57).
1279
PIO IX, encíclica Quibus, Quantisque (1849).
1280
Idem, ibid.

359
voluntariamente concedemos no início de Nosso Pontificado não só falharam em
produzir os frutos desejados, mas nunca se enraizaram, ao passo que os fraudadores
mais experientes abusaram das mesmas concessões para agitar novos problemas1281. A
partir desse ponto a encíclica apresentou um longo inventário das medidas concessivas e
liberalizantes do papado, assim como uma igualmente longa lista de ataques
promovidos pelos líderes da facção, autores das sedições, movidos por uma vontade
perversa. Quibus, Quantisque foi a primeira clara declaração de Pio IX de que não só
repudiava a revolução, mas de que em sua volta para Roma também não teria nenhum
vínculo com os anos anteriores de seu papado1282. Ao fim da encíclica, o papa informou
que pedira aos países vizinhos uma intervenção nos Estados Pontifícios: Nosso dever
exigia absolutamente que fizéssemos de tudo para removê-los e afastá-los, e desde 4 de
dezembro do ano passado não deixamos de pedir e implorar aos príncipes e nações por
ajuda e socorro1283; o papa declarou especificamente o apelo feito à Áustria, à França,
ao Reino das Duas Sicílias e à Espanha. O governo francês, que esperava uma resposta
conciliatória de Pio IX, entendeu a encíclica como um elemento de afirmação de sua
autonomia, e uma tentativa de delimitar o poder francês na península italiana1284. Menos
de dez dias após a invasão francesa, as tropas austríacas também atenderam ao chamado
de Pio IX com uma ofensiva pelo nordeste dos Estados Pontifícios, em Bolonha e
Ancona; naquele momento, a Áustria já havia retomado os territórios que controlava
antes dos levantes de 1848. Em 3 de julho o exército francês conseguiu vencer a feroz
resistência republicana empreendida pelas tropas de Giuseppe Garibaldi e,
definitivamente, tomar Roma, expulsando liberais e socialistas. O papa comemorou a
vitória francesa afirmando que o Senhor teria levantado a mão para ferir os iníquos e
conter o mar de anarquia que envolvia Roma1285.

1281
Idem, ibid.
1282
HALES, 1954, p. 117.
1283
PIO IX, encíclica Quibus, Quantisque (1849). Poucos dias antes da invasão francesa, o cardeal
Antonelli havia se reunido em Gaeta com representantes oficiais da França, Áustria, Espanha e de
Nápoles. Antonelli, apesar de claramente ser simpático a uma intervenção austríaca, pediu uma ação
combinada. O representante francês alertou o governo, que decidiu se antecipar (HALES, 1954, p. 117).
1284
SCOTT, 1969, p. 53.
1285
COPPA, 1974, p. 65.

360
Nos momentos que antecederam a intervenção estrangeira, entre março e
setembro de 1849, o papa realizou uma série de encontros com os embaixadores da
Áustria, da França, do Reino das Duas Sicílias e da Espanha, os quatro grandes reinos
católicos, que ficaram conhecidos como Conferências de Gaeta. Nessas reuniões foi
discutida não só a intervenção estrangeira nos Estados Pontifícios, mas também os
procedimentos da Santa Sé para a restauração do papado em Roma. Os representantes
franceses, Georges d’Harcourt (1808–1883) e Alphonsus de Rayneval, (1813–1858),
insistiam que a reforma das instituições dos Estados Pontifícios era uma condição
essencial para o retorno do pontífice ao trono, posição compartilhada pelo gabinete
inglês. Em contrapartida, Áustria, Reino das Duas Sicílias e Espanha consideravam que
era exatamente a reforma que havia causado os levantes; para eles, a restauração deveria
ocorrer sem anistia política ou a constitucionalização do governo1286. Os franceses ainda
insistiram na preservação do poder temporal laico, assim como na adoção e no
fortalecimento das instituições liberais. A reivindicação foi prontamente recusada pelo
cardeal Antonelli e pelos diplomatas dos reinos conservadores da Espanha e das Duas
Sicílias; surpreendendo a todos, o representante da Áustria, príncipe Pál Antal Esterházy
(1786–1866), mostrou-se temeroso de que Roma aplicasse medidas demasiadamente
duras, gerando novas ondas de rebelião1287. A decisão do pontífice foi exposta em 12 de
setembro de 1849, que por meio de um motu proprio prometeu reformas do Judiciário e
da administração, mas sem qualquer referência à liberdade política. Mesmo a pequena
concessão de Pio IX foi entendida por parte do cardinalato como demasiadamente
liberal1288. Durante as Conferências também foi discutido o que fazer com os
republicanos após a invasão francesa. Houve um consenso entre os embaixadores de
que os conspiradores eram um perigo permanente, e que deveriam ser presos antes que
se refugiassem na Suíça e na Inglaterra, de onde esperariam por uma oportunidade de
voltar à Itália para provocar novas revoluções. Para os conservadores, a revolução
sempre foi planejada, uma obra de uns poucos agitadores. Também havia o

1286
SCOTT, 1969, p. 46.
1287
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 63.
1288
Idem, ibid., p. 64.

361
entendimento de que aqueles que se exilaram deveriam ser impedidos de retornar à
Itália, e os presos enviados para locais distantes como as Antilhas ou as Filipinas1289.

Apesar de nos primeiros dois anos de seu pontificado ter se mostrado aberto
à conciliação, durante o exílio em Gaeta o papa Pio IX mudara. Tendo como seu
principal conselheiro o cardeal Giacomo Antonelli, o pontífice havia claramente aderido
às teses do setor mais conservador do cardinalato, segundo o qual não havia salvação,
garantia ou negociação com os grupos que haviam tomado Roma; apenas o uso da força
poderia restabelecer a cúpula da Igreja Católica1290. O papa havia se convencido de que
as agruras sofridas em 1848 estavam diretamente relacionadas aos princípios de 1789,
os quais, acreditava, buscavam a destruição dos valores tradicionais sociais, morais e
religiosos1291. A queda da República de Roma representou um marco que demonstrou
que o período liberal do papado de Pio IX havia acabado.

No começo de setembro de 1849, surpreendendo o conjunto de cardeais, o


papa mudou-se de Gaeta para Nápoles, retornando a Roma apenas em 12 de abril de
1850. Na cidade, Pio IX passou a ser protegido e escoltado pelas tropas francesas que
faziam o policiamento da cidade1292. O governo francês havia apresentado várias
propostas de reforma para os Estados Pontifícios, como a criação de instituições
representativas a fim de harmonizar as relações entre a sociedade e a administração da
Igreja por uma harmonia genuína; a secularização da administração da Igreja; a adoção
de um código civil análogo àqueles já existentes no norte da Itália e no reino de
Nápoles, todos muito semelhantes ao código francês. As moções francesas, endossadas
por Luís-Napoleão, foram desconsideradas1293.

1289
SCOTT, 1969, p. 63.
1290
AUBERT, 1976a, p. 64.
1291
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 64.
1292
Enquanto as tropas de Luís-Napoleão patrulhavam Roma, soldados austríacos ocupavam os territórios
da Romagna, Marche e Úmbria, isto é, três quartos dos Estados Pontifícios.
1293
SCOTT, 1969, p. 68.

362
Em 12 de setembro, o papa publicou um motu proprio com uma
Constituição para os Estados Pontifícios, anulando o Statuto fondamentale de 1848. O
documento criou um Conselho de Estado, para as questões políticas, e um Conselho
Consultivo para as finanças, mas ambos não tinham poder deliberativo. O motu proprio
possuía um nítido caráter teocrático, sem uma distinção clara entre pecado e crime;
todas as decisões dos assuntos públicos foram centralizadas nas mãos dos clérigos, em
uma concentração não vista nem mesmo durante o papado de Gregório XVI. Foi
concedida a anistia com uma abrangência muito menor que a anterior de 1846, que
dessa vez não perdoou os funcionários que houvessem aderido à república, todos os
quais foram demitidos nos meses seguintes. A anistia também excluiu de forma
explícita os membros do governo provisório, os membros da Assembleia Constituinte
que efetivamente ocuparam os seus lugares, os membros do triunvirato e do governo da
República de Roma, os chefes dos corpos militares e todos aqueles que houvessem
recebido anistia anterior e novamente aderido à luta revolucionária. Soldados e
funcionários que estiveram a serviço do governo republicano foram condenados, e
autorizados a ir para o exílio1294. A Guarda Cívica foi extinta antes mesmo do regresso
do papa a Roma. Calcula-se que quase 20 mil republicanos foram obrigados a fugir
temendo perseguições; todas as lideranças políticas partiram para o exílio após a derrota
para os franceses1295. De uma forma geral, as propostas feitas pelo presidente francês,
Luís-Napoleão, de institucionalização de um governo laico e constitucional, foram
rejeitadas. A reforma política proposta por Pio IX ao reassumir o trono papal
evidenciava que ele não mais acreditava em uma administração conciliada com
princípios constitucionais; o novo governo deveria ser absoluto, em última instância,
porque o poder do papa como Vigário de Cristo não poderia ser verdadeiramente
exercido a menos que ele tivesse a autoridade final1296.

Segundo seus contemporâneos, que relativizaram as decisões e posições


pessoais do papa, a mudança ocorrida em Pio IX teria se dado em razão da sua

1294
HALES, 1954, p. 153.
1295
CHADWICK, 1998, p. 90.

363
proximidade com o cardeal Antonelli, que contou com a confiança do pontífice até sua
morte em 18761297. Antonelli, que ainda como tesoureiro da Santa Sé fora muito
próximo do papa Gregório XVI, era pragmático a ponto de adotar posições radicalmente
distintas em pouco mais de um ano: em 1847, quando de sua nomeação, fora tido como
liberal, e, mais tarde, já como secretário de estado e após os incidentes ao longo de
1848, revelou-se um conservador radicalmente avesso a qualquer concessão ao
liberalismo. Seu conservadorismo entrou em sintonia com a cúria, para quem a sedição
nacionalista, apesar de silenciada pela repressão dos franceses e austríacos, ainda
existia, e de que qualquer descuido poderia ser o sinal para seu regresso; uma
administração fraca e vacilante poderia abrir espaço para a volta da rebelião, mas, ao
contrário, uma administração forte suprimia ou continha os espíritos revolucionários da
sociedade1298. O incremento do poder do cardeal secretário de estado já se tornara
patente durante o processo de restauração do papado, em 1849; a centralização
administrativa permitiu que Antonelli assumisse todos os aspectos da administração dos
Estados Pontifícios, inclusive as nomeações para as legações.

Contudo, não se deve reduzir a importância das decisões pessoais do papa


no processo de sua metamorfose conservadora de Pio IX1299. O pontífice havia se
convencido de que a Santa Sé precisava exercer o poder temporal de forma efetiva, e de

1296
Idem, ibid., p. 92. Uma grande quantidade de cartas diplomáticas, citadas por AUBERT (1976a, p.
69), entre embaixadores franceses, alemães e austríacos sediados em Roma e seus governos destacaram a
nova postura conservadora do papa.
1297
A historiografia não foi muito condescendente com o cardeal Antonelli. WOODWARD (1963, p.
296-297) apresentou a descrição do cardeal feita pelo historiador alemão Ferdinand Gregorovius (1821–
1891): O cardeal Giacomo Antonelli veio de uma família de ladrões de Sonnino. [...] Este homem tinha
um certo gosto pelo magnífico. Ele colecionava joias, usava roupas finas, cultivava rosas e camélias e
vivia em apartamentos esplêndidos. Ele deixou uma grande fortuna; um de seus filhos ilegítimos foi à
justiça por uma parte depois da morte de Antonelli. Acumulou 28 condecorações diferentes de soberanos
que achavam mais fácil satisfazer as necessidades pessoais de Antonelli do que os pedidos de seu mestre.
Ele colocou seus irmãos em posições ricas nos Estados papais. Ele se destacava nas artes do improviso,
era um bom mentiroso e um mestre da inteligência levantina; mas ele não tinha ideias políticas e
nenhuma previsão política. A grandeza moral da Igreja estava fora do alcance de sua mente; a verdade
intelectual não tinha significado para ele. Por alguns anos, enquanto ele e sua família faziam a última
colheita do domínio de séculos, ele impediu a dissolução do poder temporal; mas à custa de sua honra.
As suspeitas sobre a honestidade de Antonelli também se deviam em decorrência do fato de ele ter
nomeado seu irmão para a direção do Banco de Roma, quando de sua criação em 1850, cargo que ocupou
durante o tempo em que o cardeal este à frente da Secretaria de Estado (HALES, 1954, p. 152).
1298
SCOTT, 1969, p.74.
1299
HALES, 1954, p. 137.

364
que só assim conseguiria preservar sua independência espiritual. Esse governo somente
poderia ser exercido da forma absoluta, como sempre fora1300. Os acontecimentos ao
longo dos anos de 1848 e 1849 haviam atacado ao mesmo tempo o poder temporal e
espiritual de Pio IX, convencendo-lhe até a morte de que os dois poderes estavam
inevitavelmente ligados um ao outro, de que o Estado papal era essencial para a Igreja,
[...] e de que o liberalismo, como Metternich advertira, era normalmente o precursor da
revolução e era hostil à Igreja bem como ao Estado papal1301. As velhas bases
conservadoras haviam voltado a justificar o poder papal, perante as quais o ex-primeiro-
ministro Terenzio Mamiani, exilado no Ducado de Sabóia, no Piemonte, teria dito:
Gregório XVI ressuscitou, e reina novamente no Quirinale1302. O período que havia se
seguido à Revolução de 1848 acirrou ainda mais as divergências entre dois universos
que à época pareciam inconciliáveis: o mundo moderno, liberal, laico e científico, e uma
concepção de religiosos católicos que, hipnotizados pela memória do excepcional
sucesso do cristianismo medieval, foram levados a acreditar que a restauração cristã
[...] pressupunha necessariamente um retorno integral a esse passado, do qual as
instituições do Antigo Regime lhes pareciam como uma continuação1303. Sobre o desejo
do poder e da grandeza da igreja medieval, representados por antigos papas como
Gregório VII e Inocêncio III, Pio IX retomava o pontificado, interrompido pela
Revolução de 1848, com os Estados Pontifícios ocupados por dois exércitos, da França
e da Áustria, e sem forças armadas regulares1304. O papa orgulhava-se de que seus
domínios não precisavam de exército, ao contrário de todos os outros Estados que
tinham tropas permanentes, até mesmo pequenos reinos como Piemonte e Nápoles. Sem
perceber as transformações ao seu redor, Pio IX reafirmou que a tradição e a força
simbólica do papado eram suficientes para manter a paz, e que poderes dos Estados
católicos sempre o defenderiam1305.

1300
JEMOLO, 1960, p. 7. Durante seu tempo de exílio em Gaeta, Pio IX recebeu a visita de emissários de
Vincenzo Gioberti, apologista do neoguelfismo, com a proposta de unificação da Itália sob o comando do
papa, ideia que foi rechaçada (HALES, 1954, p. 113).
1301
HALES, 1954, p. 137.
1302
AUBERT, 1976a, p. 70.
1303
Idem, ibid., p. 353.
1304
A dupla ocupação militar nos Estados Pontifícios deu origem a comentários zombeteiros que
afirmavam que a administração papal precisava de dois exércitos estrangeiros para conter o povo, mas na
verdade um estava vigiando o outro. Austríacos e franceses suspeitavam um do outro e já se preparavam
para a provável eclosão de uma guerra que ainda demoraria mais alguns anos (HALES, 1954, p. 204).
1305
Idem, ibid., p. 160.

365
3.5.2. O papado conservador

Durante um curto período Pio IX tentou adaptar-se ao momento vivido e às


exigências impostas pelo seu tempo, aliviando assim algumas tensões que estavam
presentes em Roma desde o papado de Gregório XIV. Contudo, a força dos
acontecimentos foi mais determinante, fazendo com que o papa decidisse pelas reformas
exigidas, e não pelo peso de seus antecessores. Pio IX tentara de forma repentina copiar
a aparência externa dos Estados liberais; o esforço do papa não foi apoiado pelos
homens a quem Gregório XVI tinha colocado nos lugares altos da Igreja; foi feito sem
nenhum plano claro e em um momento de grande perturbação política. Falhou. A volta
a Roma trouxe um papa diferente daquele que partira: em 1850, Pio IX havia
desenvolvido uma atitude muito dura com relação ao mundo moderno, estando
susceptível aos argumentos que reforçavam a autoridade do papado, a grande força
divinamente sancionada, segundo o pensamento ultramontano. Pio IX optou por um
caminho que o distanciou do momento vivido pelos seus contemporâneos. O papado
dificilmente pode escapar de seu próprio passado1306.

Conforme descrito por seus contemporâneos, Pio IX era um homem bom e


piedoso, sensível à dor e ao sofrimento humano e capaz de gestos de generosidade
sinceros. Mas também era um homem que enfrentara as limitações impostas pelo
espírito de seu tempo. Assim como a maioria dos religiosos italianos de sua época,
criados e formados em meio às convulsões da era napoleônica, sua educação era
bastante superficial e fragmentada, tanto nos temas leigos quanto nas questões
teológicas, o que o impedia de reconhecer a complexidade dos problemas e o levava a
falar e agir segundo sua primeira impressão. Seu séquito um pouco mais amplo era
formado pela nobreza romana, por diplomatas espanhóis e austríacos, todos muito

366
conservadores, por aristocratas ingleses convertidos e clérigos nacionais que, em sua
maioria, eram homens que cresceram na burocracia romana e nunca experimentaram o
governo de uma diocese ou tiveram contatos com um laicato burguês1307. Contudo, o
grupo que contava com sua confiança era bem mais restrito: no cardinalato, contava
com conselhos de um pequeno grupo de cardeais, liderados por Antonelli e Costantino
Patrizi Naro (1798–1876), que, à exceção destes, todos eram mais velhos que o papa, e
que frequentemente viam as questões com a atitude intransigente de teóricos fora de
contato com as visões contemporâneas, que não admitiam a revisão de certas posições
teológicas à luz do progresso, das ciências e da história1308. Pio IX era um místico, que
acreditava fortemente na ação da Providência, em maravilhas e milagres; dava muito
peso às profecias, às manifestações do espiritual, tendendo a ver as convulsões políticas
que envolviam a Igreja em seu tempo como mais um capítulo da grande batalha entre o
bem e o mal, entre Deus e o demônio. A partir de 1849, o papa passou a olhar com mais
atenção as teses conservadoras e os textos dos teóricos do ultramontanismo, assim como
para as tradições católicas arraigadas na cultura popular. Tornou-se adverso a todas as
ideias e enunciados liberais; passou a defender o fortalecimento do papado como
necessário para a retomada da vida católica sem a intervenção dos governos sobre a
Igreja, assim como um meio para centralizar as forças vitais do catolicismo na luta
contra a crescente influência do liberalismo anticristão1309. O regresso a Roma ainda
marcou a consolidação de sua convicção de que a força do papado residia também no
poder temporal e na soberania da Igreja sobre os Estados Pontifícios. Essa convicção se
tornaria a questão central para o papa, marcando de forma dramática as duas décadas
seguintes do pontificado de Pio IX1310.

1306
WOODWARD, 1963, p. 247.
1307
GOUGH, 1996, p. 168.
1308
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 84. Patrizi Naro mais tarde se tornaria Secretário da Congregação da
Inquisição Romana e Universal, onde serviria por dez anos.
1309
Idem, ibid., p. 85. Esse segundo momento do pontificado de Pio IX também foi marcado por uma
firme atuação contra os grupos que defendiam a independência das igrejas nacionais, especialmente os
galicanos. Durante o primeiro momento, ele fora pessoalmente cortês com os principais representantes
das tendências descentralizadoras da igreja na Europa, tão amável de fato, até mesmo afetuoso em seus
modos que alguns bispos franceses passaram a acreditar que o papa, de alguma forma misteriosa,
defendia o galicanismo (GOUGH, 1996, p. 169).
1310
GOUGH, 1996, p. 134.

367
Após a volta para Roma em abril de 18501311, Pio IX centralizou os
negócios de Estado nas mãos de Giacomo Antonelli, o antes liberal, agora travestido
como um radical conservador. Gradativamente o papa reduziu o poder de ingerência e
aconselhamento do Colégio de Cardeais na administração secular dos Estados
Pontifícios, reduzindo também o papel dos religiosos italianos1312. A decisão ficou
patente no consistório de 30 de setembro de 1850, que elevou de uma única vez 13
cardeais, o maior número de todo o seu papado. Entre eles havia apenas três italianos,
número igual ao de franceses, dois austríacos, dois espanhóis, um alemão, um irlandês e
um português. No processo de escolha dos novos cardeais, Pio IX inovou também
quanto à origem social: diferentemente dos consistórios anteriores, apenas quatro eram
originários da nobreza, o mesmo número de descendentes de funcionários públicos, três
vinham de famílias burguesas, um era vinicultor e um de origem camponesa. A
formação acadêmica dos novos cardeais também os distinguia, uma vez que apenas dois
possuíam doutorado utroque iure, tanto em Direito Canônico quanto em Direito Civil, e
três haviam feito doutorado em Filosofia; o restante não tinha formação superior. Nove
dos novos cardeais eram mais velhos que Pio IX, sendo que os dois com mais de 80
anos, o português Pedro Paulo da Cunha e Melo e o alemão Maximilian Sommerau
Beeckh, morreram antes de receber o título1313. No primeiro consistório após o retorno a
Roma, Pio IX deixou claro que os representantes da aristocracia romana e os altos
funcionários, que antes representavam a maioria no Colégio dos Cardeais, haviam
perdido espaço para homens da Igreja de formação modesta, mas que tinham trabalho
pastoral e uma característica comum: tinham identidade com o pensamento conservador
e ultramontano1314.

A restauração do papado em Roma coincidiu com a publicação e circulação


de várias obras de ultramontanos laicos, e monarquistas absolutistas, que ressaltavam o

1311
Os cardeais desejavam que Pio IX adiasse seu regresso a Roma até que as tropas francesas deixassem
a cidade, temendo que o papa se tornasse refém de Luís-Napoleão, contudo, o governo francês deixou
claro que não pretendia sair de Roma tão cedo (SCOTT, 1969, p. 79).
1312
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 87.
1313
MIRANDA, 2021, s.p. Ao longo de seus 32 anos de pontificado, Pio IX indicou 123 cardeais: 71
eram italianos e 52 tinham outras nacionalidades: 16 franceses, 12 espanhóis, 11 austríacos, 4 alemães e 3
portugueses (JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 87).
1314
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 87.

368
papel da Igreja Católica no processo de restauração da autoridade monárquica perdida
ao longo de mais de 50 anos de revoluções e convulsões1315. Para eles, o papado romano
era a única instituição que se manteve intacta ao fim do período revolucionário, e por
isso mesmo deveria restabelecer sua influência, direta e indireta, sobre os governos;
assim, a autoridade do papa sobre a Igreja era suprema e indiscutível1316. A lei divina
precederia a lei humana, e constituiria seu fundamento principal; sendo assim, a
jurisdição papal é superior à civil, não podendo ser restrita apenas aos assuntos
espirituais. A validade da autoridade papal estaria assegurada em quase todas as áreas
do governo e da administração, devendo os governos dos Estados cristãos
harmonizarem-se com o direito divino, tendo o Direito Canônico como um guia. Dessa
forma, recuperando a ideia medieval da soberania da Igreja, e podendo o papa
desincumbir os católicos da obediência aos governantes que fossem contra as leis de
Deus1317. A maior parte desses autores era francesa e formulou suas teses contra a
monarquia parlamentar de Luís Filipe I da casa de Orange, para concluir que o rei
somente poderia ser um verdadeiro defensor do cristianismo caso seu próprio poder
secular também fosse absoluto, sem limitação constitucional ou parlamentar1318; assim,
o ultramontanismo desses autores se aliou ao pensamento conservador em crescimento
na França. Os textos que circulavam tanto em Paris quanto em Roma eram
absolutamente contrários ao parlamentarismo, um modelo repugnante na eclesiologia
quanto na política. Eles não podiam aceitar para a Igreja a ideia de uma estrutura
constitucional na qual tanto a autoridade doutrinária quanto a jurisdição disciplinar do
papa seriam limitadas; [...] a verdade só poderia ser transmitida pela lei divina, e como
somente o papado tem o poder de dedução e interpretação1319, a limitação do poder do
papa era inaceitável. Pio IX ao regressar a Roma colocou esse axioma em prática. O
principal meio de divulgação da ideias da soberania do papado perante o poder temporal
dava-se por intermédio da imprensa católica do eixo entre Roma e Paris, com a conexão
ideológica e formal entre a revista jesuíta La Civiltà Cattolica, de Carlo Maria Curci, e

1315
GOUGH (1996, p. 96) cita alguns autores representantes desse ultramontanismo: Thomas-Marie-
Joseph Gousset, Le Code Civil commenté dans ses rapports avec la théologie morale (1829 com várias
edições até 1877); Honoré de Lourdoueix, La révolution c’est l’orléanisme (1852); e Meichior du Lac,
L’Eglise el l’Etat (1850-1851).
1316
Idem, ibid., p. 98.
1317
Idem, ibid., p. 99.
1318
Idem, ibid.
1319
Idem, ibid., p. 100.

369
o jornal leigo francês L’Univers, de Louis Veuillot. Ao lado de Curci, Veuillot foi um
importante divulgador das teses supremacistas ultramontanas, e poderoso formador de
opinião entre o baixo clero francês, que desde 1815 era formado nos petits séminaires,
ou seminários inferiores. Ao longo da década de 1850, Veuillot entrou em choque com
uma parte significativa do episcopado francês, que era majoritariamente composto por
arcebispos e bispos galicanos ou moderados (77%) – ante uma minoria ultramontana –
23%. Contudo, seus ataques ao catolicismo liberal foram aprovados pela maioria dos
cardeais na Cúria Romana. Em 1853, o papa Pio IX publicou a encíclica Inter
multiplices, pedindo de forma genérica a conciliação das correntes em confronto dentro
da igreja da França1320, mas, ao mesmo tempo, o papado trabalhou pelo fortalecimento
da corrente ultramontana do episcopado francês. A partir de 1855, com a clara
intervenção de Roma, inclusive na formação dos jovens clérigos, a influência do
episcopado galicano foi reduzida; L’Univers, assim como Veuillot, seu proprietário,
tornam-se intocáveis, definindo os limites da ortodoxia e dos debates na igreja da
França junto ao baixo clero – casamento civil, ciência, protestantismo, liturgia1321. Nas
páginas de L’Univers, Bossuet, Fénelon, o bispo galicano Denis Frayssinous e os
beneditinos de Saint-Maur representavam uma heresia, equiparada àquela de Lutero e
Calvino1322.

Em Roma, a poderosa influência do Colégio de Cardeais nas decisões do


papa foi substituída pelas orientações de um pequeno grupo de conselheiros, que
passaram a ocupar funções importantes na administração da Igreja, com livre acesso a
Pio IX: o dominicano Francesco Gaude (1809–1860), que fora vigário da Inquisição
Romana1323; Alessandro Barnabò (1801–1874), consultor da Inquisição e da

1320
Para mais detalhes da vida de Louis Veuillot e dos conflitos entre ultramontanos e galicanos, assim
como a composição do clero francês em meados do século XIX, ver GOUGH, Paris and Rome: the
Gallican Church and the ultramontane campaign, 1848-1853, 1996.
1321
GOUGH, 1996, p. 267. As páginas do L’Univers passaram a definir até mesmo a inclusão de uma
obra no Index: uma crítica afirmando que um livro desrespeitava a ortodoxia representava, com certeza,
sua inclusão na lista dos livros proibidos (idem, ibid.).
1322
Idem, ibid., p. 269.
1323
A Congregação do Santo Ofício, ao longo do século XIX e especialmnene durante o pontificado de
Pio IX, ganhou importância na Santa Sé, tornando-se a Congregação Suprema – Suprema Congregatio –,
o alto cargo da burocracia curial por meio do qual outras congregações frequentemente tinham de
passar suas decisões antes que pudessem agir sobre elas. Para os assuntos internos da Igreja, o cardeal

370
Congregação da Propaganda da Fé; Luigi Maria Bilio (1826–1884), sacerdote consultor
da Inquisição e da Congregação do Index’, elevado a cardeal no consistório de 22 de
junho de 1866, e principal redator da encíclica Quanta Cura e de seu apêndice Syllabus
Errorum. Também pertenciam ao grupo de conselheiros do papa os monsenhores e
posteriormente cardeais: Frédéric-François Mérode (1820–1874), jesuíta belga e
consultor da Inquisição Romana; Edoardo Borromeo (1822–1881), parente de vários
cardeais desde o século XVI, que acompanhou o papa em seu exílio em Gaeta, e
Bartolomeo Pacca II (1817–1880), sobrinho homônimo do cardeal Bartolomeo Pacca,
que foi membro do Tribunal Penal de Roma1324. Com ideias extremamente
comprometidas com o passado, os conselheiros contribuíram para influenciar de forma
profunda as decisões de Pio IX, que desde 1848 passara a olhar as mudanças de seu
tempo com muita desconfiança. Eram homens respeitáveis e piedosos, mas que
careciam de uma compreensão do mundo moderno e de suas implicações na fé e na
religião; eram descrentes das reflexões contemporâneas da filosofia, da história e das
ciências naturais. Por suas atividades anteriores, em funções ligadas à repressão das
ideias e manutenção rígida da doutrina, defendiam a denúncia de todo pensamento
intelectual ou religioso divergente1325. Entre as novas influências do papa Pio IX
também estavam os jesuítas, que montaram um poderoso instrumento de propaganda
das ideias religiosas conservadoras.

A Companhia de Jesus enfrentara muitas dificuldades na Europa, no fim da


década de 1840. Além da grande desconfiança da maioria dos políticos liberais e
moderados europeus, os jesuítas, em 1845, foram expulsos da Espanha e da França, e
em 1847, da Suíça e dos reinos alemães, depois de uma intensa campanha de descrédito.
Os muitos movimentos nacionais da Revolução de 1848 também engolfaram a
Companhia, canalizando contra ela ódios, ressentimentos e preconceitos acumulados ao
longo de séculos; os jesuítas eram considerados conspiradores ultramontanos,
associados ao Antigo Regime. Nos reinos italianos o estopim foi o levante na Sicília e

encarregado do Santo Ofício exercia um poder inferior apenas ao do papa, em cujo nome ele de fato
exercia sua autoridade, [...] responsável pela ortodoxia da Igreja (O’MALLEY, 2010b, p. 56).
1324
MIRANDA, 2021, s.p; CHADWICK, 1998, p. 117-119.
1325
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 87.

371
em Nápoles em janeiro de 1848, o que provocou uma fuga de jesuítas de toda a
península, inclusive de Roma, para o norte, de onde também foram expulsos nos meses
seguintes1326. A ordem também não encontrava apoio do papa nos primeiros anos de seu
pontificado: Pio IX recebia com má vontade as críticas e a resistência mal dissimulada
de muitos jesuítas às suas concessões à causa liberal. Contudo, as dificuldades vividas
nos Estados Pontifícios em 1848 e 1849 aproximaram o papa da Companhia,
especialmente por intermédio do padre Peter Jan Beckx (1795–1887), líder dos jesuítas
em Viena, que, em 1853, seria escolhido para superior-geral da Companhia de Jesus1327.
Ao retornar a Roma, na primavera de 1850, o papa havia mudado completamente sua
postura perante os jesuítas: a Companhia tornara-se uma aliada; após o retorno de Gaeta
era realmente inevitável que ele se voltasse para uma ordem cuja própria razão de ser
era a defesa da autoridade da Santa Sé [...] que a tinha defendido com tanto sucesso, na
hora do seu perigo, contra as investidas dos luteranos e calvinistas1328. Dois fatos
atestaram essa proximidade: o lançamento da revista La Civiltà Cattolica (1850) e a
definição do dogma da imaculada concepção da Virgem Maria (1854)1329.

O periódico quinzenal La Civiltà Cattolica, criado pelos jesuítas Carlo


Maria Curci e Luigi Taparelli (1793–1862)1330, viria a se tornar a mais antiga publicação
católica, editada desde em 1850. Segundo a versão oficial, a ideia da revista teria sido
do próprio Curci, o qual, após os ataques sofridos pela Igreja em 1848 e 1849, teria
sentido necessidade de um maior apoio intelectual e político ao papado; a iniciativa
também representaria uma forma de contrapor-se à propaganda antipapal promovida
pelos nacionalistas italianos e pelos socialistas. Curci e Taparelli tinham apresentando

1326
MCCABE, 1913, p. 427.
1327
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 210. Durante os 30 anos em que Beckx esteve à frente, a ordem assistiu a
uma grande expansão, tanto no número de membros – de 4.540 em 1848 para 10.030 em 1878 – quanto
em sua influência junto ao papado e aos governos da América Latina (idem, ibid.).
1328
HALES, 1954, p. 283.
1329
As boas relações entre o papado e a Companhia de Jesus provocaram uma reação em cadeia em quase
todos os países que antes tinham resistência à ordem: à exceção do Piemonte, todos os reinos italianos
permitiram a criação de colégios jesuíticos, que existiram até a unificação italiana em 1860; a Áustria e a
França permitiram a legalização da ordem, e na Bélgica, Holanda, Baviera, Suíça, Saxônia e Prússia os
colégios e monastérios puderam funcionar livremente (MCCABE, 1913, p. 428).
1330
Taparelli foi o responsável pela recuperação do tomismo no século XIX. Entendia que o liberalismo
era fruto da Reforma Protestante, e condenava o individualismo econômico, que vê no homem apenas

372
ao papa uma versão do tomismo adaptada às ideias conservadoras para o século XIX.
Esse “neotomismo” consistia na construção de uma lógica dedutiva inabalável visando
fornecer à Igreja uma resposta filosófica coerente às propostas liberais, tanto no campo
teológico como político. A verdade ainda era uma só, e proveniente da inteligência e da
racionalidade divinas, mas exigia medidas firmes dos católicos em geral, e do papa em
particular, para sua divulgação1331. A conveniência e a viabilidade da publicação era
debatida pelos jesuítas italianos desde 1846, mas somente ganhou impulso após os
levantes de 1848 em Roma1332. Ainda no exílio em Gaeta, Pio IX teria financiado o
lançamento da revista. Desde seus primeiros números, Civiltà defendeu que a teocracia
era a única forma de governo que poderia ser aceita pela Igreja Católica, que não
poderia reconhecer outras formas de governo, o que a levou a ser proibida no Reino de
Nápoles durante algum tempo. Depois do restabelecimento do papado em Roma, suas
edições passaram a ser diretamente revisadas pela Secretaria de Estado da Santa Sé, isto
é, pelo cardeal Antonelli, que as aprovava antes da publicação1333. Em sua primeira
edição, Civiltà publicou um artigo de Curci a título de editorial que afirmava que o
objetivo principal da revista já estava expresso no título: a civilização católica da
Europa e do mundo desviou-se de sua direção, abruptamente restringida em sua
extensão pela invasão heterodoxa no século XVI. Todos os infortúnios anteriores da
Europa nos últimos três séculos, e os maiores que ainda estão por vir, são os frutos
infelizes desse infortúnio, então é claro que o fator redentor será precisamente no
retorno da civilização ao seu caminho abandonado1334. E prosseguiu: Resolvemos
contribuir para este trabalho salutar com nossa publicação, à qual demos o nome de La
Civiltà Cattolica, a fim de distingui-la do paganismo. Faremos uma exposição gradual
das doutrinas sociais e católicas – e com ela uma polêmica perseverante contra os

uma máquina, e o socialismo, que entendia a dignidade da pessoa humana superior à da sociedade
(FULCO, 2003, v. 13, p. 756; AUBERT, 1976ª, p. 356).
1331
GOUGH, 1996, p. 169.
1332
O’MALLEY, 2018, p. 85.
1333
Os artigos que tratavam de teologia, fé e moralidade recebiam uma revisão adicional do Santo Ofício.
Os artigos da revista muitas vezes também serviam como balões de ensaio de questões sensíveis para
avaliar as reações a ideias ou propostas antes de serem adotadas pela Santa Sé (THAVIS, 2003, v. 3, p.
757-758).
1334
CIVILTÀ CATTOLICA, 1854, p. 3.

373
erros, preconceitos, sofismas, utopias que nos tempos modernos têm mantido as mentes
mais sobrecarregadas1335.

O programa ultraconservador da Civiltà era bem claro desde seus primeiros


números, nos quais apresentava uma interpretação dos acontecimentos históricos desde
a Reforma Protestante, como aberrações intelectuais geradas pela rebelião luterana, a
partir da qual o jansenismo, o racionalismo filosófico do século XVIII, a Revolução
Francesa, o liberalismo e a hidra assustadora do socialismo atacam a religião, devendo
ser condenados como heresias modernas, uma arma não só contra as doutrinas
democráticas e socialistas, mas também em oposição às teses do catolicismo liberal1336.
A revista pretendia contrapor-se aos males cometidos contra o povo pela liberdade de
imprensa. Curci também afirmou que a publicação buscava reconstituir a ideia e o
sentimento de autoridade sobre o conceito católico, cuja ausência teria causado
conspirações e revoltas em governos representativos, não menos do que em absolutos,
mesmo nos puramente democráticos, demonstrando que as formas, sem substância, são
inúteis1337. Em 20 de outubro de 1852, o papa Pio IX editou o breve Dilectis filiis,
dirigido a Carlo Curci, com uma bênção à revista La Civiltà Cattolica: Com todo o zelo
e com toda a caridade, faça todo o possível para que o seu periódico, que demorou
pouco tempo para adquirir celebridades em nossa Itália, prospere cada vez mais, com
grande favor, pela preservação e defesa da fé católica e para a educação sã do
povo1338. Nessa nova fase de seu pontificado, Pio IX estava convencido de que, para
combater as ideias liberais e agnósticas que circulavam entre os católicos, a Igreja
precisava de um jornal próprio, que defendesse os valores tradicionais da Igreja.
Embora o superior jesuíta da época, padre Jan (Johannes) Roothaan (1785–1853),
tivesse dúvidas sobre o envolvimento da sociedade em assuntos políticos, todo o corpo
de redatores era jesuíta. Entre as primeiras causas defendidas pela Civiltà estava a
recusa intransigente do papa Pio IX à reivindicação de poder temporal dos nacionalistas

1335
Idem, ibid.
1336
CURCI, Carlo Maria. “Il giornalismo moderno ed il nostro programma”, In: La Civiltà Cattolica,
1850, apud GIANNATALE, 2012, p. 270.
1337
CIVILTÀ CATTOLICA, 1854, p. 4.
1338
Idem, ibid., p. 6.

374
italianos1339. Nos anos seguintes, a revista e seu “neotomismo” passaram a exercer forte
influência na política papal, levando-o a romper com a relativa reserva dos anos de 1940
e a adotar o estilo de confronto, com críticas ao protestantismo, liberalismo e
parlamentarismo. A eclesiologia de La Civiltà Cattolica, destacando a centralização do
poder na Igreja e a força esmagadora da jurisdição romana, ajuda a fortalecer a
resistência romana ao galicanismo e a preparar o terreno para uma possível
declaração sobre a infalibilidade papal1340.

A segunda grande demonstração do prestígio dos jesuítas junto ao papa Pio


IX foi o processo para a definição do dogma da imaculada concepção de Maria, em
1854, a partir de eventos ocorridos duas décadas antes, na França. Em 18 de julho de
1830, a noviça Catherine Labouré (1806–1876), da Congregação Vicentina, em Paris,
teve uma visão de Maria, com quem conversou por duas horas. Em 27 de novembro, em
uma nova visão, Labouré teria presenciado a aparição de Maria sobre um globo de luz e
ao seu redor estava escrito em francês: Ô Marie, conçue sans péché, priez pour nous qui
avons recours à vous (ó Maria, concebida sem pecado, reza por nós que recorremos a
ti); a visão se teria repetido em setembro de 1831. Cinco anos depois uma comissão
arquidiocesana aprovou a autenticidade das visões, dando início à devoção da Médaille
Miraculeuse (medalha milagrosa), com a imagem vista pela noviça1341. A aparição, a
primeira após um intervalo de um século e meio1342, foi seguida por uma série de relatos
de curas milagrosas causadas pela Médaille, estimulando ainda mais o crescimento da
religião católica na França, assim como a devoção a Maria por toda a Europa1343.

1339
THAVIS, 2003, v. 3, p. 757.
1340
GOUGH, 1996, p. 170.
1341
IGNATIUS, 2003, v. 8, p. 275-276.
1342
A aparição anterior, Nossa Senhora de Laus, teria ocorrido em Saint-Étienne-le-Laus, na França, em
1664, e se repetido até 1718, cuja aprovação oficial somente ocorreu em maio de 2008. A aprovação de
uma aparição pode ser feita tanto pela Santa Sé quanto pelo bispo local, cuja autoridade deriva do papa.
Contudo, as listas de aparições têm muitas variações, uma vez que a religiosidade e a devoção popular
arrolam casos ainda não reconhecidos, ou mesmo rejeitados, pelas autoridades eclesiásticas (IGREJA
CATÓLICA, 1978, s.p).
1343
ALADEL, 1880, p. 47. Labouré foi canonizada em julho de 1947 pelo papa Pio XII.

375
Os primeiros registros da santidade de Maria aparecem nos Evangelhos,
com sua proclamação como a mãe do Senhor, na mais antiga saudação cristã de louvor à
mãe de Jesus. Na igreja primitiva, sua santidade progrediu com a fixação de seu papel
como uma nova Eva, associada a Cristo, o novo Adão, conforme Flávio Justino, ou
Justino de Nablus (c.100–165), teólogo romano do século II, mártir e santo da Igreja
Católica. Os registros pictóricos das catacumbas, os primeiros textos apócrifos e as
referências de Maria com a maternidade de Cristo, e sua virgindade, já usados nas
anáforas eucarísticas, testemunhavam sua veneração; da mesma forma, textos do bispo
Epifânio de Salamina (c. 320–403) apresentaram Maria como mãe dos vivos. Contudo, é
a partir da definição dogmática da maternidade divina no Concílio de Éfeso, em 431,
que o culto a Maria, já consagrado pela tradição Patrística e pela religiosidade popular,
tornou-se oficial1344. Mas foi especialmente na Idade Média que os teólogos
promoveram sua imaculada concepção, quando passou a ser explicitamente discutida e
debatida. A partir do século VII, Maria surge como a rainha celestial, mãe espiritual e
intercessora todo-poderosa, dotada de onipotência suplicante. Teólogos orientais como
Sophronius de Jerusalém (c. 560–638), Germanus de Constantinopla (c. 634–c. 733) e
André de Creta (c. 650–c. 726) exaltaram o poder de intercessão de Maria perante Deus.
Já no Ocidente, durante a alta Idade Média, e em especial ao longo do Império
Carolíngio (732–888), o culto a Maria praticamente desapareceu, como uma distinção
ante a teologia mariana oriental. O culto a Maria foi retomado no Ocidente após o
Grande Cisma de 1054, que separou o cristianismo entre a Igreja Católica Apostólica
Romana e Igreja Católica Apostólica Ortodoxa. A devoção a santos declaradamente
marianos, como São Bernardo, nascido Bernardo de Fontaine (1090–1153); São
Domingo, Domingo Félix de Guzmán (1170–1221); São Bonaventura, Giovanni di
Fidanza (c. 1217–1274); São Francisco, Giovanni di Pietro di Bernardone (c. 1182–
1226); Santo Alberto Magno, Alberto de Colônia (c. 1193–1280); Santa Clara, Chiara
d’Offreducci (1194–1253); e São Tomás de Aquino (1225–1274), que tiveram visões e
presenciaram aparições de Maria, ajudou na cristalização do marianismo entre o povo,

1344
CARROLL, 2003, v. 9. p, 266. A questão da maternidade de Maria estava inserida em uma polêmica
teológica maior que envolvia a própria natureza de Cristo na qualidade de Deus ou como filho de Deus.
Cirílo de Alexandria (c. 378–444) defendia a tese de Maria como mãe de Deus – thetòkos –; Nestório de
Constantinopla (c. 386–451), derrotado, apresentava Maria como mãe de Cristo – christotókos. O debate
entre os dois bispos escondia a questão política sobre qual cidade teria a hegemonia do cristianismo
(ALBERIGO, 2015, p. 74-75).

376
que foi fortalecido, mais tarde, pela invenção da imprensa1345. A Reforma Protestante,
iniciada em 1517, passou a rejeitar a invocação aos santos, mas Lutero e Calvino não
denegaram totalmente a veneração a Maria; sua imagem foi limitada à admiração
daquela que aparece nos Evangelhos como a humilde e obediente mãe de Jesus. Nos
séculos subsequentes a Igreja Católica assistiu ao florescimento dos estudos marianos,
especialmente em decorrência das decisões do Concílio de Trento, que reafirmaram a
veneração e invocação de Maria e dos santos, assim como a reação dos teólogos
católicos diante do Iluminismo e da Revolução Francesa. No século XIX, as antigas
ordens religiosas e missionárias restauradas enfatizaram sua dedicação mariana, em
sintonia com a forte devoção que Maria exercia entre a população mais pobre,
especialmente os camponeses.

O fervor despertado pelas visões de Catherine Labouré foi amplificado em


19 de setembro de 1846, após a aparição de Maria a duas crianças na região de La
Salette, no sudeste da França, próxima de Grenoble. Maximin Giraud (1835–1875) e
Mélanie Calvat (1831–1904), filhos de camponeses pobres, teriam avistado a Virgem
enquanto pastoreavam vacas em um local ermo. Maria teria lhes advertido contra a
apatia religiosa generalizada no mundo, e pedido que rezassem. A aparição foi
reconhecida pelo bispo de Grenoble cinco anos depois, mas a devoção a Nossa Senhora
de La Salette já havia se espalhado pela França, Suíça e pelo norte da península italiana.
As crianças, diferentemente de Labouré, não foram canonizadas1346. As aparições
apenas consolidaram o crescimento da intensa piedade ligada a Maria durante todo o
século XIX, que também estava demonstrada pelas congregações e ordens religiosas
fundadas nas últimas cinco décadas, as quais passaram a incluir Maria em seus
nomes1347. Assim, o papa Pio IX começou seu pontificado assistindo ao crescimento
espantoso da devoção a Maria1348.

1345
CARROLL, 2003, v. 9, p. 268.
1346
GILLETT, v. 8, p. 337; ALADEL, 1880, p. 261-262.
1347
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 224.
1348
A essas visões, em 1858, seriam somadas as de Bernardette Soubirous (1844–1879), em Lourdes,
sudoeste da França. Ao longo do ano, a jovem Soubirous tivera 18 visões de Maria. Foi canonizada em
1933 pelo papa Pio XI. A cidade de Lourdes converteu-se em um dos principais centros de peregrinação

377
Desde 1840 chegaram a Roma inúmeras petições de religiosos franceses
rogando pelo reconhecimento do dogma da imaculada concepção de Maria, afluxo que
aumentou com a aparição de La Salette, quase ao mesmo tempo em que Pio IX era
entronizado. Embora o entusiasmo pela imaculada conceição não possa ser atribuído
diretamente ao movimento ultramontano, ele estava em consonância com ele, e os
líderes do movimento começaram a promovê-lo. Em junho de 1848, em meio à crise
política, a fase mais crítica do envolvimento dos Estados Pontifícios na guerra austríaca,
o papa criou uma comissão de 20 teólogos, comandados pelo padre jesuíta Carlo
Passaglia (1812–1887), para estudar se era viável atender aos pedidos que se
avolumavam. Também compunha a comissão o teólogo jesuíta Giovanni Perrone
(1794–1876), influente professor do Colégio Romano, e autor de De Immaculato B.V.
Mariae Conceptu (1847) – da imaculada concepção de Maria –, expondo uma extensa
argumentação a favor da definição do dogma1349. No Colégio de Cardeais a tese também
contava com um ardoroso defensor: seu sub-reitor, o cardeal jesuíta Luigi
Lambruschini, prefeito da Congregação da Disciplina Religiosa notório por seu
conservadorismo, que havia escrito o livro Sull’ immacolato concepimento di Maria
(1844) – sobre a imaculada concepção de Maria1350. Ainda durante o exílio em Gaeta,
no dia 2 de fevereiro de 1849, o papa publicou a encíclica Ubi Primum, pedindo aos
bispos orações e conselhos sobre a questão: Desejamos sinceramente que, com a maior
solicitude possível, você nos dê a conhecer a devoção que anima seu clero e seu povo e
[...] qual é seu pensamento e seu desejo neste assunto1351. Das cerca de 600 respostas,
muito poucos, principalmente de países protestantes, consideraram a medida
inoportuna; cerca de 90% das respostas eram de fervorosa aprovação. Em 1850, o abade
Prosper Guéranger, instado pelo bispo ultramontano de Poitiers, Louis Pie (1815–1880),
publicou seu Mémoire sur la question de l’immaculée conception de la trés Sainte
Vierge, que teve uma boa repercussão entre os católicos1352. Em artigo publicado na La
Civiltà Cattolica em 1852, dois anos antes da definição, o autor argumentava que a

da Europa, tornando Santa Bernardette uma das mais populares santas modernas (CASEY, 2003, v. 13, p
331-332).
1349
HALES, 1954, p. 150; JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 224.
1350
CHADWICK, 1998, p. 120.
1351
PIO IX, encíclica Ubi Primum (1849).

378
definição do dogma seria uma poderosa proclamação de fé contra o racionalismo e
contra todas as outras filosofias profanas da época; Maria, lembrava o texto, era
conhecida como a destruidora de todas as heresias1353.

Os primeiros estudos e rascunhos para a medida foram elaborados pelos


padres Passaglia e Perrone, o que deu argumentos para aqueles que diziam que a
definição do dogma fazia parte de uma operação planejada pelos jesuítas1354. A base
teológica estava alicerçada no princípio de que Maria fora concebia sem pecado, e
assim, livre do pecado original, participaria, com antecedência, da redenção conquistada
por Cristo. Apesar da ausência da confirmação nos Evangelhos, a tradição da Igreja,
assentada na convicção dos primeiros padres, reconhecia a santidade de Maria,
conforme fora definido no Concílio de Éfeso em 4811355.

Assim, com a grande aprovação recebida, em 8 de dezembro de 1854, o


papa Pio IX emitiu a bula Ineffabilis Deus, definindo a doutrina da Imaculada
Concepção da Virgem Maria: Deus a dotou com a abundância de todos os dons
celestiais derramados do tesouro de sua divindade que esta mãe, sempre absolutamente
livre de toda mancha de pecado [...] na plenitude de santa inocência e santidade [...]
que, fora de Deus, nenhuma mente pode compreender completamente1356. Toda a
justificativa para a definição do dogma estava centrada na consolidação do
entendimento do que sempre esteve presente no passado da Igreja. Essa tradição estava
expressa no decreto dogmático sobre o pecado original, em 17 de junho de 1546, pelo
Concílio de Trento, que ao defini-lo excluiu formalmente Maria: Este mesmo santo
sínodo declara, no entanto, que não é sua intenção incluir neste decreto, que trata do

1352
O’MALLEY, 2018, p. 102.
1353
Idem, ibid., p. 103.
1354
HALES, 1954, p. 147-148.
1355
Idem, ibid.
1356
PIO IX, bula Ineffabilis Deus (1854): A ela o Pai quis dar seu Filho unigênito – o Filho que, igual ao
Pai e gerado por ele, o Pai ama de coração – e dar este Filho de tal forma que ele fosse o único e o
mesmo Filho comum de Deus Pai e da Bem-Aventurada Virgem Maria. Foi ela que o próprio Filho
escolheu para fazer sua Mãe e foi dela que o Espírito Santo quis e fez com que ele fosse concebido e
nascido de quem ele próprio procede (idem, ibid.).

379
pecado original, a bendita e imaculada Virgem Maria, a Mãe de Deus; mas que a
constituição do Papa Sisto IV, de feliz memória, deve ser observadas sob as penas
contidas nas referidas constituições, que ele renova1357. Era uma referência à
constituição apostólica Cum Praeexcelsa (1476) de Sisto IV, a que estabeleceu a
santidade de Maria, assim como sua maternidade espiritual do ser humano1358.

O pronunciamento de Sisto IV foi o primeiro de um pontífice a respeito da


imaculada concepção de Maria. Na constituição apostólica, além de aprovar
oficialmente as orações à Virgem e conceder indulgências para quem as recitar ou
assistir à missa em sua homenagem, também colocou fim a uma longa polêmica
teológica entre as ordens dominicana e franciscana. Anos antes da Cum Praeexcelsa, o
teólogo, e mestre da ordem dos dominicanos, Vincent Bandelli havia escrito um livro
acusando a doutrina da imaculada concepção como ímpia, herética, contrária ao
ensinamento da Igreja e à razão sã. Em contrapartida, o ministro-geral dos franciscanos,
Francis Insuber de Brescia, defendia a postura imaculista, que acabou adotada pelo papa
Sisto IV. Mesmo com a sanção papal, Bandelli escreve outro livro em 1481, tentando
relativizar a constituição Cum Praeexcelsa, insistindo na concepção espiritual e não em
sua imaculada concepção natural. Isso fez com que o papa Sisto IV respondesse com a
bula Grave nimis em 1482, ameaçando com excomunhão os opositores à doutrina, e
aqueles que limitassem a decisão da Santa Sé apenas à concepção espiritual de Maria ou
à santificação geral de Maria1359. Na mesma linha da punição, a bula Ineffabilis Deus de
Pio IX também determinou que todo aquele que por qualquer motivo, ou em qualquer
ocasião, ousar, por escrito ou verbalmente, falar, pregar, tratar, disputar ou decidir
sobre, ou fazer qualquer afirmação contra [o dogma] ou quem apresentará quaisquer
argumentos contra ele, deixando-o sem solução, ou quem discordar disso de qualquer

1357
IGREJA CATÓLICA, 1919, p. 20.
1358
A maternidade de Maria pode ter três significados possíveis: metafórico, segundo o qual a mãe de
Cristo age em relação aos homens como uma mãe age com seus filhos, orando, obtendo graça,
protegendo; adotivo, incumbência que Cristo lhe teria dado, para que cumprisse com os deveres de mãe
para com os homens; e real, segundo o qual Maria daria verdadeiramente a vida espiritual, sendo assim, a
mãe dos homens. As pesquisas teológicas indicariam que desde o papa Sisto IV a Pio IX os textos da
Igreja teriam ficado restritos ao sentido metafórico (COLE, 2003, v. 9, p. 264).
1359
MOTHER OF ALL PEOPLES, 2021, s.p. Pio IX, na bula Ineffabilis Deus, também fez referências
expressas aos documentos pontifícios Sanctissimus (1617), do papa Paulo V, e Sanctissimus (1622) , de
Gregório XV, que reforçaram as punições aos opositores da doutrina.

380
outra maneira concebível, ficaria sujeito a penalidades e censuras, como: que sejam
privados da autoridade de pregar, ler em público, ensinar [...] do poder de votar, ativa
ou passivamente, em todas as eleições, sem necessidade de qualquer outra
declaração1360, punição que somente o papa perdoaria. Da mesma forma, todos os livros
ou impressos que de alguma forma discordassem do dogma seriam censurados e
incluídos no Index’. Por fim, a bula Ineffabilis Deus, apoiando-se na tradição da Igreja,
defendeu a manutenção dos dogmas, em uma frase que poderia perfeitamente ser o
epíteto da segunda fase do pontificado de Pio IX: a Igreja de Cristo, zelosa guardiã que
é e defensora dos dogmas que lhe foram depositados, nunca muda nada, nunca diminui
nada, nunca acrescenta nada a eles1361.

A bula Ineffabilis Deus com a definição do dogma da Imaculada Concepção


de Maria pode ser considerada o primeiro passo de Pio IX na direção do princípio da
infalibilidade papal, que surgiria apenas em 1870 durante o Concílio do Vaticano. O
dogma foi proclamado sem a convocação de um concílio, apenas com uma consulta
informal aos bispos, feita pela encíclica Ubi Primum, cujo resultado nunca foi
claramente divulgado. Os convites para a celebração, em 8 de dezembro de 1854, foram
distribuídos meses antes a um número limitado de bispos, escolhidos entre aqueles que
defendiam o ultramontanismo de maneira convicta; dessa forma, Roma evitou que o
evento se assemelhasse a um concílio. Alguns poucos bispos galicanos, também
apoiadores da decisão, viajaram a Roma tentando participar, pedindo que o dogma
registrasse a menção sob consentimento do episcopado, mas a inclusão foi recusada de
forma veemente1362.

A definição do dogma da Imaculada Concepção gerou forte apoio ao papa


na península italiana e entre boa parte da população católica da Europa; ao mesmo
tempo, a intervenção papal na hierarquia das igrejas da Inglaterra, da Holanda e da
Áustria provocou críticas, especialmente entre os católicos das classes médias urbanas,

1360
PIO IX, bula Ineffabilis Deus, 1854.
1361
Idem, ibid.

381
que ainda defendiam a independência do clero local. Para os liberais do continente, o
papado restaurado após 1850 retrocedera para uma administração arcaica, que se
mantinha pela força das tropas francesas e austríacas estacionadas nos Estados
Pontifícios1363. Quanto ao governo local, Pio IX aumentou a presença dos leigos na
administração, reduzindo o papel dos eclesiásticos, que mesmo assim ocupavam os
principais cargos decisórios, com maior remuneração1364. Mas a economia estava ruim;
a população mais pobre estava ameaçada pela fome. As péssimas colheitas ocorridas em
1845, 1846 e 1848, em todo o Continente Europeu, ainda provocavam uma generalizada
escassez de alimentos em Roma, e a consequente elevação dos preços. A medieval
Corporazioni d’Arti e Mestieri, uma organização tradicional de corporações que existia
desde o século XII, que fora abolida após a invasão napoleônica de 1808, impedia que
os comerciantes estabelecessem livremente os preços sem nenhum controle, gerando
acumulação e especulação descontroladas. Além dessas dificuldades, a administração
desenvolveu um forte protecionismo, que tributou fortemente o comércio, dificultou os
negócios e, indiretamente e efetivamente, promoveu uma vasta rede de contrabando;
sem infraestrutura, até mesmo o deslocamento dentro dos Estados Pontifícios era
difícil1365. A administração dos territórios da Igreja era comprometida pelo sistema de
preenchimento de cargos, que priorizava as indicações de cardeais em detrimento dos
leigos, independentemente da competência técnica exigida para a função; o sistema de
favorecimento provocou profundo descontentamento entre a burguesia local e, até
mesmo, de austríacos que tinham interesse econômico na região1366. Tentando conter a
inflação, Pio IX, em 14 de maio de 1852, restaurou todas as corporações, o que
claramente colidiu com o programa dos liberais, mas que permitiu a volta do controle
dos preços, forçando uma redução gradativa da inflação. Ao mesmo tempo tentou-se
diminuir os gastos do Estado, com a quase dissolução da Guarda Cívica, cujo
armamento havia endividado a Santa Sé em 1848. A volta dos turistas e peregrinos a
Roma, impedidos que estavam entre 1848 e 1849, ajudou a melhorar a arrecadação de
impostos, mas a situação ainda permanecia crítica nos primeiros anos da década de

1362
GOUGH, 1996, p. 265.
1363
CHADWICK, 1998, p. 123.
1364
Em 1856, os leigos na administração eram 686 contra 289 eclesiásticos (HALES, 1954, p. 155).
1365
MARTINA, 1974, p. 186. Em 1859 havia cerca de dois mil quilômetros de ferrovias na península
italiana: 800 no Reino da Sardenha-Piemonte, 700 na Lombardia-Vêneto, 300 no Grão-Ducado da
Toscana, 100 no reino de Nápoles e 100 nos Estados Pontifícios (idem, ibid., p. 187).

382
18501367. As mais importantes fontes de fontes de renda, impostos rurais, venda de
indulgências, transferências de outros países, praticamente tinham desaparecido ao
longo de 50 anos. Funcionários leigos propunham maneiras de a Igreja tornar-se menos
dependente das doações dos fiéis, capitalizando as finanças da Santa Sé e fortalecendo a
economia dos Estados Pontifícios com indústrias; todas as propostas foram
sistematicamente rejeitadas pelo cardeal Antonelli e pelo papa. Entre o cardinalato havia
a firme crença de que a teoria econômica moderna era daninha, e estava comprometida
com o movimento liberal, que há um século contaminava a Europa. Livros de
economia, como Principles of political economy (1848), de John Stuart Mill (1806–
1873), foram colocados no Index; a encíclica Vix Pervenit (1745), do papa Bento XIV,
que condenou de forma veemente a prática da usura e outros pecados semelhantes,
mantinha a economia estagnada, como estava desde o início do pontificado do papa
Gregório XVI1368. Um segmento majoritário dentro da Igreja ao longo do século XIX
acreditava que a indústria representava um atraso para a vida humana, uma fonte
impura. A exemplo dos fisiocratas do século XVIII, o pensamento católico dominante
após a restauração de 1815 defendia que a riqueza das nações e a verdadeira fonte de
prosperidade era derivada unicamente da terra. O desenvolvimento, olhando para as
grandes cidades industriais da Inglaterra, os estados alemães e a França, apenas
produzia miséria, fome, exploração. Da mesma forma, a concorrência, que não existia
na época das corporações cristãs, era danosa e frequentemente vista com
desconfiança1369.

A situação desesperadora das finanças da Santa Sé foi agravada pela


falência do banco católico Delahante and Company, com sede em Paris, que, após sua
falência em meio às consequências da Revolução de 1848, impediu a concessão de um
empréstimo que estava sendo negociado, desde a posse de Pio IX. Apesar de em Roma
ainda prevalecer uma visão medieval dos judeus como os arquitetos de todo o mal, do
racionalismo, da maçonaria e do socialismo, não restou alternativa senão recorrer

1366
Idem, ibid.
1367
HALES, 1954, p. 161-162.
1368
POSNER, 2015, p. 11.

383
novamente ao banco dos Rothschild, assim como fora feito em 18311370. As
negociações entre o papado e a casa bancária forma acompanhadas de perto pelo
governo francês, a ponto de um embaixador francês em Roma, Alphonsus de Rayneval,
considerar as pretensões de M. Rothschild um pouco excessivas1371. Para garantir o
empréstimo Roma emitiu o equivalente em títulos que pagavam oito por cento de juros
ao ano, sendo que o banco Rothschild os comprara com um desconto de 75 por cento, o
que representava efetivamente o empréstimo. Em seguida o banco vendeu os títulos
para o público, lucrando, ao menos, 25 por cento, tornando, assim, o papado devedor do
montante principal, dos juros e mais do deságio de um quarto do valor. Apesar de o
arranjo ter irritado muito o papa, permitiu que Roma mantivesse seu antigo discurso de
que seguia fielmente as Escrituras, não ganhando ou pagando juros sobre seus
investimentos1372. O papa foi muito criticado tanto pelo cardinalato quanto por católicos
por toda a Europa1373. Os Rothschilds também não ficaram livres da censura entre a
comunidade judaica internacional, que condenou a Igreja que tratava mal os judeus nos
Estados Pontifícios. Sensível a esse argumento, a família Rothschild tentou usar sua
influência para implorar à Santa Sé a fim de melhorar as condições para os 15 mil
judeus nos territórios da Igreja, como a redução dos impostos extras cobrados apenas
sobre aquela comunidade, o fim da proibição de ter propriedades e a proibição de
trabalhar em determinadas profissões. O papa Pio IX comprometeu-se a ajudar, mas
nada foi feito, exceto a derrubada das paredes e dos portões que cercavam o gueto judeu
de Roma1374.

A crítica da comunidade judaica tinha sentido. Ao longo do século a


população judaica dos Estados Pontifícios tivera uma relação muito ruim com as

1369
Para mais informações sobre a relação da Igreja Católica com a indústria e o desenvolvimento no
século XIX ver LAGRÉE, Michel. Religião e tecnologia: a bênção de Prometeu, 2002.
1370
POSNER, 2015, p. 15.
1371
Incomodava especialmente ao governo da França a exigência dos Rothschild para que a Igreja
melhorasse as condições dos judeus de Roma, destituídos de qualquer direito civil (SCOTT, 1969, p. 80).
1372
POSNER, 2015, p. 15.
1373
Um dos mais críticos ao empréstimo junto aos Rothschilds foi o banqueiro belga André Langrand-
Dumonceau (1826–1900), rival nos mercados financeiros por todo o continente, que pretendia criar uma
rede internacional de bancos hipotecários, lançando-se como a alternativa católica para os Rothschilds
judeus (FERGUSON, 2000, p. 95).
1374
POSNER, 2015, p. 15.

384
autoridades da Igreja. Obrigados a morar nos guetos cercados e trancados, os judeus
eram constantemente vítimas da repressão violenta, inclusive por parte do grupo
Centurioni. A entronização do papa Pio IX deu indícios de que a situação seria
modificada, mas essa ideia desapareceu ao longo da década de 1850, culminando com o
incidente Mortara. Em junho de 1858, a polícia papal em Bolonha, por ordem do
inquisidor da cidade, o dominicano Pier Gaetano Feletti (1797–1881), apreendeu à força
um menino de 6 anos, Edgardo Mortara (1851–1940), separando-o de seus pais judeus.
Anos antes, uma governanta católica havia batizado a criança que estava muito doente,
e, posteriormente, informado à Igreja1375. O sequestro estava baseado no princípio de
que as crianças judias ou islâmicas que fossem batizadas eram consideradas católicas, e,
portanto, não se podia confiar em que seus pais as criassem. A cena não era inédita; ao
longo de séculos, crianças supostamente batizadas foram tiradas de seus pais biológicos
e criadas por uma família católica ou colocadas no Collegio dei Neofiti – Collegium
Ecclesiasticum Adolescentium Neophytorum ou Pia Domus Neophytorum –, colégio
fundado em Roma em 1577 por Gregório XIII, administrado pela Inquisição Romana
para a formação de convertidos do judaísmo e do islamismo1376. Apesar de apelos para
que Pio IX interviesse, o papa ordenou que o menino fosse levado regularmente ao
Palácio Esquilino, prometendo educá-lo pessoalmente como católico. Os protestos dos
judeus, assim como de católicos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, foram
atribuídos pelo papa a uma conspiração de livres-pensadores, os discípulos de Rousseau
e do economista e pastor britânico Thomas Malthus (1766–1834); da mesma forma, os
apelos pessoais da família Rothschild ficaram sem resposta. A revista La Civiltà
Cattolica, que desde sua fundação publicava matérias festejando a conversão de judeus,
divulgou durante meses a nova fé da criança de 6 anos, que agora tinha um novo pai:
Fui batizado [...] sou batizado e meu pai é o papa, [...] uma nova mãe, a sagrada
Virgem Maria, e uma nova família, a grande família católica1377. A imprensa
internacional deu uma cobertura, em geral crítica, ao caso; só em dezembro de 1858,

1375
KERTZER, 1997, p. 12-15 (e-book).
1376
Casas destinadas à catequese existiram durante séculos, contudo a primeira casa institucionalizada foi
criada em 1540 por Inácio de Loyola, destinada à conversão de judeus e muçulmanos. Em 1568, nos
Estados Pontifícios foi criada a primeira casa, exatamente em Bolonha. Para a Igreja, a conversão de um
judeu era uma obra de Deus, concedendo bênçãos sobrenaturais a um povo condenado. Famílias nobres
patrocinavam as conversões, consideradas uma bênção divina, realizando uma ação que seria lembrada
no portão do céu (idem, ibid., p. 37).

385
nos Estados Unidos, o jornal The New York Times publicou 20 artigos sobre a
apreensão de Edgardo Mortara. Na Grã-Bretanha, o The Spectator proclamou que o
caso mostrava que nos Estados Pontifícios havia o pior governo do mundo – o mais
insolvente e arrogante, o mais cruel e o mais mesquinho1378. O cardeal Antonelli, que
sabia que a polêmica nos jornais era ruim, especialmente para as relações com a casa
bancária credora e com os fiéis internacionais que contribuíam com a Santa Sé, tentou
dissuadir o papa, mas não teve sucesso: a conversão dos judeus era um tema de central
importância para o papado. Também o imperador da França, sua esposa e o primeiro-
ministro da Sardenha-Piemonte, o conde de Cavour não tiveram êxito na tentativa de
demover Pio IX1379.

Havia algum tempo o cardeal Antonelli tornara-se o centro das decisões


administrativas de Roma, e todos os elementos da delicada questão das finanças
passavam por seu escritório na Secretaria de Estado. Uma de suas medidas, que muito
repercutiu entre o cardinalato, contrariando inclusive algumas de suas convicções
pessoais, foi o fim dos subsídios da Santa Sé para ordens clericais, inclusive para os
jesuítas e franciscanos, colocando as questões de Estado em primeiro plano; apesar dos
protestos, Pio IX não reverteu a decisão. Antonelli também aumentou os impostos e
conseguiu fazer com que o banco Rothschild assumisse todos os outros débitos da Santa
Sé, com um refinanciamento e alongamento da dívida por 40 anos. Ao fim da década de
1850, Antonelli havia conseguido equilibrar o orçamento do papado pela primeira vez
desde o início do século1380. Apenas a questão da ocupação estrangeira permanecia
indefinida.

Ao longo da década de 1850 os franceses mantiveram suas tropas


estacionadas em Roma, as quais davam apoio e estabilidade ao papado, mas também
geravam insegurança no cardinalato. A lembrança da invasão de Napoleão Bonaparte de

1377
“Il piccolo neofito, Edgardo Mortara”, In: La Civiltà Cattolica, s. 3, v. 12 (1858), p. 389-390, apud
KERTZER, 1997, p. 44 (e-book). Edgardo Mortara tornou-se padre, vivendo até 1940.
1378
O’MALLEY, 2018, p. 99.
1379
CHADWICK, 1998, p. 131.

386
1808 e a prisão de dois papas ainda assustava. Essa desconfiança aumentou após o
golpe de estado de Luís-Napoleão, em 2 de dezembro de 1852, que pôs fim à República
e autointitulou-se imperador Napoleão III. O novo imperador tinha pouca confiança de
que a Igreja fosse capaz de governar os Estados Pontifícios; a monarquia papal não lhe
parecia uma forma sensata de governar a Itália Central. Napoleão III não era um
católico devoto, e constituiu um gabinete também distante dos critérios religiosos. A
ditadura implantada com o golpe de estado era vista com reservas pelas forças liberais
europeias, e Napoleão não desejava que a França fosse vista como apoiadora de um
regime conservador nos Estados Pontifícios. Contudo, o imperador, mesmo contra sua
vontade, não podia retirar seu exército de Roma e deixá-lo à mercê dos nacionalistas,
uma vez que seu principal apoio na França estava entre os conservadores católicos;
manter o papa seguro em Roma era uma garantia para sua base de poder interno1381. Já o
papa e seu secretário de estado temiam confrontar Napoleão III; assim, após a
consolidação do golpe, Pio IX em uma cerimônia pública reconheceu com gratidão os
esforços do exército francês por salvar a França e a Europa das calamitosas
conspirações sangrentas dos anarquistas1382.

3.5.3. O papado sitiado

Ao longo da primeira metade do século a península italiana viveu o


Risorgimento,um longo processo de luta pela unificação dos vários Estados italianos,
que unia de forma complexa, e muitas vezes conflituosa, o nacionalismo e os interesses
liberais. As revoltas da década de 1830, a guerra do Piemonte contra a Áustria, a

1380
POSNER, 2015, p. 16.
1381
CHADWICK, 1998, p. 98. Luís-Napoleão foi bom para a Igreja; restaurou o Panteão para a
adoração; queria que o domingo fosse mantido em silêncio; estava disposto a um controle mais rígido do
álcool e das barras de vinho; providenciou que os cardeais tivessem assentos no Senado; tornou-se mais
fácil fundar conventos; ordenandos isentos de servir no exército; distribuiu dinheiro para aumentar os
salários muito pobres dos padres; bispos condecorados; endureceu a censura em livros e tratados
anticatólicos; oponentes exilados (idem, ibid.).
1382
Idem, ibid.

387
República de Roma e as revoltas de 1848 e 1849 fazem parte desse processo, e os
Estados Pontifícios estavam no centro da questão, tanto do ponto de vista geográfico
quanto político.

Os territórios da Igreja surgiram em 754, após um pacto entre o rei franco


Pepino, pai de Carlos Magno, e o papa Estêvão II, como uma forma de proteger Roma
dos ataques dos lombardos, povo germânico que se instalou no norte da península
italiana após a queda do Império Romano, e garantir e manter a independência do
papado. Era muito difícil para um papa pensar a Igreja desvinculada de seu poder
temporal, que se acreditava ser a garantia de sua liberdade da autonomia da Igreja
perante os outros Estados, e não havia maneira de esse poder ser entregue. Cada papa,
em sua entronização, jurou defender a Igreja universal e seu patrimônio, que incluía os
Estados Pontifícios. Da mesma forma, era difícil imaginar um conclave que elegesse um
papa que não protegesse os interesses territoriais de Roma na península. Por decorrência
direta, o monopólio dos interesses clericais na região abrangia absolutamente todos os
aspectos, seja do governo quanto dos governados. Com alguma liberdade, poder-se-ia
dizer que na cúpula da Igreja prevalecia uma noção dos Estados Pontifícios como uma
espécie de feudo, e de seus habitantes, independente de classe social, como servos. Por
sua vez, os católicos fora de Roma, seja pelas experiências, seja pela educação,
conseguiam de alguma maneira compreender as transformações dos últimos séculos1383.
Para o clero romano, a revolução, assim como suas decorrências, era entendida como
uma interferência na liberdade e no poder absoluto da Igreja; a revolução estaria
destruindo a grande cultura cristã construída ao longo de séculos, colocando em seu
lugar uma visão distorcida de natureza e razão humanas, do conceito de autoridade e de
liberdade. Mesmo as monarquias restauradas no restante da Europa não representavam
os interesses da Igreja, uma vez que os soberanos restaurados ao trono foram obrigados
a aceitar limitações a seu poder1384. À exceção da Áustria, apenas nos reinos italianos
Pio IX podia encontrar interlocutores confiáveis.

