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A Eucaristia como corpo místico


In: Lubac, Henri, Cardinal de.
Corpus Mysticum. The Eucharist and the Church in the Middle Ages. (Capítulo 1)
Indiana: Notre Dame Unversity Press, 2006
Tradução de Verrah Chamma

No pensamento do conjunto da antiguidade Cristã, a Eucaristia e a Igreja estão


ligadas. Em Sto. Agostinho, no contexto da controvérsia Donatista, esta ligação recebe
especialmente uma força particular, e isso também pode ser dito dos escritores latinos
dos sécs. VII, VIII e IX. Para eles, assim como para Agostinho, de quem eles dependem
seja diretamente, sejam por meio de outros autores, e cujas formulações eles
reproduzem incessantemente, a Eucaristia corresponde à Igreja como a causa ao efeito;
como meios ao fim; como o símbolo à realidade. No entanto, eles fazem a transição do
sacramento ao poder do sacramento, ou da forma visível à realidade mesma tão
rapidamente 1, e destacam tão fortemente a Igreja que se, em uma explicação do mistério
da Eucaristia, encontrássemos a expressão, sem mais qualificações, “o corpo de Cristo”,
é frequentemente à Igreja que se refere o termo, e não à Eucaristia2.

É nesse ponto que se encontra, por exemplo, S. Ildefonso de Toledo (m. 669).
No capítulo 137 de seu De cognitione baptismi [Do conhecimento do batismo], ele
começa a comentar sobre a afirmação da fé: “o pão é o corpo de Cristo”. Ao buscar
entendimento, a fé questiona: “Como o pão é seu corpo?”. Ildefonso, então, responde:

O que é visto tem forma corpórea; o que é percebido


mentalmente tem fruto espiritual. Portanto, se você quer
apreender mentalmente o corpo de Cristo, ouça o Apóstolo falar

1
Alcuin (Pl, 100, 834 A). Leidrad (99, 867 B). Heton (105, 763 B). Rabanus Maurus (107, 317-18; 112, 89
A). Florus (119, 78 A). Ratramnus (121, 150 A, 161). Adrevald of Fleury (124. 950 C). etc. cf, Bede, ln
Joannem: “But what pertains to the power of the sacrament, not what pertains to the visible sacrament”
(“Mas o que pertence ao poder do sacramento, não o que pertence ao sacramento visível”) (92, 717 D).
2
Bede, ln Leviticum (PL, 91, 334 A). Rabanus Maurus, De clericorum institutione (107, 318 a); ln
evangelica, hom. 64 (110, 269-270). Walafrid Strabo, De rebus ecclesiasticis, e. 16 (114,936 C). Ver
também S. Tomas, ln joannem, c. 6, 1. 6, n. 7,
2

ao fiéis: Vocês são o corpo e os membros de Cristo (...). Ainda


que muitos, vocês são um pão, um corpo. 3

Não que Ildefonso, ou o autor de quem ele toma sua inspiração 4 e que está, ele
mesmo, repetindo a formulação agostiniana5, esteja pensando em negar a presença
sacramental da qual este “fruto espiritual” será o resultado, nem que, pelo
“entendimento”, ele esteja eliminando a necessidade da fé. Assim como o próprio
Agostinho, e assim como seu mestre mais próximo, St. Isidoro de Sevilha6 e seu
compatriota Gregório de Elvira7, Ildefonso sabe que, para permanecer neste corpo de
Cristo, que é toda a santa Igreja, deve-se alcançar verdadeira participação no primeiro
corpo de Cristo, por meio do sacramento8. Mas Agostinho permanece tão preso à
presença eucarística a ponto de formular um conceito independente dela 9. “Ele descobre
a união real com Cristo, não tanto através do meio da presença real, mas por meio do
símbolo, e esta união não é tanto uma união individual como o é dos indivíduos entre si
em Cristo” 10. Por um processo mental que, do ponto de vista da fé, reproduz aquele do
grande doutor africano 11, e que encontra analogias em mais de um dos padres gregos12,

3
PL, 96, 169 D. cf. Florus, Expositio missae, e. 62, n. 5 (Duc, p. 135). Hincmar of Reims, De cavendis vitiis
(PL, 125, 919 A).
4
Parece que De cognitione baptismi é uma adaptação de Liber responsionum (Livro das respostas), hoje
perdido, de Jus�niano de Valença (c. 640). Séjourné, Saint lsidore of Seville, pp. 372-3.
5
Agos�nho, Sermão 272 (PL, 38, 1247).
6
De ecclesiasticis officiis, Bk. 1, c. 18, no. 8: “Ele não deve separar a si mesmo do remédio do corpo do
Senhor, para evitar que (…) ele seja separado do corpo de Cristo (...). Pois é evidente que vivem aqueles
quem provaram de seu corpo” (PL, 83,7568). Essas são formulações que derivam de S. Cipriano, De
oratione dominica, e. 18 (Hartel, pp. 280-1). Peter Chrysologus (PL, 52, 297 B). Etherius and Beatus, Ad
Elipandum (96, 942 A-B). Jonas of Orléans, De institutione laïcali, 2, c. 18 (106, 203 B). Rudolph of
Bourges, Capitulum 28 (119, 717 D). Adrevald of Fleury (124, 953-4). Burchard of Worms (140, 756 B and
757 C), etc.
7
Tractatus 17 (Ba�ffol-Wilmart, pp. 187-8).
8
op. cit., e. 136 (Pl, 96, 16&-9). Agos�nho, ln Psalmum 39, n. 12 (36, 441-2); Sermo 351, n. 7 (38, 1542);
Contra duas epistulas Pelagianorum, 1. 2, e. 4, n. 7 (44, 576).
9
Para St. Agos�nho, ver Karl Adam in Theologische Quartalschri�, 1931, pp. 490-536. A observação feita
por Bernold de Constanz em De sacramentis excommunicatorum sobre os Padres ainda é, de um modo
geral, válida para os primeiros séculos da Idade Média (embora a palavra 'sacramentum' seja ambígua, já
que Bernold entendeu por ela a realidade do sacramento, a presença obje�va e substancial de Cristo):
“Muito embora alguns dos primeiros padres tenham prestado pouca atenção em uma dis�nção desse
�po entre o sacramento e seus efeitos (...)” (PL, 148, 1064 C-D).
10
F. van der Meer, Sacramentum chez Saint Augus�n, in La Maison-Dieu, 13, p. 61.
11
Augus�ne, ln Joannem, tract. 26, n. 11, 12 (PL, 35, 1611, 1612) Ep. 185, ad Bonifacium, n. 50 (33, 815).
Ep. 187 (33, 839). De Civitate Dei, 21, c. 25 (41, 741-2). Sermones 57,131, 234 (38, 839, 730, 1116). [Para
as obras de St. Agos�nho em inglês, ver NPNF series 1, vols. 1-VIII and The Fathers of the Church series,
vols. 2, 3, 8, 14, 15 16, 24, 27, 30, 32, 25, 38, 45, 59, 60, 70, 78, 79, 81, 86, 88, 90, 92.] Gregory the Great,
ln I Regum, 2, e. 1 (79, 83 C). [Para as obras de St. Gregório em inglês, ver O. J. Zimmerman, The Fathers
of the Church series, vol. 39 (Washington, 1959); J. Barmby, NPNF, vols. XII, XIII.]
3

Ildefonso está, portanto, imediatamente buscando o “fruto espiritual”. É somente isso


que ele tem em mente e está analisando.

Seus contemporâneos e seus primeiros sucessores em geral seguem-no neste


ponto. No século seguinte, Floro de Lion é um exemplo. Ele era um seguidor fiel de
Sto. Agostinho, de prontidão contra qualquer coisa que pudesse passar como uma
inovação. Em seu comentário da missa, ele retoma a formulação já dada por Ildefonso:
“O que é visto é uma coisa, e o que é apreendido é outra... etc.” 13. Ele repete isso
novamente em um de seus tratados contra Amalário 14, e para descrever “o mistério
salvador e celestial” do altar, ele escreve: “Ademais, o pão da oferta sagrada é o corpo
de Cristo não em matéria ou forma visível, mas em poder e potência espiritual” 15. Nem
de sua parte, nem da parte de quaisquer dos autores daquela época que falam da mesma
forma, estava verdadeiramente em questão a presença real de Cristo na Eucaristia.
Certamente, eles não são nem “dinamistas”, nem “simbolistas”, no sentido
explicitamente restritivo que é dado em geral a essas palavras pelos historiadores do
dogma. Como eles poderiam esquecer as afirmações feitas tão claramente por seus
grandes antecessores, afirmações que eles não poderiam deixar de citar em seus
florilégios ou de fazer referência 16, em prosa ou em verso? Acima de tudo, como eles
poderiam contradizer a lex orandi (lei de oração), de poderosa expressão na era do
florescimento da liturgia no Ocidente?17

Venham, santos, e recebam o corpo de Cristo.


Bebam do sangue sagrado pelo qual vocês são redimidos 18.

