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PE.

JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

INICIAÇÃO CRISTÃ - EUCARISTIA – SACRAMENTOS II


(TEO 1259) – PUC-RJ 2019.2 (Seminário do RJ)

1
Bibliografia
AUER, J.-RATZINGER, J. (edizione italiana a cura di Carlo Molari). I Sacramenti
della Chiesa. Assisi, v. 7: Cittadella, 19892.

BARTMANN, B. Teologia Dogmática. Sacramentos – Escatologia. S. Paulo, v. 3:


Paulinas, 1964.

GOEDERT, V. M. Teologia do Batismo. Considerações teológico-pastorais sobre o


batismo. S. Paulo: Paulinas, 1987.

GOMES, C. F. Riquezas da Mensagem Cristã. Comentário ao “Credo do Povo de


Deus”. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 19892 (revista e ampliada).

MARTIMORT, A. G. A Igreja em Oração. Introdução à Liturgia. Os Sacramentos.


Petrópolis, v. 3: Vozes, 1991.

MARTINS, J. S. Baptismo e Crisma. Lisboa: Universidade Católica, 2005.

NOCENT, A. – SCICOLONE, I. – BROVELLI, F. – CHUPUNGCO, A. J. Os


Sacramentos. Teologia e história da celebração. S. Paulo: Paulinas, 1989 (coleção
Anámnesis 4).

NOCKE, F.-J.; SCHNEIDER, T. (org.). Manual de Dogmática. Petrópolis, v. 2: Vozes,


20094.

SESBOÜÉ, B. (dir.). Os Sinais da Salvação. S. Paulo, tomo 3: Loyola, 2005


(RECONCILIAÇÃO – Parte bíblica: –; Parte histórica: pp. 60-80).

1
Introdução
Já nos impregna, ó iluminandos, o odor da bem-aventurança (...). Chegastes já à ante-sala
do palácio régio; oxalá sejais introduzidos pelo Rei (...). Nós, ministros de Cristo que
somos, (...) deixamos a porta franqueada (...). Corram teus pés para as catequeses.1

1
CIRILO DE JERUSALÉM, cat. pré-bat. 1.4.9.

1
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Com essas palavras ricas de efusividade, o autor das Catequeses Pré-Batismais, no


século IV, encorajava os candidatos a que inscrevessem seus nomes à recepção dos
Sacramentos de Iniciação Cristã nas Solenidades Pascais que estavam em breve por se
celebrar. Desejei inseri-las, ao início de minha preleção, à guisa de ilustração desse tema
acerca da Iniciação Cristã, na assim denominada Época Patrística, tema esse, a meu
singelo juízo, em estreita sintonia com o Ano da Fé, recentemente aberto pelo Santo
Padre em Roma.
Em sua Carta Apostólica Porta Fidei, datada de 11 de Outubro de 2011, chamam
a nossa atenção as expressões com que Bento XVI se refere à fé: ela é, segundo o
Pontífice, como um “caminho que dura a vida inteira”;2 um “itinerário jamais
completamente terminado nesta vida”,3 cujo efeito é a purificação e transformação dos
pensamentos, afetos, mentalidade e comportamento do homem, na medida de sua livre
disponibilidade; e é, em suma, um “percurso” que entrelaça o ato com que se crê (a
denominada fides qua creditur pela teologia medieval) com os seus conteúdos (a
denominada fides quae creditur).

2
Origem e Definição do termo “Iniciação”
Normalmente, dentro da linguagem atual, os termos “Iniciação Cristã” e
“Catecumenato” se identificam. Todavia, “Catecumenato” é um termo que foi cunhado
somente durante o período do Humanismo e do Renascimento, portanto entre os séculos
XV e XVI, ainda que sua origem remonte à Antiguidade. De fato, ele provém do verbo
grego kathcevw, ou seja, “fazer ressoar aos ouvidos; instruir a viva voz”. Na voz passiva,
tal verbo adquire o senso de “ser informado, ser instruído”, e daí, no Novo Testamento,
“ser catequizado”. Em consequência, o termo “catecúmeno”, transliteração quase
perfeita do particípio presente médio-passivo kathcou,menoj, significa “aquele que é
instruído” na fé cristã. Por outro lado, o termo “Iniciação”, do latim “Initiatio”,
enquanto referente aos ritos cristãos, é já mencionado na Literatura Cristã Antiga, mais
precisamente no Apologeticum de Tertuliano, escrito em 197dC. Diz ali o autor:
Já que os cristãos não podem ser os traidores de si mesmos, segue-se que os traidores são
os estranhos. Mas, donde podem os estranhos obter notícias (desses mistérios), uma vez
que também as pias Iniciações afastam todos os pagãos e se protegem de observadores, a
não ser que os cristãos não temam os ímpios?

O texto defende os cristãos portanto de serem os que revelam indevidamente


informações a respeito dos ritos de Iniciação Cristã, resguardados pela disciplina do
Arcano, da qual falaremos mais adiante. De qualquer modo, o interessante é constatar
aqui, em fins do século II, o uso explícito do termo “Initiatio” dentro do Cristianismo. E
isso é curioso, pelo fato de que tal termo advém de ambiente pagão, mais propriamente
das assim chamadas Religiões de Mistério. Compreende-se assim o fato da palavra
“Iniciação” (e de tantas outras, tais como “mistério”, “mistagogia”, etc.), até finais do
século II, ser atestada só esporadicamente, chegando mesmo a ser evitada pelos Padres
Apologetas. Existia mesmo o pensamento difundido de que os demônios haviam
sugerido, dos infernos, uma imitação dos ritos cristãos nas religiões pagãs. S. Justino
(*ca.100; †165), por exemplo, diz na sua I Apologia:

2
PF 1.
3
PF 6.

2
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Todos os que se convencem e acreditam que são verdadeiras essas coisas que nós
ensinamos e dizemos, e prometem que poderão viver de acordo com elas, são instruídos
(...). Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho de
regeneração com que também nós fomos regenerados eles são regenerados (...). Os
demônios também ouviram que esse banho tinha sido anunciado pelo profeta, e então
4
também se fizeram aspergir aqueles que entram em seus templos (...).

E, igualmente, em relação ao rito do Batismo em si, diz Tertuliano:


Aqui também, nós reconhecemos o zelo do demônio que imita a obra de Deus, já que ele
mesmo pratica o batismo entre os seus. Mas que semelhança há aí? É que o impuro
purifica, o corruptor liberta, o condenato absolve! Seguramente destruirá sua obra,
diluindo ele mesmo os delitos que ele mesmo inspira!5

Em que consistiam as Religiões de Mistério? Essas, consistiam na realização de


ritos, celebrados em diferentes etapas, através dos quais os seus candidatos vinham
como que “enxertados” no mito do deus ao qual se referiam, e geralmente “sobre o mito
de uma divindade que morre e renasce”. Entende-se assim o uso do termo grego que as
define, musth,rion, oriundo provavelmente da raiz indo-europeia mu (que indica o gesto
de se pôr o dedo sobre os lábios para se pedir silêncio), ou do verbo grego muvw (i.e, pôr-
se em silêncio). Em outras palavras: musth,rion concerne tanto ao segredo das etapas das
supraditas iniciações religiosas, com que se comprometiam todos os iniciados; quanto à
natureza transcendente, “indizível” das mesmas. Ora, essa mesma ideia reside no
conceito cristão de “Iniciação” na Antiguidade, enquanto experiência cultual que
introduzia o catecúmeno na Vida, Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, inserindo-o
ao mesmo tempo na comunidade eclesial (aliás, tal como vem apresentada na imagem
paulina de Ef 5, 32, ou seja, o mistério da união de Cristo com a sua Igreja).
Assim, apesar da resistência inicial entre os Apologetas, pouco a pouco,
principalmente a partir de fins do século II, o termo passa a ser utilizado em grande
proporção, em um processo de inculturação sempre maior. E por quais motivos?
1º.) porque a Igreja se deu por conta de que a proveniência dos convertidos, não
somente religiosa, quanto também social e cultural, era muito variada;
2º.) porque, por outro lado, havia a necessidade de se dar resposta naquela ocasião
ao pleno florescimento de religiões orientais no Império, bem como das Iniciações
gnósticas, que se multiplicavam.
De fato, assim diz Adrien Nocent:
O termo pode ter sentido ambíguo e recorda os mistérios de iniciação das religiões pagãs,
e particularmente das religiões que possuem cultos mistéricos, as quais prosperaram no
mesmo período em que o cristianismo se difundia. Não obstante, a Igreja julgou oportuno
utilizar essa palavra para designar a entrada sacramental na vida de Deus por meio da
Igreja. O termo “iniciação” nada tem daquilo que ele supõe nas religiões de cultos
mistéricos como, por exemplo, o culto de Mitra. Quer designar unicamente as etapas
necessárias através das quais deve passar quem quer entrar na Igreja para nela prestar
culto em Espírito e em verdade. (...) Mas é claro que a iniciação cristã se distinguia

4
JUSTINO, I apol. 61;62.
5
TERTULIANO, bapt. V,3.

3
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claramente da iniciação das religiões de cultos mistéricos. Aqui se trata da entrada numa
vida nova que se realiza em etapas; as etapas são constituídas pelos três sacramentos.6

Em suma: o que é certo porém é que, ainda que houvesse algumas semelhanças
entre Cristianismo e Religiões Mistéricas, seja quanto ao léxico usado, seja quanto aos
ritos (p. ex. o arcano, a purificação com água, uma refeição sacrificial, assinalações e
unções, mistagogias, etc.), não é necessário, segundo os estudiosos, deduzir disso uma
dependência entre eles. E isso, pelo fato de que certos ritos provinham de um fundo
comum a todas as religiões; outros, são mesmo de origem estritamente bíblica. Por isso,
“estão superadas as velhas teses do final do século XIX, defendidas por Baur, Cumont,
Loisy, Strauss.”7
Passo a um novo tópico.

2.1
Os dois conceitos de Iniciação Cristã
Existem dois modos, falando basicamente, com que se pode considerar a
expressão “Iniciação Cristã”:
1º.) pode-se considerá-la, primeiramente, em senso moral e intelectual: nesse
caso, ela consiste, para aqueles que se aproximam do Cristianismo, em aprender os
elementos da fé cristã, os princípios de uma conduta conforme a esta fé, o itinerário que
busca formar um espírito e um comportamento do modo de pensar e do modo de vida
de acordo com a doutrina e o exemplo de Cristo. Em síntese, consiste em adquirir o
modus vivendi do Senhor Jesus. Tem portanto um caráter sem dúvida informativo, mas
também moral, em que, paralelamente ao conteúdo exposto, se requisitava do
catecúmeno um autêntico processo de conversão e penitência, acompanhado de ascese e
outros ritos. Quanto ao conteúdo, consistia, sobretudo, na transmissão da História da
Salvação contida nas Escrituras, e dos elementos fundamentais da Regra da Fé.
Portanto, sob esse primeiro aspecto, a Iniciação é um itinerário de paulatina
conformidade da inteligência e da vontade, para que atuem segundo Cristo.

2º.) pode-se considerá-la, em segundo lugar, sob o aspecto ritual. Nesse caso, ela
se trata do conjunto de celebrações, tanto referentes ao período de preparação anterior à
recepção dos Sacramentos, quanto ao momento propriamente dito em que vinham
conferidos. Esses, de fato, em Idade Patrística, consistem num só ato litúrgico, ainda
que em momentos subsequentes de um mesmo rito. Mais adiante me referirei melhor a
este aspecto.

3
A Pré-história do Batismo

►a palavra “batismo” (=imersão, mergulho), de origem grega, aparece no Novo


Testamento em duas formas: baptismo,j e ba,ptisma (em latim: baptismus e baptisma);

6
Anámnesis 4, p. 10.
7
Anámnesis 4, p. 16.

4
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►no NT: em latim, os termos não se diferenciam; em grego, ao invés, não são
sinônimos, já que baptismo,j não é normalmente utilizado para significar o Batismo
cristão, mas sim as abluções e purificações judaicas: cf. Mc 7,4; Hb 9,10;
►já ba,ptisma é normalmente utilizado no NT para significar o Batismo cristão;
►em latim, tal distinção não é perceptível nem relevante;
►o Batismo encontra sua pré-história no desejo antropológico (e, portanto, inerente em
todas as culturas) de purificação e de regeneração, que vislumbrou na água, por sua
própria natureza, o meio de realizá-las. Assim, babilônios, irânicos, indianos, egípcios,
gregos e romanos, mas também seitas hebraicas (como os essênios) já praticavam
banhos rituais, abluções religiosas.

4
Fundamentação Bíblica da Iniciação Cristã

4.1
Fundamentação Bíblica do Sacramento do Batismo8

4.1.1
No AT

►aqui, a concepção é de que tanto o impuro quanto o sagrado são transmitidos via
contato;
►são empregadas abluções, devido ao contato com os mortos, com animais (toupeiras,
ratos, lagartos, etc.) ou pessoas impuras, à menstruação, ao parto, à lepra, às relações
sexuais: cf. Lv 11,28.31-32; 14,1-9; 15,1-31 (v. 16); 32.40; Dt 23,10-11; Nm 19; 2Rs
5,14 (pessoas podem se tornar impuras); Ex 40,12 (sacerdotes);
►trata-se de pureza ritual, não moral. Não se fala de perdão dos pecados, mas sim de
purificação. Todavia, na mentalidade comum, é verdade que os dois conceitos podiam
se confundir;
►em termos gerais, havia dois tipos de ablução no judaísmo: a de tipo legal (para a
purificação das impurezas legais, cf. Lv 11-16); e a de iniciação (batismo dos prosélitos
ao judaísmo, ou à comunidade dos filhos da Aliançade Qumrã). Dentre essas abluções
de tipo legal, podemos citar, p. ex., o Ritual das Águas Lustrais, para a purificação após
o contato com um cadáver (Nm 19,17-21);
►os profetas reagiram sempre contra uma certa mentalidade formalista, denunciando
que, além das abluções rituais, é necessária também uma purificação moral: cf. Is 1,15-
17; Jr 4,14; Ez 36,23-27. Jesus também critica a mera exterioridade dessas práticas, e a
sua excessiva valorização, em detrimento do autêntico cumprimento da Lei de Deus: Mt
15,1-2; Mc 7,1-5;
►o batismo dos prosélitos (= “aquele que se aproxima, que se agrega”): trata-se do rito
de purificação dos pagãos que vinham morar em Israel, e se agregavam às suas leis.
Tratava-se pois de um rito de iniciação no Povo de Deus. Nos homens, era precedido
pela circuncisão. Deduz-se que havia também um tempo prévio de preparação;
►o batismo de Qumrã: rito de iniciação da comunidade judaica espiritual dos Essênios,
autodenominados “Comunidade dos filhos da Aliança”. Já eram conhecidos no séc. I
aC. Após um período de um ou dois anos, a modo de um “noviciado”, o candidato devia
passar pelas “águas de expiação” ou “águas lustrais”, como preparação para a chegada
do tempo da visita de Deus, o tempo messiânico.
8
Cf. GOEDERT, p. 9; SCHNEIDER, p. 206; BARTMANN, p. 81.

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4.1.2
No NT9

4.1.2.1
Nos Sinóticos

►O batismo de João Batista: suas características.

1. era administrado uma só vez (ao contrário das abluções de Qumran, p.ex.);
2. possuía caráter escatológico, pois exigia a conversão absoluta, em vista à iminente
chegada do Messias (Qumran, p.ex., entendia que a purificação só se daria no tempo da
visita de Deus);
3. não era um “autobatismo”;
4. havia uma identidade mesma entre o rito e a pessoa de João Batista, ícone da
Esperança messiânica;
5. possuía caráter provisório: cf. Mt 3,11; Lc 3,16.
OBS.: para muitos exegetas, “fogo” e “Espírito” não se equivalem. O fogo, que purifica
e transforma, seria sinal da ação redentora de Cristo, consumada no Calvário. O próprio
Senhor compara sua morte a um batismo: cf. Lc 12,50. Para outros, entretanto, são
equivalentes, já que a expressão “no Espírito e no fogo” significa, simplesmente, “no
fogo do Espírito”, como ocorre nos At;10
6. era um ato coletivo, i.e, um rito ou etapa de iniciação no futuro povo do Messias.

►O batismo de Jesus por João Batista: suas características.

1. solidariedade com os homens pecadores, embora Ele mesmo seja sem pecado;
2. cumprimento da profecia do Servo de Adonai: cumpre a vontade do Pai (Mc
1,10ss);11
3. início solene (entronização) da ação messiânica de Jesus;
4. unção (confirmação) pública e solene do Espírito Santo sobre a missão de Jesus;
5. designação oficial da missão profética, sacerdotal e real do Senhor;
6. restauração da criação (descida do E. Santo é paralelo com Gn 1);
7. inauguração do batismo dos fieis;12
8. comunicação da força santificadora à água batismal, pelo contato com a sua
humanidade (interpretação da Tradição).

APÊNDICE: o próprio Jesus batizou?


R.: veja-se o que se diz em NOCKE, F.-J.; SCHNEIDER, T. (org.). Manual de
Dogmática. Petrópolis, v. 2: Vozes, 20094, p. 209. (refere-se aqui às passagens de Jo
3,22 e Jo 4,1-2).

►o batismo de Jesus, superior ao de João Batista.


9
GOEDERT, p. 16; e ficha 23 do Pe. Álvaro.
10
GOEDERT, pp. 17-18.
11
Cf. aquilo que diz Culmann em “Le baptême des enfants et la doctrine du baptême, p. 15”, citado em:
GOEDERT, p. 19.
12
“Para os sinóticos, o batismo cristão é uma atualização da teofania batismal de Jesus, compreendida à
luz da cruz e da ressurreição.”: GOEDERT, p. 20. E ainda: “Na realidade, a fórmula: ‘Batismo em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo’ faz eco à teofania trinitária do batismo de Cristo: voz do Pai e
descida do Espírito sobre o Filho.”: MARSILI, S. (org.). Panorama Histórico Geral da Liturgia., p. 25.

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1. embora o batismo de João Batista seja superior às abluções penitenciais antigas (pois
é um batismo profético, que sinaliza o de Jesus Cristo), no entanto, é inferior ao de
Jesus Cristo, que é um “batismo no Espírito”: arranca o pecado, e restaura, recria,
regenera o ser humano;
2. o batismo de JX é superior ao de João, porque JX é mais poderoso que ele (Mc 1,7;
Lc 3,16). JX é o Messias;
3. Cf. Lc, somente em JX ocorre a inauguração da nova economia do Espírito;
4. o batismo de João Batista não redime dos pecados;
5. Se o Batismo de Jesus fosse igual ao de João, São Paulo não teria batizado de novo,
afinal ele mesmo dizia: Um só Senhor, uma só fé, um só batismo (Ef 4,5).