1383
WOODWARD, 1963, p. 246.
1384
Idem, ibid., p. 247. O motivo por trás dessa aceitação [pela Igreja] do isolamento intelectual na
Europa era a suposta necessidade de defender o poder temporal. Mas o poder temporal estava sendo

388
A Revolução de 1848, apesar de continental, afetou profundamente os
reinos italianos, que, de uma forma geral, tiveram seus territórios destruídos e soberanos
humilhados. A restauração das casas monárquicas, como se podia esperar, foi de
extrema violência contra nacionalistas e republicanos. Nas províncias que retornaram ao
controle austríaco, Lombardia e Vêneto, o governo militar implantado torturou e matou
os rebeldes nacionalistas; como reação, houve algumas tentativas de resistência e novos
levantes localizados, que também foram reprimidos com ferocidade. O rei Ferdinando II
eliminou com ferocidade seus adversários, que lhe haviam imposto humilhações logo
no início de 1848, inclusive mandando bombardear a cidade de Messina, que resistia à
retomada1385. Na Toscana, o grão-duque Leopoldo II (1797–1870), da Casa Habsburgo-
Lorraine, e parente do imperador da Áustria, desde a retomada, garantida pelas tropas
austro-húngaras, passou a usar uniforme de um general austríaco, e realizar anualmente
um serviço religioso para comemorar o aniversário da derrota dos exércitos italianos.
Francesco V (1819–1875), duque de Modena e príncipe de Carrara, também um
Habsburgo, mandou açoitar os rebeldes nacionalistas, matando alguns a golpes de
chicote. Nos reinos italianos apenas a Sardenha-Piemonte possuía um rei que se poderia
dizer sensível aos apelos do Risorgimento. Vittorio Emanuele II, que assumiu o trono
em 1849, após a derrubada de seu pai Carlos Alberto pelas tropas austríacas, não tinha
formação política, nem estava preparado para governar, mas sozinho entre os
governantes italianos tinha um amor patriótico pela Itália1386. Ele e seu primeiro-
ministro Camillo Giullio Benso, o conde de Cavour, seriam os únicos estadistas a se
oporem de maneira clara ao poder secular da Igreja nos Estados Pontifícios.

mantido pelas tropas de um governo baseado em princípios que os papas condenaram. A autoridade de
Luís-Napoleão como presidente de uma república francesa, a autoridade do imperador Napoleão III,
repousava sobre o sufrágio universal; um princípio de soberania que nunca poderia ser aplicado ao
reino de Pio IX (idem, ibid., p. 294).
1385
O inglês William Gladstone, liberal, que posteriormente serviu 12 anos como primeiro-ministro do
Reino Unido, e ministro do Tesouro por outros 12, definiu o governo de Ferdinando II como a negação
de Deus (WOODWARD, 1963, p. 295).
1386
Idem, ibid., p. 296.

389
Cavour era nascido em uma família nobre piemontesa, que tinha sofrido
com as tropas de Napoleão, e desenvolvido aversão à ideia de revolução ou de mudança
social. A despeito de sua origem, ele fez fortuna como um homem de negócios bem-
sucedido, interessado na agricultura e nas ferrovias. O interesse comercial levou-o à
Inglaterra, o que fez com que desenvolvesse uma grande simpatia pela economia
britânica, assim como por seu sistema de governo, sendo mesmo considerado um
anglófilo, apelidado de Milord Camillo1387. Em 1848, pouco mais de dois meses após o
rei Carlos Alberto declarar guerra contra a Áustria, Cavour foi eleito para a Câmara dos
Deputados da Sardenha-Piemonte. Ao assumir a legislatura encontrou entre seus pares
um clima fortemente anticatólico, que já vinha se formando há alguns anos pela
agitação socialista e pelo surgimento dos movimentos políticos contrários a Roma1388.

Vittorio Emanuele II ao assumir o trono em 1849, após a renúncia de seu


pai, jurou a Constituição, assumindo a defesa dos princípios liberais da carta. O
exemplo da queda dos reis franceses Carlos X em 1830 e de Luís Filipe em 1848 o
havia convencido de que sua sobrevivência estava ligada ao respeito dos princípios da
doutrina liberal imposta pelo Parlamento1389. A legislatura que começava em 1849 trazia
muitos deputados radicais, socialistas e liberais, o que permitia antever problemas com
a Igreja, especialmente contra Luigi Fransoni (1789–1862), arcebispo de Turim, e
Filippo Artico (1798–1859), príncipe e bispo de Asti, acusados de serem simpáticos à
Áustria e pregarem contra a Constituição piemontesa. Os deputados discutiam a revisão
das relações do reino com Roma: as propriedades territoriais da Igreja; o poder dos
tribunais eclesiásticos para julgar questões civis e criminais, como o casamento e crimes
cometidos por religiosos1390; a redução dos dias festivos, a pedido dos empresários, e os
direitos originários da mão morta1391. Mas, ao contrário do que a Igreja afirmava, a
questão não era apenas ideológica, mas também econômica: um ano de guerra contra os
austríacos tinha debilitado as finanças do reino, que não podia mais arcar com as
obrigações assumidas com a Igreja nos séculos anteriores.

1387
Idem, ibid., p. 298.
1388
HALES, 1974, p. 172.
1389
Idem, ibid., p. 173.

390
O primeiro acordo celebrado entre o papado e a Sardenha ocorrera em 1297,
quando Giacomo D’Aragona garantiu ao papa Bonifácio VIII a defesa da religião em
todo o reino; acordo que foi reiterado em 1297, e reafirmado em 1351, entre o papa
Clemente VI e Peter IV, de Aragão, e em 1551, entre o papa Júlio III e Carlos I, da
Espanha. No século XVIII, já independente, o Reino da Sardenha-Piemonte assinou
uma série de concordatas com Roma, garantindo não apenas a independência da Igreja,
mas também sua jurisdição sobre todo o reino, assim como sua imunidade fiscal e
tributária. Nova concordata foi firmada em 1727 entre o papa Benedito XII e o rei
Vittorio Amedeo II, já pertencente à Casa de Sabóia, que permitiu que os tribunais
eclesiásticos também decidissem questões civis, assim como todos os temas que
envolvessem clérigos. Várias concordatas foram firmadas entre o papa Bento XIV e o
rei Carlos Emanuele III: em 1741 os feudos eclesiásticos pertencentes à Igreja foram
reconhecidos, sendo que as tropas reais seriam retiradas de suas áreas; na mesma data
outro acordo reconheceu que os frutos dos feudos eclesiásticos pertenceriam
inteiramente à Igreja, e que o rei não poderia ter qualquer intervenção nos assuntos
eclesiásticos; pelo mesmo acordo o rei concordou em enviar todos os anos uma grande
quantia em ouro para Roma. Em 1742, foi estabelecido que os bispos do reino teriam
total imunidade em suas jurisdições; em 1750, o rei assumiu o compromisso de pagar
uma renda anual e perpétua usada em favor da Câmara Apostólica de Turim [que] será
entregue para que o aproveite sempre, sem nunca estar sujeito a qualquer diminuição
ou variação, com a promessa de Sua Majestade na fé, e a palavra do rei para si mesmo
e seus sucessores reais1392. O rei Carlos Emanuele III também assinou com o papa
Clemente XIII, sucessor de Bento XIV, algumas concordatas organizando o episcopado
local e estabelecendo medidas para o governo da Igreja no Piemonte. Já no século XIX,
em 1836, o papa Gregório XVI assinou com o rei Carlos Alberto uma concordata
permitindo que os livros paroquiais obtivessem fé pública para a prova de estado civil
dos súditos, e, dessa forma, o casamento religioso tornou-se, na prática, obrigatório1393.
Em março de 1841, uma nova concordata foi assinada entre o rei Carlos Alberto e

1390
CHADWICK, 1998, p. 132.
1391
HALES, 1974, p. 174.
1392
IGREJA CATÓLICA, 1919, p. 410.

391
Gregório XVI, representado pelo cardeal Luigi Lambruschini, reafirmando a imunidade
pessoal dos eclesiásticos acusados de algum crime; os tribunais não poderiam aplicar
penas contra os eclesiásticos, exceto multas pecuniárias em crimes financeiros1394.

As isenções e os privilégios concedidos à Igreja, especialmente nos últimos


dois séculos, passaram a ser um tema de debate nos Parlamento de 1849, uma vez que o
reino não tinha condições de honrar suas obrigações, e vendo-se na eminência de
aumentar a tributação, inclusive sobre pequenos proprietários e comerciantes, que
também tinham representação entre os deputados. A situação do status oficial do
casamento religioso também incomodava os parlamentares liberais, que o entendiam
como a sacralização do Estado. Os custos de manutenção da Igreja eram muito pesados
para o Estado, uma vez que o clero no Piemonte era mais numeroso e mais bem
equipado que em qualquer outro país europeu. A Bélgica e a Áustria tinham um clérigo
para cada 550 habitantes, ao passo que o reino piemontês tinha um religioso para cada
214 súditos1395. A Igreja controlava a educação, mantendo seus próprios tribunais, sem
qualquer limitação à mão morta, e sem tolerância à possibilidade da adoção do
casamento civil; Fransoni, arcebispo de Turim, não cogitava mudanças nas relações
entre o Estado e a Igreja. Para a maioria dos parlamentares, a reforma econômica
afetava as propriedades e os benefícios eclesiásticos e uma alteração do status da Igreja.

O cardeal Antonelli, em todas as ocasiões, mostrava-se contrário às


mudanças pleiteadas pelos piemonteses, também preocupado com as finanças de Roma,
para onde migrava uma parte dos recursos da igreja local. Contudo, sua desaprovação
não impediu que elas ocorressem1396. As reformas promovidas pelos outros Estados
católicos já haviam sangrado as finanças da Igreja. Contudo, essas reformas começaram
em 1850, com a aprovação de leis que afetavam diretamente a vida da Igreja. A
primeira dessas leis, de 1º de março de 1850, retirou os repasses oficiais para os

1393
Idem, ibid., p. 726.
1394
Idem, ibid., p. 736.
1395
WOODWARD, 1963, p. 298.
1396
HALES, 1959, p. 174.

392
institutos de caridade e beneficência governados e administrados na parte econômica
por corporações religiosas. Já a lei aprovada e sancionada pelo rei em 9 de abril
estabeleceu que as causas cíveis entre eclesiásticos e leigos, ou mesmo entre
eclesiásticos apenas, pertenciam à jurisdição civil, para qualquer espécie de ação,
inclusive as criminais do Estado; as ações passaram a ser decididas por juízes leigos. Da
mesma forma, as punições impostas passaram a ser aquelas estabelecidas pelas leis do
Estado. A lei aboliu as imunidades estabelecidas pelo direito de asilo na igreja1397. Por
fim, determinou: compete ao governo do rei apresentar ao Parlamento um projeto de
lei destinado a regular o contrato de casamento nas suas relações com o Direito Civil,
a capacidade das partes, a forma e os efeitos desse contrato1398. Dada a vizinhança, o
Piemonte era o Estado italiano mais fortemente influenciado pela cultura e por costumes
políticos franceses, e havia entre a população um forte sentimento popular pela
igualdade, princípio este que estava em contradição com a lei canônica. A Constituição
piemontesa de 1848 estabelecia que todos os cidadãos estariam sujeitos às mesmas leis,
civis, do Estado, o que não era cumprido pelos tribunais. A restrição aos tribunais
canônicos apenas regulou o ditame constitucional, sendo duramente criticada em
Roma1399. Em 5 de junho do mesmo ano, o Parlamento aprovou lei determinando que
estabelecimentos e as entidades sem fins lucrativos, eclesiásticos ou leigos, não podem
adquirir imóveis sem serem autorizados a fazê-lo por Decreto Real [...]. As doações
entre vivos e as disposições testamentárias a seu favor [mão morta] não terão efeito se
não estiverem da mesma forma autorizados a aceitá-las1400. As leis de 1850 ficaram
conhecidas como Leggi Siccardi, uma vez que foram propostas ao Parlamento pelo
senador e ministro da Justiça e Assuntos Eclesiásticos, Giuseppe Siccardi (1802–
1857)1401. Como reação, o papa Pio IX excomungou os deputados que votaram pela
aprovação dessas leis, ameaçou aqueles que impusessem seu cumprimento e retirou seu

1397
O direito de asilo era uma antiga instituição jurídica segundo a qual alguém perseguido por questões
políticas, religiosas ou de opinião poderia pedir asilo à Igreja, não podendo ser preso enquanto estivesse
sob a guarda clerical. Igreja aqui era entendida no sentido amplo, abrangendo todos os templos católicos,
inclusive os mosteiros.
1398
ITÁLIA, 2010, s.p.
1399
CHADWICK, 1998, p. 132.
1400
ITÁLIA, 2010, s.p.
1401
Em 1849, Siccardi já havia tentado negociar com o papa, que ainda estava no exílio em Gaeta,
modificações que reduzissem as obrigações impostas ao Estado pelas muitas concordatas assinadas entre
a Sardenha-Piemonte e Roma, mas não obteve sucesso. Antonelli argumentou que Roma não desejava
modificar os documentos, e que um acordo entre duas partes não poderia ser alterado apenas pela vontade
de uma (CHADWICK, 1998, p. 133; HALL, 1959, p. 175).

393
núncio de Turim1402. O arcebispo Fransoni publicou uma circular defendendo que a lei
não fosse cumprida, e foi preso e multado. As alterações passaram a preocupar o clero
piemontês, que sentia o crescimento do sentimento anticatólico entre a população, e que
temia a expropriação dos bens da Igreja.

Na sequência da aprovação das reformas, um incidente agravou o clima das


relações entre o Estado piemontês e a Igreja: no fim de julho o ministro da Agricultura e
Comércio, Pietro de Rossi di Santarosa (1805–1850), ficou doente e foi desenganado
pelos médicos. Ele, um deputado que votara a favor da redução do poder da Igreja no
Estado, teve negada a extrema-unção por um pároco, assim como um funeral religioso
após sua morte, no dia 5 de agosto; a decisão do clérigo foi apoiada pelo arcebispo
Fransoni, que dias depois foi preso e exilado para Lyon, na França. Também como
represália, em 1851, pela primeira vez em 110 anos, com exceção dos anos da
Revolução Francesa, o reino deixou de enviar sua cota de ouro para Roma. As medidas
do Parlamento e do rei foram apoiadas pelas classes médias das cidades piemontesas,
evidenciando que a ideia de um Estado laico era bem recebida por uma substancial
parcela da população1403. As discussões e a aprovação das Leggi Siccardi, assim como
os incidentes subsequentes, destacaram um obscuro e desconhecido deputado, mas que
defendia as reformas com discursos vibrantes: Camillo Benso, conde de Cavour. Seis
dias após a morte de Santarosa, operou-se uma aliança entre os parlamentares socialistas
com os liberais, o Connubio, e formou-se um novo ministério, tendo Cavour na
Agricultura. Em seis meses, no 19 de abril de 1951, Cavour assumiria o Ministério das
Finanças e, em 4 de novembro de 1852, se tornaria o primeiro-ministro do reino,
destinado a ser a influência controladora na política piemontesa e italiana até sua morte
em 1861.

Para Pio IX as mudanças ocorridas no Piemonte, assim como a indisposição


parlamentar contra as concordatas, representavam mais um avanço do movimento de

1402
WOODWARD, 1963, p. 299.
1403
CHADWICK, 1998, p. 135.

394
uma grande conspiração que unia maçons, carbonari, iluministas, liberais e socialistas
para destruir a Igreja Católica. As desavenças agravaram-se após a aprovação de um
projeto de lei proposto pelo ministro da Justiça Urbano Rattazzi (1808–1873), cargo que
acumulava com a pasta do Interior, do gabinete de Cavour, de supressão das ordens
religiosas no reino, exceto daquelas dedicadas ao cuidado dos necessitados, doentes e à
educação, consideradas as ordens úteis, a chamada Legge dei Conventi1404. As
congregações deveriam devolver seus bens a um fundo de poupança destinado ao
pagamento de um salário aos padres pobres, idosos e doentes. A nova lei foi aprovada
em 2 de março de 1855, com 117 votos a favor e 36 contra. Após a aprovação pelo
Senado, o episcopado piemontês propôs ao rei uma contribuição anual que seria doada
ao erário público, desde que o projeto de lei fosse retirado. Cavour, então primeiro-
ministro, considerou a proposta ofensiva, uma interferência clerical nos assuntos
internos do Reino da Sardenha-Piemonte, e ameaçou renunciar; era uma reazione contro
progresso, como definiu em um discurso no Senado1405. Após violentas manifestações
anticlericais em Turim, a proposta foi recusada pelo rei, e, em 22 de maio, o projeto foi
aprovado pelos senadores1406. Em 29 de maio Vittorio Emanuele II assinou um decreto
real discriminando as 26 ordens masculinas e femininas que estavam extintas1407. As
congregações extintas, que compreendiam cerca de 5.500 pessoas, representavam
aproximadamente dois terços dos religiosos do país1408. A lei transferiu para o Estado os
bens pertencentes às ordens, estabelecendo um fundo estatal, que pagaria um subsídio
anual para os religiosos em claustro, de acordo com sua idade, proibindo a ampliação de

1404
CHADWICK, 1998, p. 138; HALES, 1959, p. 183. Cavour, um católico não devoto; filho de mãe
protestante, tinha fé no progresso da sociedade, acreditando que para tanto era preciso conter a Igreja
Católica, como fora feito na Inglaterra, que muito admirava (CHADWICK, 1998, p. 135).
1405
HALES, 1959, p. 180. Rattazzi pertencia ao partido político Sinistra (esquerda), que mais tarde seria
conhecido como Sinistra Storica (esquerda histórica), para ser diferenciada dos socialistas e dos membros
da social-democracia. Fundado em 1849 como consequência da Revolução de 1848, era uma coalizão
representando as classes médias, a burguesia urbana, pequenos empresários, jornalistas e acadêmicos, e
defendia pautas liberais. No fim do século XIX passou a assumir propostas conservadoras.
1406
ORSI, 1914, p. 202.
1407
Eram todas as ordens existentes no reino. Ordens religiosas masculinas: Agostinianos, Cânones de
Latrão, ou regular de S. Egidio, Carmelitas, Cartuxos, Monges Beneditinos Cassinesi, Cistercienses,
Olivetanos, Conventuais Menores, Oblatos de Santa Maria, Passionistas, Dominicanos, Mercedarii,
Servos de Maria, Padres do Oratório ou filipinos. Ordens religiosas femininas: Chiarisse, Beneditinas
Cassinesi, Canonisas de Latrão, Capuchinhos, Carmelitas Descalças, Cistercienses, Crocifisse
Benedettine, Dominicanas, Terciárias Dominicanas, Franciscanas, Celestina ou Turchine, Battistine,
Agostinianas (ITÁLIA, 2010, s.p.).
1408
HALES, 1959, p. 179. Havia 604 casas, sendo que 372 eram conventos, com um total de 8.564
monges e freiras. Foram suprimidas 334 casas e expulsos 5.506 religiosos, dos quais 4.308 eram monges
(CHADWICK, 1998, p. 137).

395
seu número. Também foi criada uma contribuição anual em favor desse fundo a ser
cobrada de todas as paróquias, abadias, santuários, seminários, internatos eclesiásticos,
e bispados e arcebispados que estivessem funcionando regularmente com um religioso
titular1409. A lei causou pânico e irritação em Roma, uma vez que remetia a lembranças
dolorosas para a Igreja: o mesmo fora feito por Henrique VIII na reforma da igreja
inglesa, em 1534; a França durante a revolução, e por José II no Império Austríaco e na
Holanda, entre 1765 e 1790, inclusive aos jesuítas em 1773, antes mesmo da bula
Dominus ac Redemptor, na qual o papa Clemente XIV extinguiu a Companhia de
Jesus1410. Para o cardeal Antonelli o governo do Piemonte estava desrespeitando todos
os acordos firmados com a Igreja, e também os compromissos assumidos durante o
Congresso de Viena em 1815; para Roma, o aspecto econômico era irrelevante diante da
agressão ao catolicismo1411. Pio IX reagiu à aprovação com a edição da encíclica Cum
Saepe, em 26 de julho de 1855, condenando tanto a lei como todos os outros atos e
decretos individuais promulgados pelo governo do Piemonte contra a religião, a Igreja,
autoridade e direitos da Santa Sé. Pelo documento o papa também declarou que todos
aqueles que não hesitaram em propor, aprovar, sancionar os mencionados decretos e a
lei [...] bem como seus diretores, advogados, consultores, adeptos, executores
incorreram em grande excomunhão e outras censuras eclesiásticas1412. A Santa Sé
orientou que os religiosos desapropriados não resistissem, mas não deveriam deixar de
protestar; foi permitido que os católicos do reino comprassem as propriedades
monásticas em leilão, desde que as devolvessem à Igreja1413. Do ponto de vista da Santa
Sé, as ordens inúteis extintas no Piemonte, na verdade, representavam o modo de vida
mais perfeito, e apenas para os poucos que têm vocação para adotá-lo; sua repressão
representava a perseguição dos ideais mais profundos da Igreja1414.

A lei também foi criticada pelos socialistas e pelos republicanos radicais,


para quem a Igreja deveria ser completamente controlada no país, para impedir que

1409
ITÁLIA, 2010, s.p.; WOODWARD, 1963, p. 300.
1410
HALES, 1959, p. 178.
1411
Idem, ibid., p. 180.
1412
PIO IX, encíclica Cum Saepe, 1855.
1413
CHADWICK, 1998, p. 138.
1414
HALES, 1959, p. 182.

396
criasse transtornos políticos. Um dos críticos era o deputado radical Angelo Brofferio
(1802–1866), que se opunha a qualquer concessão à Igreja, a grande responsável pela
desunião da Itália e pela presença de forças estrangeiras na península: Quem nestes
últimos anos chamou os espanhóis, os austríacos e os franceses contra a liberdade
italiana e fez o Panteão, o Capitólio e até a Basílica de São Pedro serem
bombardeados? Foi o papa, foi Pio IX1415. Já o primeiro-ministro Cavour tinha uma
visão mais tolerante, mas um pouco dúbia: admirava a separação da Igreja estabelecida
pela Constituição dos Estados Unidos, mas duvidava de sua aplicação no caso italiano;
também não aprovava a intervenção direta estatal, como ocorreu na França após 1815,
porque isso fez com que o baixo clero se tornasse fiel a Roma. Desejava a liberdade
para a Igreja, sem um compromisso do Estado sob a forma de uma concordata, e
também não admitia a intervenção de religiosos na política1416. Esse sentimento era
compartilhado por boa parte da população urbana do Piemonte, imprensa, classes
médias, burguesia e trabalhadores. O governo de Cavour obtivera grande apoio no
Parlamento, como ficou claro nas eleições de 1857, quando seu partido ganhou a
maioria das cadeiras da Câmara – 75%; sua pauta nacionalista e contra a interferência
política da Igreja estava aprovada1417.

A consolidação do poder de Cavour no Piemonte, que aos olhos dos


estadistas europeus se tornara o porta-voz da Itália unificada, e opositor declarado da
Áustria1418, delineou dois planos distintos para a unificação da Itália, e em ambos os
piemonteses lideravam o processo. Uma delas, defendida pelo próprio Cavour, consistia
em expulsar os austríacos da Lombardia e do Vêneto, assim como das legações dos
Estados Pontifícios nos quais a Áustria havia se estabelecido, como Modena e Bolonha,
onde o descontentamento com os estrangeiros era grande. Desejava criar um reino no
norte, na parte mais próspera da península, mantendo o papa com um Estado bem

1415
THAYER, 1911, v. 1, p. 343.
1416
CHADWICK, 1998, p. 136.
1417
Nessas eleições, das 153 cadeiras, os conservadores católicos elegeram 58 deputados, os
conservadores não religiosos elegeram 14 e as forças socialistas, 8 (idem, ibid., p. 139).
1418
THAYER, 1911, v. 1, p. 400. No Grão-Ducado da Toscana, o ministro Bettino Ricasoli (1809–1880)
não escondia sua simpatia pelo Piemonte e pelo rei Vittorio Emanuele II; Bolonha ofereceu total apoio ao
rei no processo de unificação; em Perugia, ao longo da segunda metade da década de 1850 ocorreram
inúmeros motins contra os austríacos e os mercenários suíços do papa (WOODWARD, 1963, p. 306).

397
menor do que até então. Ainda por esse projeto o Reino das Duas Sicílias-Nápoles
permaneceria intocado. A outra fórmula, desenvolvida por Mazzini, previa a unificação
de toda a península, sem os Estados Pontifícios, sob o comando do rei Vittorio
Emanuele II, o único que teria força política e militar para enfrentar os austríacos. O
plano era imperfeito, uma vez que Mazzini, um republicano, não confiava em reis e
soberanos1419. Contudo, ambos os projetos enfrentavam um dificuldade: dependiam do
apoio do imperador francês Napoleão III e de seus exércitos, que, por sua vez, havia se
comprometido com a permanência do papa em Roma. O imperador não gostava da ideia
dos austríacos na península, mas uma ação militar sua poderia despertar as velhas
rivalidades dos alemães, que não aceitavam a hegemonia francesa no continente1420.

A eclosão da Guerra da Criméia, em 16 de outubro de 1853, viria a ajudar o


Piemonte a romper a situação dúbia em que se encontrava Napoleão III. A guerra teve
como causa aparente um incidente envolvendo a proteção dos lugares santos em
Jerusalém, a princípio a cargo dos jesuítas. O czar Nicolau I, que tinha interesse
geopolítico no controle do Mar Negro, alegou que o controle deveria pertencer à Igreja
Ortodoxa, invadindo os principados otomanos do Rio Danúbio – Moldávia e Valáquia –
, hoje pertencentes à atual Romênia. O sultão otomano Abdul Mejide (1823–1861)
resistiu, com o apoio da Grã-Bretanha e da França, dando início a uma guerra que
duraria quase três anos, matando e ferindo mais de cerca de 750 mil pessoas – 220
otomanos e aliados e 530 mil russos. O maior contingente europeu era francês, cerca de
310 mil soldados, maior até mesmo que os otomanos, 50 mil. Pio IX e Antonelli
adotaram um postura dúbia, e aparentemente contraditória, com relação à guerra, uma
aliança salvífica das potências cristãs do Ocidente: por um lado apoiavam o lado
europeu do conflito contra o imperialismo de Nicolau I e seu pan-eslavismo, posição
estampada regularmente em La Civiltà Cattolica1421; concomitantemente, em contatos

1419
Os grupos de nacionalistas mais regionais, e distante do Piemonte e de Mazzini, defendiam
sublevações locais, que acabariam por se espalhar por toda a península. A ideia não levava em conta os
levantes de 1848 e 1849, quando as insurreições locais foram sufocadas pelas tropas austríacas que
intervieram para restaurar o poder dos soberanos (THAYER, 1911, v. 1, p. 400).
1420
CHADWICK, 1998, p. 141.
1421
Segundo La Civiltà Cattolica, o pan-eslavismo era a ideia de unificar a sociedade religiosa e política
da raça eslava de uma só vez, para torná-la politicamente dominante sobre as demais. E essa ideia está
tão encarnada nas populações gregas, como um escravo confinante com o império, que os aldeões do

398
pessoais com os representantes do imperador austríaco Francisco José I, estimulavam
que a Áustria ficasse neutra no conflito, concentrando sua atenção na península italiana,
ao mesmo tempo protegendo os Estados Pontifícios contra novas insurreições ou
ameaças piemontesas. A ambiguidade da Igreja era apenas aparente, uma vez que
buscava apenas seus interesses1422.

Cavour negociou pessoalmente com Napoleão III a participação do Reino


da Sardenha-Piemonte no conflito, enviando cerca de 20 mil soldados, um número
muito pequeno perante os contingentes da França e Grã-Bretanha, mas significativo
pelo apoio à causa ocidental1423. O reino não tinha interesses diretos no conflito, o
primeiro-ministro queria apenas obter prestígio aos olhos da França e da Inglaterra1424.
Durante o Congresso de Paris, entre março e abril de 1856, reunido para discutir os
tratados de paz na Criméia, os representantes franceses e britânicos colocaram o
problema do domínio austríaco no norte da península italiana e as ameaças à soberania
do Piemonte, defendendo que as tropas de Viena deveriam retirar-se da região,
especialmente dos Estados Pontifícios. Também discutiram a violência do governo das
Duas Sicílias contra os oposicionistas, o qual não havia mandado representantes1425.
Durante o Congresso, Cavour chegou a manter encontros secretos em Paris com o
imperador Napoleão III e o lorde Clarendon (1800–1870), chanceler inglês e
representante da Rainha Vitória nas negociações, que somente foram divulgados em
18831426. Nos encontros privados, Cavour tentou mostrar que a questão italiana só
poderia ser resolvida por um confronto armado contra a Áustria, não havendo para o
Piemonte outra opção. Apesar das promessas de apoio, Cavour retornou a Turim

Danúbio e os eslavos húngaros guardam em seu caso o retrato do imperador russo, como o chefe ou o
máximo protetor de seus religiosos, líder do cisma contra o latinismo (La Civiltà Cattolica, 1853, apud
BATTAGLIA, 2012, p. 52).
1422
BATTAGLIA, 2012, p. 51-54.
1423
Diante do gigantesco número de baixas francesas e britânicas, respectivamente 135 mil e 40 mil entre
mortos e feridos, o Piemonte perdeu 28 homens nos conflitos (THAYER, 1911, v. 1, p. 359).
1424
HALES, 1959, p. 186.
1425
ORSI, 1914, p. 215-218. O rei siciliano Ferdinando II, ao longo de toda a década, reprimiu as
tentativas de levante de forma brutal, com o fuzilamento de todos os suspeitos, fazendo com que, sob a
agitação de Mazzini, aumentasse ainda mais a insatisfação contra seu governo. Em 8 de dezembro de
1856, em Nápoles, após uma missa, o rei foi ferido por um soldado com um golpe de baioneta, que foi
enforcado sem julgamento quatro dias depois. Ferdinando II morreu em 22 de maio de 1859, em virtude
do ferimento sofrido no atentado (idem, ibid., p. 224).

399
confiando apenas na palavra de apoio do imperador francês; ainda no exterior,
descobriu que o comprometimento de lorde Clarendon era apenas formal, e que o
gabinete inglês não estava disposto a interferir1427.

Napoleão III também tinha um projeto para a Itália, mas que não passava
pela hegemonia piemontesa na península; desejava a formação de uma federação
italiana, sob a presidência nominal do papa, em uma espécie de renascimento do plano
do padre maçom Vincenzo Gioberti, o que lhe permitiria uma pressão direta sobre o
papado, cujo poder temporal estava mantido por tropas francesas. Acreditava que uma
dívida dos italianos com ele controlaria Cavour e poderia afastar as tentações da criação
de um Estado italiano unitário1428. As tratativas foram iniciadas ainda em meados de
1856, nos encontros secretos de Paris, e concluídas em Plombières, em julho de
18581429. Cavour obteve do imperador francês a promessa do envio de 200 mil soldados
para ajudar na expulsão dos austríacos. Em contrapartida foram impostas ao rei Vittorio
Emanuele II algumas condições: ele abriria mão das regiões fronteiriças de Nice e
Sabóia em favor do Estado francês, o que ia contra o discurso da união da nacionalidade
italiana; a Toscana e a Úmbria seriam unificadas sob o governo de Carlos III, duque de
Parma; Nápoles e as Duas Sicílias seriam mantidas como um reino independente, mas
sem ajuda francesa para conter seus súditos; o rei piemontês permitiria o casamento de
sua filha Maria Clotilde di Sabóia (1843–1911) com o primo do imperador, Napoleão
Joseph Charles Paul, também conhecido como Jerome Bonaparte (1822–1891), o que
acabou ocorrendo em Turim, na capela real do Santo Sudário, em 30 de janeiro de 1859;
e, por último, Roma e região permaneceriam sob o domínio direto do papado. Dessa
forma a Itália que surgiria seria a união de quatro reinos: norte da Itália, formado por
Piemonte, Lombardia e Vêneto; Itália Central, pela Toscana, Úmbria e Parma; o Estado
Pontifício renovado e reduzido; e Nápoles com a Sicília ao sul. Esses Estados
formariam uma confederação, aos moldes da Confederação Germânica, tendo o papa

1426
WOODWARD, 1963, p. 303.
1427
ORSI, 1914, p. 219.
1428
WOODWARD, 1963, p. 303-304.
1429
Os contatos entre Napoleão III e Cavour foram feitos não por um diplomata, mas pelo médico pessoal
do imperador, Henri Conneau (1803–1877), sem o conhecimento da chancelaria francesa; Plombières é

400
como presidente honorário1430. Cavour, ao regressar a Turim, depois do Congresso de
Paris, fez um discurso na Câmara dos Deputados, em 6 de maio de 1856, afirmando que
grandes soluções não se fazem com a pena; a diplomacia não tem poder para mudar as
condições dos povos1431; a Itália poderia nunca gozar de liberdade e independência
enquanto os estrangeiros controlassem a península. O discurso do primeiro-ministro
provocou censuras do embaixador austríaco na corte do rei Vittorio Emanuele II, conde
Karl von Buol-Schauenstein, que acusou o governo de instigar a população contra
Viena; o diplomata alertou que a Áustria não seria desviada de seu curso fixo de apoiar
todas as reformas seguras nos Estados italianos, afastando os opositores e
anarquistas1432. Cavour havia deixado claro que a primeira medida do processo de
unificação era a expulsão da Áustria, já contando com o apoio francês, mas não
explicitara os passos seguintes. Com exceção dos piemonteses, grande parte dos
nacionalistas italianos, inclusive Mazzini, projetava uma república para a Itália e não
confiava em Cavour. O primeiro-ministro piemontês, por sua vez, trabalhava pela
consagração de Vittorio Emanuele II como rei de todos os italianos, mas não podia
deixar isso evidenciado, sob pena de romper a já frágil união dos nacionalistas1433.
Roma não estava totalmente ignorante das negociações que ocorriam entre Paris e
Turim. Além das informações passadas pelo núncio apostólico em Paris, arcebispo
Carlo Sacconi (1808–1889), elevado a cardeal em 1861, relatando os boatos que
corriam na corte, no começo de 1859 um panfleto apócrifo circulou nos Estados
Pontifícios com um resumo dos acordos de Plombières1434.

uma estação de águas termais, o que permitia a presença de Cavour sem levantar suspeitas (ORSI, 1914,
p. 240).
1430
WOODWARD, 1963, p. 304.
1431
É certo, senhores deputados, que as negociações de Paris não melhoraram as nossas relações com a
Áustria. Devemos confessar que os plenipotenciários da Sardenha e os da Áustria, depois de dois meses
sentados lado a lado, depois de cooperar na maior obra política realizada durante os últimos 40 anos, se
separaram sem colisões pessoais, geralmente de forma cortês, e condizente com o chefe do governo
austríaco), mas com a convicção secreta de que os dois países estão mais longe do que nunca de um
acordo político e de que os princípios que eles defendem são irreconciliáveis (ORSI, 1914, p. 221).
1432
THAYER, 1911, v. 1, p. 407.
1433
Idem, ibid., v. 1, p. 402.
1434
HALES, 1959, p. 192. A divulgação desse tipo de panfletos não assinados fazia parte da estratégia
política de Napoleão III, para testar a reação do público antes de uma medida polêmica (idem, ibid.).

401
Contando com o apoio francês, o governo da Sardenha-Piemonte começou
uma série de pequenos atritos diplomáticos com a Áustria, inclusive enviando
voluntários piemonteses para as outras regiões da península, buscando construir um
pretexto para a eclosão de uma guerra. Ao mesmo tempo começou o recrutamento de
voluntários que chegavam de toda a península, além de exilados na Suíça e na Grécia.
Giuseppe Garibaldi foi nomeado líder dos grupos de voluntários1435. O movimento foi
sentido pelo embaixador Buol-Schauenstein, fazendo com que a Áustria reforçasse suas
tropas na fronteira da Lombardia, passando a exigir o desarmamento preventivo do
Piemonte, como forma de pacificar o norte da península. Em 19 de abril de 1859, por
carta, recebida por Cavour no dia 23, Buol deu um ultimato a Turim, dando prazo de
três dias para o desarmamento de suas forças1436. No mesmo dia, o Parlamento
piemontês aprovou, por 110 votos a favor, 24 contra e 2 abstenções, em um clima de
entusiasmo, um projeto de lei de emergência que concedeu plenos poderes ao rei em
caso de guerra. No dia 26, o embaixador francês em Viena, François-Adolphe de
Bourqueney (1799–1869), em uma ação coordenada, declarou que o governo de
Napoleão III consideraria um ato de guerra a travessia do Rio Ticino, na fronteira entre
o Reino da Sardenha-Piemonte e a Lombardia, pelo exército austríaco, demarcação esta
que foi ultrapassada no dia 27. Quase ao mesmo tempo em que as tropas entravam no
território piemontês, o rei Vittorio Emanuele II emitiu uma proclamação anunciando a
guerra às suas tropas, a segunda contra a Áustria em dez anos. Em 3 de maio era a vez
de Napoleão III também fazer sua proclamação de guerra: a Áustria, ao trazer o seu
exército para o território do rei da Sardenha, nosso aliado, declarou guerra contra nós.
Portanto, viola os tratados e a justiça, e ameaça nossas fronteiras. [...] O objetivo desta
guerra é, portanto, fazer da Itália a si mesma e não fazê-la mudar de dono, e teremos
nas nossas fronteiras um povo amigo que nos deverá a sua independência1437.
Curiosamente, o documento oficial trazia uma ressalva que visava acalmar os grupos

1435
GIGLIO, 1912, p. 62.
1436
Tenho a honra de implorar a Vossa Excelência que me informe se o governo do rei consente, sim ou
não, em colocar sem demora o seu exército em condições de paz e em dispersar os voluntários italianos.
O portador desta carta, a quem V. Exa. queira dar a sua resposta, tem instruções para se manter à sua
disposição para o efeito durante três dias. Se, no fim desse período, ele não tiver recebido nenhuma
resposta, ou se a resposta não for totalmente satisfatória, a responsabilidade pelas graves consequências
que podem advir desta recusa recairão inteiramente sobre o governo de Sua Majestade da Sardenha.
Depois de tentar em vão todos os meios conciliatórios para obter para o seu povo a garantia de paz em
que o imperador tem o direito de insistir, Sua Majestade será obrigada, com grande pesar, a recorrer à
força das armas para a obter (ORSI, 1914, p. 263).

402
católicos que o apoiavam: Não vamos à Itália para fomentar a desordem, nem para
abalar o poder do santo padre que recolocamos no seu trono, mas para o libertar da
pressão estrangeira que pesa sobre toda a península e para ajudar a fundar a ordem
sobre interesses legítimos1438. O apoio francês à guerra concentrava-se entre os
anticlericais, liberais e grupos socialistas; os conservadores católicos foram
radicalmente contra, o que era expresso nos texto de Veuillot no L’Univers. Com
exceção de alguns poucos católicos liberais, como Montalembert e Lacordaire, que
achavam que o poder austríaco na península italiana era ruim para a Igreja, os católicos
em geral, assim como quase todos os bispos franceses, eram contra a guerra do
imperador1439. Antes de embarcar para o local dos conflitos, Napoleão III enviou uma
carta ao papa Pio IX declarando sua fidelidade à Igreja: Não separo a causa da religião
e o poder temporal do santo padre da causa da independência da Itália, igualmente
queridos para mim [...] meus esforços serão sempre conciliar estes dois grandes
interesses e que onde quer que minhas tropas estejam a autoridade de Vossa Santidade
e os interesses da religião serão salvaguardados e protegidos1440. O papa proclamou
sua neutralidade, e exortou a Igreja em todo o mundo a oferecer orações para a rápida
restauração da paz. Tendo seus dois protetores em guerra, a derrota de qualquer um
deles deveria tornar Roma dependente do vencedor; a guerra era totalmente indesejável
para a Santa Sé1441.

Após o início dos combates, a concentração de tropas austríacas ao norte da


península desguarneceu a Toscana, permitindo o início da uma revolução local, quase
ao mesmo tempo do início da guerra ao norte. O levante obrigou o grão-duque
Leopoldo II a abdicar em favor de seu filho, Ferdinando IV, que não conseguiu
governar, com governo provisório declarando a Toscana unida ao Piemonte. Logo em
seguida, eclodiu uma rebelião em Massa e Carrara, estimulada por agentes piemonteses
infiltrados entre a população, que pouco depois contaram com apoio das tropas de
Garibaldi; o mesmo aconteceu em Parma e Modena. Na legação apostólica na

1437
GIGLIO, 1912, p. 73.
1438
Idem, ibid., p. 74.
1439
CHADWICK, 1998, p. 146.
1440
HALES, 1959, p. 192.

403
Romagna, as tropas da Áustria foram forçadas a retirar-se, obrigando o cardeal Luigi
Ciacchi a fugir para Roma. As rebeliões locais, em Ancona, Bolonha e Perugia,
permitiram minar o suporte material às tropas austríacas, e também expressar a
insatisfação dos italianos com o domínio austríaco, assim como o desejo da formação de
um reino italiano. Também houve levantes nas legações de Marche, Úmbria, mais
próximas a Roma, que foram reprimidas por tropas de mercenários reunidas às pressas
pelo cardeal Antonelli.

As forças franco-piemontesas avançaram rapidamente, de forma coesa, ao


longo da extensa planície que liga Turim a Veneza, surpreendendo o general húngaro
Ferenc Gyulai (1799–1868), comandante das tropas austríacas, que esperava ataques
separados dos dois exércitos; a lentidão do general foi atribuída como uma das causas
da derrota. A proposta para o armistício foi feita por Napoleão III diretamente ao
imperador da Áustria, Francisco José I. O imperador francês desejava antecipar o fim
dos conflitos de uma forma negociada, temendo o apoio que o governo austríaco
começava a receber da Federação Germânica, comandada pela Prússia, e do czar da
Rússia, mas também o aumento do poder e da popularidade do rei Vittorio Emanuele II
nas regiões libertadas1442. Napoleão III também receava que os acordos entabulados em
Plombières no ano anterior não fossem respeitados. Cavour não demonstrava
claramente o desejo de cumpri-los; por sua vez, Napoleão III não se mostrou muito
decidido a respeitar o acordo de entregar o Vêneto à Sardenha-Piemonte.

A guerra durou dois meses e meio. Em 12 de julho, o comando militar


austríaco assinou o armistício de Villafranca, nas cercanias de Verona. Durante 76 dias,
45 mil soldados sardo-piemonteses, incluídos os voluntários, e 93 mil franceses
enfrentaram os cerca de 130 mil austríacos1443. Ao fim de meses de negociação, um

1441
Idem, ibid., p. 197.
1442
THAYER, 1911, v. 2, p. 82; HALES, 1959, p. 183.
1443
THAYER, 1911, v. 2, p. 48-49. Os austríacos tiveram 2.292 mortos, 11.167 feridos e 8.638
desaparecidos; por sua vez, as tropas aliadas tiveram 2.313 baixas, com 12.102 feridos e 2.776 feridos
(idem, ibid.). Um grande número de baixas foi causado por uma epidemia de tifo entre as tropas. Para

404
tratado final foi assinado entre as três partes na Paz de Zurique, em novembro de 1859,
do qual todos saíram descontentes, e com o temor de um novo conflito em breve. Pelos
acordos, o Piemonte anexou a Lombardia, e estes mais tarde seriam unificados com
Toscana, Parma, Modena, Reggio e a legação apostólica da Romagna, em detrimento
dos Estados Pontifícios1444. Nice e Saboia foram entregues ao Estado francês e a Áustria
manteve o Vêneto; nos três casos, houve um êxodo de italianos para o Reino da
Sardenha-Piemonte, então ampliado pelas anexações1445. Cavour havia discordado do
rei Vittorio Emanuele II e de Napoleão quanto ao momento do fim das hostilidades; em
protesto, em 19 de julho, renunciou ao cargo de primeiro-ministro, sendo substituído
por Massimo Taparelli d’Azeglio (1798–1866), um político experiente, que já ocupara o
cargo entre 1849 e 1852, antes, portanto, de Cavour, sendo o responsável pelas
negociações de paz em 1849, ao fim da primeira guerra da Sardenha-Piemonte contra a
Áustria. Após a assinatura da Paz de Zurique, Napoleão III tentou colocar em
andamento seu projeto da união dos Estados italianos, quatro naquele momento –
Sardenha-Piemonte, Veneza, sob controle austríaco, Estados Pontifícios e Reino das
Duas Sicílias –, em uma federação. Uma das exigências era a reforma política e
administrativa dos domínios temporais da Igreja; temas que deveriam ser discutidos em
um novo congresso. Contudo, a concordância do imperador francês da transferência da
Romagna para o Piemonte afastou a Igreja dos acordos. A legação representava cerca de
um quarto do território dos Estados Pontifícios. Em 22 de novembro de 1850, após
enfrentar a revolução em Roma, Pio IX emitira um decreto agrupando as então 19
legações, criadas em 1816, em apenas quatro e mais um distrito ao redor de Roma –
Romagna, Marche, Úmbria, Campagna e Roma. Cada uma das novas legações fora
confiada a um cardeal.

Para o papa Pio IX a integralidade dos Estados Pontifícios fazia parte do


poder temporal da Igreja, um patrimônio ao qual a Igreja fora investida por Deus para
que pudesse cumprir sua função espiritual. Assim, em meio a uma crise, uma das mais

mais detalhes da guerra, tropas, movimentação das forças, ver GIGLIO, I fasti del cinquantanove: ricordi
civili e militari, 1912.
1444
HALES, 1959, p. 196.
1445
ORSI, 1914, p. 298.

405
delicadas do papado ao longo do século até então, a questão religiosa estava sendo
privilegiada1446. O cardeal Antonelli também respondeu ao imperador francês: Vossa
Majestade procura a tranquilidade da Europa, obrigando o papa a ceder [...] Quem
pode contar o número de revoluções que se sucederam na França durante os últimos 70
anos? Ao mesmo tempo, quem ousaria propor à Grande Nação Francesa que, para a
paz da Europa, é necessário reduzir as fronteiras do Império? O argumento é por
demais esclarecedor, e por essa razão deve me permitir não admitir a cessão1447. A
divergência com Napoleão III tornou-se pública, em 19 de janeiro de 1860, com a
publicação da encíclica Nullis Certe Verbis, com o subtítulo: sobre a necessidade de
soberania civil. Nela o papa, dirigindo-se a toda a Igreja, pede que os religiosos de todo
o mundo defendam o poder civil da Igreja, proclamando e ensinando que Deus deu o
poder civil ao pontífice romano, para que ele, nunca sujeito a nenhum poder, pudesse
exercer em plena liberdade e sem qualquer impedimento a tarefa suprema do ministério
apostólico divinamente comprometido com ele por Cristo nosso Senhor. Sobre
Napoleão III: Em sua carta, o grande imperador, relembrando sua proposta um pouco
anterior a nós sobre as províncias rebeldes de nossos Estados papais, aconselha que
devemos, por nossa própria vontade, entregar a posse dessas mesmas províncias, uma
vez que parece a ele ser a única maneira de emendar a presente desordem. A defesa
dos Estados Pontifícios era, para o papa, a defesa do sistema monárquico: Não podemos
abdicar das províncias de Emilia sem violar os juramentos solenes pelos quais estamos
vinculados, sem suscitar disputas e distúrbios no resto de nossas províncias, sem
cometer injustiça contra todos os católicos, e sem, finalmente, enfraquecer os direitos
não apenas dos príncipes da Itália, mas de todos os príncipes de todo o mundo cristão.
Por fim, exortou os clérigos a defender esta causa e inflamar cada vez mais os fiéis

1446
HALES, 1959, p. 199. Em uma carta, datada em 3 de dezembro, Pio IX lembrou ao rei [de novo nome
diferente!?] Vittorio Emanuele II que era herdeiro de ilustres ancestrais católicos, afirmando: Certo é que
quando eu reflito sobre o que está acontecendo nas legações [Romagna], onde estão fazendo leis,
governando, tomando posse de uma parte dos bens da Igreja e cometendo muitos outros atos arbitrários,
todos em nome de Vossa Majestade, devo dedicar-me a interessar-vos a favor do Patrimônio da Igreja,
oprimida e pilhada sob a proteção do Vosso Nome. [...] Eu acreditava que uma alma real, assim, bendito
seria seguramente abraçar a primeira oportunidade de se arrepender de seus erros e restaurar-se a
graça de Deus, a oportunidade certa é o Congresso, e é lá que a voz de Sua Majestade deve ser exercida
para que declare abertamente que não confiscará os bens de terceiros. [...] Por fim, nada peço para mim,
mas procuro apenas que me seja feita justiça, que seja restituído à Santa Sé o que dela foi injustamente
tirado, e que sinto ser meu dever, em consciência, energicamente me empenhar para reclamar (Iiem,
ibid., p. 200).
1447
Idem, ibid., p. 202.

406
confiados aos vossos cuidados para que sob a vossa liderança não deixem de defender
a Igreja Católica e esta Santa Sé, nem de proteger o domínio civil da mesma Sé e o
patrimônio de São Pedro1448. Imediatamente, o jornal ultramontano L’Univers, de Louis
Veuillot, que até então era o principal apoio do regime ditatorial francês, foi fechado em
29 de janeiro de 1860, exatamente na data da edição que publicou a íntegra da encíclica
Nullis Certe Verbis1449, que tratava especificamente da autoridade temporal do papa, só
voltando a ser editado em 16 de abril 1867. A guerra e o fechamento do jornal abalaram
o apoio católico a Napoleão III, o que ficaria evidente ao longo da década.

Para os Estados Pontifícios, a guerra teve consequências sérias: além de


perder a legação da Romagna, que continha parte substancial da economia das legações
e da classe média1450, também foi forçado à redução das tropas estrangeiras em suas
fronteiras. Austríacos e franceses estavam nos territórios da Igreja desde 1849, quando,
os primeiros a leste, e os segundos a oeste, invadiriam a região para a derrubada da
efêmera República de Roma. O grande contingente forâneo, associado à crise
econômica de Roma, fez com que as tropas da Igreja fossem minimizadas a uma
reduzida Guarda Suíça de dois mil homens. O papa Pio IX, que antes se orgulhava de
que em seus domínios não precisava de exército, passou a temer a redução de seus
defensores. Pressionada pela guerra, a Áustria passou a retirar suas tropas dos Estados
Pontifícios. Napoleão, por sua vez, já havia demonstrado que não pretendia defender
Roma. Outros reinos católicos, Espanha, Portugal, Bélgica, Bavária, por sua vez, eram
pressionados pelo novo primeiro-ministro britânico, lorde Palmerston (1784–1865), a
não intervir, abaixando a temperatura política no continente1451. Assim, a existência dos
Estados Pontifícios corria riscos, sendo que sua única possibilidade de defesa estava no
Reino das Duas Sicílias, governado pelo jovem rei Francisco II, de apenas 25 anos,
recém-entronizado; mas lá o governo também enfrentaria grandes problemas.

1448
Papa Pio IX, encíclica Nullis Certe Verbis, 1860.
1449
L’UNIVERS, p. 1, 29 jan. 1860.
1450
CHADWICK, 1998, p. 145.
1451
HALES, 1959, p. 205-206. Lorde Palmerston, anglicano, claramente preferia o Piemonte ao papa no
controle da península (CHADWICK, 1998, p. 144).

407
A partir do fim de 1859, o novo rei da Sicília, com apenas sete meses de
reinado, passou a enfrentar rebeliões populares e levantes em várias cidades,
especialmente em Nápoles e Palermo. Em 4 de abril de 1860, um levante foi debelado,
com a execução sumária de suas lideranças, provocando novas sublevações em cidades
como Messina e Catânia, que já contavam com o apoio de piemonteses que entraram no
reino secretamente. Após a chegada das notícias em Turim, em 12 de abril, Giuseppe
Garibaldi foi convocado secretamente por Cavour, que havia retornado ao cargo de
primeiro-ministro em janeiro, para comandar um grupo de assalto à ilha da Sicília, os
mil de Garibaldi1452. A aventura poderia parecer uma loucura uma vez que as tropas
oficiais do Reino da Sicília somavam cerca de cem mil homens, mas Turim contava
com o apoio e a adesão da população local1453. Garibaldi também não era um general
comum, mas sim um comandante de guerrilha, treinado nas batalhas da Revolução
Farroupilha no sul do Brasil, e em missões militares consideradas suicidas no Uruguai.
O grupo foi montado e armado pelo governo de Turim, mas de forma sigilosa, uma vez
que, para Cavour, um movimento malsucedido poderia causar embaraços para o
processo de unificação. Garibaldi desejava invadir Roma, mas foi convencido por
Cavour de que a derrubada de Francisco II do trono na Sicília era mais importante
naquele momento1454. O primeiro-ministro desejava explorar a animosidade dos
sicilianos submetidos a uma linhagem dinástica que odiavam. A lembrança dos levantes
de 1848, que foram reprimidos com bombas pelo rei Ferdinando II, assim como o
regime marcial ao qual os ilhéus foram submetidos desde então, eram munição
suficiente contra o novo soberano1455. Em 5 de maio, os barcos partiram do porto de
Gênova, embarcando cerca de 1.200 voluntários que esperavam ao longo da costa. Doze
dias mais tarde, as tropas tomaram Salemi, no oeste da ilha, e Garibaldi declarou-se
ditador da Sicília em nome do rei Vittorio Emanuele II. Contando com o apoio popular,
com a formação de milícias a cada cidade tomada, organizadas pelo Partido da Ação de
Giuseppe Mazzini , Garibaldi venceu as tropas reais em Nápoles em 7 de setembro,

1452
ORSI, 1914, p. 310.
1453
WOODWARD, 1963, p. 310.
1454
THAYER, 1911, v. 2, p. 231.
1455
Idem, ibid., v. 2, p. 231.

408
obrigando o rei Francisco II a fugir, com o apoio da marinha da França, para Gaeta e
depois, em 13 de novembro, para Roma1456.

No mesmo dia em que as tropas garibaldinas, que então somavam vinte e


quatro mil homens, tomavam Nápoles, o rei enviou uma carta ao papa informando que
havia mobilizado suas tropas nas fronteiras das legações de Marche e Úmbria,
informando ainda que não poderia permanecer insensível aos massacres que as tropas de
mercenários do papa estavam cometendo com a população local. A essa afirmação o
papa teria respondido: Quem poderia tolerar a notória impudência e hipocrisia com que
os indignos agressores ousam, em suas proclamações, afirmar que entram em nossas
províncias para restabelecer ali os princípios da ordem moral?1457. Os acontecimentos
no sul da península apressaram Vittorio Emanuele II, que temia que as tropas de
Garibaldi atravessassem para o norte invadindo os Estados Pontifícios e proclamando
uma república. O rei deu um prazo para que Roma retirasse suas forças da região. O
papa e Antonelli não acreditavam que o Piemonte ousasse invadir os dois territórios,
pois imaginavam que Napoleão III iria impedir qualquer movimento de agressão; alguns
movimentos, mesmo que erráticos, do governo francês, assim como as notas
diplomáticas, apontavam nessa direção1458. Mas o rei e Cavour tinham pressa, e no dia
11 de setembro, antes mesmo de receber resposta do papa, as tropas piemontesas
cruzaram as fronteiras das duas legações. O exército papal foi derrotado totalmente no
dia 29 do mesmo mês1459. O único movimento do governo de Napoleão III, simulando
neutralidade, foi o envio de regimentos para reforçar sua guarnição em Roma, e, como
uma espécie de protesto, requisitar o regresso a Paris do embaixador francês em
Turim1460. Depois da conquista do sul por Garibaldi, a invasão das duas legações
centrais era estratégica para Cavour, que com elas unia o norte e o sul da península em

1456
ORSI, 1914, p. 317. A luta de Garibaldi no sul da Itália tornou-se épica e heróica, chegando a ser
comparada às proezas míticas dos argonautas comandados por Jasão; alguns tentaram compará-lo a Joana
d’Arc, o que foi rechaçado pela Igreja, uma vez que o italiano era ateu (THAYER, 1911, v. 2, p. 229).
1457
SCOTT, 1969, p. 197.
1458
HALES, 1959, p. 214.
1459
ORSI, 1914, p. 319.
1460
HALES, 1959, p. 214. Curiosamente, Napoleão III, pouco antes da invasão havia saído da França,
para uma viagem de 15 dias ao Mediterrâneo, com escala em Argel. Por duas semanas o imperador esteve
incomunicável, e seu chanceler, Édouard Thouvenel (1818–1866), alegou não ter poderes para intervir na
região. Todo o restante do corpo diplomático francês também estava de férias (idem, ibid.).

409
um território contínuo, o reino unido italiano, embora sem Veneza e seus arredores,
Roma e seus arredores1461.

As duas legações foram defendidas pelas tropas papais, as mesmas que


haviam reprimido de forma violenta os levantes no ano anterior, os zouaves pontificaux,
organizados da mesma forma que as tropas de zouaves da França1462. O exército da
Igreja foi formado a partir da sugestão do prelado belga Frédéric-François Mérode,
cunhado de Montalembert, que convencera Antonelli e o papa da necessidade de formar
tropa de voluntários remunerados para a defesa dos Estados Pontifícios. O agrupamento
juntava estrangeiros de muitas nacionalidades: monarquistas franceses, austríacos,
belgas, irlandeses, espanhóis e portugueses, que eram pagos com um generoso soldo
diário, equivalente ao do exército britânico1463. Para o comando das tropas Mérode
chamou um prestigiado general francês que havia caído em desgraça perante Napoleão
III, Louis Juchault de Lamoricière (1806–1865)1464. Ao assumir o comando das tropas
Lamoricière emitiu uma proclamação: A revolução agora ameaça a Europa como antes
o Islã a ameaçava. Hoje, como nos velhos tempos, a causa do papa é a causa da
civilização e da liberdade do mundo1465. Mas os batalhões de estrangeiros não
correspondiam às expectativas do papa: eram mal treinados, mal-armados, sem um
comando unificado e indisciplinados, o que levou à necessidade de lei marcial em um
campo. Ao mesmo tempo os comandantes assistiam à apatia dos contingentes papais um
pouco mais antigos, o que enfraqueceu ainda mais suas forças1466. Ao lado disso havia

1461
CHADWICK, 1998, p. 148.
1462
Os zouaves eram tropas de infantaria ligeira criadas pelo governo francês para os combates no norte
da África que lhe garantiram o domínio da Argélia, compostas por voluntários franceses e árabes. O nome
nasceu da corruptela de um adjetivo árabe que significaria aquele que está no chão.
1463
HALES, 1959, p. 208-209.
1464
CHADWICK, 1998, p. 149.
1465
Idem, ibid., p. 150. Montalembert, mesmo adotando posturas liberais, nunca deixou de apoiar a Igreja
e o papa. Em uma carta aberta a Cavour, escreveu sobre as críticas do primeiro-ministro ao novo exército
papal: Você conspirou por 12 anos, e você se vangloria disso, para tornar todo governo impossível nos
Estados Romanos. Quando o papa tem ministros eclesiásticos, ministros leigos são exigidos dele.
Quando ele nomeia um leigo, sua garganta é cortada no passos do Parlamento; quando ele não tem
exército, é censurado por não ser capaz de se defender; quando ele forma um é denunciado como um
perigo para seus vizinhos (HALES, 1859, p. 234).
1466
SCOTT, 1969, p. 176.

410
uma clara animosidade de Antonelli contra Mérode, que assumira todas as funções de
segurança dos Estados Pontifícios1467.

Já ciente da derrota e da eminente perda das legações de Marche e Úmbria,


no mesmo dia da derrota de suas tropas, o papa emitiu a alocução Novos et Ante,
denunciando os ataques cometidos pela Sardenha-Piemonte, que, com a ajuda de uma
grande e belicosa nação [França], trazida de uma terrível guerra, estendeu seu reinado
na Itália contra todos os direitos divinos e humanos, induziu os povos à rebelião, e,
expulsos por suprema injustiça, de seu domínio os legítimos príncipes, invadiram e
usurparam algumas províncias do nosso Estado Papal com ousadia iníqua e
decididamente sacrílega1468. As populações das legações gozavam de perfeita
tranquilidade e estavam fielmente relacionadas conosco, em razão disso, o Piemonte,
desencadeou sobre as províncias, eles próprios não apenas gangues de homens ímpios,
que excitaram turbulência e sedição ali, mas também seu grande exército, que os
subjugou com o ímpeto da guerra e a força das armas. O papa reconheceu a formação
de uma tropa mercenária para atuar nas duas legações: Nosso governo está sendo
criticado por ter alistado estrangeiros em nosso exército, enquanto todos sabem que a
nenhum governo legítimo pode ser negado o direito de alistar estrangeiros [...] este
direito pertence com mais força ao nosso governo e a esta Santa Sé. Contudo negou
que as tropas estivessem sendo remuneradas; eram católicos sinceros de várias partes da
Europa, não poucos deles, tanto nativos como estrangeiros, de linhagem nobre e
notáveis por nome de família ilustre, e animados por amor apenas à religião. Os
soldados do Piemonte, segundo a alocução, ousaram expulsar famílias religiosas de
seus claustros, esbanjar os bens da Igreja e perturbar o principado civil desta Santa Sé.
Os invasores chegavam para destruir a ordem moral, abrindo escolas públicas de todas
as falsas doutrinas, e ainda estabelecimentos públicos de prostituição. Os novos
governantes desejavam ofender e zombar da veracidade, modéstia, honestidade e
virtude, e para zombar e desprezar os Mistérios, os Sacramentos, os preceitos, as
instituições, os ministros sagrados, os ritos, as cerimônias sacrossantas de nossa divina

1467
Idem, ibid., p. 177.
1468
PIO IX, alocução Novos et Ante, 1860.

411
religião, [...] para abalar e derrubar os fundamentos da religião e da sociedade civil. O
documento papal não poupou críticas aos reinos europeus: Não podemos deixar de
deplorar, além dos outros, aquele princípio fatal e pernicioso, a que chamam de não
intervenção, proclamado por alguns governos há pouco, tolerado por outros e utilizado
mesmo quando se trata da injusta agressão de um governo contra outro. Prosseguindo:
É surpreendente que ao governo piemontês seja lícito violar impunemente [as leis
divinas e humanas] enquanto vemos que, com suas fileiras hostis, ante toda a
Europa[MAS1], irrompe nos domínios de outros, e daqueles que expulsa princípios
legítimos.

Para a Igreja, o descontentamento existente em seus domínios era causado


pela agitação direta e indiretamente provocada pelo Piemonte e por seus associados.
Regiões nas quais a população local gozava de perfeita tranquilidade e estava fielmente
ligada ao papa. Não foi o que se constatou pouco depois. Nas regiões tomadas pelas
tropas reais foram realizados plebiscitos com uma única pergunta: Você deseja fazer
parte da monarquia constitucional do rei Vittorio Emanuele?. Em Marche 133.807
responderam que sim, ao passo que 1.212 disseram não; na Úmbria foram 97.040 votos
para o sim e 380 para o não. Um pouco mais tarde, o mesmo plebiscito ocorreu na
Sicília: 432.053 votaram pela união e 667 contra, e em Nápoles, 1.302.064 pelo sim e
10.312 pelo não1469; a união ao Piemonte foi aceita pela quase unanimidade da
população em todos os pleitos1470. Sobre os plebiscitos o papa, em uma carta a
Napoleão no início de 1861, escreveu: A invasão de Marche e da Úmbria por tropas
piemontesas [...] é claramente contrária ao direito das nações e da justiça. Nem podem
os invasores alegar que o voto das populações justificou a ocupação injusta, porque,
para além do fato de não se poder admitir que o sufrágio universal pode retirar um
soberano de um trono que ele já ocupa com legitimidade e justiça1471. Ao fim de 1860,
dos Estados Pontifícios, restava apenas a região de Roma, cercada pelo Mar Tirreno a
oeste, e pelas terras italianas, unificadas pelos piemonteses, por todos os outros lados.

1469
Apesar de suas posições republicanas, Garibaldi entregou o governo do sul ao rei sem resistência
(WOODWARD, 1963, p. 313).
1470
ORSI, 1914, p. 320.
1471
HALES, 1959, p. 236.

412
3.5.4. A doutrina consolidada

O Reino da Itália, que já existia de fato, torna-se um ente de direito em 21


de fevereiro de 1861 quando a Câmara de Deputados nacional, eleita um mês antes, que
se reunira pela primeira vez havia três dias, aprovou um projeto de lei consagrando
Vittorio Emanuele II como rei da Itália, título a ser legado a seus sucessores1472. Em 17
de março a Lei 4.671, formalmente uma lei da Sardenha-Piemonte, foi publicada no
Diário Oficial do Reino criando a Itália, com 22 milhões de habitantes, 11 regiões, 59
províncias, 193 distritos e 7.720 municípios1473. Estavam excluídos do reino Roma1474, e
o que restara dos Estados Pontifícios, e o Vêneto, ainda austríaco1475. A posse do novo
rei foi criticada pelo governo austríaco por meio da imprensa. A opinião não oficial da
Igreja estava expressa na revista jesuíta La Civiltà Cattolica: A lei, porém, não diz por
quanto tempo o rei assumirá este título, ou se pretende assumi-lo, como faz com os
antigos títulos de rei de Chipre e rei de Jerusalém [...] Quanto à frase pela graça de
Deus [presente no termo de posse] é uma zombaria fingir que Deus, por sua graça,
teria espoliado os príncipes legítimos do patrimônio da Igreja e o poder temporal do
Vigário de Jesus Cristo1476. Por sua vez, a Inglaterra, que sempre se mostrara simpática
à causa italiana, reconheceu imediatamente o novo reino, que logo também foi
reconhecido pelos Estados Unidos da América e pela Suíça.

1472
O detalhamento das complexas negociações diplomáticas sobre Estados Pontifícios, assim como as
ações dos agentes da França, Itália, Igreja, foram estudados a fundo por SCOTT, The Roman question and
the powers (1848-1865) (1969).
1473
ORSI, 1914, p. 327.
1474
O processo histórico entre a unificação da Itália e a efetiva incorporação de Roma como capital do
país, em 1870, passou a ser conhecido como questão romana, ou Risorgimento, sobre a qual existe uma
imensa bibliografia que vem sendo produzida desde o fim do século XIX, com os mais diferentes pontos
de vista.
1475
A região do Vêneto somente seria incorporada ao Reino da Itália em 1866, após a derrota da Áustria
para a Prússia na guerra pela hegemonia dos territórios alemães. O governo italiano, que havia apoiado os

413
O reino nascia, mas ainda não tinha uma capital; italianos de todas as
regiões não aceitavam a sede do reino em Turim, temendo a predominância piemontesa;
por sua vez, os piemonteses admitiam a capital em Nápoles ou Florença. A única cidade
que satisfazia a todos era Roma. A “Cidade Eterna” era neutra: milaneses ou
florentinos, turinenses ou napolitanos não podiam se opor a ela; era o símbolo da
unidade dos italianos, o centro ao qual, desde os cantos mais remotos do mundo, todos
os caminhos conduziam1477. Cavour havia elaborado um plano que resumira pela divisa
libera chiesa in libero stato (Igreja livre em um Estado livre). Enviado ao Parlamento
em 11 de outubro de 1860, o projeto previa que o papado cederia seu poder temporal ao
rei Vittorio Emanuele II, embora o papa pudesse manter o direito de suserania, tornando
a cidade a capital de todos os italianos. A Igreja continuaria tendo sua vida normal,
escolhendo seus líderes religiosos, realizando seus sínodos, exercendo sua própria
disciplina eclesiástica, administrando seus seminários e orçamento. A propriedade da
Igreja seria confiscada, tendo como contrapartida um subsídio estatal. A proteção da
Igreja seria feita pelas tropas do Estado, sem a participação de estrangeiros. Na
apresentação do projeto aos parlamentares, Cavour foi bastante claro: Nosso destino,
senhores, declaro-o abertamente, é fazer com que a Cidade Eterna, sobre a qual 25
séculos acumularam todo tipo de glória, torne-se a esplêndida capital do Reino Italiano
[...] Por que é nosso direito – ou melhor, nosso dever – solicitar, insistir, que Roma seja
reunida à Itália? Porque, sem Roma como capital, a Itália não pode se constituir1478.
Na expressão libera chiesa in libero stato estava implícita a separação absoluta dos
poderes secular e espiritual.

Após meses de intensas negociações e contatos diplomáticos, em um


discurso no Parlamento em 27 de março de 1861, Cavour resumiu seu projeto: O
sistema de liberdade deve ser introduzido em todas as partes da sociedade religiosa e
civil. Desejamos liberdade econômica; desejamos liberdade administrativa; desejamos
plena e absoluta liberdade de consciência; desejamos todas as liberdades políticas que

prussianos, conseguiu finalmente reunir seus territórios em uma única extensão, sem o controle
estrangeiro (WOODWARD, 1963, p. 322).
1476
La Civiltà Cattolica, 1861, apud ORSI, 1914, p. 331.
1477
THAYER, 1911, v. 2 , p. 442.

414
sejam compatíveis com a manutenção da ordem pública1479. E mais uma vez frisou a
necessidade da separação das duas esferas de poder: Como consequência necessária,
acreditamos ser essencial, para a harmonia do edifício que desejamos erguer, que o
princípio da liberdade seja aplicado às relações da Igreja e do Estado [...] e acho que
não me engano ao declarar [...] essas ideias não terão de esperar muito pela adoção
geral. Ainda durante o discurso, o primeiro-ministro expôs um elemento central de seu
programa: Devemos ir a Roma, [...] mas sem que a reunião desta cidade com o resto da
Itália seja interpretada pela grande massa de católicos na Itália e fora dela como um
sinal de servidão da Igreja. Em outras palavras, devemos ir a Roma, sem com isso
afetar a verdadeira independência do pontífice1480. E prosseguiu: Acreditamos que a
independência do pontífice, sua dignidade e a independência da Igreja podem ser
protegidas por meio da separação dos dois poderes, e pela proclamação do princípio
da liberdade aplicado de forma geral e ampla nas relações da sociedade civil com os
religiosos1481. A sessão foi encerrada com a aclamação de Roma como a capital da
Itália1482. O plano, na verdade, tinha um segundo aspecto. Como católico, Cavour
defendia uma Igreja renovada, cuja influência, acreditava, seria muito aumentada assim
que fosse libertada de seu poder mundano. Impressionado com o papel que a religião
poderia desempenhar na vida de um povo, ele reconheceu, como muitos dos católicos
mais devotos daquele século reconheceram, que uma das principais causas da
decadência moral e do torpor espiritual era a confusão entre religião e política1483.

Mas não bastava convencer Pio IX a ceder seu poder temporal. Também era
preciso persuadir aqueles que tinham interesses diretos ligados à administração dos
Estados Pontifícios. Como forma de conquistar o cardeal Antonelli para a proposta,
Cavour havia previsto que o secretário de estado receberia uma vultosa soma em
dinheiro, e seus irmãos seriam mantidos em suas lucrativas posições que ocupavam na
administração dos Estados Pontifícios; da mesma forma, todos os contratos entre a

1478
ORSI, 1914, p. 338.
1479
Idem, ibid., p. 341.
1480
PIOLA, 1931, p. 18.
1481
Idem, ibid.
1482
ORSI, 1914, p. 342.
1483
THAYER, 1911, v. 2 , p. 443.

415
família Antonelli e o Estado Pontifício seriam reconhecidos pelo Reino da Itália1484.
Essa barganha foi tornada pública, sendo considerada uma das causas principais da
suspensão das negociações com o cardeal secretário1485.

Para persuadir o restante da Cúria, foi escalado o médico Diomede


Pantaleoni (1810–1885), amigo de Cavour, bem relacionado com vários cardeais, que
detectou que a resistência no Colégio de Cardeais estava concentrada ao redor do
cardeal Vincenzo Santucci (1796–1861), italiano nascido na região de Roma, que fora
elevado por Pio IX em 1853. Consultor da Inquisição Romana, Santucci também era o
segundo homem na Secretaria de Estado e braço direito de Antonelli. Os termos de um
acordo chegaram a ser discutidos de forma objetiva entre Pantaleoni e Santucci, mas
foram interrompidos pela decisão de Antonelli de expulsar o enviado de Cavour de
Roma, encerrando assim as negociações1486. Cavour também mantinha conversas com o
imperador francês sobre a questão romana; Napoleão III ainda alimentava a tênue
esperança de estabelecer o papa em uma nova sede da Igreja em Lyon1487. Contudo, a
ideia do papado recolhido a uma pequena região de Roma, liberando a cidade para a
administração civil, não fora uma criação do primeiro-ministro piemontês; surgira
exatamente em Paris, na corte do próprio imperador.

