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Concluindo

Concluindo
Ao aproximar-se de Tebas, Édipo, cujo nome significa “pés inchados”, encontrou a esfinge que
aterrorizava a cidade, pois devorava todos os que não podiam resolver um enigma. A Edipo
perguntou: “Qual é o animal que anda com quatro patas de manhã, duas ao meio dia e três à tarde?
Edipo respondeu corretamente: “E o homem, pois se arrasta nas quatro patas na tenra infância, fica
de pé na idade adulta e caminha com o auxílio de urna bengala na velhice”. O monstro se matou de
despeito e Edipo penetrou em Tebas como libertador.
Um outro enigma subjacente a esse está por resolver: a partir de quando passamos de uma posição a
outra? Lacan, com seu estádio do espelho deu um indicador sobre a constituição do ser humano. O
estádio do espelho marca o esboço do caráter imaginário do ego, projetado de repente como ego
ideal. Propus designar, pela expressão de tempo do espelho quebrado, o momento em que, pelo
contrário, o adulto antecipa o desregramento do ego, a partir da imagem da qual surge a idéia de
perda do controle de sua unidade corporal, com a idéia da própria morte. Dei o nome de “eu feiúra”
a esta forma de ego entrevista no espelho, que, a partir desse instante se quebra ou quebra a relação
do ego com as imagens que o constituem.
Antes de colocar esse novo marco de referência, tive que retomar uma a uma as noções emitidas até
então, por vezes bem velhas, mas que principalmente, sofreram e sofrem ainda deformações de
nossas resistências. Pois estas acabaram por fazer crer que só os velhos envelhecem, depois de
terem suposto uma diminuição da libido com a idade. Ora, nós envelhecemos conforme vivemos e
conforme nosso ideal de ego vela por nós.
A noção de tempo do espelho quebrado nos permitiu
renovar nossa abordagem das neuroses e das psicoses em relação com o envelhecimento.
Enfim, o relato de um caso clínico nos mostrou a possibilidade de explicar a demência senil a partir
da queda do ideal do ego e de sua transformação em feiúra do ego, sem com isso ignorar as lesões
cerebrais e os processos degenerativos.
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Este livro atesta a rejeição constante da morte que se efetivou. Primeiro, através da loucura e, agora,
através da velhice. Assim como nos distanciamos dos loucos pondo-os em asilos, isolamos os
velhos nas casas de repouso ou nos depósitos de espera da morte, designados de MAPAD
(Recolhimento para Pessoas Idosas Dependentes). O repouso soa então como uma retirada do olhar,
do contato... E se a velhice contagiasse como a loucura? A velhice não é bonita de ver porque não
carrega mais consigo o ideal da sociedade do ocidente, ela também em envelhecimento. A
identificação se tornou insustentável quando os velhos endoideceram.
Se por vezes meu estilo tem um tom polêmico aos olhos do leitor desavisado e não envolvido, é
também para exprimir o sofrimento de todos os que trabalham junto de doentes idosos, como para
denunciar a ignorância dos poderes administrativos e políticos que se trancam atrás de um suposto e
transprojetivo saber, sem a experiência da clínica. Há tanta agressividade escondida de baixo de
atividades carismáticas “Só os santos são suficientemente desapegados da mais profunda das
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paixões comuns para evitar os contragolpes agressivos da caridad&93” que é preciso nos dar de
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volta a possibilidade de, às vezes, odiar os velhos para não ter de amá-los. Não é suficiente que a
libido, bloqueada quanto a seu alvo, encontre a sublimação para que haja vida. E preciso também
que a agresividade abra um caminho para fora. Os circundantes sabem reconhecer isso quando,
aliviados de uma angustiante expectativa, murmuram:
“Ele (ela) resmunga em surdina e começa seus protestos de novo, sinal de que está melhor...”
Prosseguindo essa reflexão sobre a abordagem de um fim de vida, talvez possamos aprender mais
sobre seu começo e suas perturbações.
Através de todas essas páginas eu quis mostrar como o envelhecimento, cujo término é a morte, diz
respeito a todos nós. O indivíduo, seja qual for sua idade, permanece um sujeito com desejos, e cujo
apelo é preciso sustentar, até o momento em que a mensagem vire sofrimento.
* (N.T.) Em francês: “Maison d’accueil pour personnes âgées dépendantes”. 140

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