4.1.2.2
Nos At13

1. é um batismo no Espírito (1,5; 2,38, etc.);


2. o batismo deve ser ali compreendido dentro do contexto de tensão entre a
mentalidade judaica (marcada pela importância da prática da Lei, e pela frequência à
sinagoga e ao Templo) e a corrente paulina (com a preponderância da graça sobre a
Lei);
3. é incorporação à comunidade eclesial, “multidão” ou Povo do Senhor (2,41s; 5,14;
11,24, etc.);
4. é metánoia a Cristo, é opção fundamental por Ele (2,38.41;3,19; 8,12, etc.);
5. está em estreita relação com a efusão do Espírito Santo (At 10,45-47, etc.). às vezes,
porém, o momento do batismo e o da efusão podem não coincidir (8,14-17; 19,1-7)
6. é “em nome de Jesus” (não é uma fórmula litúrgica, mas especificação do tipo de
batismo, e também inserção na vida de Cristo).

4.1.2.3
Em S. Paulo14

1. Paulo é quem nos fornece a primeira reflexão teológica sobre os elementos do


Batismo (ex.: em Ef 5,26, sobre a matéria e a forma);
2. o B. é participação ontológica na morte e ressurreição de Cristo (cf. Rm 6,3-7);
3. e daí, advem a exigência moral na vida do cristão (cf. Rm 6,3.12; Ef 4,24);
4. é participação na vida divina;
5. é comunicação do Espírito Santo da parte de Cristo (cf. Tt 3,5);
6. por meio dele, o cristão é feito ‘filho no Filho’ (cf. Gl 3,26s; herdeiros da vida eterna:
Tt 3,7);
7. é incorporação à Igreja, Corpo de Cristo, e Esposa de Cristo;
8. há uma íntima relação entre B. e ato de fé (Gl 3,26; Hb 10,22s [é de inspiração
paulina]);
9. o B. exige sempre um ministro. Não há autobatismo (cf. 1Cor 1,12ss).

4.1.2.4
Em 1Pd15

13
Cf. GOEDERT, pp. 23-26.
14
GOEDERT, pp. 26-29.
15
GOEDERT, pp. 29-30.

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1. 1Pd tem finalidade catequética e moral quanto ao B. (especialmente a perícope de


3,18-22);
2. explora a simbologia da água (dilúvio), da arca de Noé e das oito pessoas salvas,
aplicando o paralelo tipológico com o batismo, a Igreja e os cristãos;
3. a água que mata (dilúvio que destroi o pcado, os vícios) também salva;
4. o B. é tanto meio de salvação, quanto de testemunho público de Cristo;
5. também aqui, a fé é condição para o B.

4.1.2.5
Em Jo16

1. o B. é fruto da Redenção de Cristo;


2. com ele, Jesus Cristo opera a nova criação;
3. ele é um nascimento (do alto, de Deus, do Espírito de Deus);
4. Jo é marcadamente um Evangelho sacramental, referente ao B. e à Eucaristia;
5. textos particularmente importantes: diálogo com Nicodemos (3,1-21); diálogo com a
samaritana (4); cura do paralítico de Betesda (5). De fato, Jo 3,5 foi explicitamente
mencionado em Trento (cf. DH 1615)17;
6. é renovação do mundo e do homem sob o influxo do Espírito;
7. água e Espírito estão relacionados;
8. fé na Palavra e na obra redentora de Cristo são condições indispensáveis para o novo
nascimento e a entrada no Reino, que se dá por meio do B. (cf. 3,3-5);
9. “nascer da água” é paralelo a “nascer do Espírito”;
10. insere na comunidade dos discípulos de Cristo, a Igreja.

OBS.: importante a conclusão sobre o B. na SE, em GOEDERT., Teologia...pp. 33-34.

4.2
Fundamentação Bíblica do Sacramento da Confirmação

•embora não haja uma clara distinção, nos textos bíblicos neotestamentários, que
explicite a prática de um rito distinto do Batismo para o Sacramento da Crisma, não
faltam todavia passagens e elementos que levaram a Tradição a vislumbrar neles a
existência de dois ritos sacramentais distintos;18
•as passagens bíblicas são:

→At 8,14-17;
→At 19,1-7;
→Hb 6,1-2.

16
GOEDERT, pp. 30-33.
17
“Se alguém (...) distorcer em uma metáfora aquelas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo ‘se alguém
não renascer da água e do Espírito Santo’ (Jo 3,5): seja excomungado.”
18
“No NT não se conhece um rito próprio de concessão do Espírito, separado do batismo, como regra de
iniciação cristã. Somente se pode ir em busca de elementos avulsos que oferecem um ponto de referência
para a posterior prática e teologia da crisma.”: SCHNEIDER, p. 235. Cf.: DH 785 (Carta Cum venisset de
Inocêncio III, em que se alude a At 8); DH 831 (Carta Sub catholicae professione de Inocêncio IV, em
que alude a At 8); DH 3444 (em que, ao condenar os Modernistas, S. Pio X alude indiretamente a esses
textos).

8
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•a importância desses textos está no fato de que, nos três, o rito do lavacro batismal se
distingue de um outro, a imposição das mãos, pelo qual o Espírito Santo é comunicado
aos já batizados;
•porém, os estudiosos dizem que:
→existem passagens em At que falam do batismo e do dom do Espírito sem menção à
imposição das mãos (ex.: At 2,38; 10,44-48);
→os textos de At 8 e 19 não intencionam distinguir, na Iniciação Cristã da era
apostólica, dois ritos sacramentais, mas sim a necessidade de se explicitar, segundo S.
Lucas, o liame dessas comunidades (Samaria e Éfeso) com a comunidade dos Apóstolos
de Jerusalém; igualmente Hb 6 não teria igualmente essa mesma intenção distintiva;
•apesar disso, a Tradição tomou, como fundamentação bíblica da Crisma, os seguintes
elementos significativos:
→a imposição das mãos ( evpi,qesij cei,rwn( ceirwqesi,a): cf. At 8,17; Hb 6,2. Como
gesto de bênção: Gn 48,14s; Mc 10,13-16. Como gesto de cura: Mc 5,23; 6,5; 16,18; At
28,8. Como gesto de entrega de missão: Nm 27,15-23; At 6,1-6, etc.19
→a unção com óleo (to. mu,ron( to. musth,rion tou/ mu,rou): Ex 29,7; Lv 4,3; 1Sm 16,1-
13; 2Sm 2,4, etc (sacerdotes e reis ungidos). Em 1Sm 16,13; 2Sm 23,1s (dom do
Espírito). No NT, “unção” é figura da transmissão do Espírito no Batismo: 2 Cor 1,21s;
1Jo 2,20.27 (o fiel compartilha da missão do Ungido de Deus);
→o selo (sfragi,j): Cf. 2Cor 1,21s; Ef 4,30.
•em todos eles, há um vínculo com a concessão do Espírito ao cristão. Diz Franz-Josef
Nocke:
Em época pós-bíblica (diferindo localmente), a imposição das mãos e a unção passaram a
ser elementos fixos do rito de iniciação, ‘selar’ se torna palavra central para seu
encerramento consumado.20

4.2
Fundamentação Bíblica do Sacramento da Eucaristia

•os textos principais são os relatos da instituição do NT: Mt 26,26-29 e Mc 14,22-25


(com a forma do texto marcano-mateano); Lc 22,14-20 e 1Cor 11,23-27 (com a forma
da tradição e do texto paulino-lucana); o discurso de Jesus de Jo 6,22-71.
•apesar de haver pequenas variantes, todos, em suma, relatam essencialmente a mesma
instituição do Senhor;
•em todos esses relatos “está expressa a idéia de que a Paixão é Sacrifício, pois
oferecida ‘por muitos’, ‘por vós’, num sentido que evoca os textos da 2ª. parte do livro
de Isaías, referentes ao sacrifício do ‘Servo’ ”21 (particularmente, cf. Is 53,12);
•as expressões “dar a vida” ou “a alma”, e “por muitos”, são hebraísmos que, além de
confirmarem a autenticidade dos textos, manifestam o caráter voluntário e o valor
redentor de sua morte. Note-se que o “por muitos” (antì pollōn) não limita a
universalidade da morte de Cristo: antes, contrapõe (antì) o ato de um só perante uma
multidão, i.e, um número sem restrição.22 Assim, se a vida (ou a alma) dos seres
humanos estava condenada à perdição, Ele a doa, em atitude vicária, em favor do
resgate deles;23

19
Cf. SCHNEIDER, p. 236.
20
SCHNEIDER, p. 237.
21
GOMES, C. F., p. 585.
22
Cf. em outras passagens, lê-se “por todos”, tais como: Rm 8,32; 2 Cor 5,14s; 1 Tm 2,6; Hb 2,9.
23
Extraí este parágrafo da minha Apostila de Cristologia em PDF, à p. 71.

9
PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

•a Ceia de Jesus é um verdadeiro sacrifício. De fato, Jesus usa palavras sacrificiais: isto
é o meu Corpo dado, oferecido...em meu sangue derramado...Há uma verdadeira
apresentação da Vítima (ofertório), oblação da Vítima (entrega sacrificial de seu amor
redentor), e manducação da Vítima. Nela, se estabelece a Nova Aliança, já prefigurada
em Jr 31,31-33, e a ser perpetuada até que Ele venha.24 De fato, S. Paulo mais tarde nos
reporta a fé da Igreja primitiva no caráter sacrificial da celebração eucarística, ao
confrontá-la com os antigos sacrifícios pagãos e judaicos, dos quais os cristãos não
podiam mais tomar parte;25
•além disso, a Ceia de Jesus é também um “memorial”, cf. 1 Cor 11,25c (da raiz
hebraica zkr→substantivo zikkārōn = ato cultual que evoca o fato passado, a fim de
revelar o seu significado salvífico na atualidade, cf. Ex 12,14; 13,9; etc. No N.
Testamento, anámnēsis, cf. Lc 22,19; 1 Cor 11,24.25), ou seja, torna presente no hic et
nunc, em modo ritual e incruento, o mesmo e único Sacrifício do Calvário.26 E mais até!
Como afirma Adrien Nocent,
Se a anamnesis grega consiste em recordar aos contemporâneos um evento passado, se a
memoria latina se inscreve na mesma linha, se as representações mistéricas pretendem
provocar uma espécie de presença moral do poder divino, o zikkaron palestinense
apresenta-se de modo totalmente outro. Aqui se trata não de recordar, aos
contemporâneos, eventos do passado, mas de recordar a Deus o que foi feito por meio
dele e de seu Filho; para lho recordar, renova-se diante dos seus olhos o que aconteceu.
Assim Deus, diante do evento salvífico renovado, torna a agir com o mesmo poder para o
fiel.27

É óbvio que Deus não precisa ser recordado de nada. No fundo, se trata de um
“estratagema” de cunho fortemente antropológico (como não poderia deixar de ocorrer
na Liturgia) que, na verdade, põe o homem em dependência do ser de Deus. Tal como
faz um orante em suas petições, “lembrando” a Deus suas necessidades por motivo de si
mesmo, e não de Deus. Note-se, assim, a centralidade de Deus nessa concepção do
zikkaron, em relação às demais.
•mas é igualmente ceia e festa ritual sagrada. “O quadro da Última Ceia é a celebração
pascoal. Segundo os sinóticos, realmente, tudo indica ter sido ela a comemoração da
Páscoa.”;28

•quanto ao AT, são significativos:


→Ex 24,3-11: Aliança antiga, selada com refeição e aspersão de sangue sacrificial
(texto que se interliga com os de Mt 26,28, Mc 14,24 e de Hb 9,18-26);
→Gn 14,18 (Melquisedec); 26,3029; 31,5430; Ex 18,1231: tratados de aliança com
refeições sacrificiais;
→Jr 31,31 ( a aliança nova), etc.

24
Cf. 1Cor 11,26.
25
Cf. 1 Cor 10,18-21. Extraí este parágrafo da minha Apostila de Cristologia em PDF, à p. 70.
26
Extraí este parágrafo da minha Apostila de Cristologia em PDF, à p. 69.
27
Anámnesis 4, pp. 20-21.
28
“O quadro da Última Ceia é a celebração pascoal. Segundo os sinóticos, realmente, tudo indica ter sido
ela a comemoração da Páscoa.”: GOMES, C. F., p. 585.
29
aliança entre Isaac e Abimelec, rei dos filisteus, cf. Gn 26,1.
30
refeição sacrificial de aliança entre Jacó e Labão.
31
refeição sacrificial de Jetro, sogro de Moisés.

10
PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

5
Abordagem histórica dos Sacramentos da Iniciação Cristã

5.1
Os Períodos Históricos da Iniciação Cristã

•pode-se considerar a aparição da Iniciação Cristã durante a segunda metade do século


II. Todavia, ela é atestada, enquanto instituição definida, somente por Tertuliano, e pela
Tradição Apostólica (obra atribuída a Hipólito de Roma). Assim sendo, pode-se
subdividir tal instituição basicamente em quatro períodos, a saber:
1º.) o tempo do Novo Testamento (século I);
2º.) o tempo da Igreja como minoria religiosa (séculos II-III);
3º.) o tempo do desenvolvimento do Cristianismo depois da “revolução
constantiniana” (séculos IV-V);
4º.) desaparecimento da Iniciação Cristã (séculos VI-VII).

•é importante que se diga que os Padres da Igreja empregavam com frequência o termo
“batismo” para se referirem ao conjunto dos ritos de Iniciação celebrados na noite da
Vigília pascal, compreendendo, portanto, os três Sacramentos que introduzem na vida
cristã.32
•além disso, a partir do séc. IV, se começa a distinguir a administração do Sacramento
do Batismo do da Crisma. E, enquanto no Ocidente, normalmente se valoriza mais o
gesto da imposição das mãos pelo bispo, no Oriente, ao contrário, se dá maior peso à
unção com o óleo do santo Crisma, o myron.33
•mais tarde, a partir do século XII, se desenvolve no Ocidente a prática de se conferir a
Confirmação não às crianças, junto com o Batismo, mas sobretudo aos jovens “ ‘na
idade de discernimento’ (entre os sete e os doze anos).”34 No Oriente, ao contrário, “eles
são intimamente unidos entre eles também em nossos dias.”35

5.2
Os três Sacramentos até o séc. IV (ou: Abordagem dos Sacramentos da
Iniciação Cristã na Era Patrística [até S. Agostinho])

•na Didaché (do final do séc. I).

→ A Didaché ou Doutrina dos Apóstolos consiste na verdade, como afirmam hoje os


mais recentes estudos, um escrito não-homogêneo, proveniente de fontes e autores
diversos. Provavelmente “um autor desconhecido, judeu-cristão, mas que se dirigia a
comunidades nas quais estavam presentes cristãos oriundos do paganismo, reuniu em
um manual alguns textos, derivados da tradição, que lhe pareciam úteis para a
edificação dos convertidos.”36;
→ Basicamente, a D. pode assim ser dividida:
— caps. 1-6: a doutrina das duas vias;

32
HARMLESS, W. Battesimo. In: FITZGERALD, A. (ed.). Agostino dizionario enciclopedico. Roma:
Città Nuova, 2007, pp. 274-275.
33
SCHNEIDER, p. 237.
34
AUER, J.-RATZINGER, J. I Sacramenti della Chiesa., p. 116.
35
AUER, J.-RATZINGER, J. I Sacramenti della Chiesa., p. 116.
36
RORDORF, W. NDPAC, col. 1400.

11
PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

— caps. 7-10: bloco contendo tradições litúrgicas sobre o batismo, o jejum, a oração
e a ceia eucarística;
— caps. 11-13: parte disciplinar, visando a hospitalidade para com os ministros
itinerantes (apóstolos, profetas e doutores);
— caps. 14-16: o Dia do Senhor e a Eucaristia; eleição de bispos e diáconos; os
últimos tempos e a Parusia.
→o texto aqui mais importante é o do capítulo 7,1-2, que diz: “No que diz respeito ao
batismo, batizai em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo em água corrente. Se
não tens água corrente, batiza em outra água.”
→elementos importantes:
1. o batismo purifica o homem;
2. por meio dele, o ser humano se torna participante da comunidade eclesial;
3. a prática do caminho da vida deve decorrer do b.;
4.a celebração do b. é precedida de um jejum do catecúmeno e da comunidade;
5. explícita menção à fórmula trinitária. Todavia, alguns estudiosos afirmam que não se
tratava de uma fórmula litúrgica batismal, mas de inserção do neófito nas Pessoas da
Trindade.
→somente aos batizados é permitida a Eucaristia: “Ninguém coma nem beba da
Eucaristia, se não tiver sido batizado (...).”;37
→a Eucaristia é “o sacrifício do qual o Senhor disse: ‘em todo lugar e em todo tempo,
seja oferecido um sacrifício puro (...)’.”38

•nas Odes de Salomão (meados do séc. II)

→trata-se de cantos litúrgicos cristãos primitivos em forma poética, compostos à


semelhança dos Salmos. Dividem-se em poemas didáticos, cantos da comunidade,
cantos individuais, poemas de oração e formas mistas. São provavelmente originárias de
uma comunidade judeu-cristã da Síria, na segunda metade do séc. II;39
→existe aí uma importante teologia da iniciação cristã;
→uso da tipologia;
→três temas são especialmente utilizados: o do mar Vermelho (Ode 39,9-10), o do
Templo (Ode 4,3;40 6,841) e o da circuncisão (Ode 11,242);43
→imersão significando descida aos infernos e vitória sobre o pecado;
→a água como lugar da luta entre Cristo e o dragão (Leviatã);
→unção dos catecúmenos como símbolo dessa luta;
→o b. é revestimento do cristão com as vestes do Espírito de Deus, e abandono das
vestes do pecado;
→o autor usa o termo sphraghís (=selo) para significar tanto a unção, o sinal da cruz,
quanto o batismo por inteiro.

•na Epístola de Barnabé (séc. II)


→o Batismo ‘recria’ o cristão, e o coloca num estado paradisíaco;
→por ele, o homem é introduzido na Terra Prometida;
37
Didaché 9,5.
38
Didaché 14,3.
39
DROBNER, H.R. Manual de Patrologia. Petrópolis: Vozes, 20082, p. 66.
40
“Porque Teu Santuário, Tu o criaste antes que fizesses os outros lugares”.
41
“(Ele é o) que inundou e dissolveu tudo a seu tempo, e portou águas ao Templo.”
42
“Porque o Altíssimo circuncidou meu coração com o Seu Santo Espírito, e encontrou meu carinho por
Ele; e então me encheu com o Seu Amor.”
43
Anámnesis 4, p. 25.

12
PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

→ele transforma as criaturas em templos do E. Santo;


→ele o santifica;
→ o verdadeiro dia do Senhor é o Domingo, no qual se celebra a Ressurreição do
Senhor.44

•o Pastor, de Hermas (séc. II)

→o B. deve ser precedido de um tempo de penitência;


→ele infunde no neófito a presença de Deus, e dele exige total fidelidade;
→a Igreja é apresentada na imagem de uma torre construída sobre a água do B. Ele
constrói o Corpo de Cristo;
→em modo simbólico, se diz que os homens entram na Igreja após receberem a veste
branca (sinal do dom do E. Santo), a coroa e o sigilo, igualmente símbolos batismais.