Em 1859, Louis Étienne du Breuil, visconde de Guéronnière (1816–1875),


jornalista protegido de Napoleão III, proprietário do jornal bonapartista Le Pays e
diretor-geral da Livraria e da Imprensa: do Ministério do Interior, escreveu o livro Le
pape et le Congrès (o papa e o Congresso). Inicialmente o livreto apareceu sob a forma
de um panfleto em Paris, sendo rapidamente traduzido para o italiano e distribuído pela
península, chegando até Roma. Le pape defendia o fim do poder temporal do papado
sem impor à força às populações uma autoridade que reine em nome de Deus. Se essa
conciliação pudesse ser realizada, seria um grande triunfo para a política e para a

1484
WOODWARD, 1963, p. 314-315.
1485
SCOTT, 1969, p. 208.
1486
PIOLA, 1931, p. 13.
1487
Idem, ibid., p. 14.

416
Igreja1488. A partir da pergunta: O poder temporal do papa é necessário para o
exercício de seu poder espiritual? O autor defendia que a soberania do papa deveria
ficar restrita às questões religiosas. Contudo, do ponto de vista político, é necessário
que a cidade de duzentos milhões de católicos não pertença a ninguém, que não seja
subordinada a nenhum poder, e que a mão augusta que governa as almas, não estando
presa por nenhuma dependência, possa levantar-se acima de todas as paixões
humanas. Da mesma forma, o papado não poderia exercer autoridade secular, uma vez
que a autoridade religiosa, fundada em dogma, não poderia ser reconciliada com a
autoridade convencional fundada em costumes públicos, interesses humanos,
necessidades sociais. As figuras do pontífice e do rei não se conciliariam na mesma
pessoa: Como pode o homem do Evangelho que perdoa ser o homem da lei que pune.
Como o cabeça da Igreja, que excomunga os hereges, ser o cabeça do Estado que
protege a liberdade de consciência? Guéronnière prosseguia com suas reflexões: o
pontífice está sujeito a princípios de uma ordem divina da qual não pode abdicar. O
príncipe é solicitado por exigências de uma ordem social que ele não pode rejeitar.
Então, o meio para [executar] a missão do pontífice é encontrar na independência do
príncipe uma garantia da sua autoridade, sem envergonhar a sua consciência.
Prosseguia o texto: Não existe uma constituição no mundo que possa conciliar
requisitos tão diversos. Não é pela monarquia, nem pela república, nem pelo
despotismo, nem pela liberdade que este fim será alcançado. Os argumentos eram
singelos, mas concentravam uma discussão de séculos que, ao longo das últimas
décadas, havia ganho uma dimensão muito maior, saindo do campo teórico e teológico
para o mundo da política real. O raciocínio simples questionava toda a linha do
pensamento conservador e ultramontano que justificava a autoridade do papa. A
solução, segundo o texto, era a total extinção do poder secular do papado, limitando-o a
seu poder espiritual. O papado deve viver sem um exército, sem representação
legislativa, sem código e sem justiça. É um regime que mais se assemelha à
anterioridade da família do que com a administração de pessoas. Nesse novo regime os
dogmas são as leis, os sacerdotes são os legisladores, altares são cidadelas e armas
espirituais são a única égide do governo; seu poder está menos na sua força do que em
sua fraqueza; e está no respeito que impõe e na bondade que oferece àqueles a quem

1488
GUÉRONNIÈRE, 1859, p. 6. Todas as citações seguintes foram retiradas do livro.

417
recusa as satisfações da vida política. Para Guéronnière esse poder espiritual deveria
concentrar-se unicamente na cidade de Roma, pequeno recanto de terra sequestrado de
paixões e interesses que agitam outros povos, e dedicado exclusivamente à glória de
Deus. Na Santa Sé o panfleto foi visto apenas como uma estratégia de Napoleão III para
testar a reação do público, de acordo com seu desejo de exercer influência sobre a
vontade popular além do que o poder constitucional lhe permitia.

A proposta de pôr fim ao poder secular do papa, antes da guerra contra a


Áustria, parecia impensável1489. Contudo, de alguma forma, o projeto de Cavour, após a
criação do Reino da Itália, mesmo duramente criticado, ao menos era discutido nos
corredores de Roma. Baseada no princípio libera chiesa in libero stato, a ideia era
substancialmente melhor que a de Napoleão III, que, mesmo veladamente, defendia que
o papa abrisse mão de seu poder secular, sem nenhuma contrapartida, e que se
estabelecesse em solo francês. Cavour também entendia que seu projeto conseguiria
conter revolucionários mais radicais como Garibaldi e Mazzini. O primeiro-ministro
piemontês havia entendido que o papa nunca cederia seu poder temporal, a menos que
fosse convencido de que haveria vantagens espirituais superiores, que poderiam ser
conquistadas em uma relação negociada com o governo do Estado. Cavour, mesmo sem
muitas evidências, acreditava que uma negociação seria possível1490.

Os entendimentos não avançaram, e muitas foram as razões apontadas. O


papa Pio IX, durante as negociações, havia se mantido cético quanto às intenções de
Cavour. Em uma carta enviada a Napoleão III, em 14 de fevereiro de 1861, o papa
afirmou que não desejava negociar a proposta piemontesa, porque seria necessário
tratar com um governo italiano que foi e é obrigado, para não cair em desgraça com os
homens de má vontade, a exigir o resgate da Igreja e, assim, a satisfazer os apetites
ilimitados daqueles lobos ferozes que ele teme; e tudo isso à custa de homens honestos,

1489
HALES, 1959, p. 192.
1490
Idem, ibid., p. 223.

418
de ministros do Santuário e de pessoas consagradas a Deus1491. Para a Santa Sé, Roma,
santuário da Igreja Católica, era necessária porque o papa era governante, e não poderia
ser apenas um súdito. Em uma carta do cardeal Antonelli ao núncio apostólico em Paris,
Carlo Sacconi, o secretario de estado afirma que o papa não poderia renunciar a seu
Estado porque ele não pode ser indiferente à ruína das almas de um milhão de seus
súditos que seriam deixados à vontade de um partido, cuja primeira coisa que ele iria
tentar era insidiar sua fé e corromper seus costumes1492. O poder secular da Igreja era
uma questão polêmica ao longo das últimas seis décadas: não poderia haver Igreja sem
Roma, assim como não poderia haver Itália sem a cidade.

A posição oficial do papa já ficara expressa, antes mesmo da apresentação


do projeto de Cavour ao Parlamento, na alocução Iamdudum cernimus, de 18 de março
de 1861. Para Pio IX, a Igreja estava travando uma batalha contra agentes do mal que
pretendiam privar esta Santa Sé e o pontífice romano de todos os seus principados
civis, mas também procura enfraquecer e, se possível, remover totalmente qualquer
eficácia saudável da religião católica, e, portanto, também a própria obra de Deus,
fruto da redenção, e aquela santíssima fé na Itália. Os agentes civis que atacavam a
Igreja eram apóstatas que falando em nome não de Deus, mas de satanás, e confiando
na impunidade que lhes é concedida por um sistema fatal de governo, perturbam as
consciências, empurram os fracos para abusar, eles confirmam aqueles que caíram
miseravelmente em todas as doutrinas mais sujas, e tentam rasgar as vestes de Cristo.
E prossegue especificamente sobre o projeto: Agora, depois de terem tão insultado a
religião, que hipocritamente convidam a concordar com a civilização de hoje, não
hesitam em nos convencer também, com igual hipocrisia, a reconciliar-nos com a Itália
[...] pedem nossa conciliação, e gostariam que aceitássemos dar as províncias de nosso
Estado papal à propriedade livre dos usurpadores. Com esse pedido, audacioso e sem
precedentes, eles gostariam que esta Sé Apostólica, que sempre foi e será o baluarte da
verdade e da justiça, sancione que a coisa injustamente e violentamente roubada pode

1491
Idem, ibid., p. 234.
1492
MARTINA, 1974, p. 194.

419
ser segura e honestamente possuída pelo agressor iníquo1493. Entre os cardeais, a
indignação não era menor; o clima de desconfiança presente estava expresso na frase
que teria sido dita por Antonelli: Não negociamos com ladrões1494. O secretário de
estado ainda tinha esperanças de que a Espanha liderasse as potências católicas em uma
iniciativa militar de defesa da Igreja1495. Para alguns religiosos, acordos secretos entre
Cavour e Napoleão III para a retirada de suas tropas de Roma foram inadequados e
precipitados1496. Muitos ainda argumentaram que os novos governantes piemonteses das
antigas legações da Romagna, Marche e Úmbria teriam instaurado leis anticlericais
severas, perseguindo e punindo os membros do clero1497. A legislação que disciplinava
a atividade eclesiástica, que já era adotada pelo Piemonte, foi total ou parcialmente
estendida às regiões da Itália após a unificação. Nas províncias que se levantaram
contra seus novos governantes, o episcopado recusou-se a reconhecer os novos
governos e, diante dessa intransigência, estes reagiram com violência1498.

Era certo que o plano de Cavour, desde sua apresentação, fora recebido com
animosidade por parte do papa e do cardinalato, que enxergavam apenas como uma
estratégia liberal para acabar com a religião. O pensamento católico conservador havia
desenvolvido ao longo de meio século um mundo que não se conciliava com a
separação da Igreja do Estado. Pio IX, com seus conselheiros jesuítas, e os papas que o
precederam haviam erigido uma doutrina que entendia que toda solução liberal devia ser
rejeitada, porque embutia em sua essência um projeto de destruição da Igreja1499. Em 6
de junho de 1861 Cavour morreu repentinamente em meio a uma crise de malária,

1493
PIO IX, alocução Iamdudum cernimus, 1861.
1494
CHADWICK, 1998, p. 152.
1495
Entre 1860 e 1862, o papado alimentou a esperança de que Madri enviaria tropas para proteger os
Estados Pontifícios. Contudo, a posição do governo espanhol sempre foi de apoio a uma intervenção
internacional, descartando um ato isolado. Mesmo assim, o primeiro-ministro inglês, lorde Palmerston
chegou a advertir a Espanha para que não mandasse tropas para a península italiana, em respeito à política
de não intervenção na Itália. Mas Madri não respondeu à Inglaterra, pois a política espanhola sempre foi
direcionada mais para uma intervenção geral do que para seu próprio ato unilateral (SCOTT, 1969, p.
194).
1496
WOODWARD, 1963, p. 315.
1497
HALES, 1959, p. 224.
1498
JEMOLO, 1960, p. 21.
1499
WOODWARD, 1963, p. 316.

420
doença antiga que o afligia com regularidade1500. Sua morte atrapalhou os planos de
Napoleão III de chegar rapidamente a um acordo com Turim; ele não tinha intenção de
deixar um exército em Roma indefinidamente, e se o Papa não tomasse cuidado, ele
ficaria sem qualquer defesa contra os piemonteses1501.

Nos anos que se seguiram à morte de Cavour, os italianos assistiram a uma


luta entre o governo da Itália e a Igreja. O governo italiano começou a estimular e dar
voz aos clérigos nacionalistas e liberais que defendiam a entrega de Roma ao poder
civil. Em contrapartida, o clero fiel ao papa passou a radicalizar suas posições; quanto
mais o papa era pressionado pelo Estado italiano, e quanto mais duro era o
comportamento do Estado para com o clero, mais lealmente os clérigos passaram a
defender o papa1502. Ordens religiosas, como a dos dominicanos e dos jesuítas, passaram
a expulsar membros que ousassem fazer qualquer pronunciamento em favor da Itália, ou
que expusessem uma dúvida entre a fé e a nacionalidade. O governo de Turim fixou o
primeiro domingo de junho de 1861 como uma grande festa cívica para celebrar uma
Itália unida, e, ciente da divisão, permitiu que os padres que não quisessem cantar o Te
Deum estivessem desobrigados; em Milão e Turim alguns cantaram, e foram
perseguidos por seus bispos e pelo próprio papa. Por sua vez, o governo prendeu e
processou religiosos que se manifestaram contra o rei, o governo ou a Itália1503. Mas o
papa era inamovível. Em 9 de junho de 1862 centenas de religiosos de várias partes do
mundo reuniram-se em Roma para celebrar a canonização dos 26 mártires do Japão que
foram crucificados em Nagasaki em 5 de fevereiro de 1597, por ordem do ditador
militar, shogun, e unificador do Japão feudal, Toyotomi Hideyoshi (1537–1598), e que
haviam sido beatificados em 1627 pelo papa Urbano VIII; durante a cerimônia o papa
Pio IX afirmou: Reconhecemos que a soberania secular da Santa Sé é uma necessidade

1500
Pouco antes de sua morte, o primeiro-ministro chamou o franciscano Giacomo di Poirino, seu amigo,
que lhe teria dado os últimos sacramentos, apesar de Cavour ter sido excomungado pela encíclica Cum
Saepe, de 1855. A divulgação da notícia do sacramento fez com que Giacomo fosse chamado a Roma
para dar explicações. Alguns autores afirmam que o religioso teria sido forçado a quebrar o sigilo da
confissão de Cavour em seu leito de morte. O padre apenas teria dito que o primeiro-ministro morreu
como um bom cristão. Na mesma época o padre foi removido de sua paróquia em Turim e enviado para
um local distante, e proibido de ministrar sacramentos (CHADWICK, 1998, p. 153-154).
1501
HALES, 1959, p. 242.
1502
CHADWICK, 1998, p. 157.
1503
Idem, ibid., p. 158.

421
para seu trabalho e é instituída por Deus [...] No estado atual do mundo, esta soberania
secular é necessária por todos nós para a legalidade e para que a autoridade e o
cuidado da Igreja pelas almas sejam livres1504. No mesmo dia, Pio IX publicou a
alocução Maxima quidem, reiterando que a Igreja e o papado somente podem ser livres
com o livre exercício de seu poder temporal, atacado por homens que, sendo inimigos
da Cruz de Cristo, e não tolerando a sã doutrina, uniram-se em uma liga nefasta,
blasfemando o que não sabem, e por todos os tipos de artes piedosas conspiram para
derrubar os fundamentos de nossa Santíssima Religião e da sociedade humana1505.

Pouco mais de um ano após o aparecimento de Le pape et le Congrès, um


novo livreto de Guéronnière começou a circular entre os cardeais em Roma e entre as
autoridades piemontesas: La France, Rome et l’Italie (1861), um longo elogio a
Napoleão III, relacionando todas as formas com que o imperador havia sido fiel à Igreja
Católica e ao papa, e como os havia defendido, mas sem deixar de fazer críticas ao
pontífice1506. O panfleto culpava a intransigência de Pio IX e de seus assessores,
especialmente Antonelli, pelo fracasso de todas as tentativas de acordo realizadas, assim
como pela inação ante a necessidade de reformas na administração1507. Embora se
tratasse de uma publicação não oficial, dadas as profundas relações entre o autor e o
imperador francês, foi exaustivamente estudado em Roma, cujas teses do livreto podiam
ser consideradas um reflexo da política oficial francesa; ali estavam esboçados os
próximos lances de Napoleão III, como a mediação entre Vittorio Emanuele II e Pio IX,
assim como sua indiferença pelo destino do papado. Segundo o texto, ainda se podia

1504
Idem, ibid.
1505
JEMOLO, 1960, p. 31; PAPA PIO IX, alocução Maxima quidem, 1862.
1506
Esta crise, quais são as causas? Quem provocou esse antagonismo fatal entre o papado e a Itália?
Quem despertou a desconfiança entre o Vaticano e as Tulherias? Se o papa hoje está isolado, se está
separado do movimento italiano, do qual é o líder natural, se perdeu parte de seus Estados, de quem é a
culpa? É a política francesa? Faltou consideração, dedicação, sinceridade, paciência, altruísmo e
previsão a essa política? [...] A opinião pública será capaz de reconhecer que a cegueira ou o erro de
cálculo levaram o poder temporal do papa ao ponto onde está hoje e, quem são aqueles, cujos esforços
sempre generosos e conselhos sempre desprezados, poderiam tê-lo preservado e consolidado
(GUÉRONNIÈRE, 1861, p. 11-12).
1507
HALES, 1959, p. 237. Sobre o texto de Guéronnière, Louis Veuillot escreveu: O mundo cristão quer
manter o papa em Roma, porque Deus o colocou ali para estar à frente da humanidade. O mundo
revolucionário quer expulsar o papa de Roma porque a revolução, que é satânica, como dizia Joseph de
Maistre, e consequentemente inimiga da humanidade, visa decapitar a humanidade. A revolução quer

422
inferir que o governo francês também não acreditava na unidade política italiana,
apostando na formação de uma confederação como o arranjo mais plausível e mais
durável. Antonelli, em uma carta circular aos núncios apostólicos, escreveu que o
objetivo da França era mostrar, por meio de evidências documentais, que os males que a
Igreja vivia se deviam exclusivamente ao papa. Reafirmou sua convicção de que o
poder temporal da Igreja fora subvertido pelo imperador e por seus aliados italianos; o
texto teria dado ao pontífice motivos suficientes para suspender suas negociações com o
Piemonte1508.

O imperador francês temia que a Itália entrasse na órbita de influência da


Inglaterra, afastando-se de Paris. Ciente da debilidade política dos sucessores de Cavour
no cargo de primeiro-ministro, e temendo um ataque direto a Roma, Napoleão III voltou
a insistir em uma solução negociada para Roma. Após inúmeras rodadas de
negociações, muitas das quais realizadas secretamente, o governo francês e a Itália, em
15 de setembro de 1864, chegaram a um consenso quanto à questão romana,
formalizada em um encontro em Paris, a Convenção de Setembro: 1) a Itália não iria
atacar o território do papa e impediria, pela força se necessário, todos os ataques contra
o papado vindo de fora; 2) a França realizaria a retirada gradual de suas tropas dos
Estados Pontifícios, na mesma proporção do crescimento do exército papal, sendo que a
evacuação total seria realizada em até dois anos; 3) o governo italiano se absteria de
todas as objeções contra a formação de um exército papal, mesmo que composto por
estrangeiros, desde que a força papal não atacasse o território italiano; 4) a Itália
assumiria uma parte proporcional da dívida dos antigos Estados da Igreja; e 5) Roma
deveria modernizar suas instituições e administração1509. A avaliação de Napoleão III,
cuja política interna estava desgastada, foi de que já era hora de retirar as tropas
francesas de Roma. Em sua avaliação, as condições para a autonomia da região eram

substituir Cristo e Pedro em Roma, como Cristo e Pedro, 18 séculos atrás, substituíram satanás e Nero
lá. Esta é a questão romana (idem, ibid., p. 238).
1508
SCOTT, 1969, p. 207-208.
1509
Idem, ibid., p. 343-346. Sobre a modernização dos Estados Pontifícios, Napoleão III teria afirmado a
seu chanceler, Édouard Thouvenel: O interesse da Santa Sé e o da religião exigem que o papa se
reconcilie com a Itália, o que equivale a reconciliar-se com as ideias modernas, salvaguardando-se
dentro da órbita do Igreja 200 milhões de católicos e elevando a religião a um novo esplendor,
mostrando que a Fé promove o progresso da humanidade (HALES, 1959, p. 250).

423
mais favoráveis, dados os esforços do governo italiano para isolar-se de todas as
associações a movimentos e conspirações revolucionários1510. O acordo representou
uma solução estratégica para Napoleão III, na medida em que, ao mesmo tempo,
permitia estancar a sangria do apoio dos católicos franceses, e manter boas relações com
o governo da Itália1511.

A reação de Roma ao saber do acordo não poderia ser pior. Antonelli


afirmou que era impossível para a Santa Sé confiar na assinatura do Piemonte fixada no
tratado, e que sua aceitação por Roma era, na verdade, um reconhecimento dos limites
atuais dos Estados Pontifícios. A partida das tropas francesas manteria a Igreja sob
ameaça constante, e o Piemonte poderia destruir qualquer exército que o papa pudesse
criar; a Igreja não possuía recursos para manter uma tropa de mais de oito mil homens.
Ainda segundo o cardeal Antonelli, o papa teria ficado consternado com a decisão que
não levou em conta os interesses da Igreja. A corte romana recusou a reforma que lhe
apresentavam; a resposta formal viria logo depois, em 8 de dezembro de 1864, com a
encíclica Quanta Cura1512.

Quanta Cura e o Syllabus Errorum

Em meados de 1860 o papa Pio IX estava no centro de um dos maiores


impasses políticos da Europa de seu tempo, a questão romana, mas recusava-se a
qualquer tipo de conciliação com o mundo não espiritual. Acreditava ser apenas um
servo de Deus que fora escolhido para garantir e proteger a integridade da Igreja, sua fé
e seu patrimônio, assim, estava acima e além da política, cujas questões não lhe diziam

1510
SHEA, 1877, p. 278.
1511
MARTINA, 1974, p. 190. As tropas francesas deixaram Roma no início de 1867, mas retornaram em
outubro, diante das ameaças de invasão pelas brigadas de Garibaldi. A retirada definitiva ocorreria apenas
em julho de 1870, após a eclosão da Guerra Franco-Prussiana, que exigiu o deslocamento de todas as
tropas francesas para as fronteiras germânicas (idem, ibid.).
1512
SCOTT, 1969, p. 347.

424
respeito1513. A radicalização política após a unificação da Itália e a perda de dois terços
do território dos Estados Pontifícios fizeram com que o papa se afastasse ainda mais de
uma avaliação da conjuntura em que vivia, das questões reais. Pio IX passara a ver nas
pressões que o afligiam os sinais do nascimento do demônio e, ao refugiar-se em uma
espera inerte pelos acontecimentos, confiava firmemente em uma intervenção
milagrosa da Providência, que resolveria tudo em favor da Igreja1514. Para o papa, o
mundo seguia por caminhos errados que apontavam para o fim da religião e o caos. Não
era apenas Pio IX que sentia essa conspiração dos tempos; seu antecessor, Gregório
XVI, já havia vivenciado essa comoção, e a expressara em 1832 na encíclica Mirari vos.

A encíclica fora uma resposta ao então abade Lamennais, que, após uma
primeira fase de reflexões ultramontanas e reacionárias, passou a pedir a reforma da
Igreja como maneira de retomar sua posição abalada pelo ideário liberal. O primeiro
impulso do papa Gregório XVI ao editar a encíclica fora reagir ao influente religioso
francês. Ao lado desse objetivo inicial, a encíclica representou a reação papal às
transformações impostas pela Revolução Francesa, que, mesmo derrotada em 1815,
criara raízes nas monarquias europeias restauradas, e cujas lembranças voltaram a fazer-
se presentes nas revoluções de 1830 e de 1848. O papa conclamou que os religiosos
convencessem os príncipes a atuar em favor da Igreja: Deixem-nos refletir
diligentemente sobre o que deve ser feito para a tranquilidade dos seus impérios e a
salvação da Igreja; deixem-nos de fato ser persuadidos de que devem ter mais no
coração a causa da fé do que a do reino. [...] Colocados como pais e tutores do povo,
obterão para eles paz e tranquilidade verdadeira, constante e abundante, especialmente
se se esforçarem por fazer florescer entre eles a religião e a piedade para com
Deus1515. O papa temia pelo futuro: Não podemos prever tempos mais felizes para a
religião e o governo do que os planos daqueles que desejam veementemente separar a
Igreja do Estado, e quebrar a concordância mútua entre a autoridade temporal e o
sacerdócio. É certo que essa concórdia que sempre foi favorável e benéfica para o
sagrado e para a ordem civil é temida pelos desavergonhados amantes da liberdade. A

1513
CHADWICK, 1998, p. 166.
1514
MARTINA, 1974, p. 198.

425
liberdade, a grande inimiga, nunca suficientemente denunciada, para publicar
quaisquer escritos e divulgá-los ao povo, que alguns ousam exigir e promover com um
clamor tão grande1516. Estamos horrorizados ao ver que doutrinas monstruosas e erros
prodigiosos são disseminados de longe em inúmeros livros, panfletos e outros escritos
que, embora pequenos em peso, são muito grandes em maldade. A encíclica exortava os
príncipes, o papa também um príncipe, a não separarem o poder secular do poder
espiritual. Trinta anos após o rogo de seu predecessor, e tendo vivido mais uma
revolução, em 1848, Pio IX confrontava-se com as vozes de seu tempo, algumas das
quais provinham do seio da Igreja.

Em 1863, o cardeal Engelbert Sterckx, da cidade de Malines, na Bélgica,


conhecido como um representante da igreja liberal do país, convocou um grande
congresso em sua cidade, reunindo nomes expressivos do catolicismo de vários países
para discutir os rumos da religião perante as transformações vividas nas últimas
décadas. A ideia era estabelecer relações entre cardeais, bispos, sacerdotes, leigos,
tirando-os de seu isolamento, para uma reflexão sobre os perigos que estariam
ameaçando o catolicismo, assim como formular soluções comuns. O Congresso de
Malines, que se repetiria em 1864, 1867 e 1891, reuniu cerca de três mil religiosos e
católicos leigos, em sua maioria críticos ao pensamento ortodoxo conservador1517. Após
a realização do Congresso, o cardeal Sterckx, temendo algum represália do governo
liberal do primeiro-ministro Charles Rogier (1800–1885), divulgou uma carta pública
reiterando o apoio da Igreja Católica belga à Constituição e ao regime parlamentar; o
Congresso e a carta foram muito mal recebidos em Roma1518. Entre os participantes do
Congresso de 1864 estava Charles Montalembert, que, em 20 de agosto, fez o discurso
L’Eglise libre dans l’État libre (a Igreja livre no Estado livre). Se o nome remetia ao

1515
GREGÓRIO XVI, encíclica Mirari vos, 1832.
1516
Esta fonte vergonhosa de indiferentismo dá origem àquela proposta absurda e errônea que afirma
que a liberdade de consciência deve ser mantida para todos. Ela espalha a ruína nos assuntos sagrados e
civis, embora alguns se repitam vezes sem conta com o maior descaramento que daí advém alguma
vantagem para a religião (idem, ibid.).
1517
LECANUET, 1905, p. 347. Para detalhes sobre o primeiro Congresso de Malines ver WISEMAN,
The religious and social position of catholics in England: an address delivered to the Catholic Congress
of Malines, 1864.
1518
AUBERT, 1976ª, p. 395; MARTINA, 1974, p. 204.

426
projeto de Cavour, as ideias remontavam a seu antigo mestre, Lamennais, morto havia
nove anos.

Em seu discurso, Montalembert identificou que os católicos se sentem


inferiores porque ainda não se decidiram pela grande revolução que deu origem à nova
sociedade, à vida moderna das pessoas. Eles experimentam uma mistura avassaladora
de constrangimento e timidez em face da sociedade moderna, [que] ainda não
aprenderam a conhecer, nem a amar, nem praticar1519. E a razão desse afastamento
estava ligada diretamente à vinculação do pensamento católico com o passado: Muitos
deles ainda estão ligados de coração e mente ao Antigo Regime, isto é, ao regime que
não admitia nem igualdade civil, nem liberdade política, nem liberdade de consciência.
O Antigo Regime fora substituído em uma nova sociedade onde há a democracia, que
em metade da Europa já é soberana; será amanhã na outra metade, e não mudará nem
em princípio nem na natureza enquanto vivermos. Comparou aquilo que chamou de
democracia, ou regime de liberdades, a um dilúvio inexorável, que a tudo atingiria, ao
qual, como cristão, não temia: Pois ao mesmo tempo em que vejo o dilúvio também vejo
a arca. Neste imenso oceano de democracia, com seus abismos, seus redemoinhos, seus
recifes, sua calmaria e seus furacões, só a Igreja pode aventurar-se sem suspeitas e sem
medo. Ela sozinha não será engolida. Só ela tem a bússola que nunca varia e o piloto
que nunca falha1520. Montalembert qualificou sua visão de democracia: Quero dizer
democracia liberal, [...] não liberdade política sem liberdade religiosa, não liberdade
civil, sem liberdade política, não a liberdade ilimitada que terminaria em desordem
universal; enfim, não a liberdade antiga, a liberdade aristocrática, apenas a liberdade
moderna, democrática, fundada na lei comum e na igualdade, regulada pela razão e
pela justiça1521. O futuro da sociedade moderna dependeria de reconciliar o catolicismo
com a democracia, que luta para encontrar sua base e seu equilíbrio moral [e que] só
terá sucesso com a ajuda da religião. Os católicos estariam condenados a viver em
democracias, devendo aceitar as condições vitais da sociedade moderna, para poderem
exercer uma ação fecunda e salutar sobre ela. Acima de tudo, devemos desistir da vã

1519
MONTALEMBERT, 1863, p. 10.
1520
Idem, ibid., p. 15.

427
esperança de ver o renascimento de um regime de privilégios ou de uma monarquia
absoluta favorável ao catolicismo. Democracia e cristianismo de forma alguma seriam
incompatíveis, ao contrário, eram complementares: Quanto mais se é democrata, mais
deve-se ser cristão; pois o culto fervoroso e prático de Deus feito homem é o
contrapeso indispensável a esta tendência perpétua da democracia de constituir o culto
do homem que se crê Deus [...] esse veneno inerente ao desenvolvimento da democracia
encontra um antídoto apenas na fé e na humildade do cristão1522.

Prosseguindo na crítica à visão dos conservadores enfatizou: Nada é mais


impossível hoje do que restabelecer uma sombra de feudalismo ou teocracia. Todo
homem iluminado sabe que esses são fantasmas vaidosos. Mas, em todos os regimes e
em todos os séculos, as pessoas são guiadas pelo medo de fantasmas. Por fim,
Montalembert, como católico, resumiu a democracia a dois princípios básicos:
Primeiro, o direito que todos têm de aspirar a tudo, isto é, a igualdade política, e a
supressão de qualquer privilégio e qualquer restrição em matéria de religião, ou seja, a
liberdade de culto1523. A Igreja acreditava que Lamennais fora silenciado pelo papa
Gregório XVI com as encíclicas Mirari vos e Singulari nos, respectivamente em 1832 e
1834; contudo, 30 anos depois, Pio IX assistia a seu renascimento por intermédio da voz
de Montalembert1524. O Congresso de Malines disse ao mundo que o papa estava errado,
precisando reconciliar-se com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna,
afirmações que exigiram empenho de seus participantes, os quais, apesar de
minoritários entre os católicos, conseguiam fazer-se ouvir1525. Pouco depois de Malines,
Montalembert, por meio de um emissário, o bispo Félix Dupanloup, tentou uma
aproximação com o papa Pio IX, mas foi desaconselhado pelo cardeal Antonelli, que
em uma carta informou que foram encontrados graves problemas em seu discurso,
examinado de forma atenta e aprofundada1526.

1521
Idem, ibid., p. 18.
1522
Idem, ibid., p. 51.
1523
Idem, ibid., p. 22.
1524
WOODWARD, 1963, p. 321.
1525
HALES, 1971, p. 337.
1526
Carta do cardeal Antonelli a Montalembert, em 5 de março de 1864, transcrita por LECANUET
(1905, p. 373-374). Lamento informar que o resultado do exame provou que as acusações contra os

428
Nos primeiros anos da década de 1860 o papa havia se tornado
extremamente popular entre os fiéis, especialmente após a perda das legações dos
Estados Pontifícios. Seu discurso, apresentando-se novamente como vítima de
interesses obscuros e antirreligiosos, e colocando-se ao lado de seus predecessores que
enfrentaram revoluções e levantes, dera certo. A Igreja tornava-se cada vez mais
centralizada em Roma e na figura do papa: eram estimuladas as visitas de religiosos,
especialmente os bispos, à cidade e a adoção em todos os lugares dos ritos romanos, das
vestimentas romanas, da liturgia romana1527. A imprensa conservadora católica,
representada pela aparentemente moderada La Civiltà Cattolica e pelo jornalismo
estridente e militante do jornal L’Univers, de Louis Veuillot, contribuiu para estimular o
apoio popular a Pio IX e a reivindicação para que o papa fosse declarado infalível por
um concílio geral. Nos anos que se seguiram à unificação italiana, Pio IX passou a
receber gigantescas comitivas de bispos, clérigos e leigos que visitavam Roma em
eventos como a canonização dos mártires japoneses, em 1862, com mais de cem mil
fiéis, ou as cerimônias do décimo oitavo centenário do martírio dos santos Pedro e
Paulo em junho de 18671528. Entre os setores conservadores do clero havia um consenso
de que a imprensa, os livros – cuja censura eclesiástica não mais impedia a circulação –,
a ciência, o pensamento laico, o ensino universitário haviam ido longe demais,
permitindo o crescimento do ateísmo e do materialismo. No seio da Igreja as falsas
doutrinas – galicanismo, febronianismo e jansenismo –, apesar de enfraquecidas, ainda

discursos acima não eram infundadas. São reconhecidos como condenáveis pelo conflito em que se
encontram com os ensinamentos da Igreja Católica, com os atos emanados de vários soberanos
pontífices, especialmente com as máximas ensinadas em vários escritos e alocuções de Pio VI, em um dos
quais, com a data de 26 de setembro de 1791, ele caracteriza como desastroso doentio o Édito de Nantes
[editado em 1598, concedendo tolerância religiosa na França] exaltado com tantos elogios no discurso
mencionado. Estas máximas são lembradas e confirmadas [...] desde então, em vários atos solenes (idem,
ibid., p. 374).
1527
HALES, 1971, p. 335. Em 1855, Montalembert conseguiu retomar o controle do jornal Le
Correspondant, que dirigira décadas antes, para se contrapor a Veuillot. Na época do Congresso de
Malines, a publicação mensal vendia três mil exemplares, ao passo que L’Univers tinha diariamente essa
tiragem, e contava com uma rede de apoiadores que lhe permitia atingir um público até cinco vezes maior
(LECANUET, 1905, p. 116; HALES, 1971, p. 336).
1528
HALES, 1971, p, 337.

429
tinham seguidores nos países católicos. Era dever da Igreja defender a fé ameaçada,
tarefa que cabia a todos, mas especialmente ao papa1529.

Contudo, desde a unificação da Itália, e a perda dos Estados Pontifícios, os


aborrecimentos do papa sempre aumentavam: poucos dias após o Congresso de Malines
de 1863, o cardeal Engelbert Sterckx, anfitrião do encontro, escreveu um logo artigo no
jornal católico liberal belga Journal de Bruxelles, defendendo a Constituição e a
participação ativa dos católicos nas atividades do mundo civil. O artigo, uma resposta
ao periódico também católico, mas ultramontano, Le Bien Public, foi bem recebido na
França, mas tomado como uma provocação na Santa Sé1530. Para Pio IX a gota d’água
foi a Convenção de Setembro, em Paris, em 1864, entre os governos da França e da
Itália, deliberando sobre questões relativas ao poder temporal da Igreja em Roma, sem
sua consulta. Segundo a cúpula da Igreja, a aceitação do acordo pelo monarca francês,
na prática, deixava a Igreja à mercê da Itália1531. Nos corredores de Roma havia a
convicção de que os acordos foram formalizados por dois usurpadores de reinos de
maioria católica: um, Napoleão III, que teria chegado ao poder por um golpe de Estado;
o outro, Vittorio Emanuele II, teria roubado as terras que pertenciam à Igreja por direito
divino1532.

Na Santa Sé havia a convicção de que a democracia revolucionária de 1848


havia contagiado o pensamento católico; um sintoma era a simpatia com que as classes
dominantes francesas olhavam para as decisões de Napoleão III sobre a Igreja, assim
como seu silêncio com relação à redução da soberania temporal do pontífice após a
perda dos Estados Pontifícios. Outro fator de preocupação era a forma como princípios
liberais passavam a ser aceitos pelos católicos de vários países, defendidos por
intelectuais reconhecidos como Montalembert. A crítica às relações tradicionais entre a
Igreja e o Estado, segundo Roma, punha em risco o caráter hierárquico e dogmático do

1529
GRANDERATH, 1907, p. 19.
1530
AUBERT, 1976ª, p. 395.
1531
MARTINA, 1974, p. 208.
1532
CHADWICK, 1998, p. 174.

430
catolicismo1533. Com fervor conservador, grande parte do cardinalato, do episcopado
ultramontano da França e dos conselheiros jesuítas cobrava de Pio IX uma resposta dura
e assertiva. O papa também estava preocupado com o silêncio dos católicos italianos, os
quais, de forma patriótica, gradativamente aceitavam o governo piemontês unificado,
com a agitação liberal na Espanha e com a tendência independente da igreja alemã, já
fortemente influenciada pelo teólogo Ignaz Döllinger1534. A resposta oficial da Igreja
viria em 8 de dezembro de 1864, durante as comemorações do décimo aniversário da
proclamação do dogma da Imaculada Concepção, com a edição da encíclica Quanta
Cura, e de seu apêndice Syllabus Errorum, um catálogo dos erros dos tempos modernos
que a Igreja deveria repudiar. Os eventos recentes representavam apenas um pretexto
para a edição dos documentos: a compilação das incorreções do mundo tinha uma
história própria que começava uma década e meia antes.

No fim de 1849, durante um concílio provincial, o arcebispo de Perugia, o


franciscano Gioacchino Pecci, que mais tarde se tornaria o papa Leão XIII, havia
proposto aos bispos da região da Úmbria que pedissem ao papa que fizesse uma coleção
dos maiores erros da época relativos à Igreja e às questões temporais. Pio IX exilado em
Gaeta, ainda sob os efeitos da Revolução de 1848, teria autoridade e propriedade para
criar esse rol. Pouco depois, por sugestão de Pio IX, a ideia foi lançada novamente pelos
jesuítas da Civiltà Cattolica, encontrando uma boa recepção. A princípio, pensava-se
fazer a condenação dos erros modernos no mesmo momento da definição do dogma da
Imaculada Concepção1535. No início de 1854, a lista foi encomendada a um comitê de
teólogos, mas só ficou pronta em 1860. No mesmo ano, Olympe-Philippe Gerbet
(1798–1864), bispo de Perpignan, nos Pireneus franceses, editou o livro Sur diverses
erreurs du temps présent (sobre os diversos erros da atualidade), cujas ideias
contribuíram para a estruturação da coletânea do Syllabus1536. O elenco do catálogo de
erros agradou a Pio IX, que pediu sua complementação e atualização após a unificação
italiana. Em seguida, o texto foi entregue ao sacerdote Luigi Maria Bilio, membro da

1533
AUBERT, 1976ª, p. 386.
1534
Idem, ibid., p. 396.
1535
MARTINA, 1974, p. 205
1536
AUBERT, 1976ª, p. 389.

431
ordem dos Clérigos Regulares de São Paulo, barnabita, um dos principais conselheiros
do papa, que se encarregou de dar a redação final à encíclica Quanta Cura, e ao
Syllabus. Bilio, ligado à Inquisição e ao Index, que também fora responsável pela
análise crítica do discurso de Montalembert no Congresso de Malines, não tinha contato
com a realidade concreta, ancorado na consideração de princípios abstratos, vistos na
ótica tão cara aos teólogos do século XVII1537. O religioso, um ferrenho defensor de
uma igreja tradicionalista que negava qualquer liberdade ou direito de culto fora do
catolicismo, elaborara uma análise bastante superficial e extrínseca, pois não se
baseava em argumentos autênticos deduzidos das Sagradas Escrituras ou da tradição,
mas em uma autoridade considerada segura pelos teólogos dos séculos anteriores,
antes da Revolução Francesa1538. Em 1864 a lista chegou às mãos do pontífice em um
momento em que o mundo secular e a oposição interna modernizante levantavam
questões que desagradaram ao papa e ao cardinalato1539; o poder e as decisões do
papado estariam sob ataque, o que exigia respostas firmes. A encíclica e seu apêndice, o
Syllabus, representaram uma espécie de ultimato para o mundo contra qualquer
compromisso com as ideias modernas; também traduzia um lance final para manter a
soberania da Igreja sobre o pequeno trecho de território que lhe restara: o papa poderia
excomungar qualquer um que ousasse atacar a propriedade da Igreja. Contra aquilo que
chamou de falsas opiniões e mentiras, o papa pediu auxílio à Virgem Imaculada.

Todas as agruras e os males vividos pela Igreja em pouco mais de 70 anos


tinham seus agentes identificados na encíclica Quanta Cura: eram os malvados e
perversos, que, movidos pelo espírito de satanás e incitados por ele, não temem atacar
o próprio Rei Senhor Nosso Jesus Cristo, negando sua divindade com frases insolentes
e criminosas1540, em horrendas doutrinas que contaminaram o coração dos homens.
Essas depravadas opiniões construíram os erros que não só tratam de arruinar a Igreja
Católica, com sua saudável doutrina e seus direitos sacrossantos, mas também a
própria eterna lei natural gravada por Deus em todos os corações e ainda a reta razão.

1537
CÁRCEL ORTÍ, 2000, p. 112.
1538
Idem, ibid., p. 113.
1539
WOODWARD, 1963, p. 320.
1540
Citações de PIO IX, encíclica Quanta Cura,1864.

432
São esses os erros, dos quais se derivam quase todos os demais. Tais vozes ao defender
o governo leigo e civil, agindo contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos
Santos Padres, não duvidam em afirmar que a melhor forma de governo é aquela em
que não se reconheça ao poder civil a obrigação de castigar, mediante determinadas
penas, os violadores da religião católica, senão quando a paz pública o exija. Pio IX
fazia uma exortação a seus predecessores, fortalezas contra as iniquidades, estes que se
apresentaram como defensores e vindicadores da sacrossanta religião católica, da
verdade e da justiça, plenos de solicitude pelo bem das almas de modo extraordinário,
[que] condenaram com suas cartas e constituições, plenas de sabedoria, todas as
heresias e erros, contrários a nossa fé divina, à doutrina da Igreja católica, à
honestidade dos costumes e à eterna salvação dos homens. O papa citou esses
predecessores que já haviam alertado para os males que corrompiam o coração dos
homens, e que com apostólica fortaleza resistiram sem cessar às iníquas maquinações
dos malvados que, lançando como as ondas do feroz mar a espuma de suas conclusões,
e prometendo liberdade, quando na realidade eram escravos do mal, trataram, com
suas enganosas opiniões e com seus escritos perniciosos, de destruir os fundamentos da
ordem religiosa e da ordem social. Citando expressamente a encíclica Mirari vos de
Gregório XIV, a qual Quanta Cura superava em dureza de tom e também em sua visão
absolutamente negativa da sociedade contemporânea, Pio IX reafirmou a censura e o
repudio às ideias, malévolas e perniciosas, de liberdade e autonomia humana.
Culpabilizou as falsas doutrinas: galicanismo, maçonaria, socialismo e comunismo,
como as grandes responsáveis pelos males do mundo. Criticou a noção de que a
liberdade de consciências e de cultos seria um direito próprio de cada homem, a ser
garantido pelo Estado; negou que os cidadãos têm direito à plena liberdade de
manifestar suas ideias com a máxima publicidade, sem que autoridade civil nem
eclesiástica alguma possam reprimi-las. Quanta Cura foi a declaração do papa,
reiterando as assertivas de seus quatro antecessores, de que não poderia haver um
compromisso entre a Igreja e as ideias correntes. Para os católicos liberais foi o fim de
todas as esperanças de um catolicismo que estivesse em mais sintonia com a
contemporaneidade do mundo.

433
A encíclica foi editada com o apêndice Syllabus Errorum, uma coletânea de
80 formulações contendo os principais erros da época, extraídos de formulações das
alocuções consistoriais, encíclicas e outras letras apostólicas emitidas por Pio IX em
seus primeiros 18 anos de pontificado. As condenações papais foram expressas em
cláusulas duplamente negativas, de difícil entendimento até mesmo para teólogos
experientes em textos pontifícios1541. O documento foi dividido em nove categorias de
erros: 1) panteísmo, naturalismo e racionalismo absoluto; 2) racionalismo moderado; 3)
indiferentismo, latitudinarismo, ou máxima tolerância religiosa; 4) socialismo,
comunismo, sociedades secretas, sociedades bíblicas, sociedades clérico-liberais; 5)
conjunto dos erros do latitudinarismo sobre a Igreja e os seus direitos; 6) erros da
sociedade civil, por si ou em relação à Igreja; 7) erros acerca da moral natural e da
moral cristã; 8) erros relacionados ao matrimônio cristão; e 9) erros acerca do
principado civil do papa. Alguns dos erros apontados eram dirigidos aos católicos, uma
vez que apontavam proposições que, a princípio, não encontravam resistência entre os
fiéis: a divindade suprema de Deus e sua ação sobre os homens e sobre o mundo; a
razão humana submissa à vontade divina1542; a perfeição da revelação divina; a fé em
Cristo; a verdade das profecias e dos milagres expostos nas Escrituras. Contudo, em sua
maioria, os erros apontados representavam as palavras de um mundo moribundo em
conflito com um mundo novo1543; o Syllabus defendia: a independência absoluta da
Igreja, a subordinação do Estado à lei moral, e a existência de direitos naturais
anteriores e independentes do Estado1544. Com base nesses elementos, foram rejeitadas:
as doutrinas galicana e jurídicas sobre a subordinação da Igreja ao Estado, a legislação
sobre o episcopado, o sacerdócio e as ordens religiosas, e a separação entre Igreja e do
Estado.

1541
GOUGH, 1996, p. 290.
1542
Eram erros relacionados à razão: 3º. A razão humana, considerada sem relação alguma a Deus, é o
único árbitro do verdadeiro e do falso, do bem e do mal, é a sua própria lei e suficiente, nela suas forças
naturais, para alcançar o bem dos homens e dos povos (proposição formulada na alocução Maxima
quidem, de 9 de junho de 1862); 4º. Todas as verdades da religião derivam da força natural da razão
humana, e por isso a mesma razão é a principal norma pela qual o homem pode e deve chegar ao
conhecimento de todas as verdades de qualquer gênero que sejam (idem, ibid., e encíclicas Qui pluribus,
de 9 de novembro de 1846, e Singulari quidem, de 17 de março de 1856) (PIO IX, encíclica Quanta Cura,
Syllabus Errorum, 1864).
1543
CHADWICK, 1998, p. 175.
1544
CÁRCEL ORTÍ, 2000, p. 114.

434
De todas as proposições condenadas, foi a última, a de número 80, o erro
que afirmava que o pontífice romano pode e deve conciliar-se e transigir com o
progresso, com o liberalismo e com a civilização moderna1545, aquela que causou mais
incômodo e a que recebeu mais críticas. Seu fundamento fora a alocução Iamdudum
cernimus, de 18 de março de 1861, na qual o papa rejeitara a proposta de um acordo
com Cavour, sob o princípio libera chiesa in libero stato, para o estabelecimento de
uma nova relação entre Igreja e Estado1546. Contudo, a proposição, por estar no fim do
documento, fora entendida como um anátema a uma das ideias mais fomentadas do
século XIX: o liberalismo1547. Se em 1861, a alocução Iamdudum registrava a recusa a
um acordo com o governo piemontês, três anos depois assinalava, mesmo que essa
pudesse não ser a intenção inicial de Pio IX, a rejeição do papado a todo o mundo
moderno.

O Syllabus causou grande mal-estar nas relações diplomáticas entre os


núncios apostólicos e os governos europeus. A catalogação dos erros políticos,
econômicos e sociais do liberalismo era um ataque expresso aos governos
constitucionais, independentemente das características que os seus regimes assumiam
em cada um dos países. Na França, Napoleão III reagiu por intermédio do Ministério
dos Cultos, cujo ministro Pierre Jules Baroche (1802–1870) publicou uma lei proibindo
que religiosos lessem o Syllabus publicamente, proscrição idêntica à que fora imposta
pelo governo da Itália1548. Para o governo francês, o texto atacava a Constituição do
país. O governo de Napoleão III, por meio de seu chanceler, Édouard Drouyn de Lhuys

1545
PIO IX, encíclica Quanta Cura, Syllabus Errorum, 1864.
1546
O primeiro parágrafo da encíclica rejeitava de forma expressa a conciliação: Faz muito tempo que
vimos, veneráveis irmãos, o conflito miserável em que se agita a sociedade civil, especialmente nestes
tempos infelizes, pela acalorada guerra entre a verdade e o erro, a virtude e o vício, a luz e as trevas. Na
verdade, alguns, por um lado, apoiam algumas máximas da civilização moderna, como a chamam; e
outros, por outro lado, defendem os direitos da justiça e de nossa religião sacrossanta. Os primeiros
pedem que o pontífice romano se concilie com o progresso, com o liberalismo, como dizem, e com a
civilização de hoje. Os segundos, com razão, pedem que os princípios imóveis e inabaláveis da justiça
eterna sejam mantidos invioláveis e intactos; e a virtude salutar de nossa religião divina seja preservada
incólume, propagando a glória de Deus, fornecendo um remédio apropriado para os muitos males que
afligem a humanidade, a única e verdadeira norma pela qual os filhos dos homens, após terem sido
educados para todas as virtudes nesta vida mortal, eles são conduzidos ao porto da bem-aventurança
eterna (PIO IX, alocução Iamdudum cernimus, 1861).
1547
HALES, 1954, p. 258.
1548
MARTINA, 1974, p. 212.

435
(1805–1881), emitiu uma nota com a declaração: Na opinião do governo do imperador,
a encíclica de Sua Santidade tende a minar, em geral, os princípios que estão na base
de nossas instituições, especialmente os princípios da soberania nacional, sufrágio
universal, liberdade de consciência e adoração1549. Em um texto indignado, Félix
Dupanloup, bispo de Orléans, apesar de simpático às teses do pensamento católico
liberal, escreveu: Posso comprar 400 exemplares do [jornal monarquista] “Le Siècle”
com a encíclica e enviá-los a todos os padres de minha diocese. Se um deles subir ao
púlpito e ler esta encíclica aos seus paroquianos, cometerá um abuso, mas o jornalista
não cometeu nenhum. Se nesta paróquia houver templo protestante, o ministro pode ler
a encíclica e comentá-la, o padre católico não pode1550. Durante a longa preparação do
Syllabus, o cardeal Antonelli havia se preocupado com a reação de Napoleão III, uma
vez que vários dos erros apontados poderiam perfeitamente ser encontrados em seu
governo e em pronunciamentos seus e de seus ministros; contudo a Convenção de
Setembro fez com que a apreensão do secretário de estado do papa não mais fosse
levada em consideração1551. O chanceler britânico William Gladstone e seu homólogo
norte-americano, William Henry Seward (1801–1872), também formularam duras
críticas aos ataques do Syllabus ao liberalismo1552. Sobre a encíclica, François Guizot,
ex-chanceler e ex-primeiro-ministro francês escreveu: Este é o caminho para a
estupidez... Roma perdeu muito mais do que seu antigo império, perdeu seu antigo
espírito1553. Um mal-estar generalizado tomou conta dos círculos católicos que não se
identificavam com as ideias do ultramontanismo conservador1554.

A oposição e resistência ao Syllabus Errorum fez com que membros


destacados da Igreja fossem obrigados a buscar no documento explicações e intenções

1549
BESSE, 1913, p. 89.
1550
DUPANLOUP, 1865, p. 8. Sobre a aparente contradição entre suas posições um pouco mais liberais e
a defesa do Syllabus, Dupanloup escreveu: Vou falar, porque “há tempo para falar, diz a Escritura, e
tempo para calar”. Eu vou falar; pois é precisamente na hora em que o soberano pontífice é atacado
indignamente que fico muito feliz por lhe dar um novo testemunho de minha veneração, minha devoção,
minha submissão e minha piedade filial (idem, ibid., p. 86). O texto também foi publicado na França na
íntegra, mas com duras críticas, pelos jornais: Le Constitutionnel, La Patrie, Journal des Débats e
Opinion National (BESSE, 1913, p. 88).
1551
HALES, 1954, p. 257.
1552
Idem, ibid., p. 260.
1553
GUIZOT, Lettres, p. 396, apud WOODWARD, 1963, p. 324.

436
subjacentes ao texto. Dupanloup, no livro La convention du 15 septembre et
l’encyclique du 8 décembre, de 1865, produziu uma longa interpretação minimizando a
violência dos anátemas papais, que viria a tornar-se a base da defesa do texto que a
Igreja faria ao longo do tempo1555. O texto do Syllabus teria sido distorcido, e o próprio
governo [francês] estranhamente o julgou mal1556. Seu primeiro argumento era de que o
Syllabus, escrito em latim, teria sido mal traduzido, passando, em alguns momentos, a
significar exatamente seu oposto. Outra alegação do bispo era de que a interpretação do
texto não partiu de uma compreensão benevolente ou justa, partindo sempre de
pressupostos malévolos1557. Dupanloup repassou todas as preposições dos erros, sempre
buscando torná-las mais palatáveis aos escrúpulos do pensamento liberal e,
especialmente, ao governo francês. Um exemplo seria aquela que, a contrário senso,
apontava que o papa não deveria se conciliar ou transigir com o liberalismo e o mundo
moderno1558. Segundo o bispo, o que fora equivocadamente entendido como uma
declaração de inimizade irreconciliável do papa para com civilização moderna,
significava na verdade a negativa dos elementos maus do mundo moderno: Naquilo que
nossos adversários designam, sob esse nome vagamente complexo de civilização
moderna, existe o bom, o indiferente, e também o mau1559. Por essa interpretação o
progresso e o liberalismo não eram rejeitados pelo papa em sua totalidade: o que é ruim
ele desaprova; é seu direito e seu dever1560.

1554
AUBERT, 1976ª, p. 399.
1555
WOODWARD, 1963, p. 322.
1556
DUPANLOUP, 1865, p. 87.
1557
Idem, ibid., p. 100.
1558
PIO IX, encíclica Quanta Cura, Syllabus Errorum, 1864.
1559
DUPANLOUP, 1865, p. 104; AUBERT, 1976ª, p. 400.
1560
Políticos, estudiosos, historiadores, depois de acusar a religião de ser alheia a tudo na Terra, não
quiseram excluí-la e relegá-la ao reino das fábulas e das hipóteses? Falsos liberais da França,
Inglaterra, Alemanha, Bélgica e acima de tudo vocês agitadores mentem, vocês não abusaram dessas
belas palavras, nobre adorno da linguagem dos homens, liberdade, progresso, civilização? Não se
tornaram eles os depositários, a senha de suas gangues revolucionárias e o eterno refrão de todos os
seus discursos mais agressivos e ímpios? Olhe a data das fontes das quais o santo padre extraiu seus
erros para condená-los novamente, tendo a caridade de não acrescentar nenhum nome próprio, nem
mesmo o de Vittorio Emanuele II ou Garibaldi, e você verá que cada uma de suas palavras, longe de
pretensão inesperada, é apenas uma alusão às suas ações, um obstáculo aos seus empreendimentos, uma
resposta à sua imprudência. Ele não inventa, ele cita. Ele não invade, ele resiste; ele não se impõe, ele se
defende (DUPANLOUP, 1865, p. 116).

437
Argumento semelhante Dupanloup utilizou para mostrar que os críticos
haviam interpretado mal os postulado do Syllabus que tratavam da dicotomia entre fé e
razão – alocuções 4 a 6. Pio IX não negara os primados do pensamento e da razão, mas,
ao contrário, os colocava lado a lado com a fé: A razão contra os sofistas e a fé contra
os ímpios [...] hoje há sofistas que voltam a lógica e a razão contra si mesmos e
colocam como axioma fundamental a própria fórmula do absurdo; a identidade do
verdadeiro e do falso, do sim e do não; você vai negar isso? Estes são os que o papa
condena [...] que dizem que a razão é tudo e a fé não é nada1561. O papa mostrou-se
satisfeito com as interpretações feitas pelo bispo francês, que fazia uma distinção entre
tese e hipótese, entre princípios e aplicações1562; isto é, os temas impostos pelo mundo
liberal na segunda metade do século XIX teriam sido rejeitados, em princípio, como um
ideal absoluto, mas não como uma necessidade prática contingente1563. La Civiltà
Cattolica também percorreu esse caminho explicativo, publicando que o papa não
ensinava que a sociedade civil não poderia tolerar cultos não católicos em qualquer
caso, mas apenas condenando como errônea a tese segundo a qual a tolerância
constituiria o regime político ideal1564. Nos círculos liberais europeus a distinção entre
tese e hipótese foi ironizada como um sofisma infeliz; os jornais causticavam com
textos afirmando que em tese os judeus poderiam ser queimados vivos, mas sempre
havia a hipótese de, ocasionalmente, o papa pedir dinheiro aos Rothschild1565.

Quanto à formulação do preceito 80, Dupanloup acrescentou que atribuir ao


papa uma crítica ao liberalismo e à civilização moderna seria esquecer de que Pio IX em
seus primeiros anos de pontificado teria sido, ele mesmo, um liberal: Fala-se sobre

1561
Idem, ibid., p. 111.
1562
CÁRCEL ORTÍ, 2000, p. 115. Segundo DUPANLOUP (1865, p. 105), ainda outras regras: Na
interpretação das proposições condenadas, é necessário observar todos os termos, todas as nuanças
mais leves; pois o vício de uma proposição muitas vezes se deve apenas a isso, a uma nuança, a uma
palavra, a única que comete o erro. Devemos distinguir entre proposições absolutas e proposições
relativas; porque, o que poderia ser admissível em hipótese, muitas vezes será falso em tese. Além disso,
existem proposições equívocas e perigosas que só podem ser condenadas por causa do próprio equívoco
e do mau sentido a que dão origem, embora também possam ter um bom sentido. Por fim, há proposições
– e o Syllabus contém várias – que são condenadas apenas no sentido de seus autores, e não no sentido
absoluto de palavras separadas do contexto.
1563
MARTINA, 1974, p. 220.
1564
Idem, ibid., p. 213.
1565
AUBERT, 1976ª, p. 393.

438
progresso, liberalismo e civilização, como fôssemos bárbaros e não soubéssemos uma
palavra sobre isso; mas essas palavras sublimes, que você distorce, somos nós que as
ensinamos a você, que lhe demos o verdadeiro significado e, melhor ainda, a realidade
sincera. Cada uma dessas palavras tinha, e terá sempre, um significado perfeitamente
cristão1566. E conclui: Porque a grande lei do progresso, liberdade e civilização é o
Evangelho; e foi o próprio Nosso Senhor quem estabeleceu no mundo o ideal mais
elevado, o mais puro, o maior dessas três coisas em todos os sentidos mais nobres,
quando estabeleceu na base de toda a sua doutrina estas palavras: “Sê perfeito como o
vosso Pai celeste é perfeito”. O texto do bispo de Orléans tornou-se o principal
instrumento argumentativo dos católicos liberais em defesa da Igreja, reduzindo seu
mal-estar perante as posições conservadoras do papado1567.

Durante um século muitas interpretações condescendentes ou benevolentes


para com os anátemas apresentados no Syllabus foram escritas, algumas demonstrando
certo mal-estar dos católicos mais liberais com suas proposições1568, mas muitas outras
reiterando a defesa de suas formulações. O sucessor de Pio IX, Leão XIII, durante seu
pontificado entre 1878 e 1903, repisou os temas apresentados pelo Syllabus, também
fazendo a distinção formulada por Dupanloup entre hipótese e tese1569. O abade romano
Leonardo Falconi, mais de uma década após a edição do Syllabus, escreveu Le Syllabus
pontifical ou réfutation des erreurs qui y sont condamnées (1876) – o Syllabus

1566
DUPANLOUP, 1865, p. 118.
1567
MARTINA, 1974, p. 214.
1568
Um desses autores foi o historiador católico HALES, que em Pio Nono: a study in european politics
and religion in the nineteenth century (1954), às vésperas do Concílio do Vaticano II, argumentou que o
Syllabus era apenas uma crítica ao governo do Piemonte, depois Itália, que fora mal interpretada: De
certa forma, foi quase tudo um “cri-de-coeur” [clamor apaixonado] contra o governo de Turim e suas
obras religiosas e políticas; mas foi também um “cri-de-coeur” contra Mazzini. Mazzini em Roma não
foi esquecido; e Mazzini, na esteira de Garibaldi, que era, atrás do piemontês, um provável herdeiro
para a liderança daquela Itália unida que ele havia sido o primeiro a pregar. Ninguém havia ensinado
sobre progresso, ou liberalismo, ou civilização recente, com maior eloquência ou sinceridade, ou
interpretado esses conceitos num sentido menos católico do que o Triunvirato [durante a República de
Roma], profeta de algum tempo da nova religião de Deus e do povo quando a estes se somam as
extravagâncias fanáticas de Garibaldi, que agora falava do papado como o “câncer da Itália”, e todos
os outros elementos iconoclastas do Risorgimento, juntamente com o progresso não desprezível do
protestantismo, especialmente no Piemonte e na Toscana, e o aumento do prestígio e da influência da
maçonaria italiana, será reconhecido como naturalmente a publicação do “Syllabus” representava a
opinião do papa sobre o estado de coisas entre os italianos (HALES, 1954, p. 259).
1569
MARTINA, 1974, p. 216.

439
pontifício ou refutação dos erros que nele são condenados –, reafirmando a adequação e
a pertinência das proposições de Pio IX: Os sectários lutam para fazer prevalecer e
triunfar os desígnios da civilização moderna [...] minam os fundamentos da sociedade
civil e querem aniquilar todas as religiões, especialmente a religião católica, para
refazer a sociedade de acordo com seus planos, e impor à humanidade o reinado da
força e enganá-la com o panteísmo da humanidade1570. E prossegue: Eles chamam de
progresso o retorno a um estado, a uma condição muito mais perniciosa que o
paganismo. Eles chamam de liberalismo aquilo que acorrenta a alma e o corpo do
homem. Eles chamam civilização a um sistema criado propositalmente para
enfraquecer, e talvez, como aponta o soberano pontífice na mesma alocução, para
destruir a Igreja de Jesus Cristo1571. Também Pietro Rota (1805–1890), arcebispo de
Cartago, hoje na Tunísia, escreveu o livro Il Sillabo di Pio IX (1884), para reafirmar as
reprovações do papa, falecido seis anos antes. O religioso, escrevendo sobre a
proposição 80, contra o liberalismo, afirmou que o papado era favorável a um progresso
real: Nas artes, nas ciências físicas, nas novas descobertas das leis da natureza, o
pontífice romano, os bispos, o clero, longe de oporem-se a ele, favorecem-no, e muitos
eclesiásticos valem mais nesse tipo de progresso que muitos leigos bem pagos e bem
alimentados por governos liberais1572. Mas não era desse tipo de progresso que o
Syllabus tratava, mas sim de um progresso inaceitável, que consiste em odiar e
perseguir a Religião Católica, protegendo todas as seitas heréticas, que deseja expulsar
as ordens religiosas de seus abrigos, que proíbe que uma jovem se case antes dos 21
anos sem o consentimento de seus pais, mas permite que, mesmo com apenas 16 anos
de idade, possa vender-se em um bordel por sua própria vontade1573. O progresso do
liberalismo consiste em soltar as rédeas de todas as paixões mais injustas e sujas, em
lutar até o fim amargo contra a Religião Católica e sua venerável cabeça, enquanto
elas são as únicas que podem represar a torrente impetuosa de impiedade, libertinagem
e desordem, que ameaça virar de cabeça para baixo toda a sociedade1574. O liberalismo
age contra a Igreja, a única que pode impor a ruína para o maçonismo, para o

1570
FALCONI, 1876, p. 342.
1571
Idem, ibid., p. 343.
1572
ROTA, 1884, p. 415. Em 1871, Rota fora nomeado por Pio IX bispo de Mântua, na Romagna, em
substituição a um liberal que havia apoiado a unificação da Itália. Por sua pregação ultrarradical e feroz
contra o governo, foi preso e multado pelas autoridades civis da região (CHADWICK, 1998, p. 241).
1573
ROTA, 1884, p. 415.

440
comunismo, para o socialismo, para o satanismo e para seus partidários ignorantes ou
culpados1575.

A maior resistência que o futuro Concílio do Vaticano enfrentaria por parte


dos dois governantes europeus estava na forte suspeita de que a intenção papal,
subjacente à convocação, era dar força dogmática ao Syllabus. As 80 proposições do
documento deixavam claro que se buscava reafirmar antigas reivindicações da Igreja em
sua centenária discussão com o mundo laico: negação da separação Igreja-Estado e da
liberdade religiosa, e a afirmação da infalibilidade do papa. Para a Santa Sé era um erro
dizer que o Estado deveria colocar todas as igrejas cristãs em pé de igualdade; ou que as
maiorias democráticas eram livres para fazer o que quisessem, independentemente dos
direitos da Igreja – casamento, educação de crianças, ou da vida das comunidades
religiosas, etc.

Os governantes temiam a dogmatização do Syllabus, tornando obrigatórios


seus axiomas para todos os católicos, o que provocaria dificuldades para os Estados
com populações católicas; acreditava-se que os fiéis católicos em seus territórios
poderiam apoiar o papa em disputas com as autoridades civis1576. A imprensa católica
reforçava esses temores. A revista Civiltà Cattolica, órgão oficial dos jesuítas em Roma,
em quase todas as suas edições, defendia que o Concílio referendasse a força dogmática
ao Syllabus, e que declarasse, por aclamação, a infalibilidade do papa1577; segundo a
publicação, não era necessário discutir tais temas; o Espírito Santo não tinha
necessidade de esperar por um debate1578.

1574
Idem, ibid., p. 416
1575
Idem, ibid.
1576
HALES, 1971, p. 336.
1577
Os católicos propriamente ditos, ou seja, a grande maioria dos fiéis, têm esperanças bastante opostas
[...] esperam que o Concílio seja muito curto [...] esperam que proclame as doutrinas do Syllabus
anunciando, por meio de fórmulas afirmativas [...] as proposições que aí se declaram como erros.
Receberão [os cristãos] com alegria a proclamação da infalibilidade dogmática do pontífice soberano
[...] Espera-se que a manifestação unânime do Espírito Santo através da boca dos padres neste futuro

441
Independentemente das intenções explícitas ou subjacentes, o Syllabus
marcou uma imagem empobrecida de Pio IX, como alguém que assistia ao
desenvolvimento da ciência, do pensamento e da política com um olhar obscurantista,
de um insensato, que não media as consequências e os efeitos de suas palavras. Essa
imagem se consolidou quase como uma caricatura de seu pontificado, mas que em parte
guardava alguma relação com a verdade: O Papa escolheu viver perigosamente. Mas
quanto mais resoluto ele era – e quanto mais perigosamente vivia – mais o instinto
protetor do catolicismo reunia-se em torno de sua pessoa e de seu trono1579.

O Concílio do Vaticano e a infalibilidade: “La tradizione sono io”

No dia 6 de dezembro de 1864, dois dias antes de publicar a encíclica


Quanta cura, e o Syllabus Errorum, o papa Pio IX repentinamente informou a uma
parte do Colégio de Cardeais sua intenção de convocar um concílio ecumênico para
discutir os rumos da Igreja. Os cardeais reunidos na Sagrada Congregação dos Ritos
ficaram surpresos com a pouco usual presença do papa na presidência de uma reunião
ordinária, que não trataria de nenhum tema urgente. Apenas na presença dos cardeais,
sem os assistentes, Pio IX confidenciou que há muito desejava convocar um concílio
geral, pedindo que os membros da congregação dessem sua opinião por escrito,
solicitação que foi estendida a todos os cardeais presentes em Roma. Era a primeira vez
que o papa manifestava seu propósito de reunir a Igreja em um encontro, o primeiro

Concílio Ecumênico a defina por aclamação (La Civiltà Cattolica, serie VII, v. V, p. 349-352, apud
HALES, 1954, p. 285).
1578
Idem, 1971, p. 336.
1579
CHADWICK, 1988, p. 180. O que Pio IX viu refletido no “Risorgimento”, e o que condenou no
Syllabus, não foi senão uma onda poderosa que ameaçava, talvez mais perigosamente do que qualquer
onda anterior, submergir completamente a barca de Pedro; viu refletido nada menos que racionalismo,
panteísmo, e naturalismo do século XVIII, os “princípios de 89”, as novas noções de soberania popular e
autossuficiência humana que surgiram de Rousseau e Voltaire (HALES, 1954, p. 274). Mas Pio IX, e os
seus predecessores Pio VI e Pio VII, haviam sofrido o impacto da Revolução Francesa, e o novo
nacionalismo, nas suas pessoas e à porta das suas casas. Exilados, presos, perdendo os seus Estados e a
própria Roma, o sacrilégio que sofreram foi o pano de fundo da turbulenta maré que, no seu auge, em
França, tinha submergido totalmente a Igreja, na revolucionária Paris, durante uma década. Visto no
seu aspecto mais amplo, então, o Syllabus foi uma resposta – uma resposta provisória – ao
“esclarecimento” do século XVIII, encarnado na Revolução Francesa e no “Risorgimento”; aquilo de
que pessoas como o príncipe Napoleão se gabavam como “civilização moderna” (idem, ibid., p. 275).

442
depois do Concílio de Trento (1545–1563), cujo encerramento havia completado
trezentos anos1580. Os primeiros concílios da Igreja eram realizados nas áreas relativas
ao Império Romano. Já os concílios ecumênicos medievais reuniam religiosos
bizantinos e ocidentais, sendo que muitos bispos precisavam viajar menos da metade
das distâncias daqueles que estavam sob a Roma antiga. Em meados do século XVI, o
Concílio de Trento ainda obedecia a esse padrão, embora então houvesse alguns bispos
na Índia e na América Latina. Contudo, após 1600 tornou-se impossível a realização de
um concílio do mundo católico, uma vez que se tornou fisicamente impensável
percorrer longas distâncias, inclusive atravessando oceanos, em um curto espaço de
tempo. Entre outras, essa razão prática explicou em parte o longo intervalo entre Trento
e o Vaticano, o mais longo hiato entre dois concílios. Mas, na segunda metade do século
XIX, havia rotas seguras e rápidas por meio de vapores e ferrovias; e os bispos podiam
deixar suas dioceses sem o receio de ficarem afastados por muitos anos1581.

No início de março de 1865, mesmo antes de receber as opiniões dos


cardeais, Pio IX instituiu uma comissão de cinco cardeais para discutir questões
preliminares do concílio, escolhidos pessoalmente por ele: Costantino Patrizi Naro
(1798–1876), elevado em 1836 por Gregório XVI, secretário da Inquisição e sub-reitor
do Sagrado Colégio de Cardeais; Karl August von Reisach (1800–1869), feito cardeal
em dezembro de 1855, consultor da Inquisição Romana e da Congregação do Índice;
Antonio Maria Panebianco (1808–1885), exilado em Malta em 1848, cardeal desde
setembro de 1861, foi secretário da Inquisição Romana; Giuseppe Andrea Bizzarri
(1802–1877), qualificador e consultor do Santo Ofício, foi elevado em março de 1863; e
Prospero Caterini (1795–1881), elevado a cardeal diácono no consistório de 7 de março
de 1853, secretário da Inquisição Romana e prefeito da Congregação do Concílio
Tridentino1582. Também compunha a comissão o teólogo jesuíta Klemens Schrader,

1580
GRANDERATH, 1907, p. 23. O autor teve acesso às atas das reuniões da congregação, assim como
aos documentos sigilosos do concílio. O acesso privilegiado aos arquivos do Vaticano foi imprescindível
para a elaboração de sua grande obra em quatro extensos volumes repletos de documentos, inéditos até
então; contudo, o trabalho é criticado por ter sido escrito sob o ponto de vista da Cúria, sem qualquer
interpretação ou avaliação crítica (WOODWARD, 1963, p. 325).
1581
CHADWICK, 1988, p. 183.
1582
MIRANDA, 2021, s.p. Os arquivos do Vaticano guardam a folha em que Pio IX escreveu os nomes
dos cinco membros com sua própria mão (GRANDERATH, 1907, p. 25).

443
professor de teologia dogmática na Universidade de Viena até ser obrigado a renunciar,
em 1867, por negar-se a fazer o juramento de lealdade à Staatsgrundgesetz über die
allgemeinen Rechte der Staatsbürger, lei básica sobre os direitos gerais dos cidadãos,
que funcionou como constituição da Áustria nas décadas posteriores1583.

Em 9 de março de 1865, na primeira reunião da comissão preparatória do


concílio, a Congregação Diretora da Preparação, seu secretário, o bispo Pietro Gianelli
(1807–1881), leu um documento que estabeleceu os parâmetros para os trabalhos.
Segundo ele, a orientação papal apontava que não se deveria, como na época do
Concílio de Trento, deplorar o surgimento de alguma grande heresia ou de um novo
cisma; contudo, ameaças como o jansenismo e as ciências naturais ainda produziam
erros que tendiam a destruir a fé e a moralidade cristã, e desorganizar completamente a
sociedade humana. Frisou que, apesar da longa distância do Concílio de Trento, a Igreja
deveria manter-se fiel a suas decisões, não carecendo de renovação ou de uma
transformação da disciplina eclesiástica, fosse para a massa de crentes ou o clero secular
e regular. Gianelli destacou que a situação da Itália, e as ameaças que o governo laico
trouxe para a Igreja exigiriam atenção do concílio. Quanto à França, o bispo afirmou
que o papa temia que o imperador Napoleão III criasse alguma dificuldade para a
participação de seus bispos1584.

O pedido do papa para que os cardeais se manifestassem sobre a


conveniência da convocação de um concílio geral recebeu 21 respostas, entre 22 de
dezembro de 1864 e 5 de janeiro de 1866, todas, exceto uma, apoiando o desejo papal.
A mais significava delas foi escrita pelo cardeal Reisach, que argumentou que o longo
intervalo desde o Concílio de Trento expôs as comunidades a erros de todos os tipos, e
à própria rejeição da revelação sobrenatural e divina, o erro fundamental da reforma,
ou seja, a negação de toda hierarquia e de toda autoridade doutrinária na Igreja;
teorias modernas e transformações políticas também exerceram sobre os católicos uma

1583
ROCK, 2003, v. 1, p. 786.
1584
GRANDERATH, 1907, p. 26-27.

444
influência mais ou menos notável. Esse distanciamento também diminuiu seu respeito e
submissão à autoridade eclesiástica e os expôs ao perigo de aceitar opiniões que mais
ou menos contradizem a sã doutrina. Os novos sistemas filosóficos inventados todos os
dias pelo indiferentismo religioso e pelo racionalismo aumentaram ainda mais esse
perigo, pois muito rapidamente levam ao naturalismo e ao materialismo ou então ao
panteísmo e idealismo vulgares. Segundo Reisach, não havia ciência ou arte, teórica ou
prática, que não houvesse sido penetrada e corrompida por opiniões e doutrinas hostis à
fé; com a perda de unidade de crenças, também perdeu-se a unidade dos princípios, a
base de todas as ciências humanas ou naturais; é esta unidade, porém, fruto da humilde
submissão aos dogmas infalíveis da fé, que tem sido a melhor salvaguarda contra a
heresia1585. O cardeal Reisach também apontou que era o momento de proceder a uma
revisão geral da legislação disciplinar da Igreja, e o concílio geral seria o melhor local
para isso. Segundo ele, desde o fim do século XVIII e início do século XIX, as
revoluções políticas e sociais teriam modificado profundamente as condições de vida,
fazendo com que a observância de muitas leis disciplinares se tornasse praticamente
impossível. Os governos teriam tomado para si muitos assuntos, interferindo na
disciplina da Igreja, deixando de lado seus princípios próprios e gerais; o episcopado
estava forçado a tolerar e, de certa forma, cooperar com a intromissão do Estado em
seus domínios. Assim, uma atualização dos princípios disciplinares era urgente para pôr
fim à desordem. A imobilidade da Igreja estaria permitindo a destruição dos princípios
conservadores, fazendo com que a ela parecesse ser incapaz de dirigir e guiar a
sociedade moderna1586.Por sua vez, o cardeal Bizzarri apontou a necessidade de solapar

1585
Citações em GRANDERATH, 1907, p. 31-32. Sobre a ciência, o cardeal escreveu: O abandono do
método e dos princípios científicos das escolas de outrora interrompeu o desenvolvimento da ciência
católica tradicional; um grande número de cientistas adotou um ou outro dos sistemas filosóficos
modernos ou, pelo menos, tomou emprestado deles certos princípios ou certas opiniões particulares; daí,
este tipo de incerteza sobre os meios a serem empregados para defender e desenvolver o dogma que hoje
observamos no seio da Igreja; em seus ensaios sobre apologética e em seu trabalho nas ciências
naturais, não é nem mesmo incomum que escritores e professores católicos ofendam involuntariamente a
pureza da verdade revelada (idem, ibid., p. 33).
1586
GRANDERATH, 1907, p. 37. Se compararmos a situação da Igreja hoje ‘vis-à-vis’ com a sociedade
e o poder civil, com a [situação] que ela teve nos séculos anteriores, quando em suma todos os negócios
públicos eram mais ou menos dirigidos e regulados por ela, reconhecemos que sua influência foi
consideravelmente diminuída, para não dizer que desapareceu completamente. Certamente é com
desígnios cheios de grandeza e sabedoria que a Providência permitiu esta separação dos dois poderes;
mas da impossibilidade em que a Igreja se encontra de doravante exercer sua influência sobre os
negócios públicos, resulta para os Estados uma tendência à anarquia e ao despotismo pagão, e para a
própria Igreja um obstáculo para sua ação benéfica sobre os indivíduos; [...] se, portanto, a Igreja, em
virtude da sua missão de ensinar verdades eternas, escolhe este momento para fazer ouvir a sua voz,

445
as doutrinas ímpias que tomaram a sociedade: O clero é excluído das escolas, os jovens
são entregues aos homens sem fé, a Igreja, privada de sua propriedade, vê seus direitos
espezinhados, a incredulidade é proclamada abertamente [...] Os parlamentos
reproduzem as máximas anticatólicas e antirreligiosas; o Estado separa-se da Igreja
[...] gera ameaças ao poder paternal, à propriedade, aos sagrados laços do
casamento1587.

