Você está na página 1de 2

O Dragão Vermelho Ataca1

O céu estava claro e sem nuvens naquela fresca noite de outono. O vento soprava
mansamente levando as últimas folhas, secas e amarelas, dos carvalhos e das nogueiras, apenas
os pinheiros se mantinham verdejantes, eram os senhores das colinas, os reis invernais. Nas casas
reinava o silêncio, não havia luz de vela nem choro bebê, como mágica todos dormiam e
sonhavam, era o repouso antes do inverno.
Naquela noite, tranquila como poucas, o inesperado ocorreu. À distância, no fim do
firmamento, aproximava-se uma enorme sombra encobrindo as estrelas do firmamento. Os
poucos guardas despertos e atentos, postos nas torres fronteiriças, observavam aquela sombra e
juravam que se tratavam das nuvens de tempestade que trariam a última chuva da estação.
Nenhum culpa tinham eles, a séculos ninguém via algo vivo daquele tamanho, pelo menos não na
Costa do Mar de Ferro. Ali todos os grandes dragões, as calamidades ancestrais, haviam sido ou
mortos ou expulsos graças aos esforços de Grael, o Terror dos Dragõese e do Conselho dos
Nobres.
Aquilo que parecia ser uma tempestade foi aos poucos se revelando. A medida que o
grande dragão descia dos Picos Chorosos e aproximava-se das colinas fronteiriças, sua forma foi
se desenhando nos céus. A escuridão se dissipou, a noite iluminou-se com o clarão das chamas da
fera e a quietude, até então reinante, deu lugar ao desespero e aos gritos dos homens. Vilas e
campos, cidadelas e fortaleza foram incendiados, destruídos pelas poderosas chamas e pelos
golpes do enfurecido dragão. Seu ódio era tamanho que ele nem mesmo devorava suas vítimas,
ele só tinha interesse em matar e destruir tudo em seu caminho.
Ne’Shala, O fogo dos deuses, era o nome do monstro. Grande como uma montanha, cada
batida de suas asas era como uma tempestade, o ar ao seu redor era tão quente que derretia o mais
grosso dos aços, sua voz ressoava como mil trovões, seu sopro tinha o calor de cem vulcões e
cada passo seu fazia toda terra tremer. Em seu peitoral viam-se três grandes rasgos que desciam
até sua barriga, diz a lenda que foram causados em seu lendário embate com o Garlan, o
Dourado2.

1 Relato retirado das Crônicas dos Bardos – anais e relatos de Porto Duque.
2 Garlan, o Dourado foi um famoso dragão dourado, segundo as lendas populares ele era um dragão
sábio e poderoso, detentor de magias formidáveis e de grande sabedoria sendo amigo dos homens e
dos elfos – teria sido um dos últimos dourados a perecer. Lendas sobre seu covil (uma grande
biblioteca cheia de magia e tesouros fantásticos) permeia o imaginário de muitos até os dias de hoje.
Toda Porto Duque despertou para observar o belo e terrível espetáculo que se desenrolava
nos céus. Prontamente um grupo de magos, sobre as ordens de uma misteriosa figura encapuzada,
se reuniram e graças ao chamado deste sábio e poderoso arcano, eles encantaram a cidade
colocando um escudo que barrou as chamas do poderoso dragão. Após duas ou três tentativas de
incendiar a cidade a criatura urrou de ódio, frustrada e enfurecida ela tentou descer com suas
garras em riste para dilacerar e destruir todos que estivessem a sua frente.
Novamente frustrada, a criatura desceu de seu voo e começou a desferir ataques
diretamente contra a barreira invisível. Aqueles que presenciaram a cena diziam que seus ataques
eram completamente irracionais e descontrolados. A fera soltou outro urro, mas este foi diferente,
parecia mais com um grito de um animal ferido e assim alçou voo partindo para atacar toda
cidade e fortaleza que encontrasse, cessando apenas com o raiar do dia, deixando para trás
milhares de mortos e feridos.
Após o ataque uma onda de feridos e refugiados veio até Porto Duque, muitas famílias
perderam tudo, populações inteiras foram dizimadas. Que nunca esqueçamos aqueles que se
foram, pois certamente nossa terra não esqueceu.

Você também pode gostar