•Justino (séc. II)

→o B. causa a regeneração (o renascimento) por meio da água, conferida em nome do


Pai Criador, de Jesus Cristo Salvador e do Espírito Santo;45
→quanto à preparação ao B.: é preciso crer na verdade ensinada pelo catequista; viver
segundo os mandamentos; rezar, pedindo ao Senhor a remissão dos próprios pecados;
jejuar (também a comunidade reza e jejua com os candidatos);
→o B. é chamado de “iluminação”;
→o primeiro efeito do B. é a remissão dos pecados. No entanto, ela exige: a fé; a
“metánoia”;
→o B. insere o neófito na comunidade cristã, que se expressa principalmente na
participação da Eucaristia;
→a Eucaristia vem referida na I Apol., particularmente nos cap. 65 (Eucaristia dos
neófitos), 66 (doutrina eucarística e disposições para recebê-la) e 67 (Eucaristia
Dominical). A Eucaristia é para o autor um verdadeiro sacrifício, não como aqueles
antigos dos pagãos e hebreus, mas o sacrifício perfeito e espiritual predito por
Malaquias,46 ou o sacrifício ideal do qual já falavam os antigos filósofos (λογικὴ ϑυσία,
oblatio rationabilis).

•Irineu de Lião (séc. II)

→na sua obra Demonstração Apostólica, encontram-se fragmentos de catequese sobre a


Iniciação, e sua liturgia;
→o B. é conferido com a invocação trinitária;
→o B. dá a remissão dos pecados;
→o cristão é deificado, porque “recapitulado” e inserido na obra salvífica de Cristo,
pela ação do autor do B.: o Espírito Santo;
→afirma claramente o batismo de crianças;47
→a Eucaristia é o verdadeiro Corpo e Sangue de N. S. Jesus Cristo;

44
Barn. 15,9.
45
Cf. Apologia I,61,3-4.
46
JUSTINO, diál. 41.
47
Afirma em adv. haer. 2,22,4: “(Cristo) santificou todas as idades, por aquila semelhança que estava
nele. Veio para salvar a todos mediante a sua pessoa, todos, digo, os que por sua obra, renascem em Deus,
crianças, meninos, adolescentes, jovens e adultos.”

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PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

→quem dela se alimenta, ressuscitará em seu corpo, porque nela a matéria foi
recapitulada em Cristo;
→a Eucaristia é um verdadeiro Sacrifício, aquele mesmo predito pelo profeta Malaquias
(Ml 1, 10 s). Ela é o novo sacrifício da Nova Aliança.48

•Tertuliano (sécs. II-III)

→ensinamento sobre o B. presente no De Baptismo e outras de suas obras;


→necessida do B. para a pertença à comunidade dos salvos em Cristo;
→a água batismal: 1. purifica; 2. infunde a vida nova por causa da efusão do Espírito;
→não é o simples lavacro da água, mas o gesto sacramental, é o que purifica a alma dos
catecúmenos;
→associa a água aos grandes momentos da História da salvação;
→o sacramento do batismo é essencial à salvação, excetuado apenas pelo martírio;
→o autor se demonstra não favorável ao batismo de crianças, por não serem aptos ainda
a serem examinados quanto à fé. Não fala porém de invalidade do B. de crianças. Ele
diz: “é preferível diferir o batismo (...) de crianças pequenas”;49
→-refere-se à Eucaristia com diversos termos: eucharistia (de praescr. 36);
eucharistiae sacramentum (de cor. 3); dominica sollemnia (de fuga 14);50 convivium
dominicum (ad uxor. 2, 4); convivium dei (ad uxor. 2, 9); coena dei (de spect. 13); panis
et calicis sacramentum (adu. Marc. 5, 8);
→afirma a presença real do Corpo e do Sangue de Cristo na Eucaristia. Cf. de res.
carnis 8; de idol. 7;
→a Eucaristia nutre abundantemente o penitente que retorna a Deus com o Corpo do
Senhor: atque ita exinde opimitate dominicis corporis vescitur (de pud. 9);51
→afirma o caráter sacrificial da Eucaristia: orationes sacrificiorum (orações sacrificiais:
de orat. 19); participatio sacrificii (de orat. 19).

•Hipólito de Roma (sécs. II-III)

→importância da “Tradição Apostólica”, enquanto descreve com detalhes a Iniciação


Cristã na igreja de Roma, no séc. III (capítulos 15 ao 22). “O Concílio Vaticano II
reconstitui essas etapas de preparação”52 no RICA;
→uso do rito continuado dos três sacramentos também às crianças;
→os três sacramentos, embora unidos, são claramente distintos;
→distingue-se ‘catecúmeno’ de ‘eleito’ (i.e, o catecúmeno às vésperas da recepção dos
3 sacramentos);
→menciona-se a mistagogia (explicação dos ritos no pós-Batismo) e a disciplina do
arcano;
→catecumenato é um caminho de ‘metánoia’. Exige-se pois a sua vida exemplar;
→encontros frequentes, catequese com leitura diária dos evangelhos, ritos como a
imposição das mãos feita pelos catequistas; exorcismos;
→ritos intensificados no período imeiatamente anterior à recepção dos 3 sacramentos;

48
IRINEU, adv. haer. 4,17,5.
49
bapt. XVIII.
50
i.e, ações sagradas do Senhor.
51
e assim por isso é nutrido pela abundância do Corpo do Senhor.
52
GOEDERT, p. 49.

14
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→etapas (em síntese): apresentação dos candidatos; o catecumenato propriamente dito;


a preparação próxima do candidato; os ritos sacramentais (batismo, crisma e eucaristia,
em sequência); a mistagogia.53
•Cipriano de Cartago (séc. III)

→como Tertuliano, Cipriano nega a validade do rito batismal conferido por hereges e
cismáticos: só à única Igreja de Cristo foi entregue o poder de conferir a válida
administração dos sacramentos. Tal pensamento, contrário ao ensinamento constante da
Igreja (a validade do batismo não depende do ministro. Além disso, o B. é essencial à
salvação) gerou o conflito entre Cipriano e Estêvão, bispo de Roma ;
→entretanto, discorda de Tertuliano, ao afirmar a importância de se conferir o batismo
às crianças o mais cedo possível (Tertuliano recomendava adiá-lo à idade da razão). A
respeito disso, é célebre sua Epistula 64, a Fido:
Pelo que diz respeito às crianças, (...) fomos todos do parecer que não se deve negar a
nenhum homem que chega à existência a misericórdia e a graça de Deus (...) Tanto mais
não deve ser privado do batismo uma criança.54
→fala também do batismo de sangue, aquele dos mártires.55

•Cirilo de Jerusalém (séc. IV)

→Cirilo (?†386), a quem se atribui a autoria das Catequeses Mistagógicas,56 igualmente


aplica ao B. o desenvolvimento da História da Salvação, pois o catecúmeno participa da
Páscoa de Cristo, cuja morte e ressurreição são anunciadas profeticamente nessa
História;
→o B. reproduz no cristão a morte e ressurreição de Cristo, que ao seu Senhor fica
configurado;
→o B. insere na comunidade eclesial.

•Ambrósio (séc. IV)

→em “Os Mistérios”, Ambrósio também descreve e explica os vários ritos do B.,
relacionando-os tipologicamente com os eventos da H. da Salvação.

•Agostinho (sécs. IV-V)

→é responsável por desenvolver uma verdadeira reflexão teológica sacramental do


batismo;
→isso se deu, particularmente diante da exigência de se dar resposta ao cisma do
Donatismo, bem como à heresia do Pelagianismo;
→o Donatismo57 consistiu em um cisma ocorrido “na Igreja do Norte da África, no séc.
IV e início do séc. V, e que perdurou pelo menos até a virada do séc. VII.”58

53
Pode-se consultar acerca disso: Anámnesis 4, pp.33-39.
54
CIPRIANO, ep. 64,2-5.
55
CIPRIANO, ep. 73.
56
Ou de seu sucessor, João de Jerusalém (bispo dessa cidade de 386 a 417).
57
Tomou seu nome a partir de Donato, originário de Casae Nigrae (na Numídia do sul, no Norte da
África), nascido por volta de 270 nessa mesma cidade, e morto em 355. Foi bispo de Cartago
provavelmente já no início do séc. IV.: cf. FREND, W.H.C. Donato di Cartagine. In: NDPAC, vol. 1, col.
1495.
58
POSE, E. R. Donatismo. In: NDPAC, vol. 1, col. 1481.

15
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Caracterizou-se por pretender uma Igreja a tal ponto pura, íntegra e santa, que
considerou como válidos apenas os Sacramentos que fossem administrados por
ministros santos, isentos de pecado mortal (i.e, donatistas). Em consequência, qualquer
batismo realizado por um herege ou cismático seria inválido;
→o Pelagianismo59 consistiu em uma heresia que atingiu em cheio a doutrina do pecado
original, e da graça. Para Pelágio, em síntese, o pecado original consistiu apenas em um
mau exemplo de Adão, não possuindo assim qualquer outra consequência – além desta
– para os seus descendentes. Diante disso, não haveria transmissão alguma do pecado
original, e nehuma criança seria possuidora dessa herança negativa. A natureza humana
seria detentora da capacidade de fazer o bem e evitar o mal: para tanto, se bastaria
educá-la para tal, com o exemplo de Cristo. O batismo seria necessário apenas para dar
o dom da santificação aos seres humanos, mas não para lhes remir dos pecados;
→a respeito do Donatismo, Agostinho o contesta com o princípio da instrumentalidade:
o ministro é apenas o meio pelo qual Cristo – verdadeiro realizador dos Sacramentos –
realiza seus efeitos. Por isso, o batismo não se torna inválido, caso conferido por
ministro herege ou indigno, ainda que se requeira a sua intenção de agir em nome da
Igreja. Também é necessária a fé do batizando adulto, ou da comunidade eclesial. De
fato, em seu Tratado ao Evangelho de Jo (6ª. homilia), ao comentar acerca do batismo
do Senhor, afirma:
(...) apesar da multidão de ministros, santos ou pecadores, que haveriam de batizar, a
santidade do batismo não deveria se atribuir senão àquele sobre o qual desceu a pomba, e
do qual foi dito: é Ele quem batiza no Espírito Santo (Jo 1,33). Batize, pois, Pedro, é
Cristo quem batiza; batize Paulo, é Cristo quem batiza; e batize mesmo Judas, é Cristo
60
quem batiza.

→quanto ao Pelagianismo, Agostinho afirma a transmissão do pecado original a cada


indivíduo humano, e a necessidade do batismo para remí-lo, inclusive no caso de
crianças. Além disso, sustentado pela palavra de S. Paulo (como, p. ex., em Rm 7,15-
20), conclui que não é suficiente que alguém conheça ou queira fazer o bem para
realizá-lo. Para isso, bem como para amar fazer o bem, é preciso que o ser humano
receba um impulso do alto: a graça divina. Quanto à necessidade da fé para o batismo
das crianças, “inicialmente, julga que a fé dos pais é um substituto; mais tarde, afirma
que a graça de Deus supera as disposições pessoais da criança. Enfim, entende que a
graça batismal é conferida em virtude do dom do Espírito Santo que vive e age nos
santos da Igreja.”61
→além disso, se colhe da doutrina agostiniana sobre o batismo:
1) a necessidade do lavacro da água e da palavra (forma) para que haja o sacramento; 62
2) a sua instituição ocorreu quando o Senhor foi batizado por João Batista,63 sujeitando-
se por humildade ao seu rito;64

59
Pelágio, do qual o movimento toma seu nome, nasceu na Bretanha por volta de 354, e foi batizado em
Roma entre 380-394. Surgiu por volta de 410, e durou cerca de 20 anos. Mas suas consequências estão
presentes até os nossos dias. Provavelmente possa ter sido monge: cf. MANZANARES, C.V. Dicionário
de Patrística. Aparecida: Santuário, 1995, p. 175.
60
AGOSTINHO, in Io. tr. 6,7. Também: 5,6.
61
GOEDERT, p. 45.
62
“Em que modo Cristo purifica sua Igreja? Com o lavacro da água mediante a palavra. Que coisa é o
batismo de Cristo? Lavacro de água acompanhado da palavra. Tire a água, não existe batismo; tire a
palavra, não existe batismo.”: AGOSTINHO, in Io. tr. 15,4.
63
Assim também pensaram outros Padres. Como diz Bartmann, “alguns Padres pensavam que a água
tinha até mesmo recebido então, uma virtude purificadora e estava de algum modo consagrada em ordem
ao seu fim sacramental.”: BARTMANN, p. 82.

16
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3) ele apaga o pecado de Adão no ser humano, bem como a remissão de todos os seus
pecados pessoais;65
4) ele incorpora o homem à Igreja. Existe um só batismo e, uma vez validamente
recebido (ainda que em uma comunidade herética ou cismática) não é reiterado, quando
alguém é nela visivelmente integrado;
5) ele é necessário também para as crianças, seja para a remissão da culpa original, seja
para a recepção da graça de Cristo, seja para a incorporação no Corpo de Cristo;
6) ele é, portanto, necessário para a salvação;
7) para os adultos, se requer a adesão da fé. Para as crianças, basta a mediação da
Igreja;66
8) os três sacramentos de Iniciação Cristã, e toda a longa preparação prévia pelo
Catecumenato, eram comparados por Agostinho com a preparação do pão, tomada
como imagem da constituição, crescimento e amadurecimento espiritual do cristão.
Desse modo, como afirma William Harmless, “o longo catecumenato era como o grão
‘armazenado e guardado no celeiro’; a formação quaresmal havia ‘triturado’ e
‘peneirado’ os candidatos, de modo que tinham se transformado em farinha pura; no
Batismo eram ‘amolecidos com água’ e se tornavam uma única massa; com a Crisma
eram ‘cozidos’ pelo fogo do Espírito Santo (s. 227, 229, 229A, 272). Assim, Agostinho
indicava o pão sobre o altar e insistia que ‘o mistério que sois é apoiado lá sobre a mesa;
é o vosso mistério pessoal que recebeis’ (s. 272). Os ritos de Iniciação os havia
essencialmente tornado o corpo de Cristo; e exortava os neobatizados, ao receberem a
comunhão, a ‘serem o que vedes, e receber o que sois’ (s. 272: ‘estote quod videtis; et
accipite quod estis’).”67
9) a Eucaristia é sacrifício (p. ex., civ. Dei 10); a Eucaristia é constitutiva da unidade da
Igreja (p. ex. in Io. ev. 26: “Ó sacramento de piedade, ó sinal de unidade, ó vínculo de
caridade! Quem quer viver, tem donde viver, tem donde extrair a vida. Aproxime-se,
creia, será incorporado, será vivificado.”).

6
A teologia do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia

Neste presente capítulo, colheremos os elementos fundamentais de cada um dos


Sacramentos de Iniciação Cristã, sintetizados ao longo de toda a História do Dogma.
Procurarei expô-los sistematicamente, em frases sintéticas, sustentadas, quando preciso,
pelas referências pertinentes.

6.1
A teologia do Batismo

1. O Batismo foi instituído por Jesus Cristo (de fé).

64
Cf. AGOSTINHO, in Io. tr. 5,3-5.
65
“...nas águas do batismo...são perdoados os pecados, nossos inimigos...”: AGOSTINHO, s. 1,9; “Pelo
batismo se apaga a desobediência de Adão, ao se tornar nossa a obediência sacrifical de Cristo ao Pai.”:
AGOSTINHO, bapt. 1,9-10.
66
Esta, como que “empresta às crianças a boca e o coração maternos para confessar, em seu nome, a fé
em Cristo.”: GOEDERT, p. 47.
67
HARMLESS, W. Battesimo. In: FITZGERALD, A. (ed.) Agostino dizionario enciclopedico. Roma:
Città Nuova, 2007, p. 281.

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Para alguns teólogos, como S. Agostinho e S. Tomás, e certo número de escolásticos, no


momento do batismo no Jordão (cf. STh III,66,2). Para outros, no momento do colóquio
com Nicodemos, em Jo 3 (como, p. ex., Duns Scoto). E um terceiro grupo ainda,quando
Jesus deu a ordem de batizar, em Mt 28,19.
S. Boaventura chega a distinguir quatro modos de instituição: 1) materialiter (no
Jordão); 2) formaliter (quando Cristo ressuscitou e deu a ordem de batizar, em Mt
28,19); 3) effective (na Paixão); 4) finaliter (em Jo 3,5, quando estabeleceu sua
necessidade e utilidade).

2. A matéria do B. é a água natural (de fé).


→DH 1615: “Se alguém disser que a água verdadeira e natural não é necessária no
batismo e, por isso, desviar como uma espécie de metáfora as palavras de NSJC: se
alguém não renascer da água e do Espírito [Jo 3,5]: seja excomungado.”
→Jo 3,5; At 8,36.38; At 10,47; Tt 3,5; Ef 5,26; 1Cor 6,11; 1Pd 3,20ss.
→Padres: TERTULIANO, bapt. 1; AGOSTINHO, In Io. tr. 15,4; 80,3. Bênção da água:
TERTULIANO, bapt. IV,4.68
→Para a validade, é sempre suficiente a água comum. Todavia, em casos normais, é
prescrita a água benta.69

Por motivo de algumas seitas dualistas, que consideravam a matéria algo mau, tanto na
era patrística quanto na Idade Média, utilizarem-se de certos ritos distintos da ablução
com água para o batismo; e mesmo, de negarem a validade do seu uso, o Concílio de
Trento definiu:
“Se alguém disser que a água verdadeira e natural não ser de necessidade ao batismo, e
por isso distorcer, a modo de metáfora, aquelas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo
se alguém não tiver renascido da água e do Espírito Santo [Jo 3,5]: seja
excomungado.”70
De fato, ao invés da água, algumas dessas seitas faziam seus candidatos passarem entre
círios acesos, ou pelo meio do fogo, interpretando mal Mt 3,11.71 Calvino entendia de
modo figurado a passagem de Jo 3,5, como se a água significasse ali o sangue de
Cristo.72 Já Tertuliano, no séc. II, teve de defender o uso da água no Batismo, contra a
seita dos Cainitas, de linha gnóstica. Em sua pecliar ironia, diz Tertuliano:
Que ela se preocupe sobretudo com o batismo, é bem natural! Víboras, áspides, basiliscos
buscam ordinariamente lugares áridos e sem água. Mas nós, pequenos peixes, que
tomamos nosso nome a partir do nosso ichtys Jesus Cristo, nós nascemos na água e é
somente nela permanecendo que somos salvos. É por isso que esse monstro de mulher,
que normalmente não teria nem mesmo o direito de ensinar, encontrou o melhor meio de
fazer morrer esses pequenos peixes: retirar-lhes da água.73

68
“Portanto, todas as espécies de água, em razão do antigo privilégio de sua origem, obtêm o poder
misterioso de santificar, uma vez sendo Deus invocado sobre elas. Porque, logo que o Espírito advém do
céu, paira sobre as águas que ele santifica com a sua presença, e assim santificadas, elas se impregnam do
poder de santificar por sua vez.” Nessa passagem, Tertuliano está se referindo à primeira página do Gn,
em que se diz ali que o Espírito de Deus pairava sobre as águas.
69
Cf. BARTMANN, p. 88.
70
DH 1615.
71
“Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo.”
72
BARTMANN, p. 86.
73
TERTULIANO, bapt. I,3. A bênção da água batismal é igualmente já atestada nessa obra (V,9).