Muitos deles foram ensinados, por uma oração presente no Sacramentário


Gregoriano, a rezar: “tal que eles possam ser contados como membros daquele cujo

12
cf. lrenaeus, Adversus Haereses, 3, 24, 1: “Nela (na Igreja) é possível a comunhão com Cristo, ou seja,
com o Espírito Santo”. (PG. 7, 966 B). De modo semelhante, em Maximus, o Confessor: “toda a ênfase
está no efeito da Eucaris�a, que parece dar a definição essencial”. H. U. von Balthasar, Liturgie cosmique,
p. 248. Ou St. Ambrósio, De mysteriis, c. 2, n. 6, sobre os sacramentos em geral (PL, 16, 391 A).
13
Expositio missae, e. 62, n. 5 (Duc, p. 135). cf. Hincmar of Rheims, De cavendis vitiis (PL, 125, 919 A).
14
Adversus Amalarium 2 (PL, 119, 83 D).
15
Adversus Amalarium 1 (PL, 119, 77 C-D).
16
Braulio of Saragossa, Ep. 42 (PL, 80, 690, A). Hesychius of Jerusalem, ln Leviticum (PG 93, 1071 A, 1072
e). Exposi�o (PL, 147, 200 A). Libri Carolini, 2, e. 27 (PL, 98, 1095 B); 1, e. 19 (e. 1047 D). Haimon (?), ln
Hebr. (117, 879 C-D). Pseudo-Bede, ln psalmum 77 (PL, 93, 899, A-B).
17
E. Janot, 'L'Eucharis�e dans les Sacramentaires occidentaux', Recherches de Science Religieuse (1927).
18
An�phonary of Bangor (séc. VII).
4

corpo e sangue nós compartilhamos” 19. Assim como Jonas de Orleans, eles também
sabiam dizer: “Nós somos templos de Cristo, no qual sua carne e sangue foram
sacrificados” 20, ou mesmo, por vezes, a repetir, como Amalário: “Aqui acreditamos que
a simples natureza do corpo e sangue combinados se modificam em uma natureza
racional, qual seja, a do corpo e do sangue de Cristo” 21. Nenhum deles teria se
surpreendido com os versos que S. Remígio, de acordo com Hincmar, seu historiógrafo,
teria gravado em um cálice:

Que as pessoas retirem do sangue sagrado que recebem


A vida que o Cristo eterno jorrou de suas chagas. 22

De tempos em tempos eles chegavam ao ponto de distinguir explicitamente entre


duas formas de participação em Cristo 23. A unidade do corpo que todos haviam recebido
em comunhão aparecia para eles como símbolo e promessa da unidade do corpo, que
eles mesmos teriam de formar24. Entretanto, essa ainda não era a era dos abusos da
lógica (logic-chopping), da curiosidade objetiva, nem mesmo, ao menos entre os
primeiros medievais, das lutas necessárias para garantir que fossem satisfeitas as
condições de eficácia do sacramento. Para eles, o corpo consagrado era certamente o
corpo de Cristo – as expressões sacramentum corporis (sacramento do corpo) e corpus
(corpo) alternavam-se de suas penas sem uma nuance que avaliasse seus sentidos – mas
o que eles viram desde o início neste corpo foi a figura da Igreja:

Portanto, ele tomou do corpo: ele quis que esse sacramento


envolvesse o pão, já que o pão guarda semelhança com sua
Igreja (...)25.

19
Lietzmann, n. 58, 3, p. 36; Wilson, p. 18. cf. Augus�ne, ln psalmum 33, n. 10, 25 (Pl, 36, 313, 321).
20
De institutione regia, e. 13; e. 16 (Reviron, pp. 180, 191). cf. Godescalc, De praedestinatione (Lambot,
p. 195).
21
Liber officialis, 4, e. 24 (Pl, 105, 1141 A-8).
22
Hincmar, Vita Remigii (MGH, Scriptorum rerum merovingicarum, vol. 3, p. 262).
23
Pseudo-Primasius, ln Hebr. (PL, 68,708 B). Haimon, ln Hebr. (117,845 A, cf. 839 A). Remigius of Auxerre,
ln psalmos 21, 33 (131,259, e-o, 314 o).
24
Feltoe, Journal of Theological Studies 11, p. 578.
25
Candidus of Fulda, De passione Domini, c. 5 (PL, 106, 68 C).
5

Assim, o pão do sacramento levou-os diretamente à unidade do corpo 26. Aos


seus olhos, a Eucaristia era, essencialmente, como já o era para S. Paulo e para os
Padres, o mistério da unidade27. Tratava-se do sacramento da conjunção, aliança e
unificação 28. Ele era dado a nós “para unir nossa raça” 29. Não era essa a verdade
inculcada em nós por diversos de seus ritos e pelos termos que os descrevem, tais como
a palavra “reunir”, para a qual Amalário nos alerta como sendo dada à primeira oração
da missa, “porque ela tem início unindo as pessoas em uma”? 30

***

Não é isso claramente o que significa o seu outro nome, “comunhão”? A synaxis,
ou seja, o mistério da comunhão.31 Ao menos assim ela é entendida pelo comentador de
Auxerre, ao escrever sobre a 1a Epístola aos Coríntios 32:

O sacramento do corpo de Cristo é, pois, chamado de


‘ceia’ em razão da comunhão, uma vez que ele tem de ser

26
Bede, ln Lucam. 6 (PL, 92, 628, B) segundo Agos�nho, De consensu evangelistarum, 3, c. 25, n. 72 (34,
1206). Amalarius, De ecclesiasticis officiis (Liber officialis), 3, c. 34, (105, 1153 D).
27
lldephonsus (PL, 96, 170 B). Haimon, Homilia 62 (118, 350 A). Remigius of Auxerre, Expositio missae (c.
40 do Liber de divinis officiis compilado sob o nome de Alcuin; PL, 101 m 1260 C e D). cf. Hilary, De
Trinitate, 3, c. 24 (10, 246 B); Augus�ne, Ep. 185 n. 50 (33, 815). [Para a obra de St. Hilary, De Trinitate
em inglês, ver S. McKenna, Fathers of the Church series, vol. 25 (Washington, 1954). Para uma outra
tradução desta e de outras obras, ver E. W. Watson, L. Pullan, NPNF series lI, vol. 9.]
28
Etherius and Beatus, Ad Elipandum (em 785) (PL, 96, 941 D). Amalarius (105, 1131 B). Rabanus
Maurus, De clericorum institutione (107, 320 s); ln Numeros, 3 (108, 744 B). Hincmar, De cavendis vitiis,
c. 10 (125, 924 B, 925 A). Até o séc. XIII e incluindo-o, expressões como essas seriam comuns. Isso
porque se tratava do sacramento da unidade, o sacramento da irmandade que, aos olhos de um certo
número de teólogos, os cismá�cos não poderiam par�cipar da Eucaris�a, já que eles se colocaram fora
daquela unidade, fora da irmandade. Veja os textos citados por Landgraf in Scholastik, 1940, pp. 210 e
211. cf. infra, conclusão.
29
Paschasius Radbertus, Liber de corpore et sanguine Domini, c. 10 (PL 120, 1305 C).
30
Amalarius, Eclogae de officio missae (PL, 105, 1327 D). Remigius of Auxerre (101, 1249 D).
31
St. Maximus, Scholia in Eccl. Hierarchiam, c. 1-2 (PG, 66, 117 B). cf. Clement of Alexandria, Strom., 3, c.
4 (Staehlin, vol. 2, pp. 208-9).
32
Este comentário, juntamente com diversos outros, foi equivocadamente atribuído, por uma confusão
de nomes, a Haymon, bispo de Halberstadt, amigo de Rabano Mauro. Talvez ele tenha sido escrito por
Haimon, um monge de Saint-Germain d'Auxerre por volta de meados do séc. IX, ou por seu discípulo e
amigo Remígio, “o autor por excelência e de certa forma quem popularizou a teologia de Auxerre”
(Cappuyns)? Ver Cappuyns, in Recherches de théologie ancienne et médiévale, 1931, pp. 263-5, e
Wilmart, no mesmo periódico, 1936, pp. 325-30. M. E. Amann escreve: “Parece que, por caridade, os
escritos de diferentes autores foram publicados em comum em Saint-Germain" (L'Eglise au pouvoir des
laïques, p. 505, n. 4).
6

celebrado em comum por todos os fiéis e justos. Pois o


pão significa a totalidade da Igreja33.

Eu poderia certamente citar também mais de um caso, na antiguidade cristã, em


que communio não implica outra ideia a não ser a da recepção do sacramento 34.
Contudo, pode-se estar certo de que, como escreveu Duguet 35, no costume antigo da
Igreja não havia separação entre reconciliação e participação nos sacramentos, e quando
os penitentes eram julgados para serem tornados justos, eles recebiam a eucaristia, de tal
modo que a comunhão significava tanto um como o outro, ou seja, de acordo com o
contexto, um ou outro, ou ainda mais frequentemente, ambos ao mesmo tempo. Disso
deriva o sentido complexo encontrado em muitas expressões, como “receber a
comunhão”, “reconciliar-se com a comunhão”, “estar separado da comunhão”, “estar
excluído da comunhão”, etc.36. Por sua vez, essa também é a origem das discussões de
diversos historiadores que, com diferentes graus de entusiasmo excessivo, encontram
diferenças de interpretação onde os documentos originais os apresentam como uma
unidade. Além disso, mesmo no contexto da eucaristia, não é incomum encontrar
communio significando união com a Igreja, a “comunidade de cristãos”, ou a
“comunidade católica” 37 ao invés daquela que recebe o sacramento 38. Quando há o