A maioria das manifestações dos cardeais apontou a necessidade e


conveniência da realização de um concílio. A imponência de um encontro geral da
Igreja, emitindo uma voz única, em meio à confusão de ideias e à anarquia reinante,
poderia impor a ordem estabelecida por Deus, impressionando profundamente os
contemporâneos. Apenas um dos ouvidos, o cardeal Pentini, em um texto escrito em 10
de janeiro de 1865, declarou não ver razão para a convocação de um concílio; a reunião
geral naquele momento poderia ser prejudicial: Certamente vivemos tempos
lamentáveis, vemos excessos sendo cometidos, entretanto, pela graça de Deus, o
episcopado tem sido até agora unânime em suas condenações e, em questões de fé, não
há erro a corrigir; por esta razão tenho a humilde opinião de que não há necessidade
de convocar um concílio geral1588. Para alguns cardeais1589, uma grande dificuldade
seria decidir se os soberanos deveriam ser convidados para o concílio, uma vez que,
presentes, poderiam fazer exigências inaceitáveis; porém, deixados de fora encontrariam
em sua exclusão um novo motivo para descontentamento e oposição. A falta de um
entendimento prévio com os poderes civis poderia provocar sua oposição aberta; já o
convite poderia dar a impressão de que a Igreja necessitaria de seu consentimento. Os
cardeais temiam que alguns governos proibissem os bispos de participar do concílio;
algo que poderia se esperar não apenas dos não católicos, mas também de Portugal,

ninguém duvidará da conveniência da sua intervenção; muitos reconhecerão que só ela tem a coragem
de publicá-los e só ela pode salvar a sociedade e restaurá-la aos princípios fundamentais da ordem
desejada por Deus (idem, ibid., p. 38).
1587
Idem, ibid., p. 35.
1588
Idem, ibid., p. 40.
1589
Reisach; Sacconi, antigo núncio apostólico em Paris; Antonino Saverio de Luca (1805–1883),
prefeito da Congregação do Índice; Alessandro Barnabò, consultor da Inquisição e da Congregação da
Propaganda da Fé, e amigo do papa Pio IX; e Fabio Maria Asquini (1802–1878), prefeito da Congregação
da Imunidade Eclesiástica.

446
Itália e França. Contudo, todos eram unânimes em que os governos não católicos não
poderiam ser convidados, incluindo na lista o governo da Itália. A discussão,
impensável cem anos antes, indicava na prática a situação de separação Igreja-Estado.
Também havia a preocupação com os jornalistas, que estariam atentos a todas as
notícias, com a imprensa discutindo todas as questões apresentadas, levando as
discussões para fora do local do concílio; parlamentos e governos tentariam influenciar
o encontro, ou opor-se a suas decisões1590. Essa recomendação foi aceita pelo papa1591.

De uma forma geral, em suas manifestações os cardeais pediram que o


concílio a ser realizado deveria cumprir uma pauta que estivesse de acordo com a
encíclica Quanta Cura e o Syllabus, pois reiterando a condenação dos erros, que
estariam minando o cristianismo, assim como expondo as verdades daqueles que se
opõem a ele. Também havia o consenso de que, antes de o concílio se reunir, o material
deveria ser preparado em Roma para orientar a discussão; a agenda seria fixada não
pelos bispos reunidos, como fora em Trento, mas por órgãos sob o controle da Cúria
Romana. A proposta, também aceita por Pio IX, indicava o grau de autoridade que a
Santa Sé assumia e exigia para si mesma1592. Deveriam ser invocados os princípios
gerais de religião e moralidade; as múltiplas invasões do Estado em terreno
eclesiástico, em matéria de propriedade, administração, educação, ensino, casamento,
etc1593. Também deveriam ser reivindicados os direitos da Igreja, com o estabelecimento
de restrições à liberdade em geral e à imprensa em particular. As discussões do concílio
também teriam como tema os assuntos matrimoniais, em especial o casamento misto e
o casamento civil, a educação laica, a observância dos domingos e dias de festa, o
reavivamento, a unificação da liturgia, o combate aos hereges e a limitação aos
direitos dos bispos a verbas da Santa Sé1594. Curiosamente, dos 21 cardeais que se
manifestaram, apenas 2 escreveram algo sobre a infalibilidade papal: segundo o cardeal
Asquini, não se pode negar que entre os principais privilégios que constituem o

1590
GRANDERATH, 1907, p. 42-43.
1591
O’MALLEY, 2018, p. 108.
1592
As propostas de controle da pauta, somadas ao sigilo que envolveu os preparativos para o concílio,
geraram rumores e, às vezes, temores quase paranoicos sobre o que estava sendo planejado (idem, ibid.).
1593
Reisach, apud GRANDERATH, 1907, p. 48.
1594
GRANDERATH, 1907, p. 49-50.

447
primado do pontífice romano está o da infalibilidade, [autoridade] necessária contra os
jansenistas; por sua vez, Giuseppe Ugolini (1783–1867), cardeal desde 1838, alegrava-
se com a grande adesão dos povos e do episcopado à Santa Sé, tirando dela a esperança
para o bem da Igreja, a infalibilidade do Papa nas questões de fé e moral que
finalmente serão objeto de definição, [assim] poderemos dar conta de todas as
dificuldades que vierem, sem ter de convocar um novo concílio1595. Para os dois
defensores da doutrina, a Igreja não podia errar. Contra a pregação de galicanos e
jansenistas, que não se erra quando o coletivo dos bispos toma uma decisão, Asquini e
Ugolini argumentavam que, quando o papa falava em nome da Igreja, falava como
Vigário de Cristo e era impedido pelo Espírito de Deus de errar; era infalível1596.

Também na reunião da comissão preparatória do dia 10 de março de 1865, a


segunda do grupo, o Papa decidiu convidar alguns bispos de vários países para lhe
enviar um resumo dos pontos de dogma e disciplina que gostariam de ver tratados no
concílio. Na lista elaborada pessoalmente por Pio IX, havia os nomes de 36 bispos de
rito latino da Itália, França, Áustria, Alemanha, Espanha, Bélgica e Inglaterra. Meses
depois também foram convidados vários bispos de ritos orientais. Não por acaso, a
totalidade dos bispos escolhidos pelo papa estava ligada ao pensamento conservador e
ultramontano. Nomes importantes como o bispo inglês John Henry Newman (1801–
1890)1597, o teólogo alemão Ignaz Döllinger, Karl Josef von Hefele (1809–1893), bispo
de Rottenburg e um dos principais historiadores da Igreja1598, assim como religiosos de
alguma forma ligados às universidades de Munique, Bonn, Tübingen e Friburgo foram

1595
Ugolini, apud GRANDERATH, 1907, p. 52.
1596
CHADWICK, 1988, p. 185.
1597
John Newman era um bispo anglicano que, em 1845, convertera-se ao catolicismo, após ser, durante
mais de dez anos, o principal nome do Movimento de Oxford, que questionou as opiniões e os princípios
religiosos da igreja da Inglaterra, em oposição às tendências liberalizantes e evangélicas, e enfatizando os
princípios do cristianismo primitivo e patrístico, bem como o caráter histórico e católico do cristianismo
(HUTTON, 1911, v. 19, p. 517-520).
1598
Hefele era professor de teologia da Eberhard Karl University, em Tübingen, no estado germânico de
Württemberg, especialista no estudo da história dos concílios ecumênicos sobre os quais escreveu vários
volumes (CHADWICK, 1988, p. 188).

448
ignorados; todos identificados com ideais liberalizantes do catolicismo, foram excluídos
da consulta1599. Entre todos, era Döllinger quem mais incomodava a Santa Sé.

Ordenado sacerdote em 1822, Döllinger passou a maior parte de sua vida


em Munique, capital da Bavária; professor, em 1826 tornou-se conselheiro particular do
rei Ludwig I e, mais tarde, de seu filho e sucessor, Maximilian II1600. Originalmente se
posicionava como um ultramontano1601, defendendo a união dos católicos ao redor de
Roma e do papa, posição que gradativamente foi reconsiderada, especialmente após a
Revolução de 1848, que nos territórios alemães adquiriu um caráter nacionalista. Ao
longo da década de 1840, Döllinger havia consolidado sua identidade nacional como
alemão, sua identidade acadêmica como historiador e sua identidade religiosa como
defensor da causa da unidade cristã1602. A bandeira pangermânica da revolução
despertou-lhe a necessidade da união e do fortalecimento da igreja alemã, tema
repudiado pela Santa Sé, que combatia de forma impetuosa as igrejas nacionais. Para o
professor bávaro uma igreja nacional alemã em nada comprometia a identidade e
missão universal da Igreja; antes, cada igreja nacional particular constituía uma parte
vital do todo “católico maior”1603. Mais tarde, escreveria que, para uma igreja nacional
alemã, o ultramontanismo era um obstáculo, uma vez que representava uma estrutura
que não tinha relação com as tradições do catolicismo alemão, tema frequente em seus
textos e aulas1604. Seu distanciamento da Santa Sé tornara-se ainda maior após uma
longa viagem a Roma em 1857; para ele, a cúpula da Igreja assim como o papa Pio IX
desconheciam o que se passava fora dos Estados Pontifícios. Em uma audiência, Pio IX
teria lhe dito que o papa era a autoridade suprema sobre todos, e que somente quando o
mundo tivesse aprendido a curvar-se diante do papado o bem-estar da humanidade

1599
WOODWARD, 1963, p. 327.
1600
HOWARD, 2017, p. 4.
1601
Döllinger defendia a posição do arcebispo de Colônia, Johannes von Geissel, contra os casamentos
mistos; escreveu textos sobre o protestantismo nos quais ele expressou pontos de vista altamente críticos,
especialmente do ensino protestante sobre a justificação, em um esforço de controverter a interpretação
dos historiadores prussianos da reforma como um ponto alto do passado alemão; essas posições levaram
seu nome a ser cotado como candidato a arcebispo de Salzburgo, na Áustria (HOWARD, 2017, p. 85).
1602
Idem, ibid.
1603
Idem, ibid., p. 88.
1604
Idem, ibid., p. 91.

449
estaria assegurado1605. Incomodavam ao papa especialmente as palestras proferidas por
Döllinger, em que declarava sua total oposição à encíclica Nullis Certe Verbis, de
janeiro de 1860, que expressava a necessidade absoluta de manter a autoridade temporal
do papado1606.

As respostas dos bispos à convocatória do papa para que opinassem sobre o


concílio logo chegaram e a comissão, em 28 de julho de 1867, determinou que seu
secretário Lodovico Jacobini (1832–1887) elaborasse um relatório com base nas
respostas. Quanto à doutrina, os bispos reconheceram que não havia heresias que
devessem ser condenadas, mas anunciaram sentir a presença de aberrações que
ameaçavam as verdades fundamentais e os fundamentos do catolicismo. Entre elas
estavam destacadas: a negação absoluta da fé cristã e o excesso de erros, arrolados pelos
prelados, que abalavam a sociedade. Gioacchino Pecci, bispo de Perugia e futuro papa
Leão XIII, apontou expressamente o combate às doutrinas: do naturalismo, do
racionalismo e do pensamento livre; das superstições, e do indiferentismo; também
recomendou a defesa rigorosa da doutrina católica contra as agressões do erro e do
sacramento do matrimônio. Muitos também condenaram o panteísmo, o socialismo e o
comunismo, e muitos mais fizeram referência expressa ao Syllabus, defendendo a
reprovação de todos os erros apontados; alguns pediram que o concílio afirmasse
solenemente a necessidade da soberania do papa sobre os Estados Pontifícios, mas a
questão permaneceria marginal mesmo durante o concílio. Das manifestações dos
bispos, apenas oito indicaram a recomendação de que o concílio definisse a
infalibilidade papal1607, demonstrando que, às vésperas do início do concílio, o tema não
estava presente para todos os religiosos.

1605
Idem, ibid., p. 94. Döllinger também teria ficado especialmente incomodado com um processo
movido pela Inquisição contra o teólogo bávaro Jakob Frohschammer (1821–1893), sobre o qual foi
instado a opinar. Segundo Döllinger, os inquisidores que avaliavam as obras do teólogo não falavam o
alemão, idioma em que os livros foram escritos. Frohschammer foi excomungado em 1862 (idem, ibid.).
1606
O’MALLEY, 2018, p. 121.
1607
GRANDERATH, 1907, p. 54-55; O’MALLEY, 2018, p. 109.

450
Entre as questões disciplinares a serem tratadas no concílio, os bispos
colocam em primeiro plano a reforma do clero secular e regular, uma vez que, após três
séculos, algumas prescrições caíram no esquecimento1608. Temas como trajes,
relacionamentos, vida privada, arranjos testamentários, meditação diária, celibato,
jogos, diversões como teatro, participação de assuntos políticos; para todos os detalhes
da vida e hábitos do clero foram propostas regras a serem prescritas. Os bispos
chamaram a atenção do concílio para a direção dos seminários maiores, ou superiores, e
para sua independência perante o poder civil; pediram rigor no uso do latim nos cursos
de filosofia e a reforma dos estudos clericais. Quanto ao clero regular, defenderam a
plena liberdade para a Igreja fundar casas religiosas, a fim de atender às necessidades do
povo cristão, mas pediram que as ordens religiosas estivessem obrigadas a observar as
regras de seus fundadores e, em particular, da vida em comum. O tema da educação
também emergiu de muitas manifestações; que fosse reivindicada a liberdade da Igreja
de ter escolas, para permitir aos pais cristãos, cujos filhos eram enviados para escolas
perigosas, o acesso à educação católica. Outro ponto de destaque do relatório do bispo
Jacobini era a relação entre a Igreja e o Estado: independência do poder eclesiástico em
pé de igualdade ao Estado; o direito da Igreja de possuir bens; de instruir os jovens, e a
soberania temporal do papa1609. Entre os orientais, o destaque coube ao patriarca de
Jerusalém, Cirilo II (1792–1877), nascido Konstantinos Kritikos, por chamar a atenção
para o aumento das missões protestantes na região: recursos inesgotáveis e uma grande
equipe permitia-lhes divulgar livros anticatólicos, e proferir calúnias contra o
catolicismo que corrompiam as mentes dos orientais, aumentando seus preconceitos e
destruindo as tradições e doutrinas católicas que até então haviam sido mantidas. Para
deter esse progresso, o patriarca recomendou o estabelecimento de missões e o
treinamento cuidadoso do clero local1610. As respostas dos bispos reiteraram que a fé
cristã estava sob a ameaça das ideias do Iluminismo do século XVIII e das revoluções;
assim como o Concílio de Trento teria unido o catolicismo contra a ameaça

1608
GRANDERATH, 1907, p. 58. A reforma do povo cristão também preocupa os bispos; eles propõem
vários meios para renovar a piedade dos fiéis e adverti-los contra a incredulidade ou o materialismo. A
futura assembleia [...] deve expedir decretos contra os excessos do luxo e dos prazeres, contra a sede de
riqueza que, para ser satisfeita mais rapidamente, recorre à especulação, contra o abandono da vida
familiar, a profanação do casamento, o desprezo pelos domingos e dias festivos, a negligência dos ofícios
da Igreja (idem, ibid., p. 59).
1609
GRANDERATH, 1907, p. 60.
1610
Idem, ibid., p. 64.

451
representada pelo protestantismo, o novo concílio iria restabelecer a autoridade da Igreja
e do papa1611. Dessa forma, com antecedência, a comissão estava de posse de opiniões e
sugestões de uma parte da Igreja muito bem selecionada, que referendava como temas
centrais para o concílio aqueles caminhos, conservadores e ultramontanos, apontados
por Pio IX em todas as suas manifestações desde 1850. As respostas dos bispos calaram
a oposição de Antonelli, e de parte do cardinalato, que não gostara da ideia de um
concílio; a objeção do secretário de estado era pragmática: temia que o sínodo levasse a
Roma teólogos alemães, muito bem preparados, ou franceses inspirados por ideias
liberais, que poderiam contestar a autoridade do papa e das congregações romanas;
também receava desagradar ao imperador francês, Napoleão III, que ainda garantia
Roma isolada do restante da Itália1612.

A segunda reunião da comissão, em 10 de março de 1865, também propôs a


criação de outras comissões, que poderiam trabalhar ligadas às congregações já
existentes, dividindo os trabalhos preliminares; por exemplo, a Comissão Doutrinal
seria uma extensão do Santo Ofício da Inquisição Romana. Os membros das comissões
deveriam ser escolhidos principalmente nas congregações romanas correspondentes,
porque eles, em tese, teriam mais familiaridades com as questões que a Igreja
enfrentava. Foram criadas cinco comissões: Comissão da Fé e Doutrina; de Disciplina
Eclesiástica e Direito Canônico; das Ordens Religiosas e Congregações, das Igrejas
Orientais e Missões Estrangeiras, e de Assuntos Político-Eclesiásticos e Relações
Igreja-Estado. O papa aceitou a criação das comissões, mas certificou-se de que fossem
exclusivamente compostas por religiosos ligados a ele, ou simpáticos às teses
ultramontanas1613. Tal organização deu à Cúria Romana um papel sem precedentes na
história dos concílios; assim, mesmo antes da abertura do concílio, suas características o

1611
HALES, 1954, p. 277.
1612
Idem, ibid., p. 276.
1613
HOWARD, 2017, p. 131. Alguns bispos alemães, simpáticos às teses de Döllinger, como Karl Hefele,
foram convidados como consultores nas comissões, contudo, isso foi principalmente uma fachada, como
até o núncio papal em Munique admitiu, para evitar a acusação de um lado. Em 1869, o bispo Hefele,
então em Roma, queixou-se de que “quanto mais tempo aqui fico, mais claramente vejo a dubiedade por
detrás da minha nomeação como consultor para o conselho. Era apenas a forma de Roma enganar o
público com uma aparência de neutralidade”. Döllinger também sentiu que esse arranjo apenas dava a
“aparência de imparcialidade”, como escreveu a Henri-Louis Maret (idem, ibid.).

452
distinguiam de outros, refletindo a centralização da tomada de decisões na Santa Sé, que
ocorrera muito antes do decreto conciliar sobre o primado papal e a infalibilidade1614. A
centralização dos trabalhos nas mãos dos cardeais que lhe eram fiéis dava tranquilidade
a Pio IX, que tinha controle quase que total do cardinalato: até 1865 o papa havia feito
14 consistórios, elevando 67 cardeais, o que representava a renovação de praticamente a
totalidade do Colégio de Cardeais1615. À época do concílio, a Cúria era formada por 57
cardeais, divididos em 6 cardeais bispos, 42 cardeais padres e 9 cardeais diáconos,
havendo ainda 13 cadeiras vazias1616.

As solenidades do décimo oitavo centenário do martírio dos apóstolos Pedro


e Paulo, marcadas para 1867, ofereceriam mais uma oportunidade para a cúpula da
Igreja corroborar o respaldo do papa a fim de efetuar as reformas que desejava. Em 26
de junho, mesmo com os boatos infundados de um suposto ataque de Garibaldi a Roma,
mais de 500 bispos, 20 mil sacerdotes e cerca de 180 mil peregrinos participaram das
solenidades e cerimônias1617. Diante da enorme concentração foi feito o anúncio formal
da convocação do concílio para 1869; a instabilidade política ainda presente na
península separou por três anos a revelação inicial do desejo de Pio IX da convocação e
o efetivo anúncio formal à Igreja. Entre junho e agosto de 1866, o governo do Piemonte
havia travado uma guerra contra a Áustria, o que lhe garantiu a posse da região do
Vêneto para os italianos1618, afastando todos os vestígios de dominação estrangeira da
península. A anexação da região acirrou ainda mais os humores nacionalistas contra o
domínio de Roma pela Igreja. O rei Vittorio Emanuele II após a anexação teria dito:
l’Italia è finita; ma non ancora completata (a Itália está feita; mas ainda não
concluída)1619.

1614
O’MALLEY, 2018, p. 110.
1615
MIRANDA, 2021, s.p.
1616
MARTIN, 1876, p. 301.
1617
Os números são imprecisos; HALES (1954, p. 296), por exemplo, estima que 700 bispos assistiram à
abertura das solenidades.
1618
O rei da Itália aproveitara-se da eclosão da Guerra Austro-Prussiana pelo domínio dos estados
germânicos ao sul da Prússia para também declarar guerra à Áustria e anexar a região do Vêneto. A Itália
foi derrotada pelas tropas austríacas, mas, graças à sua aliança com o governo de Berlim, conseguiu a
posse da região de Veneza.
1619
GRANDERATH, 1907, p. 68.

453
Meses antes das solenidades do martírio dos apóstolos, o prefeito da
Congregação do Concílio enviou uma carta aos bispos de todo o mundo, convidando-os
a participar das festas, durante as quais aconteceriam numerosas canonizações. O futuro
cardeal Henry Edward Manning (1808–1892), arcebispo de Westminster, na Inglaterra,
mais tarde, escreveu sobre as comemorações: Trinta nações foram representadas por
seus patriarcas, arcebispos, primazes e bispos; em Roma podíamos então ouvir todas
as línguas sendo faladas, nas ruas podíamos ver todos os trajes; a população quase foi
duplicada pelo afluxo de católicos de todas as partes do mundo1620. Era a terceira vez
que o papa Pio IX chamava os bispos a Roma: 206 cardeais e bispos reuniram-se para a
definição da Imaculada Concepção, em 1854; 265 bispos vieram para a canonização dos
mártires japoneses, em 1862. A convocação de 1867 era para ser a maior de todos os
tempos: nunca um papa havia reunido tantos bispos1621. Nas três ocasiões, houve por
parte do episcopado um ato explícito de submissão ao primado papal, e uma aceitação
mais do que implícita de sua infalibilidade, assim como de sua reiterada pregação
conservadora, por meio de alocuções e cartas apostólicas, condenando as doutrinas
filosóficas, os movimentos revolucionários, e a evolução política de seu tempo1622.

As solenidades do martírio dos apóstolos contaram com três momentos


marcantes. O primeiro evento, realizado no dia 26 de junho, foi uma assembleia
reunindo os bispos presentes, na qual foi anunciada publicamente a intenção do papa de
realizar o concílio: Nosso desejo é realizar um sagrado concílio ecumênico e geral de
todos os bispos do mundo católico, no qual, com a ajuda de Deus, na união de
conselhos e esforços, se buscarão os remédios necessários para os males que afligem a
Igreja. Sobre suas expectativas, o papa afirmou: Graças a este concílio, temos a mais

1620
MANNING, 1877, p. 41.
1621
Segundo o cardeal MANNING, os concílios de Calcedônia (451) e o segundo de Lyon (1274) eram
considerados os maiores até então, contudo, ressalta, o número de participantes dos dois conclaves é
duvidoso (1877, p. 45). ALBERIGO (2015, p. 93 e 279) reconhece que ambos foram grandes, mas quanto
ao primeiro as fontes não permitem precisar o número exato de participantes; quanto a Lyon, seu caráter
amplo, reunindo católicos romanos e orientais, em uma tentativa de reconciliação com a Igreja Ortodoxa,
também impede afirmar, com certeza, sua primazia.
1622
MANNING, 1877, p. 42.

454
firme esperança de que a luz da verdade católica espalhará sua salutar clareza em
meio às trevas que obscurecem os espíritos e os fará conhecer, com a graça de Deus, o
verdadeiro caminho de salvação e da justiça de Deus. Ainda segundo Pio IX: [do
concílio] também resultará a Igreja como um exército invencível em ordem de batalha,
[que] repelirá os assaltos de seus inimigos, quebrará seus esforços e, por seu triunfo,
estenderá e propagará na Terra o reinado de Jesus Cristo1623.

O papa também ressaltou a importância do papado naquele momento, e seu


papel individual à frente da Igreja: Estamos em um momento de grande crise. Se
olharmos apenas para o aspecto dos eventos humanos, não há esperança. Os homens
estão intoxicados com sonhos de unidade e progresso, mas nenhum é possível sem
justiça. [...] Deus colocou sobre mim o dever de declarar as verdades nas quais se
baseia a sociedade cristã e de condenar os erros que minam seu fundamento1624.
Também ressaltou que o aumento da obediência dos fiéis à Igreja passava pelo
reconhecimento expresso da autoridade do papa: Pois por esta autoridade de exemplo,
muito melhor do que por sutil doutrina, eles perceberão que reverência, obediência e
submissão eles devem ter para conosco, a quem, na pessoa de Pedro, Cristo nosso
Senhor disse: “Apascenta meus cordeiros, apascenta minhas ovelhas”, e com estas
palavras que nos confiou e nos comprometeu o supremo cuidado e poder sobre a Igreja
Universal1625. Nos dias seguintes ocorreram as festas do centenário, com uma grande
solenidade na Basílica de São Pedro na noite do dia 28 e a missa pontifícia do dia
seguinte no altar-mor, na presença de todos os bispos. Por fim, no dia 1º de julho, Pio
IX realizou uma audiência com os bispos para receber deles um documento referente à
alocução do dia 26.

O documento fora redigido no dia anterior. Dada a impossibilidade de reunir


todos os bispos em um trabalho de redação, um grupo de sete religiosos ficou
responsável pelo texto, entre eles o cardeal de Westminster, Edward Manning, e o bispo

1623
GRANDERATH, 1907, p. 70.
1624
MANNING, 1877, p. 47.

455
de Orléans, Félix Dupanloup, que concentraram o debate sobre os termos da resposta. O
arcebispo inglês insistiu em inserir a defesa da infalibilidade papal na resposta, o que foi
rejeitado por Dupanloup. Contudo, a versão final dizia: Há cinco anos, prestamos nosso
devido testemunho do sublime cargo que você exerce e demos expressão pública às
nossas orações por você, por seu principado civil e pela causa do direito e da religião.
Em seguida, professamos, tanto em palavras quanto por escrito, que nada é mais
verdadeiro ou mais caro para nós do que acreditar e ensinar as coisas em que você
acredita e ensina, do que rejeitar os erros que você rejeita1626. Em seguida, o texto
citou o decreto do Concílio de Florença (1439) sobre o primado papal, afirmando que o
papa tem pleno poder de alimentar, guiar e governar a igreja1627.

Exatamente um ano depois das cerimônias do centenário do martírio dos


apóstolos, em 29 de junho de 1868, Pio IX publicou a bula Æterni Patris, convocando
formalmente o concílio e marcando a data de abertura, 8 de dezembro de 1869. A
escolha não era um acaso: a data tornara-se um grande dia de festa; a definição da
Imaculada Concepção (1854) e da publicação do Syllabus (1864). O papa justificou a
convocação do concílio ressaltando os grandes perigos e as ameaças contra a Igreja,
tema recorrente desde 1850, revelando a mentalidade pessimista e o pânico moral que
prevaleciam em Roma: É conhecida [por] todos por qual horrível tempestade a Igreja é
atualmente fustigada, e por quais e quantos males a própria sociedade civil é afligida.
[...] a sã doutrina, o venerável poder e a suprema autoridade desta Sé Apostólica estão
sendo combatidos e pisoteados pelos ferozes inimigos de Deus e dos homens; todas as
coisas santas são desprezadas; os bens eclesiásticos estão sendo desperdiçados. Os
erros apontados pelo Syllabus foram repisados: As famílias religiosas estão dispersas;
livros impiedosos de todo tipo e jornais pestilentos e seitas perniciosas de toda forma

1625
Idem, ibid., p. 50.
1626
O’MALLEY, 2018, p. 111; MANNING, 1877, p. 51.
1627
Acreditando que Pedro falou pela boca de Pio, portanto, tudo o que você falou, confirmou e
pronunciou, também falamos, confirmamos e pronunciamos; e com uma só voz e uma mente rejeitamos
tudo o que, como sendo contrário à fé divina, à salvação das almas e ao bem da sociedade humana, você
julgou adequado reprovar e rejeitar. Pois isso está firme e profundamente estabelecido em nossa
consciência, que os padres de Florença definiram em seu decreto sobre a união, que o pontífice romano
“é o Vigário de Cristo, cabeça de toda a Igreja, e pai e mestre de todos os cristãos; e que a ele, na
pessoa do bendito Pedro, foi confiado por nosso Senhor Jesus Cristo todo o poder para alimentar, guiar
e governar a Igreja Universal” (MANNING, 1877, p. 51).

456
são difundidos por toda parte; a educação da juventude miserável é retirada do clero
em quase todos os lugares e, o que é pior, em muitos lugares é confiada a professores
de iniquidade e erro. O texto prosseguia: Para nosso grande desgosto e para o de todos
os homens bons, em detrimento das almas que não podem ser deploradas o suficiente,
em toda parte propagam-se a impiedade, a corrupção da moral, a licença desenfreada,
o veneno das opiniões viciosas de todo tipo e de todos os vícios e toda maldade, a
violação das leis humanas e divinas: para que não só nossa Santíssima Religião, mas
também a sociedade humana esteja de forma miserável perturbada e aflita. Pio IX
ressaltou sua atuação no combate aos inimigos da Igreja: Desde o início de nosso
pontificado nunca nos omitimos [...] para levantar nossa voz e defender com todo
esforço, constantemente, a causa de Deus e de Sua Santa Igreja confiada a nós por
Jesus Cristo, para defender os direitos da justiça e da verdade, para descobrir as
artimanhas dos homens inimigos, para condenar erros e doutrinas falsas, para
proscrever as seitas da impiedade e para vigiar e prover o universo do rebanho do
Senhor1628.

O Concílio de Trento fora convocado buscando reformar e reavivar a moral


dos ministros da Igreja, para erradicar as heresias que existiam na religião, e apaziguar
as discórdias que existiam entre os príncipes cristãos1629; já o Concílio do Vaticano
também tinha um objeto material, dado por Pio IX: não se buscava apenas garantir e
restabelecer a pureza da fé e a disciplina, mas também corrigir os princípios perversos
das sociedades civis, de examinar, de julgar o mais importante problema entre aqueles
que surgem do movimento diário da vida social, em particular o casamento civil, a
educação secular, as constituições modernas1630. Esse objetivo estava expresso na bula
Æterni Patris: Ninguém jamais negará que o poder da Igreja Católica e sua doutrina

1628
PIO IX, bula Æterni Patris, 1868.
1629
A realização do Concílio de Trento também foi uma resposta da Igreja Católica à tese de uma
convocação de um concílio de toda a cristandade, livre e independente da Santa Sé, lançada por Lutero
em um manifesto publicado em 1520, An den christlichen Adel der deutschen Nation (à nobreza cristã da
nação alemã). O tumultuado processo de convocação e realização do concílio, que atravessou o
pontificado de quatro papas – Paulo III (1534–1549), Júlio III (1549–1555), Paulo IV (1555–1559), Pio
IV (1559–1565) –, em boa parte foi decorrente da resistência dos príncipes alemães que viam com bons
olhos a proposição de Lutero (ALBERIGO, 2015, p. 324-331).
1630
OLLIVIER, 1879, p. 26.

457
não só diz respeito à saúde eterna da humanidade, mas também beneficia a vantagem
temporal dos povos, sua verdadeira prosperidade, ordem, tranquilidade e até mesmo o
progresso das ciências humanas e sua solidez1631.

O texto da bula fora previamente discutido pela comissão preparatória do


concílio. Mesmo faltando pouco tempo para sua realização, não havia consenso sobre se
os governantes deveriam ser convidados para o encontro; seis dias antes da publicação
de Æterni Patris, a comissão realizou uma reunião de emergência com a presença do
papa para decidir a questão. Por fim, concluiu-se que, dado o cenário político
internacional, os governantes não seriam formalmente convidados, estampando na bula
uma referência genérica de que a Igreja esperava boa vontade e empenho dos
governantes1632. A falta de um convite formal não passou despercebida.

O deputado republicano francês Émile Ollivier (1825–1913), que viria a ser


escolhido como primeiro-ministro da França em dezembro de 1869, em um
pronunciamento na Assembleia Legislativa em 10 de julho de 1868 declarou: Pela
primeira vez na história, a Igreja, por meio de um documento de seu pastor supremo,
diz ao mundo leigo, à sociedade leiga e às autoridades leigas: é à parte e sem vocês
que eu quero existir, agir, tomar decisões e me desenvolver, me afirmar e me
compreender1633. Anos mais tarde, Ollivier, em um livro sobre o Concílio do Vaticano,
escreveria: Convocar os bispos de todos os países católicos a um concílio ecumênico,
sem consultar ou convidar os príncipes de quem dependem os prelados, era romper
todos os vínculos ainda preservados entre o poder civil e o poder religioso1634. Análise

1631
PIO IX, encíclica Æterni Patris, 1868.
1632
O’MALLEY, 2018, p. 113. Apreciamos a esperança de que Deus, em cujas mãos estão os corações
dos homens, conceda graciosamente nossos desejos por sua inefável misericórdia e graça, e que todos os
mais altos príncipes e governantes dos povos, especialmente católicos, conheçam cada vez mais o grande
bem que flui da Igreja Católica para a sociedade humana, e que a Igreja é o fundamento mais estável dos
impérios e reinos, não impedirão que os veneráveis irmãos bispos e todos os outros mencionados acima
venham a este concílio, mas os favorecerão e ajudarão de boa vontade e com o maior empenho, como
convém aos príncipes católicos, concordarão com eles em tudo o que possa ser bem-sucedido para a
maior glória de Deus e em benefício do próprio concílio (PIO IX, bula Æterni Patris, 1868).
1633
O’MALLEY, 2018, p. 114.
1634
OLLIVIER, 1879, p. 25.

458
semelhante, mas por razões diametralmente opostas, tinha o jornalista católico
conservador radical Louis Veuillot, que escreveu em L’Univers: A bula de convocação
do concílio ecumênico não chama soberanos para sentarem-se nesta assembleia
legislativa. A omissão é notada! Indica implicitamente que não há mais coroas
católicas, isto é, a ordem em que a sociedade viveu por mais de dez séculos deixou de
existir. O que chamamos de Idade Média acabou. 29 de junho de 18681635. E prosseguiu
Veuillot: Outra era começa. Igreja e Estado estão separados de fato, e ambos
reconhecem isso. [...] Está feito, e isto não é um bem. O Estado queria o cidadão, não a
Igreja. Alma e corpo não estão mais unidos. Quanto à condição civil, a Igreja é hoje
uma alma sem corpo, e o Estado, quanto à condição religiosa, um corpo sem alma1636.
Efetivamente nenhum governante tentou enviar representantes ao concílio, tornando-o o
primeiro concílio ecumênico da história sem a participação direta dos leigos.

Resolvida a questão dos governantes leigos, restava um outro problema com


relação aos protestantes, cuja comissão de preparação não havia chegado a um consenso
sobre como dirigir-se aos protestantes. Um problema era formular um convite sem com
isso dar a impressão de que estavam lidando com igrejas reais, uma vez que para a
Santa Sé eram apenas assembleias de leigos. Também havia um problema concreto:
essas assembleias não tinham uma autoridade central à qual uma carta pudesse ser
endereçada. Já, por outro lado, os anglicanos não podiam deixar de ser tratados como
Igreja. Por fim, a comissão consultou o arcebispo de Westminster e futuro cardeal
Edward Manning, e o papa decidiu, em setembro de 1868, publicar a encíclica Iam vos
omnes, dirigida a todos os protestantes e outros não católicos1637. O documento
exortava os protestantes, assim como a todos os cristãos separados de nós, [...] que se
apressem a voltar ao único redil de Cristo, pois desejamos do fundo do nosso coração
sua salvação em Cristo Jesus, e tememos que um dia teremos de prestar contas a Ele,
Nosso Juiz, se, até onde pudermos, não os tivermos mostrado e preparado o caminho
para sua salvação eterna1638. A reação ao chamado, de uma maneira geral, foi negativa,

1635
L’Univers, 11 jul. 1868, apud OLLIVIER, 1879, p. 25.
1636
Idem, ibid..
1637
IGREJA CATÓLICA, encíclica Iam vos omnes, 1868.
1638
Idem, ibid.

459
especialmente nos Estados alemães, onde foi considerado um insulto, tanto pelos
protestantes quanto pelos católicos alemães, que há anos tentavam manter uma boa
relação com seus governantes1639. Mas esse não seria o maior problema enfrentado
durante a preparação do concílio. O pior ainda estava por vir.

Em 6 de fevereiro de 1869, a La Civiltà Cattolica publicou um artigo


intitulado Corrispondenza dalla Francia (correspondência da França). O texto era um
relatório elaborado por Flavio Chigi (1810–1885), núncio apostólico em Paris, para
Antonelli, supostamente tratando do estado de espírito dos franceses em relação ao
concílio. O texto falava da má vontade do governo francês para com o futuro concílio,
diferenciando os cattolici semplicemente – apenas católicos – dos cattolici liberali –
católicos liberais. O núncio também atestava que os verdadeiros católicos queriam que o
concílio definisse o Syllabus como doutrina da Igreja, e que proclamasse o dogma da
infalibilidade papal por aclamação como uma explosão unânime do Espírito Santo1640.
O documento reproduzia uma interpretação corrente na Santa Sé, que associava o
catolicismo liberal ao catolicismo galicano, associando os liberais aos Articles
Organiques, elaborados em abril de 1802 pelo ministro Jean-Etienne-Marie Portalis,
que regulamentaram a Concordata de 1801, assinada entre Napoleão e o papa Pio
VII1641. O texto publicado pela Civiltà atacava a declaração Quatre articles, de 1682,
assim como as decisões do Concílio de Constance (1414–1418), uma vez que os bispos
lá reunidos haviam suprimido o poder do papa, fortalecendo os concílios; a mesma
crítica fora apresentada originalmente por Joseph Maistre, em 1819 no livro Du pape
(1819), tese que mais tarde seria incorporada pela Santa Sé1642. O caráter semioficial da
Civiltà fez com que o artigo fosse interpretado como a opinião do papa Pio IX e do
cardeal Antonelli, e que o concílio seria um grande teatro para aprovar as teses papais.
Entendeu-se que, como o Syllabus afirmava de forma veemente o poder temporal do
papa, o concílio que se aproximava provocaria consequências políticas em toda a
Europa, uma vez que os católicos teriam o dever de consciência de obedecer a um papa

1639
O’MALLEY, 2018, p. 115.
1640
Idem, ibid., p. 123.
1641
HALES, 1954, p. 288.
1642
Idem, ibid.

460
infalível, mesmo que isso contrariasse as leis civis1643. A suspeita de uma trama entre a
revista e a Santa Sé para a divulgação da tese da infalibilidade não era absurda. No fim
da década de 1860, o papa havia estabelecido uma relação ainda maior de confiança
com o editor da Civiltà, Carlo Piccirillo (1821–1888); a incansável campanha da revista
contra o liberalismo, agradava a Pio IX. Durante o Concílio do Vaticano, Piccirillo
podia ser recebido pelo papa sem a necessidade de um agendamento formal, com
precedência até mesmo sobre os arcebispos que tentavam vê-lo; a concessão reforçou a
impressão de que o papa era dominado pelos jesuítas. Peter Beckx não simpatizava com
a excessiva proximidade da Civiltà com o papa, mas o jornal era tão favorável a Pio IX
que o superior-geral da Companhia de Jesus não foi capaz de exercer qualquer
influência sobre suas políticas1644. Em poucos dias Veuillot publicou uma tradução do
artigo da La Civiltà Cattolica no L’Univers na França, que provocou reações
indignadas, mas que de forma alguma superaram a repercussão entre os católicos
alemães. Nos Estados germânicos, apoiando a linha seguida pela Civiltà estavam a
Universidade de Mainz e o jornal da cidade, Katholik, e a revista jesuíta Stimmen aus
Maria-Laach. Do outro lado, em clara oposição, ficaram a Universidade de Bonn, o
jornal Theologische Literaturblatt, e, na Bavária, a Universidade de Munique, onde
Döllinger imediatamente assumiu a liderança da campanha1645.

Entre 10 e 16 de março de 1869, Döllinger escreveu anonimamente uma


série de artigos no Allgemeine Zeitung de Augsburgo, que foram seguidos pela
publicação do livro Der Papst und das Concil (o papa e o concílio), editado sob o
pseudônimo de Janus, o que não conseguiu esconder sua autoria. O livro, escrito às
pressas, em seu prefácio anunciava denunciar um perigo grave, que não data de ontem e
não começou com a proclamação do concílio. Por cerca de 24 anos, o movimento
reacionário na Igreja Católica, que agora está inflado a uma poderosa torrente, tem se
manifestado e agora se prepara, como uma maré crescente, para tomar posse de toda a
vida orgânica da Igreja por meio deste concílio1646. No livro, Janus prossegue: Nós

1643
HOWARD, 2017, p. 132.
1644
O’MALLEY, 2018, p. 209.
1645
Idem, ibid., p. 123.
1646
DÖLLINGER, 1869, p. xiv; GRANDERATH, 1907, p. 219 e ss.

461
liberais [...] estamos convencidos de que a Igreja Católica, longe de assumir uma
atitude hostil e desconfiada em relação aos princípios da liberdade política, intelectual
e religiosa, e da independência de julgamento, deveria, ao contrário, estar em
concordância positiva com eles e exercer uma constante influência purificadora e
enobrecedora em seu desenvolvimento1647. Assumindo claramente sua oposição à
infalibilidade, Döllinger sustentou que a Igreja Católica e o papado não são sinônimos,
estando este profundamente distante daqueles cujo ideal da Igreja é um império
universal espiritual governado por um único monarca – um império de força e
opressão, onde a autoridade espiritual é auxiliada pelo braço secular em sumariamente
suprimir cada movimento de que não gosta. Em uma palavra, rejeitamos aquela
doutrina e ideia da Igreja [...] como a única âncora remanescente de libertação para a
raça humana que perece1648, um caminho há muito superado, uma vez que a Idade
Média ficou para trás de uma vez por todas, e nada além de uma “fata morgana” pode
fazê-la pairar como um futuro possível diante da imaginação viva de seus aliados1649.
Em uma definição, o autor exprimiu sua indignação com a situação da Igreja: O papado,
tal como se tornou, apresenta [hoje] a aparência de uma excrescência desfigurante,
doentia e sufocante na organização da Igreja, atrapalhando e decompondo a ação de
seus poderes vitais [...] e que não consegue compreender que um homem pode amar e
honrar uma instituição ao mesmo tempo, e ainda expor seus pontos fracos, denunciar
suas falhas1650. Em 26 de novembro, duas semanas antes da abertura do concílio, a
Congregação do Índice condenou o livro, assim como todas as suas traduções1651; mas
já era tarde: em agosto já era intensa a circulação de Der Papst und das Concil, assim
como de outros textos semelhantes, na Alemanha, Inglaterra, Irlanda, Estados Unidos,
Espanha, França e Itália, todos em seus idiomas. O livro, juntamente com suas palestras
e artigos, fizeram com que Döllinger tivesse sua participação no Concílio do Vaticano,

1647
DÖLLINGER, 1869, p. xv. Liberais [...] um termo da pior reputação entre todos os adeptos
intransigentes do Tribunal de Roma e dos jesuítas – dois poderes intimamente aliados –, e nunca
mencionado por eles sem amargura (idem, ibid.).
1648
Idem, ibid., p. xvi.
1649
Idem, ibis. Fata morgana é um fenômeno ótico, uma espécie de miragem distorcida, visível no mar
em uma faixa estreita acima do horizonte. O termo italiano fata morgana refere-se à lenda que contava
que uma feiticeira – Morgana –, com sua bruxaria, conjurava castelos no ar, ou falsas terras, para atrair
marinheiros para a morte (YOUNG, 2021, s.p).
1650
DÖLLINGER, 1869, p. xix.
1651
O’MALLEY, 2018, p. 124.

462
se não vetada, ao menos não desejada pelo papa1652; também seria uma das razões de
sua excomunhão em abril de 1871.

Em setembro, 14 dos bispos alemães, após um encontro na cidade de Fulda,


na Prússia, enviaram uma carta sigilosa a Pio IX expressando suas apreensões sobre a
plena liberdade de decisão do concílio; a carta foi mal recebida pelo papa,
especialmente quando vazou para a imprensa. Pouco depois, bispos da Hungria, ligados
ao cardeal Friedrich von Schwarzenberg, arcebispo de Praga, que originalmente se
opunha à definição do dogma da infalibilidade papal, também escreveram ao papa uma
carta mostrando semelhante desassossego; em Budapeste e Praga havia boatos sobre a
criação de uma igreja nacional.

Na mesma época o bispo Henry Maret (1805–1884), reitor de Teologia da


Universidade de Paris e bispo de Sura, publicou seu Du concile général et de la paix
religieuse (sobre o concílio geral e a paz religiosa), cujos custos de impressão foram
pagos pelo imperador Napoleão III1653. A partir de precedentes históricos, Maret, o
principal conselheiro do governo para nomeações episcopais1654, argumentou que a
Igreja é uma monarquia constitucional, composta de dois elementos essenciais: o
papado, o principal, e o episcopado, subordinado ao primeiro, e que somente com a
cooperação entre os dois que a soberania espiritual é exercida. Na correlação entre
soberania e infalibilidade, dessa forma, para que o papa pudesse falar ex cathedra ,

1652
HALES, ao longo de seu livro sobre Pio IX, busca consolidar a ideia de que o papa não havia feito
interferências nos trabalhos do concílio: A verdade é que se mostrou que [Pio IX] acreditava que tal
definição deveria ser feita e, como papa, cedeu à pressão da maioria, e concordou – com bastante
satisfação – que a questão fosse levantada em seu turno. Assim o veto à participação de Döllinger é
descrito como uma exigência do cardeal Reisach (1954, p. 305). O cardeal Antonelli teria comentado que
Döllinger fora convidado e não aceitou, e o papa, satisfeito, dissera que ele não teria trabalhado bem com
os outros teólogos. A oposição do cardeal Reisach ao nome de Döllinger foi considerada por muitos o
principal motivo pelo qual ele não participou (HOWARD, 2017, p. 131).
1653
HALES, 1954, p. 289. Depois da publicação, Maret enviou uma cópia ao papa, que considerou o
presente um insulto. Mais que o tema ou os argumentos apresentados, causou espécie o fato de o bispo
escrever em francês, e não em latim, para que seu livro pudesse ser lido pelos leigos (WOODWARD,
1963, p. 329).
1654
O’MALLEY, 2018, p. 101. Maret, um opositor da doutrina e das políticas da Santa Sé, era galicano e
liberal (idem, ibid., p. 112).

463
precisaria consultar o episcopado1655. Em 11 de novembro de 1869, Dupanloup, bispo
de Orléans, já de malas prontas para Roma e a abertura do concílio, lançou um livreto
de 80 páginas dirigido a seus clérigos intitulado Observations sur la controverse
soulevée relativement a la définition de l’infallibilité au prochain concile (observações
sobre a controvérsia levantada a respeito da definição da infalibilidade no próximo
concílio1656. As teses esboçadas pelo bispo haviam sido discutidas com Döllinger, após
uma viagem a Worms em setembro. Foi a primeira vez que um bispo abertamente se
pronunciou contra a opinião do papa e da maior parte do cardinalato1657. Para
Dupanloup, uma definição da infalibilidade era desnecessária e indesejada, pois criaria
empecilhos para as tentativas de reaproximação com as igrejas ortodoxas e os
protestantes, além de antagonizar os governos1658. Segundo o bispo, a imprensa católica
estaria antecipando o resultado do concílio, com a aprovação da infalibilidade, tema que
não fora inicialmente apresentado ou discutido1659, para criar na opinião pública uma
corrente favorável aos seus desejos e forçar usando todo o peso deste parecer preliminar
sobre os bispos reunidos1660. Os responsáveis por essa pressão seriam dois jornais em
particular, La Civiltà Cattolica e L’Univers [que] tomaram as iniciativas mais
surpreendentes aqui. Se o santo padre impôs um silêncio prudente e rigoroso aos
consultores das congregações romanas encarregadas dos trabalhos preparatórios do
concílio, eles não tiveram medo de divulgar que [o concílio] definiria a questão da
infalibilidade pessoal do papa; muito mais, que se definiria por aclamação1661. O texto
contestou a base teológica e histórica da proposta, afirmando que os jornais anunciaram
que um dogma seria criado pelo concílio; a Igreja não cria dogmas, ela os declara; e
não deve haver ambiguidade aqui. Digo um novo dogma no sentido de que nunca,

1655
Idem, ibid., p. 126. Maret seguia a mesma linha de raciocínio de Maistre em Du Pape, mas chegou a
uma conclusão absolutamente inversa (idem, ibid.).
1656
Em Roma acreditava-se que o livro fora escrito por Montalembert (WOODWARD, 1963, p. 330).
1657
HALES, 1954, p. 287.
1658
O’MALLEY, 2018, p. 128.
1659
Quando o papa Pio IX anunciou, em dois discursos famosos, aos bispos reunidos em Roma em 1867,
seu plano de convocar um concílio ecumênico, ele não disse uma palavra sobre a necessidade ou a
utilidade de tê-los constituídos como um dogma de fé. pela futura assembleia a sua infalibilidade pessoal.
E os quinhentos bispos, então reunidos em Roma, em seu discurso ao santo padre, em resposta a esta
comunicação, também não disseram uma única palavra sobre esta questão. Por fim, na bula de
convocação [Æterni Patris], onde o santo padre traçou de forma tão ampla e com tão grande linguagem
o programa do futuro concílio, também não houve menção à sua infalibilidade pessoal (DUPANLOUP,
1887, p. 437).
1660
Idem, ibid., p. 432.
1661
Idem. ibid., p. 433.

464
durante 18 séculos, os fiéis foram obrigados, sob pena de deixar de ser católicos, que
acreditassem assim. Doravante, seria uma questão de obrigar todos os católicos a
acreditarem, sob pena de anátema, que o papa é infalível1662. O texto de Dupanloup foi
interpretado na Santa Sé como um conluio entre o bispo e Napoleão III1663.
Montalembert, já muito doente, também criticou os jornais católicos em uma carta
publicada em 7 de março de 1870, no Gazzette de France: Quem poderia ter-nos levado
a suspeitar, em 1847, que o pontificado liberal de Pio IX, aclamado por todos os
liberais dos dois mundos, se tornaria o pontificado representado e personificado pelo
L’Univers e pela Civiltà 1664.

Segundo uma versão corrente à época, o artigo Corrispondenza dalla


Francia, de 6 de fevereiro de 1869, teria sido publicado pela La Civiltà Cattolica por
engano. Segundo essa explicação, ainda em meados de 1868, a redação da revista
decidira publicar artigos de opinião dos núncios apostólicos sobre o que se passava nos
países católicos. Consultado, Antonelli concordou e enviara uma circular aos núncios
pedindo que escrevessem sobre as opiniões locais a respeito do futuro concílio: atitude
dos governos em relação ao encontro; atos episcopais; disposição e esperança do povo;
opinião dos não católicos e da imprensa; livros sobre o tema, e desejos e necessidades
específicos do país. Antonelli teria recebido um relatório sigiloso do núncio apostólico
de Paris, Flavio Chigi, tratando das expectativas internas do episcopado ultramontano
francês, e, sem ler, pensando tratar-se do que fora pedido na circular, enviou para a
Civiltà dando início à sucessão de críticas1665. Tal explicação não foi muito convincente.
Inicialmente, como havia observado Döllinger, o artigo antecipava uma possível decisão
do concílio, apresentando-a como fato consumado antes mesmo de sua inauguração1666.
Mas também havia outro fato que não permita acreditar na versão da publicação por

1662
Idem. ibid., p. 434.
1663
HALES, 1954, p. 288.
1664
HALES, 1954, p. 290. Montalembert morreria em 13 de março de 1870, e não veria a redação final da
constituição dogmática Pastor Æternus, aprovada pelo concílio em 18 de julho.
1665
GRANDERATH, 1907, p. 216.
1666
Como os bispos reunidos devem exercer seu poder de formular dogmas sobre o conteúdo do Syllabus,
eles precisam apenas colocar seu selo conciliar em uma obra já preparada para suas mãos pelo jesuíta
de Viena, Schrader [Klemens Schrader], tornando as declarações negativas do Syllabus em afirmativas, e
assim podemos, sem problemas, antecipar as decisões do concílio sobre este assunto (DÖLLINGER,
1869, p. 9).

465
engano: um ano antes da controvérsia, a comissão de preparação havia criado comissões
temáticas para produzir documentos que pautassem as discussões durante a assembleia.
O material produzido foi ordenado em seis títulos: 1) Igreja e Estado; 2) a estrutura
hierárquica da Igreja; 3) infalibilidade e primado papais; 4) Estados Pontifícios; 5) fé e
revelação; e 6) o sacramento do matrimônio1667. A existência de um relatório que tratava
da infalibilidade, preparando o tema para os debates, era um indício muito expressivo
dos desejos da Santa Sé.

A resistência à ideia de infalibilidade papal, além dos Estados germânicos,


também vinha da Grã-Bretanha. Pouco tempo antes da publicação do artigo
Corrispondenza dalla Francia por La Civiltà Cattolica, o professor britânico Peter le
Page Renouf (1822–1897) iniciou a publicação de três artigos no periódico católico
Dublin Review1668 – julho de 1868, janeiro de 1869 e abril de 1870 – tratando da
condenação do papa Honório I, e opondo-se claramente contra a ideia de que a fala ex
cathedra fosse considerada infalível. Segundo os artigos, o papa Honório I, pontífice
entre 625 e 638 e grande incentivador do cristianismo entre os celtas, fora anatemizado
como herege no Terceiro Concílio de Constantinopla (680–681), durante o pontificado
do papa Agatho (678–681). Honório I envolveu-se nas discussões sobre a doutrina do
monotelismo, ou  doutrina de uma só vontade, que era o ensinamento de que Jesus teria
apenas uma natureza, a divina, sem nunca ter assumido uma natureza humana, que por
sua vez estaria viciada pela queda de Adão; assim, essa doutrina se opunha ao
diotelismo, ou nestorianismo, doutrina cristológica que sustentava que ele possuía duas
vontades, divina e humana. Honório proibiu que se falasse de duas energias em Jesus,
para que fosse excluída a possibilidade de um conflito entre as vontades humana e
divina; para ele, Cristo era uma única pessoa, não podendo haver dualismo ou
antagonismo em sua vontade. Seus sucessores, os papas Severino (640), João IV (640–
642), Teodoro I (642–649) e Martinho I (649–655), condenaram firmemente aqueles
que defendiam o monotelismo, acendendo ainda mais a controvérsia que já fora

1667
O’MALLEY, 2018, p. 119.
1668
GRANDERATH, 1907, p. 356. Não confundir com The Dublin Review, atual revista trimestral que
publica ensaios, reportagens, crítica e ficção, lançada em dezembro de 2000. A revista católica homônima
existiu entre 1836 e 1969.

466
levantada em debates teológicos havia mais de um século1669. A polêmica só foi
solucionada no Concílio de Constantinopla que finalmente considerou o monotelismo
uma heresia, reconhecendo em Cristo duas naturezas e duas vontades, bem como seu
livre-arbítrio. O concílio também condenou Honório, que marcou esta Igreja
apostólica, não pelo ensino apostólico da tradição, mas por profanações, permitindo
que uma fé maculada fosse dada como tradição1670. Os artigos de Peter Renouf no
Dublin Review levantaram uma questão que voltaria a ser considerada durante o
Concílio do Vaticano: se um papa, ao falar ex cathedra, pode cometer uma heresia, a
infalibilidade, eventualmente, poderia vir a consolidar um sacrilégio em dogma.

Mesmo com as polêmicas e sob fortes críticas daqueles que se opunham à


definição da infalibilidade papal, que desde a convocação do concílio esteve presente
em todas as discussões, em meados de novembro de 1869 os bispos começaram a
chegar a Roma, para aquele que viria a ser o maior encontro internacional da Igreja
desde então: de um episcopado de cerca de mil membros, mais de setecentos bispos
compareceram à abertura do encontro1671. Havia uma enorme desproporção entre as
representações europeias: a representação britânica surpreendentemente forte, com 34
membros, sendo que 20 eram irlandeses; 18 germânicos de um episcopado de apenas 20
bispos; do Império Austro-Húngaro compareceram 49; e 117 prelados italianos, além de
todos os cardeais. A França foi representada por 88, quase o mesmo número de todos os
prelados de língua espanhola juntos. Cerca de um terço dos membros do concílio veio
de fora da Europa, sendo que as Américas estiveram presentes pela primeira vez: 48
bispos dos Estados Unidos, 9 do Canadá e 30 de toda a América Latina. Apesar do
número impressionante de não europeus, o concílio foi um assunto europeu em virtude
de seus problemas, em virtude da grande adesão europeia a Pio IX, e, principalmente,

1669
OWENS, 2003, v. 9, p. 816-817.
1670
BECK, 2003, v. 7, p. 79-82.
1671
O’MALLEY, 2018, p. 133. De acordo com documento oficial da Igreja, 745 bispos e arcebispos
podiam votar no concílo (IGREJA CATÓLICA, 1870, s.p.). Segundo GRANDERATH: Setecentos e
setenta e quatro padres compareceram ao Concílio do Vaticano; entre eles havia 49 cardeais, 10
patriarcas, 10 primazes, 127 arcebispos, 529 bispos, 6 abades nullius [que não são dependentes de
nenhuma diocese], 16 abades gerais, 26 generais ou vigários gerais de ordens religiosas, e um
administrador apostólico, da Diocese de Podlasie na Rússia, dom Casimir Sosnowski, que foi o único
representante desse país desde que o governo russo impediu os outros bispos de irem ao concílio (1908,
p. 37).

467
em virtude dos dirigentes que orientaram o concílio1672. Desde sua abertura em 8 de
dezembro de 1869, o concílio foi marcado por um clima de insatisfação e angústia
generalizada entre os participantes. Inicialmente, tornou-se um problema alojar tantos
visitantes, muitos dos quais em condições precárias1673. As reuniões não eram menos
tormentosas, uma vez que o transepto da Basílica de São Pedro, mesmo com as
adaptações feitas, não oferecia conforto para as longas horas de reuniões, além de sua
acústica não permitir acompanhar com clareza os debates; essas condições tornavam as
sessões um tormento, especialmente para os mais velhos. Também havia certo mal-estar
psicológico: os bispos temiam que o concílio pudesse demorar muitos meses ou anos até
seu encerramento, obrigando-os a permanecer em Roma por um tempo indefinido, mas
também receavam ser pressionados a carimbar os documentos preparados para eles, ou
se, pela força de aclamações, seriam levados a decisões precipitadas. Os bispos do
continente viviam especialmente preocupados com a perspectiva de uma guerra entre a
França e a Prússia e, portanto, com a segurança e a estabilidade política da cidade de
Roma1674. A questão da infalibilidade, e a polêmica que agitara os jornais, incomodava:
muitos desejavam fortalecer o princípio da autoridade papal, o que não significava um
alinhamento automático à tese.

No dia 8 de dezembro de 1869, após a missa inaugural, o papa Pio IX


saudou os presentes enfatizando a importância da tarefa que lhes esperava: Disputas e
conflitos inevitavelmente teremos de suportar, e o inimigo, que pede apenas para
semear a discórdia, não se dará descanso; no entanto, lembremo-nos da força e da
perseverança dos apóstolos, que receberam este elogio do mestre: “Permaneceste fiel a
mim nas minhas atribulações” [Lucas: 22,28]; lembremo-nos da frase do Salvador:
“Quem não está comigo está contra mim” [Mateus 12,30]. Os bispos foram chamados

1672
Idem, ibid., p. 135.
1673
Segundo o correspondente em Roma do Stimmen aus Maria-Laach, jornal católico da Renânia, os
bispos pertencentes a ordens religiosas alojaram-se, em sua maioria, nos conventos de sua ordem. Muitos
ficaram em seminários, colégios e outros institutos. Até mosteiros femininos, como as Oblatas da Torre
dei Specchi, as filhas de Santa Françoise Romaine, as Beneditinas de Santa Maria no Campo de Marte,
ofereceram ao papa os quartos disponíveis. Mas, por causa do grande número de prelados, Pio IX,
assumindo as despesas, providenciou alojamentos para mais de 200 prelados em variadas habitações em
Roma (GRANDERATH, 1908, p. 9).
1674
O’MALLEY, 2018, p. 136-137.

468
para participar de uma batalha contra o inimigo, tantas vezes citado pelo papa em todos
seus pronunciamentos desde 1850: Há muito tempo lutamos contra os mais astutos e
cruéis inimigos. Devemos usar as armas espirituais de nossa milícia, e cheios de
confiança nas promessas divinas, com o escudo do amor, da paciência, da oração e da
mansidão, sustentar todo o impacto da luta. Portanto, não temos razão para temer que
nos faltem forças na luta, se voltarmos os olhos e o coração ao autor e guardião da
nossa fé1675. Imediatamente, foi publicada a constituição pontifícia Multiplices inter,
com o regulamento e as observações que deveriam ser seguidas pelo concílio. Entre
outras coisas, a constituição apostólica determinou que apenas o papa teria o direito e o
dever de propor ao concílio os temas a serem discutidos; quem tivesse alguma sugestão
deveria apresentar-lhe por escrito, com a devida fundamentação. O documento também
estabeleceu o silêncio e a censura sobre os temas debatidos: Proibimos todos os padres,
os dignitários do concílio, teólogos, os canonistas e todos os outros que tenham de
prestar a sua ajuda aos padres e aos dignitários acima mencionados, para os negócios
do concílio, de publicar tudo o que seja. Também deveria ser guardado silêncio sobre
resoluções que venham a aí ser levadas ou questões que aí venham a ser examinadas,
bem como falar sobre elas a qualquer pessoa fora do concílio1676. E ainda foi ordenado
que todos os funcionários nomeados para algum cargo no concílio fizessem um
juramento de cumprir o silêncio sobre todas as questões relativas ao encontro. A censura
não funcionou, e os debates tornaram-se públicos pela imprensa quase que
imediatamente. O silêncio desagradou a muitos dos religiosos presentes1677.

O documento apresentou os nomes dos cinco cardeais que iriam presidir as


deputações, que encaminhariam as discussões ao longo do concílio: Karl August von
Reisach, Giuseppe Andrea Bizzarri, Antonino Saverio de Luca, Annibale Capalti
(1811–1877) e Luigi Maria Bilio; todos haviam sido membros da Sagrada Inquisição
Romana e da Congregação do Índice. Bilio, redator da encíclica Quanta Cura, e do

1675
GRANDERATH, 1908, p. 11.
1676
Idem, ibid., p. 53.
1677
Idem, ibid. A Cúria Romana, confiante em seu poder sobre os bispos, não havia percebido que em
uma reunião de cerca de 700 pessoas não poderia esconder alguma controvérsia, ou o que quer que fosse.
Os bispos conversaram com seus amigos ou com seus embaixadores. Vários bispos sentiram que a

469
Syllabus Errorum, tornou-se o principal prelado italiano no concílio, que, além de
presidir uma das congregações gerais, também foi indicado pelo papa como presidente
da medular deputação da Delegação da Fé1678. Os presidentes das deputações iriam
dirigir as discussões do concílio dando destaque às posições da maioria dos bispos que,
por convicção, ou reverência hierárquica, passariam a aceitar a tese da infalibilidade. As
deputações tornaram-se uma estrutura coesa e fiel ao papa, que podia manter fora do
concílio qualquer assunto detestado ou temido pelo pensamento ultramontano
predominante. Ainda assim, o papa Pio IX reservara para si o direito final de excluir
qualquer proposta da pauta de discussões. Nenhum dos bispos, com exceção daqueles
das congregações, sabia o que deveria ser proposto; assim, a liberdade de ação do
concílio foi de tal forma restringida, o que permitia que a validade eclesiástica de seus
procedimentos fosse questionada1679. A despeito de estarem em minoria, pouco mais de
um quinto dos prelados era, por razões variadas, contrário às teses papais, especialmente
a da definição da infalibilidade, e muitos tinham esperança em poder discutir uma pauta
modernizante para a Igreja1680.

A maior resistência à tese da infalibilidade não vinha dos franceses, como se


esperava. Dupanloup, bispo de Orléans, Maret, bispo de Sura, e Joseph Gratry (1805–
1872), de Lyon, os mais influentes representantes da França, não eram radicalmente
contra. Apesar de serem considerados defensores das opiniões católicas liberais, os três
podiam ser classificados como defensores de princípios galicanos1681. No caso de

cláusula de silêncio imposta, que eles próprios não votaram, não os vinculava (CHADWICK, 1988, p.
188).
1678
O’MALLEY, 2018, p. 141; GRANDERATH, 1908, p. 11.
1679
WOODWARD, 1963, p. 332.
1680
Parte dos bispos não queria um excesso de centralização em Roma, mas queria que a autoridade dos
bispos, sob ataque do mundo moderno, fosse fortificada, não diminuída, por Roma. Não se deve esquecer
de que os bispos tinham uma responsabilidade colegial pela Igreja universal, não apenas o cuidado de
sua própria diocese. Eles não queriam que o concílio divulgasse declarações de teologia aparentemente
obsoletas, que o mundo não entenderia e que não poderiam beneficiar a Igreja. Eles levantaram a
possibilidade de uma reforma do Direito Canônico, para que as pessoas pudessem ter acesso a ele a
partir de algum volume codificado e atualizado, em vez de ter de se atrapalhar entre os enormes fólios de
várias datas e autoridade diversificada. Eles queriam que o ensino dos jovens fosse atualizado por
melhores catecismos, mas não queriam um catecismo universal considerado adequado para todas as
terras (CHADWICK, 1988, p. 204).
1681
Ao contrário do que afirmava grande parte dos autores do período, o galicanismo não havia
desaparecido após 1815; teve, sim, reduzida sua importância, uma vez que boa parte de seu apoio
desapareceu com a revolução, juntamente com a monarquia. Os embates no Concílio do Vaticano

470
Dupanloup, sua maior resistência era contra Louis Veuillot e o grupo ao redor do jornal
L’Univers1682; o bispo não era radicalmente contra a definição, apenas achava que o
momento para sua adoção era inadequado. O episcopado francês estava tão dividido em
três grupos: aqueles que aceitavam a infalibilidade; os que defendiam a definição no
concílio, mas esperavam por uma fórmula de compromisso para toda a Igreja; e aqueles
que se opunham à definição1683. O principal núcleo de oposição à definição estava
concentrado entre os religiosos da Europa central, especialmente os alemães, entre os
quais Karl Josef von Hefele, bispo de Rotemburgo, que às vésperas do concílio publicou
o livreto Causa Honorii Papae (o caso do papa Honório), no qual buscara demonstrar a
impossibilidade moral e histórica da infalibilidade papal, com base no episódio
envolvendo o papa do século VII. A seu lado estava o barão Wilhelm Emmanuel
Freiherr von Ketteler (1811–1877), bispo de Mainz, que defendia a autonomia e o poder
da Igreja Católica na Alemanha, e um opositor declarado da separação entre Igreja e
Estado; defendia a importância da questão social na nova sociedade industrial e o apoio
da Igreja Católica às classes trabalhadoras, política que seria adotada mais tarde pelo
papa Leão XIII (1878–1903)1684. Os bispos germânicos refletiam as ansiedades
existentes no mundo político dos Estados alemães que estavam ficando alarmados com
os planos papais para o concílio. A doutrina da infalibilidade papal teria consequências
políticas cujos governos menores, especialmente aqueles que contavam com uma
população católica minoritária, não podiam ignorar. O ministro das Relações Exteriores
da Bavária, Chlodwig Carl Viktor (1819–1901), príncipe de Hohenlohe-Schillingsfürst
e futuro chanceler do Império Alemão, propôs uma conferência na qual as potências
deveriam chegar a um acordo sobre uma política comum; a ideia era afastar a Igreja
Católica das influências políticas, deixando-a isolada1685. A oposição à definição
também vinha dos dois mais importantes prelados do Império Austro-Húngaro: cardeal
Friedrich von Schwarzenberg, arcebispo de Praga, e o cardeal Joseph Othmar von
Rauscher (1797–1875), arcebispo de Viena; o primeiro fora elevado ao cardinalato em

mostraram que as ideias galicanas ainda sobreviviam. Sobre o galicanismo do episcopado francês ao
longo do século XIX ver o já citado trabalho de GOUGH, Paris and Rome: les catholiques français e le
pape au XIXe siècle (1996).
1682
GRANDERATH, 1907, p. 332. Em 1848, Dupanloup assumiu a direção do jornal L’Ami de la
Religion com o objetivo específico de se contrapor às ideias de Louis Veuillot, que fizera do L’Univers o
principal canal do ultramontanismo radical na França (LAGRÉE, 2002, p. 28).
1683
O’MALLEY, 2018, p. 146.
1684
Idem, ibid., p. 142.

471
1842 pelo papa Gregório XVI, e o segundo por Pio IX em 1855. Os húngaros, em sua
quase totalidade, com apenas uma exceção, foram absolutamente contrários à definição,
liderados por János Simor (1813–1891), arcebispo de Esztergom, que seria tornado
cardeal em 1873, e por Lajos Haynald (1816–1891), arcebispo de Kalocsa-Bács, um
teólogo respeitado, cardeal em 1879. O mais apaixonado dos europeus centrais foi Josip
Juraj Strossmayer (1815–1905), o bispo croata da Bósnia e da Síria, com residência em
Ðakovo, que na época fazia parte do Império Otomano, que defendia a reconciliação
das comunhões ortodoxas eslavas com a Igreja Católica, o que, segundo ele, seria
dificultada pela definição da infalibilidade. Os religiosos dos Estados Unidos, a
princípio, estavam ausentes da controvérsia, mais preocupados em evitar qualquer
movimento que prejudicasse as relações entre a Igreja e o Estado em seu país ou
acabasse por estimular ainda mais preconceito anticatólico por lá; contudo à medida que
o concílio avançava, metade dos norte-americanos passou a opor-se à definição1686. Os
bispos da minoria1687, que a princípio acreditavam poder influenciar nas decisões do
concílio, gradativamente foram se convencendo de que o papa iria usar toda sua força
para ver aprovadas suas teses, especialmente a da infalibilidade1688.

O que provocava uma divisão profunda entre a maioria e a minoria era a


visão de história que embasava cada uma das posições. Para a maioria infalibilista, não
havia qualquer diferença entre passado e presente. A história era meramente humana,
preocupada com o que era transitório e contingente; a tradição, divinamente inspirada,
ensinava o divino e o imutável, faltando-lhe um senso de desenvolvimento do passado
para o presente. A minoria, por sua vez, estava mais sensível às transformações
provocadas pelo processo histórico. Também tendia a ver a tradição e a história como
inseparáveis e intimamente relacionadas; de uma forma geral, para os anti-infalibilistas,
a tradição incluía mais do que versos das Escrituras e pronunciamentos de concílios e
papas, os quais, em qualquer caso, tinham de ser interpretados no contexto e de acordo

1685
WOODWARD, 1963, p. 332.
1686
O’MALLEY, 2018, p. 148.
1687
As expressões maioria e minoria passaram a ser usadas pela imprensa ao longo do concílio para
designar quem apoiava a doutrina da infalibilidade e quem a recusava, respectivamente (CHADWICK,
1988, p. 199).
1688
O’MALLEY, 2018, p. 142-146.

472
com a forma como foram recebidos e colocados em prática. A tradição incluía práticas
litúrgicas, a história da recepção das decisões papais e conciliares e, especialmente, as
maneiras costumeiras como a Igreja havia procedido no curso de sua história; a
história era uma fonte, como afirmou Hefele no concílio. Por sua maior sensibilidade à
contingência histórica, os bispos da minoria tendiam a ter uma visão menos negativa
dos tempos que viviam, ao contrário da maioria, e estavam mais dispostos a tentar
melhorar a adequação da Igreja a esses tempos1689. Contudo, os dois lados não levaram
em consideração que o mundo não católico olhava com ceticismo a ideia de
infalibilidade, qualquer infalibilidade, seja do papa ou de alguma instituição1690.