18
PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

•a forma do Batismo consiste na invocação dos nomes das três Pessoas da Trindade,
acompanhada das palavras que indicam a ação de batizar (“Eu te batizo...”).

A despeito daqueles que, aqui e acolá, e ao longo dos tempos, discutiam acerca da
necessidade apenas de se pronunciar o nome de Jesus ou de Cristo, enquanto
substitutivo dos nomes das demais da Trindade (discussão essa existente mesmo na
Escolástica), afirmou o Papa Eugênio IV, em 22 de novembro de 1439: “A matéria
deste sacramento é a água verdadeira e natural, e não importa que seja fria ou quente. E
a forma é: ‘Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.”74
Antes dele ainda, no séc. XII, o Papa Alexandre III “condenou a opinião que afirmava a
validade da forma desprovida das palavras que indicam a ação de batizar”,75 i.e, o “Eu
te batizo”.76

3. Os efeitos do Batismo são a remissão dos pecados77 e a regeneração (efeitos


individuais – de fé);78 e a agregação à Igreja (efeito comunitário).79
→antes de tudo, o Batismo gera a “destruição deste pernicioso vírus introduzido no
mundo pelo nosso progenitor”80 e o “completo desenraizamento do pecado”.81 Várias
passagens escriturísticas apontam para essa verdade de fé:
→Jo 3,5.7, em que a palavra a;nwqen pode significar ‘de novo’ ou ‘do alto’. (avpekri,qh
vIhsou/j( vAmh.n avmh.n le,gw soi( eva.n mh, tij gennhqh/| evx u[datoj kai. pneu,matoj( ouv
du,natai eivselqei/n eivj th.n basilei,an tou/ qeou/)))mh. qauma,sh|j o[ti ei=po,n soi( Dei/ u`ma/j
gennhqh/nai a;nwqen))
→At 2,38: )))baptisqh,tw e[kastoj u`mw/n)))eivj a;fesin tw/n a`martiw/n u`mw/n))), onde o
termo áfesis, aqui no acusativo, significa ‘soltar, liberar’, e daí ‘perdão, absolvição,
remissão’ dos pecados.; Rm 6,2-11; Rm 6,17; Tt 3,5 (Ele salvou-nos...mediante um
novo nascimento); Hb 10,22 (purificados...e o corpo lavado com água pura); etc.
→S. Agostinho: “Em uma palavra, o santo Batismo destrói todos os delitos, tanto o
original quanto os próprios: coisas ditas, feitas, pensadas, conhecidas, desconhecidas,
tudo perdoa...para que sejam livres, libertados por Cristo.”82
→várias Profissões de fé apresentam a mesma doutrina.
→especialmente, o Decreto Exsultate Deo para os Armênios, de 22 de novembro de
1439, do Papa Eugênio IV que, no Concílio de Florença afirmou: “o efeito deste
sacramento é a remissão de toda culpa original e atual, e também de toda pena que pela
culpa mesma se deve.”83 Isso significa que, além da completa regeneração, também pelo
Batismo são perdoadas todas as penas devidas ao pecado, quer as eternas, quer as
temporais.

74
DH 1314.
75
BARTMANN, p. 89.
76
DH 757. Todavia, Eugênio IV afirmou que o uso de fórmulas, tais como “é batizado este servo de
Cristo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, e outras afins, como em certas igrejas gregas, não
invalida o Batismo, já que, com ela, também se expressa o ato que se exerce instrumentalmente pelo
ministro, e se invoca a sua causa principal, que é a Trindade: DH 1314.
77
“Remissão” = supressão do pecado (C. Trento, sessão 5, cân. 13)/ santificação (justificação)/
purificação efetiva que cancela tudo o que é digno de condenação (C. Trento, sessão 5, cân. 5).
78
Cf. BARTMANN, p. 93.
79
Cf. BARTMANN, p. 104. Para S. Tomás, o efeito principal do Batismo é a incorporação a Cristo; deste
efeito, derivam os demais (Cf. STh III,69).
80
MARTINS, JOSÉ SARAIVA. Baptismo e Crisma. Lisboa: Universidade Católica, 2005, p. 56.
81
MARTINS, JOSÉ SARAIVA. Baptismo e Crisma. Lisboa: Universidade Católica, 2005, p. 59.
82
AGOSTINHO, symb. ad cat. 10,10 (PL 40,659): citado em MARTINS, JOSÉ SARAIVA. Baptismo e
Crisma. Lisboa: Universidade Católica, 2005, p. 59.
83
DH 1316.

19
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→todavia, o Batismo não anula a inclinação para o pecado, i.e, a concupiscência.


→o Batismo também NÃO anula os sofrimentos devidos às penas da vida terrena, que
servem como meio de prova e como ocasião de prática das virtudes. Diz S. Tomás:
O batismo tem a força de tirar as penalidades da vida presente: não as tira, porém, (...)
porque pelo batismo o homem é incorporado a Cristo e se torna seu membro. Convém
que aconteça com o membro incorporado o que aconteceu com a cabeça (...). É
conveniente para o treinamento espiritual, para que, lutando contra a concupiscência e
84
outras debilidades, o homem receba a coroa da vitória.
→o Batismo igualmente NÃO readquire para os seres humanos os dons preternaturais
perdidos pelo pecado original (a “integridade” ou isenção da concupiscência; a
“imortalidade”, i.e, a não NECESSIDADE de morrer, com uma morte degradante; a
“impassibilidade”, i.e, os sofrimentos do corpo; e a “ciência”, i.e, sabedoria humana e
aberta à virtude da religião).85
→o Batismo agrega os batizados à Igreja como seus membros, não apenas por laços de
cunho jurídico (a modo de uma associação com direitos e deveres), nem apenas de
consciência moral em uma fé idêntica (a modo de um vínculo de dever de consciência,
ou de mesmos ideais), mas de modo interior, misterioso, forte e vital, por razão do
Sacrifício de Cristo. São claros os textos de Rm 12,5;1Cor 6,15; 12,13; Gl 3,28; Cl 3,11.

4. O Batismo é necessário a todos os seres humanos para a salvação (de fé). Somente o
Batismo de sangue (baptismus sanguinis) e o Batismo de desejo (o baptismus flaminis)
suprem a falta do Batismo sacramental de água.
Desde a antiguidade a Igreja considerou que o Batismo (Baptismus fluminis) pode ser
substituído pelo martírio por Cristo (Batismo de sangue, Baptismus sanguinis), como
também pelo desejo do Batismo, acompanhado pela contrição perfeita (Batismo de
desejo, Baptismus flaminis). Todavia, o Batismo de sangue e o Batismo de desejo
conferem somente a graça santificante, não o caráter e as graças especiais.86

5. Ministros ordinários do Batismo são o bispo, o presbítero e o diácono.87 Em caso de


necessidade, pode ser qualquer pessoa humana. (de fé).
→diz Tertuliano (séc. II): “O supremo direito de conferir o batismo pertence ao sumo
sacerdote, isto é, o bispo. Depois dele, têm (o direito) os sacerdotes e diáconos, contudo,
nunca sem autorização do bispo...”.88
Mas há testemunhos bíblicos em que os Apóstolos associaram a si tal dever: cf. At
10,48; 19,5-6; 1Cor 1,17.
Como afirma o Cardeal José Saraiva Martins,
O ministro do batismo de necessidade pode ser qualquer um. Para o sacramento ser válido
exige-se, contudo, uma tripla condição: que o ministro do batismo tenha o uso da razão,
observe a forma sacramental prescrita pela Igreja, e que tenha a intenção de fazer aquilo
que faz a Igreja. Observe-se que, no que respeita à última condição, um eventual conceito
errôneo de “Igreja”, por parte do ministro, não lesa a validade do sacramento.89
6. O Batismo pode ser validamente recebido por toda pessoa humana. (de fé).

84
STh. III,69,3.
85
BARTMANN, vol. 1, pp. 442-444.
86
BARTMANN, p. 98.
87
Cf. CIC cân. 861.: “Ministro ordinário do batismo é o Bispo, o presbítero e o diácono...”.
88
TERTULIANO, bapt. XVII (PL 1,1326-1327).
89
MARTINS, JOSÉ SARAIVA. Baptismo e Crisma., p. 143.

20
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7. Acerca do “limbo dos inocentes”: documento da Comissão Teológica Internacional


“A Esperança da salvação para as crianças que morrem sem batismo”, que recebeu o
consentimento e a aprovação para a sua publicação pelo Papa Bento XVI, em 19 de
janeiro de 2007 (como se lê à p. 8 do mesmo documento).

6.2
A teologia da Crisma

A Crisma (subst. cri/sma, do verbo cri,w( ungir) é o Sacramento por meio do qual “os
fieis são vinculados mais perfeitamente à Igreja, enriquecidos de força especial do
Espírito Santo, e assim mais estritamente obrigados à fé que, como verdadeiras
testemunhas de Cristo, devem difundir e defender tanto por palavras como por obras.”90
S. Tomás, relacionando os Sacramentos de Iniciação Cristã com as etapas da vida
humana, vincula a Crisma com o crescimento e a maturidade, ao afirmar:
Já que existe uma semelhança entre as coisas sensíveis e corporais, por um lado, e as
coisas espirituais e inteligíveis, por outro, do que acontece na vida corporal podemos
captar o que há de especial na vida espiritual. Na vida corporal chegar à idade perfeita e
poder realizar perfeitamente ações de homem é evidentemente uma perfeição especial.
(...) Daí também que, além do movimento da geração, pelo qual se recebe a vida corporal,
há o do crescimento, que conduz à idade perfeita. Assim, portanto, também o homem
recebe a vida espiritual pelo batismo, que é um novo nascimento espiritual. Na
91
Confirmação recebe, por assim dizer, a idade perfeita da vida espiritual.
Além disso, o mesmo Aquinate define a Crisma como “o sacramento que confere ao
regenerado o vigor espiritual e o constitui, de certo modo, combatente pela fé em
Cristo.”92
De fato, a importância da Crisma é tal que, como afirma o Catecismo, “é preciso
explicar aos fieis que a recepção deste sacramento é necessária à consumação da graça
batismal.”93 Também afirmou S. Tomás:
(...) deve-se dizer que todos os sacramentos são de algum modo necessários à salvação.
Mas há alguns sem os quais não há salvação, enquanto outros atuam para a perfeição da
salvação. Deste segundo modo a Confirmação é necessária à salvação, embora sem ela
possa haver salvação, contanto que não se deixe de recebê-la por desprezo ao
94
sacramento.
Nota-se igualmente o interesse da Igreja que seus filhos não passem dessa vida sem
terem sido crismados, ao incluir o rito de “Confirmação em perigo de morte”, no “Rito
da Unção dos Enfermos e sua Assistência Pastoral”, capítulo V. (p. 81, Ed. Paulinas,
1974).
•termos: este sacramento, além de “Crisma”, foi também designado, ao longo dos
tempos, com os termos to. te,leion (‘perfeição’; ou então, na forma latina composta,
perfectio baptismatis)( h` telei,wsij (‘consumação’); sfragi,j (‘selo’, como o Batismo;
ou, na forma latina, signaculum, sigilum), dentre outros (como aqueles já vistos na
fundamentação bíblica deste sacramento: evpi,qesij cei,rwn( ceiroqesi,a( to. mu,ron).
O termo “confirmação” talvez tenha tomado sua inspiração a partir da passagem de
2Cor 1,21ss. No séc. III, cf. o testemunho da Tradição Apostólica, a Unção pós-batismal

90
CEC 1285, LG 11; Ordo Confirmationis, praenotanda 2.
91
STh III,72,1.
92
TOMÁS DE AQUINO, c. gent. 4,60. (citado em BARTMANN, vol. 3, p. 119.
93
CEC 1285.
94
STh III, q. 72, a. 1, ad 3.

21
PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

é denominada de consignatio. A partir da época carolíngea (séc. IX), difundiu-se o


termo confirmatio, o qual, no entanto, já aparecera pela primeira vez nos escritos de S.
Leão Magno.95
Vejamos agora os elementos fundamentais deste sacramento.

1. A Crisma é um verdadeiro sacramento da Nova Aliança, instituído por Cristo. (de fé).

Se alguém disser que a Confirmação dos batizados é uma cerimônia ociosa, e não, antes
de tudo, um verdadeiro e próprio sacramento; ou que outrora tenha sido nada mais que
uma catequese, pela qual os que estavam próximos à adolescência expunham perante a
96
Igreja a razão de sua fé: seja excomungado.
E ainda:
Se alguém disser que fazem injúria ao Espírito Santo os que atribuem alguma virtude ao
sagrado crisma da Confirmação: seja excomungado.97
•a respeito das passagens bíblicas que fundamentam a Crisma como um Sacramento da
Nova Aliança, já havíamos visto no capítulo da Fundamentação Bíblica desse
Sacramento. A isso, se acrescentem os seguintes argumentos:
a) segundo a concepção católica, o conceito de “instituição”, para os Sacramentos (tal
como a Teologia medieval já assim entendia), não exige que tenham sido criados direta
e explicitamente pelo Senhor Jesus. Concebe-se que não há diferença entre instituição
direta por Jesus, e aquela realizada pelo Espírito Santo, por meio da Igreja. De fato, como
diz S. Tomás: “Diz-se que alguém instituiu algo quando dá à coisa força e vigor, como
fica evidente no caso das instituições das leis.”98
b) segundo S. Tomás, um sacramento da Nova Lei é identificado com especificidade
própria – e portanto, distinto dos demais – de acordo com algum efeito especial da graça
que ele produza. Ora, o Batismo produz o nascimento espiritual; mas a idade perfeita
da vida espiritual não é dada por ele, mas sim pela Crisma. Por isso, a Crisma é um
verdadeiro Sacramento, distinto do Batismo.99
c) além disso, acrescenta e conclui S. Tomás que a Crisma, como os demais
Sacramentos, foi instituída por Cristo “porque instituir um novo sacramento pertence ao
poder de excelência que compete só a Cristo. Por isso, deve-se dizer que Cristo instituiu
esse sacramento, não suscitando-o, mas prometendo-o.” 100 E passa a citar algumas
passagens bíblicas, que servem para fazer reportar ao Senhor a instituição da Crisma,
tais como Jo 16,7 (Se eu não partir, o Paráclito não virá a vós), Jo 7,39 (Ainda não
havia Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado).101
Conclui sobre isso Saraiva Martins:
(...) a naturalidade com que os Apóstolos utilizam o rito de imposição das mãos para
comunicarem o Espírito Santo (...)102 significa que se tratava de uma instituição comum,

95
BARTMANN, vol. 3, p. 118.
96
DH 1628.
97
DH 1629. De fato, para Calvino, a Crisma era uma abortiva sacramenti larva (uma ‘máscara abortiva
de sacramento’, ou seja, apenas um acessório, um apêndice. Para Lutero, não passava de uma simples
cerimônia.
98
S.Th. III, q. 64, a. 2. Citado também em minha apostila de Sacramentologia I, à p. 37 (em PDF).
99
STh. III,72,1, resp.
100
STh. III,72,1, ad 1um. O sublinhado é meu.
101
i.e, “a plenitude do Espírito Santo...não devia ser dada antes da ressurreição e ascensão de Cristo...”:
STh. III,72,1, ad 1um. Veja também: Jo 16,13.
102
Tais como nas passagens de At 8,14-17; 8,19;19,5-6.

22
PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

conhecida de todos, com o fim de completar o que aconteceu no batismo (...). Ora, isto
supõe que tal rito remonta a Cristo, que foi por ele querido e instituído.103
2. A matéria da Crisma é “a unção do crisma na fronte, o que se faz pela imposição da
mão e pelas palavras prescritas nos livros litúrgicos aprovados.”104

De fato, assim decretou o Papa Paulo VI, a 15 de agosto de 1971, na Constituição


Apostólica Divinae Consortium Naturae sobre o Sacramento da Confirmação:

Para que, então, a revisão do rito da confirmação compreenda oportunamente também a


essência mesma do rito sacramental, com nossa suprema autoridade apostólica
decretamos e estabelecemos que no futuro seja observado na Igreja latina o que segue:O
SACRAMENTO DA CONFIRMAÇÃO CONFERE-SE MEDIANTE A UNÇÃO DO
CRISMA SOBRE A FRONTE, QUE É FEITA COM A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS, E
MEDIANTE AS PALAVRAS: "RECEBA O SINAL DO DOM DO ESPÍRITO
SANTO".
Todavia, a imposição das mãos sobre os eleitos, que se cumpre com a oração prescrita
antes da crisma, mesmo não pertencendo à essência do rito sacramental, é de ter-se em
grande consideração, pois serve para maior integração do rito mesmo e para favorecer
uma melhor compreensão do sacramento. É claro que essa imposição das mãos, que
precede a crisma, difere da imposição das mãos com a qual se cumpre função crismal
sobre a fronte.105

Igualmente, repete o Código de Direito Canônico: “O sacramento da confirmação é


conferido pela unção do crisma na fronte, o que se faz pela imposição da mão e pelas
palavras prescritas nos livros litúrgicos.” Portanto, a matéria da Crisma é claramente
o Santo Crisma.
•além disso, note-se aqui a menção, portanto, de duas diferentes imposições de mãos
durante o rito: aquela imediatamente anterior à unção, acompanhada de uma oração, e
que, segundo as palavras do Papa, não pertencem à essência do rito.
Todavia, há uma segunda imposição das mãos, que é feita durante a unção com o
crisma. Pergunta-se: tal imposição pertence à essência do rito sacramental? Ou, em
outras palavras: é necessária para a sua validade?
Perante tal dúvida, a Pontifícia Comissão para a Interpretação dos Decretos do Concílio
Vaticano II publicou o seguinte:
Resposta à dúvida proposta aos Padres da Pontifícia Comissão para a Interpretação dos
Decretos do Concílio Vaticano II, a qual, apresentada na reunião plenária que se seguiu,
julgaram dever responder como abaixo: D(úvida).- Se, de acordo com a Constituição
Apostólica Divinae Consortium Naturae, de 15 de agosto de 1971, tornada de direito
público, o ministro da Confirmação deve, ao realizar o gesto da crisma, impôr a mão
estendida sobre a cabeça do confirmando, ou se é suficiente a unção feita com o polegar?
R(esposta).- À primeira: negativa; à segunda: afirmativa ad mentem. “Mente” é: a unção
feita dessa forma manifesta suficientemente a imposição da mão. O Santo Padre Paulo
VI, na Audiência de 09 de junho de 1972, confirmou, aprovou e ordenou ser publicada a
decisão supracitada, que é distribuída pelo abaixo-assinado. Péricles, Card. Felici,
Presidente.106

103
MARTINS, JOSÉ SARAIVA. Baptismo e Crisma., p. 159-160.
104
CIC 880 §1.
105
http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_constitutions/documents/hf_p-vi_apc_19710815_divina-
consortium.html Visita em 15/10/2019.
106
ACTA COMMISSIONUM PONTIFICIA COMMISSIO DECRETIS CONCILII VATICANI II
INTERPRETANDIS Responsum ad propositum dubium Patres Pontificiae Commissionis Decretis

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PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

•de fato, a nota de rodapé ao cân. 880 do CIC cita a mesma interpretação.
•no §2 do mesmo cân. 880, se diz também que a consagração do óleo do Crisma deve
ser feita por um bispo católico, de acordo com a Instrução da Sagrada Congregação dos
Sacramentos, de 20 de maio de 1934.107
•outra dúvida que igualmente requer esclarecimento é se o Santo Crisma consagrado
pelo bispo deve ser óleo extraído de oliveira. Quanto a isso, assim responde o cân. 847:
Na administração dos sacramentos em que se devem usar os óleos sagrados, o ministro
deve empregar óleo de oliveira ou de outras plantas esmagadas, salva a prescrição do
cân. 999, n. 2, consagrados ou benzidos recentemente pelo Bispo; não utilize óleos
velhos, salvo caso de necessidade.108
OBS.: o cân. 999, n. 2, aqui mencionado, diz respeito ao óleo da Unção dos Enfermos.