33
ln I Cor, XI (PL, 117, 570, 571). Remigius of Auxerre (101, 1259 A-B). Rabanus Maurus, Uber de sacris
ordinibus, c. 19 (112, 1184 C). Também o Catecismo Romano, 2, De eucharistiae sacramento, n. 5.
34
Por exemplo, Jerome, Ep. 49, n. 15 (Hilberg, vol. 1, p. 377); 77, n. 6 (vol. 2, p. 42). Cassian, Colla�o 23.
(PL, 49, 1279). [Para as obras de St. Cassian em inglês, ver E. C. S. Gibson, NPNF, series lI, vol. Gregory of
Tours, Vitae Patrum, c. 17. n. 2 (71. 1080 A).] Council of Braga in 675, canon 1 (Mansi, vol. 11, 154). [Para
traduções em inglês dos principais atos conciliares dos primeiros concílios, ver Percival, NPNF, Series lI,
vol. 14: C. J. Hefele, A History o�he Chris�an Councils, trans. W. R. Clark (Edinburgh 1871-96).] Vita
Alcuini (Mabillon, Praefationes et Dissertationes, 1724, p. 697). Fortescue, The Mass, second edi�on
(1937), p. 398; 1 Cor., 10.16; Acts o�he Council in Trullo 11. 42 (Mansi, vol. 11,953, 983-7). Anastasius of
Sinai (PC, 89,208 D, 765 B).
35
Conférences ecclésíastiques, vol. 1 (Cologne, 1742), p. 287.
36
O Conselho de Elvira (v.300) passim (Héfélé-Leclercq, vol. 1, pp. 221-63). Conselho de Carthage (348),
canon 3, etc. cf. Dom Ceillier, vol. 2, pp. 581, 603-8. Sobre o sen�do amplo da palavra “excomungar” e de
palavras semelhantes na an�guidade cristã, assim como sobre as diferenças entre os pecadores e
aqueles corretamente chamados de excomungados, ver François Russo, Penitence et excommunication
(Recherches de Science religieuse, 1946, p. 261). cf. Paul Hinschius, System der Katholischen Kirchvaters,
vol. 4, pp. 701-3.
37
Possidius, Vita sancti Augustini, c. 14 (PL, 32, 45). [em inglês: M. O'Connell, Life of Saint Augus�ne
(Villanova, PA, 1988).]
38
cf. Dom Claude de Vert, Dissertation sur les mots de messe et de communion (1694), p. 159: “Quantos
conselhos equivalem à missa e à comunhão juntas em um mesmo cânone, e equivalem ambas ao dia de
domingo, sem que seja possível, por tudo isso, compreender esta comunhão em sen�do sacramental”. A
tese do erudito Benedi�no, que �nha um espírito excessivamente sistemá�co, é, no entanto, em alguma
medida exagerada.
7

desejo de distinguir ‘recepção’ do ‘efeito’, que é missão do sacramento expressar e


produzir, há em geral o recurso a certas nuances sutis da linguagem. Por exemplo, ao
invés de communio, frequentemente se encontra-se, no lugar, communicatio. Assim, na
obra de Walafrid Strabo, o primeiro vocábulo indica o vínculo no interior do corpo da
Igreja, ao passo que se reserva o segundo para o ato da comunhão sacramental 39. A
derivação de ambos estes substantivos do mesmo verbo communicare não destaca, a seu
próprio modo, a verdade central deste mistério?

Esta mesma verdade é igualmente evidente em outra distinção, que já era


convencional por volta do séc. IX, sobretudo na linguagem usual dos preceitos dos
conselhos da Igreja. Pois, particularmente na legislação sobre penitências, era raro o uso
de communio sem um atributo, em sentido complexo e integral. Entrando em detalhes,
costumava-se listar dois tipos de comunhão para os quais um penitente poderia ser
readmitido em dois estágios sucessivos: 40 primeiramente, havia a comunhão simples,
que consistia apenas na comunhão na oração ou, no máximo, na comunhão nas ofertas
(oferendas), que implicava a admissão nas cerimônias da Igreja e então, a seguir, a
comunhão plena ou perfeita, que, além disso, consistia na plena recepção sacramental
do corpo de Cristo: a partilha dos mistérios 41 ou a partilha do pão42. Esta segunda forma
encontrou um signo efetivo ao mesmo tempo em que adquiriu uma realidade profunda
nessa participação total do penitente reconciliado nos mistérios sagrados 43. Tratava-se,
segundo a fórmula dupla do Papa Gregório III, de “comunhão na oferta” e “comunhão
na eucaristia” 44. Os termos “santa comunhão” ou “comunhão sagrada” às vezes ainda
eram utilizados para a primeira forma 45, e, para a segunda, “comunhão legal” 46,

39
De rebus ecclesiasticis, c. 22 (PL, 114, 950 C, 948 D). William of Auvergne, De sacramento ordinis, c. 11,
12 (Opera omnia, vol. 1. pp. 545--8). Liber Pancrisis (Lo�n, Bulletin de théologie ancienne et médiévale,
vol. 3, p. 526).
40
Claramente, estou apenas mantendo a dis�nção que é de interesse do assunto em questão, no interior
dessa legislação frequentemente complexa, certo de que as expressões de alguns autores permanecem
obscuras.
41
Ambrose, ln Lucam, 7, n. 232 (PL, 15, 1761 C).
42
Fulgen�us, Ep. 12, n. 26 (PL, 65, 392 C-D).
43
Um texto do séc. IX, equivocadamente atribuído ao Conselho de Nantes em 658, determinaria o
seguinte no caso de um homicídio: “Ele deve ser excluído da oração dos fiéis por dois anos, e não deve
nem comungar nem par�cipar da oferta; após dois anos ele deve par�cipar da oferta da oração, mas
sem comungar; após cinco anos ele deve ser recebido de volta para a plena comunhão. (canon 18; cf.
canon 17, sobre homicídios; Hardouin, 6, 1, 641). Paulínus, Vita Ambrosii, n. 31 (PL, 14, 37 D).
44
Mansi, vol. 12, 29 A.
45
Felix III (séc. V). Hormisdas (séc. VI).
46
Conselho de Orange (441), canon 3 (Mansi, vol. 4. 437).
8

“comunhão do Senhor” 47, “comunhão do altar”, “comunhão dos sacramentos do


Senhor” 48, “comunhão do mais sagrado mistério”...49. A mesma dualidade unida ou, se
preferirem, a mesma unidade orgânica é encontrada na famosa expressão no Símbolo
(ou Credo) dos Apóstolos, “a comunhão dos santos”, notadamente tal como apresentada
em um sermão da era carolíngia, intitulado Symbolum graeca língua:

A comunhão dos santos. Esta é a comunhão sagrada através da


invocação do Pai e do Filho e do Espírito Santo, aos quais todos
os fiéis devem comunicar-se todo domingo50.

O primeiro testemunho a este artigo que chegou até nós data do séc. V. Ele pode
ser encontrado na Explicação do Símbolo, atribuído a Nicetas de Remesiana. Dos santos
está no masculino, e abrange não apenas todos os justos que viveram “desde o começo
do mundo”, mas também os anjos e poderes celestiais, todos unidos no interior da
mesma Igreja 51. Essa é a antítese da “comunhão dos ímpios”, mencionados nas
constituições apostólicas 52. Porém, qualquer que seja o sentido original da expressão 53,
o sentido dado a ela pelo sermão carolíngio não representa nem uma inovação nem um
exemplo inovador. Se há um caso que melhor prova a teoria da síntese proposta por
Kattensbusch 54, parece que estamos falando dele. Aqui temos a comunhão dos santos,
simultânea e indivisivelmente descrita como comunhão dos sacramentos e a sociedade
ou comunidade dos abençoados, ou seja, trata-se da comunhão dos santos no seu
sentido corrente, ou comunhão com os santos ou entre os santos – uma comunidade em
comunhão 55 - na partilha comum no sacramento, nas coisas sagradas (= nos mistérios

47
Gregório III (Mansi, vol. 12. 294 E). Conselho de Elvira, canon 78 (Hêfélé-Leclercq, vol. 1, p. 262).
Augus�ne, Ep. 228, ad Honoratum, n. 8 (PL, 33, 1017).
48
Conselho de Vannes (465) (Hardouin, vol. 2. 797). Augus�ne, Ep. 149, n. 3 (PL, 33, 631).
49
Felix III (séc. V). Os atributos mais gerais “santo” e “sagrado” às vezes também qualificam a comunhão
sacramental, mas às vezes, como em Gregório II, a ênfase está em outro lugar: “tornar-se indigno da
comunhão sagrada do corpo e do sangue” (Mansi, vol. 12. 259 D).
50
Ed. Burn, Zeitschrift fur Kirchengeschichie, vol. 21, p. 129.
51
Caspari, Kirchenhistorischen Anekdota, vol. 1, pp. 355-7; PL, 52, 871 A-B: Explanatio Symboli, n. 10.
52
Bk. 8, e. 15, n. 3 (Funk, p. 518).
53
cf. Dom Morin, Revue d'histoire et de literature religieuses (1904), p. 216; F. J. Badcock, 'Sanctorum
communion as an ar�cle in the Creed', Journal of Theological Studies 21. cf. Rom. XII, 13, old Vulgate.
54
Das apostolische Symbol (2 vols.; 1894, 1900) vol. 2, pp. 927-50.
55
Optatus, De schismate donatistarum, I. 2, c. 3 (PL, II, 949 A). [Para obras de Optatus contra os
dona�stas em inglês, ver M. J. Edwards, Optatus, Against the Dona�sts (Liverpool, 1997).] Paulinus, Vita
Ambrosii, n. 19 (14, 33 C).
9

sagrados) e pelo efeito dessa participação 56. Trata-se, como disse Sto. Agostinho, da
comunidade dos sacramentos 57. A união com a Igreja começou com a admissão à oração
comum, a comunidade de oração: a admissão ao banquete sagrado, a comunhão dos
santos, completou-a. Nesta última, temos verdadeiramente, de acordo com a expressão
antiga do Conselho de Ancira, a consumação 58. Assim, então, a venerável fórmula de
nosso Credo nos ajuda a ver mais claramente como a palavra comunhão tem,
fundamentalmente, apenas um sentido. Pois da mesma forma que a comunhão
sacramental (comunhão no corpo e no sangue) é sempre, ao mesmo tempo, uma
comunhão eclesial (comunhão com a Igreja, da Igreja, para a Igreja), assim também a
comunhão eclesial sempre inclui, na sua realização, a comunhão sacramental. Estar em
comunhão com alguém significa receber o corpo do Senhor com essas pessoas 59. Estar
unido com os santos na Igreja e participar da eucaristia, ser parte do Reino comum e
partilhar dos mistérios sagrados andam juntos 60, e pode-se dizer que eles são uma e a
mesma coisa. É isso que, mais tarde, será sucintamente expresso na formulação:
comunhão Cristã 61.