Mas, mesmo minoritário, o grupo não se sentia constrangido. Em 2 de


janeiro de 1870, sob a orientação de Friedrich von Schwarzenberg, arcebispo de Praga,
26 signatários, quase todos alemães, enviaram uma carta a Pio IX expressando sua
insatisfação com a constituição pontifícia Multiplices inter, especialmente no ponto que
restringia ao papa a capacidade de propor temas ao concílio: Alguns interpretam este
artigo como se não reconhecesse o direito dos padres de apresentarem livremente ao
concílio as propostas que considerassem úteis para o bem comum e apenas as
concedessem como exceção e na forma de graça. [...] Mas os outros membros do corpo
místico de Cristo também têm sua força, e o colégio dos bispos seus direitos, que
derivam, desde o início, de suas funções e de seu caráter1691. A resposta do papa foi
transmitida oralmente a Schwarzenberg por Luigi Maria Bilio: Não se deve presumir
que qualquer disposição dos atos papais possa infringir os verdadeiros direitos dos
bispos; Sua Santidade, portanto, não encontra fundamento para as razões alegadas.
Assim, declarou que deseja que o regulamento por ela fixado e publicado com
“Multiplices inter”, permaneça firme e invariável1692.

1689
Idem, ibid., p. 197.
1690
Idem, ibid., p. 198.
1691
O texto continuava: Com justiça e grande sabedoria, Vossa Santidade dignou-se a determinar tudo o
que diz respeito à boa ordem e à sucessão dos assuntos a serem tratados pelo concílio; mas se os padres,
para obedecer à sua consciência, por sua vez tomam a iniciativa de alguma proposta considerada por
eles útil para o bem geral da Igreja, devemos ver em sua abordagem nada mais que o exercício de seu
direito e de seu ofício, desde que mantenham a submissão e o respeito devido ao chefe da Igreja
(GRANDERATH, 1908, p. 60).
1692
Idem, ibid., p. 68.

473
Uma segunda carta, dessa vez assinada por 88 religiosos – alemães,
austríacos, húngaros, franceses e alguns norte-americanos –, também datada de 2 de
janeiro, pedia que alguns dos regulamentos da Multiplices inter fossem atenuados. Os
bispos pediam especialmente que, em razão da dificuldade para ouvir os debates,
fossem tomadas notas taquigráficas das discussões que depois seriam repassadas para os
interessados1693, lembrando que três quartos dos participantes eram homens entre 56 e
90 anos1694. Também pediam que a obrigação de silêncio fosse atenuada, para poder
levar aos fiéis o que se passava no concílio, e também permitir que a imprensa católica
pudesse informar corretamente aos fiéis. Assim como no caso anterior, os pedidos
foram negados pelo papa, e os bispos comunicados por Bilio1695. Contudo essa
proibição não se aplicava ao papa, nem a Louis Veuillot. O jornalista francês montou
uma casa em Roma, onde passou a receber visitantes importantes e ter acesso a
informações confidenciais do concílio. Por diversas vezes conseguiu audiências
privadas com Pio IX, conversas cujos relatórios eram publicados regularmente no jornal
L’Univers, e tornaram-se fonte importante para a formação da opinião pública na
França; nas dioceses do interior, a leitura do jornal passou a ser quase obrigatória
durante as homilias. Posteriormente os artigos foram editados em livro, Rome pendant
le concile (Roma durante o concílio)1696.

No campo daqueles que se opunham aos desejos do papa Pio IX foi


montada uma operação para levantar e divulgar as informações do concílio. Lord John
Emerich Acton (1834–1902), discípulo e amigo de Döllinger, da mesma forma instalou-
se em Roma, onde montou um escritório no qual se encontravam regularmente
Dupanloup, Josip Strossmayer e Josef von Hefele, mas também Peter Kenrick (1806–

1693
Um problema suplementar foi a exigência de que todos os debates fossem travados em latim, o que
provocou uma confusão com a profusão de sotaques, alguns nem sempre inteligíveis por todos. Hefele,
um dos mais hábeis latinistas do concílio, reclamou que só conseguia ouvir um em cada três oradores.
Um cardeal disse que não havia entendido uma única palavra. Perto do fim do concílio, uma tela foi
estendida sobre o salão para amortecer o efeito da grande altura do edifício (WOODWARD, 1963, p.
333).
1694
Idem, ibid.
1695
GRANDERATH, 1908, p. 69-70.
1696
O’MALLEY, 2018, p. 148.

474
1896), bispo de St. Louis, no Missouri, Thomas-Louis Connolly (1814–1876), bispo de
Halifax, no Canadá, William Joseph Clifford (1823–1893), bispo de Clifton, na
Inglaterra. Acton, que se tornaria um dos mais importantes historiadores britânicos do
século XIX, fora aluno de Döllinger desde sua adolescência, mantendo com ele uma
relação de amizade por toda a vida1697. A partir do escritório romano, o teólogo alemão
recebia diariamente cartas sobre o andamento dos trabalhos do concílio, que lhe
permitiam, mesmo distante, escrever artigos muito bem informados sobre as discussões,
publicados no Augsburger Allgemeine Zeitung. Ao longo do concílio foram 69 cartas e
artigos, que, ainda em 1870, foram editados no livro Römische Briefe vom Konzil
(cartas de Roma sobre o concílio), sob o pseudônimo de Quirinus. Nos artigos, o
concílio era apresentado como uma manobra de Pio IX para obter a definição da
autoridade absoluta do papa em todos os assuntos, espirituais e temporais. O teólogo
alemão denunciava que os bispos só podiam reagir ao que lhes fora apresentado
previamente pela comissão, não podendo expressar verdadeiramente o que pensavam;
por trás dos cardeais e bispos leais ao papa, estava, segundo Döllinger o partido
jesuíta1698. Acton escrevia para Döllinger quase diariamente, enviando as cartas para
Munique na mala diplomática do embaixador da Bavária em Roma, para garantir que
elas não seriam interceptadas pelos espiões da polícia papal, que desde os tempos do
papa Gregório XVI exercia uma ilegal censura à correspondência1699. Uma vez que,
como era sabido, Acton estava realmente bem informado, os artigos do Augsburger

1697
Lord Acton, que o próprio Pio IX, ao longo do concílio, chamou de briccone (patife), que lambe meus
pés e ao mesmo tempo trabalha com a oposição, estava especialmente preparado para desempenhar o
papel de articulador da oposição à infalibilidade junto ao concílio: Por causa de sua linhagem
aristocrática e passado internacional, ele tinha conexões pessoais ou familiares dentro de muitos dos
principais órgãos nacionais representados entre os bispos e entre o corpo diplomático em Roma. Por
causa de sua fluência em inglês, alemão, francês e italiano, ele habilmente superou as divisões
linguísticas entre os prelados e os aproximou mais. Finalmente, em razão da sua formidável erudição
teológica e histórica, devida em grande parte a Döllinger, ele possuía uma compreensão abrangente dos
tópicos em discussão no concílio (HOWARD, 2017, p. 141).
1698
[A] Influência deste partido é muito poderosa e já prepondera; todo o mecanismo do concílio, a
ordem do dia, o pessoal de seus dirigentes, enfim, tudo, está substancialmente em suas mãos, ou será
posto em suas mãos, ou será posto à sua disposição. Todos os preparativos foram feitos no seu interesse
e todas as alternativas foram previstas. Esse grande polvo eclesiástico, com suas mil antenas e braços, a
Ordem dos Jesuítas trabalha por ele sob a terra e sobre a terra; “mea res agitur” (meu negócio está
feito) é sua palavra de ordem (Döllinger citado por HOWARD, 2017, p. 143).
1699
O’MALLEY, 2018, p. 149. Durante o concílio, Acton também manteve um contato muito próximo
com o chanceler britânico William Gladstone, mantendo-o informado dos principais temas discutidos
(idem, ibid., p. 151).

475
Allgemeine tornaram-se a principal fonte de informação sobre o comportamento do
concílio especialmente para os governos europeus1700.

Dois dias após a abertura solene, realizou-se a primeira assembleia geral,


que tratou apenas de temas burocráticos e pouco importantes. Quase perto de seu
encerramento, já sem a presença de muitos religiosos, os presentes receberam um
documento no formato de um pequeno livro, elaborado pela congregação doutrinal e da
fé, intitulado De doctrina catholica contra multiplices errores ex rationalismo derivatos
(doutrina sobre a fé católica contra os muitos erros decorrentes do racionalismo). O
texto, escrito em grande parte pelos jesuítas Johannes Baptist Franzelin (1816–1886),
que seria elevado ao cardinalato por Pio IX em 1876, e Joseph Wilhelm Karl Kleutgen
(1811–1883), iria servir com base para o primeiro dos dois decretos solenes do concílio,
a constituição dogmática Dei filius, também chamada De fide catholica. Com sua
linguagem extremamente violenta – monstra errorum (erro monstruoso)..., impia
insipientia... (loucura ímpia), cancer serpens... (serpente insidiosa) – buscava dar corpo
às condenações já exposta no Syllabus ao racionalismo moderno, reafirmando o
princípio tomista da relação adequada entre fé e razão1701. Poucos dias após, a minoria
francesa apresentou um documento para que fosse discutido juntamente com De
doctrina catholica, pedindo uma definição clara dos direitos e status dos bispos e de sua
liberdade em relação à censura das congregações da Cúria. Também pleiteava uma série
de reformas administrativas, incluindo a realização de concílios gerais em intervalos de
10 ou 20 anos, bem como a internacionalização da Cúria, o que permitiria que os
episcopados nacionais indicassem os membros das principais comissões romanas. O
documento nem sequer foi recebido pelas congregações do concílio1702. O canadense
Thomas-Louis Connolly, bispo de Halifax, propôs que o texto da De doctrina catholica
fosse rejeitado em sua íntegra, e que não fosse apreciado pelo concílio1703. Sobre as
denúncias contra o racionalismo, o bispo Josip Strossmayer argumentou que era
absurdo ligar as ideias iluministas ao protestantismo ou à reforma, assim como era

1700
CHADWICK, 1988, p. 207.
1701
HOWARD, 2017, p. 146; O’MALLEY, 2018, p. 152.
1702
GOUGH, 1996, p. 294.
1703
WOODWARD, 1963, p. 335.

476
loucura usar termos violentos contra pensadores protestantes como se fossem ateus e
revolucionários1704. O bispo croata referia-se a uma espécie de genealogia bíblica,
nascida nos textos de Maistre, e presente no pensamento conservador dominante na
Santa Sé: O calvinismo gerou o galicanismo, o galicanismo e a insubmissão dos
jansenistas gerou o espírito democrático e rebelde iluminista, o espírito rebelde
irrompeu na grande revolução ateia1705.

Em 21 de janeiro as congregações do concílio apresentaram outro projeto de


constituição dogmática: De Ecclesia Christi. A estrutura da Igreja proposta foi
considerada tão ruim que muitos bispos chegaram a ameaçar deixar Roma após lê-la.
Todo o poder foi concentrado nas mãos do papa, cuja jurisdição foi estendida para todas
as dioceses; quanto aos bispos nada foi proposto; os concílios gerais foram
mencionados apenas para anatematizar qualquer um que desejasse invocar direito de
apelar de uma decisão papal. O poder temporal foi considerado um presente da
Providência ao próprio papa. Quanto às relações Igreja-Estado, o documento afirmava
que era direito da Igreja de rejeitar a lei civil, e condenava todos os sistemas
constitucionais decorrentes da ideia de soberania do povo. Esta última parte do texto, ao
chegar à imprensa, gerou uma reação extremamente desfavorável entre os chanceleres
dos Estados católicos. Após um mês de vigoroso debate, a oposição conseguiu obter a
retirada total da De Ecclesia para ser reescrita. Quando voltou para os bispos em maio
de 1870, no entanto, continha um novo capítulo, De Romani Pontificis Infailibilitate. O
texto preliminar fora escrito pelo arcebispo romano Giuseppe Cardoni (1802–1873), que
há mais de 20 anos era um dos consultores da Inquisição e do Index. A reação interna e
externa ao concílio foi intensa e imediata; em resposta os líderes da maioria, furiosos
com a forma como De Ecclesia Christi foi tratada, anunciaram que o debate sobre a

1704
Idem, ibid., p. 336. Ao longo do concílio, Strossmayer havia se tornado o principal orador da minoria,
não só por sua inteligência e raciocínio rápido, mas também porque falava latim, língua oficial do
encontro, fluentemente quase como se fosse sua língua materna; o bispo atuou durante toda vida nos
Balcãs e no Oriente Próximo, onde havia uma profusão de línguas, o que o obrigava a usar o latim para se
comunicar (CHADWICK, 1988, p. 201). Seus discursos incisivos fizeram com que o papa Pio IX
desenvolvesse uma antipatia especial contra Strossmayer (O’MALLEY, 2018, p. 210).
1705
OMODEO, 1939, p. 203.

477
infalibilidade pontifícia começaria imediatamente: a infalibilidade papal seria definida
antes da infalibilidade da Igreja1706.

A pressa dos infalibilistas explicava-se: em todas as audiências públicas ou


privadas, Pio IX mostrava-se cada vez mais agitado e ansioso, temendo que houvesse
uma dispersão do concílio sem que sua infalibilidade fosse proclamada. Durante uma
audiência pública o papa deixou claro seu descontentamento, alegando que os
discordantes careciam de fé perfeita1707. Em uma carta datada de 1º de abril, o bispo
inglês William Bernard Ullathorne (1806–1889), da Diocese de Birmingham, escreveu:
O papa aproveita todas as oportunidades para expressar suas opiniões sobre a
infalibilidade, tanto em audiências quanto em cartas que imediatamente chegam aos
jornais. Ele mudou bastante sua velha política desde nossa chegada, quando professou
neutralidade perante o concílio1708. A manifestação de Pio IX serviu como uma senha
para a maioria infalibilista comandada pelo arcebispo de Westminster e futuro cardeal
Edward Manning, que tornou a defesa da tese papal ainda mais intensa, apesar de contar
com poucos argumentos teológicos para tanto1709. Seu ponto central era que os fiéis
exigiam a definição do dogma, uma vez que a agitação, que fora criada pelos próprios
ultramontanos, especialmente pela imprensa, havia perturbado as mentes do clero e dos
leigos, e que, portanto, um pronunciamento de algum tipo deveria ser feito. Ademais,
argumentava que a doutrina da infalibilidade papal era claramente uma parte da
revelação divina, e que o primeiro dever do concílio era proclamar, sob a forma de uma
declaração, que a infalibilidade papal era um dos dogmas da fé cristã. No começo de
maio, contra essa fundamentação, Strossmayer, falando em nome da minoria, insistiu
que os direitos dos bispos eram derivados do próprio Deus. Assim, suprimir do
episcopado o direito de manifestar-se sobre os temas centrais da Igreja era caminhar
contra os desígnios divinos, além de violar as tradições conciliares1710; era suprimir

1706
GOUGH, 1996, p. 296.
1707
WOODWARD, 1963, p. 335.
1708
O’MALLEY, 2018, p. 186; HALES, 1954, p. 299.
1709
Manning, assim como muitos ultramontanos, queria que as visões do Syllabus se tornassem um teste
de lealdade para os católicos. Uma definição ampla da infalibilidade do papa forçaria o Syllabus como um
dogma na Igreja Católica, afastando definitivamente ilusões liberais (CHADWICK, 1988, p. 187).
1710
Idem, ibid.

478
divina episcoporum iura et inviolabilia (direitos divinos e invioláveis dos bispos)1711. A
fala foi interrompida aos gritos pelo cardeal Annibale Capalti, presidente de uma das
congregações gerais do concílio, que, juntamente com cerca de cem infalibilistas,
impediram Strossmayer de continuar. Para a imprensa internacional, que continuava
regularmente informada, a sessão foi descrita como um circo, no qual a liberdade de
expressão não era tolerada1712.

Em seus artigos no Augsburger Allgemeine Zeitung Döllinger-Quirinus


frequentemente buscava testemunho da tradição e do conhecimento histórico para tentar
impedir que a Igreja ingressasse, segundo ele, verdadeiramente em um equívoco
irreversível; o novo dogma representaria uma clara ruptura com os pontos de vista e as
tradições da Igreja antiga, afirmava. Tornar a infalibilidade doutrina oficial significaria
de fato o triunfo do dogma sobre a história, frase dita pelo arcebispo Manning que
Döllinger achara escandalosa. Ainda segundo ele, qualquer católico no futuro somente
poderia consolar-se dizendo: Credo quia absurdum (creio porque é um absurdo)1713.

Em meio às tensões provocadas pela discussão da infalibilidade, em 24 de


abril de 1870, o concílio aprovou a constituição dogmática Dei filius, com o subtítulo
Sobre a fé católica1714. O texto mantinha a essência do documento conciliar De doctrina
catholica contra multiplices errores ex rationalismo derivatos. O prefácio original
dizia: Todos sabem que, depois que eles [os protestantes] rejeitaram a autoridade
divina da Igreja, e foram lançados ao julgamento privado na religião, as heresias
condenadas pelo Concílio de Trento, dividiram-se pouco a pouco em numerosas seitas,

1711
O’MALLEY, 2018, p. 172.
1712
Idem, ibid. Durante a década de 1860, especialmente após a invenção do telégrafo, fora criado o
sistema de correspondentes estrangeiros, que, associado às agências internacionais de notícias , unia o
mundo e permitia que um grande grupo de jornalistas cercasse os bispos ávidos por informações e cópias
dos documentos (LAGRÉE, 2002, p. 404; CHADWICK, 1988, p. 205).
1713
HOWARD, 2017, p. 143. Em um dos artigos Döllinger escreveu: Antes que eu pudesse inscrever esta
invenção moderna [infalibilidade] em minha mente, eu primeiro teria de mergulhar meus 50 anos de
estudos teológicos, históricos e patrísticos no [rio] Lethe e depois passar a desenhá-la como uma folha de
papel em branco (idem, ibid., p. 133).
1714
O subtítulo original era Sobre a fé católica contra os múltiplos erros do racionalismo, mas foi
alterado por pressão da minoria (O’MALLEY, 2018, p. 168).

479
das quais as discordâncias e rivalidades acabaram por fazer muito para arruinar a fé
em Cristo. O trecho, considerado hostil e ofensivo aos protestantes, foi retirado no texto
final da constituição dogmática1715.

O documento era uma clara rejeição do racionalismo, panteísmo e


naturalismo e com a afirmação da natureza de Deus, da revelação, da fé, assim como a
reafirmação da relação entre fé e razão1716. A constituição era quase a reedição do texto
preparatório De doctrina catholica contra multiplices errores ex rationalismo derivatos,
elaborado pelos jesuítas Franzelin e Kleutgen, que não chegou a ser efetivamente
discutido pelos membros do concílio. Enquanto o Concílio de Trento havia se
preocupado principalmente em definir as proposições negadas pela Reforma
Protestante, em Dei filius estava estampada a ansiedade em reafirmar e definir os
próprios fundamentos da fé cristã, que teriam sido atacados pelo Iluminismo e pelo
protestantismo ao longo dos séculos XVIII e XIX1717. Durante a discussão final do
texto, Franzelin, teólogo do Colégio Romano, foi convidado a explicar as bases de sua
elaboração. Falando aos bispos destacou que a fonte do racionalismo eram as
universidades, cujos estudos, portanto, estavam se tornando um desafio para as formas
estabelecidas de pensar. Franzelin estava diretamente preocupado com os problemas
filosófico-teológicos levantados nas universidades, especialmente por três pensadores
católicos alemães: Georg Hermes (1775–1831), Anton Günther (1783–1863) e Jakob
Frohschammer (1821–1893), que já haviam sido condenados pela Santa Sé;
considerados semirracionalistas, estavam contaminados com a filosofia de Friedrich
Hegel (1770–1831) e Immanuel Kant ao atribuir a primazia da razão em detrimento dos
mistérios sobrenaturais1718.

1715
CHADWICK, 1988, p. 208.
1716
Durante sua preparação, a deputação doutrinal do concílio chegou a discutir se o texto seguiria o
Syllabus na condenação expressa do socialismo, contudo decidiu que o socialismo e o comunismo
lidavam com absurdos e abominações, e que seria indigno um concílio gastar seu tempo debatendo tais
temas (idem, ibid., p. 184).
1717
HALES, 1954, p. 298.
1718
O’MALLEY, 2018, p. 166.

480
Dei filius estava dividida em quatro capítulos de teologia fundamental: Deus
e a criação do mundo; revelação; fé; e fé e razão1719. O texto definia a crença da Igreja
em um [só] Deus verdadeiro e vivo, Criador e Senhor do céu e da terra, onipotente,
eterno, imenso, incompreensível, infinito em intelecto, vontade e toda a perfeição; o
qual, sendo uma substância espiritual una e singular, inteiramente simples e
incomunicável; reafirmou a crença na sobrenatural revelação divina, uma vez que Deus
só pode ser conhecido com certeza, pela luz natural da razão humana, por meio das
coisas criadas, pois as perfeições invisíveis tornaram-se visíveis depois da criação do
mundo, pelo conhecimento que as Suas obras nos dão Dele; declarou que, como fixado
pela tradição tridentina, a verdade está contida nos livros e nas tradições não escritas
que, recebidas pelos apóstolos da boca do próprio Cristo, ou que transmitidas como de
mão em mão pelos próprios apóstolos sob a inspiração do Espírito Santo; definiu que o
homem, por depender da vontade de Deus, cuja razão criada está inteiramente sujeita à
Verdade incriada, é obrigado a prestar, pela fé, à revelação de Deus, plena adesão do
intelecto e da vontade [...] fé, porém, que é o início da salvação humana; e que somente
à Igreja Católica pertencem todos os caracteres, tão numerosos e tão admiravelmente
estabelecidos por Deus para tornar evidente a credibilidade da fé cristã; por fim, tratou
da razão e fé, ordens de conhecimento, distintas não só por seu princípio, mas também
por seu objeto, e que a razão, iluminada pela fé, quando investiga diligente, pia e
sobriamente, consegue, com a ajuda de Deus, alguma compreensão dos mistérios, quer
pela analogia das coisas conhecidas naturalmente, quer pela conexão dos próprios
mistérios entre si e com o fim último do homem1720. Após as definições, Dei filius
apresentava os cânones sobre a fé católica, arrolando 18 anátemas: afirmar que Deus só
pode ser conhecido pela razão humana; negar a revelação divina; negar que a verdade
surge da vontade divina; negar a sacralidade das Escrituras; afirmar que a razão é
independente da fé; afirmar que fé divina não se distingue do conhecimento natural de
Deus e da moral; dizer que a revelação divina não pode tornar-se mais compreensível
por meio de sinais externos; negar a existência dos milagres; afirmar que a fé exige os
argumentos da razão humana; declarar que fiéis e infiéis são iguais entre si; negar o

1719
Durante a discussão fora proposta a inclusão de um quinto capítulo sobre questões específicas como
dogma, Trindade e pecado original, ideia que foi abandonada, atendendo a pressões a fim de avançar
rapidamente para a discussão sobre a infalibilidade (idem, ibid.).
1720
IGREJA CATÓLICA, constituição dogmática Dei filius, 1870.

481
mistério da revelação divina e tentar explicá-la pela razão; afirmar que as ciências
humanas devem ser tratadas com liberdade, e que as suas conclusões possam ser
entendidas como verdadeiras, e, por fim, anunciar que a ciência pode analisar os
dogmas, atribuindo a eles sentido diverso daquele ensinado pela Igreja1721. A
constituição dogmática colidia com a preocupação de teólogos e bispos a respeito da
imutabilidade da doutrina. O questionamento de alguns, que pedia uma reflexão sobre a
manutenção dos dogmas, provocava preocupação e o medo no cardinalato e em parte do
episcopado. Em resposta, Dei filius reafirmou de forma categórica que o dogma não
pode ser entendido de maneira diferente de como sempre foi percebido; a mudança não
cabia no esquema de pensamento que orientou a constituição dogmática1722.

A constituição Dei filius, mesmo com relutância, foi aprovada com


consentimento da minoria, a qual acreditava que a adesão ao princípio do consensu
unanimis (consentimento unânime) também fosse aplicada quando da votação à tese da
infalibilidade, que tanto agitava o concílio. Para os bispos, os ensinamentos da
constituição dogmática não traziam muitas novidades diante do que haviam aprendido
em seus tempos de seminário; podiam discordar de um ponto ou de outro, mas, em
geral, tratava-se de matéria familiar e, de certa forma, incontestável. Ao longo do
concílio Döllinger havia escrito sobre o consensu unanimis, afirmando que um concílio
ecumênico autêntico deveria ser regido pelo princípio da unanimidade, e não pela regra
da maioria; era mais um elemento da tradição da Igreja a ser mantido. Em suas palavras,
o atual sínodo romano é, portanto, o primeiro na história da Igreja em que instruções
sobre o procedimento foram feitas sem que eles [os bispos] tivessem qualquer palavra
sobre o assunto. Contudo, na aprovação da Dei filius, tanto Döllinger quanto Acton

1721
Idem, ibid.
1722
O’MALLEY, 2018, p. 176. O documento representa um estilo de pensamento que se apoia em
argumentos abstratos e a-históricos, nos quais as verdades cristãs estão acima e à parte dos contextos
históricos em que foram formuladas e acima e à parte dos séculos pelos quais então viajaram. [...]
revelou uma compreensão simplista das origens do racionalismo e do próprio processo histórico [...]
“Dei filius” é sobre fé religiosa, enfrentando a erudição crítica de seu tempo. [seus autores] Estavam
tateando para lidar com uma situação assustadoramente nova. As regras que governam a realidade e os
estudos que governam mudaram em relação ao que aprenderam em seus seminários. As novas regras,
séculos em formação, haviam alcançado uma maturidade de confronto na época do concílio.
Compreender o mundo havia se tornado um jogo totalmente novo (idem, ibid., p. 177).

482
sentiram que a minoria haviam cedido demasiadamente1723. Ambos acreditavam que a
única maneira de impedir a vitória da tese infalibilista seria se os bispos minoritários se
mantivessem firmes ao princípio de que os concílios legítimos da Igreja exigiam
unanimidade; também consideravam que as potências europeias deveriam ser incitadas
a denunciar o concílio, uma vez que seus decretos certamente iriam afetar as relações
entre a Igreja e o Estado em toda a Europa1724. Os bispos franceses, especialmente
Maret e Dupanloup, chegaram a pressionar Napoleão III para que fizesse uma
intervenção impedindo o resultado já antevisto; contudo, o governo francês decidiu não
agir. A intervenção de um Estado católico agindo sozinho seria um desastre
diplomático. O Ministério das Relações Exteriores via a possibilidade de uma ação
conjunta com a Bavária e a Áustria, apesar da intensa correspondência sobre o tema que
circulava entre Roma, Munique e Viena. O novo primeiro-ministro francês, Émile
Ollivier, eleito em dezembro de 1869, considerava um erro de consequências
duradouras intervir em um conflito doutrinário interno à Igreja1725. Döllinger e Acton
também tentaram advertir o ex-chanceler, e então primeiro-ministro britânico, William
Gladstone de que a doutrina da infalibilidade, se adotada, tornaria os católicos, na
Irlanda e também em toda a Europa, inimigos irreconciliáveis da liberdade civil e
religiosa1726. A partir da aprovação, os católicos seriam obrigados a professar o sistema
de moralidade católico, repudiando todos os outros. Acton alertou Gladstone de que a
questão da infalibilidade não afetaria apenas questões teológicas, mas também a
legislação civil, como contratos, casamentos, educação, imunidades clericais, mão
morta, além de muitas questões de tributação e direito comum, sujeitas à legislação da
Igreja, e que estariam subjugadas à vontade arbitrária do papa. Quase com certeza

1723
HOWARD, 2017, p. 146-147.
1724
Idem, ibid.
1725
GOUGH, 1996, p. 300.
1726
Em uma longa carta a Gladstone, em 2 de janeiro de 1870, primeiros dias do concílio, Acton
antecipou os movimentos dos bispos, e sugeriu que a Grã-Bretanha interviesse: Vivo quase inteiramente
com a oposição, e vendo e ouvindo o que faço, e conhecendo os bispos como aprendi a conhecê-los antes
e desde que cheguei aqui, devo dizer que não acredito que os meios de prevenir o pior existam dentro do
concílio [...] O único oponente invencível é o homem [Döllinger] que está preparado, no limite, para
desafiar a excomunhão, isto é, que tem tanta certeza da falibilidade do papa quanto da verdade revelada.
Com exceção de Strossmayer e talvez Hefele, não conheço tal homem entre os bispos [...] É para dar
força e coragem a esses homens que a ajuda do Estado é necessária. Parece ter chegado o tempo em que
a Inglaterra, ou de outras potências falando em conjunto com a Inglaterra, efetuem a mudança
necessária na política da França. [...] Ouço agora que o comitê internacional foi dissolvido pelo papa, e
que os regulamentos serão tornados mais rígidos, de modo a tirar toda a liberdade de expressão. Se você

483
nenhum homem que aceitasse tal código poderia ser um súdito leal ou apto para o gozo
de privilégios políticos. Contra isso, a intervenção britânica era necessária: Eles [bispos
da França] não veem remédio humano para esse perigo, a não ser a intervenção dos
Poderes [...] a ideia em suas mentes é de que a Inglaterra deveria exortar as Grandes
Potências a tomarem ações unidas, na forma de uma nota conjunta, ou algo
semelhante, sobre a aprovação do dogma1727. Embora incomodado com o concílio e
com o papa Pio IX, a quem descrevera como um despreocupado e cabeça quente,
Gladstone evitou realizar qualquer ação oficial. Em uma carta, seu chanceler, George
Frederick Villiers, duque de Clarendon, escreveu-lhe que Döllinger e Acton, como bons
católicos que são, sentem-se estressados com os perigos que cercam a Igreja pelo
audacioso ataque do papa à razão humana e eles agarram cada gota para salvá-la. [...]
tenho certeza de que se o anjo Gabriel, de língua de trombeta, se levantasse do banco
do tesouro e sustentasse a linguagem recomendada por Döllinger, não teria mais efeito
do que em mudar o vento leste1728.

Após a aprovação da constituição Dei filius, o clima de tensão aumentou


entre os bispos do concílio. Entre maio e julho de 1870, a minoria anti-infalibista,
mesmo com seu tempo de fala limitado, passou a usar argumentos históricos para
provar seu ponto, e o principal deles foi o apelo à regra vicentina. Por volta do ano 434,
o monge e teólogo gaulês Vincent de Lérins (morto por volta de 445), escreveu
Commonitorium Primum, um livreto que buscava dotar o cristianismo de uma regra
geral para distinguir a verdade da heresia. Segundo o texto, em meio a uma controvérsia
insolúvel, o clérigo deveria buscar a assistência divina, fortalecendo sua fé de duas
maneiras: pela autoridade da lei divina e pela tradição da Igreja; dessa forma, os
católicos poderiam interpretar o Cânon Divino pela tradição da Igreja universal e de
acordo com as regras da teologia católica: a universalidade, a antiguidade e o
consentimento da Igreja Católica e Apostólica. Assim, a regra vicentina definia que a
Igreja era o órgão por intermédio do qual Cristo e o Espírito Santo falavam; caso

não rejeitar totalmente a ideia, mesmo da ação indireta, é claro que chegou o momento em que é mais
provável que ela surta efeito (ACTON, 1917, p. 96).
1727
Carta de Acton a Gladstone, em 16 de fevereiro de 1870 (idem, ibid., p. 103).
1728
HOWARD, 2017, p. 148.

484
houvesse vozes aparentemente conflitantes, então o discernimento da verdade deveria
vir do apelo a esses três elementos1729. Mas o apelo à regra vicentina, ao contrário de
convencer a maioria, foi tratado pelo papado como um insulto.

Tornara-se evidente que o papa não mais desejava que fossem discutidas as
heresias contemporâneas ou a teologia patrística. Aos 78 anos Pio IX estava impaciente
e tinha pressa, queria ver aprovadas as prerrogativas papais. O papa tinha abandonado
sua posição de aparente e mal disfarçada neutralidade, deixando cada vez mais claro
para todos que desejava um pronunciamento rápido que endossasse o conceito de
infalibilidade papal1730. Sem sutileza, passou a tratar os bispos da minoria com
maliciosa frivolidade. De forma reiterada parabenizava os bispos ultramontanos por
seus discursos; passou a descrever por escrito as publicações dos galicanos franceses
Dupanloup, Maret e Gratry como sofismas vãs hostis [...], estúpidos, irracionais e
anticatólicos; declarava ter pena dos padres de Paris, Lyon e Orléans por apoiarem os
bispos que são inimigos pessoais do papa. Em uma carta ao abade Prosper Guéranger
escreveu: Eles não acreditam, como os outros católicos, que o concílio é governado
pelo Espírito Santo; cheios de ousadia, loucura, irracionalidade, imprudência, ódio,
violência, eles empregam, a fim de excitar os de sua facção, o meio pelo qual é costume
conseguir votos nas assembleias populares: propõem-se refazer a divina constituição
da Igreja e adaptá-la às formas modernas de governo civil1731. A intervenção direta do
papa, eliminando as emendas da minoria e mostrando clara desaprovação após os
discursos dos anti-infalibilistas, ganhou peso e tornou-se o tema central das reuniões do
concílio. O jornal L’Univers, lido por três quartos do clero paroquial, relatava com
júbilo todas as humilhações dos bispos franceses. Em seus textos, Veuillot não se
cansava de ressaltar a má reputação e o descrédito dos líderes da minoria junto à Santa
Sé1732; tachou a minoria como um bando de hereges, ridicularizando maliciosamente
alguns dos seus líderes, especialmente Dupanloup. Mas o efeito foi muito diferente
daquele alcançado por Acton [e Döllinger]; em suas cartas ele [Veuillot] tocou clérigos

1729
GRAFTON, 1914, p. 181.
1730
HALES, 1971, p. 340.
1731
Idem, 1954, p. 300.
1732
GOUGH, 1996, p. 299.

485
franceses e italianos e um bando fiel de leigos e leigas; fez com que padres franceses
questionassem seus bispos, caso eles fossem membros da minoria, e criou problemas
futuros nas dioceses. Ou seja, Veuillot foi lido por um público eclesiástico, [por sua
vez] Acton afetou a visão de toda a Europa sobre o concílio1733.

Em maio, a divisão dos bispos em duas correntes era irremediável, já tendo


provocado um abismo intransponível entre os infalibilistas e a oposição. A cizânia fora
formalmente inaugurada no início de fevereiro, quando o arcebispo de Westminster,
Edward Manning e o bispo de Bärnau, na Bavária, Ignatius von Senestréy (1818–1906),
coletaram centenas de assinaturas para uma petição ao papa pedindo pressa na
aprovação da infalibilidade1734. Manning já havia cometido aquele que foi considerado
um erro até mesmo pelos membros da maioria: quando da escolha dos 24 membros da
deputação da fé, o arcebispo não incluiu nenhum representante da minoria, o que
desagradou profundamente aos anti-infalibilistas, unindo-os ainda mais1735. Os bispos
da minoria também elaboraram uma petição ao papa reunindo 160 assinaturas, pouco
menos de 25 por cento dos membros do concílio. O preço que o concílio pagou por
essas campanhas de coleta de assinaturas foi um endurecimento ainda maior da divisão.
O bispo de Mainz, Ketteler anteviu a cisão definitiva da reunião: Os bispos criaram um
campo de batalha, um escândalo para os fiéis e uma desgraça para este santo
concílio1736. Pio IX não recebeu oficialmente nenhuma das duas, encaminhando-as à
deputação responsável pelo recebimento e pela admissão dos temas, que recebeu a
petição da maioria, que então foi aceita pelo papa. O documento de Manning e
Senestréy pedia a aprovação do projeto de uma constituição doutrinária sobre a Igreja, o
documento Supremi Pastoris (do supremo pastor), também chamado schema Ecclesia
(esboço da Igreja), que fora distribuído aos bispos no final de janeiro. O texto continha,
além de um preâmbulo, 15 capítulos e 21 cânones, sendo que um tratava da
infalibilidade da igreja – Capítulo 11. O primado do pontífice romano é um primado de
jurisdição –, não mencionando explicitamente a infalibilidade papal, uma forma de

1733
CHADWICK, 1988, p. 207.
1734
O’MALLEY, 2018, p. 181.
1735
CHADWICK, 1988, p. 203.
1736
O’MALLEY, 2018, p. 181.

486
afastar as críticas de que a doutrina estaria sendo imposta pelo papa ao concílio. Três
capítulos tratavam das relações Igreja-Estado, o que desencadeou uma crise diplomática
quando o texto foi divulgado pela imprensa1737. Apesar de o texto do schema Ecclesia,
de uma forma geral, ser relativamente moderado, já buscando algum tipo de conciliação
com os bispos da minoria, a lembrança da dureza e rispidez do Syllabus causava receio
no mundo laico, que não conseguia antever o que as pressões da Santa Sé poderiam
impor ao concílio1738.

Após a aprovação da Dei filius, os cardeais presidentes das deputações –


Reisach, Bizzarri, De Luca, Capalti e Bilio –, em 29 de abril, anunciaram a mudança na
pauta das discussões: os próximos itens da agenda seriam o primado papal e a
infalibilidade papal, isto é, o capítulo 11 do Supremi Pastoris. Embora a alteração já
fosse esperada, o anúncio oficial surpreendeu a minoria, que foi tomada pela raiva e
frustração. A ideia partira de Manning e de Senestréy, que acreditavam que, seguindo a
ordem normal dos capítulos, a definição chegaria aos bispos apenas em meados de
18711739. O jornal L’Univers, mesmo antes do exame da primeira constituição
dogmática, havia começado uma campanha para que a infalibilidade fosse analisada
imediatamente, separada dos outros temas relativos à Igreja1740.

Em 13 de maio, o bispo francês Louis Pie (1815–1880), de Poitiers, que


seria elevado a cardeal em 1879, apresentou o anteprojeto da constituição Pastor
Æternus. O texto era um destaque do capítulo 11 do Supremi Pastoris, que, por sua vez,
fora subdividido em quatro capítulos; o último estabelecia que o pontífice romano é o

1737
Idem, ibid., p. 163. Eram eles: Capítulo 13. A Igreja e o Estado são mútuos; Capítulo 14. O Estado
tem direitos e deveres; Capítulo 15. Direitos especiais da Igreja em relação à sociedade civil. Estes
condenaram a separação entre Igreja e Estado, a liberdade religiosa e a sujeição da Igreja ao Estado; ainda
afirmaram o direito inalienável da Igreja de se opor às leis contrárias à doutrina da Igreja (Idim, ibid., p.
184).
1738
HALES, 1954, p. 304.
1739
O’MALLEY, 2018, p. 185. Observando de forma retrospectiva, essa mudança na ordem do dia foi a
verdadeira responsável pela aprovação da infalibilidade; caso o concílio seguisse seu curso
predeterminado, a definição não teria chegado à assembleia antes da tomada de Roma em 20 de setembro,
que resultou no adiamento indefinido do Concílio do Vaticano (idem, Ibid.).
1740
AUBERT, 1976b, p. 521.

487
juiz supremo dos fiéis, e que todos os casos eclesiásticos estão em última instância
sujeitos a seu julgamento1741. O destaque que antecipava a discussão da infalibilidade
nascera da orientação pessoal de Pio IX, convencido de que, tendo a temperatura da
discussão subido tanto, não seria sensato adiar uma decisão por um ano ou mais, caso
fosse seguida a ordem lógica do projeto do Supremi Pastoris1742.

Durante dois meses o texto ocuparia os debates do concílio, impedindo


qualquer outra discussão, dividindo os bispos entre os infalibilistas, e os conciliaristas,
aqueles que queriam que a Igreja, o episcopado, fosse consultada antes das principais
decisões da Igreja. A controvérsia, complexa e apaixonada, limitava-se basicamente a
cinco questões inter-relacionadas. A primeira tentava compatibilizar a infalibilidade
papal com a infalibilidade da Igreja, que podia ser resumida como os papas poderiam
exercer sua autoridade suprema de ensino à parte do consenso da Igreja? A segunda
era: O próprio papa era infalível ou estava simplesmente certo de seus atos infalíveis?
Ou seja, a infalibilidade era pessoal? Em caso afirmativo, em que sentido? A seguinte
relacionava-se à anterior: Visto que nem todo pronunciamento papal era infalível, quais
eram as condições que deveriam ser cumpridas para que um pronunciamento fosse
assim? A quarta questão referia-se a que objetos a infalibilidade do papa se estende?
Estendeu-se, por exemplo, às canonizações de santos? Estendia-se até a infalibilidade
da Igreja? Mas quão longe essa infalibilidade poderia alcançar? Por fim, a quinta
pergunta buscava responder que declarações papais aparentemente infalíveis não estão

1741
O’MALLEY, 2018, p. 194.
1742
HALES, 1954, p. 301. Sobre a antecipação da discussão, Dupanloup escrevera uma carta ao papa –
Santíssimo Padre: O meu nome não te agrada; o sei e é a minha pena. Mas, por tudo isso, sinto-me
autorizado e obrigado, na devoção profunda e inviolável de que tantas provas dei a Vossa Santidade, a
abrir meu coração para você neste momento. Confirma-se o relatório de que muitos estão solicitando a
Vossa Santidade que suspenda repentinamente nossos importantes trabalhos e inverta a ordem das
discussões, a fim de trazer perante o concílio in loco, abruptamente, antes de seu tempo e fora de seu
lugar, a questão da infalibilidade. Permita-me, Santíssimo Padre, dizer a Vossa Santidade: nada poderia
ser mais perigoso. Esta questão, que já incendiou a Europa, tornar-se-á uma conflagração, se por uma
pressa violenta parecer que a coisa está sendo levada como um ofensiva agressiva. A resposta do papa
foi gentil, mas não tocou no assunto (idem, ibid.).

488
sujeitas a possível correção, por exemplo, por um concílio? Essas declarações são,
portanto, absolutas?1743

No concílio as posições, mesmo entre a maioria, dividiam-se; alguns bispos


sustentavam que a infalibilidade do papa era pessoal e irrestrita, pois ele era inspirado
pelo Espírito Santo, e que não precisava de ajuda para cumprir seu dever de proclamar a
verdadeira doutrina. No entanto, as posições eram as mais variadas, com diferentes
graus de permissão e limitação à autoridade do papa1744. Muitos dos bispos que eram
incluídos entre a maioria mostravam-se dispostos a fazer concessões conciliatórias com
a minoria. Alguns, como o monsenhor Martin John Spalding (1810–1872), de
Baltimore, nos Estados Unidos, sugeriram uma definição indireta, que condenasse, por
exemplo, a pretensão de apelar ao papa em um concílio, ou aceitar uma obediência
externa à autoridade do papa. Outros, como Louis Pie, propuseram evitar a forma de
uma definição dogmática, deixando de apresentar anátemas1745. Contudo, o segmento
mais radicalmente favorável à definição da doutrina, comandado por Manning , era
intransigente sobre a plena infalibilidade do papa1746. Enquanto muitos da minoria
temiam a crescente tendência autoritária da Igreja, precisamente em um século
marcado pela liberdade, o que afastaria muitas almas dispostas, os intransigentes
ultramontanos estavam convencidos de que a proclamação da infalibilidade
contribuiria para a necessária reação contra o “livre exame”, o grande mal do século
XIX; estavam convencidos de que a infalibilidade do papa era uma verdade de fé1747.
No fundo, o que provocava a enorme divisão entre a maioria e a minoria era a visão de
história que embasava cada uma das posições. Para a maioria infalibilista, não havia
qualquer diferença entre passado e presente: a história era meramente humana,
preocupada com o transitório e o contingente; já o passado divinamente inspirado

1743
O’MALLEY, 2018, p. 195. Esta última questão se referia diretamente à galicana declaração Quatre
articles, de 1682, cujo último artigo invocava a falibilidade, afirmando que, embora o papa tenha a parte
principal em questões de fé, e que seus decretos digam respeito a todas as igrejas, e a cada igreja em
particular, seu julgamento não é irreversível, a menos que receba o consentimento da Igreja (idem, ibid.,
p. 26-27 e 195; DUPIN, 1845, p. 106).
1744
O’MALLEY, 2018, p. 196.
1745
AUBERT, 1976b, p. 519.
1746
Manning, que fora um clérigo anglicano, convertera-se ao catolicismo apenas em 1851, seguindo os
passos de John Newman (CHADWICK, 1988, p. 210).
1747
AUBERT, 1976b, p. 524.

489
ensinava o divino e o imutável. Faltava-lhes um senso de desenvolvimento do passado
para o presente. A minoria, por sua vez, estava mais sensível às transformações
provocadas pelo processo histórico. Também tendia a ver a tradição e a história como
inseparáveis e intimamente relacionadas; para os anti-infalibilistas, a tradição incluía
mais do que versos das Escrituras e pronunciamentos de concílios e papas, os quais,
em qualquer caso, tinham de ser interpretados no contexto e de acordo com a forma
como foram recebidos e colocados em prática. A tradição incluía práticas litúrgicas, a
história da recepção das decisões papais e conciliares e, especialmente, as maneiras
costumeiras como a Igreja havia procedido no curso de sua história; a história era uma
fonte de tudo, como afirmou Hefele no concílio1748.

Em 25 de maio, Manning fez o discurso mais aguardado em todo o concílio.


O arcebispo insistiu que a definição da infalibilidade era absolutamente necessária para
reivindicar os direitos da Santa Sé e para confirmar os católicos em sua fé; afirmou que
era perigoso não promulgá-la, especialmente lembrando que, durante os séculos XVII e
XVIII, os galicanos e os febronianos travaram um luta contra o papa, aliando-se a
governantes seculares. Concluiu dizendo: Devo insistir que na prática consistente da
Igreja não se pode encontrar menção dos meios usados ou exigidos pelos pontífices
romanos ou das condições que eles cumpriram ou tiveram de cumprir na definição das
verdades, em condenando erros ou confirmando concílios. Foi ovacionado pelos bispos
da maioria. No mesmo dia, outro inglês, William Clifford, bispo de Clifton, discursou
refutando a ideia de que um decreto sobre a infalibilidade era inoportuno. Insistiu que a
própria experiência na Inglaterra era bem diferente daquela apresentada por Manning;
afirmou que, por mais cuidadoso que fosse o documento conciliar em sua redação, as
pessoas comuns concluiriam que o concílio havia transformado o papa em um déspota.
Afirmou que toda a questão não era clara, e que os oradores a favor da decretação da
infalibilidade estavam divididos sobre a infalibilidade do papa, que tanto poderia ser
distinta ou não da infalibilidade da Igreja, ser ou não ser pessoal, ser absoluta ou
limitada. Poucos dias depois, mostrando estar informado de tudo que se passava no

1748
O’MALLEY, 2018, p. 197. Em resposta a Hefele, o arcebispo de Zaragoza, Manuel García Gil
(1802–1881), afirmou que as Escrituras provavam claramente a doutrina da infalibilidade, e, assim, os

490
concílio, o papa Pio IX fez chegar a Clifford seu descontentamento, advertindo que ele
cometera um grande erro ao afrontar o papa e a Igreja1749. Nas primeiras discussões
efetivas sobre a infalibilidade, a minoria queixou-se de que os três bispos de Roma
representavam não mais do que 700 mil católicos, ao passo que 12 milhões de católicos
da Alemanha foram representados por apenas 14 votos; a Itália estava representada por
122 bispos, ao passo que o restante da Europa por 175. Ketteler, bispo de Mainz e um
dos fundadores do movimento social católico na Alemanha, atacou a forma e a ocasião
da definição, e advertiu os bispos de que sua aprovação representava o estabelecimento
do absolutismo na Igreja. Maret e Strossmayer também fizeram discursos enfáticos
contra a doutrina. Os bispos norte-americanos afirmaram que a adoção da infalibilidade
traria dificuldades quase insuperáveis para a conversão dos protestantes1750. Em 2 de
junho, os presidentes das deputações receberam uma petição assinada por 141 padres
pedindo uma votação sobre o encerramento dos debates, desconsiderando que ainda
havia mais de 50 inscritos para falar. Colocada em votação no dia seguinte, o
encerramento foi aprovado de forma esmagadora. A minoria protestou vendo o fim dos
debates como uma violação da liberdade do concílio. Alegaram que, como o capítulo
havia sido retirado de seu lugar natural no documento maior sobre a Igreja, uma
discussão adequada sobre a infalibilidade, assim destacada, era impossível1751.
Pressionadas, as deputações reabriram a discussão por mais alguns dias.

Em um último esforço de mediação entre os dois lados, em 18 de junho, o


cardeal dominicano Filippo Maria Guidi (1815–1879), de Bolonha, elevado em 1863,
em meados de junho, tido como ligado à maioria, discursou, criticando a infalibilidade,
e disse que o papa deveria consultar os bispos antes de definir para que se pudesse
informar sobre o conteúdo da tradição católica: Se alguém disser que o papa, quando
fala, o faz por sua própria vontade independente da Igreja, e não com o concílio dos
bispos que mostram a tradição de suas igrejas, que seja ele anatematizado1752. Afirmou

argumentos históricos contra ela eram irrelevantes (idem, ibid., p. 202).


1749
Idem, ibid., p. 205.
1750
WOODWARD, 1963, p. 337.
1751
O’MALLEY, 2018, p. 207.
1752
CHADWICK, 1988, p. 210. Prosseguiu Guidi: Na verdade, uma vez que o carisma da infalibilidade
só entra em jogo quando o papa ensina a doutrina tradicional da Igreja, um exame sério da tradição

491
que o papado não dependia necessariamente dos bispos para sua autoridade, mas sim da
tradição milenar da Igreja. Argumentou que a infalibilidade decretada não torna a
pessoa do papa infalível, como se fosse uma qualidade intrínseca a sua pessoa. Usando
uma analogia popular, Guidi aborreceu tremendamente a maioria: Ita ebriosus non
dicitur qui semel aut iterum inebriatur (assim, não se pode chamar de bêbado alguém
que fica embriagado uma ou duas vezes). Concluiu afirmando que a assistência divina é
prometida não à pessoa, mas a um ato; este sim infalível. Portanto, o título do capítulo
deve ser alterado para “De Romani Pontificis Dogmaticarum Definitionum
Infallibilitate” [a infalibilidade do pontífice romano na definição do dogma]; o decreto
deve, portanto, deixar claro que o papa deve consultar os bispos e, portanto, deve
conter as palavras “facta, uti mos est, inquisitio” [depois de devida investigação, como
é o costume]1753. Mais tarde soube-se que Guidi não falava apenas por si, mas em nome
de um grupo de teólogos dominicanos1754. Pio IX, furioso, na mesma tarde chamou
Guidi ao seu gabinete, e acusou o religioso de fazer amizade com os inimigos da Igreja
e de tentar insinuar-se com o governo italiano para ocupar sua sede em Bolonha. O papa
lembrou a Guidi que ele era sua criatura, um frade desconhecido até que o fez cardeal.
Em reação à insistência de Guidi de que, antes de emitir uma definição, o papa deveria
investigar a tradição da Igreja, Pio IX explodiu: La tradizione sono io. Vi faro far
nuovamente la professione di fede (Eu sou a tradição. Obrigar-vos-ei a fazer novamente
a profissão de fé)1755.

deve necessariamente preceder qualquer definição e o meio mais normal para esse exame consiste em
fazer uma investigação de todos os bispos, que são as testemunhas naturais da fé de suas igrejas
(AUBERT, 1976b, p. 540).
1753
O’MALLEY, 2018, p. 211. Após o discurso, um grupo de ultramontanos em Bolonha pediu que o
papa afastasse o cardeal da Sé. Pressionado, ele renunciou ao cargo no ano seguinte, recebeu dois postos
nominais em Roma, e desde então ficou longe dos acontecimentos até sua morte em 1879 (CHADWICK,
1988, p. 211).
1754
Sem exceção, esses teólogos [da ordem dominicana] e outros defenderam veementemente a ideia de
que a preparação adequada era essencial para qualquer definição de fé, da mesma forma que
consideravam a heresia papal uma possibilidade evidente por si mesma. Foram os teólogos da ordem
jesuíta que finalmente descartaram essas “relíquias” de uma longa tradição que havia fundido a
autoridade e a força vinculante do ensino papal com preocupações eclesiológicas mais amplas. A
intervenção do cardeal dominicano Filippo Maria Guidi, que criticou a infalibilidade papal sem certas
condições, foi a última tentativa de orientar a discussão para os teólogos do fim da Idade Média e do
início da modernidade. A rejeição de sua proposta pela maioria dos padres e pelo papa Pio IX mostrou
que uma longa e complexa história da autoridade do magistério papal havia chegado definitivamente ao
fim (HORST, 2006, p. 3).
1755
O’MALLEY, 2018, p. 212; WOODWARD, 1963, p. 335; HOWARD, 2017, p. 150; CHADWICK,
1988, p. 210.

492
A partir de 4 de julho, a deputação responsável pela redação da constituição
apostólica decidiu, por insistência de Martin Spalding, de Baltimore, acrescentar no
capítulo 3 do texto um cânone explicitamente contra Maret, bispo de Sura, que dias
antes havia defendido a tese galicana de que o papa tinha a parte principal, mas não a
plenitude absoluta da autoridade suprema1756. Por unanimidade dos membros da
deputação o texto proclamou: se alguém afirmar que o papa tem simplesmente uma
tarefa de inspeção ou diretiva, e não o poder pleno e supremo de jurisdição sobre toda
a Igreja, no que diz respeito à fé e aos costumes, mas também no que se refere à
disciplina [...] ou que é investido apenas no papel principal e não em toda a plenitude
desse poder supremo; ou que seu poder não é ordinário e direto, tanto em todas as
igrejas individuais, como em todos e em cada fiel e pastor: seja anatemizado1757.

Na mesma sessão, por indicação do bispo de Baltimore, Martin Spalding


decidiu inserir a expressão clássica ex cathedra no capítulo 4, que efetivamente tratava
da infalibilidade, para deixar claro que nem todos os ensinamentos do papa eram
infalíveis, mas apenas aqueles claramente indicados como tal e solenemente
proclamados. Em 9 de julho, o pleno do concílio recebeu o texto final, que conseguiu
desagradar a todos. A maioria queria uma declaração de infalibilidade mais ampla, mas
foi convencida por Manning a votar placet para não atrasar a aprovação final. O
arcebispo de Westminster estava preocupado com o clima político entre a França e a
Prússia, que se deteriorava a cada dia. Por sua vez, os bispos da minoria ficaram
chocados e indignados com o cânone dirigido contra Maret, ressaltando que o anátema
fora acrescentado ao texto sem ter sido discutido1758. Defendendo o texto, Vinzenz
Gasser (1809–1879), bispo do Tirol, argumentou que a infalibilidade papal era pessoal
no sentido de que pertencia a ele como o único sucessor legítimo de Pedro e apenas na
medida em que ele agia como uma pessoa pública, como cabeça da Igreja em seu
relacionamento com a Igreja; ela não era absoluta, porque só Deus possui infalibilidade

1756
O’MALLEY, 2018, p. 214.
1757
IGREJA CATÓLICA, constituição dogmática Pastor Æternus, 1870.
1758
O’MALLEY, 2018, p. 215.

493
absoluta, mas era absoluta dentro dos limites que Cristo estabeleceu para ele. Concluiu
afirmando que os concílios adquiriram seu caráter infalível somente quando foram
aprovados pelo papa1759.

Em 13 de julho, os presidentes das deputações submeteram o texto ao pleno


do concílio, que recebeu 451 votos placet, 62 placet juxta modum e 88 non placet1760. O
grande número de votos non placet e placet juxta modum surpreendeu a quase todos;
um dia antes, Pio IX havia confidenciado a Georges Darboy (1813–1871), arcebispo de
Paris, que ele não esperava mais de dez votos non placet1761. Cerca de um terço dos
bispos presentes em Roma não queria a constituição dogmática como ela estava. Entre
eles estavam três cardeais e muitos dos mais célebres bispos e arcebispos da Igreja
Católica, famosos por sua defesa da Santa Sé ante os questionamentos do mundo
moderno; muitos dos quais queriam apenas garantir que a infalibilidade do papa fosse
colocada no contexto da incapacidade de toda a Igreja de errar1762. No dia 14 de julho, o
papa enviou uma dura nota a Luigi Bilio, exigindo que ao fim do texto, após a definição
da infalibilidade, fosse acrescentada a frase: Portanto, essas definições do romano
pontífice são imutáveis para si mesmas e não para o consentimento da Igreja. Dois dias
depois, mais uma vez a minoria protestou, uma vez que a expressão não constava do
texto aprovado1763. Na começo da noite do dia 17 de julho, um grande número de bispos
da minoria embarcou no trem que saía de Roma para o norte. A decisão de deixar a
cidade e o concílio fora tomada pela manhã, em uma reunião com 61 bispos nos
aposentos de Joseph von Rauscher (1797–1875), arcebispo de Viena, por 36 votos
contra 25 para deixar a cidade. Após a votação, Dupanloup redigiu uma carta a Pio IX

1759
Idem, ibid., p. 216.
1760
O termo placet deriva do verbo latino placeo (agradar) e significa consentir, aprovar; por sua vez
placet juxta modum (não inteiramente aprovado) indica a aprovação com ressalvas, objetivando
modificações pontuais, para que a matéria seja submetida a novo escrutínio; significa sim com
modificações, que equivale a votar um projeto de lei em segunda leitura com a intenção de o modificar
em comissão. Aqueles que votaram assim foram solicitados a enviar sua emenda por escrito, a qual foi
impressa, submetida à deputação e relatada novamente à congregação geral para outra votação
(MANNING, 1877, p. 80).
1761
O’MALLEY, 2018, p. 217.
1762
CHADWICK, 1988, p. 212.
1763
O’MALLEY, 2018, p. 218. A tensão do papa podia ser notada por sua relação como alguns dos
religiosos que mais lhe eram fiéis. Nas últimas semanas do concílio Pio IX entrou em conflito até com os

494
explicando que sua partida se devia à sua incapacidade para palam et in facie patris
dicere non placet (pronunciar non placet abertamente na frente do pai) e às
necessidades de seus rebanhos há muito negligenciados, naquele momento confrontados
com a guerra1764. Os bispos franceses foram os que mais defenderam a saída, pois
temiam que um voto negativo, non placet, provocasse uma reação de seu clero
ultramontano fervoroso, o que tornaria ainda mais difícil administrar suas dioceses1765.
No dia 18, sob uma chuva torrencial, acompanhada por relâmpagos e trovões, que
inundara muitas ruas de Roma, os 533 bispos votaram pela aprovação da constituição
dogmática Pastor Æternus1766. Por intermédio dela, quando o papa falasse ex cathedra
passaria a gozar do princípio da infalibilidade1767. Pio IX e seus sucessores ganhavam
um poder até então inédito na Igreja; curiosamente, o mesmo papa, que tão
veementemente denunciara a democracia como forma de governo, havia recebido sua
infalibilidade com base, mesmo que coagido, no voto conciliar1768. Apenas dois dos
prelados presentes, os bispos Luigi Riccio (1817–1873), de Caiazzo, no sul da Itália, e
Edward Mary Fitzgerald (1833–1907), de Little Rock, no Arkansas, votaram non
placet; ambos estiveram ausentes da reunião do dia anterior e não sabiam da decisão da
minoria de ausentar-se. Além dos bispos minoritários, também foi sentida a total
ausência do corpo diplomático, o que levantou questões sobre as possíveis
consequências políticas da definição, assim como de alguns membros da Cúria1769. O

presidentes que havia escolhido para o concílio, e especialmente com o ex-redator do Syllabus, o cardeal
Bilio (CHADWICK, 1988, p. 212).
1764
HALES, 1954, p. 309.
1765
O’MALLEY, 2018, p. 220.
1766
Para uma análise detalhada do conteúdo teológico da constituição dogmática Pastor Æternus, ver
THEOBALD; SESBOUÉ. La parola della salvezza, XVI-XX secolo: dottrina della Parola di Dio,
Rivelazione, Fede, Scrittura, Tradizione, Magistero (1998).
1767
Por isso nós, apegando-nos à tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus,
nosso Salvador, para exaltação da religião católica, e para a salvação dos povos cristãos, com a
aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o romano
pontífice, quando fala “ex cathedra”, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de
todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à
moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza
daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a
fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do romano pontífice são por si mesmas, e não apenas em
virtude do consenso da Igreja, irreformáveis (IGREJA CATÓLICA, constituição dogmática Pastor
Æternus, 1870).
1768
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. ix.
1769
O’MALLEY, 2018, p. 221. As consequências da aprovação do dogma da infalibilidade, nas palavras
do então cardeal Manning, em 1877: Não se deve, porém, negar que, desde o Concílio do Vaticano,
houve um levante quase universal contra a Igreja Católica. Começou com o partido liberal na Alemanha,
e com os liberais de Berna e Genebra, e com o partido liberal na Bélgica, na Espanha, na França, na
Itália, no Brasil e com alguns que se autodenominam liberais na Inglaterra. Os católicos foram

495
clima da sessão de aprovação da Pastor Æternus foi tenso: três dias antes havia
eclodido a guerra entre a França e a Prússia, e a Roma católica temia por sua sorte1770.

informados de que eram desnacionalizados, que só podiam ser leais à custa de sua religião, que sua
lealdade estava dividida e que dependiam de um chefe estrangeiro. Tudo isso foi dito pelos liberais
(MANNING, 1877, p. 197).
1770
O’MALLEY, 2018, p. 221.

496
CONCLUSÃO

Pio IX prosseguiria ocupando a cadeira de Pedro por mais sete anos, até sua
morte em fevereiro de 1878. Em todos os anos de seu longo pontificado, a aprovação da
constituição Pastor Æternus fora seu momento mais glorioso, que marcaria o próximo
centenário da Santa Sé. Sua visão mística e sua crença desmedida na ação da
Providência davam-lhe a convicção de que fizera o certo para impedir a continuidade
dos erros de seu tempo, e de que sua infalibilidade lhe fornecera armas para prosseguir
sua luta contra os demônios, ímpios, que invadiram e usurparam as possessões da
Igreja, com ousadia iníqua e decididamente sacrílega1771. Aqueles que ousaram
expulsar famílias religiosas de seus claustros, esbanjar os bens da Igreja e perturbar o
principado civil da Santa Sé; aqueles que se esforçaram para ofender e zombar da
veracidade, modéstia, honestidade e virtude, e para zombar e desprezar os Mistérios,
os Sacramentos, os preceitos, as instituições, os ministros sagrados, os ritos, as
cerimônias sacrossantas de nossa divina religião, para [...] abalar e derrubar os
fundamentos da religião e da sociedade civil1772. Graças à autoridade que lhe fora
entregue, satanás não mais iria perturbar as consciências e empurrar os fracos para
abusar e tentar rasgar as vestes de Cristo1773; o demônio que move os espíritos dos
malvados e perversos, que [...] não temem atacar o próprio Rei Senhor Nosso Jesus
Cristo, negando sua divindade com frases insolentes e criminosas, em horrendas
doutrinas que contaminaram o coração dos homens1774. Não há fontes disponíveis que
permitam saber com certeza se, após 18 de julho de 1870, as esperanças de uma nova
era de glória para a Igreja católica inundaram a alma de Pio IX, mas, seja como for, o
momento de júbilo teve curta duração.

Em 4 de agosto, Napoleão III determinou o regresso das tropas que estavam


protegendo Roma; a França, que estava perdendo a guerra com a Prússia e necessitava
cada vez de mais tropas, não podia se dar ao luxo de manter tropas defendendo a Santa

1771
PIO IX, alocução Novos et Ante, 1860.
1772
Idem, ibid.
1773
PIO IX, alocução Iamdudum cernimus, 1861.
1774
Citações de PIO IX, encíclica Quanta Cura, 1864.

497
Sé. Assim, protegendo o que se manteve dos Estados Pontifícios restaram cerca de 18
mil zouaves pontificaux, mal aparelhados para resistir a um confronto direto contra um
exército regular. Nos primeiros dias de setembro, após pouco mais de 45 dias de guerra,
as tropas francesas foram derrotadas em Sedan, e Napoleão III caiu prisioneiro dos
prussianos. Em 4 de setembro, foi proclamada a república na França, pondo fim ao
império e ao último regime que defendia a Roma papal nos campos militar e
diplomático. A queda foi uma senha para que o governo italiano, comandado pelo
liberal Giovanni Lanza (1810–1882), agisse. O primeiro-ministro propôs a ocupação
pacífica de Roma, oferta que o papa recusou. Pio IX acreditava que, uma vez que a
Itália não contava com seus principais líderes revolucionários – Garibaldi e Mazzini –,
as tropas papais poderiam conter qualquer ameaça1775. No dia 20 de setembro as tropas
da Itália derrubaram os últimos focos de resistência dos zouaves, entrando
definitivamente em Roma. Os governos da França, Prússia, Áustria e Grã-Bretanha
pressionaram as autoridades italianas para que não tratassem o papa com crueldade, mas
não fizeram qualquer exortação para que fossem devolvidos à Igreja os bens tomados,
muito menos seu poder temporal. Em protesto, Pio IX enclausurou-se no Vaticano,
como um prisioneiro voluntário, evitando qualquer contato com o novo governo civil da
cidade, que no ano seguinte se tornaria a capital do Reino da Itália1776.

Em 13 de maio de 1871 foi sancionada a Legge detta delle guarentigie (lei


de salvaguardas), aprovadas pelo Parlamento, regulando as relações da Itália com o
papado, que vigoraria até 1929, quando foi assinado o Tratado de Latrão, entre Benito
Mussolini, então chefe do governo italiano, e o papa Pio XI. O texto da Legge, que
reproduzia o projeto de 1860 de Cavour, libera chiesa in libero stato, entre outras
coisas, determinou: a pessoa do Sumo Pontífice era sagrada e inviolável, sendo que o
ataque a ele representaria crime equivalente àquele cometido contra o rei; o papa teria
plena liberdade para exercer todas as funções do seu ministério espiritual; o papado
receberia uma dotação orçamentária anual de três milhões e duzentas mil liras,
permanecendo isento de qualquer imposto ou taxa governamental, municipal ou

1775
HALES, 1954, p. 314. Garibaldi, que havia se desentendido com Vittorio Emanuele II, estava
engajado em luta contra o império na França, ao passo que Mazzini estava preso em Gaeta, após uma
frustrada tentativa de rebelião na Sicília, e seria libertado somente em outubro de 1870.

498
provincial; o papa manteria os palácios do Vaticano, Latrão e Castel Gandolfo, com
todos os edifícios, jardins e terrenos contíguos e dependências; durante a vacância do
cargo, nenhuma autoridade poderia impor limitações ao Colégio de Cardeais; os
religiosos que, por ofício, exercessem atividades em Roma não estariam sujeitos, por
sua causa, a qualquer assédio, investigação ou fiscalização da autoridade pública; os
bispos não seriam obrigados a prestar juramento ao rei, e extinguiu-se o exequatur e o
placet regio, além de qualquer outra forma de consentimento governamental para a
publicação e execução dos atos das autoridades eclesiásticas1777.

***

A Revolução Francesa foi o ponto de inflexão da história, que já vinha


acumulando tensões e questionamentos ao longo de quase três séculos. A Reforma
Protestante fracionou a ideia de que o cristianismo era o caudal único da religiosidade
no mundo ocidental; o Iluminismo rompeu com a verdade revelada, colocando em seu
lugar a razão humana e a ciência; o fortalecimento das igrejas nacionais nos territórios
centrais da Europa mostrou que era possível haver uma Igreja distante do papado em
Roma, mesmo mantendo com ela uma relação de reverência e respeito. Por fim, a
revolução, além de guindar ao poder uma nova classe social, rompeu com o longevo e
estreito vínculo entre a Igreja e o Estado. Além da violência revolucionária sofrida pelos
religiosos católicos, imposta pela revolução propriamente dita e pelas guerras
napoleônicas, a Igreja assisitiu ao início do fim de seu poder temporal sobre os Estados
Pontifícios.

As ameaças reais e imaginárias vividas pela Santa Sé após sua restauração


em 1815 fortaleceram uma tendência daqueles que, tendo vivido a experiência
revolucionária, consideravam tudo o que acontecia no campo não confessional como
ruim e perigoso. Assim, todas as enormes transformações do século XIX pareceram aos

1776
Idem, ibid., p. 317.
1777
ITÁLIA, Legge detta delle guarentigie, 1871.

499
olhos do papado e do episcopado como parte de um grande complô de inimigos da
religião e, mais propriamente, do catolicismo. O assombroso processo de mudanças
políticas, institucionais, jurídicas, econômicas, tecnológicas e, especialmente, sociais foi
visto como ameaça direta contra a autoridade e os poderes espiritual e secular da Igreja,
que se confundiam em virtude de suas possessões territoriais. As instituições liberais, a
ciência, o domínio da natureza prometiam a obtenção da felicidade humana por meio do
uso de sua razão e inteligência; ao contrário, o pensamento católico apresentava um
mundo estático, e cujo fim último do homem era espiritual, e que os infortúnios e as
dores humanas tinham como objetivo preparar os seres para a vida eterna.

A Santa Sé, acuada pelas contingências do tempo, resistiu ao novo mundo


que surgia desde o alvorecer do século XIX, aferrando-se ao pensamento conservador,
muitas vezes reacionário, negando a história. Em outras palavras, fatores históricos, de
natureza perene e irreversível, alargaram o abismo existente entre o mundo moderno e a
Igreja. O clero que ressurge após a restauração em 1815 estava ferido e traumatizado
pela violência vivida durante mais de 20 anos do processo revolucionário. Sua
renovação também havia sido comprometida pelo hiato de uma geração na formação de
novos religiosos. Assim, as primeiras décadas do século viram emergir, entre os
religiosos e leigos, uma vasta gama de intransigentes1778 que se opuseram às
transformações, que podem ser generalizadas na expressão liberalismo. Autores leigos –
como Maistre, Bonald, e Lamennais –, jornais – La Civiltà Cattolica, L’Univers –,
jornalistas – Louis Veuillot –, religiosos – como Prosper Guéranger – e cardeais –
Bartolomeo Pacca, Luigi Lambruschini, Giuseppe Albani, Giulio Maria della Somaglia,
Tommaso Bernetti, Giacomo Antonelli, entre muitos outros – atuaram ativamente no
processo de construção de um ideário conservador, e intransigente, para a Igreja
Católica, cuja base estava localizada na Idade Média para alguns. Todos, auxiliados pela
Inquisição, pelo Index e pela Companhia de Jesus, contribuíram para erigir o
pensamento o qual acreditava que para defender a Igreja era necessário opor-se à
liberdade, à democracia, à constituição, ao parlamento, à tecnologia, isolando-se do

1778
Termo usado por MARTINA (1974, p. l3-14), perfeitamente de acordo com o presente estudo.

500
contato com a sociedade contemporânea, permanecendo ilhado, em um ambiente
estritamente confessional.

As ideias conservadoras, adotadas pelo papado ao longo do século XIX,


após a restauração de 1815, não foram inicialmente geradas no seio da Igreja. Sua
gênese, em grande medida, é encontrada na doutrina contrarrevolucionária desenvolvida
por pensadores monarquistas leigos franceses, chocados com a revolução. Apesar de
seus fundamentos serem estranhos à eclesiologia católica, esses autores foram alçados
ao status semioficial de teólogos católicos, cujas ideias, uma massa confusa de
proposições, foram facilmente adotadas pela Cúria Romana, traumatizada com o
processo revolucionário, e temerosa pela perda de sua soberania secular. Assim, as
teorias legitimistas da monarquia absoluta fundiram-se à concepção supremacista do
papado em uma doutrina que apartou a Igreja Católica de seu tempo e da história, que
enxergava na crítica uma conspiração perene contra o cristianismo. A Santa Sé, ao
contrário do que acontecia nos séculos anteriores, não conseguiu apresentar novos
conhecimentos teológicos ou doutrinais, insistindo apenas na plenitude da autoridade
apostólica.

Poucas vozes no meio religioso, contrárias ao processo vivido pela Igreja,


levantaram-se. Lamennais, em sua segunda fase, Montalembert, Lacordaire, Döllinger,
Sterckx, Newman, Hefele, Maret, todos de alguma forma se opuseram aos rumos
adotados pela Santa Sé, e buscaram estabelecer um diálogo com seu tempo, criando
condições para a adequação da Igreja à história. Sem abandonar alguns dos princípios
basilares do Concílio de Trento, cada um a sua maneira procurou conciliar a fé
tradicional com o novo clima nascido com o Iluminismo, e sua vertente católica, e a
revolução, para construir relações entre a Igreja e a sociedade civil nascente.
Entenderam que o futuro estava vinculado ao liberalismo e à democracia, e que a Igreja
precisava buscar um encontro entre princípios religiosos imutáveis e as novas
circunstâncias históricas e políticas. Compreenderam que a liberdade da Igreja só
poderia ser garantida no mundo contemporâneo se fundeada no princípio da liberdade
geral, e não como uma concessão exclusiva e particular da Igreja. Todos eram católicos

501
honestos e defensores da autoridade do papa sobre a Igreja, mas uma Igreja que
dialogasse com seu tempo. Todos, de variadas formas, foram calados pelo papado. O
estudo desses personagens e de suas obras permite afastar as interpretações correntes
que afirmam que o conservadorismo é uma característica inerente ao pensamento
católico; ao contrário, é possível verificar que, ao mesmo tempo em que a Igreja fazia
opções pelo conservadorismo, havia no mercado de ideias de seu tempo concepções
mais arejadas e reformadoras, mais liberais.

O enfrentamento entre o dogmatismo católico e seu tempo teve seu ponto


máximo de tensão com a explosão do nacionalismo na Irlanda, na Bélgica, na Polônia e,
especialmente, na península italiana. Os movimentos de independência nacional
consolidaram-se após o fim do Absolutismo e o redesenho das fronteiras europeias após
a queda de Napoleão Bonaparte. Povos que, por força das decisões do Congresso de
Viena, viram-se subjugados sob a bandeira de outras nações, procuraram sua
independência e autonomia, reivindicação que, de uma forma geral, não contava com a
simpatia da Santa Sé. O ponto de maior conflito deu-se exatamente na península
italiana, onde os ideais do Risorgimento e a unificação da Itália entraram em choque
direto com o absolutismo papal nos Estados Pontifícios.