3. O ministro ordinário da Crisma é o bispo (de fé).

•Decreto para os Armênios (22/11/1439, Eugênio IV):


O segundo sacramento é a confirmação...O ministro ordinário é o bispo. E, embora o
simples sacerdote possa administrar outras unções, esta somente o bispo deve conferir,
porque somente dos Apóstolos – cujas vezes fazem os bispos – se lê que davam o Espírito
Santo pela imposição das mãos, como manifesta a leitura dos Atos dos Apóstolos.109
•Decreto sobre os sacramentos (03/03/1547, Paulo III): “Se alguém disser que o
ministro ordinário da santa confirmação não é somente o bispo, mas qualquer simples
sacerdote, seja excomungado.”110
•LG 26: “Eles são os ministros originários da confirmação...”.111
•como fundamento bíblico para tais afirmações, a Igreja se valeu dos já mencionados
textos de At 8,14-17, e At 19,1-7;
•na Tradição, encontramos, por exemplo:
→Tertuliano: “Não contesto que esteja em uso na Igreja que o bispo se dirija àqueles
que, longe das maiores cidades, foram batizados por presbíteros e diáconos, para
invocar sobre eles o Espírito Santo, e impor-lhes as mãos.”112
→S. Cipriano de Cartago assim afirma, a respeito de At 8,17:

Concilii Vaticani II interpretandis, proposito in plenario coetu quod sequitur dubio, respondendum esse
censuerunt ut infra : D. - Utrum, iuxta Constitutionem Apostolicam Divinae Consortium Naturae, die 15
augusti 1971 publici iuris factam, minister Confirmationis manum extensam super caput confirmandi
imponere debeat gestum chrismationis peragendo, an sufficiat chrismatio cum pollice facta. R. - Ad
primum : negative; ad secundum : affirmative ad mentem : mens est : chrismatio ita peracta manus
impositionem sufficienter manifestat. Ss.mus Dominus Noster Paulus Pp. VI in Audientia die 9 iunii 1972
infrascripto impertita supradictam decisionem ratam habuit, adprobavit et publicari iussit. PERICLES
Card. FELICI, Praeses.: AAS 64 (1972) p. 526. Disponível em:
http://www.vatican.va/archive/aas/documents/AAS-64-1972-ocr.pdf Visita em 15/10/2019.
107
Chrisma in sacramento confirmationis adhibendum debet esse ab Episcopo consecratum, etiamsi
sacramentum a presbytero ministretur.” (“O Crisma a se utilizar no sacramento da confirmação deve ser
consagrado pelo bispo, mesmo que o sacramento seja administrado por um presbítero.”). Cf. a Instrução
da Sagrada Congregação dos Sacramentos, de 20 de maio de 1934: AAS 27 (1935) p. 11.
108
CIC 847 §1.
109
DH 1317;1318. Na sequência deste último número, é citado o texto de At 8,14-17.
110
DH 1630.
111
“Ipsi sunt ministri originarii confirmationis...”, onde “Ipsi” se refere a “Episcopi”, do início do
parágrafo. É provável que a palavra “originário” tenha querido aqui evocar o fundamento bíblico-
histórico do estreito vínculo entre o ministério episcopal ea Crisma.
112
De Baptismo 8,1s.

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PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

Isso se faz ainda hoje entre nós; a fim de que, aqueles que na Igreja são batizados, sejam
apresentados aos prepósitos da Igreja, e pela nossa oração e imposição de mão obtenham
o Espírito Santo e a perfeição pelo sinal do Senhor.113
→Inocêncio I (séc. V):
Quanto ao crisma das crianças, é claro que não deve ser feito por outros que não o
bispo. De fato, os presbíteros, sendo ‘sacerdotes’ de segunda ordem, não têm a alta
dignidade do sumo sacerdócio. Que apenas aos bispos compete o poder pontifício de
crismar e comunicar o Espírito Santo, não é demonstrado apenas pelos costumes
eclesiásticos, mas também por passagens dos Atos, em que se diz que Pedro e João
foram enviados para comunicar o Espírito Santo àqueles que já eram batizados (At 8,14-
17). Os sacerdotes que batizam sem o bispo ou até na presença do bispo, podem ungir
os batizados com o crisma que, no entanto, foi consagrado pelo bispo. Mas não podem
marcar com ele a fronte, o que é apenas competência dos bispos, quando conferem o
Espírito Santo.114

•além da S. Escritura e da Tradição, são alegadas, pelo novo Rito da Confirmação, três
razões para isso:115
1) “para que resulte mais clara a referência à primeira efusão do Espírito Santo no dia de
Pentecostes ”;
2) porque foram os Apóstolos a transmitirem o Espírito Santo aos fieis pela imposição
das mãos, depois de estarem plenos dEle;
3) para demonstrar a mais estreita ligação que une os crismandos à Igreja, e o mandato
de dar testemunho de Cristo aos homens.

4. O ministro extraordinário da Crisma é o sacerdote.

•no Oriente, a Tradição atesta a existência de sacerdotes administrando a Crisma, porém


sempre com o mýron consagrado pelo bispo. Ex. Pseudo-Dionísio Areopagita, De
eccesiastica hierarchia 5,1,5 (sécs. IV-V): sem o mýron consagrado pelo bispo, nenhum
padre pode administrar a Crisma.
•no Ocidente:
→no Egito, no séc. IV (Pseudo-Ambrósio), há testemunho da Crisma conferida pelos
sacerdotes quando o bispo está ausente;116
→S. Gregório Magno (séc. V-VI): constatou já em sua época o costume empregado
pelos presbíteros da Sicília de administrarem a Crisma. Procurou obrigá-los a aceitar o
costume romano da administração pelo bispo, mas concedeu “conservar o antigo uso,
quando não se podia ter o bispo”, inclusive porque aqueles se escandalizaram por estar
proibido aos sacerdotes a administração desse sacramento;117
→Clemente VI, em 29/09/1351, desejando verificar a pureza da fé dos armênios, lhes
perguntou se eles acreditavam “que somente pelo Romano Pontífice...se pode confiar a

113
O texto original diz: “quod nunc quoque apud nos geritur, ut qui in ecclesia baptizantur praepositis
ecclesiae offerantur et per nostram orationem ac manus impositionem spiritum sanctum consequantur et
signaculo dominico consummentur. Ep. 73,9 (CSEL III, parte 1, p. 785). Disponível em:
https://archive.org/stream/corpusscriptoru16wissgoog#page/n7/mode/2up Visita em 16/10/2019.
114
Carta Si instituta ecclesiastica ao bispo Decêncio de Gubbio, de 19 de março de 416: DH 215. Veja-se
como, já no séc. V, se fala de uma unção com o Crisma, no batismo das crianças, feita pelo presbítero,
mas que NÃO É O SACRAMENTO DA CRISMA, segundo o texto de Inocêncio I.
115
Cf. Ordo confirmationis, praenot. II,7.
116
BARTMANN, vol. 3, p. 128.
117
BARTMANN, vol. 3, p. 128. Cf. GREGORIUS MAGNUS, ep. 26 (PL 77,696). Texto citado, e
comentário em: MARTINS, JOSÉ SARAIVA. Baptismo e Crisma., p. 207.

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administração do sacramento da confirmação a presbíteros que não sejam bispos”, em


uma clara alusão a tal possibilidade, portanto;118
→ Decreto para os Armênios (22/11/1439, Eugênio IV): afirma que “alguma vez, por
dispensa da Sé Apostólica, com causa razoável e muito urgente, um simples sacerdote
administrou este sacramento da confirmação com o crisma consagrado pelo bispo.”119
→importante também é o Decreto da Sé Apostólica, de 14/09/1946, em que se permitiu
a administração da Crisma a sacerdotes com cura de almas, em determinadas
circunstâncias, e particularmente àqueles que corriam grave perigo de morte.
Igualmente o atual Rito da Confirmação reflete tal disposição, ao dar faculdade aos
párocos e vigários paroquiais (dentre outros) de administrarem extraordinariamente a
Crisma em caso de perigo de vida, caso não possa ser conferido por qualquer motivo
pelo bispo.120

5. Os efeitos e necessidade da Crisma.

Afirma o Decreto para os Armênios (22/11/1439, Eugênio IV), no que tange ao efeito
da Crisma:
O efeito deste sacramento é que nele se dá o Espírito Santo para o fortalecimento, como
foi dado aos Apóstolos no dia de Pentecostes, a fim de que o cristão confesse com
audácia (audacter) o nome de Cristo. Por isso, o confirmando é ungido na fronte, onde
está a sede da vergonha, a fim de que não se envergonhe de confessar o nome de Cristo e
precipuamente a sua cruz, que é escândalo para os Judeus, e estultícia para os pagãos [cf.
121
1Cor 1,23] segundo o Apóstolo; é por isso que ele é assinalado com o sinal da cruz.

•note-se a expressão “como foi dado aos Apóstolos no dia de Pentecostes”. Portanto,
não se nega obviamente que o Espírito Santo seja dado aos que foram batizados; o que
se afirma é que seus efeitos são como aqueles recebidos pelos Apóstolos em
Pentecostes, tais como a audácia de testemunhar corajosamente a Cristo crucificado, em
lugar do respeito humano, o qual acanha o crismado.

Sintetizando, podemos dizer que os efeitos da Crisma são:


1) o cumprimento da promessa de Cristo, que já fora prefigurada no AT.
→no AT, os últimos tempos escatológicos são caracterizados pela plenitude do E.
Santo: Is 44,1.3; Ez 36,23.26s; Ez 39,29; Zc 12,10; Jl 3,1-2;
→no NT, o Senhor promete o envio do Paráclito: Lc 24,48-49; At 1,5; Jo 7,38-39; e
especialmente no discurso de despedida, em Jo: 14,16-17; 15,26-27; 16,7-15.
→também no NT, o efetivo cumprimento do envio do Espírito sobre os Apóstolos, bem
como sobre toda a Igreja nascente: At 2,4; 1,4; 2,16, etc.
→ainda no NT, os Apóstolos transmitiram o Espírito, que haviam recebido de modo
extraordinário e extra sacramental, por via sacramental, através da imposição das mãos
(textos já vistos na fundamentação bíblica).

2) o alcance da maturidade cristã.

De fato, o NT explicita o querer de Deus, que objetiva (...)

118
DH 1070.
119
DH 1318.
120
Ordo Confirmationis, praenot. II,7.
121
DH 1319.

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(...) aperfeiçoar os santos (...) para a edificação do Corpo de Cristo, até que alcancemos
todos nós a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado do Homem
perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo.122

•a finalidade da Crisma não é apenas um simples augmentum gratiae, ou apenas a


concessão de um robur ad pugnam, mas realizar um acabamento a nível de perfeição
ontológica da vida sobrenatural portada pelo batismo;123
•ela faz o cristão passar, na ordem espiritual, da infância à maturidade;
•por isso, ela foi concebida, desde a era patrística, concebida como aperfeiçoamento do
batismo. Todavia, não no sentido de oposição “perfeição X imperfeição” – pois nada há
de imperfeito no batismo – mas no de “plenificação”. Daí, palavras como te,leion(
telei,wsij, perficere, perfectio, usada pelos Padres da Igreja. Assim também se expressa
o Concílio de Elvita (de 306),124 Inocêncio I (401-417), etc;125
•diz S. Tomás: “Enquanto que pelo Batismo, que é uma ‘regeneração espiritual’, o
homem acede à vida espiritual, a Confirmação fá-lo, de todo o modo, alcançar a idade
perfeita.”126

3) a recepção do caráter indelével (de fé).


•DH 1609: “Se alguém disser que... no batismo, na confirmação e na ordem não se
imprime o caráter na alma...seja excomungado.”

4) o fortalecimento para o apostolado.


•como afirma o CEC, a Crisma...
(...) dá-nos uma força especial do Espírito Santo para difundir e defender a fé pela palavra
e pela ação, como verdadeiras testemunhas de Cristo, para confessar com valentia o nome
de Cristo e para nunca sentir vergonha em relação à cruz.127
•cf. também: LG 11; LG 33; AA 3.

5) enfim, aqueles outros elencados pelo Catecismo:128


•enraíza-nos mais profundamente na filiação divina, que nos faz dizer ‘Abba,Pai’ (Rm
8,15);
•une-nos mais solidamente a Cristo;
•aumenta em nós os dons do Espírito Santo;129
•torna mais perfeita a nossa vinculação com a Igreja.

122
Ef 4,12-13.
123
Cf. STh. III, q. 72, a. 2 e 5. Citado em: MARTINS, JOSÉ SARAIVA. Baptismo e Crisma., p. 197, às
notas 89 e 90.
124
DH 120-121.
125
Carta aos bispos da Macedônia, em que diz: “ ‘...batizados de fato pelo evangelizador Filipe, Pedro e
João os consumam somente com a imposição das mãos.’ C 5 (Mansi,3,1061)”. Citado em latim por:
MARTINS, JOSÉ SARAIVA. Baptismo e Crisma., p. 195, à nota 69. A tradução é nossa.
126
STh. III,q. 72, a. 1; a.5; (a. 8 ad 4um., quanto às crianças).
127
CEC 1303.
128
CEC 1303.
129
Ou seja, os sete dons: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus
(CEC 1831).

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6.3
A teologia da Eucaristia

6.3.1
Os nomes da Eucaristia130

•apresentamos, neste tópico, alguns dos nomes com que, durante a história, a Santíssima
Eucaristia foi designada. Trata-se de nomes relativos seja ao rito eucarístico, seja a
algum aspecto do profundo conteúdo acerca do mistério que se celebra, seja a um dos
momentos da sagrada celebração;
•os nomes mais antigos que aparecem no NT são aqueles de “ceia do Senhor” (kuriako.n
dei/pnon)( usado por S. Paulo em 1Cor 11,20; e “fração do pão” (kla,sij tou/ a;rtou),131
na perícope dos discípulos de Emaús (em Lc 24,35: evn th|/ kla,sei tou/ a;rtou) e em At
(2,42.46; 20,7.11; 27,35);
•muito antigo é o emprego do verbo euvcaristei/n, que aparece em 1Cor 11,24, e nos
relatos evangélicos da instituição de Mt 26,27; Mc 14,23; e Lc 22,17.19;
•o NT emprega igualmente o verbo “abençoar” (euvlogei/n), em Mt 26,26 e Mc 14,22;132
•já o termo euvcaristi,a aparece na Didaché, obra do final do século I, escrita portanto
em período simultâneo aos últimos escritos do NT. Cf. Did. 9,1.5.133 Além disso, em
Did. 9; 10 e 14, é empregado o verbo correspondente euvcaristei/n, bem como as
expressões “ceia do Senhor” (kuriako.n dei/pnon) e “fração do pão” (kla,sij tou/ a;rtou).
•de fato, com o passar do tempo, o termo eucaristia se torna talvez o mais frequente e
difundido, tanto no Oriente quanto no Ocidente, como se constata nos escritos antigos;
•muito antigo também é o termo “oblação”, que aparece em escritos latinos (oblatio),
bem como gregos (prosfora,), e sírios (kurbons, dom);
•outro termo igualmente empregado é “anáfora” (avnafora,, “elevação”, “repetição”),
que corresponde à Prece Eucarística da Missa;
•igualmente o adjetivo latino dominicum, usado na África e em Roma, seja para indicar
o rito eucarístico, o lugar da celebração, ou mesmo o dia do Senhor (tal como já aparece
em Ap 1,10 – evn th/| kuriakh|/ h`me,ra| – e na Didaché 14,1);
•mais genericamente, se empregou igualmente o termo sacrum ou sacrum facere,
análogo a actio-agere (usado, p. ex., por S. Ambrósio) e agenda, enquanto referidos à
Sagrada Celebração Eucarística como ação sagrada por excelência. Tais expressões
também se apresentam nas formas diferenciadas canon actionis e infra actionem;
•o próprio termo leitourgi,a serviu, a partir do século IX, simplesmente para denominar
a Celebração Eucarística;
•o termo “sacrifício”, que já aparece na Didaché (kaqara. qusi,a: 14,1.3), é empregado
em sua forma latina sacrificium pelos Padres, especialmente por S. João Crisóstomo, S.
Cipriano de Cartago e S. Agostinho, bastante retomado na Idade Média;

130
Cf. VISENTIN, P. Eucaristia. In: SARTORE, D. – TRIACCA, A. M. (orgs.) Dicionário de Liturgia.
S. Paulo: Paulinas, 1992, pp. 395-415. O trecho sob o título “Nomes da Eucaristia” se encontra entre as
páginas 398-399.
131
Ou o seu verbo correspondente – kla,w – conjugado:“partir o pão”.
132
Tal verbo, em seu substantivo correspondente euvlogi,a, “passou a indicar o pão bento, distribuído em
vez da Eucaristia (avnti,dwron) àqueles que não se julgavam dignos de comungar. A eulogia está em uso
ainda hoje na Igreja grega e em algumas partes da Igreja romana. Na idade patrística as Igrejas episcopais
trocavam eulogias em sinal de comunhão recíproca.”: BARTMANN, vol. 3, p. 137.
133
Did. 9,1: Περὶ δὲ τῆς εὐχαριστίας, οὕτω εὐχαριστήσατε·; Did. 9,5: μηδεὶς δὲ ϕαγέτω μηδὲ
πιέτω ἀπὸ τῆς εὐχαριστίας ὑμων, ἀλλ' οἱ βαπτισϑέντες εἰς ὄνομα κυρίου·.