Fica claro, portanto, que através do pão do sacrifício, todos os fiéis que estão em
comunhão com o corpo de Cristo estão também, em razão do mesmo fato, em
comunhão com a Igreja 62. Ao receber a Eucaristia, cada um passa para dentro do corpo
de Cristo 63; cada um participa do corpo de Cristo, ou, o que é o mesmo, da Igreja:

56
Paulinus, Vita Ambrosii, n. 24, (PL, 14, 35 C). Augus�ne, Contra Cresconium grammaticum, 2, c. 36, n.
45; 4, c. 1 (PL, 43, 439, 547). St. Leo, Sermo 42, c. 5 (54, 280). C. Callewaert, Sacris Erudiri, p. 283, and
supra, nota 23.
57
ln Psalmum 67, n. 39 (PL, 36, 837); Ep. 93, c. 9, n. 28 (33, 335); Quaestiones evangeliorum, 2, c. 40 (35,
1356). cf. Cyril of Alexandria (PG, 68, 417 A). Genade, Liber ecclesisticorum dogmatum (PL, 58, 994).
Florus, Liber adversus Joannem Scotum, c. 13 (161,181 A). Alan of Lille, Contra haereticos, 1, c. 59 (210,
363 B-C).
58
Canons 4, 5, 6, 8, 9, 22 (Mansi, vol. 2. 515-20). [E.T. Percival, NPNF XIV.]
59
John of Ephesus, HE, (Scr. Syri, ser. 3, vol. 3, p. 51).
60
Apostolic Constitutions, 8, e. 6, n. 13 and c. 8, n. 2 (Funk, pp. 480,484).
61
Concilium Gerund., 1101 (Mansi, vol. 20, 1134 E). cf. a carta do Imperador Henrique ao rei da França,
Luís, em 1106 (1204 B).
62
Origen, ln Psalmum 37, v. 6 (PG, 12, 1386 D). Dionysius of Alexandria, in Eusebius, HE, 7, c. 9, n. 5.
[Para a história de Eusébio em inglês e grego, ver K. Lake. J. E. L Oulton, Loeb Classical Library, vols. 153,
265 (London, 2001, 2000). Para a versão em inglês, além de outras obras significa�vas de Eusebio, ver A.
Cushman, NPNF, series II, vol. 1.]
63
Theodulphus of Orléans, Liber de ordine baptismi, c. 18 (PL, 105, 239-40). cf. Augus�ne, Quaest.
evang., 2, e. 39 (35, 1353).
10

Pois assim como ao receber o pão e o cálice nós


partilhamos e participamos do corpo do Senhor... 64

Mas não nos enganemos: este “corpo do Senhor”, a que Rabano Mauro se refere
aqui não é, ou ao menos não significa, exclusivamente ou mesmo principalmente, o que
se chamaria o corpo sacramental. Já se trata do corpo eclesial, que também inclui o
sentido do corpo sacramental. Se o pão, uma expressão tomada de empréstimo de S.
Paulo, já não for um alerta suficientemente claro, se a seguinte formulação
“companheiros no corpo de Cristo” não o confirmar para nós 65, nós de todo modo
receberíamos alguma confirmação necessária da formulação paralela e mais explícita,
que, novamente, vem de Sto. Agostinho 66, e que Amalário toma emprestado dele por
meio de Bede 67:

Que ninguém pense que ele reconheceu Cristo, se


ele não compartilha de seu corpo, a saber, da
Igreja 68.

“Comunicar”, “compartilhar”, “ser participantes e companheiros”: repito mais


uma vez que a complexidade do sentido dessas expressões está em exata concordância
com a complexidade do sentido da palavra “corpo”. Fundamentalmente, elas não são tão
usadas para descrever dois objetos sucessivos, mas sim, duas coisas simultâneas, que
formam um todo. Pois o corpo de Cristo, que é a Igreja não é, de forma alguma, outro a
não ser o corpo e o sangue do mistério. E falando seriamente, não se trata aqui de um
jogo de palavras 69. Através da Eucaristia, cada um é verdadeiramente colocado dentro
de um corpo. Ela une todos os seus membros entre si, assim como ela os une à sua única

64
Rabanus Maurus, ln I Cor. (PL, 112, 94 A).
65
ibid. (94 C, e seguinte, 94 D). cf. Augus�ne, Contra Adimanlum manichaeum, c. 14, n. 3 (42, 152).
Remigius of Auxerre, De celebratione missae (101, 1262-3). Gallican sacramentary (72,498 A); Missale
Francorum (72, 336 C). Nicholas I, Ep. 26, (119, 810 C). 1 Cor. 10. Augus�ne, Contra adversarium legis et
prophetarum, 1, n. 38 (42, 625-6).
66
De consensus evangelistarum, 3, n. 72 (PL, 34, 1206). cf. Tertullian, De oratione, c. 6 (Reiffersched-
Wissowa, p. 185).
67
PL, 92, 628 B; 105, 1153 O.
68
O texto é citado por Peter Lombard (192, 858). cf. Lombard, ln 1 Cor., x (191, 1624-5).
69
cf. M. Comeau, Les prédications pascales de saint Augustin (Recherches de Science religieuse, 1933, p.
268): “É assim, jogando com a palavra corpo, entendida sucessivamente em diferentes sen�dos, que
Agos�nho constrói o seu sermão. Sobre communicare na an�guidade cristã, ver H. Pétré, 'Caritas'. etude
sur /e vocabulaire latin de la charité chrétienne, pp. 2ó7-9.
11

cabeça. É isso que é explicado, no começo do séc. IX, na Expositio missae “Primum in
ordine”, a mais antiga dessas “explicações” anônimas, escrita na tradição de Isidoro de
Sevilha:

“Que isso possa então se tornar, para nós, o corpo e o sangue do


Filho amado”: ou seja, que possa ser feito de nós o seu corpo, e
que no mistério da graça divina ele possa nos dar, de Deus, o
pão que veio do céu. 70

Desse modo, pouco a pouco, o “Cristo inteiro” 71 veio a ser, que está sempre em
nossas mentes como o fim último do mistério. Tanto é assim que, nessa perspectiva de
totalidade e de unidade, não há praticamente nenhuma necessidade de procurar
formulações ou expressões para distinguir um “corpo” do outro.72

***

De um certo ponto de vista, seria possível, nesse corpo de Cristo único e


completo, fazer uma distinção rigorosa entre seus diferentes aspectos; mas, por outro
lado, poder-se-ia argumentar exclusivamente, ou ao menos mais vigorosamente, em
favor de sua unidade. Para darmos um exemplo, essa foi a razão de ser do duelo, na
primeira metade do séc. IX, entre Amalário de Metz e Floro de Lion. Muitos anos mais
tarde, em relação a outro tipo de distinção, com a qual iremos nos ocupar adiante, uma
discussão longa e de certa forma confusa surgiu a respeito do tratado de Sto. Pascásio
Radberto. Mas o corpo por excelência, aquele que sempre vem primeiro à mente 73,
aquele que não precisa de outra designação, é a Igreja. Apesar de divergências, que com
frequência se distinguiam mais por sua vivacidade de expressão do que pela
profundidade de seu conteúdo, a continuidade misteriosa ligando a encarnação à Igreja

70
PL, 138, 1180 O.
71
Etherius and Beatus (PL, 96, 938 D).
72
A con�nuidade de um sen�do ao outro é, novamente, expressa no texto De Civitate Dei, 10, c. 19 (PL,
41, 298) que Floro cita, Expositio Missae, e. 57, n. 4 (Duc, p. 130).
73
Como M. H. Pel�er observou em Pascase Radbert, abbé de Corbie (1938), pp. 215-16, isso pode ser
verificado em Pascásio Radberto. cf. a oração de consagração dos padres recém-ordenados. (PL, 73,221).
12

era fortemente sentida por todos, ainda que se tenha que admitir que ela não era
claramente analisada. A Igreja não é a continuação de Cristo? Cristo é transferido para a
Igreja: essas simples palavras estão cheias de significado. E a passagem de Cristo para
sua Igreja estava preparada, ou mesmo prefigurada por uma passagem anterior, qual
seja, aquela da Igreja para Cristo: a Igreja não é, de fato, o maior corpo do qual Cristo
extraiu seu corpo? Este último ponto impressiona o monge de Fulda, Cândido, que o
considera essencial:

“Toma e come”. Ou seja, cristãos, constituam meu corpo, que


vocês já são. Este é o corpo que é dado a vocês. O que ele tomou
daquela massa da raça humana, ele sofreu com sua paixão, e
elevou-se após ter sofrido (...). Portanto, o que ele tomou de nós
ele entregou a nós. Deve-se “comer”, a saber, aperfeiçoar o
corpo da Igreja, de tal modo que ela, inteira e perfeita, possa se
tornar um pão, com Cristo como sua cabeça. (...) Assim, o pão é
o corpo de Cristo, que ele tomou de seu corpo, a Igreja (...).74