Desde o momento em que os exércitos napoleônicos cruzaram os Alpes o


problema central do papado passou a ser a manutenção de sua soberania política e
territorial, assim como de seu poder temporal. Quase todos os temas que atravessaram o
pontificado de seis papas estiveram permeados pela questão da preservação e do
controle de seu território, o que os levou a usar todos os recursos de que dispunham para
manter o poder político. Se, ao longo do século XIX, o questionamento do poder
temporal da Santa Sé esteve sempre em jogo, o mesmo não aconteceu com seu poder
espiritual, muito pouco objetado ao longo do período. A defesa do patrimônio de São
Pedro, associada a medos e angústias despertados por seu tempo, foi o elemento central
para o processo de construção de um catolicismo assentado sobre bases conservadoras;
processo este que foi consolidado durante o pontificado do papa Pio IX.

502
Giovanni Maria Mastai Ferretti, arcebispo de Ímola, um homem
misericordioso e piedoso, mas desprovido de perspicácia e argúcia política, foi colocado
no vórtice de alguns dos acontecimentos mais marcantes do século XIX. A evolução
dos acontecimentos gradativamente fez Pio IX abandonar os laivos liberalizantes do
início de seu pontificado, recrudescendo sua intransigência e levando-o a adotar
posturas claramente conservadoras. A partir de 1850 as energias de seu pontificado
foram dirigidas no sentido da manutenção de seu poder temporal, e para consolidar
entre o episcopado e entre os fiéis católicos uma eclesiologia que legitimava o caráter
confessional da Igreja, sua hierarquia e a autoridade e o poder político do papado. A
conclusão desse processo se deu em dois momentos; 1864 e 1870. O primeiro com a
edição da encíclica Quanta Cura, e de seu apêndice Syllabus Errorum, apresentando
uma tão vasta gama de condenações, que justapunham heresias ao lado de princípios
básicos do liberalismo. O segundo com o Concílio do Vaticano, de forma sem
precedentes totalmente sob controle da Cúria Romana, convocado quase que
exclusivamente para instituir o dogma de infalibilidade; o concílio, aumentando o poder
do pontífice, deu substância ao sonho teocrático que meio século antes fervilhara na
mente dos autores ultramontanos leigos. Expressava a autoridade que descia do Divino,
para construir o centro de uma unidade para toda a humanidade. E representou a peça
central da construção da doutrina conservadora da Igreja; conservadorismo cujo fim se
encerrava em si mesmo, preponderante pelos cem anos seguintes, que adiou a
conciliação da Igreja com o mundo.

503
DOCUMENTOS PONTIFÍCIOS

Papa Gregório VII

Bula Dictatus Papae (1075)

Papa Bonifácio VIII

Bula Unam Sanctam (1302)

Papa Paulo IV

Bula Cum nimis absurdum (14 de julho de 1555)

Papa Bento XIV

Enciclica Ubi primum (3 de dezembro de 1740)

Papa Pio VI

Breve Ubi communis (4 de abril de 1792)

Carta apostólica Populi Cum (13 de abril de 1791)).

Papa Pio VII

Breve Quum memoranda (10 de junho de 1809)

Bula Ecclesiam a Jesu (13 de setembro de 1821)

Papa Leão XII

Encíclica Ubi Primum (5 de maio de 1824)

Bula Quo Graviora (13 de março de 1825)

504
Papa Pio VIII

Encíclica Traditi humilitati (24 de maio de 1829)

Papa Gregório XVI

Epístola Chiamati dalla divina (9 de fevereiro de 1831)

Encíclica Quel Dio (5 de abril de 1831)

Encíclica Cum primum (9 de junho de 1832)

Encíclica Armi valorose (12 de julho de 1831)

Encíclica Mirari vos (15 de julho de 1832)

Encíclica Singulari nos (25 de junho de 1834)

Breve In supremo apostolatus fastigio (3 de dezembro de 1839)

Alocução Haerentem diu (22 de julho de 1842)

Encíclica Inter praecipuas machinationes (8 de maio de 1844)

Papa Pio IX

Encíclica Qui pluribus (9 de novembro de 1846)

Proclamação Romani, e quanti (14 de março de 1848)

Decreto Nelle istituzioni (14 de março de 1848)

Alocução Non semel (29 de abril de 1848)

Proclamação Da questa pacifica (1º de janeiro de 1849)

Encíclica Ubi primum (2 de fevereiro de 1849)

Alocução Quibus, quantisque (20 de abril de 1849)

Encíclica Inter multiplices (21 de março de 1853)

Bula Ineffabilis Deus (8 de dezembro de 1854)

Encíclica Cum Saepe (26 de julho de 1855)

Encíclica Nullis certe verbis (19 de janeiro de 1860)

505
Alocução Novos et Ante (28 de setembro de 1860)

Alocução Iamdudum cernimus (18 de março de 1861)

Alocução Maxima quidem (9 de junho de 1862)

Encíclica Quanta Cura / Syllabus Errorum (8 de dezembro de 1864)

Carta apostólica Æterni Patris (29 de junho de 1868)

Carta apostólica Iam vos omnes (13 de setembro de 1868)

Constituição pontifícia Multiplices inter (8 de dezembro de 1869)

Constituição dogmática Dei filius (24 de abril de 1870)

Constituição dogmática Pastor Æternus (18 de julho de 1870)1779

1779
Rigorosamente as constituições dogmáticas Dei filius e Pastor Æternus não podem ser creditadas ao
papa Pio IX, uma vez que foram aprovadas durante o Concílio do Vaticano, em 1870.

506
REFERÊNCIAS

ACTON. John Emerich. Selections from the correspondence of the first Lord Acton, v.
1. Londres : Longmans, Green and Co., 1917.

ADAIR-TOTEFF, Christopher. Fundamental concepts in Max Weber’s Sociology of


Religion. New York : Palgrave Macmillan, 2015.

ALADEL, Jean Marie. The miraculous medal : its origin, history, circulation, results.
Philadelphia, PA : H. L. Kilner & Co, 1880.

ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos. São Paulo : Paulus, 2015.

ALLEN, J. W. A history of political thought in the sixteenth century (1928). Londres :


Methuen & Co., 1977.

ALMOND, Philip C. The antichrist : a new biography. New York : Cambridge


University Press, 2020.

ANQUETIL, Louis-Pierre. Histoire de France depuis la mort de Louis XVI jusqu’au


traité de paix du 20 novembre 1815, 2nd ed, t. 4ème. Paris : Administration des
Libraries, 1845.

ARMENTEROS, Carolina. “Epilogue: the forced inhabitant of history”. In:


ARMENTEROS, Carolina; LEBRUN, RICHARD A. (Ed). The New enfant du
siècle : Joseph de Maistre as a Writer. St Andrews (Sld) : University of St Andrews,
2010, p. 99-110.

____________. “Hugues-Félicité Robert de Lamennais (1782-1854) : lost sheep of the


religious enlightenment”. In: BURSON, Jeffrey D; LEHNER, Ulrich (Ed).
Enlightenment and catholicism in Europe : a transnational history. Notre Dame, IN:
University of Notre Dame Press, 2014b, p. 147-166.

____________. “Joseph de Maistre (1753-1821) : heir of the enlightenment, enemy of


revolutions, and spiritual progressivist”. In: BURSON, Jeffrey D; LEHNER, Ulrich
(Ed). Enlightenment and Catholicism in Europe : a transnational history. Notre
Dame, IN: University of Notre Dame Press, 2014a, p. 127-145.

____________. The french ideia of history : Joseph de Maistre and his heirs (1795-
1854). Ithaca, NY : Cornell University Press, 2011.

ARMSTRONG, Karen. Em nome de Deus : o fundamentalismo no judaísmo, no


cristianismo e no islamismo. São Paulo : Companhia das Letras, 2009.

ARX Jefrey Von (Org). Varieties of ultramontanism-catholic. Lanham, MD : The


University of America Press, 1997.

507
AUBERT, Roger. Il pontificato di Pio IX (1846-1878). Col. Storia della chiesa, vol.
XXI/1. Torino : Editrice S.A.I.E., 1976a.

____________. Il pontificato di Pio IX (1846-1878). Col. Storia della chiesa, vol.


XXI/2. Torino : Editrice S.A.I.E., 1976b.

____________. Vatican I. Paris ; Éditions de l’Orante, 1964.

BAKER, Keith Michael. Inventing the French Revolution : essays on french political
culture in the eighteenth century. New York : Cambridge University Press, 1990.

BARKER, Peter; GOLDSTEIN, Bernard R. “Theological Foundations of Kepler’s


Astronomy”. In: BROOKE, John Hedley; OSLER, Margaret J.; MEER, Jitse M. van
der (Ed). Science in theistic contexts, cognitive dimensions. Ithaca, NY : Cornell
University Press, 2001, v. 16, p. 88-113.

BARRUEL, Augustin. Memorie per servire alla storia del giacobinismo. Napoli, IT : “a
spese della società editrice”, 1850.

BARTH, Hans. The idea of order : contributions to a philosophy of polítics. Dordrecht


(NL) : D. Reidel Publishing Company, 1960.

BATTAGLIA, Antonello. “The Holy See and the Crimean Crisis (1853-1856) : the
menacing Savoy’s expansionism”. In: Mediterranean Journal of Social Sciences,
vol. 3 (8), apr 2012, p. 51-54. Roma : Mediterranean Center of Social and
Educational Research, 2012. Disponível em: <
<https://www.richtmann.org/journal/index.php/mjss/article/view/11236>. AScsso
em 25 jul 2021.

BATTELLI, Giuseppe. Società, Stato e Chiesa in Itália : dal tardo settecento a oggi.
Roma : Carocci Editore, 2013.

BAUMGARTEN, Frederic J. Behind locked doors : a history of the papal elections.


New York : Palgrave Macmillan, 2003.

BAX, Ernest Belfort. Jean-Paul Marat : the people’s friend. Londres : Covent Garden,
1900, edição sem paginação. Disponível em:
<https://www.marxists.org/archive/bax/1900/marat/index.htm>. Acesso em 18 jul
2020.

BEACON FOR FREEDOM OF EXPRESSION, International Bibliographical


Database About Censorship. Oslo (NOR) : National Library of Norway, s.d.
Disponível em: <http://www.beaconforfreedom.org/index.html>. Acesso em: 11 ago
2020.

BECK, Henry GJ “Honorius I”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New Catholic
Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of America,
2003, v. 7, p. 79-82.

508
BENIMELI, José A. Ferrer. “Freemasonry and the Catholic Church”. In BOGDAN,
Henrik; SNOEK, Jan A.M. (Eds). Handbook of Freemasonry. Leiden (NL) : Brill,
2014, p. 139-154.

BERGERON, Katherine. Decadent Enchantments : the revival of gregorian chant at


Solesmes. Oakland, CA : University of California Press, 1998.

BERLIN, Isaiah. The crooked timber of humanity : chapters in the history of ideas.
Princeton, NJ : Princeton University Press, 2013, 2ª ed.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar a aventura da modernidade.


São Paulo : Companhia das Letras, 1986.

BERTAUD, Jean-Paul. The army of the French Revolution : from citizen soldiers to
instrument of power. Princeton, NJ : Princeton University Press, 1988.

BERTELLONI, Francisco. “Quando a política começa a ser ciência (Antecedentes


históricos e requisitos científicos da teoria política nos séculos XIII e XIV)”. In:
Analytica. Revista de Filosofia. Rio de Janeiro : UFRJ, 2005, v. 9, n. 1, p. 13-38.

BIANCHI, Gioroio. “Reação”. In: BOBBIO, Norberto et al. (Ed). Dicionário de


Política. Brasília : Editora UnB, 1998, p. 1073-1074.

BÍBLIA. A Bíblia de Jerusalém. São Paulo : Paulus, 2002.

BLAIZE, Ange. Essai biographique sur M.F. de La Mennais. Paris : Garnier Frères,
Libraires-Editeurs, 1858.

BONALD, M de. Du divorce, considéré au XIXe siècle relativement a l’etat domestique


du divorce, et a l’état public de société. Paris : Chez Adrien Le Cler, 1805.

____________. Œuvres complètes, v. 3. Paris : J.P. Migne Éditeur, 1859.

____________. Théorie du pouvoir politique & religieux dans la société civile


démontrée par le raisonnement et par l’histoire (1796). Paris : Librairie Bloud et
Barral, 1880.

BONAZZI, Tiziano. “Conservadorismo”. In: BOBBIO, Norberto et al. (Ed). Dicionário


de Política. Brasília : Editora UnB, 1998, p. 242-246.

BOSSUET, Jacques Bénigne. Discours sur l’histoire universelle a monseigneur le


dauphIn : pour expliquer la suite de la religion, & les changemens des empires
(1681). Lyon (FR) : J.B.Kindelem. 1813.

BOUCHER D’ARGIS, Antoine-Gaspard. "Law of nature, or Natural law”. In: The


Encyclopedia of Diderot & d’Alembert Collaborative Translation Project. Ann
Arbor, MI : University of Michigan Library, 2002. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/2027/spo.did2222.0000.021>. Acesso em 03 jan 2021.

509
BOUDENS, Robrecht Maurits. “Lamennais, Hugues Félicité Robert de. In:
MARTHALER, Berard L. (Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed.
Washington, DC : Gale-The Catholic University of America, 2003, v. 8, p. 308-310.

BOUDINHON, Auguste. “In Petto”. In. CHARLES G. Herbermann (Ed. et al.). The
Catholic Encyclopedia. New York : The Encyclopedia Press, 1913. Disponível em:
<https://en.wikisource.org/wiki/Catholic_Encyclopedia_(1913)/In_Petto>. Acesso
em 13/03/2021.

BOUDON, Jacques-Olivier. La France et l’Europe de Napoléon. Paris : Armand Colin


Éditeur, 2016, e-book.

BOUDOU, Adrien. Le Saint-Siège et la Russie : leurs relations diplomatiques au XIXe


siècle. Paris : Plon-Nouhrit et Cie, Imphimeurs-Éditeurs, 1922.

BOURGEOIS, Emile. Rome et Napoléon III (1849-1870) : étude sur les origines et la
chute du Second Empire. Paris : Librairie Armand Colin, 1907.

BOUTARD, Charles. Lamennais, sa vie et ses doctrines, t. 1 : La renaissance de


l’ultramontanisme (1782 - 1828). Paris : Librairie Académique Perrin et Cie, 1905.

____________. Lamennais, sa vie et ses doctrines, t. 2 : Le catholicisme libéral (1828-


1834). Paris : Librairie Académique Perrin et Cie, 1908.

BRANDÃO, Ricardo E.; COSTA, Marcos R.N. “Agostinismo político : a apropriação


dos textos agostinianos no De ecclesiastica potestate de Egídio Romano”. In:
Perspectiva Filosófica. Recife : UFPE, v. 2, nº 40, 2013, p. 99-115.

BRANDES, George. Main Currents In Ninteenth Century Literature, v. III : the


reaction in France. New York : The Macmillan Company, 1903.

BRAUNSCHWEIG-WOLFENBÜTTEL, Karl Wilhelm Ferdinand von. Manifeste de


Brunswick, 1792. Disponível em:
<https://fr.wikisource.org/wiki/Manifeste_de_Brunswick>. Acesso em 18 jul 2020.

BRODERICK, John Francis; LAPOMARDA, Vincent Anthony. “Jesuits”. In:


MARTHALER, Berard L. (Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed.
Washington, DC : Gale-The Catholic University of America, 2003, v. 7, p. 779-795.

BURKE, Edmund. Reflections on the Revolution in France (1790). Londres : The


Temple Press Letchworth, 1951.

BURR, George. “How the Middle Ages got their name”. In: The American Historical
Review. New York : Oxford University Press, 1915, v. XX, n. 4, p. 813-814.

BURSON, Jeffrey D. “The Catholic Enlightenment in France from the fin de siècle
crisis of consciousness to the Revolution, 1650-1789”. In: PRINTY, Michael;
LEHNER. Ulrich L. (Ed) A Companion to the Catholic Enlightenment in Europe.
Leiden (NL) : Brill, 2010, p. 63-125.

510
BURSON, Jeffrey D; LEHNER, Ulrich (Ed). Enlightenment and Catholicism in Europe
: a transnational history. Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press, 2014b, p.
147-166.

CAGE, E. Claire. Unnatural Frenchmen : the politics of priestly celibacy and marriage,
1720-1815. Charlottesville, VA : University of Virginia Press, 2015.

CANALS VIDAL, Francisco. Cristianismo y Revolución : los orígenes románticos del


Cristianismo de izquierdas (1956). Madri : Speiro, 1986.

CANNING, Joseph. A history of medieval political thought 300-1450. New York :


Routledge, 2003.

CÁRCEL ORTÍ, Vicente. Pío IX : pastor universal de la Iglesia. Valencia (ES) : Edicep
C.B. 2000.

CARROLL, Eamon R. “Devotion to Mary, Blessed Virgin”. In: MARTHALER, Berard


L. (Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The
Catholic University of America, 2003,v. 9. p. 266-271.

CASEY, Thomas Francis. “Della Somaglia, Giulio Maria”. In: MARTHALER, Berard
L. (Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The
Catholic University of America, 2003, v. 4, p. 632.

____________. “St. Bernadette Soubirous”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The


New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University
of America, 2003, v. 13, p 331-332.

CATÀ, Cesare. “Nicholas of Cusa and the European Art of fifteenth Century”. In
BrepolsOnline. Turnhout (BE) : Brepols Publishers, v. 39, n. 1, 2008, p. 285-305.

CESARE, Raffaele de. The last days of Papal Rome, 1850-1870. Londres : Archibald
Constable and Company, 1909.

CHADWICK, Owen. A History of the Popes - 1830-1914 (Col. Oxford History of the
Christian Church). New York : Clarendon Press, 1998.

____________. The Popes and European Revolution (Col. Oxford History of the
Christian Church). New York : Clarendon Press, 1981.

____________. The Secularization of the European Mind in the Nineteenth. New York :
Cambridge University Press, 1975.

CHAMBERS, D. S. Popes, Cardinals and War : the military church in Renaissance and
early modern Europe. Londres : I.B.Tauris, 2006.

CHÂTELLIER, Louis. “Christianity and the rise of science, 1660-1815”. In: BROWN,
Stewart J.; TACKETT, Timothy (Ed). Enlightenment, Reawakening and Revolution
1660-1815 (Cambridge History of Christianity), v. 7. New York : Cambridge
University Press, 2008, p. 251-264.

511
CHISHOLM, Hugh (Ed). “Lamennais, Hugues Félicité Robert de”. In Encyclopædia
Britannica, 11.ª ed., vol, 16. 1911, p. 124-126. Disponível em:
<https://en.wikisource.org/wiki/1911_Encyclop%C3%A6dia_Britannica/Lamennais,
_Hugues_F%C3%A9licit%C3%A9_Robert_de> Acesso em 25 set 2020.

CIORAN, Emil. M. “Ensayo sobre el pensamiento reaccionario (A propósito de Joseph


de Maistre)”. In: CIORAN, Emil. M. Ejercicios de admiración y otros textos :
ensayos y retratos. Barcelona : Tusquets editores, 1995, 2ª ed, p. 3-62.

CIVILTÀ CATTOLICA. Memorie della Primo quadriennio (1850-53). Roma : Civiltà


Cattolica, 1854.

COELHO JUNIOR, Nelson, Ernesto. “Prefácio”. In: DAL MOLIN, Eugênio Canesin.
O terceiro tempo do trauma : Freud, Ferenczi e o desenho de um conceito. São
Paulo : Perspectiva/Fapesp, 2016.

COGNET, Louis Jean, “Unigenitus”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New
Catholic Encyclopedia, 2nd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, v. 14, p. 301-302.

COHEN, Hendrik Floris. “The onset of the Scientific Revolution : three near-
simultaneous transformations”. In ANSTEY. Peter R.; SCHUSTER, John A. (Ed).
The Science of Nature in the Seventeenth Century. Dordrecht (NL) : Springer, 2005,
p. 9-33.

____________. How modern science came into the world : four civilizations, one 17th-
century breakthrough. Amsterdam (NL) : Amsterdam University Press, 2010.

COHEN, Stanley. Folk devils and moral panics : the creation of the Mods and Rockers.
New York : Routledge, 2002.

COLE, William Joseph. “Spiritual maternity of Mary. In: MARTHALER, Berard L.


(Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic
University of America, 2003,v. 9. p. 264-266.

COLLINS. Collins Dictionary. Londres, s.d. Disponível em:


<https://www.collinsdictionary.com/dictionary/english>. Acesso em 12 dez 2020.

COLLOMB, Olivier, “Quatre articles, Déclaration des (1682)”. In. Encyclopædia


Universalis France. Diponível em
<http://www.universalis.fr/encyclopedie/declaration-des-quatre-articles/>. Acesso
em 22 out 2020.

CONNOLLY, Thomas Kevin. “Quietism”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The


New Catholic Encyclopedia, 2nd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic
University of America, 2003, v. 11, p. 866-867.

COPPA, Frank J. “Cardinal Antonelli, the Papal States, and the Counter-Risorgimento”.
In Journal of Church and State, n. 16, 1974, p. 454-471. Oxford, UK : Oxford
University Press, 1974.

512
____________. Cardinal Giacomo Antonelli and papal politics in European affairs.
Albany, NY : State University of New York, 1990.

COSENTINI, John Walter. “Fénelon, François de Salignac de la Mothe”. In:


MARTHALER, Berard L. (Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2nd Ed.
Washington, DC : Gale-The Catholic University of America, 2003, v. 5, p. 681-683.

CROCE, Benedetto. History as the story of liberty. Londres : George Allen and Unwin
Limited, 1941.

D’ALEMBERT, Jean le Rond. Discours préliminaire de l’Encyclopédie (1751). Paris :


eBooksLib, 2002.

DAVIES, Peter. The extreme right in France, 1789 to the present : from de Maistre to
Le Pen. New York : Routledge, 2002.

DESAN, Suzanne. “French Revolution and religion, 1795-1815”. In: BROWN, Stewart
J.; TACKETT, Timothy (Ed). Enlightenment, Reawakening and Revolution 1660-
1815, Cambridge History of Christianity, v. 7. New York : Cambridge University
Press, 2008, p. 556-574.

DESCARTES, René. Discourse of the method of correctly conducting ones reason and
seeking truth in the sciences. New York : Oxford University Press, 2006.

DÖLLINGER, Johann Joseph Ignaz von. The pope and the council. New York :
Scribner, Welford and Com., 1869.

DOYLE, William. The Oxford history of the French Revolution. New York : Oxford
University Press, 2002.

DUCEY, William Michael. “Guéranger, Prosper”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed).


The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic
University of America, 2003, V. 6. p. 557.

DUDON, Paul (1859-1941). Lamennais et le Saint-Siège, 1820-1834 : d’après des


documents inédits et les archives du Vatican. Paris : Librairie Académique Perrin et
Cie, 1911.

DUFFY, Eamon. Saints and Sinners : a history of the popes. New Haven, CT : Yale
University Press, 2014.

DUPANLOUP, Félix. “Observations sur la controverse soulevée relativement a la


définition de l'infallibilité au prochain concile”. In: CECCONI, Eugenio. Histoire du
Concile du Vatican : d'après les documents originaux, t. IV. Paris : Victor Lecoffre,
1887, p. 430-484.

____________. La convention du 15 septembre et l’encyclique du 8 décembre. Paris :


Charles Douniol, 1865.

513
DUPIN, M. Manuel du Droit Public Ecclésiastique Français, 4me éd. Paris : Videcoq
Père et Fils, 1845.

DWYER, Philip. Citizen Emperor : Napoleon in power. New Haven, CT : Yale


University Press, 2013.

EBERHARDT, Newman Charles. “Vincentians”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed).


The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic
University of America, 2003, v. 14, p. 525-529.

ELIAS. Norbert. The Civilizing Process : sociogenetic and psychogenetic


investigations. Malden, MA : Blackwell Publishing (2000).

ENGLAND, John; READ, William George. Letters of the Late Bishop England to the
Hon. John Forsyth, on the subject of domestic slavery. Baltimore, MD : John
Murphy, 1844.

ESPINOSA, Baruch de. Tratado teológico-político (1670). Lisboa : Imprensa:


Nacional-Casa da Moeda, 2004.

FAGUET, Emile. Politiques et moralistes du dix-neuvième sīècle, première série. Paris :


Lecène, Oudin et Cie, Éditeurs, 1891.

FALCONI, Leonardo. Le syllabus pontifical ou réfutation des erreurs qui y sont


condamnées. Paris : Société générale de librairie catholique, 1876.

FANNING, William Henry Windsor, “Chapter”. In. CHARLES G. Herbermann (Ed. et


al.). The Catholic Encyclopedia. New York : The Encyclopedia Press, 1913.
Disponível em:
<https://en.wikisource.org/wiki/Catholic_Encyclopedia_(1913)/Chapter>. Acesso
em: 01/03/2021.

FARINI, Luigi Carlo. The Roman State from 1815 to 1850, v. I. Londres : John Murray,
1851.

FEINGOLD, Mordechai. Jesuit Science and the Republic of Letters. Cambridge, MA :


MIT Press, 2002.

FERGUSON, Niall. The House of Rothschild, the world’s banker, v. 2 (1849-1998).


New York : Penguin Books, 2000.

FORRESTAL, Alison. Fathers, Pastors and Kings : visions of episcopacy in


seventeenth-century France. Manchester (GB) : Manchester University Press, 2004.

FRANÇA. “Bienheureux Martyrs des Carmes”. Paris : Conference des évéques de


France, s.d. Disponível em: <https://nominis.cef.fr/contenus/saint/1784/Saints-
Martyrs-de-Septembre.html>. Acesso em 22 jul 2020.

____________. Décret du 20 septembre 1792. Disponível em:


<https://fr.wikisource.org/wiki/D%C3%A9cret_du_20_septembre_1792_qui_d%C3

514
%A9termine_le_mode_de_constater_l%E2%80%99%C3%A9tat_civil_des_citoyens
#:~:text=Le%20d%C3%A9cret%20du%2020%20septembre,registres%20de%20bap
t%C3%AAmes%2C%20mariages%20et>.

FRANZEN, August. A history of the church. New Your : Herder and Herder, 1969.

FRAYSSINOUS, Denis. Les vrais principes de l’Église gallicane. 2nd Ed. Paris. Adrien
le Clere, 1818, p. 80-82.

GAUKROGER, Stephen. Descartes : an intellectual biography. New York : Oxford


University Press-Clarendon, 1997.

GAUTHIER, Florence. “The French Revolution : revolution of the rights of man and
the citizen”. In: HAYNES, Mike; WOLFREYS, Jim (Eds). History and revolution :
refuting revisionism. Londres : Verso, 2007.

GAY, Peter. The enlightenment, an interpretation, vol. I : the rise of modern paganism.
New York : Alfred A. Knopf, 1966.

____________. The enlightenment, an interpretation, vol. II : the science of freedom.


New York : Alfred A. Knopf, 1977.

GIGLIO, Vittorio. I fasti del cinquantanove : ricordi civili e militari. Milão (IT) : F.
Vallardi, 1912.

GILLETT, Henry Martin, “La Salette”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New
Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, v. 8, p. 337.

GILLEY, Sheridan. “The papacy”. In: GILLEEY, Sheridan; STANLEY, Brian (Eds.)
World Christianities c.1815-c.1914, Cambridge History of Christianity, v. 8. New
York : Cambridge University Press, 2006, p. 13-29.

GILSON, Etienne. Elements of Christian Philosophy. New York : Doubleday &


Company, Inc., 1960.

GILSON, Etienne. The Christian Philosophy of Saint Augustine. New York : Random
House-Vintage Books, 1967.

GLAUDES, Pierre. “Joseph de Maistre, letter writer”. In: ARMENTEROS, Carolina;


LEBRUN, RICHARD A. (Ed). The New enfant du siècle : Joseph de Maistre as a
writer. St Andrews (Sld) : University of St Andrews, 2010, p. 47-74.

GOMES, Antonio Maspoli de Araújo. “Melhor que o Mel, só o céu” : trauma


intergeracional, complexo cultural e resiliência na diáspora africana : um estudo de
caso do Quilombo do Mel da Pedreira, em Macapá, AP. 2016. Tese (Doutorado)–
Departamento de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2016.

515
GOODE, Erich; e BEN-YEHUDA, Nachman. “Grounding and defending the sociology
of moral panic”. In HIER, Sean P. (Ed). Moral Panic and the Politics of Anxiety.
New York : Routledge, 2011, p. 20-36.

GOUDRIAAN, Aza. “Descartes, Cartesianism, and Early Modern Theology”. In:


LEHNER, Ulrich L. MULLER, Richard A.; ROEBERT, A.G. Roeber (Ed). The
Oxford Handbook of Early Modern Theology, 1600-1800. New York : Oxford
University Press, 2015, p. 1-20, e-book.

GOUGH, Austin, Paris and Rome : les catholiques français e le pape au XIXe siècle.
Paris : Les Éditions de l’Atelier/Éditions Ouvrières, 1996.

GRAFTON, Charles Chapman; ROGERS, Benjamin Talbot (org). The works of the Rt.
Rev. Charles C. Grafton, v. 6. New York : Longmans, Green, and Co, 1914.

GRANDERATH, Theodor. Histoire du Concile du Vatican : depuis sa première


annonce jusqu’a sa prorogation; tome premier, préliminaires du concile. Bruxelas :
Librairie Albert Dewit, 1907.

____________. Histoire du Concile du Vatican : depuis sa première annonce jusqu'a sa


prorogation, d'après les documents authentiques; tome seconde, part 1 : depuis sa
premiere annonce jusqu'a sa prorogation. Bruxelas Bruxelles : Librairie Albert
Dewit, 1908.

GREGÓRIO VII. Dictatus Papae, 1075. Disponivel em:


<<https://pt.wikisource.org/wiki/Dictatus_Papae>. Acesso em 14 dez 2020.

GRES-GAYER, Jacques M. "Ultramontanism”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The


New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University
of America, 2003, v. 14, p. 283-286.

____________; BERTHELOT DU CHESNAY, Charles. “Gallicanism”. In:


MARTHALER, Berard L. (Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2nd Ed.
Washington, DC : Gale-The Catholic University of America, 2003, v. 6, p. 73-78.

____________.; TINSLEY, Lucy. “Bossuet, Jacques Bénigne”. In: MARTHALER,


Berard L. (Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2nd Ed. Washington, DC : Gale-
The Catholic University of America, 2003, v. 2, p. 548-551.

GREYERZ, Kaspar von. Religion and Culture in early modern Europe, 1500-1800.
New York : Oxford University Press, 2008.

GUÉRONNIÈRE, Arthur de la. La France, Rome et l’Italie. Paris : E. Dentu, Libraire


Éditeur, 1861.

____________. Le pape et le congrès. Paris : E. Dentu, Libraire Éditeur, 1859.

GUIANNATALE, Fabio Di. “Il, ‘Vicesatana’ Mazzini e la Civiltà Cattolica : aspetti


dell’intransigentismo risorgimentale”. In: Storia e Politica, a. IV, n. 2, Maggio-
Agosto 2012, p. 269-290. Palermo (IT) : Università degli Studi di Palermo, 2012.

516
HALES, E. E. Y. “The first Vatican Council”. In: CUMING, G.J.; BAKER, Derek
(Ed). Councils and assemblies. New York : Cambridge University Press, 1971, p.
330-345.

____________. Pio Nono : a study in european politics and religion in the nineteenth
century. New York : P. J. Kenedy & Sons, 1954.

____________. The Catholic Church in the modern world : a survey from the French
Revolution to the present. New York : Image Books, 1960.

HANNAY, David McDowall. “French Revolutionary Wars”. In: CHISHOLM, Hugh


(Ed). Encyclopædia Britannica, 11.ª ed., vol, 11. 1911, p. 171. Disponível em:
<https://en.wikisource.org/wiki/1911_Encyclop%C3%A6dia_Britannica/French_Re
volutionary_Wars> Acesso em 16 jul 2020.

HAURANNE, Prosper Duvergier de. Histoire du gouvernement parlementaire en


France, 1814-1848 : précédée d’une introduction, tome huitième. Paris : Michel
Lévy Frères, Libraires Éditeurs 1867.

HAYNES, Mike; WOLFREYS, Jim (Ed). History and Revolution : refuting


revisionism. Londres : Verso, 2007.

HEDLEY, Douglas. “Theology and the revolt against the Enlightenment”. In:
GILLEEY, Sheridan; STANLEY, Brian (Eds.) World Christianities c.1815-c.1914,
Cambridge History of Christianity, v. 8. New York : Cambridge University Press,
2006, p. 30-52.

HEGEL, Eduard. “Enlightenment”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New


Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, v. 5, p. 254-259.

HENRY, John. “Early Modern Theology and Science”. In: In: LEHNER, Ulrich L.
MULLER, Richard A.; ROEBERT, A.G. Roeber (Ed). The Oxford Handbook of
early modern theology, 1600-1800. New York : Oxford University Press, 2015, p. 1-
20, e-book.

HIER, Sean P. “Introduction : bringing moral panic studies into focus”. In HIER, Sean
P. (Ed). Moral Panic and the Politics of Anxiety. New York : Routledge, 2011, p. 1-
19.

HIRSCHBERGER, Johannes. “German Enlightenment”. In: MARTHALER, Berard L.


(Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic
University of America, 2003, v. 5, p. 262-264.

HOBBES, Thomas. Leviathan (1651). New York : Oxford University Press, 1909.

HOBSBAWM, Eric. The Age of Revolution (1962). New York : Vintage Books, 1996.

HOLT, Mack P. The French Wars of Religion 1562-1629. New York : Cambridge
University Press, 2005.

517
HORST, Ulrich, The Dominicans and the Pope : papal teaching authority in the
medieval and early modern tradition. Notre Dame, IN: University of Notre Dame
Press, 2006.

HOWARD, Thomas Albert - The Pope and the professor : Pius IX, Ignaz von
Döllinger, and the quandary of the Modern Age. Oxfordshire (GB) : Oxford
University Press. p. 2017.

HÜBNER, Joseph Alexander. Une année de ma vie, 1848-1849. Paris : Hachette et Cie,
1891.

HUNT, Margaret R. The middling sort : commerce, gender, and the family in England,
1680-1780. Oakland, CA : University of California Press, 1996.

HUTTON, Arthur Wollaston. “Newman, Francis William”. In: CHISHOLM, Hugh


(Ed). Encyclopædia Britannica, 11.ª ed., vol, 19. 1911, p. 517-520. Disponível em:
<https://en.wikisource.org/wiki/1911_Encyclop%C3%A6dia_Britannica/Newman,_
John_Henry> Acesso em 26 set 2021.

IGNATIUS, Dirvin, Joseph. “St. Catherine Labouré”. In: MARTHALER, Berard L.


(Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic
University of America, 2003, v. 8, p. 275-276.

IGREJA CATÓLICA. Catalogo alfabetico di tutti i padri del Concilio Iº Ecumenico


Vaticano. Roma : Osservatore Romano, 1870

____________. Documentos Pontifícios. Disponível em: <https://w2.vatican.va>.

____________. Dogmatic canons and decrees : authorized translations of the dogmatic


decrees of the Council of Trent, the decree on the Immaculate Conception, the
Syllabus of Pope Pius IX, and the decrees of the Vatican Council. New York :
Devin-Adair Company, 1919.

____________. Norms regarding the manner of proceeding in the discernment of


presumed apparitions or revelations. Vaticano : Congregação Sagrada para a
Doutrina da Fé, 1978. Disponível em:
<https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith
_doc_19780225_norme-apparizioni_en.html>. Acesso em 19 jun 2021.

____________. Raccolta di concordati su materie ecclesiastiche tra la Santa Sede e le


autorità civili. Copilazione di Angelo Mercati. Roma : Tip. Poliglotta Vaticana,
1919.

ISRAEL, Jonathan I. “Spinoza, Locke and the Enlightenment battle for toleration”. In:
GRELL, Ole Peter; PORTER, Roy (Ed). Toleration in Enlightenment Europe. New
York : Cambridge University Press, 2000, p. 102-113.

____________. Democratic Enlightenment : philosophy, revolution, and human rights,


1750-1790. New York : Oxford University Press, 2011.

518
____________. Enlightenment contested : philosophy, modernity, and the emancipation
of man, 1670-1752. New York : Oxford University Press, 2006.

____________. Radical Enlightenment : philosophy and the making of modernity,


1650-1750. New York : Oxford University Press, 2001.

ITÁLIA. Legge detta delle guarentigie. De 13 de maio de 1871. Disponível em:


<<https://www.150anni.it/webi/_file/documenti/risorgimento/chiesareligione/nuovai
taliaechiesacattolica/guarentigie/guarentigie01.pdf> Acesso em 7 de janeiro de
2022.

____________. Legislazione : Archivio di Diritto e Storia Costituzionali. Turim :


Università di Torino, 2010. Disponível em: <http://dircost.di.unito.it/index.shtml>.
Acesso em 22 jul 2021.

JACOB, Margaret C. “The Enlightenment critique of Christianity”. In: BROWN,


Stewart J.; TACKETT, Timothy (Ed). Enlightenment, Reawakening and Revolution
1660-1815, Cambridge History of Christianity, v. 7. New York : Cambridge
University Press, 2008, p. 265-282.

JÁSZI, Oszkár. The dissolution of the Habsburg monarchy. Chicago, IL : University of


Chicago Press, 1929.

JEDIN, Hubert; DOLAN, John (Eds). History of the church, v. 7 : the Church between
Revolution and Restoration. New York : The Crossroad Publishing Company,
1981a.

____________. History of the church, v. 8 : the Church in the age of liberalism. New
York : The Crossroad Publishing Company, 1981b.

JEMOLO, A. C. Church and State in Italy (1850-1950). Malden, MA : Blackwell


Publishing, 1960.

JENSEN, Oskar Cox. Napoleon and British Song, 1797-1822. New York : Palgrave
Macmillan, 2015.

JOES, Anthony James. Resisting rebellion : the history and politics of


counterinsurgency. Lexington, KY : The University Press of Kentucky, 2004.

JOSEPHSON-STORM, Jason A. The Myth of Disenchantment : magic, modernity, and


the birth of the human sciences. Chicago, IL : University of Chicago Press, 2017.

KERTZER, David I. The Kidnapping of Edgardo Mortara. New York : Alfred A.


Knopf, Random House, Inc, 1997, e-book.

____________. The popes against the jews : the Vatican’s role in the rise of modern
anti-semitism. New York : Vintage Books, 2002.

519
KETTLER, David; MEJA, Volker; STEHR, Nico. “Introduction : the design of
conservatism”. In: MANNHEIM, Karl. Conservatism : a contribution to the
sociology of knowledge. New York : Routledge & Kegan Paul, 1986.

KITCHEN, Martin. A history of modern Germany (1800-2000). Malden, MA :


Blackwell Publishing, 2006.

KNECHT, Robert. French religious wars (1562-1598). Oxford (GB) : Osprey


Publishing, 2002.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado : contribuição à semântica dos tempos


históricos. Rio de Janeiro : Contraponto / Ed. PUC-Rio, 2006.

KÜNG, Hans. Infalible? Una pregunta. Buenos Aires : Herder editorial y librería, 1971.

L’UNIVERS, ed. 29 jan 1860, a. 28, p. 1. In: Gallica. Paris : Bibliothèque Nationale de
France, 2021. Disponível em: <https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6972757>.
Acesso em 28 jul 2021.

LACORDAIRE, Henri-Dominique. Considérations sur le système philosophique de M.


de La Mennais : suivies de la Lettre sur le Saint-Siége et d’un mémoire pour le
rétablissement en France de l’Ordre des Frères Prêcheurs. Louvain (BE), Chez C. J.
Fonteyn, Libraire- Éditeur, 1847.

LAGRÉE, Michel. Religião e tecnologia : a benção de Prometeu. Bauru : EDUSC,


2002.

LAMENNAIS, Félicité Robert de. De la religion consideree dans ses rapports avec
l’ordre politique et civil. Paris : Bureau du Mémorial Catholique, 1826.

____________. Des progrès de la révolution et de la guerre contre l’église. Paris :


Librairie Classique-Élémentaire et Catholique, 1829.

____________. Difesa del Saggio sull’indifferenza in materia di religione (1817).


Modena (IT) : G. Vincenzi e Compagno, 1824.

____________. Essai sur l’indifférence en matière de religion, t. II (1819). Paris :


Garnier Frères, Libraires-Éditeurs, 1859.

____________. Essay on indifference in matters of religion, t. I (1817). Londres : John


Macqueen, 1895.

____________. Œuvres complètes de F. de La Mennais, t. VI : Reflexions sur l’etat de


l’eglise en France pendant le XVIIie siècle, et sur sa situation actuelle, suivies de
mélanges religieux et philosophiques. Paris : Paul Daubrée et Cie Éditeurs, 1836a.

____________. Œuvres complètes de F. de La Mennais, t. VIII : mélanges religieux et


philosophiques. Paris : Paul Daubrée et Cie Éditeurs, 1836b.

____________. Paroles d’un croyant (1834). Paris : Bibliothèque National, 1877.

520
____________. Tradition de l’église sur l’institution des évêques (1814). Bruxelas (BE)
: Demengeot et Goodman, Libraires-Éditeurs, 1830.

____________; BLAIZE, Ange (org). Œuvres inédites, t.1er, correspondance. Paris : E.


Dentu, Éditeur, 1866a.

____________; BLAIZE, Ange (org). Œuvres inédites, t.2nd, correspondance. Paris : E.


Dentu, Éditeur, 1866b.

____________; FORGUES, Emile Daurand (org), Œuvres posthumes de F. Lamennais


: correspondance, v. II. Paris : Librairie Académique Didier et Cie, Libraires-
Éditeurs, 1863.

____________; FORGUES, Emile Daurand (org). Correspondance inédite entre


Lamennais et le Baron de Vitrolles. Paris : G. Charpentier et Cie Éditeurs, 1886.

____________; NOVACCO, Domenico (org). Scritti Poolitici. Turim (IT) : Unione


Tipografico-Editrice Torinese, 1964.

LARKIN, Emmet. “Cardinal Paul Cullen”. In: ARX Jefrey Von (Org). Varieties of
Ultramontanism-Catholic. Lanham, MD : The University of America Press, 1997, p.
61-84.

LASKI, Harold Joseph. Authority in the Modern State. New Haven, CT : Yale
University Press, 1919.

____________. Studies in the problem of sovereignty. New Haven, CT, Yale University
Press, 1917.

____________. The rise of European Liberalism. Londres : George Allen & Unwin Ltd,
1936.

LATREILLE, André. “French Revoltuion”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The


New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University
of America, 2003, v. 5, p. 969-977.

LATREILLE, Camille. Joseph de Maistre et la papauté. Paris : Librairie Hachette et


Cie. 1906.

LAUER, Rosemary Zita. “Encyclopedists”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The


New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University
of America, 2003, v. 5, p. 208-201.

____________. “Freethinkers”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New Catholic


Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of America,
2003, v. 5, p. 966-969.

____________. “Philosophy of Enlightenment”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed).


The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic
University of America, 2003, v. 5, p. 259-262.

521
LAWLOR, Mary. “Cult of Goddess of Reason”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed).
The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic
University of America, 2003, v. 11, p. 945-946.

____________. “Cult of the Supreme Being”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The
New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University
of America, 2003, v. 13, p. 626.

____________. “Mártires:de Valenciennes”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The


New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University
of America, 2003, v. 14, p. 371.

____________. “Theophilanthropy”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New


Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, v. 13, p. 930.

LE GOFF, Jacques. A história deve ser dividida em pedaços? São Paulo : Editora
Unesp, 2015.

LEBRUN, Richard A. “Introduction: assessing Maistre’s style and rhetoric”. In:


ARMENTEROS, Carolina; LEBRUN, RICHARD A. (Ed). The New enfant du
siècle : Joseph de Maistre as a writer. St Andrews (Sld) : University of St Andrews,
2010a, p. 1-18.

____________. “Introdution”. In: LEBRUN, Richard A. (Ed). Joseph de Maistre’s life,


thought, and influence : selected studies. Montreal : McGill-Queen’s University
Press, 2001, p. 3-13.

____________. “Joseph de Maistre as pamphleteer” In: ARMENTEROS, Carolina;


LEBRUN, RICHARD A. (Ed). The New enfant du siècle : Joseph de Maistre as a
writer. St Andrews (Sld) : University of St Andrews, 2010b, p. 19-46.

LECANUET, Edouard, Montalembert, t. 3 (1850-1870), L’Église et le Second Empire.


Paris : Poussielgue, 1905.

LEFÈBVRE, Georges. La Grande Peur de 1789 : les foules révolutionnaires. Paris,


Armand Colin, 1988.

____________. Napoleon. New York : Routledge, 2011.

____________. The French Revolution : from its origins to 1793. New York :
Routledge, 2005.

LEFLON, Jean Adolphe Marie. “Concordat of 1801 (France)”. In: MARTHALER,


Berard L. (Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The
Catholic University of America, 2003, V. 4. p. 61-63.

____________. “Pacca, Bartolomeo” In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New


Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, v. 10, p. 739.

522
LEHNER, Ulrich L. “The many faces of the Catholic Enlightenment”. In: PRINTY,
Michael; LEHNER. Ulrich L. (Ed) A Companion to the Catholic Enlightenment in
Europe. Leiden (NL) : Brill, 2010, p. 1-61.

____________. Enlightened Monks : the german benedictines 1740-1803. New York :


Oxford University Press, 2011.

____________. The Catholic Enlightenment : the forgotten history of a global


movement. New York : Oxford University Press, 2016, e-book.

LENNON, Thomas M. “The cartesian dialectic of creation“. In: GARBER, Daniel;


AYERS, Michael (Ed). The Cambridge History of Seventeenth-Century Philosophy,
v. I. New York : Cambridge University Press, 1998, p. 331-362.

LÉVY, Michel Louis. “La Révolution de la famille”. In: Population & Société, n. 240,
nov 1989, n.p. Paris : l’lnstitut National d’Etudes Démographiques, 1989.
Disponível em:
<https://www.ined.fr/fichier/s_rubrique/18939/pop_et_soc_francais_240.fr.pdf>.
Acesso em 22 jul 2020.

LINTON, Marisa. "The Terror in the French Revolution", 2012. Londres : Kingston
University, s.p. Disponível em:
<https://www.yumpu.com/en/document/read/21330785/12-the-terror-in-the-french-
revolution-dr-marisa-linton-kingston->. Acesso em 28 jan 2022.

LOCKE, John. Second treatise of government and a letter concerning toleration. New
York : Oxford University Press, 2016.

LOUTCHISKY, Ivan Vasilevich. Quelques remarques sur la vente des biens nationaux.
Paris : Librairie Ancienne Honoré Champion, 1913.

LOVEJOY, Arthur O. The great chain of Being : a study of the history of an idea
(1936). Cambridge, MA : Harvard University Press, 2001.

LUKÁCS, Georg. A Destruição da Razão. São Paulo : Instituto Lukács, 2020.

MACCAFFREY, James. History of the catholic church from the Renaissance to the
French Revolution, v. 1. Dublini (IR) : M.H. Gill, 1914 (fac-símile).

____________. History of the catholic church in the nineteenth century (1789-1908), v.


1. Dublini (IR) : M.H. Gill, 1910.

MACHEREY, Pierre. "Le positivisme entre révolution et contre-révolution: Comte et


Maistre". In: Revue de Synthèse. Paris : Editions Lavoisier, v. 112, jan 1991, p. 41-
47. Disponível em: <https://rdcu.be/b7mx9>.Acesso em 17 set 2020.

MACKAY, Christopher S. The hammer of witches : a complete translation of the


Malleus Maleficarum. New York, 2009.

523
MAISTRE, Joseph de. Considérations sur la France (1797). Paris : J. B. Pélagaud,
Imprimeur - Libraire, 1862.

____________. Examen de la philosophie de Bacon : ou l’on traite différentes questions


de philosophie rationnelle. Suivi de l’ouvrage de Plutarque sur les délais de la justice
divine dans la punition des coupables (1836). Bruxelas (BE) : Société Nationale
Pour la Propagation des Bons Livres, 1844.

____________. The pope; considered in his relations with the church, temporal
sovereignties, separated churches, and the cause of civilization (1819). New York :
Howard Fertig, 1975.

____________. Against Rousseau : “On the State of Nature” and “On the Sovereignty
of the People” (1795). Montreal (CA) : McGill-Queen’s University Press, 1996.

____________. Essai sur le principe générateur des constitutions politiques et des


autres institutions humaines (1814). Lyon (FR) : Chez M. P. Rusand, Imprimeur
Libraire, 1833.

____________. Les Soirées de Saint-Pétersbourg (extraits); Traité sur les sacrifices


(1821). Paris : Ed. Mignot, 1912.

MANNHEIM, Karl. Conservatism : a contribution to the sociology of knowledge


(1925). New York : Routledge & Kegan Paul, 1986.

MANNING, Henry Edward. The true story of the Vatican Council. Londres : Henry S.
King, 1877.

MARECHAL, Christian. La jeunesse de La Mennais : contribution à l’étude des


origines du romantisme religieux en France au XIXe siècle d’après de documents
nouveaux et inédits. Paris : Librairie Académique Perrin et Cie, 1913.

MARSHALL, John. John Locke : resistance, religion and responsibility. New York :
Cambridge University Press, 1994.

MARTENS, Georg Friedrich von (1756-1821) Recueil de traités : nouveau recueil de


traités depuis 1808-1817, t. II (1820). Paris : A. Gottingue, 1887.

MARTIN, Federick. The ststesman’s year-book. Londres : MacMillan and Co. 1876.

MARTINA, Giacomo. La Iglesia de Lutero a Nuestros Dias (vol. 3). Madrid :


Ediciones Cristiandad, 1974.

____________. Storia della Chiesa da Lutero ai nostri giorni (vol. 3): l’età del
liberalismo. Brescia (IT) : Morcelliana Editore, 1995.

____________. Storia della Chiesa da Lutero ai nostri giorni (vol. 2): l’età del
assolutismo. Brescia (IT) : Morcelliana Editore, 1994.

524
MATHIEZ, Albert; LEFEBVRE, Georges. La Rivoluzione Francese (vol.1). Torino
(IT) : Giulio Einaudi Editore, 1960.

MATTEUCCI, Nicola. “Liberalismo”. In: BOBBIO, Norberto et al. (Ed). Dicionário de


Política. Brasília : Editora UnB, 1998, p. 686-705.

MAYOL DE LUPÉ, Marie E. La captivité de Pie VII d’aprés des documents inédits.
Paris : Emile-Paul Frères, Éditeurs, 1916.

MCCABE, Joseph. A Candid History of the Jesuits. Londres : Eveleigh Nash, 1913.

MCKENNA, Stephen Joseph. “Pelagius and Pelagianism”. In: MARTHALER, Berard


L. (Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The
Catholic University of America, 2003, v. 11, p. 60-63.

MCMAHON, Thomas Francis. “Indifferentism”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed).


The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic
University of America, 2003, v. 7, p. 421-422.

MENOZZI, Daniele. “Ça chiesa Cattolica”. In FILORAMO, G; MENOZZI, D. (Ed).


Storia del cristianesimo, vol. 1 : L’età contemporanea. Roma : Editori Laterza,
1997, p. 131-261.

METTERNICH, Clemens Fürst von. Mémoires, documents et écrits divers, t. 2nd. Paris :
E. Plon et Cie Imprimeurs-Éditeurs, 1881a.

____________. Mémoires, documents et écrits divers, t. 3eme. Paris : E. Plon et Cie


Imprimeurs-Éditeurs, 1881b.

____________. Mémoires, documents et écrits divers, t. 8eme. Paris : E. Plon et Cie


Imprimeurs-Éditeurs, 1884.

____________. Mémoires, documents et écrits divers, t. 4eme. Paris : E. Plon et Cie


Imprimeurs-Éditeurs, 1881c.

____________. Mémoires, documents et écrits divers, t. 5eme. Paris : E. Plon et Cie


Imprimeurs-Éditeurs, 1882.

____________. Mémoires, documents et écrits divers, t. 7eme. Paris : E. Plon et Cie


Imprimeurs-Éditeurs, 1883.

MILANI, Giuliano. “Ghibellini e guelfi in itália”. In: Enciclopedia Italiana. Roma :


Istituto della Enciclopedia Italiana, 2005. Disponível em:
<https://www.treccani.it/enciclopedia/ghibellini-e-guelfi-in-
italia_%28Federiciana%29/ Vincenzo Gioberti >. Acesso em: 13 abr 2021.

MINGHETTI, Marco. Miei ricordi, v. 1. Torino , IT : L. Roux e C. Editori, 1889.

525
MIRANDA, Salvador. The Cardinals of the Holy Roman Church. Florida (US) :
International University Libraries, 2021. Disponível em:
<https://cardinals.fiu.edu/cardinals.htm>. Acesso em 10/03/2021.

MOLAC, Philippe. “Saint-Sulpice en France entre Révolution et Restauration”. In


Compagnie des prêtres de Saint-Sulpice. Paris : 05 jul 2013. Disponível em:
<https://www.generalsaintsulpice.org/fr/spiritualite/saint-sulpice-dans-l-
histoire/222-saint-sulpice-en-france-entre-revolution-et-restauration>. Acesso em 20
jul 2020.

MONSAGRATI, Giuseppe. Roma senza il papa : la Repubblica romana del 1849.


Roma : Laterza, 2019.

MONTALEMBERT, Charles Forbes de. Discours, t. 3 (1848-1863). Paris : V. Lecoffre,


1892.

____________. L’ église libre dans l’état libre : discours prononcés au congrès


catholique de Malines. Paris : Ch. Douniol, 1863.

MONTOR, Alexis-François Artaud de. Histoire du pape Pie VIII. Paris : Librairie
d’Adrien le Clere et Cie, 1844.

MOODY, Joseph Nestor (Ed). “Church and state” In: MARTHALER, Berard L. (Ed).
The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic
University of America, 2003, v. 3, p. 630-643.

MORAES SILVA, Antonio de. Diccionario a Lingua Portugueza. Lisboa : Typografia


de Joaquim Germano de Souza Neves, Editor, 1878.

MORDEK, Hubert. “Dictatus Papæ e Proprie Autctoritates Apostolice Sedis - Intorno


all’idea del primato pontificio di Gregorio VII”. In: Rivista di Storia della Chiesa in
Itália, ano XXVIII, n° 1, jan-jun 1974, p. 1-22. Disponível em: <https://www.mgh-
bibliothek.de/dokumente/a/a060266.pdf>, acesso em 11 dez 2020.

MOTHER OF ALL PEOPLES. “The Immaculate Conception and the Co-redemptrix”.


In: Mother of All Peoples, s.d, s.p. Disponível em:
<https://www.motherofallpeoples.com/post/the-immaculate-conception-and-the-co-
redemptrix>. Acesso em 01 jul 2021.

NASH, Peter Whitwell, “Giles of Rome”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New
Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, V. 6. p. 220-221.

NETTO, Leila Escorsim, O conservadorismo clássico : elementos de caracterização e


crítica. São Paulo : Cortez Editora, 2011.

NEWTON, Isaac. The principia : mathematical principles of natural philosophy (1687).


Oakland, CA : University of California Press, 1999.

526
NIPPERDEY, Thomas. Religion im Umbruch : Deutschland 1870-1918. München : C.
H. Beck Verlagsbuchhandlung, 1988.

NISBET, Robert A. Conservadurismo (1986). Madrid : Alianza Editorial, 1995.

____________. Conservatism : dream and reality (1986). New York : Routledge, 2002.

O’HIGGINS, James S. J. Anthony Collins : the man and his works. The Hague (NL) :
Martinus Nijhoff, I970.

O’KEEFFE, Robert. Ultramontanism versus civil and religious liberty. Dublin (IE) :
Hodges, Foster, & Co., 1875.

O’MALLEY, John W. History of the Popes. Lanham, MD : Rowman & Littlefield


Publishers, Inc., 2010a.

____________. Vatican I : the council and the making of the ultramontane church.
Londres : Harvard University Press, 2018.

____________. What happened at Vatican II. Londres : Harvard University Press,


2010b.

OAKESHOTT, Michael. Rationalism in politics and other essays. Londres : Methuen &
Co Ltd, 1962.

OAKLEY, Francis. The Conciliarist Tradition : constitutionalism in the Catholic


Church (1300-1870). New York : Oxford University Press, 2003.

OLLIVIER, Émile. L’Église et l’État au concile du Vatican, t. 1er. Paris : Arnier Frères,
Libraires-Éditeurs, 1879.

OMODEO, Adolfo. Un Reazionario : il conte J. De Maistre. Bari (IT) : Gius. Laterza &
Figli, 1939.

ORSI, Pietro. Cavour and the making of modern Italy (1810-1861). New York : G.P.
Putnam’s sons, 1914.

ORTEGA Y GASSET, José. The revolt of the masses. Nova York : W.W. Norton &
Company Inc, 1932.

OWENS, Louis Gerard. “Monothelitism”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New
Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, v. 9, p 816-817.

OZMENT, Steven E. The age of reform (1250-1550). New Haven, CT : Yale University
Press, 1980.

PALMER, R.R. Twelve Who Ruled : the year of the terror in the French Revolution
(1941). Princeton, NJ : Princeton University Press, 2005.

527
PÁSZTOR, Lajos. “Lambruschini, Luigi”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New
Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, v. 8, p. 307-308.

PHILLIPS, Henry. Church and culture in seventeenth-century France. New York :


Cambridge University Press, 2002.

PIANCIOLA, Cesare. “socialismo”. In: BOBBIO, Norberto et al. (Ed). Dicionário de


Política, v. 1. Brasília : Editora UnB, 1998, p. 1196-1202.

PILBEAM, Pamela M. The French Revolution of 1830. New York : Palgrave


Macmillan, 1991.

PIOLA, Andrea. La questione romana nella storia e nel diritto. Padova (IT) : Casa
Editrice Dott. Antonio Milani, 1931.

PIRIE, Valérie. The Triple Crown : an account of the papal conclaves from the fifteenth
century to the present day. New York : G. P. Putnam’s Sons, 1936. Disponível em:
<http://www.pickle-publishing.com/papers/triple-crown-contents.htm>. Acesso em
01/03/2021.

POPKIN, Jeremy D. Press, Revolution, and social identities in France (1830-1835).


State College, PA : Pennsylvania State University, 2002.

POPKIN, Richard H. “Foreword: The Leiden Seminar”. In. BERTI, Silvia; CHARLES-
DAUBERT, Françoise; POPKIN, Richard H. (Ed). Heterodoxy, Spinozism, and free
thought in earl y eighteenth-century Europe : studies on the Traite des Trois
Imposteurs. The Hague (NL) : Springer-Science+Business Media, 1996, p. vii-xix.

PORTALIS, Jean-Étienne-Marie. Motifs et discours prononcés lors de la publication du


code civil (1801). Bordeaux (FR) : Éditions Confluences, 2004.

POSNER, Gerald. God’s bankers : a history of money and power at the Vatican. New
York : Simon & Schuster, 2015.

POWELL, James M. “Innocent III, Pope”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New
Catholic Encyclopedia, 2nd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, v. 7, p. 470-473.

PRANCHERE, Jean-Yves. “Joseph de Maistre’s Catholic Philosophy of Authority”. In:


LEBRUN, Richard A. (Ed). Joseph de Maistre’s life, thought, and influence :
selected studies. Montreal : McGill-Queen’s University Press, 2001, p. 131-150.

PRICE, Munro. The Road from Versailles : Louis XVI, Marie Antoinette, and the fall of
the french monarchy. New York : St. Martin’s Griffin, 2004, e-book.

PRICE, Roger. Napoleon III and the Second Empire. New York : Routledge, 2001.

____________. Religious Renewal in France (1789-1870) : the Roman Catholic Church


between catastrophe and triumph. New York : Palgrave Macmillan, 2018.

528
____________. The Church and the State in France (1789-1870) : fear of God is the
basis of social order. New York : Palgrave Macmillan, 2017.

RAMOS, Alice M. Dynamic Transcendentals : truth, goodness, and beauty from a


thomistic perspective. Washington, DC, The Catholic University of America Press,
2012.

REINERMAN, Alan. “Metternich and the Papal Condemnation, 1821”. In: Catholic
Historical Review. Washington, DC : Catholic University of America Press, 1968, v.
54-1, p. 55-69. Disponível em: <https://fdocuments.net/download/metternich-and-
the-papal-condemnation-of-the-carbonari-1821> Acesso em 02 set 2020.

RIBALLIER, Louis. 1830. Paris : Nouvelle Librarie Nationale, 1911.

RIBERI, Mario, “Un penalista giacobino: Michel le Peletier de Saint-fargeau. appunti


per una ricerca storico-giuridica”. In: Rivista di storia del Diritto italiano. Roma :
Fondazione Sergio Mochi Onory, a. v. 85, p. 299-353, 2012. Disponível em:
<https://www.academia.edu/7719373>. Acesso em 20 jul 2020.

ROBERTS, William. “Napoleon, the Concordat of 1801, and Its consequences”. In:
COPPA, Frank J. (Ed). Controversial concordats : the Vatican’s relations with
Napoleon, Mussolini, and Hitler. Whasington, DC : The Catholic University of
America Press, 1999, p. 14-80.

ROBIN, Corey. The Reactionary Mind : conservatism from Edmund Burke to Donald
Trump. New York : Oxford University Press : 2018.

ROBINSON, James Harvey. Readings In European History, volume i : from the


breaking up of the Roman Empire to the protestant revolt. Boston, MA : Ginn and
Company, 1904.

ROCHECHOUART, Louis Victor Léon. Souvenirs sur la révolution : l’empire et la


restauration. Paris : Librairie Plon, 1892.

ROCK, Augustine. “Schrader, Klemens”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New
Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, v. 1, p. 786.

____________. “Schrader, Klemens”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New


Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, v. 12, p. 786.

ROHLOFF, Amanda. “Shifting the focus?: moral panics as civilizing and decivilizing
processes”. In HIER, Sean P. (Ed). Moral Panic and the politics of anxiety. New
York : Routledge, 2011, p. 71-85.

ROTA, Pietro. Il Sillabo di Pio IX. Milão : Scuola Cattolica, 1884.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du contrat social (1762). Paris : Ancienne Librairie


Germer Bailliere et Cie, 1896.

529
____________. The first and second discourses, together with the Replies to critics and
Essay on the origin of languages(1755). New York : Harper & Row, Publishers,
1990.

____________. The social contract and discourses. Londres : J. M. Dent & Sons Ltd,
1947.

SÄGMÜLLER, Johannes Baptist. "Right of Exclusion". In: The Catholic Encyclopedia,


vol. 5. New York : Robert Appleton Company, 1909. Disponível em:
<http://www.newadvent.org/cathen/05677b.htm>. Acesso em 14/03/2021.

SARLIN, Simon. “Arming the People against Revolution: royalist popular militias in
restoration Europe”. In: Varia Historia. Belo Horizonte : UFMG, 2019, v. 35, n. 67,
p.177-208. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/0104-
87752019000100007>.Acesso em 03 sete 2020.

SCANNELL, Thomas. "Jean-Baptiste-Henri Dominique Lacordaire." The Catholic


Encyclopedia, vol. 8. New York : Robert Appleton Company, 1910. Disponível em:
<http://www.newadvent.org/cathen/08733a.htm>. Acesso em 24/03/2021.

SCHAMA, Simon. Citizens : a chronicle of the French Revolution. New York : Alfred
A. Knopf, 1989.

SCHMITT, Carl. Constitutional Theory (1928) Londres : Duke University Press, 2008.

____________. Political theology : four chapters on the concept of Sovereignty (1922).


Chicago, IL : University of Chicago Press, 2005.

SCOTT, Ivan. The Roman Question and the powers (1848-1865). The Hague (NL) :
Springer-Science+Business Media, 1969.

SECHER, Reynald - A French genocide : the Vendée. Notre-Dame, IN: University of


Notre-Dame Press, 2003.

SHAY, Mary Lucille. “Sanfedists”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New
Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, v. 12, p. 666.

SHEA, John Gilmary. The life of Pope Pius IX and the great events in the history of the
church during his pontificate. New York : Thomas Kelly, 1877.

SHELDRAKE, Philip. A Brief History of Spirituality. Malden, MA : Blackwell


Publishing, 2007.

SHEPPARD, James Andrew. “Gregory X, Pope, BL”. In: MARTHALER, Berard L.


(Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic
University of America, 2003, v. 6, p. 498-499.

SINGER, Thomas. “The cultural complex and archetypal defenses of the group spirit:
Baby Zeus, Ellian Gonzales, Constantine’s Sword, and other holy wars (with special

530
attention to the axis of evil)”. In: SINGER, Thomas; KIMBLES, Samuel L. The
Cultural Complex: contemporary jungian perspectives on psyche and society. New
York : Brunner-Routledge,Taylor, Francis Group, 2004. p. 13-35.

SMITH, Denis Mack. The Making of Italy (1796-1866). New York : Palgrave
Macmillan, 1988.

SOARES, Jorge Miguel Acosta. “O revisionismo histórico e a perversão do futuro”. In:


Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura, Ano XVII, n. 66, mai-ago 2021, p.
40-58.

SPADA, Giuseppe. Storia della rivoluzione di Roma e della restaurazione del governo
pontificio dal I giugno 1846 al 15 luglio 1849, v. primo. Florença (IT), Casa
Bonaini, 1868.

SPULLER, Eugène. Lamennais : étude d’histoire politique et religieuse. Paris :


Librairie Hachette, 1892.

SUNDBERG JR. Albert C. “Canon Muratori: a fourth-century list”. In Harvard


Theological Review. New York : Cambridge University Press, 2000.v. 66, n. 1, jan
1973, p. 1-41.

SUTHERLAND, John. “Fanny Hill: why would anyone ban the racy novel about ‘a
woman of pleasure’?”. In The Guardian, 14 Aug 2017. Disponível em:
<https://www.theguardian.com/books/shortcuts/2017/aug/14/fanny-hill-ban-
university-racy-novel-woman-pleasure?>. Acesso em 31 jul 2020.

SUTTLE, Gary. Joseph Raphson (1648-1715). Visalia, CA : Universal Pantheist


Society, 2002. Disponível em: <http://naturepantheist.org/raph-son.html>. Acesso
em 30 jul 2020.

SYKES, Norman. “Religion and the relations of churches and states”. In: BURY, J.P.T.
(Ed). The New Cambridge Modern History, v.10 : The zenith of european power
(1830-70). Cambridge (UK) : The University Press, 1922, p. 76-103.

TACKETT, Timothy. “Rumor and Revolution: The Case of the September Massacres”.
In. French History and Civilization. Paris : George Rudé Society, v. 4, p. 54–64,
2011. Disponível em: <https://h-france.net/rude/wp-
content/uploads/2017/08/TackettVol4.pdf>. Acesso em 18 jul 2020.

____________. The Coming of the Terror in the French Revolution Cambridge, MA :


Harvard University Press, 2015.

THAVIS, John M. “La Civiltà Cattolica”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The New
Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University of
America, 2003, v. 3, p. 757-758.

THAYER, William Roscoe. The life and times of Cavour, v. 1 e 2. Boston, MA :


Houghton Mifflin Company. 1911.

531
THEOBALD, Christoph. A Recepção do Concílio do Vaticano II : vol 1, Acesso à
fonte. São Leopoldo : Editora Unisinos, 2009.

____________; SESBOÜÉ, Bernard. La parola della salvezza, XVI-XX secolo : dottrina


della parola di Dio, rivelazione, fede, scrittura, tradizione, magistero. Col. Storia dei
Dogmi. Casale Monferrato (IT) : Edizioni Piemme, 1998.

THOMAS, Jules. Le concordat de 1516, ses origines, son histoire au XVIe siècle. Paris :
Librairie Alphonse Picard et Fils, 1910.

TIERNEY, Brian “History of Conciliarism”. In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The


New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University
of America, 2003,, v. 4, pp. 53-56.

____________. “The Continuity of Papal Political Theory in the Thirteenth Century.


Some Methodological Considerations”. In: Mediaeval Studies, v. 27. Toronto (CA) :
Pontifical Institute of Mediaeval Studies, 1965, p. 227-245.

____________. Foundations of the Conciliar Theory : the contribution of the medieval


canonists from gratian to the great schism. New York : Cambridge University Press,
1968.

TUCK, Richard. “The institutional setting”. In: GARBER, Daniel; AYERS, Michael
(Ed). The Cambridge History of Seventeenth-Century Philosophy, v. I. New York :
Cambridge University Press, 1998, p. 9-32.

TURNER, Ralph. Magna Carta. Edimburgo (Sld) : Longman, 2003.

UDIAS, Augustin. Searching the heavens and the earth : the history of jesuit
observatories. Berlim : Springer, 2003.

VAN DOREN, R; GUSMER, C. W. (Ed). “Liturgical year in Roman rite”. In:


MARTHALER, Berard L. (Ed). The New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed.
Washington, DC : Gale-The Catholic University of America, 2003, v. 8, p. 716-722.

VAN KRIEKEN, Robert. Norbert Elias. New York : Routledge, 1998.

VAN LIERDE, Peter Canisius. "Consistory". In: MARTHALER, Berard L. (Ed). The
New Catholic Encyclopedia, 2sd Ed. Washington, DC : Gale-The Catholic University
of America, 2003, v. 4, p.465-466.

VENTURA DE RAULICA, Gioacchino. Orazione funebre in lode del santissimo padre


Pio VII. Florença (IT) : Giuseppe Montomolli, 1824.

VIAENE, Vincent. “Nineteenth-Century Catholic Internationalism and Its


Predecessors”. In GREEN, Abigail; VIAENE, Vincent (Ed). Religious
Internationals in the Modern World : globalization and faith communities since
1750. New York : Palgrave Macmillan, 2012, p. 82-110.

532
VIALAY, Amédée. La vente des biens nationaux pendant la révolution française :
étude législative, économique et sociale. Paris : Librairie Académique Perrin et Cie,
1908.

VILANOVA, Evangelista. Historia de la Teología Cristiana. Tercer Tomo. Siglos


XVIII, XIX y XX. Barcelona : Editorial Herder, 1992.

VOLTAIRE. Candide, or all for the best (1759). Ontario (CA) : Broadview Editions,
2009.

VOVELLE, Michel. The Revolution against the Church : from Reason to the Supreme
Being. Columbus, OH : Ohio State University Press, 1991.

WALLACE, Peter G. The Long European Reformation : Religion, Political Conflict


and the Search for Confirmity (1350-1750). New York : Palgrave Macmillan, 2004.

WALTER, Ferdinandus. Fontes iuris ecclesiastici antiqui et hodierni. Bonnay (FR): A.


Marcum, 1862.

WALTER, Henriette. Le Français dans tous les sens. Paris : Éditions Robert Laffont,
1988, e-book.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia (1946). Rio de Janeiro : LTC, 1982.

WESTFALL, Richard S. The Life of Isaac Newton. New York : Cambridge University
Press, 1993.

WISEMAN, Nicholas Patrick. Recollections of the last four popes and of Rome in their
times. Londres : Hurst and Blackett, Publishers, 1859.

WISEMAN, Nicholas Patrick. The religious and social position of Catholics in England
: an address delivered to the catholic congress of Malines, August 21, 1863. DublIn:
J. Duffy, 1864.

WOLTERSTORFF, Nicholas. The Mighty and the Almighty : an Essay in Political


Theology. New York : Cambridge University Press, 2012.

WOODWARD, Ernest Llewellyn. Three Studies In European Conservatism :


Metternich, Guizot, the Catholic Church in the nineteenth century (1923). Londres :
Frank Cass and Co, 1963.

YONKE, Eric. “Cardinal Johannes von Geissel”. In: ARX Jefrey Von (Org). Varieties
of Ultramontanism-Catholic. Lanham, MD : The University of America Press, 1997,
p. 12 -38.

YOUNG, Andy. An introduction to mirages. San Diego, CA : San Diego State


University, s/p. Disponível em: <https://aty.sdsu.edu/mirages/mirintro.html>.
Acesso em 29/11/2021.

533
ZANONE, Valerio. “Laicidade”. In: BOBBIO, Norberto et al. (Ed). Dicionário de
Política. Brasília : Editora UnB, 1998, p. 670-674.