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•utilizaram-se igualmente o termo latino collecta, bem como o grego synáxis, os quais, a
princípio, indicavam a assembleia que se reunia para a Eucaristia, mas depois passou a
indicar a celebração mesma;
•já o termo anamnese (do grego avna,mnhsij), embora empregado sobretudo para se
referir ao evento da Paixão-Morte-Ressurreição do Senhor, foi logo associado e
coligado ao rito eucarístico ainda no século III, na Tradição Apostólica;134
•por fim, o nome missa, que inicialmente designou o ato solene de despedida formal dos
catecúmenos e dos penitentes ao final da Liturgia da Palavra, e posteriormente de todo
o povo ao final da assembleia eucarística, passou, por volta do século V, a denominar
toda a celebração eucarística. Como afirma P. Fahey, “provavelmente o primeiro uso de
missa neste último significado é aquele de Ambrósio (Ep. 20: PL 16,995).135

6.3.2
Os elementos dogmáticos da Eucaristia

1. Jesus Cristo está verdadeira, real e substancialmente presente na Eucaristia com a


carne e o sangue, o corpo e a alma, a humanidade e a divindade (de fé).

Afirma Trento:
Se alguém negar que no Santíssimo Sacramento da Eucaristia está real, verdadeira e
substancialmente o corpo e o sangue juntamente com a alma e a divindade de Nosso
Senhor Jesus Cristo e, por isso, Jesus Cristo inteiro, mas disser que neste Sacramento ele
está somente em sinal e figura, ou em potência, seja excomungado. 136
→a respeito da fundamentação bíblica do Sacramento, já foi visto acima;
→ quanto à Patrística, são abundantes os testemunhos a respeito, tais como:
S. Inácio de Antioquia (1ª. metade do séc. II):
Abstém-se eles da Eucaristia (...), porque não reconhecem que a Eucaristia é a carne de
nosso Salvador Jesus Cristo, carne que padeceu por nossos pecados e que o Pai, em Sua
bondade, ressuscitou.137
S. Justino (séc. II):
Este alimento se chama entre nós Eucaristia (...). De fato, não tomamos essas coisas como
pão comum ou bebida ordinária, mas (...) Jesus Cristo, nosso Salvador, (...) nos ensinou
que (...) o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças – alimento com o qual, por
transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne – é a carne e o sangue daquele
mesmo Jesus encarnado.138
S. Irineu (séc. II):
(...) a cepa de videira plantada na terra frutifica no seu tempo e o grão de trigo caindo na
terra, decompondo-se, ressurge multiplicado pelo Espírito de Deus (...) e, recebendo a
139
palavra de Deus, se tornam eucaristia, isto é, o corpo e o sangue de Cristo (...).

134
NDPAC vol. 1, col. 266.
135
NDPAC vol. 2, col. 3240.
136
DH 1651.
137
INÁC. ANT., ad esm. 7, 1.
138
JUSTINO, I apol. 66.
139
IRINEU, adv. haer. V,2,3.

29
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S. Cirilo (ou João) de Jerusalém (séc. IV):


Tendo dito Jesus Cristo acerca do pão: ‘Este é o meu corpo’, quem ousará disso duvidar?
E depois, da afirmação ‘Este é o meu sangue’, quem poderá duvidar, dizendo que não é o
seu sangue?”140
S. Ambrósio (séc. IV):
O próprio Senhor Jesus proclama: ‘Isto é o meu corpo’. Antes da bênção com as palavras
celestes é chamada por outra espécie; depois da consagração, é o corpo que é designado.
Ele mesmo diz que é o seu sangue. Antes da consagração é chamado de outro modo;
depois da consagração, é chamado sangue. E tu dizes: ‘Amém’, isto é: É verdadeiro. O
que a boca pronuncia seja reconhecido pela mente interna; que o íntimo sinta o que a
palavra exprime.141
etc.

Igualmente, a respeito desse ensinamento, o Santo Padre Paulo VI, em sua Encíclicla
Mysterium Fidei, de 03 de setembro de 1965, assim explicou:
Esta presença chama-se "real", não por exclusão como se as outras não fossem "reais",
mas por antonomásia, porque é substancial, quer dizer, por ela está presente, de fato,
Cristo completo, Deus e homem. Erro seria, portanto, explicar esta maneira de presença
imaginando uma natureza "pneumática", como lhe chamam, do corpo de Cristo, natureza
esta que estaria presente em toda a parte; ou reduzindo a presença a puro simbolismo,
como se tão augusto Sacramento consistisse apenas num sinal eficaz "da presença
espiritual de Cristo e da sua íntima união com os féis, membros do Corpo Místico”.142
E mais adiante, afirma ainda mais claramente:
(...) pois, convertida a substância ou natureza do pão e do vinho, no Corpo e no
Sangue de Cristo, nada fica do pão e do vinho, além das espécies; debaixo destas,
está Cristo completo, presente na sua "realidade" física, mesmo corporalmente, se
bem que não do mesmo modo como os corpos se encontram presentes
localmente.143
•ainda a respeito desse mesmo ponto, é digno de nota o que ensina S. Tomás, no que
tange às realidades mensuráveis do Corpo de Cristo (altura, peso, cor...). A questão é
relevante, já que a fé católica afirma a presença não só substancial, quanto real e
verdadeira da realidade física do Corpo de Cristo na Eucaristia (como vimos reafirmado
por São Paulo VI, acima). Assim, diz o Aquinate:
(...) deve-se dizer que o modo de existência de uma coisa se determina em razão do que
lhe é essencial e não do que é acidental. Assim, por exemplo, um corpo é visível, porque
é branco e não porque é doce, ainda que tal coisa possa ser, ao mesmo tempo, branca e
doce. Por isso, a doçura é visível em razão da brancura e não da doçura. Assim, pois, pela
força deste sacramento está presente no altar a substância do corpo de Cristo, enquanto
que suas dimensões estão aí concomitantemente, e como que per accidens. Por
conseguinte, as grandezas mensuráveis do corpo de Cristo estão neste sacramento, não
em seu modo próprio, (...) mas a modo de substância, cuja natureza é ser toda no todo e

140
CIRILO (JOÃO?) DE JERUSALÉM, cat. mist. 4,1.
141
AMBRÓSIO, myst. 9,54.
142
PAULO VI, Mysterium Fidei 41. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/paul-
vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_03091965_mysterium.html . Visita em 30/10/2019.
Igualmente disponível em DH 4412.
143
PAULO VI, Mysterium Fidei 48. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/paul-
vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_03091965_mysterium.html . Visita em 30/10/2019.
Igualmente disponível em DH 4413.

30
PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

toda em cada parte. (...) neste sacramento, a grandeza mensurável do pão está segundo
seu modo próprio, isto é, segundo certa medida determinada; enquanto as dimensões do
corpo de Cristo estão aí pelo modo da substância. (...) as dimensões do corpo de Cristo
não estão neste sacramento segundo o modo de uma medida determinada, o que é próprio
144
para uma grandeza mensurável (...) mas elas aí estão pelo modo da substância.
→em suma: as realidades mensuráveis do corpo de Cristo estão de fato aí na Eucaristia,
mas não em seu modo próprio, sujeito a aferição; mas em seu modo glorificado.

2. Jesus Cristo se torna presente na Eucaristia mediante a conversão do pão e do vinho


em seu corpo e em seu sangue (de fé).

Afirma Trento:

Porque Cristo Redentor nosso disse ser verdadeiramente seu corpo aquilo que sob a
espécie (aparência) de pão oferecia [cf. Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,19s; 1Cor
11,24-26], por isso na Igreja de Deus sempre tenha estado convencida, e agora novamente
o declara este Concílio, que pela consagração do pão e do vinho se realiza a conversão de
toda a substância do corpo de Cristo Nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na
substância do seu sangue. Cuja conversão foi própria e convenientemente chamada
145
‘transubstanciação’ pela santa Igreja católica.
•tal afirmação se tornou particularmente necessária contra os ensinamentos dos
Reformadores, os quais:
1) ou diziam, como Lutero, que a conversão produziria uma “empanação” ou
“consubstanciação” (a presença de Cristo estaria apenas in et sub pane, como que
“encostado” na matéria, sem objetiva mutação);
2) ou, como Calvino, de uma presença meramente dinâmica, segundo a qual Cristo
agiria no fiel por ocasião da comunhão do pão e do vinho (um conceito, a meu ver, que
enseja por demais o sentimentalismo);
3) ou, como Zwinglio, de uma presença meramente simbólica.146

•em nossos tempos, a esse respeito, o Papa Paulo VI indiretamente chamou a atenção
sobre algumas outras noções distorcidas, que pretenderam compreender a conversão
eucarística a modo de uma “transignificação” ou de uma “transfinalização”. Ambas
consistiriam em uma “conversão” não real, não objetiva, do pão e do vinho, mas
meramente subjetiva.
A “transignificação” consistiria, como o próprio termo revela, em uma mudança apenas
de significado (no plano psicológico) daquela matéria: o pão e o vinho seriam o corpo
de Cristo por lhe ter sido atribuído subjetivamente, pelo homem que tem fé, tal
significado (ainda que por força do ensinamento divino).147
Similarmente, a “transfinalização” consistiria na nova finalidade adquirida por aqueles
sinais eucarísticos, pelo fato de passarem a ter sentido para o fiel, gerando, desse modo,
uma mudança de relação entre o pão e o vinho, e o que crê.

144
STh. III,q. 76, a. 4, resp. 1; 2; 3. “Concomitanter”, i.e, coexistindo, acompanhando simultaneamente;
estando ligado simultaneamente.
145
DH 1642.
146
GOMES, C. F. Riquezas da Mensagem Cristã. Comentário ao “Credo do Povo de Deus”. Rio de
Janeiro: Lumen Christi, 19892 (revista e ampliada), p. 600.
147
“...a modo de “um pano colorido (que) é pura decoração; mas quando o governo de um país decide
elevá-lo à categoria de bandeira nacional, então o pano já não é objetivamente a mesma coisa, embora
sem mudança física: recebeu uma nova doação de sentido.”: GOMES, C. F. Riquezas da Mensagem
Cristã., p. 603.

31
PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

Por isso, afirmou Paulo VI:


(...) para que ninguém entenda mal este modo de presença que supera as leis da natureza e
constitui no seu gênero o maior dos milagres,[51] é necessário escutar com docilidade a
voz da Igreja docente e orante. Esta voz, que repete continuamente a voz de Cristo,
ensina-nos que neste Sacramento Cristo se torna presente pela conversão de toda a
substância do pão no seu Corpo e de toda a substância do vinho no seu Sangue; conversão
admirável e sem paralelo, que a Igreja Católica chama, com razão e propriedade,
"transubstanciação".[52] Depois da transubstanciação as espécies do pão e do vinho
tomam nova significação e nova finalidade, deixando de pertencer a um pão usual e a
uma bebida usual, para se tornarem sinal de coisa sagrada e sinal de alimento espiritual;
mas só adquirem nova significação e nova finalidade por conterem nova "realidade", a
que chamamos com razão "ontológica". Com efeito, sob as ditas espécies já não há o que
havia anteriormente, mas outra coisa completamente diversa: isto não só porque assim
julga a fé da Igreja, mas porque é uma realidade objetiva (...).148
•Em suma, com a transubstanciação:

1) a substância do pão e do vinho não existem mais após a consagração;


2) não há portanto a coexistência de duas substâncias, a do pão (a do vinho) e Cristo
(contra a doutrina da “empanação” e da “consubstanciação” de Lutero);
3) ocorre pois a total conversão (mutação) de uma substância (pão/vinho) para o ser de
Cristo, o Verbo encarnado (a denominada “transubstanciação passiva”). Tal conversão
se estende a toda a substância (da forma substancial com a sua matéria, já que a
presença é real igualmente quanto ao corpo físico de Cristo Ressuscitado);
4) por um ato de todo singular e sobrenatural da parte da onipotência divina (e, nesse
sentido, é dita “transubstanciação ativa”), as espécies (os acidentes da matéria do pão e
do vinho) permanecem, ainda que a substância que as sustentava já não exista mais após
a consagração. Por permanecerem os acidentes é que, “em base à percepção sensível
somente, não há conversão ou mudança.”149

3. Pelas palavras da consagração, sob a espécie do pão está somente presente o corpo e
sob a espécie do vinho está somente presente o sangue de Jesus Cristo; mas pela união
natural e sobrenatural de todas as partes essenciais, em cada espécie está presente todo o
Cristo (de fé).

Diz Trento:
Por isso, é veríssimo que o mesmo se contém seja sob uma das duas espécies quanto sob
ambas as espécies. Porque Cristo, todo e íntegro, está sob a espécie do pão e sob qualquer
parte da mesma espécie, e todo igualmente está sob a espécie de vinho e sob as suas
partes.150
E ainda:
Se alguém negar que no venerável sacramento da Eucaristia se contém Cristo inteiro sob
cada uma das espécies e sob cada uma das partes de cada espécie, mesmo feita a
separação: seja excomungado.151

148
PAULO VI, Mysterium Fidei 48. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/paul-
vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_03091965_mysterium.html . Visita em 30/10/2019.
Igualmente disponível em DH 4413.
149
BARTMANN, vol. 3, p. 160.
150
DH 1641.
151
DH 1653.

32
PE. JÚLIO CESAR R DOS SANTOS – PUC-RJ – ISTARJ

•para explicar a primeira parte da afirmação acima (“Pelas palavras da consagração, sob
a espécie do pão está somente presente o corpo e sob as espécies do vinho está somente
presente o sangue de Jesus Cristo”), afirma S. Tomás:
É absolutamente necessário confessar, segundo a fé católica, que Cristo está todo neste
sacramento. A realidade de Cristo está presente neste sacramento de dois modos: pela
força do sacramento e por uma concomitância natural. Pela força do sacramento, está sob
as espécies sacramentais aquilo em que diretamente se converte a substância do pão e do
vinho anteriormente existente. Isso vem significado pelas palavras da forma, que são
eficazes neste e nos outros sacramentos (...). Porém, por uma concomitância natural, está
presente neste sacramento o que realmente está unido àquilo em que termina a conversão.
Se duas coisas estão realmente unidas, onde uma estiver realmente, a outra estará
também. Somente por uma operação da mente são discernidas aquelas coisas que, na
152
realidade, estão unidas.
E ainda:
Deve-se admitir com absoluta certeza que Cristo inteiro está presente sob ambas as
espécies do sacramento, mas diversamente em cada uma delas. Pois, sob a espécie de pão
está presente o corpo de Cristo pela força do sacramento, enquanto o sangue o está pela
concomitância real. Sob a espécie, porém, do vinho está presente o sangue de Cristo pela
força do sacramento, e, por sua vez, o corpo o está por concomitância real, assim como a
alma e a divindade, já que agora o sangue de Cristo não está separado de seu corpo, como
aconteceu na paixão e morte.153

•“Pela força do sacramento”: i.e, a forma, indicada pelas palavras de cada uma das duas
fórmulas da instituição (“isto é o meu corpo”; “este é o cálice do meu sangue”). De fato,
além da matéria, sem a forma não se efetua (“força”) o sacramento;
•“por uma concomitância natural” (vi naturalis connexionis et concomitantiae, diz
Trento154): i.e, por uma coexistência, um acompanhamento natural do ser humano vivo,
onde está seu corpo, está igualmente seu sangue e sua alma; e, no caso do Senhor Jesus,
também a sua divindade, por causa da união hipostática (propter hypostaticam
unionem);
•“aquilo em que termina a conversão”: ou seja, o corpo, presente sob a espécie do pão; o
sangue, sob a espécie do vinho;
•“operação da mente”: i.e, por uma distinção mental.

Com esse mesmo teor, afirmou S. Anselmo (séc. XI): “Tomamos na acepção de
‘sangue’ todo o Cristo, Deus e homem; e na acepção de ‘corpo’, igualmente Ele
todo.”155

4. Jesus Cristo está todo presente também em cada uma das partes de cada espécie,
depois da divisão (de fé).

•conforme o cânon terceiro do Decreto sobre a Eucaristia, do Papa Júlio III no Concílio
de Trento (13ª. sessão, de 11/10/1551), cujo trecho vem acima transcrito, “...Cristo, todo

152
STh. III,q. 76,a.1. Os sublinhados são meus.
153
S Th. III,q. 76, a.2.
154
“...em virtude daquela natural conexão e concomitância pela qual se unem entre si as partes de Cristo
Senhor, que ressuscitou de entre os mortos para não mais morrer [cf. Rm 6,9], a divindade, enfim, por
causa daquela sua maravilhosa união hipostática com a alma e com o corpo.”: DH 1640.
155
ANSELMO DE CANTUÁRIA, epp. lib. 4, ep. 107 (citado em BARTMANN, vol. 3, p. 169).

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e íntegro, está sob a espécie do pão e sob qualquer parte da mesma espécie, e todo
igualmente está sob a espécie de vinho e sob as suas partes.”156;

•afirma igualmente o Catecismo: “Cristo está presente inteiro em cada uma das espécies
e inteiro em cada uma das partes delas, de maneira que a fração do pão não divide o
Cristo.”157
•como explica Bartmann, essa verdade de fé deriva daquela, segundo a qual toda a
substância do pão e do vinho se transubstanciam na substância da Pessoa divina do
Senhor encarnado. Por isso,
(...) se a substância precedente deixa de existir e apresenta-se a nova substância, é
preciso que esta última se encontre por toda parte, onde estão as aparências da
substância precedente. A divisão das espécies não toca o corpo do Senhor. É próprio da
substância existir na sua totalidade onde quer se encontre.158
•encontram-se testemunhos de alguns Padres da Igreja, recomendando o zelo pelos
fragmentos eucarísticos. De maneira bastante explícita, por exemplo, assim afirmam as
Catequeses Mistagógicas, no séc. IV:
Depois dessas coisas, ouvis o cantor que, com uma melodia divina, vos convida à
comunhão dos santos mistérios, dizendo: «Provai e vede como o Senhor é bom». Não
confieis o julgamento ao gosto corporal, mas à fé inabalável. Pois provando não provais
pão e vinho, mas o corpo e sangue de Cristo que aqueles significam. (...) Ao te
aproximares [da comunhão], (...) recebe o corpo de Cristo, dizendo: «Amém». Com
segurança, então, (...) toma-o e cuida de nada se perder. Pois se algo perderes é como se
tivesses perdido um dos próprios membros. Dize-me, se alguém te oferecesse lâminas de
ouro, não as guardarias com toda segurança, cuidando que nada delas se perdesse e fosses
prejudicado? Não cuidarás, pois, com muito mais segurança de um objeto mais precioso
que ouro e pedras preciosas, para dele não perderes uma migalha sequer? Depois de teres
comungado o corpo de Cristo, aproxima-te também do cálice do seu sangue. Não
estendas as mãos, mas inclinando-te, e num gesto de adoração e respeito, dize «amém».
Santifica-te também tomando o sangue de Cristo.159
•a respeito, também fala S. Tomás, em STh. III, q. 76, a. 3: “(...) está claro que a
natureza da substância está inteira sob qualquer parte das dimensões sob as quais está
contida.”