Embora, de um certo ponto de vista, a Igreja pudesse ser um entre os três corpos
normalmente distintos uns dos outros, de fato, na verdade, não se trata de “um outro
corpo” em relação aos dois primeiros. Entendida nesse sentido, a Igreja é simplesmente
“o outro corpo” 75, “o restante do corpo”76, ou seja, em contraste com a cabeça. Uma vez
que ele é considerado em sua totalidade, a saber, com a sua cabeça, é o corpo mesmo
que, em última análise, contém em si todos os corpos que podem ser ditos corpos de
Cristo. “O pão é um em razão da unidade do corpo de Cristo”, era a expressão do
próprio Amalário, que foi o autor da teoria do corpo tripartido 77, tão fortemente

74
De passione Domini, c. 5 (PL, 106, 68-9) e c. 6 (71 8). Etherius and Beatus (96, 938 A). Rabanus Maurus,
ln I Cor., X (112, 94 D). Ivo of Chartres (161, 135 A-8). Gra�an, De consecratione, 2, e. 36 (Freidberg,
1326).
75
Augus�ne, Sermo 361, n. 3 (PL, 39, 1600).
76
Jerome, ln psalmum 7, (Morin, Anecdota Maredsolana, vol 3, p. 2, p. 24). Joannes monachus (PL, 166,
1514 C). Helinandus (212, 522 D). cf. Origen, ln Ephes., 1, 23. (Journal of Theological Studies, vol III, p.
401). Hesychius, ln psalmum 39, (PG, 93, 1191-2 D).
77
Eclogae de officio missae (PL, 105, 1 328 e); De ecclesiasticis officiis (1154-5). Temos aqui uma
explicação da unidade do corpo eucarísi�co, derivado da unidade da Igreja, que faz um paralelo com a
explicação (possivelmente de Erigena), derivada da unidade da Palavra, tal como a que encontramos, por
exemplo, em 1 Cor (PL, 117, 564 e), ln Hebr. (117, 889 B-C), Gezonius of Tortona (137, 406 B-C), Hériger
13

contestada desde o início, mas que, no entanto, se provou tão persistente. De sua parte,
quando Floro criticou-o com a mais absoluta veemência por ter arruinado a unidade do
corpo de Cristo com sua teoria, ele quis dizer com isso não apenas o sacramento, nem
mesmo a relação entre o sacramento e o corpo pessoal de Jesus. Ele quis dizer a ruína da
unidade da Igreja. Amalário, nas palavras de Floro, foi “o maior inimigo da unidade da
Igreja”. Opor-se a ele significava trabalhar para salvaguardar aquela unidade
proclamada pelo apóstolo e pela qual o Salvador morreu:

De fato, ninguém deve jamais chamar o corpo de Cristo de triplo


ou tripartido, uma vez que o Apóstolo sempre o chama de um e
único, quando diz: ‘Embora sejamos muitos, somos um pão, um
corpo’, etc. Com efeito, desde que ele tem Cristo como sua única
cabeça, o corpo de todos os eleitos é um (...). Como poderia um
dividir um pão celestial em três? Somos todos (...) um pão em
Cristo, incorporados e unidos em Cristo. Esta unidade da Igreja,
ou seja, de seu corpo, o Senhor Jesus (...) indicou, quando ele
disse: ‘Eu tenho outras ovelhas, etc’. Foi para essa unificação e
unidade de seu corpo que ele se submeteu à morte (...). Esta é a
união inefável milagrosa entre o Senhor Jesus e seu corpo (...),
que ninguém deve violar ou dividir (...). Ele se esmera para
separar e espalhá-lo quando ele o divide em três partes, três
formas, e três corpos.78

Um pouco mais adiante, ao longo da mesma denúncia, depois de relembrar que,


no mistério, é o próprio Cristo, em seu corpo e carne, que é recebido, Floro, em favor de
sua principal afirmação, contesta as palavras de São Ciprião em seu De Ecclesia unitate:
“o mistério de Cristo, isto é, de seu corpo, não deve ser dividido”; a seguir ele invoca
seu mestre mais frequente. Sto. Agostinho, para estabelecer para o mesmo fim que “toda

of Lobbes (139, 187 A-B), etc. cf. Gra�an and Peter Lombard (192, 863). Rupert une essas duas
explicações. (see infra, eh. iv). Amalarius, Eclogue (1316 c. 1318 A).
78
Adversus Amalarium, 1, n. 7 (PL, 119, 76-7) e lI, n. 7 (85-7). Discours au Concile de Kierzy (MGH,
Concilia, vol. lI, p. 772). cf. 1, n. 3 (74 A) e Expositio missae, e. 45 (Duc, pp. 122, 123).
14

a Igreja universal é tão-somente um único sacrifício a Deus e um único corpo de


Cristo” 79.

Dicta cujusdam sapientis de corpore et sanguine domini adversus Radbertum


(Ditos de um certo sábio sobre o corpo e o sangue do senhor contra Radberto) é um
documento que já se pensou ser uma carta de Rabano Mauro, mas Dom Morin e Dom
Cappuyns provaram de maneira bem-sucedida que ele foi escrito por Godescalc de
Orbais 80, e deve-se agradecer a Dom Lambot por sua recente edição crítica dele81.
Nesse documento, o autor expressa grande surpresa com a confiança com a qual
Pascásio Radberto cita textos de Ambrósio e “Agostinho”, um após o outro,
aparentemente sem perceber que, ao menos em uma primeira leitura, eles se
contradizem. Com efeito, o primeiro desses dois padres identifica o corpo nascido da
virgem com o corpo sacramental, enquanto o segundo distingue entre os dois82.
Godescalc põe para si a tarefa de encontrar uma formulação que concilie as duas
posições. Desde o início, e muitas vezes depois. Ele afirma que, na Eucaristia, o que se
tem é o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue do Senhor83; mas então ele pergunta se,
ainda assim, não estamos em certo sentido obrigados a distinguir, com Sto. Agostinho,
entre os três corpos de Cristo? Pois um é o corpo nascido da Virgem e que ascendeu ao
Céu, outro é o corpo criado e consagrado novamente a cada dia, e, finalmente, outro é o
corpo que nós mesmos somos, e que recebe o sacramento (...)84. Assim como Pascásio,
ao afirmar a unidade, estava distinguindo com sucesso os três modos, do mesmo modo
Godescalc, ao afirmar os três modos, não estava menos decidido a estabelecer a
unidade. Ele insiste na necessidade de distinguir os três corpos mais firmemente do que
o próprio Pascásio já tinha feito: mas isso foi apenas para acrescentar, ainda na mesma
frase, que por natureza os três corpos consistem em um único corpo singular: “diferente
em espécie e, ainda sim, um em natureza” 85. Essa é a origem de uma série inteira de

79
MGH, Concilia, vol. 2, pp. 773-5.
80
Mabillon, que não deixou de observer a semelhança entre sua linguagem e a de Godescalc (De
controversies eucharisticis saeculinoni, e. 4, in Zaccaria, Thesaurus theologicus, vol. 10, p. 881) a
iden�ficou, no entanto, por conjectura com a Carta a Egil, à qual Rabano Mauro refere-se a fim de
refutar Pascásio (Paenifentiale ad Heribaldum, PL, 110, 493 A). cf. Hériger of Lobbes (PL, 139, 179 A).
Seguindo Vacant, Geiselmann rejeita essa iden�ficação: Die Eucharislielehre der Vorscholas�k (1926),
pp. 222-9, para a atribuição a Godescalc, ver Morin, Revue bénédic�ne (1931) p. 310; Cappuyns, John
Scotus Eriugena (1933), p. 87; Pel�er, DTC, vol, XIII, e. 1630.
81
Oeuvres théologiques et grammaticales de Godescalc d'Orbais (Spicilegium sacrum lovaniese, 1945).
82
op. cit., pp. 325-6,
83
pp. 324, 32 5, 329, 332, 334·
84
p. 326.
85
PP· 335-6; cf. p. 327, 337.
15

formulações sutis ou, em um ruído de palavras, a tripla distinção que, por assim dizer,
faz uma trama em torno da unidade:

Portanto, se já está claro e acordado agora que há uma diferença


em espécie entre a carne que não é para ser consumida, a carne
que é recebida e a carne que é corruptível, e, ademais, a carne
que recebe a carne que é dada pela carne que dá, tornar-se-á, ao
comê-la, virtuosamente incorruptível. Não obstante, deve
também ficar claro e acordado que uma em natureza são a carne
que dá, a carne que é dada e que carne que recebe: em outras
palavras, a não-comestível, a comestível e a que come; a não-
consumível, a consumível e a consumidora (...)86

E foi assim que Ambrósio, assim como explicado por “Agostinho”, pode agora
ser interpretado: “Está na natureza a carne mesma, sem excluir diferença de formas” 87.