534
ÍNDICE REMISSIVO

8 de dezembro.... 48, 51, 379, 381, 424, 431, 456, 468 anabatista ...............................................67, 72, 73, 80
9 Thermidor .................................................. 113, 122 anarquia ...........................................25, 162, 205, 320
13 Vendémiaire..................................................... 126 religiosa ........................................................... 234
18 Brumaire .......................................................... 127 revolucionária ................................................. 224
18 Fructidor.......................................... 125, 126, 213 anarquismo ........................................................... 301
18 Germinal .......................................................... 130 Anastasius I (Bizâncio)................................. 171, 174
anátema............................................. ver excomunhão
Ancien Régime .............................ver: Antigo Regime
A Ancona.......................................................... 301, 331
André de Creta (teólogo) ...................................... 376
Andrea, Giovanni.................................................. 187
Abbaye (presídio) ................................................. 116
Anfossi, Filippo ............................................ 240, 241
Abdul Mejide (sultão otomano) ............................ 398
anglicanismo....................98, 193, 407, 448, 459, 489
Abrégé de la morale de l’Evangile (livro) ............ 153
anistia.....................................336, 343, 355, 359, 361
absolutismo76, 81, 100, 170, 183, 194, 205, 213, 224,
anjo exterminador ................................................. 251
233, 246, 258, 281
imagens apocalípticas em Maistre ................... 215
francês ....................................................... 90, 133
année liturgique, Le (anuário) .............................. 325
ação católica ......................................................... 305
antiabsolutismo....................................................... 55
Acton, Charles Januarius ...................................... 332
anticlericalismo... 55, 71, 85, 115, 129, 162, 216, 292,
Acton, Lord (John Emerich Edward Dalberg-Acton)
312
..................................474, 475, 482, 483, 484, 485
Antigo Regime 26, 126, 131, 133, 139, 141, 144, 147,
Ad abolendam (bula)............................................. 177
162, 170, 182, 183, 212, 243, 246, 258, 260, 263,
Ad Eepiscopos Provinciae Ecclesiasticae Superioris
271, 273, 274, 281, 282, 288, 292, 296, 300, 304,
Rheni (carta apostólica) ................................... 293
305, 311, 365, 371, 427
Adão ..............................................192, 238, 239, 466
antiguidade ........................................................... 484
Administração de Cultos....................................... 130
Antiguidade Clássica .................................... 170, 187
administração eclesiástica..................................... 312
antiliberal.............................................................. 161
adultério ........................................................ 198, 322
antipapismo........................................................... 313
adunana alemã (zottverein) ................................... 341
Antiquitates italicae medii aevi (livro).................... 86
advogado....................................................... 216, 289
antirreligioso........................................................... 74
Aegidius Romanus........................ver: Giles de Roma
antissemitismo, Estados Pontifícios...................... 284
Æterni Patris (bula) .......................456, 457, 458, 464
antitrinitário ............................................................ 67
Age of Revolution, The (livro)............................... 345
Antonelli, Giacomo ...... 334, 335, 348, 349, 353, 360,
Agence générale pour la défense de la liberté
361, 362, 364, 367, 368, 373, 383, 386, 392, 393,
religieuse (entidade)............................... 251, 305
396, 398, 404, 406, 409, 410, 415, 419, 420, 422,
agência internacional de noticias .......................... 479
423, 424, 428, 436, 452, 460, 463, 465, 500
agitação política ......99, 106, 254, 282, 295, 297, 302,
Antonio, Giovanni ................................................ 289
316, 319, 320, 331, 333, 340, 341, 343
antropocentrismo .......................................... 157, 165
agnosticismo ..................................................... 67, 82
Apologie Catholique (livro) .................................... 69
Agostinho de Hipona ............................ 58, 60, 61, 89
Aporti, Ferrante .................................................... 287
agostinianismo ........................................................ 58
apostolado............................................................. 161
Albani, Giuseppe ..278, 290, 291, 295, 297, 298, 301,
Apponyi, Anton (Graf Anton Apponyi von Nagy-
306, 500
Apponyi) ..................................244, 278, 301, 340
Alberto de Colônia...........ver: Alberto Magno (santo)
Aragão .................................................................. 178
Alberto Magno (santo).......................................... 376
arbitrariedade........................................................ 317
Alberto VI (Áustria).............................................. 108
arcebispo
albigenses (heresia)............................................... 177
metropolitano de Paris............................. 139, 230
Aldobrandini, Camillo .................................. 334, 348
salário França .................................................. 146
Alexandre I (Rússia) ......................218, 219, 315, 320
aristocracia.... 109, 119, 120, 162, 185, 202, 206, 259,
Alexandria .............................................................. 56
317
alistamento militar ........................................ 120, 330
Aristóteles............................................58, 63, 97, 173
Allgemeine Zeitung (jornal) .................................. 461
aristotelismo ........................................................... 58
Alpes............................................................. 157, 186
Armellini, Carlo.................................................... 356
Amat, Luigi (Luigi Amat di San Filippo e Sorso). 336
Armi valorose (encíclica)...................................... 314
América Latina ....................................................... 50
arnaldistas (heresia) .............................................. 177
Ami de la Religion, L’ (jornal) .............................. 471
arquiduque ............................................................ 108
Ami du Peuple (jornal) .......................................... 116
Arquiginnasio Romano no Palazzo della Sapienza241
amor ao próximo..................................................... 68
arte
An den christlichen Adel der deutschen Nation
medieval .......................................................... 327
(manifesto)....................................................... 457

535
moderna ........................................................... 327 Barnabò, Alessandro..................................... 370, 446
Articles Organiques ......128, 130, 131, 132, 134, 146, Baroche, Pierre Jules ............................................ 435
147, 230, 460 Barras, Paul........................................................... 125
Artico, Filippo....................................................... 390 barroco.................................................................... 95
artigos de fé ............................................................ 73 Barruel, Augustin.................................................. 354
Asquini, Fabio Maria .................................... 446, 447 batata .................................................................... 166
assassinato político ............................................... 343 batismo ....................................89, 101, 120, 174, 385
Assembleia judeu................................................................ 385
Constituinte ..............101, 104, 107, 109, 259, 357 batista.................................................................... 131
dos Estados Gerais......................33, 100, 101, 211 Bausset-Roquefort, Louis-François de.................. 276
Nacional .......................................................... 108 Bavária........................... 165, 216, 286, 449, 461, 483
Assunção de Maria................................................ 132 Bayle, Pierre ......................................................... 229
astronomia ........................................................ 63, 64 Beccaria, Cesare ................................................... 259
Atanásio de Alexandria........................................... 86 Beckx, Peter Jan ........................................... 372, 461
ateísmo.. 56, 71, 78, 82, 123, 161, 185, 193, 228, 234, Bélgica........... 138, 141, 249, 253, 266, 295, 297, 298
245, 246, 247, 429 independência..................................252, 295, 305
Atenas ..................................................................... 56 Bellarmino, Roberto (Roberto Francesco Romolo
ateu ................................................................. 67, 216 Bellarmino) ..................................................... 159
Athanasius de Alexandria ....................................... 62 Belloy, Pierre de ..................................................... 69
atividade política................................................... 186 bem comum .......................................................... 191
Ato de Supremacia................................................ 158 bênção nupcial ...................................................... 133
auctoritas .............................................................. 175 beneditino ................................87, 289, 299, 325, 326
Augsburger Allgemeine Zeitung (jornal)....... 475, 479 Benevento, Petrus Collivacinus de ....................... 180
Augustinus (livro) ................................................... 95 Benvenuti, Giovanni Antonio ............................... 301
Ausculta fili (bula) ................................................ 181 Bergier, Nicolas-Sylvestre ...................................... 85
Áustria .... 93, 108, 109, 111, 127, 138, 209, 225, 265, Bergier, Nicolas-Sylvestre ...................................... 88
266, 268, 274, 277, 294, 297, 302, 309, 314, 323 Bernardo de Claraval (santo) ........................ 171, 376
reforma política ............................................... 264 Bernardo de Fontaine........ ver: Bernardo de Claraval
Revolução de 1848 .......................................... 344 (santo)
austriaci (facção do cardinalato)................... 273, 279 Bernardone, Giovanni di Pietro di ....... ver: Francisco
autonomia ..................................................... 188, 193 (Santo)
autoridade . 23, 67, 157, 158, 167, 175, 182, 183, 184, Bernet, Joseph....................................................... 328
186, 188, 193, 200, 207, 208, 211, 228, 233, 235, Bernetti, Tommaso280, 289, 298, 299, 300, 301, 302,
240, 255, 287, 316, 320, 339, 363, 366, 374, 432, 306, 312, 314, 331, 332, 335, 500
448 Berthier, Louis-Alexandre .................................... 126
científica .......................................................... 183 bestialidade (Maistre, natureza humana) .............. 215
da Igreja .................................................. 228, 372 Bíblia 64, 65, 66, 72, 78, 88, 160, 192, 210, 285, 286,
divina........................................193, 200, 222, 226 309, 314, 324, 338, 376, 379, 384, 417, 432, 433,
eclesiástica....................................................... 445 434, 439, 472, 481, 490
espiritual .......................................................... 227 confiabilidade .................................................... 87
grupos intermediários ...................................... 193 Novo Testamento .............................................. 86
moral do papado .............................................. 265 tradução ....................................228, 292, 324, 325
papal . 159, 209, 221, 222, 223, 320, 369, 489, 492 biblioteca ...................................................... 145, 146
política......................................157, 183, 222, 227 Biblioteca Papal do Vaticano................................ 329
princípio da...................................................... 226 Bicêtre (presídio) .................................................. 116
temporal........................................................... 450 Bien Public, Le (jornal)......................................... 430
teocrática ......................................................... 183 biens de première origine ..................................... 103
teológica .......................................................... 222 biens de seconde origine....................................... 103
Autun .................................................................... 103 biens nationaux..................................................... 103
Avenir, L’ (jornal) ...41, 249, 251, 252, 253, 254, 255, Bijoux indiscrets, Les (livro)................................... 76
305, 306 Bilio, Luigi Maria .. 371, 431, 469, 473, 474, 487, 494
Avignon .................................................. 90, 126, 268 Bill of Rights (1689)............................................... 98
Bismarck, Otto Eduard Leopold, príncipe de 165, 323
bispado.................................................................. 104
B bispo .............................. 100, 102, 105, 128, 149, 231
Confederação do Reno .................................... 293
eleição canônica .............................................. 175
Bach, Johann Sebastian......................................... 326
formação.......................................................... 146
Bacon, Francis ........................................................ 55
França...................................................... 142, 253
baixo clero .................................................... 167, 236
galicano ................................................... 142, 326
Bálcãs ................................................................... 264
investidura canônica ................................ 136, 137
Banco de Roma..................................................... 364
local de residência ..................................... 84, 132
Bandelli, Vincent .................................................. 380
nomeação... 90, 104, 132, 136, 137, 139, 148, 230,
Barberini, Benedetto ..................................... 289, 332
231, 293, 320
barnabita ............................................................... 432

536
nomeação, Articles Organiques....................... 132 Bruté, Gabriel (Simon William Gabriel Bruté de
nomeação, Áustria ........................................... 272 Rémur)............................................................. 236
nomeação, Bélgica........................................... 252 Bry, Jean-Antoine-Joseph de ................................ 115
nomeação, Prússia ........................................... 165 Buol-Schauenstein, Karl von (Karl Ferdinand Graf
papel pastoral................................................... 159 von Buol-Schauenstein)....................340, 401, 402
poder após a Concordata de 1801 .................... 147 burguesia .......................................140, 144, 146, 265
salário .............................................................. 256 comercial ......................................................... 328
salário França .................................................. 146 França.............................................................. 143
Bizzarri, Giuseppe Andrea.............443, 445, 469, 487 Burke, Edmund... 25, 28, 30, 184, 191, 193, 196, 198,
Blacas d’Aulps, Conde (Pierre-Louis Jean Casimir) 212
......................................................... 213, 221, 287 burocracia ..................................................... 173, 195
Blanc de Lanautte, Alexandre Maurice................. 129 Butler, Charles........................................................ 98
blasfêmia................................................................. 83
Bloqueio Continental ............................................ 137
boato ..................................................... 112, 115, 342 C
Boêmia.................................................... 79, 118, 178
Bofondi, Giuseppe ................................................ 343
cabido ................................................................... 270
Bolonha................................................................. 126
Caelestis Pastor (constituição apostólica)............ 153
universidade..................................................... 286
Cahiers de doléances............................................ 100
bom selvagem ......................................................... 55
Calendário
bom senso ............................................................. 191
gregoriano ....................................................... 118
Bonald, visconde de (Louis-Gabriel Ambroise)27, 28,
republicano...................................................... 118
156, 186, 188, 194, 196, 197, 198, 199, 200, 202,
Caleppi, Lorenzo .......................................... 276, 277
203, 204, 205, 207, 208, 219, 233, 234, 243, 244,
Calvat, Mélanie..................................................... 377
272, 283, 319, 500
calvinismo........................................80, 106, 325, 477
Bonald, visconde de (Victor Marie Étienne)......... 203
calvinista..........................................61, 101, 131, 133
Bonaparte, Giuseppe Napoleão..................... 127, 135
Calvino, João ...................................52, 224, 228, 370
Bonaparte, Jerome ................................................ 400
camadas populares................................................ 317
Bonaparte, Luís-Napoleão (Charles Louis-Napoléon
Cambrai ........................................................ 115, 153
Bonaparte) .358, 359, 362, 363, 368, 387, 389, ver
Camerino
também: Napoleão III (França)
universidade .................................................... 286
Bonaparte, Napoleão.......51, 104, 106, 111, 118, 126,
Campagna ............................................................. 405
127, 133, 135, 139, 140, 162, 182, 185, 200, 225,
camponês ...................................................... 144, 145
230, 243, 252, 259, 264, 266, 267, 274, 276, 282,
levante ............................................................. 119
289, 291, 293, 296, 317, 320, 322, 328, 329, 337,
Canadá .................................................................... 50
358, 386, 460
Canal do Panamá .................................................. 357
coroação .......................................................... 137
Cânone Muratori..................................................... 86
excomunhão..................................................... 138
canonismo............................................................. 170
queda ............................................................... 262
canonização ...........................................421, 429, 454
bonapartismo......................................................... 301
canto gregoriano ........................................... 326, 327
Bonn
Capaccini, Francesco .................................... 328, 329
universidade..................................... 157, 165, 305
Capalti, Annibale ...................................469, 479, 487
Borromeo, Edoardo............................................... 371
Capeto (dinastia)................................................... 180
Bossuet, Jacques Bénigne .....132, 152, 203, 229, 235,
capítulo de catedral ................................... ver: cabido
236, 370
Cappellari, Bartolomeo......... ver: papa Gregório XVI
Bourbon (dinastia) ....94, 97, 102, 138, 168, 170, 185,
Cappellari, Mauro................. ver: papa Gregório XVI
231, 265, 294, 296, 297, 319, 344
Caprano, Pietro ..................................................... 289
Bourqueney, François-Adolphe de ....................... 402
Caprara, Giovanni Battista.................................... 135
bourreau de Lyon, Le ........................................... 129
caráter nacional..................................................... 221
Boyer, Jean-Baptiste de .......................................... 76
Carbonari (organização secreta).....97, 279, 280, 291,
Bragança (dinastia) ................................................. 97
295, 312, 315, 358, 395
Brahe, Tycho........................................................... 63
cardeal .................................................................. 276
Brancadoro, Cesare............................................... 280
in pectore..........................................242, 243, 327
Brasil..................................................................... 276
Irlanda ............................................................. 166
Brescia, Francis Insuber de ................................... 380
nomeação..........................................276, 288, 327
Bretanha................................................................ 228
salário França .................................................. 146
Breton, André Le .................................................... 77
cardinalato ...... 41, 273, 274, 276, 279, 288, 289, 290,
Breuil, Louis Étienne du ....................... 416, 418, 422
291, 296, 297, 299, 304, 307, 311, 315, 328, 332,
Brissot, Jacques Pierre .......................................... 109
335, 345, 350, 353, 358, 361, 362, 367, 383, 384,
British and Foreign Bible Society ......................... 286
386, 420, 432, 452, ver também Colégio de
Brofferio, Angelo.................................................. 397
Cardeais
Brüderlich Vereinigung .......................................... 73
Cardoni, Giuseppe ................................................ 477
Brunswick, Duque de.................................... 111, 112
caridade ...........................................68, 210, 244, 333
instituições de.................................................. 165

537
Carlos Alberto (Sardenha-Piemonte) ... 341, 347, 356, Irlanda ..................................................... 166, 167
389, 390, 391 liberal ....... 247, 257, 304, 305, 370, 374, 433, 460
Carlos Emanuele III (Sardenha-Piemonte) ... 210, 391 número de países na Europa ............................ 266
Carlos I (Espanha) ................................................ 391 Polônia..............................................266, 313, 314
Carlos II (Espanha) ................................................. 94 popular............................................................. 161
Carlos III (Espanha)................................................ 97 católico dissidente................................................... 67
Carlos III, Duque de Parma .................................. 400 Causa Honorii Papae (livro) ................................ 471
Carlos IX (França) ........................................ 131, 133 Cavaleiros
Carlos Magno (França) ......................................... 175 Hospitalários (ordem religiosa) ....................... 177
Carlos Magno (Reino Franco)....................... 174, 388 Templários (ordem religiosa) .......................... 177
Carlos V (França) ................................................. 104 Teutônicos (ordem religiosa)........................... 177
Carlos V (Sacro Império Romano-Germânico) 79, 80, Teutônicos de Santa Maria de Jerusalém (ordem
322 religiosa) .................................................... 177
Carlos VI (Áustria) ................................................. 94 cavalheirismo.................................................. 20, 188
Carlos X (França) ...26, 108, 243, 287, 294, 297, 303, Cavour, Conde de (Camillo, Giulio Benso) ..312, 386,
320, 390 389, 390, 394, 395, 397, 399, 401, 402, 404, 408,
carmelitas.............................................................. 116 409, 410, 414, 415, 416, 418, 420, 421, 427, 435,
Carmelites (ordem religiosa) ................................ 122 498
Carmes Déchaux (ordem religiosa)....................... 133 celibato ..................................................165, 308, 451
Caroline Augusta da (Bavária).............................. 265 Cellarius, Christoph .............................................. 187
carrasco......................................................... 201, 210 censo..................................................................... 114
carta ...................................................................... 222 censura . 244, 245, 247, 250, 264, 318, 337, 342, 347,
Carta Magna ......................................................... 179 429, 433, 475
cartesianismo .................................................... 58, 64 eclesiástica............................................... 262, 347
Carvalho, Guilherme Henriques de....................... 327 imprensa .................................................. 330, 336
casamento ..... 101, 106, 120, 133, 134, 140, 198, 205, centralização política ............................................ 188
271, 308, 323, 434, 441, 446, 447, 450, 483 Centurioni (milícia papal)..............312, 334, 338, 385
civil...........................133, 262, 370, 392, 447, 457 cerimônia
clero secular..................................................... 134 clandestina....................................................... 118
misto .................................292, 321, 322, 447, 449 religiosa externa .............................................. 133
registro............................................................. 114 certeza................................................................... 237
religioso................................................... 391, 392 Chaboseau, Augustin ............................................ 210
castidade ............................................................... 198 Chambéry ..................................................... 210, 211
Castiglioni, Francesco..................... ver: papa Pio VII Chantreau, Pierre .................................................. 123
castigo................................................................... 213 Chateaubriand, Visconde de (François-René)...... 186,
Castracane, Castruccio (Castruccio Castracane Degli 199, 228, 287
Antelminelli) ................................................... 354 Châtelet (presídio) ................................................ 116
cátaros (heresia) ............................................ 177, 180 Chaumette, Pierre ................................................. 123
catecismo ...................................................... 134, 470 Chênaie, La........................................................... 325
Articles Organiques......................................... 132 Chenier, André ..................................................... 123
cátedra universitária.............................................. 287 Chevreux, Ambroise ............................................. 116
catequese............................................................... 385 Chiamati Dalla Divina (encíclica)........................ 313
Caterini, Prospero ................................................. 443 Chiaramonti, Barnaba Niccolò Maria Luigi (Pio VII)
Catholic Emancipation Act ........................... 166, 296 ................................................................. 127, 273
Catholic Relief Act (lei) .................................. 67, 166 Chigi, Flavio ................................................. 460, 465
catolicismo.. 52, 70, 76, 78, 80, 85, 88, 90, 92, 93, 96, China ...................................................................... 54
98, 105, 118, 125, 127, 135, 138, 151, 156, 158, Christianity not mysterious (livro).......................... 72
160, 162, 168, 184, 210, 221, 226, 228, 231, 235, Ciacchi, Luigi ............................................... 339, 404
250, 252, 264, 266, 272, 281, 304, 341, 367, 396, cidadania............................................................... 277
426, 431, 449, 450, 451, ver também: Igreja cidade de Deus...................................................... 159
Católica ciência..... 7, 52, 57, 75, 182, 184, 211, 264, 329, 330,
Áustria ....................................................... 94, 264 370, 429, 444, 445, 482, 500
autoritário ........................................................ 160 católica ............................................................ 445
Bélgica............................................. 127, 266, 305 ciências
clerical ............................................................. 160 humanas............................................445, 458, 482
devocional ....................................................... 160 naturais ............................................................ 193
emocional ........................................................ 161 Cienfuegos y Jovellanos, Francisco Javier de....... 332
erros. 17, 29, 45, 51, 214, 234, 235, 256, 286, 308, cientista................................................................. 216
309, 320, 337, 346, 374, 457 Cirilo II (patriarca de Jerusalém) .......................... 451
estados alemães ............................... 164, 165, 449 Cisalpine Club ........................................................ 98
Estados Pontifícios .......................................... 356 cisma......................................106, 136, 142, 157, 224
festivo .............................................................. 161 Cisma Ocidental ................................................... 158
França101, 124, 131, 135, 137, 140, 142, 256, 358 Citeaux (ordem religiosa) ..................................... 102
França, religião oficial..................................... 297

538
Civiltà Cattolica, La (revista) .19, 369, 372, 373, 374, Código
378, 385, 398, 413, 429, 431, 438, 441, 460, 461, civil.................................................................. 362
464, 465, 466, 500 Civil da França ................................................ 130
Civitate Dei, De (livro) ......................................... 159 Civil Napoleônico.............................268, 275, 297
clandestinidade ..................................................... 125 Direito Canônico ............................................. 312
Clara (santo) ......................................................... 376 Penal Francês........................................... 133, 259
Clarendon, lorde (George William Frederick Villiers) Penal Napoleônico........................................... 259
......................................................................... 399 código civil ........................................................... 355
Clarisses Capucines (ordem religiosa) .................. 133 cognição humana .................................................... 61
claro Cohen, Stanley........................................................ 37
piemontês ........................................................ 395 Colégio de Cardeais.. 18, 35, 242, 273, 279, 282, 298,
classe média ... 102, 144, 146, 296, 317, 318, 328, 381 300, 328, 331, 334, 335, 336, 347, 368, 370, 378,
Cleland, John .......................................................... 76 383, 416, 442, 443, 453, 499, ver também
clemência .............................................................. 282 cardinalato
Clemens Droste zu Vischering (Clemens August Colégio Romano ............................270, 281, 378, 480
Freiherr von).................................................... 322 cólera, epidemia.................................................... 303
clericalismo........................................................... 264 Collegio dei Neofiti............................................... 385
Clericis laicos (bula)............................................. 180 Collins, Anthony..................................................... 77
clérigo Cologne (pseudônimo)............................................ 71
casamento ................................................ 134, 175 Cologne, Jean L’Ingenu.......................................... 71
concubinato ..................................................... 175 Cologne, Jean le Blaue ........................................... 71
Clérigos Regulares de São Paulo (ordem religiosa) Cologne, Pierre de la Place ..................................... 71
......................................................................... 432 Cologne, Pierre Martheau....................................... 71
Clermont-Tonnerre, Anne-Antoine-Jules de......... 276 Colônia ..................................................164, 322, 449
clero Colonna, Egidio ............................ver: Giles de Roma
austríaco .......................................................... 392 colonnes infernales ............................................... 121
belga ........................................................ 141, 392 combate ideológico............................................... 161
constitucional................................................... 125 Comitê de Salvação Pública ................................. 122
cristão ................................................................ 74 Comité de Sûreté Générale et de Surveillance...... 122
diocesano......................................................... 151 Common Law........................................................ 173
espanhol........................................................... 209 Commonitorium Primum (livro) ........................... 484
europeu .............................................................. 99 Compagnie des Prêtres de Saint-Sulpice ......113, 146,
francês ... 90, 91, 92, 100, 102, 107, 117, 126, 132, 149
133, 136, 138, 151, 160, 162, 163, 180, 236, Compagnie des Prêtres de Saint-Sulpice (ordem
260 religiosa).......................................................... 152
francês, alto clero..............148, 149, 151, 162, 236 Companhia de Deus.............................................. 369
francês, assembléias......................................... 131 Companhia de Jesus 59, 70, 71, 73, 77, 86, 95, 96, 97,
francês, baixo clero..142, 146, 147, 148, 149, 163, 98, 144, 154, 161, 170, 210, 218, 219, 221, 244,
236 246, 256, 265, 270, 275, 281, 282, 283, 287, 303,
francês, casamento........................................... 134 311, 321, 328, 337, 339, 352, 371, 372, 379, 386,
francês, composição de classe ......................... 143 396, 398, 421, 431, 441, 443, 461, 462, 465, 475,
francês, exílio .................................................. 129 492, 500
francês, formação ............................................ 143 colégios ........................................................... 372
francês, jovem ................................................. 253 expulsão..........................................86, 96, 97, 219
francês, perseguição................................. 117, 121 Compilatio tertia (compilação de Direito Canônico)
francês, salário..................103, 125, 129, 130, 146 ......................................................................... 180
francês, tributos ............................................... 259 comportamento humano ....................................... 189
galicano ................................................... 142, 143 Comtat Venaissin.......................................... 126, 268
germânico ............................................ 92, 93, 261 Comte, Auguste .................................................... 222
inferior............................................. 100, 102, 105 Comuna de Paris....................................112, 122, 123
irlandês ............................................................ 166 Comuna Insurrecional de Paris ..................... 112, 115
isenção de impostos ......................................... 159 comunidade
nacional ............................................. 90, 157, 163 judaica ............................................................. 384
piemontês ................................................ 392, 394 local................................................................. 187
regional.............................................................. 93 comunismo ...................... 51, 338, 433, 434, 441, 450
regular.............................................. 103, 135, 262 conceito abstrato ................................................... 216
secular...................................................... 103, 134 Conciergerie (presídio) ......................................... 116
tributação......................................................... 180 conciliarismo ................. 84, 93, 95, 98, 157, 158, 227
ultramontano.................................................... 257 Concílio
Clifford, William Joseph............................... 475, 490 Basiléia........................................................ 90, 93
Climent i Avinent, Josep......................................... 85 Calcedônia................................................. 48, 454
Club Cordeliers ...................................... 99, 112, 123 Cartago .............................................................. 61
Club Jacobin....................................99, 107, 112, 122 Constance ... 49, 50, 90, 91, 93, 158, 204, 224, 460
Cluny (ordem religiosa) ........................................ 102 Constantinopla I ................................................ 48

539
Constantinopla III............................................ 466 da Doutrina Cristã e Regulares.................. 83, 241
Éfeso.............................................48, 61, 376, 379 da Imunidade Eclesiástica ............................... 446
Ferrara ........................... ver: Concílio da Basiléia Diretora da Preparação do Concílio do Vaticano
Florença................. 456, ver: Concílio da Basiléia ................................................................... 444
Latrão ................................................................ 48 do Concílio .........................................83, 269, 454
Latrão (quarto)................................................. 181 do Concílio Tridentino .................................... 443
Latrão I .............................................................. 49 do Index...........ver: Index Librorum Prohibitorum
Latrão IV ................................................. 179, 180 dos Bispos e Regulares.............................. 83, 154
Lion II.............................................................. 454 dos Estudos...................................................... 286
Nicéias............................................................... 48 dos Ritos.....................................83, 154, 327, 442
Paris (1811) ............................................. 139, 230 feminina........................................................... 131
Paris (829) ....................................................... 174 governo dos Estados Pontifícios........................ 83
tradição .............................231, 467, 479, 481, 482 para a Construção de Templos........................... 83
Trento .... 48, 49, 52, 82, 83, 84, 97, 131, 159, 160, para a Correção dos Livros da Igreja Oriental . 329
262, 269, 322, 355, 377, 379, 443, 444, 447, para a Doutrina da Fé .................... ver: Inquisição
451, 457, 479, 480, 481, 501 para a Propagação da Fé ...........277, 354, 371, 446
Vaticano ...... 28, 48, 50, 51, 52, 92, 152, 163, 164, para Assuntos Extraordinários......................... 269
328, 381, 441, 443, 457, 461, 487, 503 para os Militares ...................................... 280, 289
Vaticano (comissão de preparação) 443, 448, 450, para Seminários ................................................. 82
452, 458, 459, 466 religiosa ............................................137, 247, 262
Vaticano II................................27, 46, 48, 50, 439 Sagrada da Inquisição Romana e Universal..... ver:
Vaticano, alojamento ....................................... 468 Inquisição
Vaticano, liberdade de atuação ........................ 470 Congregação da Missão (ordem religiosa)....147, 149,
Vaticano, número de participantes................... 467 152, 375
Vaticano, silêncio .................................... 469, 474 Congregação das Filhas da Caridade de São Vicente
concílio de sacerdote de diocese ........................... 104 de Paulo (ordem religiosa)............................... 375
conclave Congregação Lazarista (ordem religiosa) ..... 147, 149
1271................................................................. 273 Congregação religiosa ............................................ 68
1799................................................. 127, 273, 274 Congregação Vicentina (ordem religiosa) ....147, 149,
1823......................................................... 278, 279 152, 375
1829......................................................... 290, 291 Congresso
1830..........................................296, 297, 298, 299 de Malines ................................426, 428, 430, 432
1846............................................43, 328, 331, 332 de Troppau ...................................................... 315
Concordata............................................................ 252 de Viena .. 140, 141, 209, 225, 252, 266, 267, 269,
1801 (França) ..128, 130, 131, 135, 136, 137, 139, 270, 271, 281, 282, 295, 297, 313, 322, 396,
143, 146, 147, 150, 151, 162, 168, 200, 229, 502
231, 243, 250, 268, 282, 297, 460 Viena ............................................................... 340
após o Congresso de Viena...................... 270, 271 Congresso de Viena ........................................ 26, 258
Baviera ............................................................ 271 conhecimento.................................................. 58, 191
Bolonha ............................................. 90, 102, 104 científico...........................................191, 193, 202
Confederação do Reno..................................... 271 racional.............................................................. 54
Fontainebleau .................................................. 138 técnico ............................................................. 191
Gnesen............................................................. 271 conhecimento de Deus.......................................... 125
Hanover ........................................................... 271 Connolly, Thomas-Louis .............................. 475, 476
Sardenha-Piemonte.................................. 391, 393 Consalvi, Ercole.... 128, 268, 269, 270, 271, 273, 274,
Saxônia ............................................................ 271 275, 277, 279, 280, 281, 282, 288, 289, 290, 291
Worms ............................................................... 49 consciência ........................................................... 216
concorrência.......................................................... 383 nacional ........................................................... 157
Condorcet, Marquês (Marie Jean Antoine Nicolas de Conselho Executivo Provisório............................. 114
Caritat)............................................................... 77 consensu unanimis................................................ 482
conduta moral ......................................................... 65 conservadorismo... 161, 185, 186, 281, 299, 300, 344,
Confederação 362, 367, 368, 369, 387, 420, 426, 454
do Reno ....................................264, 267, 293, 317 católico ............................................................ 185
Germânica ............................................... 271, 400 princípios......................................................... 445
Conferências de Gaeta .......................................... 361 Considérations sur la France (livro) ............ 212, 225
confisco..........................................103, 129, 130, 141 Considérations sur le système philosophique de M.
Confissão de Augsburgo .........ver: Paz de Augsburgo de La Mennais (livro) .................................... 250
Confissão de Schleitheim........................................ 73 consistório.............. 277, 288, 290, 306, 327, 349, 368
confissão, sigilo .................................................... 421 conspiração ........................................................... 116
conflito eterno....................................................... 212 contra a Igreja.. 15, 17, 19, 29, 188, 272, 302, 309,
confraria católica .................................................. 286 324, 354, 359, 361, 385, 387, 395, 422
Confúcio ................................................................. 55 Constantino I, imperador (Roma) ................. 170, 187
Congregação ......................59, 82, 137, 269, 291, 452 Constantinopla ...................................................... 221
da Disciplina Religiosa............................ 303, 378 tomada de ........................................................ 187

540
constitucionalismo ................................................ 211 Cruzada......................................................... 177, 180
constituição................................................... 317, 457 Albigense......................................................... 180
Áustria ............................................................. 444 Cuius regio, eius religio (princípio)........................ 79
Bélgica ............................................ 252, 426, 430 Cullen, Paul .................................................. 166, 295
Civil do Clero .. ver: Constitution Civile du Clergé Culte de l’Être Suprême................................ 123, 124
Espanha ................................................... 209, 344 Culte de la Raison................................................. 123
Estados Pontifícios .......42, 44, 346, 347, 350, 363 cultivo da terra ...................................................... 130
Estados Unidos da América............... 66, 100, 397 Culto ao Ser Supremo........................................... 123
França 1789 ..................................................... 100 culto medieval da unidade .................................... 158
França 1791 ............................................. 109, 117 cultura................................................................... 287
França 1793 ....................................................... 66 Cum alias (Breve)................................................. 153
França 1795 ..................................................... 125 Cum nimis absurdum (bula).................................. 284
França 1814 ..............139, 243, 246, 247, 256, 297 Cum Occasione (constituição apostólica) ............... 96
França 1830 ..................................................... 294 Cum Praeexcelsa (constituição apostólica) .......... 380
França 1848 ..................................................... 357 Cum Primum (constituição apostólica) ................. 314
Países Baixos.................................................. 252 Cum Saepe (encíclica) .................................. 396, 421
Piemonte.......................................................... 393 Cunha e Melo, Pedro Paulo da.............................. 368
Reino das Duas Sicílias ................................... 344 Curci, Carlo Maria.................186, 369, 372, 373, 374
Sardenha-Piemonte.......................................... 390 cúria ...................................................................... 137
Virgínia.............................................................. 66 Cúria Romana........ 137, 262, 270, 370, 476, 495, 503
Constitution Civile du Clergé104, 105, 106, 107, 113, Cusa, Nicolau de..................................................... 57
117, 127, 128, 141, 151, 276, 289
Constitutionnel, Le (jornal)................................... 436
Consulado ..................................................... 127, 128 D
contrabando .......................................................... 382
Contra-Reforma .................................................... 262
D’Alembert, Jean le Rond .........................56, 77, 354
Contrarreforma ........................................... 49, 84, 93
d’Harcourt, Georges ............................................. 361
contrarrevolução ...106, 109, 119, 120, 127, 161, 162,
d’Holbach, Barão de (Paul-Henri Thiry, Barão
170, 184, 188, 226, 267
d’Holbach)............................................77, 89, 229
levante ..................................................... 118, 129
Da Questa Pacifica (proclama) ............................ 355
contrato ................................................................. 483
D'Alembert, Jean le Rond ....................................... 77
controle de preço................................................... 124
Dalmácia............................................................... 178
Convenção ............................................................ 125
Danton, Georges-Jacques...52, 99, 112, 113, 116, 123
Nacional .................................................. 112, 121
Darboy, Georges................................................... 494
Republicana ..................................................... 122
Davi (rei) .............................................................. 175
Convenção de Setembro ....................... 423, 430, 436
De doctrina catholica contra multiplices errores ex
Convention du 15 septembre et l’encyclique du 8
rationalismo derivatos (documento conciliar) 476,
décembre, La (livro) ........................................ 437
479, 480
convento.......................................................... 99, 133
De Ecclesia Christi (documento conciliar) ........... 477
conversão, judeu ................................................... 385
De Immaculato B.V. Mariae Conceptu (livro)...... 378
Copérnico, Nicolau ................................................. 59
De l’autorité du roi (livro)...................................... 69
coroação........................................................ 137, 174
De l’Église Gallicane (livro) ................................ 226
corporações......................20, 188, 203, 260, 382, 383
De l’état de nature, où examen d’un écrit de Jean-
Corporazioni d’Arti e Mestieri ............................. 382
Jacques Rousseau (livro)................................. 190
Corpus iuris civilis................................................ 173
De la religion, considérée dans ses rapports avec
Correspondant, Le (jornal) ........................... 304, 429
l’ordre civil et politique (livro) .....243, 244, 245,
correspondência, violação..................................... 253
246
Córsega ................................................................. 276
de Lhuys, Édouard Drouyn................................... 355
episcopado ....................................................... 107
de Luca, Antonino Saverio ....................446, 469, 487
Couthon, Georges ................................... 99, 122, 123
De Salute Dominici Gregis (bula)......................... 272
creche.................................................................... 287
Debry, Jean-Antoine-Joseph de ............................ 115
Cremona................................................................ 287
Declaração de Pillnitz ........................................... 108
criação divina........................................................ 215
declaratio Ferdinandei (princípio) ......................... 80
crime, imagens apocalípticas em Maistre ............. 216
Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen
Cristaldi, Belisario ................................................ 285
..................................................101, 105, 117, 258
cristandade .................................................... 159, 457
Decretales Gregorii (direito canônico)................. 180
cristianismo. 52, 57, 66, 67, 71, 73, 75, 79, 85, 86, 87,
Decreto de Berlim................................................. 137
93, 94, 95, 113, 123, 129, 157, 170, 178, 183, 199,
decreto de tolerância ............................................. 101
210, 221, 234, 239, 246, 248, 250, 287, 369, 428,
dedução................................................................. 189
447, 499, 501
Défense de l’Essai sur l’indifference en matière de
medieval .................................................... 63, 365
religion (livro) ..........................241, 242, 246, 254
Croácia.................................................................... 79
deficiência mental................................................. 340
Croy, Gustave-Maximilien ................................... 289
Defoe, Daniel.......................................................... 74
crucifixo................................................................ 256

541
Dei filius (constituição dogmática) .51, 476, 479, 481, vida.................................................................. 197
482, 484, 487 Diretório ............................................................... 128
Déisme réfuté par lui-même, Le (livro)................... 88 disciplina ...............................................165, 445, 451
Deísmo.................................................................... 88 eclesiástica............................................... 444, 445
deísta......................................................... 67, 87, 216 Discours de la méthode (livro) ............................... 60
Delahante and Company (banco) ......................... 383 Discours préliminaire de l’Encyclopédie................ 56
Deliberatio (bula) ................................................. 172 Discours sur l’histoire universelle (livro).....132, 203,
Della Genga, Gabriele........................................... 328 206, 235
democracia.... 185, 199, 206, 227, 248, 250, 308, 317, Discours sur l’origine et les fondements de l’inégalité
427, 428, 495 parmi les hommes (livro)................................. 189
liberal............................................................... 427 Discours sur les pretentions ridicules (livro).......... 71
democrata.............................................................. 216 divórcio..........................................114, 205, 262, 297
demônio ................................................................ 425 doação....................................................129, 244, 247
Deplace, Guy-Marie.............................................. 226 doença................................................................... 214
depressão econômica ............................................ 330 dogma ..... 72, 224, 316, 319, 338, 379, 381, 417, 445,
Des progrès de la révolution et de la guerre contre 463, 464, 467, 478, 479, 482
l’Église (livro) ........................................ 247, 248 Döllinger, Ignaz (Johann Joseph Ignaz von Döllinger)
desabastecimento .................................................. 124 . 304, 431, 448, 449, 452, 461, 462, 464, 465, 474,
Descartes, René..........55, 56, 57, 59, 60, 62, 234, 238 475, 479, 482, 483, 501
descristianização ................................................... 113 domingo......... 118, 123, 132, 134, 284, 285, 297, 447
desenvolvimento econômico................................. 383 Domingo (santo) ................................................... 376
desigualdade ................................................. 196, 212 Domingo Félix de Guzmán....... ver: Domingo (santo)
desordem............................................................... 162 dominicano ......................99, 240, 257, 380, 421, 492
despotismo ............................................................ 232 Dominus ac Redemptor (bula) ........................ 98, 396
Deus 51, 57, 58, 60, 61, 62, 63, 65, 67, 69, 72, 73, 75, Donoso Cortés, Juan ............................................. 186
81, 84, 87, 88, 90, 105, 118, 140, 169, 170, 171, doutrina. 14, 18, 19, 29, 40, 44, 45, 50, 70, 72, 74, 85,
178, 179, 182, 184, 188, 193, 200, 204, 206, 214, 95, 107, 140, 147, 149, 159, 172, 186, 198, 222,
216, 223, 226, 229, 234, 235, 238, 239, 249, 251, 304, 311, 338, 451
259, 282, 318, 338, 342, 346, 354, 416, 419, 422, esotérica........................................................... 210
428, 432, 434, 446, 478, 480, 481, 493, 495 Drôme................................................................... 127
leis de............................................................... 369 Du concile général et de la paix religieuse (livro) 463
Deutschkatholiken (seita)...................................... 165 Du contrat social (livro) ..................99, 199, 204, 206
devoção popular...................................................... 85 Du Pape (livro)..... 164, 186, 209, 221, 223, 225, 234,
Devotion and reason (livro).................................... 88 240, 460, 464
Devotioni vestræ (bula)......................................... 180 duas espadas (alegoria) ................................. 171, 181
Di Poirino, Giacomo ............................................. 421 Dublin........................................................... 166, 295
Dia de Todos os Santos......................................... 132 Dublin Review (jornal).......................................... 466
diálogo .................................................................. 213 Ducos, Roger ........................................................ 127
dicastério........................................ ver: Congregação Dudon, Paul .......................................................... 254
Dictatus Papae (encíclica)............................ 175, 176 Dum acerbissimas (Breve).................................... 157
Diderot, Denis..............................76, 77, 88, 229, 354 Dunin, Martin van................................................. 323
Dilectis filiis (breve) ............................................. 374 Dupanloup, Félix Antoine Philibert......253, 428, 436,
Dillon, Théobald ................................................... 110 437, 438, 439, 456, 464, 465, 470, 474, 483, 485
dilúvio................................................................... 215 Duphot, Mathurin-Léonard................................... 126
Dinamarca............................................................. 178 Dupin, M. (André Marie Jean Jacques Dupin) .... 150,
diocese .......................................................... 128, 270 152, 154
diotelismo ............................................................. 466 Durando, Giovanni ............................................... 348
direito dúvida ........................................................... 237, 238
canônico .. 145, 154, 173, 180, 262, 269, 271, 289, cartesiana........................................................... 61
328, 368, 369, 470 sistemática ................................................... 56, 60
civil...........................................289, 328, 368, 393
de apelação ........................................................ 70
de defesa .................................................. 122, 330 E
de propriedade ................................................. 196
de publicação..................................................... 70
Eberhard Karl University...................................... 448
divino................................................. 84, 248, 369
Ecclesia Christi (encíclica)................................... 129
divino dos reis ........................................... 69, 259
Ecclesiam a Jesu (bula) ................................ 279, 292
do Estado ......................................................... 259
Ecclesiastica potestate, De (livro) ................ 159, 171
feudal............................................................... 101
eclesiologia ..............................................14, 159, 160
internacional ...................................................... 81
Édito
natural.............................................. 187, 193, 196
de Nantes..............................................70, 73, 429
positivo ............................................................ 193
de Tolerância ..................................................... 66
real sobre o sagrado ........................................... 69
de Versalhes .................................................... 101
romano..................................................... 173, 198
Eduardo I (Inglaterra) ........................................... 180

542
educação52, 82, 84, 97, 125, 140, 165, 232, 245, 264, Essai sur le principe générateur des constitutions
271, 297, 321, 446, 447, 451, 457, 470, 483 politiques (livro) .......................217, 218, 219, 226
capacidade de subversão.................................. 287 estado
católica ............................................................ 322 laico................................................................. 105
católica, França................................................ 320 liberal .............................................................. 183
clerical ............................................................. 247 moderno....................................157, 161, 259, 311
controle teológico ............................................ 286 nacional ....................................157, 158, 173, 249
Estados Pontifícios .......................... 281, 286, 330 Estados alemães....................ver: estados germânicos
feminina................................................... 131, 287 Estados Gerais .......................................100, 101, 211
França .............................................................. 321 estados germânicos . 50, 55, 71, 72, 87, 164, 172, 173,
laica ......................................................... 257, 447 176, 178, 188, 209, 261, 264, 267, 271, 293, 295,
pública..................................................... 247, 286 317, 321, 322, 341, 371, 453, 460, 461, 471
religiosa ........................................................... 166 estados italianos independentes ............................ 266
secular.............................................................. 457 Estados Pontifícios ... 48, 99, 126, 136, 138, 181, 260,
Église Constitutionnelle ........................................ 104 266, 268, 269, 273, 274, 275, 276, 279, 284, 287,
eleição bispo ......................................................... 104 297, 299, 300, 302, 307, 312, 313, 320, 327, 329,
Elias, Norbert.......................................................... 39 330, 331, 332, 333, 335, 338, 340, 341, 343, 372,
Emery, Jacques-André .......................................... 113 388, 425, 429, 430, 449, 450, 498
emigração administração .... 83, 303, 333, 334, 349, 364, 368,
judeus .............................................................. 284 382, 415, 423
padres .............................................................. 117 anistia ...............................................335, 350, 363
empirismo ......................................................... 54, 87 antissemitismo......................................... 284, 285
enciclopedista ......................................................... 52 bailes ............................................................... 337
Encyclopédie (livro).......................56, 77, 78, 88, 193 censura......................................336, 337, 342, 347
Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, Código Penal ................................................... 334
des arts et des métiers................ver: Encyclopédie Conselho Consultivo ....................................... 363
engajamento político............................................. 186 Conselho de Estado ..........................334, 347, 363
ensino.................................................................... 287 Conselho de Ministros............................. 334, 348
religioso................................................... 232, 321 Consistório Sagrado ........................................ 347
superior............................................................ 166 constituição .......... 42, 44, 346, 347, 350, 355, 363
Entstehung des päpstlichen Investiturverbots für den Consulta di Stato ............................................. 334
deutschen König (livro) ................................... 175 corporações ..................................................... 382
epidemia................................................................ 404 corrupção......................................................... 334
Epifânio de Salamina (bispo)................................ 376 criminalidade................................................... 334
epilepsia ................................................................ 332 dívida pública .......................................... 347, 423
episcopado .. 7, 84, 231, 446, 447, 454, 463, 478, 488, economia ..........................................350, 382, 383
500 educação...................................281, 286, 330, 336
composição social............................................ 133 empréstimo ...............................314, 333, 383, 384
Córsega............................................................ 107 exército.................................................... 314, 423
francês ..... 133, 142, 149, 153, 236, 253, 254, 256, ferrovia .............................................284, 336, 337
471 fronteira ........................................................... 348
galicano ........................................................... 370 funcionalismo .................................................. 382
irlandês ............................................................ 166 governo............................................................ 346
piemontês ................................................ 391, 395 governo constitucional..................................... 354
episcopalismo imperial alemão............................... 93 iluminação a gás ...................................... 284, 336
episcopatus ........................................................... 175 imposto............................................................ 382
epistemologia moderna ................................... 55, 238 intervenção estrangeira....295, 360, 361, 365, 382,
escatologia ............................................................ 212 386, 399, 407, 423
escola invasão austríaca a Ferrara .............................. 339
eclesiástica....................................................... 232 judeus ...............................284, 285, 352, 384, 386
rural ................................................................. 337 judeus, proibições............................................ 384
Escola Clássica do Direito Penal .......................... 259 justiça .............................................................. 333
Escolástica .................................................. 51, 52, 56 laicidade .......................................................... 351
universidade....................................................... 57 lei penal ........................................................... 285
escravidão ..................................................... 264, 323 levante ......................................279, 295, 302, 313
Escrituras ................................................... ver: Bíblia liberdade política ............................................. 361
esmola................................................................... 133 milícia cívica ................................................... 336
Espanha.......... 136, 138, 173, 265, 266, 297, 317, 319 miséria ............................................................. 333
Espinosa, Baruch de...................65, 67, 68, 72, 74, 87 modernização .................................................. 423
espionagem ....................211, 254, 264, 305, 334, 475 mulher ............................................................. 284
Espírito Santo.................158, 460, 481, 484, 485, 489 museus............................................................. 329
Essai sur l’indifférence en matière de religion (livro) pena de morte .................................................. 334
.. 167, 200, 233, 235, 236, 237, 240, 242, 246, 249 Poder Judiciário............................................... 347
Poder Legislativo............................................. 346

543
policiamento .................................................... 338 patriarcal.......................................................... 187
rebelião ............................................................ 300 fanatismo religioso ................................................. 71
reforma .................................................... 355, 362 Fanny Hill............................................................... 76
repressão policial ..................................... 281, 300 Fare, Anne-Louis-Henri de la ............................... 276
Revolução de 1848 .......................................... 345 fata morgana ......................................................... 462
Romagna.......................................................... 405 fé 125, 186, 203, 211, 318, 438, 481
soberania.......................................................... 367 fé e razão, relação ..................................476, 480, 481
tribunal eclesiástico ......................................... 355 fé pública paroquial .............................................. 391
tributação......................................................... 347 febronianismo ..... 53, 93, 95, 157, 163, 164, 282, 292,
valsa................................................................. 284 299, 429, 490
Estados Unidos da América ......50, 66, 185, 209, 324, Febronius, Justinus........................................... 92, 93
340, 342, 385 Feletti, Pier Gaetano ............................................. 385
Constituição............................................... 66, 100 Felipe I (França) ................................................... 177
Esterházy, Pál Antal.............................................. 361 Felipe II (França) .................................................. 179
estética .................................................................... 55 Felipe IV (França) .................................159, 180, 181
Ethica, ordine geometrico demonstrata (livro)....... 75 Felipe V (Espanha) ................................................. 94
ética......................................................................... 55 Fénelon, François (François de Salignac de La
Être Suprême ........................................................ 123 Mothe-Fénelon)........................153, 223, 229, 370
Etsi apsostolici principatus (Breve Apostólico) ... 134 Ferdinando II (Duas Sicílias)................................ 399
Etsi de statu (bula)................................................ 180 Ferdinando II (Reino das Duas Sicilias) ....... 344, 408
Etymologiae (livro) ................................................. 77 Ferdinando II (Reino das Duas Sicílias) ............... 389
Eucaristia ........................................................ 88, 161 Fermo
Europa universidade .................................................... 286
equilíbrio de poder........................... 315, 316, 317 Fernando I (Áustria) ..................................... 340, 342
fronteiras.................................................. 140, 330 Fernando I (Duas Sicílias) .................................... 315
Eusébio de Cesareia .............................................. 170 Fernando I (Sacro Império Romano-Germânico) .. 79,
Eva........................................................................ 192 80
evangelhos .............................105, 153, 160, 181, 304 Fernando II (Reino das Duas Sicílias) .................. 353
livre interpretação ............................................ 228 Fernando II de Aragão (Espanha) ......................... 153
ex cathedra ............................152, 463, 466, 493, 495 Fernando VII (Espanha) ............................... 209, 298
exagéré ......................................................... 112, 123 Ferrara .................................................................. 342
Examem critique ou réfutation du système de nature universidade .................................................... 286
(livro)................................................................. 89 Ferrara, incidente em .................................... 339, 341
Examen de la philosophie de Bacon (livro) .. 217, 226 Ferretti, Gabriele....................................339, 342, 343
excedente agrícola................................................. 173 ferrovia ......................................................... 382, 390
Excommunicamus (bula)....................................... 177 Estados Pontifícios .......................................... 284
excomunhão 51, 73, 78, 138, 176, 256, 279, 291, 312, Fesch, Joseph........................................................ 133
342, 355, 393, 421, 450, 463, 481 feudalismo ............. 119, 186, 187, 188, 202, 247, 428
execução ....................................................... 116, 210 obrigações ......................................................... 67
exequatur ................................................................ 70 feudo............................................................... 20, 188
Exército Católico (Vendée) .................................. 120 eclesiástico ...................................................... 391
exército revolucionário ......................................... 110 Fichte, Johann....................................................... 265
exilado .................................................................. 127 fidelidade ...............................................157, 255, 259
exílio ..... 106, 109, 128, 138, 139, 162, 176, 182, 185, Fieschi, Adriano.................................................... 328
203, 212, 221, 273, 276, 294, 313, 336, 343, 363 Filipe IV (França) ........................................... 90, 177
experiência............................................................ 189 filosofia
Explication des maximes des saints sur la vie cartesiana......................................................... 241
intérieure (livro) ...................................... 153, 223 católica ............................................................ 160
Exposition de la doctrine de l’Église Catholique da história ................................................ 188, 190
(livro)............................................................... 132 mecânica............................................................ 57
expropriação ..........................103, 104, 129, 130, 162 natural.....................................................56, 57, 58
de terras Suécia................................................ 103 política............................................................. 227
extrema-unção............................................... 394, 421 química.............................................................. 57
filósofo.................................................................... 77
Firrao, Giuseppe ................................................... 312
F Fisiocracia............................................................. 227
Fisocracia.............................................................. 383
Fitzgerald, Edward Mary ...................................... 495
Fabbri, Edoardo .................................................... 351
Flávio Justino (mártir) .......................................... 376
Faculdade de Teologia de Paris ............................ 160
Foigny, Gabriel de .................................................. 74
Faguet, Émile........................................................ 201
Folk devils and moral panics: the creation of the
Falconi, Leonardo ................................................. 439
Mods and Rockers (livro) .................................. 37
falência ................................................................. 383
fome...................................................................... 276
falibilidade papal ............................................ 92, 489
Fontainebleau ............................................... 139, 230
família............................................188, 193, 205, 207

544
Concordata....................................................... 138 Galletti, Gustavo........................................... 334, 348
Tratado ............................................................ 139 Gardoqui Arriquíbar, Francisco ............................ 276
força espiritual ...................................................... 161 Garibaldi, Giuseppe ...... 312, 360, 402, 403, 408, 409,
força policial ......................................................... 282 412, 418, 424, 437, 453, 498
Force, La (presídio)............................................... 116 Garibaldi, Pietro Antonio...................................... 306
foro eclesiástico .................................................... 262 Gasser, Vinzenz .................................................... 493
Fouché, Joseph...................................................... 129 Gaude, Francesco.................................................. 370
França ............ 162, 173, 176, 263, 265, 266, 298, 319 Gaume, Jean-Joseph ............................................. 169
economia ..................100, 103, 124, 125, 162, 181 Gazzette de France (jornal) .................................. 465
Guerras Religiosas........................................... 133 Gazzola, Bonaventura........................................... 289
Ministério dos Cultos.......130, 136, 143, 146, 148, Geissel, Johannes von....................164, 165, 323, 449
150, 151, 231, 243, 250, 352, 435 general will.................................... ver: vontade geral
Parlamento............................................... 243, 269 Gênesis (livro bíblico) .......................................... 193
Revolução de 1848 .......................................... 344 Genga, Annibale della . ver: papa Leão XII, ver: papa
France, Rome et l’Italie, La (livro)....................... 422 Leão XII
Francesco V (duque de Modena) .......................... 389 Génie du christianisme (livro) .............................. 287
franciscano.............................................. 99, 380, 386 George II (Inglaterra).............................................. 98
Francisco (santo)................................................... 376 Gerbet, Olympe-Philippe .............................. 305, 431
Francisco I (Áustria) .....118, 209, 263, 264, 271, 272, Germanus de Constantinopla (teólogo)................. 376
274, 276, 277, 278, 279, 290, 293, 294, 297, 314, Giacomo D’Aragona (Sardenha) .......................... 391
315, 320, 340 Gianelli, Pietro...................................................... 444
Francisco I (França) ................................ 90, 102, 104 gibelinos ............................................................... 333
Francisco II (Reino das Duas Sicílias) .. 407, 408, 409 Gil, Manuel García ............................................... 490
Francisco II (Sacro Império Romano-Germânico) 118 Giles de Roma .............................................. 159, 171
Francisco José I (Áustria) ............................. 399, 404 Gioberti, Vincenzo.................................333, 365, 400
franco, monarcas................................................... 171 Giovanni di Fidanza............ ver: Bonaventura (santo)
franco-maçonaria .................................................. 210 Giovine Italia.................................312, 337, 342, 343
Franklin, Benjamin ............................................... 123 Giraud, Maximin .................................................. 377
Fransoni, Giacomo Filippo ........................... 289, 332 girondino ...... 107, 109, 110, 112, 117, 122, 124, 130,
Fransoni, Luigi...................................... 390, 392, 394 162, 264
Franzelin, Johannes Baptist .................. 161, 476, 480 Giuseppe I (Nápoles) ............................................ 136
fraternidade ............................................. 79, 162, 308 Giustiniani, Giacomo.................................... 289, 298
Frayssinous, Conde de (Denis-Antoine-Luc)152, 244, Gizzi, Tommaso Pasquale .....................331, 337, 338
320, 370 Gladstone, William Ewart......167, 389, 436, 475, 483
Frederick William III (Prússia) ............................. 323 Glauda, Pietro ....................................................... 241
Frederick William IV (Prússia)............................. 165 Globe, Le (jornal) ................................................. 304
Frederico Guilherme II (Prússia) .......................... 108 Gnesen-Posen ....................................................... 323
Frederico Guilherme IV (Prússia)......................... 315 gnosticismo........................................................... 191
Frederico II (Sacro Império Romano-Germânico) .. 74 Gobel, Jean ........................................................... 123
freethinker............................................................... 74 golpe de estado ..................................................... 127
Fribourg ................................................................ 293 governo................................................................. 207
Frohschammer, Jakob ................................... 450, 480 Governo dos Cem Dias......................................... 185
fronteiras da Europa.............................................. 140 governo laico ........................................................ 308
Frosini, Antonio Maria ......................................... 276 Grã-Bretanha ...........................................67, 266, 302
Fulda ..................................................................... 293 graça de Deus ......................................................... 89
encontro episcopal de ...................................... 463 Grand Dauphin............................................. 132, 206
fundação eclesiástica............................................. 129 grand séminaire.....................ver: seminário superior
fundamento teológico ........................................... 222 Grande Chartreuse (ordem religiosa).................... 102
funeral religioso .................................................... 394 Grande Cisma ....................................................... 376
futuro ............................................................ 189, 211 grande corrente do ser, Scala Naturae .................... 63
Grande Fome, Irlanda ........................................... 166
Grande Peur, levantes camponeses ...................... 119
G Grande Terreur....... 37, 110, 113, 117, 118, 121, 122,
124, 125, 130, 133, 229
mortos.............................................................. 117
Gagarin, Grigory................................................... 306
Granderath, Theodor............................................. 443
Gaisrück, Karl Kajetan von................... 298, 306, 332
Gratry, Joseph (Auguste Joseph Alphonse Gratry)
galicanismo53, 82, 84, 92, 93, 98, 104, 131, 136, 141,
................................................................. 470, 485
142, 147, 148, 149, 153, 154, 156, 157, 159, 160,
Grave nimis (bula) ................................................ 380
162, 163, 167, 168, 170, 182, 221, 222, 224, 243,
Gregorio, Emmanuele de ...............276, 290, 291, 298
253, 269, 270, 286, 292, 325, 367, 370, 375, 429,
Gregorovius, Ferdinand ........................................ 364
433, 434, 448, 460, 470, 477, 490
grupo intermediário .............................................. 194
parlamentar........................................ 90, 150, 154
Guarda
teológico .....................................90, 150, 151, 154
Cívica ............... 338, 342, 347, 351, 353, 363, 382
Galileu (Galileu Galilei) ................................... 59, 63

545
Nacional .................................................. 111, 112 heliocentrismo ........................................................ 59
Nacional (França) ............................................ 357 Heliogenes, terra imaginária ................................... 74
Suíça ................................................ 116, 353, 407 Henri Conneau...................................................... 400
guelfos .................................................................. 333 Henrique III (Inglaterra) ....................................... 179
Guéranger, Prosper Louis Pascal ..325, 326, 378, 485, Henrique III (Navarra).......................................... 138
500 Henrique IV (França).................................... 102, 138
Guéronnière ....................ver Breuil, Louis Étienne du Henrique IV (Sacro Império Romano-Germânico)
guerra.................................................... 212, 214, 225 ................................................................. 171, 176
Austro-Prussiana........................................ 76, 453 Henrique V (Sacro Império Romano-Germânico) . 49,
Camponesas....................................................... 73 333
da Criméia ....................................................... 398 Henrique VI (França).............................................. 70
da Criméia, Congresso de Paris ....................... 399 Henrique VI (Sacro Império Romano-Germânico)178
de Sucessão Austríaca ....................................... 76 Henrique VIII (Inglaterra) .......................98, 158, 396
de Sucessão Espanhola ...................................... 94 herança.......................................................... 144, 206
dos Oitenta Anos ............................................... 81 Herbert, Edward (barão de Cherbury ).................... 64
dos Trinta Anos ..................................... 32, 80, 81 herege ........................................................ver heresia
Franco-Austríaca ..............109, 111, 114, 162, 264 heresia. 59, 61, 83, 132, 153, 170, 177, 180, 228, 241,
Franco-Prussiana ........................51, 468, 496, 497 285, 324, 325, 370, 374, 444, 445, 447, 450, 457,
Napoleônicas ...195, 209, 261, 279, 282, 311, 321, 466, 467, 479, 484, 485
499, 502 papal................................................................ 492
Piemonte-Áustria..................................... 347, 349 Hermes, Georg.......................................157, 305, 480
religiosas............................................ 81, 101, 133 hermesianismo .......................................157, 165, 305
religiosas francesas .......................................... 133 Herzan, František.................................................. 274
Guerra Hessen .................................................................. 293
Franco-Prussiana ............................................. 424 heterodoxia ............................................................. 71
guerra, imagens apocalípticas em Maistre ............ 216 Hideyoshi, Toyotomi ............................................ 421
gueto ..............................................284, 285, 352, 385 hierarquia...............................182, 188, 194, 203, 310
Guglielmi, Pietro Girolamo .................................. 332 católica ..................... 160, 224, 246, 262, 430, 444
Guiana........................................................... 118, 126 celeste................................................................ 63
Guidi, Filippo Maria ..................................... 491, 492 militar França .................................................. 110
guilda .............................................187, 188, 193, 260 social ............................................................... 101
Guilherme de Montpellier..................................... 179 hierocracia .................................................... 170, 181
Guilherme I (Países Baixos) ............................... 252 hipótese................................................................. 189
Guilherme III (Inglaterra) ................................. 74, 98 Hirscher, Johann Baptist von ................................ 304
Guilherme III de Orange......................................... 98 Histoire de la decadence de la France prouv’ee par
guilhotina .............................................................. 122 sa conduite (livro) ............................................. 71
Guizot, François (François Pierre Guillaume Guizot) Histoire universelle (livro).................................... 203
..................................................331, 352, 357, 436 história ...................................................211, 214, 489
Gulliver’s travels (livro) ......................................... 74 Historia Universalis (livro) .................................. 187
Günther, Anton ..................................................... 480 História, teoria da ................................................. 206
Gusmão, Domingos de.......................................... 177 Hobbes, Thomas ........................................69, 74, 188
Gyulai, Ferenc....................................................... 404 Hohenstaufen (dinastia) ........................................ 333
Hohenzollern (dinastia) ........................................ 319
Holanda .....................................71, 72, 249, 266, 396
H homem moral........................................................ 205
Homme machine, L’ (livro)..................................... 76
Hontheim, Trier Johann Nikolas von..ver: Febronius,
habeas corpus ....................................................... 334
Justinus
Habsburg-Lotharingen, Rudolf ............................. 276
Hooke, Luke Joseph ............................................... 85
Habsburgo (dinastia).93, 97, 108, 263, 264, 265, 302,
hospital ................................................................. 103
319, 344, 389
hóstia consagrada.................................................. 245
Haec Sancta (decreto)............................................. 91
huguenote ..................................................70, 73, 101
Haerentem Diu (encíclica).................................... 313
Humanum genus (encíclica).................................. 312
HALES, E. E. Y (Edward Elton Young Hales)..... 439
Humilhados de Lyon (heresia).............................. 177
Halle-Wolfssohn, Aaron ......................................... 85
Hungria............................................79, 118, 178, 264
Hartog, François ..................................................... 22
Haynald, Lajos...................................................... 472
Hébert, Jacques ............................................. 112, 123
hébertiste ...................................................... 112, 123 I
Hebraeorum gens sola (bula)................................ 285
Hefele, Karl Josef von ..448, 452, 471, 473, 474, 483, Iam vos omnes (encíclica)..................................... 459
490, 501 Iamdudum cernimus (alocução).................... 419, 435
Hegel, Friedrich Hegel (Georg Wilhelm Friedrich Idade Média ...... 54, 57, 63, 75, 77, 86, 137, 157, 163,
Hegel) .............................................................. 480 164, 170, 172, 173, 174, 186, 187, 188, 194, 208,
Heidelberg ............................................................ 203

546
209, 224, 228, 247, 262, 272, 320, 327, 376, 459, Itália ................................................................ 431
462, 492, 500 Japão, mártires..................................421, 429, 454
idealismo............................................................... 216 liberal .......................................257, 304, 305, 374
idioma ................................................................... 145 liturgia ..................................................... 429, 490
regional Itália................................................... 330 medieval .......................................................... 169
ignorância ............................................................. 216 monarquia................................................ 170, 172
Igreja Anglicana...................................................... 98 mulher ............................................................. 141
Igreja Católica. 62, 129, 141, 182, 207, 238, 239, 431, nacional ... 53, 84, 91, 93, 138, 147, 157, 158, 163,
ver também: catolicismo 168, 222, 228, 246, 270, 367, 449, 463
alemã ................................164, 449, 460, 461, 471 nacional, hierarquia ......................................... 381
Apostólica Ortodoxa........................................ 376 neutralidade ..................................................... 126
Apostólica Romana ......................................... 376 nobreza francesa .............................................. 102
Áustria ................................94, 271, 351, 381, 471 Oriental.................................................... 451, 472
Áustria, número de fiéis................................... 266 ortodoxia ......................................................... 165
autoridade ........................................ 200, 201, 240 pagamento de indenizações ............................. 126
autoridade, restauração .................................... 208 Países Baixos, número de fiéis ........................ 266
Bavária, número de fiéis.................................. 266 perseguição................................................ 99, 102
belga.........................................252, 253, 305, 426 poder de arbitragem......................................... 225
beligerância ..................................................... 160 poder econômico ............................................. 266
bens ..... 90, 99, 102, 103, 117, 118, 127, 129, 130, poder espiritual...... 50, 84, 96, 159, 168, 170, 171,
141, 162, 185, 209, 247, 261, 267, 269, 272, 172, 174, 176, 178, 179, 204, 223, 282, 300,
356, 390, 396, 446, 451 309, 335, 339, 351, 363, 365, 388, 417
bens católicos considerados sagrados .............. 245 poder secular ver: Igreja Católica poder temporal
britânica................................................... 166, 296 poder temporal... 50, 78, 82, 84, 96, 158, 159, 168,
burocracia ........................................................ 262 169, 170, 171, 172, 174, 176, 178, 179, 181,
clero alemão ............................................ 165, 452 186, 222, 223, 225, 233, 260, 282, 298, 299,
culto................................................................. 105 309, 311, 320, 335, 339, 350, 351, 355, 356,
culto romano.................................................... 128 361, 364, 365, 367, 369, 374, 388, 389, 415,
da Inglaterra..................................................... 228 416, 417, 422, 425, 426, 460, 477, 498
desigualdade social .......................................... 102 Polônia............................................................. 314
dogma .............................................................. 308 Polônia, baixo clero......................................... 313
doutrina............................................................ 338 Polônia, número de fiéis .................................. 266
Espanha, número de fiéis................................. 266 Portugal, número de fiéis................................. 266
Estados Germânicos ................................ 209, 271 princípios................................................... 53, 140
Estados italianos independentes, número de fiéis privilégios.................. ver:privilégios eclesiásticos
................................................................... 266 Prússia ............................................................. 165
Estados Unidos ................................................ 472 Prússia, número de fiéis................................... 266
Europa ..................................................... 221, 260 renda........................................................ 103, 104
Europa, número de fiéis............................. 52, 266 restauração....... 135, 139, 144, 162, 167, 168, 200,
finanças............................................................ 333 221, 226, 229, 234, 263, 266, 272, 273, 276,
França .... 82, 91, 92, 100, 102, 103, 117, 121, 137, 281, 283, 289, 326
141, 142, 149, 151, 153, 156, 163, 167, 230, restauração França........................................... 143
234, 236, 243, 256, 358, 359 russa ........................................................ 209, 313
França, controle pelo Ministério dos Cultos .... 150 Rússia, número de fiéis.................................... 266
França, equilíbrio de forças ............................. 151 Sardenha-Piemonte.......................................... 391
França, estatísticas........................................... 128 subsídios às ordens .......................................... 386
França, feminização......................................... 131 Suíça, número de fiéis ..................................... 266
França, hierarquia ............................................ 136 tesouros artísticos ............................................ 126
França, limitações dos Articles Organiques .... 131 tradição.... 325, 349, 367, 379, 381, 478, 484, 490,
França, número de fiéis ........................... 266, 267 491
França, partido político.................................... 257 tradicionalismo ................................................ 432
França, população............................................ 140 Turquia, número de fiéis.................................. 266
França, religião de Estado................................ 139 unidade ............................................................ 161
Galicana................................................... 182, 209 verdade ............................................................ 308
hierarquia..................................160, 246, 430, 444 igreja constitucional....... 104, 106, 113, 117, 124, 125
Holanda ........................................................... 381 Igreja Galicana.........................92, 131, 136, 137, 163
Hungria............................................................ 463 Igreja Ortodoxa................................54, 219, 221, 454
imprensa .......................................... 282, 304, 441 igualdade .........................79, 110, 162, 195, 212, 259
independência .................................................. 434 igualitarismo ......................................................... 188
Inglaterra ............................................. 67, 98, 381 illuminati .............................................................. 216
intervenção estatal ........................................... 293 iluminação a gás, Estados Pontifícios ........... 284, 336
Irlanda...................................................... 166, 483 Iluminismo.. 52, 53, 66, 77, 78, 79, 81, 85, 89, 95, 96,
Irlanda, número de fiéis ................................... 266 98, 99, 140, 160, 161, 167, 182, 183, 184, 191,
Irlanda, perseguição......................................... 166

547
193, 194, 195, 200, 211, 226, 228, 246, 258, 281, Inquisição . 59, 82, 153, 177, 180, 209, 246, 269, 284,
287, 304, 354, 451, 477, 480 291, 328, 329, 355, 367, 370, 371, 373, 385, 416,
católico ........... 82, 85, 87, 157, 165, 227, 249, 257 432, 443, 446, 450, 452, 469, 477, 500
penal ................................................................ 259 Espanhola ........................................................ 153
imaculada concepção de Maria (dogma)...... 161, 372, Papal................................................................ 153
375, 378, 379, 381, 431, 454, 456 instinto .................................................................. 211
imigração .............................................................. 109 instituição de caridade .......................................... 272
imoralidade ............................................................. 83 intelectual ..................................................... 162, 216
imortalidade da alma............................................... 61 intelectualidade católica........................................ 272
Império inteligência
Carolíngio................................................ 174, 175 criadora............................................................ 192
Francês ............................................................ 137 humana ............................................................ 192
Romano ........................................... 187, 388, 443 intencionalidade.................................................... 211
imperium............................................................... 175 Inter multiplices (encíclica) .......................... 327, 370
imposto ................................................................. 293 Inter plura illa mala (Breve Apostólico) .............. 135
imprensa.. 50, 142, 247, 308, 317, 318, 377, 385, 429, Inter praecipuas machinationes (carta apostólica) 324
447 interesse comum ................................................... 191
católica .... 249, 282, 304, 326, 369, 374, 429, 441, intransigência........................................................ 422
464, 474, 478, 500 investidura ............................................................ 176
católica, liberal ................................................ 430 canônica.................... 104, 128, 132, 136, 137, 231
censura ............................................................ 245 leiga................................................................. 175
conservadora............................................ 106, 342 Irlanda............................ 166, 179, 249, 295, 297, 313
correspondente estrangeiro .............................. 479 governo britânico............................................. 166
francesa...................................................... 71, 436 Grande Fome ........................................... 166, 330
holandesa ........................................................... 71 Igreja Protestante............................................. 167
Imprimatur si videbitur......................................... 242 nacionalismo católico ...................................... 167
imunidade irreligião ............................................................... 286
clerical ............................................................. 483 Isabel de Castela (Espanha) .................................. 153
eclesiástica....................................... 271, 391, 392 Isabel II (Espanha)................................................ 209
fiscal e tributária .............................................. 391 Isidoro de Sevilha ........................................... 77, 172
In eminenti (bula) ................................... 95, 292, 312 islamismo........................................................ 75, 385
In hac sublimi (constituição apostólica)................ 280 Isoard, Joachim-Jean-Xavier d’ ............................ 289
In supremo apostolatus fastigio (carta apostólica) 323 Itália...................................................................... 341
independência unificação .. 48, 268, 279, 287, 312, 330, 333, 340,
América espanhola .......................................... 270 342, 343, 344, 349, 351, 356, 365, 372, 387,
eclesiástica....................................................... 168 397, 400, 413, 425, 429, 430, 431, 440, 502
nacional ........................................................... 313 iura maiestatica circa sacra ................................... 70
Index Librorum Prohibitorum.59, 64, 78, 83, 93, 154, iura maiestatica circa sacra (princípio) ................. 69
157, 160, 256, 269, 310, 327, 328, 329, 352, 370, ius
371, 381, 383, 429, 432, 443, 446, 462, 469, 477, advocatie ........................................................... 70
500 appellationis ...................................................... 70
indiferentismo161, 234, 235, 285, 286, 292, 308, 309, cavendi .............................................................. 70
338, 434, 445, 450 divinum (princípio) ............................................ 84
Indifferentismus, Latitudinarismus ....................... 235 dominii eminentis .............................................. 70
individualismo ...............................184, 187, 211, 316 exclusivae .......................................................... 70
indivíduo............................................................... 194 inspectionis........................................................ 70
indulgência.................................................... 286, 291 inspiciendi ......................................................... 70
indústria ................................................................ 383 protectionis........................................................ 70
industrialização, consequências sociais ................ 165 reformandi......................................................... 70
Ineffabilis Deus (bula) .................................. 379, 380
infalibilidade ............................92, 152, 159, 222, 429
da Igreja....................240, 478, 486, 488, 490, 494 J
espiritual .......................................................... 223
papal ...... 27, 50, 98, 167, 168, 186, 207, 222, 257,
Jacobini, Lodovico........................................ 450, 451
381, 441, 447, 448, 450, 453, 454, 456, 460,
jacobinismo............................................117, 122, 354
462, 463, 464, 466, 467, 468, 470, 471, 478,
jacobino 107, 109, 112, 116, 117, 122, 123, 124, 162,
481, 482, 486, 487, 488, 489, 490, 492, 493,
212, 216, 317
503
Jacques Sadeur, Nouveau voyage la terre australe
temporal........................................................... 223
(livro) ................................................................ 73
inflação ................................................................. 382
Jaime II (Grã-Bretanha) .......................................... 98
influência religiosa................................................ 216
Jaime II (Inglaterra) ........................................ 74, 296
Inglaterra................137, 166, 173, 178, 179, 185, 268
jansenismo ...... 53, 84, 95, 96, 97, 102, 153, 154, 157,
Inguanzo y Rivero, Pedro de................................. 289
160, 270, 292, 299, 374, 429, 444, 448, 477
inimigos em Maistre, noção de ............................. 216
jansenista .............................................................. 216