5. Jesus Cristo está presente na Eucaristia logo depois da consagração e aí fica enquanto
as espécies permanecem sem mudanças (de fé).

•perante a negação de Lutero a respeito da permanência do Senhor na Eucaristia após o


momento do seu uso, assim definiu Trento:
Se alguém disser que, realizada a consagração, não está o corpo e o sangue de Nosso
Senhor Jesus Cristo no admirável sacramento da Eucaristia, mas somente no uso,
enquanto é recebido, mas não antes ou depois; e que nas hóstias ou partículas consagradas
que sobram ou são reservadas após a comunhão, não permanece o verdadeiro corpo do
Senhor: seja excomungado. 160

156
DH 1641.
157
CEC 1377.
158
BARTMANN, vol. 3, p. 169.
159
CIRILO (JOÃO?) DE JERUSALÉM. Catequeses Mistagógicas V, 20-22. Disponível em:
https://www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais_da_igreja/s-cirilo-de-jerusalem-catequeses-
mistagogicas.html#VI7 Visita em 06/11/2019.
160
DH 1654.

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•também afirma o Catecismo: “A presença eucarística de Cristo começa no momento da


consagração e dura também enquanto subsistirem as espécies eucarísticas.”161
•é por motivo dessa verdade de fé, que o Direito Canônico determina: “Conservem-se
na píxide ou num vaso as hóstias consagradas, em quantidade suficiente para as
necessidades dos fieis, e renovem-se com frequência, consumindo-se devidamente as
antigas.”162

6. Jesus Cristo na Eucaristia deve ser honrado com um culto divino (de fé).

•tal afirmação é, antes de tudo, uma consequência lógica da presença real, física,
substancial, e permanente do Senhor no Sacramento;
•além disso, os parágrafos do Concílio de Trento a respeito do culto de latria à
Eucaristia se apoiam também em algumas passagens das Escrituras, que mencionam
atitudes de adoração à Pessoa do Senhor Jesus, a saber: Hb 1,6 (que cita o Sl 97,7:
“Adorem-no todos os anjos de Deus”); Mt 2,11 (a adoração dos reis magos); Mt 28,17
(os Apóstolos se prostram diante do Senhor, na Galileia); Lc 24,52 (os Apóstolos se
prostram diante do Senhor, durante a Ascensão). É de novo uma consequência lógica da
realidade deste Sacramento;163
•interessante ainda é o fato de Trento considerar, nas entrelinhas, a contra-argumentação
de que o Santíssimo Sacramento fora instituído por Cristo Senhor para ser tomado como
alimento (cf. Mt 26,26-29), “já que cremos estar nele presente aquele mesmo Deus.”164
•é de se notar também que, como se viu no texto acima das Catequeses Mistagógicas, já
existiam testemunhos antigos dos Padres, mencionando a reverência e a adoração à
Eucaristia. Naquele texto se lê: “inclinando-te, e num gesto de adoração e respeito, dize
«amém»”.165
•Trento ainda se apoia sobre o testemunho consuetudinário recebido ao longo dos
tempos da própria Igreja, ao dizer:
Igualmente, nenhum lugar deixa dúvida de que, conforme o costume recebido desde
sempre da Igreja católica, todos os fieis de Cristo exibam, na veneração a este Santíssimo
Sacramento, o culto de latria, que de fato se deve a Deus. (...) Declara além disso o santo
Concílio que muito piedosa e religiosamente foi introduzido na Igreja de Deus o costume
que todos os anos, determinado dia festivo, se celebre este excelso e venerável
Sacramento com singular veneração e solenidade, e reverente e honradamente seja levado
em procissão pelas ruas e lugares públicos.166

7. A matéria válida da Eucaristia são o pão de trigo e o vinho de uva (de fé).

•em virtude da controvérsia com o costume das igrejas católicas de rito oriental
(denominados também “os gregos”) de usar pão fermentado, ficou resolvido, no II
Concílio de Lião (1274), que cada igreja deveria conservar seu próprio costume. Assim,

161
CEC 1377.
162
CIC 939. A respeito do costume da conservação da Eucaristia no sacrário, já conhecido desde o tempo
do Concílio de Niceia, se referiu Trento, em DH 1645. Na Antiguidade Cristã, usaram-se também as
“Palomas Eucarísticas (pombinhas de chumbo ou outro material resistente, para a Sagrada Reserva).
163
são os parágrafos de: DH 1643-1644.
164
DH 1643.
165
CIRILO (JOÃO?) DE JERUSALÉM. Catequeses Mistagógicas V, 22.
166
DH 1643; 1644.

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o Papa Eugênio IV, no Concílio de Florença, através da Bula Laetentur caeli (de 06 de
julho de 1439), se pronunciou:
Definimos que o corpo de Cristo se consagra verdadeiramente com pão de trigo ázimo ou
fermentado, seja com um, seja com outro, devem os sacerdotes consagrar o corpo do
Senhor, cada qual segundo o costume de sua Igreja, oriental ou ocidental.167
•mais tarde, em 22 de novembro de 1439, o mesmo Eugênio IV, no Decreto para os
Armênios, assim diz:
O terceiro sacramento é o da Eucaristia, cuja matéria é o pão de trigo e o vinho da videira,
ao que antes da consagração se deve acrescentar uma quantidade muito módica de
168
água.
•igualmente repete o Catecismo da Igreja Católica: “Encontram-se no cerne da
celebração da Eucaristia o pão e o vinho, os quais, pelas palavras de Cristo e pela
invocação do Espírito Santo, se tornam o Corpo e o Sangue de Cristo.”169 E ainda: “Os
sinais essenciais do Sacramento Eucarístico são o pão de trigo e o vinho de uva...”.170
•que o Senhor tenha usado pão e vinho, é certo, segundo os relatos dos Evangelhos.
Quanto ao pão sem fermento, é de se supor com grande probabilidade, haja vista o fato
de ter instituído a Eucaristia segundo o rito pascal hebraico, que o exigia (cf. Ex 34,18);
•quanto à mistura de água ao vinho, era um costume do seu lugar, e assim se pode supor
que Jesus tenha feito o mesmo.

8. Deve-se considerar como forma da Eucaristia as palavras com as quais Jesus


apresentou o sacramento aos Apóstolos (próximo à fé).171

•ainda no Concílio de Florença, o Papa Eugênio IV (Decreto para os Armênios, de 22 de


novembro de 1439), assim declara:
A forma deste sacramento são as palavras com que o Salvador consagrou este
sacramento, pois o sacerdote consagra este sacramento falando in persona Christi.
Porque, em virtude das mesmas palavras, se convertem a substância do pão no corpo e a
substância do vinho no sangue de Cristo (...).172
•embora a Patrística mais antiga (como a Didaché, Justino e outros) fale apenas, em
termos gerais, de orações e invocações que eram feitas sobre o pão e o vinho,

167
DH 1303.
168
DH 1320. Interessante as explicações a respeito do acréscimo da água ao vinho, que aparecem em
sequência, neste mesmo número.
169
CEC 1333.
170
CEC 1412.
171
Isto é: não se trata de matéria proclamada a modo de um ato definitivo do Magistério. Assim diz
Bartmann: “Existem algumas declarações oficiais da Igreja, embora falte uma definição formal.”:
BARTMANN, vol. 3, p. 183. Como define o Vaticano I, na Constituição dogmática Dei Filius, de 24 de
abril de 1870, “devem ser cridas com fé divina e católica todas aquelas coisas que estão contidas na
Palavra de Deus escrita ou por tradição, e são propostas pela Igreja para serem cridas como divinamente
reveladas, seja por solene juízo, seja por seu ordinário e universal magistério.”: DH 3011. Interessante
aquilo que acrescenta Christoph Böttigheimer em seu artigo no Novo Léxico da Teologia Dogmática
Católica: “A pergunta sobre como pode o dogma ser diferenciado nitidamente das outras doutrinas do
magistério eclesiástico (DH 1684;1880;2007s.;2113;2313) se tornou mais aguda quando, em 1998, o
magistério romano introduziu como categoria nova as sentenças doutrinais ‘definitivas’ (cân. 750;752,
CIC/2001).”: BÖTTIGHEIMER, C. Dogma/proposições dogmáticas. In: BEINERT, W.-
STUBENRAUCH, B. (edts.) Novo Léxico da Teologia Dogmática Católica. Petrópolis: Vozes, 2015, pp.
160-162.
172
DH 1321.

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encontramos, já no séc. II, testemunhos indicando as palavras da narrativa da


instituição. Clemente de Alexandria (séc. II), por exemplo, assim diz:
(O Senhor) abençoou o vinho dizendo: Tomai e bebei: este é o meu sangue...derramado
por muitos para a remissão dos pecados.173
•é, todavia, no Ocidente, e mais especificamente, a partir de S. Ambrósio (séc. IV), que
a Tradição precisará a forma e o momento da consagração quando se pronunciam as
palavras da narrativa da instituição. Diz S. Ambrósio:
O próprio Senhor Jesus proclama: “Isto é o meu corpo”. Antes da bênção com as palavras
celestes é chamada por outra espécie; depois da consagração, é o corpo que é designado.
Ele mesmo diz que é o seu sangue. Antes da consagração é chamado de outro modo;
174
depois da consagração, é chamado sangue. E tu dizes: “Amém”, isto é: É verdadeiro.
•há também entre os Padres de língua grega testemunhos assim. É eloquente o de S.
João Crisóstomo, segundo o qual a consagração ocorre no momento em que são
pronunciadas as palavras da instituição. Assim, no De Proditione Iudae, afirma: “Ele
diz: Este é o meu corpo. Esta palavra transforma as ofertas.”175 Já S. João Damasceno
(séc. VIII) “une as palavras da instituição, com a epiclese (De fide orth, 4,13).”176
•mesmo assim, não há uma unanimidade quanto aos testemunhos patrísticos a respeito
da fórmula. Se, como já foi dito acima, o Ocidente se reporta à tradição de S. Ambrósio,
no Oriente “ao invés, o desenvolvimento aconteceu de maneira que, pouco a pouco, se
chegou a pôr o momento da consagração somente na epiclese.”177
•para nós, importa a definição estabelecida já há séculos, quanto às palavras da narrativa
da instituição como forma da Eucaristia, como sintetiza o Catecismo:
No relato da instituição, a força das palavras e da ação de Cristo, e o poder do Espírito
Santo, tornam sacramentalmente presentes, sob as espécies do pão e do vinho, o Corpo e
o Sangue de Cristo, seu sacrifício oferecido na cruz uma vez por todas.178

9. O poder de consagrar a Eucaristia pertence somente aos sacerdotes (de fé).

•tratando-se de uma verdade de fé que normalmente se estuda mais longamente na


disciplina de Ordem e Ministérios, apenas apontamos aqui os textos conciliares que lhe
são referentes, e a definem.
Assim afirma o IV Concílio de Latrão (11 a 30 de novembro de 1215):
Em verdade, uma só é a Igreja universal dos fieis, fora da qual ninguém absolutamente se
salva, na qual o próprio Jesus Cristo é igualmente sacerdote e sacrifício, cujo corpo e

173
CLEM. ALEX., paed. II,2,32,1 (p. 341, de Fuentes Patrísticas).
174
AMBRÓSIO, myst. 9,54.
175
JOÃO CRISÓSTOMO, hom. 1 e 2 de proditione Iudae 6 (PG 49,380.389).
176
BARTMANN, vol. 3, p. 184.
177
BARTMANN, vol. 3, p. 184.
178
CEC 1353. A respeito desse tema da discussão litúrgica com as igrejas católicas de Tradição oriental,
quanto ao momento da consagração (narrativa da instituição? epiclese?), penso ser útil considerar o que
diz Dionisio Borobio: “Convém dizer algo agora sobre a ‘forma’ ou as palavras que acompanham os
signos, posto que são parte essencial, determinante de seu significado e sentido, visto que são levados ao
altar e se realiza sobre eles uma ação que representa o que Jesus fez na última Ceia. Esta ‘forma’ ou
palavra tem seu próprio centro no relato da instituição ou palavras da da consagração (anamnese), unidas
à invocação do Espírito Santo (epiclese), e no contexto da ‘anáfora’ ou oração eucarística. A consagração
não se proclama isolada, mas no contexto da oração eucarística, com todos os elementos que a
compõem...”: BOROBIO, D. História e Teologia comparada dos Sacramentos. O princípio da analogia
sacramental. S. Paulo: Loyola; Ave-Maria, 2017, p. 154.

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sangue estão contidos no sacramento do altar sob as espécies de pão e vinho, uma vez
transubstanciados o pão no corpo, e o vinho no sangue, pelo poder divino, a fim de que,
para aperfeiçoar o mistério da unidade, nós recebamos daquilo que é seu, aquilo que Ele
recebeu do que é nosso. E este sacramento, ninguém certamente pode realizá-lo sem o
sacerdote que tiver sido de fato ordenado, segundo as chaves da Igreja, que o mesmo
179
Jesus Cristo concedeu aos Apóstolos e aos seus sucessores.
Mais tarde, diz o Concílio de Trento:
Se alguém disser que, com as palavras: “Fazei isto em minha memória” [Lc 22,19;1Cor
11,24] Cristo não instituiu como sacerdotes a seus Apóstolos, ou que não ordenou que
eles e os outros sacerdotes oferecessem seu corpo e sangue: seja anátema.180

10. Todos os fieis em estado de graça de Deus podem receber salutarmente o


sacramento da Eucaristia (de fé).

O Concílio de Florença diz:


O efeito que este sacramento opera na alma daquele que dignamente o recebe é a união
do homem com Cristo. E como pela graça se incorpora o homem a Cristo e se une a seus
membros, se segue que por este sacramento se aumente a graça nos que dignamente o
recebem (...).181
E Trento acrescenta:
Se alguém disser que somente a fé é preparação suficiente para receber o sacramento da
Eucaristia: seja excomungado. E para que tão grande sacramento não seja recebido
indignamente, e mesmo para morte e condenação, o mesmo santo Concílio estabelece e
declara que aqueles aos quais pese a consciência de pecado mortal, ainda que se
considerem muito contritos, devem necessariamente fazer prévia confissão sacramental,
182
havendo oportunidade de confessor (facilidade de se confessar).
•no que tange a essa última afirmação, é esclarecedor o que se diz no comentário ao cân.
916 da edição portuguesa do Código de Direito Canônico.183 Tal comentário afirma:
Este c. refere-se ao que realiza ou recebe o sacramento. Com efeito, um ato de perfeita
contrição perdoa o pecado mortal; porém – como lembra o segundo preceito da Igreja –
permanece a obrigação de se confessar antes da recepção da Eucaristia; obrigação que só
se dispensa a iure quando coincidem, suposta a perfeita contrição, estas duas condições:
1) causa grave: perigo de morte, ou de infâmia se não celebra ou comunga; 2)
impossibilidade de se confessar previamente, por falta de confessor idôneo (cfr. Concílio
de Trento, Sess. 13 c. 11). Naturalmente, o ato de contrição, como parte integrante da sua
perfeição, exige o propósito firme de confessar-se, que deve ser satisfeito o mais
rapidamente possível.184
O Catecismo, sem entrar nesses pormenores, simplesmente diz:

179
DH 802.
180
DH 1752.
181
DH 1322. O sublinhado é meu.
182
DH 1661. O sublinhado é meu.
183
O cân. 916 diz: “Quem estiver consciente de pecado grave não celebre Missa nem comungue o Corpo
do Senhor, sem fazer previamente a confissão sacramental, a não ser que exista uma razão grave e não
tenha oportunidade de se confessar; neste caso, porém, lembre-se que tem obrigação de fazer um ato de
contrição perfeita, que inclui o propósito de se confessar quanto antes.”
184
Código de Direito Canônico, edição portuguesa (Edições Theologica – Braga, 1984, p. 575, nota ao
cân. 916). “A iure”, i.e: desconsiderada a lei jurídica, a norma jurídica.