Elaborações semelhantes podem ser vastamente encontradas entre aqueles que


escreviam ao mesmo tempo sobre a Eucaristia. “Aquela carne que assumimos e o pão, e
toda a Igreja não consistem em três corpos de Cristo, mas um corpo”, escreve o autor de
Auxerre em seu comentário à 1ª Epístola aos Coríntios 88. “Trindade, mas unida”,
escreveu Hériger de Lobbes, em seu pequeno tratado De corpore et sanguine Domini89,

86
p. 335. cf. pp. 333-4.
87
p. 337. Está claro que não devemos nos esforçar demais para traduzir os dois advérbios de Godescalc,
como o faz Dom Paul Renaudin: “no que diz respeito à substância”, “no que diz respeito à aparência”
(Questíons théologíques et canoniques, 1, 1913, p. 10). Contudo, estas úl�mas palavras só poderiam ser
um equivalente anacrônico deles, e ademais, faríamos bem em não nos esquecermos que todas as vezes
em que Godescalc afirma sua iden�dade, ele está falando da iden�dade dos três corpos.
88
Pl, 117, 564 D; 571 A. Mabillon, De controversies saeculi noni (Zaccaria, vol. X, p. 873).
89
Designada primeiramente como “a obra anônima de Cellot”, em homenagem ao nome de seu
primeiro editor, esta pequena obra foi atribuída por Mabillon (De Controversiis saeculi noni, c. 3, loc. cit.,
pp. 876-8) a Hériger, abade de Lobbes (m. 1007), enquanto outros, juntamente com B. Pez, atribuem-na
a Gerbert, entre cujas obras ela figura no Migne. Mais recentemente, R. As�er propôs o nome de Scotus
Erigena. Em 1908, Dom Morin mais uma vez sugeriu o nome de Hériger e Dom Cappuyus apoiou essa
sugestão. Essa opinião é compar�lhada por Heurlevent em Durand de Troam et les origins de l’hérésíe
bérengarienne (1912). Em 1933, impressionado com a sua leitura de um C12o. manuscrito que citava
vastos excertos da obra em conexão com o nome 'Joannes Scotus', Dom Morin acreditou que o
problema precisava ser reconsiderado. (Bulletin de théologie ancienne et médiévale, 2, p. 179). Mas um
importante estudo de Geiselmann, que apareceu desde aquela época, Der Einfluss des Remigius von
Auxerre auf die Eucharistielehre des Hériger von Lobbes (Theologische Quartalschrift, 1934, pp. 222-44)
nos obriga a abandonar a hipótese de John Scotus defini�vamente, e confirma a atribuição a Hériger. cf.
16

tentando assim conciliar aqueles em favor da distinção e aqueles em favor da unidade.


Mais tarde, ele acrescentaria: “não há diversidade onde há um, pois não há dois ou três
corpos, mas um” e seguindo Godescalc: “o corpo de Cristo é um em natureza”. 90

Não se trata aqui de uma forma de expressão passageira. Enquanto explorava e


fazia pequenas modificações na teoria de Amalário, Hugo de S. Vitor, por sua vez,
repetiria a seguinte definição, que seria reproduzida por diversos autores na segunda
metade do séc. XII, sobretudo o futuro Papa Inocêncio III:

Pois o corpo de Cristo é toda a Igreja, a saber, a cabeça com seus


membros, e encontram-se neste corpo como se fossem três partes,
que constituem todo o corpo. 91

Assim, seja compreendido historicamente ou sacramentalmente, o corpo


particular de Cristo ainda é incluído por Hugo no corpo total, aquele corpo único no
qual as três partes estão distinguidas 92. Ele é entendido da mesma maneira por Balduíno
de Canterbury 93 e autor das Sententiae divinitatis. Em uma discussão sobre o mesmo
rito de fração, eles novamente elaboraram a mesma doutrina em termos similares: “o
corpo de Cristo é dividido sacramentalmente em três partes, contudo, não há três
Cristos, mas um único Cristo”. 94

***

No entanto, apesar do fato de que essa unidade sempre termina sendo afirmada,
as “partes”, “tipos”, “formas” ou aspectos que não podem deixar de ser distinguidos
dentro de um único corpo frequentemente encontram-se descritos pelo mesmo vocábulo
corpus. “O primeiro é o corpo, o segundo é o corpo e o terceiro é o corpo”, disse

Cappuyus, Bulle�n, 3, pp. 86, 333. Hériger confia em Remigius via Gezonius de Tortona: Lebon, Sur la
doctrine Eucharistique d' H. de Lobbes, in Studia Maedievalia, p. 64.
90
5.7, 8 (PL, 139, 183 C, 185-186). Mais tarde Wycliffe diria o contrário, ao comparar a Eucaris�a ao
corpo individual. Sermonum Pars IIIa, 1, 61 (Loserth, p. 457).
91
De sacramentis (PL, 176, 468 D). lnnocent III, De sacro altaris mysterio (217, 907-8). Meter Comestor,
Sententiae de sacramentis (Mar�n, p. 57).
92
De acordo com outra modificação da teoria de Amalário, isso não seria mais assim.
93
Liber de sacramento altaris (PL, 204,771 o).
94
Tractatus 5 (Geyer, p. 138). Além das três peças do anfitrião, que é dividido (e só ele o é), a afirmação
tem em vista, assim como a definição de Hugo, as três partes do corpo de Cristo, das quais estas três
peças são o signo, e que o autor enumera sob uma dupla formulação (apenas a primeira delas nos
interessa aqui).
17

Amalário, por exemplo95. Se houvesse a sensação de que esse sistema de enumeração


não fosse satisfatório, já que ele tendia a sugerir um certo escrúpulo, certas torções na
formulação teriam de ser encontradas a fim de evitar confusão. É aqui que a expressão
corpus mysticum passa a ser usada para especificar o corpo sacramental. Não se trata
aqui de uma marca registrada de nenhum autor ou escola em particular. Durante o
conflito sobre a Eucaristia, sobre o qual já fiz referência, a veremos ser usada no mesmo
contexto e no mesmo sentido por todos os quatro protagonistas originais, a saber, por
Pascásio Radberto e seus três adversários: Ratramnus, Rabano Mauro e Godescalc.

Por vezes ocorre um mal-entendido entre as duas divisões triplas de Pascásio e


Amalário. A exegese das Escrituras do abade de Córbia e a exegese litúrgica do diácono
de Metz de forma alguma contradizem-se mutuamente, mas tampouco elas se
encontram em um caminho comum. Pascásio, escrevendo depois de Amalário, nada
deve às especulações deste último sobre o corpo tripartido. Com efeito, ele parece
bastante crítico deles, sem dúvida sob a influência da crítica de Floro96. Seu ponto de
partida e seu ponto de vista são completamente diferentes. No capítulo VII de Liber de
corpore et sanguine Domini, ele observa que, na Escritura, há três interpretações
diferentes e aceitas do corpus Christi; ele então as explica e as coloca na ordem mais
exata uma em relação à outra na seguinte passagem:

Porque com a mais absoluta certeza a Igreja universal de


Cristo é seu corpo, onde Cristo é a cabeça, e todos os eleitos são
chamados de membros, dos quais um corpo é formado
diariamente para formar o homem perfeito (...), deste (corpo),
quem quer que remova um membro de Cristo e faça dele um

95
De ecclesiasticis officiis, 3, e. 35 (PL, 105, 1154 D). Algerius of Liége, De sacramentis corporis et
sanguinis Domini, 1, e. 17 (180, 791)
96
Em seu comentário a S. Mateus, ele diz: “Cristo, ao deixar seu corpo, não está dividido em si pelo
mistério, nem, de forma alguma, feito em três partes” (PL, 120, 962 B). E em sua carta a Frudegard: “não
siga a tolice do corpo de Cristo dividido em três”(1365 a). O que permanece verdadeiro é que Amalário,
assim como Pascásio, mas de outra forma, e em menor grau, é consciente da “verdadeira presença”, e às
vezes encontra formulações para expressar isso que estava à frente do seu tempo. Cf. De ecclesiasticis
officiis, 1.3, c. 25, e Epistula 4 ad Rantgarium (Pl, 105, 1141 and 1334-5). Historiadores, paralisados pelos
detalhes externos de seu simbolismo, nem sempre dão a ele o bene�cio da dúvida, como se �vesse sido
entendido previamente que quanto mais simbolismo é encontrado na obra de um autor, tanto menos
realismo há nela (…) La Perpetuité disse, com grande jus�ça, embora não sem algum exagero no sen�do
oposto: “Ninguém jamais ensinou a presença real mais formalmente”. (ed. Migne, vol. 3). Floro não está
protestando em relação a Amalário, assim como Ratramnus o está em relação a Pascásio, embora o
primeiro o esteja fazendo em nome da unidade, e o segundo, em nome da dis�nção?
18

membro de uma prostituta (...) sem dúvida não está mais no corpo
de Cristo (...). Portanto, ele não tem direito a comer do corpo
místico de Cristo, corpo que, a fim de ser a verdadeira carne de
Crito, é consagrada diariamente através do Espírito Santo para a
vida do mundo (...). Eles se alimentam dele merecidamente, [ou
seja], aqueles que estão no seu corpo, com o resultado de que
apenas o corpo de Cristo, enquanto ele estiver em peregrinação, é
nutrido por sua carne (...).