548
Jansenius, Cornelius Otto........................................ 95
Janusver: Döllinger, Ignaz (Johann Joseph Ignaz von
K
Döllinger)
jardim de infância ......................................... 265, 287 Kant, Immanuel .......................................55, 265, 480
Jean-Marie du Lau'Alleman, Jean-Marie du ......... 116 Karl Wilhelm Ferdinand von Braunschweig-
Jerusalém ...................................................... 177, 398 Wolfenbüttel.................. ver: Brunswick, duque de
jesuíta.. 59, 70, 71, 73, 76, 77, 86, 88, 95, 96, 97, 144, Katholik (jornal) ................................................... 461
154, 159, 161, 210, 218, 219, 221, 244, 246, 256, Katholische Vereinigungen (associação de caridade)
265, 270, 281, 282, 283, 287, 303, 311, 321, 328, ......................................................................... 165
337, 339, 352, 369, 371, 372, 374, 379, 386, 398, Kepler, Johannes..................................................... 62
421, 431, 441, 443, 461, 462, 465, 475, 492, 500 Ketteler, Wilhelm Emmanuel Freiherr von...471, 486,
estatística ......................................................... 270 491
expulsão..................................86, 96, 97, 219, 265 Kleutgen, Joseph Wilhelm Karl.................... 476, 480
Jesuite seculariste, Le (livro) .................................. 71 Koblentz ............................................................... 108
Jesus Cristo62, 66, 68, 75, 87, 91, 159, 171, 239, 240, Kölner Wirren (incidentes em Colônia ................. 323
248, 256, 308, 318, 338, 376, 423, 434, 440, 455, Kölner Wirren (incidentes em Colônia)........ 157, 322
457, 484, 495 Kolowrat-Liebsteinsky, Franz von........................ 340
dupla natureza.................................................. 467 Krebs, Nicolau........................................................ 57
natureza divina................................................. 466 Kritikos, Konstantinos ...... ver: Cirilo II (patriarca de
João Sem Terra (Inglaterra) .................................. 179 Jerusalém)
jornalismo católico................................................ 163 Kulturkampf.................................................. 165, 323
jornalista ............................................................... 216
José I (Áustria)........................................................ 94
José I (Espanha).................................................... 136 L
José I (Portugal)...................................................... 97
José II (Áustria) .................................93, 95, 264, 396 La Mennais, Jean-Marie ....................................... 229
José II (Sacro Império Romano-Germânico) .... 93, 94 La Mettrie, Julien Offray de ................................... 76
josefinos (heresia) ................................................. 177 Labouré, Catherine ....................................... 375, 377
josefismo............ 53, 94, 157, 163, 164, 170, 286, 292 Lacordaire, Jean-Baptiste Henri-Dominique . 41, 249,
Journal de Bruxelles (jornal) ................................ 430 250, 254, 257, 305, 306, 359, 403, 501
Journal de Littérature, des Sciences et des Arts laicidade.........................................105, 114, 243, 320
(revista).............................................................. 86 Lamartine, Alphonse (Alphonse Marie Louis de Prat
Journal de Trévoux (revista) ................................... 86 de Lamartine) .................................................. 357
Journal des Débats (jornal) .................................. 436 Lambruschini, Luigi ..... 256, 303, 306, 309, 321, 331,
Journal des Sçavans (revista acadêmica)................ 64 334, 335, 338, 378, 392, 500
Journées de Septembre ......................................... 116 Lamennais et le Saint-Siège, 1820-1834: d’après des
judaísmo...........................75, 118, 131, 285, 384, 385 documents inédits et les archives du Vatican
judeu73, 101, 205, 216, 231, 272, 284, 314, 383, 384, (livro) .............................................................. 254
385 Lamennais, Hugues-Félicité Robert de...27, 156, 164,
atividades permitidas ....................................... 285 167, 186, 188, 200, 202, 227, 229, 230, 231, 232,
conversão................................................. 385, 386 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 242, 243, 244,
dissidente ........................................................... 67 245, 246, 247, 248, 249, 250, 251, 252, 253, 254,
emigração ........................................................ 284 255, 256, 257, 272, 283, 305, 306, 307, 308, 309,
sequestro.......................................................... 385 310, 319, 325, 342, 357, 359, 425, 427, 428, 500,
Júpiter, luas de ........................................................ 64 501
juramento Lamennais, Jean-Marie (Jean-Marie de La Mennais)
de fidelidade ...............................67, 176, 291, 293 ..........................................................228, 232, 236
de fidelidade, Articles Organiques .................. 132 Lamoricière, Louis Juchault de............................. 410
de lealdade. 67, 105, 106, 109, 113, 120, 126, 128, Lamourette, Adrien................................................. 85
133, 135, 276, 289, 291, 293 Lante, Antonio...................................................... 277
de obediência................................................... 293 Lanza, Giovanni (Domenico Giovanni Giuseppe
jurisdição Maria Lanza) ................................................... 498
eclesiástica....................................................... 173 Latil, Jean-Baptiste de .......................................... 289
episcopal.......................................................... 169 latim............... 145, 165, 285, 437, 451, 463, 474, 477
espiritual .......................................................... 170 latitudinarismo ...................................................... 434
estatal....................................................... 180, 262 Le Coz, Émile....................................................... 128
papal .............................................. 67, 84, 93, 104 Le Mans................................................................ 121
temporal........................................................... 170 Le Vayer, François La Mothe ................................. 74
jus exclusivae ........................................ 274, 280, 298 lealdade....................................................67, 157, 259
justiça...................................................... 68, 296, 308 civil.................................................................... 67
Justiniano, imperador (Roma)............................... 173 legação apostólica.......... 268, 269, 302, 343, 364, 405
legazioni
minori .............................................................. 268
pontificie.......................................................... 268

549
superiori .......................................................... 268 segundo Pio IX ........................................ 354, 355
Legge dei Conventi ............................................... 395 Lhuys, Édouard Drouyn de................................... 435
Legge detta delle guarentigie (lei) ........................ 498 libera chiesa in libero stato (princípio) 414, 418, 435,
Leggi Siccardi....................................................... 393 498
legislação civil ...................................................... 483 liberal............................................................ 161, 216
legislação disciplinar da Igreja.............................. 445 liberali ....................................... ver: também: politici
legitimidade papal................................................. 159 liberali (facção do cardinalato)..............274, 281, 331
lei liberalismo ...... 51, 140, 161, 162, 169, 182, 186, 203,
anticlerical ....................................................... 420 208, 211, 227, 243, 247, 248, 249, 250, 252, 253,
antisacrilégio .................................................. 245 281, 286, 288, 297, 304, 305, 307, 320, 335, 341,
canônica........................................... 134, 261, 262 364, 365, 367, 372, 374, 375, 390, 428, 435, 436,
civil.................................................................. 477 437, 438, 440, 461, 462
Comum Prussiana.............................................. 66 liberdade ... 68, 79, 123, 162, 193, 195, 211, 216, 227,
da gravitação universal ...................................... 62 246, 247, 252, 253, 259, 296, 359, 426, 501
de Bonald......................................................... 114 autonomia corporativa ..................................... 188
divina............................................... 214, 369, 484 civil.......................................................... 427, 483
escrita .............................................................. 130 corporativa....................................................... 193
Legge detta delle guarentigie .......................... 498 da educação ..................................................... 252
Les Ordonnances de Saint-Cloud .................... 294 da Igreja................................................... 252, 501
medieval .......................................................... 206 de associação.................................................. 250
natural.............................................................. 193 de consciência ... 67, 140, 161, 247, 250, 308, 309,
Leibniz, Gottfried Wilhelm von.........55, 88, 226, 229 417, 433
leigo ...................................................... 118, 148, 262 de consciência religiosa................................... 286
apostolado........................................................ 161 de culto ......... 67, 69, 125, 127, 128, 247, 432, 433
Leipzig .................................................................... 89 de educação .................................................... 250
leis de ensino......................................................... 247
da natureza....................................................... 214 de expressão .....................68, 69, 79, 81, 260, 479
de movimento planetário ................................... 62 de imprensa ... 69, 79, 81, 247, 250, 260, 262, 294,
Lemberg................................................................ 265 318, 336, 374, 447
Leopoldo I (Bélgica) ........................................... 252 de opinião .........................127, 140, 247, 262, 309
Leopoldo II (Áustria) ............................................ 264 de pensamento .. 67, 68, 79, 81, 184, 228, 260, 450
Leopoldo II (Prússia) ............................................ 108 de reunião ....................................................... 250
Leopoldo II (Sacro Império Romano-Germânico) 108 individual..............................................66, 68, 202
Leopoldo II (Toscana) .......................... 209, 389, 403 intelectual ........................................................ 462
Les libertés de l’Église Gallicane (livro) ...... 131, 169 na antiguidade ................................................. 105
Les soirées de Saint-Pétersbourg (livro)............... 213 política..................................79, 81, 248, 427, 462
Lesseps, Ferdinand (Ferdinand Marie de Lesseps) 357 popular............................................................. 258
Lettres à un gentilhomme russe sur l’Inquisition religiosa51, 66, 68, 71, 79, 81, 101, 117, 125, 127,
espagnole (livro).............................................. 226 135, 139, 140, 166, 250, 251, 260, 262, 266,
Lettres d'un royaliste savoisien à ses compatriotes 305, 427, 441, 462, 483, 487
(livro)............................................................... 209 liberdades galicanas ...........90, 92, 102, 151, 154, 168
Lettres et opuscules inédits du comte Joseph de libertas philosophandi ............................................ 68
Maistre (livro) ................................................. 226 Libertés de l’Église Gallicane, Les (livro)..... 90, 151,
levante 156
camponês ......................................................... 119 libertés galicennes .............. ver: liberdades galicanas
católico ............................................................ 118 licenciosidade ....................................................... 284
contrarrevolução ...................................... 118, 141 Licet ad capiendo (bula) ....................................... 177
de 1830 .................................................... 295, 296 liga alfandegária, territórios italianos.................... 341
de 1848 ............................................................ 344 Liga Schmalkaldic .................................................. 79
de Nápoles ....................................................... 315 Liguori, Alphonsus ............................................... 161
de Novembro (Polônia) ........................... 313, 314 Limbourg .............................................................. 293
de Palermo....................................................... 357 língua
dos barões, Inglaterra....................................... 179 Italiana..................................................... 285, 330
Estados Pontifícios ..279, 295, 301, 302, 310, 313, nacional ..............................................95, 286, 463
404 linguagem ............................................................. 145
França .............................................................. 294 Lisboa, terremoto de ............................................... 88
La Vendée................................................ 119, 120 Lisle, Rouget de.................................................... 110
monarquista ..................................................... 126 literatura
na Romagna..................................................... 358 cristã .................................................................. 89
na Toscana....................................................... 403 de viagem .......................................................... 73
Paris................................................................. 357 eclesiástica....................................................... 145
península italiana ............................................. 389 Litteris altero abhinc (encíclica)................... 292, 322
popular............................................................. 331 liturgia ........................... 160, 326, 327, 370, 447, 473
Reino das Duas Sicílias ................................... 408 Articles Organiques......................................... 132

550
galicana.................................................... 325, 326 Maistre, Joseph-Marie de.. 27, 28, 156, 164, 168, 186,
música.............................................................. 326 188, 190, 192, 193, 194, 195, 196, 199, 201, 202,
ortodoxa................................................... 325, 327 209, 210, 211, 212, 220, 221, 222, 223, 224, 225,
livre-arbítrio.......................................................... 467 226, 227, 233, 234, 237, 240, 243, 251, 272, 283,
livre-comércio....................................................... 260 319, 422, 460, 464, 477, 500
livre-pensador ......................................................... 74 imagens apocalípticas...................................... 216
livro noção de inimigos............................................ 216
proibição............................................................ 59 mal ........................................................................ 213
religioso............................................................. 89 malária .................................................................. 420
Locke, John............66, 67, 71, 72, 74, 85, 87, 96, 158 Malebranche, Nicholas ........................................... 60
lógica .................................................................... 184 Maleville, Jacques de............................................ 130
dedutiva ................................................... 191, 373 Malthus, Thomas .................................................. 385
Loi 22 Prairial .............................................. 122, 124 Mamiani, Terenzio.................................350, 351, 365
Loi anti-sacrilège................................................. 245 manchas solares ...................................................... 64
Loi de la Grande Terreur...................................... 122 Manifesto de Brunswick ....................................... 111
Loi des Suspects.................................................... 122 Manning, Henry Edward ......454, 455, 459, 478, 479,
Loi du 18 Germinal an X ..... ver: Articles Organiques 486, 487, 489, 490, 493, 495
Lombardia..............................287, 297, 331, 340, 397 Manuel du droit public ecclésiastic francais (livro)
agitação política....................................... 343, 347 ......................................................................... 150
lombardos ............................................................. 388 Manuel du droit public ecclésiastic français (livro)
Longwy, tomada de............................................... 115 ......................................................................... 154
Louis Stanislas Xavier ........................ ver: Luís XVIII mão morta..............................247, 390, 392, 393, 483
Louvre, Museu do ................................................. 126 Mar Negro ............................................................ 398
Loyola, Inácio de .................................... 59, 332, 385 Marat, Jean-Paul ......................................99, 115, 116
Ludwig I (Bavária)........................................ 165, 449 marca da infâmia .................................................. 284
Luís da Áustria, Arquiduque (Luís José Antônio Marcellus, Conde (Lodoïs de Martin du Tyrac).... 221
João) ................................................................ 340 Marche...........................................301, 404, 405, 409
Luís Filipe I (França) ....149, 245, 256, 294, 295, 297, Marco y Catalán, Juan Francisco .......................... 298
321, 344, 352, 357, 358, 369, 390 Maret, Henry.. 452, 463, 470, 483, 485, 491, 493, 501
Luís I (França) ...................................................... 174 Marguerye, Frédéric-Gabriel-Marie-François de.. 148
Luís XIII (França)................................................. 102 Maria (mãe de Jesus) ...... 85, 118, 154, 161, 286, 303,
Luís XIV (França).70, 73, 91, 94, 102, 132, 153, 154, 375, 376, 379, 380, 385
160, 245 aparição ................................................... 375, 376
Luís XV (França) .................................... 76, 102, 132 aparição de La Salette...................................... 377
Luís XVI (França)...99, 100, 101, 102, 104, 108, 109, Reforma Protestante ........................................ 377
110, 111, 112, 113, 115, 117, 121, 203, 211, 228, santidade.......................................................... 376
282 veneração......................................................... 376
Luís XVIII (França) ......103, 139, 182, 185, 213, 221, Maria Antonieta (França).............................. 108, 122
231, 233, 243, 244, 276 Maria II (Inglaterra)................................................ 74
luteranismo ........................................73, 79, 106, 325 Maria Teresa (Áustria).......................................... 264
luterano ............................................67, 101, 131, 322 marianismo ........................................................... 376
Lutero, Martin..... 52, 72, 80, 125, 157, 224, 228, 370, Marquês d’Argens ......... ver: Boyer, Jean-Baptiste de
457 Marquês de Pombal ................................................ 97
Lützow, Rudolf von .......................299, 336, 339, 341 Marseillaise, La .................................................... 110
Luzerne, César-Guillaume de la............................ 276 Martignac, Visconde de (Jean-Baptiste Sylvère Gay)
Lyon.............................................................. 129, 226 ......................................................................... 294
martinismo............................................................ 210
Mártires
M de Compiègne.................................................. 122
de Valenciennes............................................... 125
Maryland ................................................................ 66
Macchi, Vincenzo ................................................. 332
massacre ................................................................. 70
Macerata
Massacres de Septembre........................113, 116, 123
universidade..................................................... 286
Massimo, Francesco Saverio ........................ 328, 329
Machtstaat (doutrina política)............................... 264
Mastai Ferretti, Giovanni Maria .......ver: papa Pio IX
maçom .......................................................... 216, 272
matemática...................................................57, 58, 59
maçonaria...... 122, 210, 286, 312, 313, 354, 383, 395,
materialismo ....................................76, 216, 429, 445
433
matrimônio ......................................... ver: casamento
loja de Lyon..................................................... 210
Mattei, Lorenzo Girolamo .................................... 328
Mãe de Deus ......................................................... 161
Maxima quidem (alocução)........................... 422, 434
magia ...................................................................... 83
Maximilian II (Bavária)................................ 165, 449
Magna Carta Libertatum ...................................... 179
Mazzini, Giuseppe 312, 337, 342, 343, 356, 357, 398,
Mai, Angelo .......................................................... 328
399, 401, 408, 418, 498
Mainz.................................................................... 293
Méan, Francis Anthony de.................................. 252
Maistre oeuvres complètes (livro)......................... 226

551
mecânica clássica.................................................... 62 Modena......................................................... 297, 301
Médaille Miraculeuse ........................................... 375 Mohammed (profeta) .............................................. 75
medievalismo........................................ 164, 208, 326 Moisés (profeta).............................................. 75, 240
medievalismo religioso ......................................... 319 Molinos, Miguel de............................................... 153
Meditationes de Prima Philosophia (livro)............. 61 Molyneux, William................................................. 74
Melo, Sebastião José Carvalho e........ver: marquês de Monadologie (livro).............................................. 226
Pombal monaquismo ................................................... 87, 177
Mémoire sur la question de l’immaculée conception monarquia ..............................170, 203, 206, 207, 223
de la trés Sainte Vierge (livro)......................... 378 absoluta ......................81, 100, 170, 224, 233, 246
Mémoires de Trévoux (revista) ............................... 86 constitucional .......................................... 213, 315
Mémoires politiques et correspondance diplomatique da Igreja........................................................... 157
(livro)............................................................... 226 europeia ....................................140, 265, 311, 335
Mémoires pour l’Histoire des Sciences & des Beaux- França................................................................ 90
Arts (revista) ...................................................... 86 França, queda .............................51, 112, 113, 121
Mémoires pour servir à l’histoire du jacobinisme papal ........................................................ 170, 172
(livro)............................................................... 354 monarquismo ........................................................ 125
Memoirs of a woman of pleasure (livro)................. 76 levante ............................................................. 126
Mendelssohn, Moisés.............................................. 85 monastério .............................................................. 86
menonita ......................................................... 72, 131 monismo ............................................................... 325
Merkle, Sebastian ................................................... 82 Moniteur du Culte de la Raison............................ 123
Merlin de Thionville ............................................. 115 monopólio............................................................. 260
Merlin, Antoine..................................................... 115 Montagnard........................................................... 107
Mérode, Frédéric-François............................ 371, 410 Montalembert, Conde de (Charles Forbes René de
Mérode, Xavier de ................................ 411, Consulte Tryon) 41, 249, 254, 257, 305, 306, 321, 359, 403,
merovíngio, monarcas........................................... 170 410, 426, 428, 430, 432, 464, 465, 501
Mersenne, Marin..................................................... 59 monte de Vênus ...................................................... 76
metafísica...............................16, 55, 59, 62, 200, 226 Montesquieu, Barão de La Brède e de (Charles-Louis
metodista............................................................... 131 de Secondat) .........................74, 77, 123, 204, 259
método moral..................................................................... 319
cartesiano............................................... 56, 60, 64 cristã ................................................................ 434
científico................................................ 55, 56, 60 pública ..................................................... 221, 316
experimental ...................................................... 54 moralidade ...............................................65, 316, 318
matemático ........................................................ 57 coletiva ............................................................ 200
Metternich (Klemens Wenzel Nepomuk Lothar, cristã ................................................................ 444
Príncipe de Metternich-Winneburg zu Beilstein) moribundo............................................................. 210
..... 19, 40, 140, 170, 244, 254, 263, 265, 268, 271, Mortara, Edgardo.................................................. 385
274, 278, 282, 288, 290, 294, 297, 299, 301, 302, mortos
306, 309, 310, 311, 313, 314, 315, 316, 317, 318, cólera (1837) ................................................... 304
331, 332, 336, 339, 340, 341, 342, 343, 344, 350, Grande Terreur ....................................... 117, 122
365 revolta monarquismo ....................................... 126
Mezzofanti, Giuseppe Gasparo ..................... 328, 329 Revoltas Camponesas........................................ 72
Micara, Ludovico.................................................. 289 terremoto de Lisboa........................................... 88
milagre .................................................... 85, 214, 481 Vendée............................................................. 121
Milão, capital do Reino da Itália (1805) ............... 291 Mortua manus.....................................ver: mão morta
milícia ................................................................... 338 mosteiro .............................94, 99, 116, 188, 257, 325
papal .........................................312, 334, 338, 385 mosteiro carmelita, ataque .................................... 116
militância motu proprio......................................................... 363
católica ............................................................ 163 Mousquetaires (tropa militar) ............................... 203
política............................................................. 186 Movimento de Oxford .......................................... 448
militarização da política........................................ 264 movimento, constância do ...................................... 60
Mill, John Stuart ................................................... 383 Mozart, Wolfgang Amadeus................................. 326
Millau ................................................................... 203 muçulmano
Milton, John............................................................ 85 conversão......................................................... 385
Minghetti, Marco .......................................... 334, 348 dissidente........................................................... 67
Ministério da Educação Pública ......................... 321 mulher................................................................... 133
Ministério dos Cultos........ver França, Ministério dos mulheres, Estados Pontifícios ............................... 284
Cultos Multiplices inter (constituição pontifícia).....469, 473,
Mirabeau, Conde de (Honoré Gabriel Riqueti) ..... 103 474
Mirari vos (encíclica)....254, 255, 302, 307, 310, 425, mundo físico ......................................................... 125
428, 433 Munique........................................................ 165, 449
missa ............................................................. 129, 325 Müntzer, Thomas.................................................... 72
missa, Articles Organiques ................................... 132 Muratori, Ludovico Antonio................................... 85
misticismo............................................................. 184 museu
cristão .............................................................. 210 Estados Pontifícios .......................................... 329

552
Museu Gregoriano Egípcio ................................... 329
música litúrgica..................................................... 326
O
Mussolini, Benito.................................................. 498
Oakeshott, Michael............................................... 191
óbito, registro de ................................................... 114
objeto sagrado....................................................... 245
N obra de caridade.................................................... 133
obscurantismo....................................................... 216
nacionalismo ..... 84, 98, 161, 264, 268, 295, 296, 297, Observations sur la controverse soulevée
312, 317, 322, 330, 387 relativement a la définition de l’infallibilité au
alemão ............................................................. 449 prochain concile (livreto) ................................ 464
italiano..... 312, 331, 332, 342, 343, 344, 349, 350, ocultismo .............................................................. 354
351, 356, 364, 372, 375, 387, 389, 453 Odescalchi, Carlo.................................................. 276
Nantes ................................................................... 118 Offreducci, Chiara d’ ......................ver: Clara (santo)
Napoleão............................ver: Bonaparte, Napoleão Ollivier, Émile .............................................. 458, 483
Napoleão III (França)......51, 358, 387, 398, 399, 400, opinião pública ............................................. 247, 474
402, 404, 405, 406, 407, 409, 410, 416, 418, 420, Opinion National (jornal) ..................................... 436
421, 422, 423, 424, 430, 435, 436, 444, 452, 463, oração ........................................................... 186, 214
465, 483, 497, ver também Luís-Napoleão Articles Organiques......................................... 132
(Charles-Louis Napoléon Bonaparte) pelas almas ........................................................ 88
Nápoles ....................................96, 135, 136, 312, 315 pelos mortos ...................................................... 88
Reino de................................................... 265, 319 pública extraordinária...................................... 132
Naro, Costantino Patrizi........................................ 443 Orange (dinastia) .................................................. 369
Nasalli, Ignazio ..................................................... 289 Oratoire de Saint Philippe Néri (escola) ............... 203
nascimento ............................................................ 114 Oratoriens (ordem religiosa) ................................ 203
Natal ..................................................................... 132 órbita terrestre......................................................... 63
Naturalis Historiae (livro) ...................................... 77 ordem.......................................69, 182, 183, 186, 193
naturalismo ....................................434, 445, 450, 480 moral ............................................................... 184
natureza................................................................. 215 moral religiosa......................................... 178, 246
humana ...................................................... 55, 211 pública ..................................................... 130, 194
Naude, Gabriel........................................................ 74 Ordem de Malta (ordem religiosa)........................ 177
negação ................................................................. 235 Ordem Dominicana (ordem religiosa) .......... 177, 380
Nelle istituzioni (edito).......................................... 346 Ordem dos Pregadores (ordem religiosa)......177, 240,
neoguelfismo............................43, 332, 333, 349, 365 380
neotomismo .................................................. 373, 375 ordem religiosa ..... 59, 68, 84, 86, 87, 95, 97, 99, 102,
nestorianismo........................................................ 466 103, 113, 137, 147, 151, 152, 177, 221, 270, 283,
neutralidade religiosa............................................ 286 375, 395, 421, 432, 440, 451, 468
New York Times, The (jornal) ............................... 386 Caetanos .......................................................... 283
Newman, John Henry ........................... 448, 489, 501 Carmelites ....................................................... 122
Newton, Isaac ........................................... 62, 96, 229 Carmes Déchaux ............................................. 133
Nicolau de Cusa...................................................... 57 Cavaleiros Hospitalários.................................. 177
Nicolau I (Rússia) ..................286, 306, 313, 314, 398 Cavaleiros Teutônicos ..................................... 177
Nieuwentijt, Bernard............................................... 75 Cavaleiros Teutônicos de Santa Maria de
nobreza ......................................................... 185, 289 Jerusalém.................................................... 177
abolição ........................................................... 109 Citeaux ............................................................ 102
Nogaret, Guillaume de .......................................... 181 Clarisses Capucines......................................... 133
Non semel (alocução) ........................................... 349 Clérigos Regulares da Divina Providência ...... 283
Non Semel (alocução) ........................................... 350 Clérigos Regulares de São Paulo..................... 432
Normandia ............................................................ 179 Cluny ............................................................... 102
Nossa Senhora Compagnie des Prêtres de Saint-Sulpice......... 152
de La Salette .................................................... 377 Congregação da Missão............147, 149, 152, 375
de Laus ............................................................ 375 Congregação das Filhas da Caridade de São
Notre-Dame, catedral.................................... 123, 137 Vicente de Paulo ........................................ 375
Nouveau Testament en français avec des réflexions Congregação Lazarista ............................ 147, 149
morales sur chaque verset, Le (livro) .............. 153 Congregação Vicentina ............147, 149, 152, 375
Nouvelles Ecclésiastiques (jornal) .......................... 96 crescimento século XIX .................................. 131
novena..................................................................... 95 de Malta........................................................... 177
noviciado .............................................................. 135 de São Francisco.................................99, 380, 386
Novit ille (decreto) ................................................ 179 de São João...................................................... 177
Nullis Certe Verbis (encíclica).............. 406, 407, 450 do Templo ....................................................... 177
núncio apostólico .......................................... 282, 287 Dominicana ........................99, 177, 257, 421, 492
dos Frades Menores............................99, 380, 386
dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de
Salomão ..................................................... 177
dos Pregadores............99, 177, 240, 257, 421, 492

553
feminina........................................................... 133 Agatho ............................................................. 466
Grande Chartreuse ........................................... 102 Alexandre II..................................................... 175
La Trappe ........................................................ 102 Alexandre VIII .................................................. 92
monástica de cavaleiros ................................... 177 Benedito XII.................................................... 391
Oratoriens ....................................................... 203 Bento XII......................................................... 328
Ordem de Malta............................................... 177 Bento XIII ......................................................... 82
Pobres Cavaleiros de Cristo............................. 177 Bento XIII (antipapa) ........................................ 49
Premontré ........................................................ 102 Bento XIV ....................78, 82, 292, 312, 383, 391
Sainte-Ursule ........................................... 125, 133 Bento XV ........................................................ 126
São Bento ...........................87, 289, 299, 325, 326 Bonifácio VIII ... 90, 158, 159, 169, 171, 177, 180,
Seráfica.............................................. 99, 380, 386 223, 391
Soberana e Militar Hospitalária de São João de Bonifácio VIII (prisão) .................................... 181
Jerusalém, de Rodes e de Malta ................. 177 Callixtus II......................................................... 49
Très-Sainte-Annonciation................................ 133 Clemente II...................................................... 175
ordenação.............................................................. 134 Clemente VI .................................................... 391
Ordonnances de Saint-Cloud, Les (lei) ................. 294 Clemente VII ..................................................... 94
Ordre de Chevaliers Maçons Élus Coëns de Clemente XI .................................94, 96, 153, 154
l'Univers, L’ (ordem maçônica) ....................... 210 Clemente XII ........................................... 292, 312
Ordre Martiniste Traditionnel ............................... 210 Clemente XIII............................................ 78, 391
Oriente Próximo.................................................... 177 Clemente XIV ......................97, 98, 287, 311, 396
Orléans (dinastia).................................................. 294 Estêvão II ........................................................ 388
ortodoxia............................................... 241, 253, 370 Eugênio IV ........................................................ 90
católica .................................................... 165, 287 Gelásio I ...................................171, 173, 174, 179
cristã .................................................................. 72 Gregório I ........................................................ 326
ortodoxia católica.................................................. 153 Gregório IV ..................................................... 174
otimismo ............................................................... 212 Gregório IX ......................................153, 177, 180
otimismo (Jesuíta)................................................... 96 Gregório VII...... 82, 158, 169, 171, 175, 176, 177,
223, 299, 320, 365
Gregório VII (exílio) ....................................... 176
P Gregório X .............................................. 273, 332
Gregório XII...................................................... 49
Gregório XIII................................................... 385
Pacca II, Bartolomeo............................................. 371
Gregório XIV ...................................303, 366, 433
Pacca, Bartolomeo 138, 275, 276, 282, 291, 298, 371,
Gregório XV.................................................... 380
500
Gregório XVI ...... 29, 45, 157, 253, 254, 255, 256,
Pacca, Tiberio ....................................................... 276
257, 281, 283, 289, 299, 300, 302, 303, 305,
paciência ............................................................... 287
306, 307, 311, 312, 313, 314, 320, 321, 322,
pacifismo cristão..................................................... 73
323, 324, 325, 327, 328, 329, 330, 331, 332,
pacto social ........................................................... 199
333, 335, 337, 350, 352, 363, 364, 365, 383,
padre
391, 425, 443, 472, 475
dispensa ........................................................... 148
Honório I ................................................. 466, 471
emigração ........................................................ 117
Honório II........................................................ 333
estatística ......................................................... 148
Inocêncio III .... 158, 169, 172, 177, 178, 179, 180,
exílio................................................................ 117
181, 223, 325, 365
nomeação eclesiástica...................................... 147
Inocêncio IV.................................................... 328
ordenamento .................................................... 255
Inocêncio X ....................................................... 96
remoção ........................................................... 147
Inocêncio XI.............................................. 91, 153
salário .............................................................. 256
Inocêncio XII................................................... 153
transferência .................................................... 148
João IV ............................................................ 466
paganismo............................................. 199, 354, 373
João Paulo II.................................................... 254
Pais apostólicos da Igreja........................................ 95
João XXII ................................................ 126, 274
Países Baixos ... 53, 71, 74, 81, 94, 108, 252, 292, 295
João XXIII (antipapa)........................................ 49
pacifismo cristão................................................ 73
Júlio III .................................................... 391, 457
Palácio des Tuileries ............................................. 112
Leão III............................................................ 174
Pallotta, Antonio ................................................... 279
Leão X................................................90, 102, 104
Palmerston, lorde (Henry John Temple) ....... 407, 420
Leão XII .... 45, 243, 246, 254, 277, 280, 281, 282,
Pamphilj, Giorgio Doria........................................ 276
283, 284, 286, 288, 290, 292, 301, 303, 315,
Panebianco, Antonio Maria .................................. 443
328, 330, 332
pan-eslavismo ....................................................... 398
Leão XIII..........................312, 431, 439, 450, 471
pangermanismo..................................................... 449
Lúcio III .......................................................... 177
pânico moral ......................................................... 456
Martinho I........................................................ 466
Pantaleoni, Diomede............................................. 416
Martinho V .................................................. 49, 90
panteísmo...........................71, 72, 434, 445, 450, 480
Nicolau I.......................................................... 174
papa
Nicolau II ........................................................ 175
Adriano V ........................................................ 328

554
Paulo III..................................59, 82, 84, 153, 457 extinção ........................................................... 104
Paulo IV......................................59, 134, 284, 457 número na França ............................................ 133
Paulo V.........................................59, 82, 134, 380 presença dos bispos ........................................... 84
Pio II................................................................ 328 parricídio .............................................................. 246
Pio III............................................................... 328 Partido Liberal Inglês ........................................... 167
Pio IV ........................................................ 83, 457 Pascal, Blaise........................................................ 229
Pio IX .. 29, 45, 48, 49, 50, 51, 164, 165, 166, 235, Páscoa........................................................... 132, 134
280, 283, 302, 303, 304, 327, 328, 332, 333, Pasolini, Giuseppe ........................................ 334, 348
337, 339, 341, 342, 345, 348, 351, 352, 353, Pasqually, Jacques Martinez de ............................ 210
354, 358, 359, 364, 365, 367, 370, 371, 377, passadismo...................................................... 22, 161
379, 384, 385, 389, 393, 397, 398, 405, 407, passado ................................................................. 189
415, 419, 420, 424, 425, 426, 428, 431, 434, Passaglia, Carlo .....................................161, 378, 379
438, 439, 442, 443, 446, 447, 449, 453, 457, Pastor Æternus (constituição dogmática)...... 50, 164,
458, 461, 467, 468, 469, 470, 472, 474, 475, 230, 465, 487, 495, 497
478, 484, 486, 488, 491, 492, 494, 495, 498 patarinos (heresia)................................................. 177
Pio IX, conselheiros......................................... 370 pater potestas........................................................ 198
Pio IX, deposição............................................. 351 patois .................................................................... 145
Pio IX, exílio em Gaeta ...353, 356, 361, 362, 369, patria potestas ...................................................... 198
371, 372, 373, 378, 431 patriarca ................................................................ 240
Pio IX, formação ............................................. 366 patriarca ecumênico ortodoxo............................... 221
Pio IX, popularidade.................336, 342, 350, 429 Patrie, La (jornal) ................................................. 436
Pio IX, reformas334, 335, 337, 339, 349, 359, 363 patrimônio............................................................. 206
Pio V...........................................83, 118, 285, 326 patriotismo italiano ............................................... 330
Pio VI ...... 45, 94, 98, 99, 103, 106, 107, 113, 117, Patrística ..........................95, 147, 154, 228, 376, 485
126, 162, 267, 272, 274, 275, 298, 299, 442 Patrizi Naro, Costantino........................................ 367
Pio VI (prisão) ......................................... 127, 290 Paulo (apóstolo)............................................ 429, 453
Pio VII ..... 29, 34, 35, 45, 104, 127, 128, 131, 134, Pays Le (jornal) .................................................... 416
136, 137, 162, 231, 243, 258, 265, 268, 269, paz ........................................................................ 212
271, 272, 273, 277, 278, 279, 282, 283, 286, de Augsburgo ............................................ 79, 322
291, 292, 301, 312, 324, 332, 337, 349, 442, de Lunéville..................................................... 261
460 de Westfália......................................32, 80, 81, 82
Pio VII (prisão).........136, 138, 139, 230, 289, 290 de Westphalia .................................................. 261
Pio VIII 29, 45, 277, 279, 291, 292, 293, 295, 296, de Zurique ....................................................... 405
297, 298, 315, 322, 324 pública ............................................................. 194
Pio XI .............................................. 116, 335, 498 pecado..............................................61, 212, 215, 383
Severino........................................................... 466 original (dogma) ....... 55, 61, 78, 88, 202, 379, 481
Sisto IV............................................................ 380 Pecci, Gioacchino (Vincenzo Gioacchino Raffaele
Sixtus V ..................................................... 83, 138 Luigi Pecci-Prosperi-Buzzi) .... ver papa Leão XIII
Teodoro I ......................................................... 466 peculato ................................................................ 334
Urbano II ......................................................... 177 Pedro (apóstolo)...... 91, 170, 172, 174, 176, 177, 179,
Urbano VIII ............................................... 96, 421 229, 233, 423, 429, 442, 453, 455, 456, 493, 495
papado.... 105, 159, 183, 186, 203, 209, 221, 227, 327 Pedro Leopoldo I (grão-duque)............................... 95
autoridade ........................................ 151, 174, 417 pelagianismo........................................................... 61
heresia, possibilidade....................................... 492 Pelagius da Bretanha............................................... 61
limitações dos Articles Organiques ................. 131 pena de morte ................................121, 245, 330, 334
prerrogativas.................................................... 249 península ibérica ................................................... 173
Papado de Avignon................................................. 49 península italiana .. 126, 173, 186, 277, 288, 291, 295,
papatus ................................................................. 175 297, 329
Pape et le Congrès, Le (livro)....................... 416, 422 França e Áustria, hegemonia ........................... 302
Papst und das Concil, Der (livro) ................. 461, 462 intervenção estrangeira............................ 397, 399
Paracelso................................................................. 57 revolução ......................................................... 295
parentesco ............................................................. 207 penitência.............................................................. 161
Paris .......................106, 115, 116, 117, 118, 138, 226 Penitência de Canossa........................................... 176
rendição ........................................................... 111 Penitenciária Apostólica ....................................... 291
universidade............................................... 91, 151 Pénitents noirs (confraria) .................................... 210
parlamentarismo ................................... 296, 369, 375 pensamento
Parlamento francês................................................ 269 aristotélico ......................................................... 57
Parma ............................................................ 297, 301 cartesiano........................................................... 63
Paroles d’un croyant (livro) .251, 255, 256, 308, 309, católico ........................................................ 7, 500
310, 342 católico conservador...........................27, 201, 287
paróquia ................................................ 128, 148, 188 católico e tradição............................................ 427
Articles Organiques......................................... 132 católico liberal......................................... 305, 436
Congregação do Concílio ................................ 269 católico reacionário ......................................... 319
criação ............................................................. 133 científico.........................................56, 57, 64, 240

555
conservador .....161, 190, 193, 194, 195, 197, 202, Piccolomini, Giacomo .......................................... 328
209, 227, 284, 373, 448 Pichegru, Jean-Charles ......................................... 125
conservador, bases........................................... 199 Pie, Louis.............................................................. 378
cristão .......................................................... 56, 57 Pie, Louis (Louis-Édouard-François-Desiré Pie) . 487,
cristão humanista ............................................. 305 489
crítico................................................................. 72 piedade...................................................161, 210, 262
escolástico ......................................................... 57 Piemonte ....................................................... 297, 314
filosófico.................................................... 86, 183 Pignatelli, Fernando Maria ................................... 328
galicano ........................................................... 150 Pithou, Pierre ...........................90, 131, 151, 156, 169
hierocrata ......................................................... 171 placet .............................................................. 70, 293
humano ............................................................ 193 Platão .........................................58, 63, 213, 215, 239
iluminista . 55, 67, 77, 78, 79, 96, 97, 99, 160, 182, plebiscito .............................................................. 137
184, 186, 187, 188, 203, 264 Plínio ...................................................................... 77
laico ........................................................... 52, 429 Plombières, encontros de .......................400, 401, 404
liberal................140, 161, 264, 284, 298, 341, 437 Pluche, Noël-Antoine ............................................. 75
matemático ........................................................ 54 Pobres Cavaleiros de Cristo (ordem religiosa)...... 177
moderno....................................................... 54, 64 poder
político............................................. 173, 174, 187 de império........................................................ 178
protestante ......................................................... 85 espiritual.......................................................... 426
puro ................................................................... 58 monárquico...................................................... 221
racionalista................................................... 54, 78 político............................................................. 222
reacionário 183, 187, 189, 227, 272, 273, 283, 315 secular .......... ver: Igreja Católica poder temporal
reformista católico ....................................... 84, 86 temporal................................................... 426, 502
religioso............................................................. 64 Poème sur le désastre de Lisbonne (poema)........... 88
revolucionário.................................................. 298 poligamia .............................................................. 205
tomista ............................................................... 54 Polignac, conde de (Jules Auguste Armand Marie)
ultraconservador .............................................. 273 ......................................................................... 294
ultramontano............................................ 178, 180 política
ultramontano belicoso...................................... 163 agrária.............................................................. 130
Pentecostes............................................................ 123 secularização ................................................... 125
Pentini, Francesco......................................... 353, 446 política agrária ...................................................... 104
Pepino (Reino Franco) .......................................... 388 politici................................................................... 275
Per venerabilem (decreto)..................................... 179 Polônia... 178, 249, 266, 286, 295, 297, 298, 313, 323
Per Venerabilem (decreto).................................... 181 divisão ............................................................. 267
perdão ................................................................... 336 Levante de Novembro ..................................... 313
peregrinação.....................................95, 154, 161, 286 Revolução dos Cadetes.................................... 313
peregrino............................................................... 342 Pontificia Università Gregoriana ......................... 287
Pères de la Foi, Société du Sacré-Cœur (sociedade Pope, Alexander...................................................... 88
religiosa jesuíta) ............................................. 352 população mista ............................................ 321, 323
perfectibilista ........................................................ 216 Populi Cum (epístola apostólica) .......................... 107
periodização histórica ........................................... 187 populismo católico .............................................. 251
Perpétua Virgindade ............................................. 161 Portalis, Jean-Etienne-Marie.130, 132, 150, 151, 230,
Perrone, Giovanni ................................. 161, 378, 379 352, 460
perseguição Portugal ........... 94, 137, 173, 178, 266, 276, 289, 327
política............................................................. 331 Postquam Dei munere (bula) ................................ 164
religiosa ..................................................... 70, 166 potestas
Perugia spiritualis......................................................... 171
universidade..................................................... 286 temporalis........................................................ 171
pessimismo ........................................................... 212 potestas: ................................................................ 175
jansenismo ......................................................... 96 practical knowledge.............................................. 191
Peter IV (Aragão) ................................................. 391 Préameneu, Félix-Julien-Jean Bigot de................. 130
Petit Dauphin........................................................ 132 preconceito ........................................................... 190
petit séminaire ........................ ver: seminário inferior pregação, Articles Organiques) ............................ 132
Petite Église .......................................................... 128 pregador................................................................ 132
Petrarca, Francesco ............................................... 187 prejudice ........................................190, 191, 192, 212
Petre, Robert Edward.............................................. 98 Premontré (ordem religiosa) ................................. 102
Peuple Constituant, Le (jornal)............................. 357 presente................................................................. 189
Philosophe in nouvelles libertes de penser, Le (livro) presentismo............................................................. 22
........................................................................... 77 presídio ................................................................. 116
Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica (livro) Prêtres Missionnaires de l’Immaculée Conception
........................................................................... 62 (congregação) .................................................. 228
Photius, patriarca ecumênico ortodoxo ................. 221 Primeira República Francesa ........................ 112, 115
Pia Domus Neophytorum...................................... 385 primeiros padres ....................................230, 324, 379
Piccirillo, Carlo..................................................... 461 primogenitura ....................................................... 206

556
primum mobile ........................................................ 63
principado
Q
eclesiástico....................................................... 209
episcopal alemão ............................................. 209 quaker..................................................................... 72
real..................................................................... 69 Quanta Cura (encíclica) ... 16, 50, 371, 424, 431, 432,
principados eclesiásticos germânicos............ 261, 269 433, 442, 447, 469, 503
principauté royale et monarchique a sa source de la Quatre articles (declaração) .....91, 92, 131, 151, 153,
paternelle oeconomie, La (princípio)................. 69 169, 209, 224, 325, 460, 489
príncipe germânico ..........................72, 157, 172, 261 Queen’s Colleges of Ireland ................................. 166
príncipe-bispo ....................................................... 261 Queen’s University of Ireland............................... 166
Principles of political economy (livro) ................. 383 Quel Dio (encíclica).............................................. 314
prisão .................................................................... 276 Quélen, Hyacinthe-Louis de ..................256, 257, 306
perpétua ........................................................... 330 Quelques reflexions sur la censure et sur l’université
prisioneiro............................................................. 120 (artigo)............................................................. 247
privilégio de classe................................................ 259 Quesnel, Pasquier ......................................... 153, 154
privilégios questão romana ..............................413, 416, 423, 424
eclesiásticos .....100, 102, 132, 135, 270, 304, 353, Qui pluribus (encíclica) ................................ 337, 434
392, 447 Quibus quantisque malis (encíclica) ..................... 359
feudais ..................................................... 119, 259 quietismo .............................................................. 153
papais....................................................... 164, 176 Quirinus. ver: Döllinger, Ignaz (Johann Joseph Ignaz
Pro rege Johanne, contra barones (bula) ............. 179 von Döllinger)
procissão ....................................................... 286, 303 Quo graviora (constituição apostólica)..285, 292, 312
Articles Organiques......................................... 133 Quo primum (constituição apostólica) .................. 326
proclamação da República (França)..... 112, 114, 115, Quod aliquantum (encíclica) ................................ 106
118, 121 Quod divina sapientia (bula) ................................ 286
produção agrícola.................................................. 130 Quum memoranda (breve) .................................... 138
professor ............................................... 145, 146, 286
progresso........................161, 184, 202, 206, 211, 455
proletariado........................................................... 161 R
propaganda............................................................ 150
conservadora.................................................... 186 Rabanus Maurus ..................................................... 77
reacionária ....................................................... 186 rabino.................................................................... 285
religiosa ........................................................... 260 raciocínio .............................................................. 191
propriedade .... 192, 196, 197, 203, 205, 247, 338, 347 racionalismo ..... 54, 55, 164, 184, 189, 191, 211, 226,
da terra..... 103, 110, 119, 130, 144, 185, 198, 205, 237, 374, 383, 434, 445, 450, 476, 480
219 político............................................................. 192
da terra, França ................................................ 104 radicalização ......................................................... 113
freira ................................................................ 244 Rafael (Rafael Sanzio, pintor) .............................. 327
privada............................................................... 73 Ragusa, República de............................................ 272
pública ............................................................. 194 Rainha Vitória (Grã-Bretanha) ............................. 399
rural ................................................................. 119 Raphson, Joseph ..................................................... 72
protecionismo ....................................................... 382 Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu
protestante....................70, 71, 73, 131, 216, 272, 322 (Companhia de Jesus)........................................ 97
Áustria ............................................................... 94 Rattazzi, Urbano ................................................... 395
conversão......................................................... 491 Rauscher, Joseph Othmar von ...................... 471, 494
dissidente ........................................................... 67 Rayneval, Alphonsus de ............................... 361, 384
reformado ........................................................ 133 razão . 7, 182, 183, 184, 191, 192, 211, 216, 238, 265,
protestantismo.......49, 59, 78, 82, 106, 125, 159, 165, 438, 480, 481, 500
224, 229, 234, 252, 286, 323, 338, 370, 375, 449, coletiva ............................................................ 238
452, 459, 476, 480 divina............................................................... 200
conservador ....................................................... 72 humana .. 51, 52, 54, 55, 57, 58, 64, 65, 72, 79, 81,
divergente .......................................................... 72 87, 88, 100, 123, 200, 226, 228, 234, 237, 434,
países na Europa .............................................. 266 481
Providas romanorum (constituição apostólica) ... 292, individual......................................................... 238
312 natural.............................................................. 193
Providência .... 105, 184, 213, 251, 367, 425, 477, 497 reação.................................................................... 161
Provincie Unite Italiane........................................ 301 Reação Termidoriana.................................... 125, 130
Prússia... 108, 109, 111, 164, 165, 225, 267, 302, 315, reacionarismo ........................................166, 182, 184
317, 319, 322 realeza................................................................... 206
pacifismo cristão................................................ 73 Reasonableness of christianity, The (livro)............. 72
Prússia, industrialização........................................ 164 reavivamento clerical .......................................... 233
Ptolomeu................................................................. 64 rebelião ................................................................. 301
Pufendorf, Samuel ................................................ 227 Recchi, Gaetano............................................ 334, 348
punição, imagens apocalípticas em Maistre .......... 216 recrutamento militar ............................................. 259

557
recursus abusu ........................................................ 70 restauração............................................................ 162
redenção.......................................................... 78, 210 da autoridade da Igreja .................................... 208
Reflections on the revolution in France (livro) ...... 25, monárquica ...... 139, 140, 168, 225, 234, 263, 265,
185, 212 266, 317, 330
Réflexions sur l’état de l’Église en France au XVIIIe monárquica, França . 114, 185, 213, 220, 231, 243,
siècle (livro)............................................ 228, 229 296, 297
Reform dans la republique des lettres, La (livro) ... 71 revelação52, 54, 55, 68, 75, 78, 79, 81, 100, 105, 199,
Reforma Protestante......49, 56, 57, 66, 72, 73, 84, 93, 200, 234, 235, 238, 239, 240, 265, 338, 478, 480,
158, 161, 182, 183, 224, 228, 234, 260, 282, 372, 481
374, 444, 476, 480 Révellière-Lépeaux, Louis Marie de la................. 125
divórcio............................................................ 262 reversibilidade ...................................................... 214
Reforma Radical ..................................................... 72 revisionismo ......................................................... 110
reformador ............................................................ 216 histórico........................................................... 121
reformismo............................................................ 216 Revolta Holandesa .................................................. 81
Regensburg ........................................................... 286 Revoltas Camponesas ............................................. 72
registro Revolução .............. 208, 216, 253, 294, 315, 318, 340
civil.................................................................. 114 Americana ........................................185, 196, 216
religioso........................................................... 114 Científica ........................................................... 56
regnum .................................................. 171, 172, 177 de 1830 .... 245, 248, 249, 250, 252, 254, 258, 294,
regra vicentina ...................................................... 484 295, 296, 297, 304, 306, 313, 314, 317, 321,
Reichsgraf, Karl Robert (Karl Robert Reichsgraf von 358, 425
Nesselrode-Ehreshoven) .................................. 288 de 1848 .... 165, 166, 257, 265, 340, 344, 352, 357,
Reino 362, 364, 365, 371, 383, 388, 389, 395, 408,
da Itália (1805) ................................................ 291 425, 426, 430, 431, 449
da Sicília .......................................................... 178 de Nápoles....................................................... 315
das Duas Sicílias 97, 297, 314, 357, 398, 399, 400, dos Cadetes (Polônia) ...................................... 313
407 Farroupilha ...................................................... 408
das Duas Sicílias, Revolução de 1848 ............. 344 Francesa... 55, 78, 90, 99, 101, 102, 112, 129, 131,
de Nápoles ....................................................... 279 140, 141, 145, 147, 160, 161, 163, 167, 169,
Unido....................................................... 137, 185 182, 183, 184, 185, 187, 191, 195, 196, 198,
reinos católicos ....................................................... 71 200, 206, 209, 210, 211, 212, 216, 223, 225,
Reisach, Conde Karl-August Graf von ................. 165 232, 233, 237, 246, 258, 260, 263, 265, 272,
Reisach, Conde Karl-August von..443, 444, 445, 446, 274, 282, 292, 298, 299, 303, 305, 317, 325,
447, 463, 469, 487 326, 327, 329, 345, 354, 356, 362, 374, 377,
relação Igreja-Estado ....165, 281, 323, 390, 392, 425, 394, 425, 432, 442
446, 447, 452, 458, 471, 472, 477, 483, 487 Francesa, questão agrária.103, 104, 110, 130, 205,
relativismo cultural ................................................. 56 219, 267
religião .................................................................... 65 Francesa, revisionismo .................................... 110
cívica ............................................................... 105 Gloriosa ....................................................... 74, 98
civil.......................................................... 200, 201 Industrial ........................................................... 52
coesão social.................................................... 213 Revolução de 1830 ................................................. 26
crítica................................................................. 89 Révolution Démocratique et Sociale, La (jornal).. 357
oficial............................................................... 100 Rewbell, Jean-François......................................... 125
verdadeira ........................................................ 235 Ricci, Lorenzo ........................................................ 98
relíquia .......................................85, 95, 118, 154, 262 Ricci, Scipione de ................................................... 95
devoção............................................................ 161 Riccio, Luigi ......................................................... 495
Rémur, William Gabriel Bruté de ......................... 237 Richelieu, Duque de (Armand-Emmanuel-Sophie-
Renânia ..........................................127, 266, 282, 322 Septimanie de Vignerot du Plessis) ................. 243
Renascimento........................................................ 186 riqueza do Estado.................................................. 383
renda, renúncia pelo papado da............................... 90 Risorgimento............ 48, 387, 389, 413, 439, 442, 502
Renouf, Peter le Page............................................ 466 Rivaròla, Agostino................................................ 269
renovação católica................................................. 159 Robespierre, Maximilien de......52, 99, 108, 112, 113,
Repnin, Nikolai Vasilyevich ................................. 267 117, 122, 123, 124
repressão ................177, 264, 313, 318, 319, 331, 385 Robin, Corey......................................................... 196
política......................300, 313, 330, 331, 334, 344 Robinson Crusoe (livro) ......................................... 74
República .............................................................. 118 Rochefoucauld, François-Joseph de la.................. 116
Cisalpina.................................................. 126, 291 Rochefoucauld, Pierre-Louis de la........................ 116
de Roma....................................359, 362, 363, 388 Rogier, Charles ..................................................... 426
Romana............................................................ 127 Rohan Chabot, Louis-François de......................... 296
Romana (antiga) .............................................. 356 Roi Très Chrétien (título real francês) .................. 104
Romana Jacobina............................................. 127 Roma .....................................................126, 138, 254
reservatum ecclesiasticum (princípio) .................... 80 invasão 1870.................................................... 164
resignação ............................................................. 287 universidade .................................................... 286
ressentimento ........................................................ 162 Romagna................................301, 339, 404, 405, 407

558
Roman Catholic Relief Act............................ 296, 327 clero francês .....................103, 125, 129, 130, 146
romance pornográfico ............................................. 76 episcopado, França .......................................... 146
Romani, e quanti (proclama)................................. 345 Salerno.................................................................. 176
romanismo ............................................ 159, 168, 169 Salpêtrière (presídio) ............................................ 116
francês ............................................................. 160 salvação ........................................................ 171, 239
Romanov (dinastia)....................................... 265, 319 Salvador, Bahia..................................................... 327
Rome pendant le concile (livro) ............................ 474 sambenito.............................................................. 284
Römische Briefe vom Konzil (livro) ...................... 475 Sanctissimus (1617) (constituição apostólica) ...... 380
Ronge, Johannes ................................................... 165 Sanctissimus (1622) (constituição apostólica) ...... 380
Roothaan, Jan (Johannes)...................................... 374 sanfedismo............................................................ 338
rosário ..................................................................... 88 sangue................................................................... 214
Rosmini, Antonio Francesco Davide Ambrogio ... 304 sans-culottes .................. 100, 108, 110, 116, 117, 121
Rossi, Pellegrino ......................42, 350, 351, 352, 354 Sanseverino, Stanislao .......................................... 276
Rossini, Gioachino Antonio.................................. 326 Santa Aliança.. 26, 170, 225, 278, 282, 288, 296, 304,
Rota, Pietro ........................................................... 440 305, 319
Rothschild, banco ..........314, 333, 384, 385, 386, 438 Santa Helena (ilha) ............................................... 139
Rothschild, Carl Mayer von.................................. 314 Santa Sé ................................................................ 299
Rottenbourg .......................................................... 293 Santarosa, Pietro de Rossi di................................. 394
Rousseau, Jean-Jacques ..52, 69, 78, 88, 99, 123, 124, Santerre, Antoine-Joseph ...................................... 112
183, 189, 190, 191, 192, 199, 201, 203, 204, 206, Santíssima Trindade ............................................. 481
227, 229, 234, 247, 385 Santíssimo Sacramento......................................... 161
Ruffo, Fabrizio...................................................... 338 santo ..................................................................... 325
Rússia ... 140, 209, 211, 221, 225, 265, 267, 268, 286, Santo Ofício........................................ ver: Inquisição
295, 302, 313, 319 santo, devoção ...................................................... 161
santos padres................................................... 95, 154
Santos Padres........................................................ 433
S santuário ....................................................... 154, 161
Santucci, Vincenzo ............................................... 416
São Bartolomeu, noite de........................................ 70
sabedoria cristã ..................................................... 211
São Bento (ordem religiosa) ....87, 289, 299, 325, 326
Sabóia (dinastia) ................................... 186, 210, 391
São Marcos, catedral de........................................ 274
Sabóia, Ducado de .........................186, 210, 211, 365
São Maurício (congregação beneditina) ............... 116
Sabóia, Maria Clotilde di ...................................... 400
São Petersburgo .............................212, 221, 225, 290
Sacconi, Carlo....................................... 401, 419, 446
Saraiva, Francisco de São Luiz............................. 327
sacerdote
Sardenha-Piemonte, reino.....186, 209, 210, 211, 315,
constitutionnel ..........105, 106, 107, 114, 123, 133
389, 391
formação.................................................. 262, 293
economia ......................................................... 390
jurado...................... ver: sacerdote constitutionnel
satanás ...................................169, 310, 419, 423, 497
não jurado ..................... ver: sacerdote réfractaire
satanismo .............................................................. 441
réfractaire. 105, 107, 113, 115, 116, 118, 120, 122
sátira ..................................................................... 183
sacerdotium .................................................. 171, 177
Sattler, Michael....................................................... 73
sacramento ...............................73, 120, 124, 174, 262
Scala Naturae ......................................................... 63
sacrifício ............................................................... 213
Schelling, Friedrich .............................................. 265
sacrilégio............................................................... 245
schema Ecclesia.... ver: Supremi Pastoris (documento
Sacro Império Romano-Germânico 49, 79, 81, 84, 89,
conciliar)
93, 105, 108, 111, 164, 171, 172, 176, 178, 209,
Schieffer, Rudolf .................................................. 175
261, 263, 269, 333
Schleitheim Geständnis........................................... 73
Sadeur, Jacques....................................................... 73
Schmitt, Carl......................................................... 201
Saffi, Marco Aurelio ............................................. 356
Schrader, Klemens.................................161, 443, 465
Sagrada Escritura ....................................... ver: Bíblia
Schwarzenberg Friedrich von (Friedrich Johannes
Sagrada Ordem Militar Constantiniana de São Jorge
Jacob Celestin von Schwarzenberg) 328, 463, 471,
......................................................................... 314
473
Sagrado Coração de Jesus....................... 95, 154, 161
scriptoribus ecclesiasticis, De (livro) ................... 159
Saint-Denis ........................................................... 103
Second treatise of government and a letter
Sainte Alliance des Peuples (campanha)............... 305
concerning toleration (livro) ........................... 158
Sainte Liberté (hino) ............................................. 123
secte, la................................................................. 216
Saint-Étienne-le-Laus ........................................... 375
secularismo ........................................................... 211
Sainte-Ursule (ordem religiosa) .................... 125, 133
secularização..........................262, 263, 266, 356, 362
Saint-Irénée, seminário ......................................... 149
segurança
Saint-Just, Louis Antoine Léon de .................. 99, 122
jurídica............................................................. 130
Saint-Maur (congregação beneditina) ............. 87, 370
pública ............................................................. 194
Saint-Sulpice..................................113, 146, 149, 152
seita....................................................................... 286
Saisset, Bernard .................................................... 181
selvageria (Maistre, natureza humana) ................. 215
salário
bispo França .................................................... 146

559
seminário .. 82, 84, 101, 134, 135, 142, 149, 165, 233, soberania secular................... ver: soberania temporal
257, 262, 272, 293 sobrenatural .......................................................... 480
Articles Organiques......................................... 132 socialismo51, 169, 257, 297, 345, 373, 374, 383, 433,
clandestino....................................................... 113 434, 441, 450
maior.................................ver: seminário superior cristão ...................................................... 227, 304
professor (Articles Organiques)....................... 132 sociedade
seminário inferior...........143, 144, 145, 297, 321, 370 bíblica.......................................286, 324, 338, 434
bolsa de estudo ................................................ 144 clérico-liberal .................................................. 434
disciplina ......................................................... 145 natural constituída ........................................... 205
idioma do ensino.............................................. 145 política............................................................. 207
professor .......................................................... 145 religiosa ........................................................... 207
seminário superior ................................ 143, 146, 451 secreta............... 281, 286, 292, 312, 317, 319, 434
seminarista, bolsas de estudo ................................ 130 sociedades nômades imperfeitas........................... 205
Senestréy, Ignatius von ................................. 486, 487 Société Biblique Française ................................... 286
Senfft, Louise de ................................................... 311 Société de la foi de Jésus (sociedade religiosa
senso comum ................................................ 238, 240 jesuíta) ............................................................ 352
Sentiments of a church of England man, The (livro)74 sociniano................................................................. 67
separação Igreja-Estado ..51, 105, 117, 125, 135, 140, sofrimento..............................................212, 213, 214
161, 250, 281, 441, 483 sofrimento, imagens apocalípticas em Maistre ..... 216
separatismo ........................................................... 264 Soglia, Giovanni ................................................... 353
sepultamento......................................................... 101 Soirées de Saint-Pétersbourg, Les (livro) ..... 213, 226
Serlupi, Francesco................................................. 276 Solesmes, mosteiro ....................................... 325, 327
sermão................................................................... 146 Solitae (Carta)....................................................... 179
Articles ............................................................ 132 Sollicitudo omnium ecclesiarum (bula) ................ 270
serviço militar ....................................................... 259 Somaglia, Giulio Maria della 282, 283, 284, 291, 303,
servidão por dívida................................................ 119 500
Seward, William Henry ........................................ 436 Sommerau Beeckh, Maximilian............................ 368
Sforza, Tommaso .................................................. 276 Sophronius de Jerusalém (teólogo) ....................... 376
shabbat ................................................................. 285 Sorbonne, Universidade........................................ 147
Siccardi, Giuseppe ................................................ 393 Spalding, Martin John................................... 489, 493
Siècle, Le (jornal).................................................. 436 Spatio Reali, De (livro)........................................... 72
Sieyès, Emmanuel................................................. 127 Spectator, The....................................................... 386
Sigismund de Luxemburgo ..................................... 49 Spina, cardeal (Francesco Carafa della Spina di
Signore, Paolo del ................................................. 241 Trajetto)........................................................... 134
Sillabo di Pio IX, Il (livro) .................................... 440 Spina, Giuseppe Maria.......................................... 128
Silva, Patrício da ................................................... 289 Staatsgrundgesetz über die allgemeinen Rechte der
símbolo papal........................................................ 138 Staatsbürger (legislação)................................. 444
Simone, Camillo de............................................... 277 statisti (facção do cardinalato) .............................. 331
Simonetti, Annibale ...................................... 334, 348 Stattler, Benedict .................................................... 85
simonia ........................................................... 83, 175 Statu ecclesiae et legitima potestate Romani
Simor, János.......................................................... 472 pontificis, De (livro) .......................................... 92
sinagoga ................................................................ 285 Statuto fondamentale del governo temporale degli
sincretismo religioso ............................................. 286 Stati di Santa Chiesa (constituição dos Estados
Singulari nos (encíclica) ................257, 309, 310, 428 Pontifícios) ...................42, 44, 346, 347, 350, 363
Singulari quidem (encíclica)................................. 434 Sterckx, Engelbert ................252, 304, 426, 430, 501
Sinistra Storica (partido político) ......................... 395 Stimmen aus Maria-Laach (jornal)............... 461, 468
Sínodo stranieri (facção do cardinalato)........................... 331
da Quaresma .................................................... 176 Strossmayer, Josip Juraj. 472, 474, 476, 478, 483, 491
de Pistoia ........................................................... 95 Stuart (dinastia)....................................................... 98
de Thurles ........................................................ 166 Stuart, Henry Benedict.......................................... 296
Sistema Solar .......................................................... 59 Sturbinetti, Francesco ................................... 334, 348
Smith, Adam ......................................................... 190 submissão ............................................................. 314
soberania............................................................... 248 subversão .............................................................. 318
divina........................................206, 207, 223, 320 sucessão hereditária .............................................. 308
espiritual .................................................. 222, 463 Suécia, expropriação de terras .............................. 103
Igreja.................................157, 158, 167, 176, 225 Suíça, pacifismo cristão .......................................... 73
monárquica ...................................................... 248 Sull’ immacolato concepimento di Maria (livro).. 378
papal .................160, 209, 221, 222, 246, 369, 417 sulpiciano...................................................... 147, 149
política......................................195, 201, 227, 502 Summa Theologiae (livro) .................................... 160
popular..............................101, 140, 206, 248, 258 superstição .................................................... 216, 450
real............................................................. 90, 202 Suprema Congregatio........................................... 370
temporal... 66, 67, 70, 80, 138, 173, 202, 225, 320, supremacia temporal papal ........................... 176, 221
367, 430, 432, 434, 450, 451, 502 Supremi Pastoris (documento conciliar)....... 486, 487
territorial............................................ 81, 157, 502 Supremo Tribunal da Penitenciária Apostólica..... 291

560
Sur diverses erreurs du temps présent (livro) ....... 431 Toscana....................................................95, 344, 389
suserania e vassalagem ................................. 178, 179 trabalhos forçados................................................. 245
Swift, Jonathan ....................................................... 74 Tractatus Theologico-Politicus (livro).............. 65, 68
Syllabus Errorum (encíclica) ......16, 50, 51, 235, 349, tradição . 162, 186, 189, 190, 191, 194, 203, 211, 235,
371, 431, 434, 435, 436, 438, 439, 441, 442, 447, 247, 484, 490
450, 456, 460, 465, 470, 476, 478, 480, 487, 495, Traditi humilitati nostrae (encíclica) .................... 292
503 Tradition de l’Église sur l’institution des évêques
Syllabus pontifical ou réfutation des erreurs qui y (livro) .......................................229, 231, 236, 240
sont condamnées, Le (livro)............................. 439 tráfico de escravizados.......................................... 323
tragédia ................................................................. 214
traidor, perseguição durante Guerra Franco-Austríaca
T ......................................................................... 114
Traité de la connaissance de Dieu et de soi-même
(livro) .............................................................. 132
Talleyrand, Charles............................... 103, 129, 135
Traité du monde et de la lumière (livro) ................. 59
Talleyrand-Périgord, Alexandre............................ 276
Traité sur les sacrifices (ensaio) ........................... 213
Talon, Orner.......................................................... 269
Traité sur les trois imposteurs (livro)...................... 74
Tametsi (decreto conciliar)................................... 322
transcendência ........................................................ 61
Taparelli, Luigi ..................................................... 372
Trappe, La (ordem religiosa) ................................ 102
Tartário, terra imaginária ........................................ 74
Tratado
teatinos.................................................................. 283
de Fontainebleau ............................................. 139
technical knowledge.............................................. 191
de Latrão.......................................................... 498
telégrafo ........................................................ 336, 479
de Pressburg .....................................261, 264, 293
templário............................................................... 177
de Tolentino............................................. 126, 274
teocracia.................................162, 186, 233, 373, 428
de Viena .................................................. 339, 340
papal ................................................................ 159
Très-Sainte-Annonciation (ordem religiosa)......... 133
teodiceia.................................................. 27, 251, 318
tribunal
teologia
canônico .......................................................... 393
medieval .......................................................... 170
civil.................................................................. 285
moral................................................................ 161
Tribunal Penal de Roma ....................................... 371
ortodoxa........................................................... 203
tributação
teoria política ........................................................ 222
da Igreja........................................................... 159
terra comum .......................................................... 119
do clero, proibição........................................... 180
Terra Santa............................................................ 180
Trigona e Parisi. Gaetano Maria ........................... 328
terremoto de Lisboa ................................................ 88
trionfo della Santa Sede e della Chiesa contro gli
territorialismo ....................................................... 260
assalti de’ novatori, Il (livro) .................. 299, 320
Terror Jacobino............................ver Grande Terreur
Trois Glorieuses ....................ver: Revolução de 1830
Tertuliano (Quintus Septimius Florens Tertullianus)
Tronchet, François Denis...................................... 130
......................................................................... 324
Turriozzi, Fabrizio ................................................ 276
tese e hipótese ............................................... 438, 439
testamento............................................................. 247
Theologische Literaturblatt (jornal)...................... 461
Theophilanthropy.................................................. 124 U
Théorie du pouvoir politique et religieux (livro).. 200,
203, 205, 208 Ubi Communis (epístola apostólica) ..................... 107
Thérèse philosophe (livro) ...................................... 76 Ubi primum (encíclica) ..............................51, 82, 285
Thouvenel, Édouard...................................... 409, 423 Ubi Primum (encíclica)................................. 378, 381
Throckmorton, Richard........................................... 98 Ugolini, Giuseppe................................................. 448
tifo......................................................................... 404 Ullathorne, William Bernard ................................ 478
Times, The (jornal)................................................ 342 ultramontanismo27, 44, 136, 142, 149, 152, 156, 159,
tirania.................................................... 192, 207, 309 160, 163, 164, 167, 169, 174, 176, 178, 182, 184,
títulos do governo francês..................................... 129 201, 227, 228, 234, 246, 247, 249, 251, 257, 305,
Toland, John ............................................... 71, 72, 85 367, 368, 369, 370, 378, 381, 436, 448, 449, 471
tolerância .............................66, 67, 68, 235, 282, 323 alemão ............................................................. 164
de culto .............................................................. 69 antigo............................................................... 158
religiosa .......... 70, 71, 72, 131, 140, 286, 311, 438 autoritário ....................................................... 251
Tomada francês ............................................................. 167
da Bastilha ....................................... 101, 109, 112 liberal ...................................................... 227, 251
de Roma............................................................. 51 ultrarrealismo....................................................... 233
Tomaggian, Basilio............................................... 242 Úmbria...........................................301, 404, 405, 409
Tomanda de Roma ................................................ 498 Un reazionario: il conte J. de Maistre (livro)....... 210
Tomás de Aquino (santo)......54, 57, 58, 97, 160, 202, Unam Sanctam (bula) ............................159, 171, 181
376 unanimidade ......................................................... 482
tomismo .....................................54, 58, 372, 373, 476 unção
tortura, imagens apocalípticas em Maistre............ 216 dos enfermos ................................................... 120

561
real................................................................... 174 verdade ....................................60, 216, 237, 238, 247
unificação da Itália..48, 268, 279, 287, 312, 333, 342, absoluta ........................................................... 286
344, 351, 356, 365, 372, 397, 400, 502 cristã .................................................................. 78
Unigenitus dei filius (bula).............................. 96, 154 histórica ........................................................... 189
Univers, L’ (jornal)326, 370, 403, 407, 429, 459, 461, teológica .......................................................... 222
464, 465, 471, 474, 485, 487, 500 Veritate, prout distinguitur a revelatione, a verisimili,
Universali natura, De natura rerum, e De origine a possibili, et a falso, De (livro) ........................ 64
rerum, De (livro) ............................................... 77 veto papal ...................................... ver: jus exclusivae
universalidade ....................................................... 484 Veuillot, Louis...... 186, 326, 370, 403, 407, 422, 429,
Universi Dominici Gregis (Breve) ........................ 154 459, 461, 471, 474, 485, 500
universidade.. 58, 64, 75, 97, 146, 148, 173, 219, 232, Vicente de Paula (santo) ....................................... 147
240, 321, 480 Viena .................................................................... 289
autonomia ........................................................ 286 Viktor, Chlodwig Carl .......................................... 471
Bolonha ................................................... 286, 329 Villafranca, armistício de...................................... 404
Bonn .................................157, 165, 305, 448, 461 Villèle, conde de (Jean-Baptiste Guillaume Joseph
britânica........................................................... 166 Marie Anne Séraphin).................................... 294
Camerino ......................................................... 286 Villèle, Conde de (Jean-Baptiste Guillaume Joseph
cartesianismo ..................................................... 64 Marie Anne Séraphin).....243, 244, 245, 288, 320
católica ............................................................ 166 Villiers, George William Frederick ...................... 484
escolástica.......................................................... 57 Vincent de Lérins.................................................. 484
Fermo .............................................................. 286 Vineam Domini (bula)........................................... 153
Ferrara ............................................................. 286 violência ....................................................... 115, 215
França ............................................................. 321 visigodo, monarcas ............................................... 170
Friburgo........................................................... 448 Visitation de Sainte-Marie (ordem religiosa)........ 133
Gregoriana ....................................................... 287 Viterbo.................................................................. 273
leiga ......................................................... 143, 151 Vitrolles, Barão de (Eugène François d’Arnauld). 255
Macerata .......................................................... 286 Vittorio Amedeo II (Sardenha-Piemonte)............. 391
Mainz............................................................... 461 Vittorio Emanuele II (Sardenha-Piemonte) ... 48, 219,
Munique .................................................. 448, 461 340, 356, 389, 390, 395, 398, 400, 401, 402, 404,
Paris......................................64, 91, 151, 321, 463 405, 406, 408, 409, 413, 414, 422, 430, 437, 453,
Perugia............................................................. 286 498
Roma ............................................................... 286 Vix Pervenit (encíclica)......................................... 383
Sorbonne.......................................................... 147 Voltaire (François-Marie Arouet) .74, 78, 88, 99, 123,
Tubingen.......................................................... 448 124, 129, 183, 204, 229
Viena ............................................................... 444 vontade
Vilna ................................................................ 218 coletiva .................................................... 191, 192
urbanização........................................................... 173 divina............................................................... 215
usura ............................................................. 383, 384 geral....................................................87, 191, 247
utilitarismo............................................................ 188 voto de castidade .................................................. 135
utilitarista .............................................................. 216 Voyage into Tartary, containing a curious
utopia .................................................................... 186 description of that country, A (livro) ................. 74
utroque iure (título acadêmico)............. 289, 328, 368 Vrais principes de l’Église Gallicane, Les (livro). 152

V W
Valenciennes......................................................... 125 Wealth of nations, The (livro) ............................... 190
Valmy, Batalha de ................................................ 110 Weld, Thomas....................................................... 296
Valois (dinastia).................................................... 302 Welf (dinastia) ...................................................... 333
Valréas.......................................................... 126, 274 White, Thomas ....................................................... 88
valsa, Estados Pontifícios...................................... 284 William I (Prússia)................................................ 165
Varennes, fuga para .............................................. 108 Wycliffe, John ...................................................... 228
vassalagem............................................................ 178
Vendée, La (levante)..............119, 120, 121, 141, 338
veneração Z
santo .......................................................... 49, 161
Virgem Maria .......................................... 118, 161
zelanti (facção do cardinalato) ......274, 275, 279, 290,
Vêneto....................297, 299, 331, 340, 397, 413, 453
298
agitação política....................................... 343, 347
Zichy-Ferraris, Melanie ........................................ 307
unificação ........................................................ 453
zottverein (aduana alemã) ..................................... 341
Veneza .......................................................... 127, 272
zouaves pontificaux (tropa)........................... 410, 498
Ventura, Gioacchino ............................................. 283

562

Você também pode gostar