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Quem quer receber a Cristo na comunhão eucarística deve estar em estado de graça. Se
alguém tem consciência de ter pecado mortalmente, não deve comungar a Eucaristia sem
ter recebido previamente a absolvição no sacramento da penitência.185

11. Os efeitos da Eucaristia.

São eles:

1º) “A Comunhão aumenta a nossa união com Cristo.”186

O CEC fundamenta essa afirmação com as passagens bíblicas de:

→Jo 6,56: Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue permanece em mim e eu
nele.
→Jo 6,57: Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, também aquele
que de mim se alimenta viverá por mim.
Diz o Concílio de Florença (Eugênio IV, Decreto para os Armênios):
O efeito que este sacramento opera na alma daquele que dignamente o recebe é a união
do homem com Cristo. E como pela graça se incorpora o homem a Cristo e se une a seus
membros, se segue que por este sacramento se aumenta a graça em todos os que
dignamente o recebem; e todo o efeito que a comida e bebida material operam no que
tange à vida corporal, sustentando, aumentando, reparando e deleitando, este sacramento
o opera relativamente à vida espiritual.187
E, mais tarde, assim diz Trento:
(O Senhor) quis que este sacramento se tornasse como alimento espiritual das almas (...)
pelo qual se alimentem e fortaleçam os que vivem da vida dAquele que disse: “Aquele
que me come, também ele viverá por mim” [Jo 6,57]...188
•essa união com Cristo pode ser entendida em duplo senso: sacramental e místico. A
sacramental é exterior e corporal, e cessa quando terminam em nosso interior as
espécies recebidas.
Já a união íntima e mística continua, e consiste no fundamento para o cotidiano do
cristão, que encontra nela as forças para cumprir seus deveres, e viver a caridade cristã.
De fato, diz o Catecismo: “Como o alimento corporal serve para restaurar a perda das
forças, a Eucaristia fortalece a caridade que, na vida diária, tende a arrefecer.”189

2º) “A Comunhão separa-nos do pecado.”190

•o Catecismo diz: “(...) a Eucaristia não pode unir-nos a Cristo sem purificar-nos ao
mesmo tempo dos pecados cometidos e sem preservar-nos dos pecados futuros.”191
•segundo Trento, a Eucaristia é “como um antídoto, pelo qual somos liberados das
culpas cotidianas e preservados dos pecados mortais.”192 Ela portanto cancela os

185
CEC 1415.
186
CEC 1391.
187
DH 1322.
188
DH 1638.
189
CEC 1394.
190
CEC 1393.
191
CEC 1393.
192
DH 1638; CEC 1395.

39
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pecados veniais.193 Além disso, segundo S. Tomás, ela perdoa as penas temporais, mas
o grau da sua remissão depende também, segundo o mesmo autor, do grau da devoção
pessoal.194

3º) A Comunhão promove a unidade dos membros do Corpo Místico, já que a


Eucaristia faz a Igreja.195

•O CEC 1396 faz essa afirmação, compreendendo-a como decorrência da íntima união
do fiel com Cristo, por receber a Eucaristia.
A comunhão renova, fortalece, aprofunda esta incorporação à Igreja, realizada já pelo
batismo. No batismo fomos chamados a constituir um só corpo. A Eucaristia realiza este
apelo.196

•na SE, é eloquente o texto bíblico de 1Cor 10,16-17, referente a esse efeito da
Eucaristia;
•é igualmente bastante conhecida a frase de S. Agostinho, no seu Comentário a Jo,
quando disse:
Ó sacramento de piedade, ó sinal de unidade, ó vínculo de caridade! Quem quer viver,
tem onde viver, tem donde extrair a vida. Aproxime-se, creia, será incorporado, será
vivificado. (...) Os fieis demonstram conhecer o corpo de Cristo, se não transcuram ser o
corpo de Cristo. (...) É isso que diz o Apóstolo, quando nos fala deste pão: já que há um
só pão, nós, embora sendo muitos, somos um só corpo (1Cor 10,17). Mistério de amor!
Símbolo de unidade! Vínculo de caridade! Creia, entre para fazer parte do Corpo, e será
vivificado. Não despreze pertencer ao corpo dos membros, não seja um membro
infeccionado que se deva amputar, não seja um membro disforme, do qual se deva
enrubescer. Seja belo, seja válido, seja são, permaneça unido ao corpo, viva de Deus por
Deus; suporte toda fadiga na terra, para reinar depois no céu.197

•ainda dentro deste tópico, pertence o efeito eucarístic do perdão. Nesse sentido, é muito
significativo aquilo que nos apontava o então Papa Bento XVI, em sua Exortação
Apostólica Sacramentum Caritatis (22/02/2007):
Durante a assembleia sinodal ouvimos, comovidos, testemunhos muito significativos
sobre a eficácia deste sacramento na obra de pacificação. A tal respeito, afirma-se
na Propositio 49: “Graças às celebrações eucarísticas, povos em conflito puderam reunir-
se ao redor da palavra de Deus, ouvir o seu anúncio profético da reconciliação através do
perdão gratuito, receber a graça da conversão que permite a comunhão no mesmo pão e
198
no mesmo cálice.”
4º) a Comunhão abranda e diminui a concupiscência.199

•trata-se de um ensinamento comum de que “a Eucaristia abranda as paixões de quem a


recebe dignamente, (como) já foi dito inúmeras vezes pelos Padres.”200

193
CEC 1394.
194
STh. III,q. 79, a.5. Cf. também: BARTMANN, vol. 3, p. 195.
195
CEC 1396.
196
CEC 1396.
197
AGOSTINHO, in Io. tr. 26, intr.; 26,13.
198
Sacramentum Caritatis 89, à nota 242.
199
BARTMANN, vol. 3, p. 195.
200
BARTMANN, vol. 3, p. 195.

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•de modo semelhante, assim explica o Pe. Tanquerey:


(...) o Espírito Santo que vive na alma humana de Jesus, permanece em nós, em virtude da
mesma afinidade especial contraída com Este pela comunhão sacramental, e opera em nós
disposições interiores semelhantes às de Nosso Senhor: pelas súplicas de Jesus, que não
cessa de interceder por nós, concede Ele graças atuais mais abundantes e eficazes,
preserva-nos com especial cuidado das tentações, produz em nós impressões de graça,
dirige a nossa alma e as suas faculdades, fala-nos ao coração, fortifica-nos a vontade,
aviva-nos o amor, e continua assim em nossa alma os efeitos da comunhão
sacramental.201

5º) a Comunhão é causa da ressurreição da carne.202

•trata-se de novo de uma consequência lógica, por motivo da união sacramental e


mística de nossos corpos com o Corpo e o Sangue do Senhor.

A respeito disso, já afirmava S. Irineu, no séc. II:


Como a cepa de videira plantada na terra frutifica no seu tempo e o grão de trigo caindo
na terra, decompondo-se, ressurge multiplicado pelo Espírito de Deus que sustenta todas
as coisas e que, pela inteligência, são postas ao serviço dos homens e, recebendo a
palavra de Deus, se tornam eucaristia, isto é, o corpo e o sangue de Cristo, da mesma
forma os nossos corpos, alimentados por esta eucaristia, depois de ser depostos na terra e
se terem decomposto, ressuscitarão, no seu tempo, quando o Verbo de Deus os fará
ressuscitar para a glória de Deus Pai, porque Ele dará a imortalidade ao que é mortal e a
203
incorruptibilidade ao que é corruptível, pois o poder de Deus se manifesta na fraqueza.

6º) “a Eucaristia é...antecipação da glória celeste.”204

•fundamenta-se tal efeito eucarístico com a Esperança teologal, já que a Igreja aguarda,
com firme certeza, a vinda do seu Senhor. Mas, tal certeza é sacramentalmente
antecipada em cada Celebração da Eucaristia, pois Aquele que vem (cf. Ap 1,4) é o
mesmo que já está presente, com sua humanidade inteira glorificada, e unida à sua
divindade, no Santíssimo Sacramento (ainda que de maneira velada).

7º) “A Eucaristia compromete com os pobres.”205

•para ilustrar tal verdade, é muito atual aquilo que sobre isso se diz na Sacramentum
Caritatis:
O Senhor Jesus, pão de vida eterna, incita a tornarmo-nos atentos às situações de indigência
em que ainda vive grande parte da humanidade: são situações cuja causa se fica a dever,
frequentemente, a uma clara e preocupante responsabilidade dos homens. (...).O alimento da
verdade leva-nos a denunciar as situações indignas do homem, nas quais se morre à míngua
de alimento por causa da injustiça e da exploração, e dá-nos nova força e coragem para
trabalhar sem descanso na edificação da civilização do amor.206

201
TANQUEREY, AD. Compêndio de Teologia Ascética e Mística. Porto: Livraria Apostolado da
Imprensa, 1940 (3ª. edição portuguesa), p. 194.
202
BARTMANN, vol. 3, p. 195.
203
IRINEU, adv. haer. V,2,3.
204
CEC 1402.
205
CEC 1397.
206
Sacramentum Caritatis 90.

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12. Embora os adultos sejam estritamente obrigados por lei divina e preceito
eclesiástico a receber a Eucaristia, todavia, não é indispensável para a salvação (de
fé).207

•o Concílio de Trento apresenta como meios necessários à salvação somente o


Batismo,208 e a Penitência para quem caiu em pecado mortal depois do Batismo.209
Quanto à Eucaristia, obriga-a aos adultos, ao menos anualmente, já que, sem ela, se
exporiam à perda da salvação.210 Ora, se a Igreja (ao menos de rito latino) nega às
crianças, até à idade da razão, a Eucaristia, é porque, embora necessária de preceito, não
o é de meio.
•para S. Tomás, enfim, a despeito de opiniões contrárias (como a de S. Boaventura 211 , a
Eucaristia é necessária à salvação, ao menos em desejo. Ele diz:
(...) sem o voto de receber este sacramento ninguém pode salvar-se. Ora, este voto seria
em vão, se não se concretizasse, quando se oferece a oportunidade. Por isso, é evidente
que se é obrigado a receber este sacramento, não só por causa do mandamento da Igreja,
mas também por determinação do Senhor que disse: “Fazei isto em minha memória”.212
Mas, completa:
Deve-se dizer que este sacramento não é absolutamente necessário como o batismo,
quanto o é para a salvação das crianças, que podem se salvar sem a Eucaristia, mas não
213
sem o batismo. Quanto aos adultos, porém, ambos são absolutamente necessários.

13. O Sacrifício da Missa.

•a doutrina da Missa enquanto verdadeiro Sacrifício, aquele mesmo ocorrido no


Calvário, ainda que de modo distinto, foi também considerado de maneira especial pela
Teologia escolástica e do Concílio de Trento, em virtude mais uma vez da negação a tal
verdade de fé da parte dos Reformadores;
•de fato, conforme aquilo que vimos acima, no que tange à fundamentação bíblica da
Eucaristia, não restam dúvidas de que, na Última Ceia, o Senhor Jesus intencionou
identificar o rito do pão e do vinho da noite da Paixão com a sua carne e o seu sangue,
que seriam imolados sobre a cruz. Quanto a isso, servem de testemunho os relatos da
narrativa da Instituição dos Sinóticos, e o relato paulino.214 Todavia, restam ainda duas

207
BARTMANN, vol. 3, p. 198.
208
DH 1618: “Se alguém disser que o batismo é livre, isto é, não necessário para a salvação: seja
anátema.”
209
DH 1706: “Se alguém disser que a confissão sacramental...não é necessária para a salvação por direito
divino...: seja excomungado.”
210
DH 1659. Cf. também: DH 812 (IV Concílio de Latrão, de 1215): ”Cada fiel, de um e de outro sexo,
chegando à idade da razão, confesse lealmente, sozinho, todos os seus pecados a seu próprio sacerdote, ao
menos uma vez ao ano, e se aplique a cumprir, segundo suas forças, a penitência que lhe foi imposta;
receba com reverência, ao menos pela Páscoa, o sacramento da Eucaristia, a não ser que, por conselho de
seu próprio sacerdote, por um motivo razoável, julgue dever abster-se por certo tempo; de outro modo,
lhe seja negada a entrada na igreja durante a vida ou a sepultura cristã após a morte. Esta salutar
disposição seja publicada freqüentemente nas igrejas, para que ninguém se esconda por trás da desculpa
da ignorância. Se alguém, por justo motivo, desejar confessar os seus pecados a um outro sacerdote, antes
peça e obtenha a licença de seu próprio sacerdote; do contrário, o outro não teria o poder de absolvê-lo ou
de ligá-lo.” Cf. também: CEC 1389; 1417.
211
BARTMANN, vol. 3, p. 200.
212
STh. III, q. 80, a. 11.
213
STh. III, q. 80, a. 11, ad 2um.
214
Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,14-20; 1Cor 11,23-27.

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dificuldades a serem fundamentadas biblicamente: a primeira, no que se refere ao


reconhecimento de Cristo como Sacerdote; a segunda, no que diz respeito à
identificação entre o que foi realizado no Cenáculo pelo Senhor, e aquilo que se realiza
na Missa;
•trata-se portanto de uma sequência dedutiva, a modo silogístico que, a partir da SE e da
reflexão teológica (particularmente a tomista),215 Trento sintetizou em sua 22ª. sessão
(de 17 de setembro de 1562), e na 23ª. sessão (de 15 de julho de 1563), ambas sob o
pontificado de Pio IV. Mais precisamente, se trata dos números de DH 1738-1742, e de
DH 1764. O primeiro bloco trata da doutrina sobre o sacrifício da Missa; o número
1764, sobre a Ordem;

•em síntese:

1) o Senhor instituiu a Eucaristia na Última Ceia, identificando o pão e o vinho daquele


rito com a sua carne e o seu sangue que seriam imolados historicamente depois, no
Calvário. Portanto, identificou aquele gesto, ainda que ele fosse em modo ritual, com a
imolação sacrificial da cruz ainda a ocorrer;
2) naquela mesma ocasião, legou aos seus Apóstolos a ordem de celebrá-lo em sua
memória: fazei isto em memória de mim. Tal ordem não se pode compreender sem que
confiasse aos mesmos Apóstolos o poder espiritual de re-presentar (repraesentare), i.e,
tornar presente, aquele mesmo rito-sacrifício que Ele mesmo fizera;
3) porém, em virtude do sacerdócio levítico do AT, que exigia a pertença genealógica à
tribo sacerdotal, bem como o exercício do sacerdócio no Templo de Jerusalém, havia a
dificuldade de se compreender Cristo como sacerdote, e assim denominá-lo. Tal
dificuldade já fora resolvida no séc. I, com a teologia da Carta aos Hb (especialmente
em Hb 5; 7): não se trata agora de sacrifícios, mas de um único sacrifício, que substitui
todos os demais, oferecido por um único Sacerdote (Cristo), que é simultaneamente
Vítima e Altar (cf. Hb 7,27). Não se trata igualmente de um sacerdócio por força de
herança tribal, mas sem genealogia, a modo daquele de Melquisedec (cf. Hb 7,3);
4) ora, se assim é, então se compreende que pela ordem fazei isto em memória de mim,
o Senhor havia dado aos seus Apóstolos o poder espiritual de tornar presente (re-
praesentare) posteriormente, durante a vida deles, o rito eucarístico, o qual era, por sua
vez, “uma espécie de imagem representativa da paixão de Cristo”,216 como diz S. Tomás
(entendendo-se aqui “representação” no sentido de “tornar presente”);
5) mas, e quanto aos sucessores dos Apóstolos (bispos e presbíteros)? Como sustentar a
continuidade da comunicação do poder espiritual dos Apóstolos aos seus pósteros no
ministério? Nesse caso, o Concílio retoma a teologia de Hb, no que se refere ao conceito
da imutabilidade do sacerdócio de Cristo, segundo se lê em Hb 7,24s: “Ele (Cristo),
porém, visto que permanece para a eternidade, possui sacerdócio imutável...visto que
ele vive para sempre para interceder por eles.”). É esta perenidade do único sacerdócio
de Cristo a garantia e a base para se poder afirmar a sua realização e visibilidade no
sacerdócio ministerial.

215
Cf. se lê em: STh. III, q. 83, a. 1. Associa-se a este texto o que S. Tomás diz em: III, q. 79, a. 1, ad 2:
“A partir do fato de que por este sacramento é representada a paixão de Cristo, como já se disse. Desta
sorte, este sacramento produz no homem o mesmo efeito que a paixão produziu no mundo.” (Secundo
consideratur ex eo quod per hoc sacramentum repraesentatur, quod est passio Christi, sicut supra dictum
est. Et ideo effectum quem passio Christi fecit in mundo, hoc sacramentum facit in homine.). Note-se o
uso do verbo “repraesentare”, tornar presente algo já ocorrido.
216
STh. III, q. 83, a. 1: Celebratio autem huius sacramenti, sicut supra dictum est, imago est quaedam
repraesentativa passionis Christi, quae est vera immolatio.

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À guisa de ilustração, reproduzo abaixo os textos do Concílio de Trento acima


elencados acerca dessa verdade de fé: a Missa é essencialmente o único Sacrifício de
Cristo no Calvário, distinto desse apenas quanto ao modo: o do Calvário, em modo
cruento e histórico (ocorrido uma só vez); o da Missa, em modo incruento e “re-
presentativo”.
Para que se mantenha na santa Igreja católica a fé e a doutrina antiga, absoluta e sob
todos os aspectos perfeita, sobre o grande mistério da Eucaristia, e se conserve em sua
pureza, eliminados os erros e heresias, o sacrossanto Concílio ecumênico e geral de
Trento, … instruído pela luz do Espírito Santo, ensina, declara e decreta que se pregue ao
povo fiel o que se segue. Já que no Antigo Testamento – como atesta o Apóstolo Paulo –,
devido à incapacidade do sacerdócio levítico, não havia <ainda> a consumação, foi
necessário, segundo a disposição de Deus, Pai das misericórdias, surgir outro sacerdote
“segundo a ordem de Melquisedec” [Sl 110,4; Hb 5,6;7,11.17; cf. Gn 14,18], nosso
Senhor Jesus Cristo, que pudesse levar à consumação e à perfeição todos os que deviam
ser santificados [cf. Hb 10,14]. Este nosso Deus e Senhor, embora se houvesse de
oferecer, uma só vez, a Deus Pai sobre o altar da cruz por sua morte [cf. Hb 7,27], para
realizar para eles [ali] uma redenção eterna, contudo, porque seu sacerdócio não se devia
extinguir pela morte [cf. Hb 7,24], na última ceia, “na noite em que foi entregue” [1Cor
11,23], para deixar à sua dileta esposa, a Igreja, um sacrifício visível – como a natureza
humana exige –, pelo qual fosse tornado presente aquele sacrifício cruento que se havia
de realizar uma só vez na cruz e seu memorial permanecesse até o fim dos séculos e seu
poder salutar fosse aplicado para a remissão dos pecados que diariamente cometemos,
declarando-se constituído “sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedec” [cf. Sl
110,4;Hb 5,6; 7,17], ofereceu a Deus Pai seu corpo e sangue sob as espécies de pão e de
vinho e, sob os sinais destes, os transmitiu para que os recebessem aos Apóstolos (que
constituía então sacerdotes do Novo Testamento) e, com as palavras: “Fazei isto em meu
memorial” etc. [Lc 22,19; 1Cor 11,24], ordenou-lhes, a eles e a seus sucessores no
sacerdócio, que os oferecessem, como a Igreja católica sempre tem entendido e ensinado
[cân. 2]. De fato, depois de ter celebrado a Páscoa antiga, que a multidão dos filhos de
Israel imolava em memorial da saída do Egito, instituiu a nova Páscoa a ser imolada pela
Igreja por meio dos sacerdotes sob sinais visíveis em memorial de sua passagem deste
mundo ao Pai, quando, pela efusão de seu sangue, nos remiu e “arrancou do poder das
trevas e transportou a seu reino” [Cl 1,13]. Esta é a oblação pura que não pode ser
manchada por nenhuma indignidade ou malícia dos que a oferecem, e que o Senhor, por
Malaquias, predisse que em todo lugar deveria ser oferecida pura a seu nome, o qual
haveria de ser grande entre as nações [cf. Ml 1,11]. O Apóstolo Paulo, escrevendo aos
coríntios, refere-se a ele de modo claro, dizendo que os que estão manchados pela
participação na mesa dos demônios não podem participar da mesa do Senhor [cf. 1Cor
10,21], entendendo em ambos os casos por “mesa” o altar. Finalmente, esta é a <oblação>
prefigurada pelas imagens diversas dos sacrifícios no tempo da natureza e da Lei [cf. Gn
4,4; 8,20; 12,8; 22,1-19; Ex passim], pois abrange, como consumação e perfeição, todos
os bens que estes significam.217
O sacrifício e o sacerdócio estão tão unidos na disposição de Deus que ambos existem em
cada uma das leis. Por conseguinte, como a Igreja Católica recebeu no Novo Testamento,
por instituição do Senhor, o santo sacrifício visível da Eucaristia, é preciso confessar
também que há nela um novo sacerdócio, visível e externo [cân. 1], para o qual o antigo
foi transferido [cf. Hb 7,12ss]. As Sagradas Escrituras mostram e a tradição da Igreja
Católica sempre ensinou que este sacerdócio foi instituído pelo próprio Senhor e Salvador
nosso [cân. 3], e que o poder de consagrar, oferecer e administrar seu corpo e sangue,
bem como de perdoar e reter os pecados, foi transmitido aos Apóstolos e seus sucessores
no sacerdócio [cân. 1].218

217
DH 1738-1742.
218
DH 1764.

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