O outro corpo é aquele que é nascido da Virgem Maria e


no qual este corpo é transformado, (...) e agora é aquele que se
tornou padre, para sempre, diariamente, interceder por nós; se nos
comunicarmos corretamente com ele, assim também
direcionaremos nossos espíritos [de tal modo] que nós, seu corpo,
tomemos sua carne dele e partir dele, enquanto ele permanece
inteiro: carne essa que ele é, e o fruto dessa carne, de forma que
ele sempre permaneça o mesmo e alimente todos aqueles que
estão no corpo.97

Enquanto faz essas distinções e equilibra essas formulações, Pascásio Radberto


continua a insistir na verdade do corpo sacramental, que ele chamou anteriormente de
“o corpo e o sangue místicos de Cristo”98, ao mesmo tempo em que ele insistia na
identificação com o corpo histórico e celestial: “seu próprio corpo”, “verdadeira carne”,
“uma carne de Cristo” 99. Por outro lado, ele não estava menos apegado à unidade real
dos três corpos. A passagem que acabamos de ler, com todas as suas sutis
interconexões, dá ampla demonstração disso. Nas linhas que se seguem imediatamente
depois, ele se explica ainda mais claramente: “as três designações do corpo” não

97
PL, 120, 1284-6. Em sua análise ampliada no tratado, Dom Ceillier dedica somente uma curta frase a
este capítulo, cuja terminologia é inexata. (Histoire générale des auteurs sacrés et ecclésiastiques, 12, p.
536). Um resumo mais preciso pode ser encontrado em Jacquin, Revue des Sciences philosophiques et
théologiques, 1914, p. 85. Parece que M. H. Pellier não ousou repe�r uma terminologia que, não
obstante, não escapou do seu conhecimento: ver DTC, vol. 13, c. 1635, e Paschasius Radbertus, pp. 200,
210, 251-217, 233, 246, 266.
98
c. 2 (PL, 120, 1273 A.)
99
c. 4, 5, 7 (1278 A, 1279 B, 1281 D, 1285 A). ln Matthaeum (896 C), Letter to Frudegard (1361 A). ln I
Cor., (PL, 117, 564 a-e).
19

obscurecem, para ele, “a unidade daquele corpo” 100. Ele retorna a essa questão muitos
anos depois, por volta de 851, em seu comentário a S. Mateus, capítulo 26: “de tal modo
que eles possam reconhecer mais claramente quão grandiosa é a unidade do corpo”, ele
escreve, e “quem quer que deseje viver na unidade do corpo tem de compreender que
esses três são misticamente um corpo” 101.

Sobretudo o primeiro desses dois pontos foi contestado, como sabemos, por
Ratramnus. Ao menos de certa forma, o mesmo pode ser dito do segundo, contestado
por Rabano Mauro e Godescalc. Isso não impediu que esses três adversários do abade
de Córbia, que estavam longe de estarem de acordo entre sim, se unissem contra ele e
usassem “corpus mysticum” como um termo para a Eucaristia. “Sobre esse corpo
místico”, disse Ratramnus 102, e novamente, contrastando a Eucaristia com o corpo
histórico:

Quanta diferença há entre o corpo em que Cristo sofreu, e este


corpo que é para a celebração de sua paixão e morte (...). Pois
aquele é próprio e verdadeiro, não contendo nada de místico ou
figurativo, enquanto este é verdadeiramente místico. 103

A mesma linguagem é utilizada por Rabano Mauro, que escreve no seu


De clericorum institutione:

(...) Agora na Igreja seu corpo místico, criado pelo óleo da oração
sagrada, é administrado em recipientes sagrados para que os fiéis
o recebam por meio do ministério dos padres. 104

100
c. 7 (PL, 120, 1286 A).
101
PL, 120, 896 C e D. Deve-se observar como o atributo “mís�co”, embora designe sobretudo o corpo
sacramental, é, em úl�ma instância, aplicado aos três corpos, e mesmo, em uma certa medida, ao
terceiro, considerado em referência à unidade final e total do corpo, que inclui a cabeça e seus
membros: não mais apenas a unidade tal como ela se cons�tui a si mesma, nem apenas a unidade da
Igreja como o corpo de Cristo, mas a unidade realizada entre Cristo e a Igreja em “uma carne”. Mesmo
sendo tão reais em si mesmos, cada um em sua própria ordem e de acordo com seu próprio modo,
todos os demais aspectos do corpo de Cristo têm como seu propósito produzir e dar a conhecer
“mis�camente” sua realidade úl�ma e “sólida”, seja como for, à espera de que ela seja absorvida nele.
102
De Corporae et sanguine domini, c. 95 (PL, 121, 168 A). Trad. W. F. Taylor (London, 1880) e W. Hopkins
(London, 1688).
103
c. 92 (167 A). cf. e. 97, 98 (169 A and B).
104
LI, c. 33 (PL, 107, 324).
20

A obra foi editada por Rabano quando ele ainda era responsável pela escola em
Fulda, por volta de 819, e portanto, cerca de 12 anos antes da primeira edição do tratado
de Pascásio Radberto, que data de 831. Godescalc, por outro lado, depende de Pascásio.
No estudo no qual ele assume o desafio com todo vigor, ele começa utilizando os
próprios termos dele sem achar necessário parafraseá-los:

Aqui nós chegamos a um ponto que é muito mais problemático, e


extremamente difícil, um ponto, a saber (...) em que se fala do
corpo de Cristo de três maneiras, ou seja, a Igreja, e o corpo
místico, e aquele que está sentado do lado direito de Deus. 105

O que temos aqui é uma forma de expressão que era comum à época. O séc. IX
ainda testemunha isso. A Igreja de Lion certa vez possuiu um livro de sermões no qual
Mabillon, que o cita a partir de excertos enviados a ele por Baluze 106, acredita
reconhecer a mão de Floro 107. Havia um comentário na Epístola do Lava-Pés de Quinta-
Feira nos seguintes termos:

“Este é meu corpo”. O corpo que falou é um, e o corpo que está
sendo ofertado é outro. O corpo que fala é substancial, enquanto o
corpo que está sendo “ofertado” é místico. O corpo do Senhor
morreu, foi sepultado e ascendeu ao Céu. Mas o corpo que foi

105
Dieta cujusdam sapientis (PL, 112, 1513 c).
106
Este livro de sermões era parte de uma coleção de manuscritos coletados por Baluze, que foi
adquirida, com sua morte, pela Royal Library e que pode ser encontrada hoje na Na�onal Library. Auray-
Poupardin, Bibliotheque nationale, Catalogue des manuscripts de la collection Baluze (1921), p. 422, no.
379, fol. 159-66: homilias extraídas de um manuscrito da Igreja de Lyon. De sua parte, a biblioteca
municipal de Lyon possui um livro de Sermões sobre as epístolas e evangelhos para o ano, um
manuscrito que data do séc. IX. (Molinier-Desvernay, vol. 1, 1900, p. 172, n. 628).
107
Sabe-se que um dos poemas de Floro é em elogio ao livro dos Sermões: Epigramma libri homelarum
totius anni ex diversorum Patrum lractatibus ordinati (MGH, Poetae latini aevi carolini, vol. 2, pp. 530-5).
21

confiado aos apóstolos em um mistério 108 é consagrado


diariamente pelas mãos do padre. 109

***

Nosso homiliasta de Lion certamente está mais próximo de Ratramnus do que de


Pascásio, do ponto de vista da doutrina. Mas ele fala como ambos. Tal uniformidade de
vocabulário talvez nos convide a buscar uma fonte comum, ou ao menos algum
exemplo anterior. Sem sairmos do séc. IX, uma leitura mais atenta de Rabano Mauro
tornará nossa pesquisa mais fácil. De fato, a passagem citada anteriormente do De
clericorum institutione não é a única em que Rabano Mauro descreve a Eucaristia como
corpo místico. Se consultarmos suas Expositiones in Leviticum, encontramos:

A filha racional do padre, ou seja, cada alma regenerada por ele


pelo batismo, se a ela se junta um estranho, fazendo coisas que
pertencem a estranhos, como, por exemplos, judeus, pagãos ou
heréticos, e abraçando-se sua companhia, eles não devem
alimentar-se dos primeiros frutos do santificado, ou seja, o corpo
místico 110.

Essa exegese alegórica do Levítico, capítulo 22, versículo 12 não foi uma
invenção do abade de Fulda. Sabemos que seus comentários da Escritura, assim
como era o caso da maioria à época, mal passavam de uma coletânea de excertos
escolhidos. Para o Levítico, ele usou sobretudo o comentário atribuído a
Hesíquio de Jerusalém 111. Depois de suas próprias obras sobre o Gênesis e o
Êxodo, ele nos confidencia que ele chegou a pensar em simplesmente sugerir aos
seus leitores que fossem diretamente à obra 112. A passagem que acabamos de ler
é uma citação do texto propriamente dito113, e o mesmo pode ser dito sobre o

108
Note a equivalência entre 'mys�cum' e 'in mysterio'. cf. o poema de Floro sobre o Evangelho de S.
Mateus, v. 236: 'Corporis ipse sui sanc�s mysteria tradit' (loc. cit., p. 515).
109
Mabillon, Praefationes in Acla SS. Ordinis S. Benedicti (1724), p. 331. A passagem é reproduzida por
Alexander Natalis (in Zaccaria, Thesaurus theologicus, vol. 10, p. 891).
110
1. 6, c. 18 (PL, 108, 492 D).
111
1 ln Leviticum (PG, 93).
112
Expositiones in Leviticum, Praefatio (PL, 108, 247 A).
113
Hesyehius, 6, e. 22 (PG, 93, 1070 C-D).
22

“sangue místico” sobre o qual lemos em outra passagem das mesmas


Expositiones. 114

Rabano Mauro naturalmente leu Hesíquio na versão latina, que era


distribuída vastamente à época. O autor e a data desta versão permanecem
desconhecidos até hoje, e já se chegou a supor – mas com certeza
erroneamente 115 - que se tratava de uma obra original latina. Hesíquio era um
exegeta prodigioso, também escreveu diversos comentários sobre os Salmos.
Contudo, em um dos fragmentos de seu grande comentário, que foram editados
por Cordier e reproduzidos em Migne, pode-se ler as seguintes reflexões sobre o
salmo 103, versículo 32:

“E o vinho traz júbilo ao coração humano”. Trata-se aqui do


vinho místico. Portanto, ele traz júbilo não ao corpo, mas ao
coração (...). Vê-se como o salmista fala do pão e do vinho
místicos (...). Mas como esse pão místico nos torna mais fortes,
senão trazendo certeza aos nossos corações? Nós mesmos nos
tornamos o corpo de Cristo ao tomar parte em seu corpo
místico. 116

Corpus mysticum, ainda no sentido eucarístico, pode ser encontrado


novamente na vida de um bispo sagrado do período merovíngio, Austregésilo
(ou Austrilégio), abade de São Nizier em Lion, e subsequentemente arcebispo de
Bourges (551-624). O santo, perto de sua morte, decide celebrar a missa uma
última vez:

114
Expositiones, 5, e. 8 (PL, 108,432 C). Hesyehius 5, c. 17 (PG, 93, 1005 D).
115
Como Tillemont já observou com grande perspicácia, o la�m aparece em diversos lugares para ser
traduzido. Quanto ao caráter semi-bárbaro que alguns pensaram ter reconhecido nele (Labbe, De
scriptoribus ecclesiasticis, vol. 1, p. 637), ele, sem dúvida, não é nada mais do que o resultado de um
esforço de fidelidade literária. Lembremo-nos que os crí�cos se recusaram a atribuir as traduções das
homilias de Orígenes sobre Isaias a S. Jerônimo, pois, para eles se tratava de algo muito bárbaro para
seus gostos.
116
1. 3, c. 4, n. 10 (PL, 42,874). Ver infra, capto. II, nota 7.
23

Ao tomar do pão e da taça, ao modo usual, oferecendo


sacrifícios espirituais ao Senhor, ele confecciona, por meio de
uma oração, o corpo místico do Senhor. 117

O autor desse relato é um contemporâneo do santo, o que nos leva de


volta ao séc. VII. Mas ele realmente escreveu “corpo místico”? Pode ser difícil
verificar isso. Ler esse trecho nos traz à mente infalivelmente a “oração mística”
de Sto. Agostinho em seu De Trinitate 118, um texto tão frequentemente repetido
nos séculos seguintes, que não seria de se surpreender se, no texto autêntico de
nosso hagiógrafo, estivesse escrito: “ele confecciona o corpo por meio de uma
oração mágica”. O trecho parece soar mais natural assim. Apesar do “fazer uma
oração”, na Vita Melaniae 119, apesar do “logo após a oração”, de S. Gregório120,
que é o mesmo que “logo após o cânone” de seu biógrafo, João, o Diácono 121, e
diversas expressões análogas 122, não se pode deixar de achar estranho, nesse
contexto, o uso desta “oração” indeterminada, ao passo que “confeccionar o
corpo” era, pelo contrário, uma expressão simples e comum. De todo modo,
Hesíquio, que morreu em 438, tem preferência, assim como parece que ele
exerceu grande influência na linguagem utilizada pelos autores latinos no séc.
IX.

A autoridade do homem que Tillemont chamava de “o grande


Hesíquio” 123 não era a única a utilizar a expressão “corpo místico”. Em um
estranho quid pro quo, ele efetivamente recebeu isso de Sto. Agostinho via seu
uso por Pascásio Radberto. A seção do capítulo em Pascásio em que
encontramos isso teve um destino extraordinário: ela foi quase imediatamente
transferida, juntamente com diversos outros fragmentos do mesmo tratado, em
uma florilegia eucarística, da qual Godescal a extraiu a fim de opô-la, em nome

117
Vita sancti Austregisili, 1, c. 2, n. 16 (ed. Heusehenius, Acta Sanctorum (Anvers, 1685) vol. 5, p. 232).
118
1. 3, c. 4, n. 10 (PL, 42, 874). Ver infra, capto. II, nota 7.
119
n. 66 (Rampolla, p. 38).
120
Epistularum, 9, Ep. 12. Gregório �nha acabado de escrever, o que explica sua terminologia abreviada
'... ut precem quam scolas�cus composuerat super obla�onem diceremus' (como dizermos a prece que
o escolás�co compôs sobre a oferta) como os (PL, 77, 956-7).
121
Vita Gregorii, 2, c. 20 (PL, 75, 94).
122
Marius Victorinus, Adversus Arium, 2, c. 8 (PL, 8, 1094 B). Vigilus, Leter to the bishop of Braga (Jaffe,
907).
123
Mémoires ... , vol. 14, p. 227.
24

de Sto. Agostinho, à doutrina que Pascásio desenvolve no mesmo capítulo 124.


Porém, não obstante essa linhagem impressionante, parece que a expressão não
permaneceu de uso comum, uma vez que terminadas as controvérsias do séc. IX.
Pareceria mais prudente não nos referirmos demais a um texto que já pode ser
encontrado em Floro125 e em Remígio de Auxerre 126, o qual ambos os autores
devem ter tomado de empréstimo de alguma Expositio anterior, e onde se diz da
Eucaristia: “este corpo, este sangue (...) tornam-se místicos pela consagração”.
Porque as palavras “corpo” e “sangue”, às quais a palavra “místico” apenas foi
acrescentada como atributo, foram possivelmente copiadas erroneamente, ao
invés dos originais “pão” e “taça”. Estas são, de fato, as palavras que podem ser
lidas em Sto. Agostinho na passagem no Contra Faustum 127, do qual esse texto é
claramente derivado. Outros autores, incluindo Hincmar, no séc. IX128, a cita em
sua forma autêntica, que é, ademais, a única que parece oferecer uma
compreensão aceitável 129. Mas o texto de Floro e de Remígio foi tomado
novamente no séc. XI por João de Fécamp, que o introduziu, com algumas
variantes, em seu Confessio Fidei130:

Este corpo e este sangue não são colhidos nos ouvidos e nos
ramos, mas pela consagração indubitável eles se tornam místicos
para nós e não nascem, quando o pão e o vinho criados se

124
Lambot, p. 326: “Isso é contestado pelo abençoado Agos�nho” (PL 112, 1513 C). Essa operação foi
realizada logo após a primeira edição do tratado de Pascásio. Ver M. Lepin, L'idée du sacrifice de la
Messe ... , pp. 759-86.
125
Expositio missae, e. 59, n. 9.
126
Expositio missae (ed. Frobenius), (PL, 101, 1260 A-B).
127
Bk. 20, c. 13 (PL, 42, 379). Gregory of Nyssa, Life of Moses (PG, 44, 368 C). [Em inglês, ver A. J.
Malherbe, Life of Moses (New York, 1978). Para uma seleção de mais obras de S. Gregório em inglês, ver
W. Moore and H. A. Wilson, NPNF, series li, vai. 5.] L. Delisle, 'Anciens manuscrits de la Bibliothêque de
Lyon', Notices et extraitsdes manuscrits, vol. 29 (1880), p. 390.
128
Hincmar (PL, 125, 925 A-B). Ivo of Chatres (161,135 A, 1071 C). Algerius of Liége (18o, 764 C). Gra�an,
Decretum, p. 3; De consecratione, 2. 39 (Friedberg, 1328). Huguccio (Geiselmann, Die Abendmahlslehre
... , p. 154).
129
Com o “corpo” e o “sangue” como seus sujeitos, a expressão 'non in spicis colligitur' (não coletada na
espiga) faz pouco sen�do.
130
Isso completa a demonstração feita por Geiselmann para mostrar que esta obra, longe de ser de
autoria de Alcuin, pressupõe a controvérsia em torno de Berengar. Dom Wilmart a acrescentou às obras
literárias de John of Fécamp (m. 1079): Auteurs spirituels et texts dévots du moyen ôge latin, p. 196.
25

transformam no sacramento da carne e do sangue por meio da


santificação inefável do Espírito Santo.131

No séc. IX, Hériger de Lobbes cita, de passagem, a expressão de Pascásio


Radberto, ainda acreditando que ela seria de Sto. Agostinho: no texto de Pascásio, que
Godescalc utilizou em oposição a Pascásio, em nome de Agostinho, ele agora acredita
ter encontrado uma formulação que reconcilia Pascásio e Godescalc! 132 O imbróglio
alcancçou seu auge... Encontramos a mesma citação novamente no séc. XII em Algério
de Liège 133. Algério, porém, não chega ao ponto de usar a expressão por conta própria
mais do que Hériger o faz. Por outro lado, Gilbert de Nogent a adota: no De pignoribus
sanctorum (c. 1120), “corpo místico” é usado intercambiavelmente com “corpo
figurativo”, e colocada em oposição a “corpo principal” 134. A expressão sobrevive até
quase o final do século. Jean Béleth a retoma, por volta de 1165, em seu Rationale
divinorum officiorum:

Esta questão, por que Cristo deu seu corpo místico aos discípulos
antes de tê-lo oferecido em verdade, já foi adequadamente
discutida por outros.135

131
p. 4, c. 3 (PL, 101, 1088 C).
132
op. cit., n. 3 (PL, 139, 181 B).
133
PL, 180, 790 D. cf. Godescalc (112, 1513 C)
134
Bk. 2 (PL, 156, 629, 634 C, 650).
135
c. 99 (PL, 202, 104 C). Os textos editados de Béleth partem, em muitos detalhes, do texto manuscrito.
(Hauréau, Notices et extraits des manuscripts ... , vol. 32, 1886, p. 186). Mas é altamente improvável que
este atributo seja obra do editor Corneille Laurimann, cuja mania de correção o teria, mais
provavelmente, o levado na outra direção.

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