PRINCIPIOS
BASICOS DA PSICANALISE
(1913)
O ORIGINAL ALEMAO DESTE TEXTO € DADO
COMO PERDIDO. FO! PUBLICADO
PRIMEIRAMENTE NUMA VERSAO INGLESA,
“ON PSYCHO-ANALYSIS", EM AUSTRALASIAN
MEDICAL CONGRESS, TRANSACTIONS OF
THE NINTH SESSION, V. 2, PARTE 8 (1913),
PP. 839-42. TRATA-SE DE UMA COMUNICACAO
ENVIADA AO REFERIDO CONGRESSO EM 1911,
MAS PUBLICADA EM SUAS ATAS APENAS
DOIS ANOS DEPOIS. A PRESENTE VERSAO FOI
FEITA COTEJANDO-SE A TRADUCAO INGLESA
E AALEMA (FEITA POR ANNA FREUD A PARTIR
DAQUELA). 0 TITULO QUE AQUI LHE DAMOS
EUMA FORMA LIGEIRAMENTE ABREVIADA
00 TITULO QUE RECEBEU NA EDICAO ALEMA,
“UBER GRUNDPRINZIPIEN UND ABSICHTEN
DER PSYCHOANALYSE” [SOBRE PRINCIPIOS.
BASICOS E INTENCOES DA PSICANALISE],
EM GESAMMELTE WERKE, NACHTRAGSBAND
[VOLUME SUPLEMENTAR], PP. 724-8.Em resposta ao amavel convite do secretario de sua segao de neurologia e
psiquiatria, quero solicitar a atenc3o deste congresso para o tema da psicanal-
ise, que atualmente é objeto de interesse na Europa e nos Estados Unidos.
A psicandlise é uma disciplina singular, em que se combinam um novo tipo
neuroses e um método de tratamento com base nos resultados
de pesquisa da
daquele. Desde ja enfatizo que ela nao é fruto da especulagao, mas da exper-
iéncia, e, portanto, é inacabada enquanto teoria. Mediante suas proprias inquir-
ig6es, cada qual pode se persuadir da corregdo ou incorregao das teses nela
presentes, e contribuir para seu desenvolvimento.
No inicio da psicandlise se acha uma publicagio conjunta minha e de
Breuer, os Estudos sobre a histeria, de 1895. Partindo da histeria, o Ambito de
trabalho da psicandlise estendeu-se para muitos outros distirbios psiquicos.
Vejo como precursores da psicanilise os trabalhos de Charcot sobre a histeria
traumitica, as investigagdes de fendmenos hipnoticos, por Liébault e
Bernheim, e os estudos de Janet sobre processos psiquicos inconscientes. Nao
demoraram a aparecer diferengas entre as concepgées de Janet e a psicanilise,
pois esta a) nao ligava a histeria a uma degeneragao constitucional hereditaria,
b) oferecia, em vez de uma mera descrig4o, uma explicagdo dinamica baseada
na interacéio das forgas psiquicas, ec) atribuia a dissociagao psiquica, cuja im-
portancia fora reconhecida por Janet, nao a um fracasso congénito da sintese
psiquica, mas a um processo psiquico especial, chamado de “repressdo”.
Provou-se que os sintomas histéricos so restos (reminiscéncias) de pro-
fundas experiéncias afetivas que foram subtraidas 4 consciéncia cotidiana, e
que sua forma é determinada, de uma maneira que nao permite descarga mo-
tora, por particularidades do efeito traumatico das experiéncias. Assim, as per-
spectivas terapéuticas esto na possibilidade de anular essa “repressao”,
fazendo com que parte do material psiquico inconsciente se torne consciente e
diminuindo seu efeito patogénico. Nossa concepgio é dinamica, pois vé os
processos psiquicos como deslocamentos de energia psiquica, que podem ser206/275
avaliados pelo montante de seu efeito sobre os elementos afetivos. Isso é muito
importante na histeria, em que os sintomas aparecem pela “conversdo”, isto é,
pela transformagao de impulsos psiquicos em inervacées somiticas.
As primeiras pesquisas psicanaliticas e tentativas de tratamento recorreram
ao método hipnético. Apés o abandono da hipnose, adotou-se a “associagao
livre”, em que o paciente permanece em seu estado de consciéncia normal. Isso
tornou possivel a aplicacao do procedimento a um nimero bem maior de casos
de histeria, a outras neuroses e também a pessoas sadias. Por outro lado, foi
necessdrio desenvolver uma técnica especial de interpretagao, a fim de extrair
conclusées do material revelado na associacio livre. O trabalho de inter-
pretaciio nos levou a certeza de que as dissociagdes psiquicas" so geradas e
mantidas por “resisténcias internas”. Ent&o parece justo concluir que as disso-
ciagdes se ligam estreitamente a conflitos internos, nos quais o impulso subja-
cente ao sintoma cedeu 4 repressao. Para resolver o conflito e, desse modo,
curar a neurose, requer-se a orientag’o de um médico treinado na psicanilise.
Pudemos mostrar, partindo disso, que os sintomas patolégicos de todas as
neuroses sao os produtos finais desses conflitos que levaram a “repressao” e a
“cisdio da psique”. Segundo 0 mecanismo psiquico que entra em a¢ao, os sinto-
mas podem ser: a) formagées substitutivas para impulsos reprimidos; b) form-
agdes de compromisso entre o reprimido e as forgas repressoras; c) formagdes
reativas como salvaguarda contra 0 retorno do reprimido.
Nossas pesquisas se estenderam também as condigdes que determinam se os
conflitos psiquicos levarao a “repressao”, isto é, 4 dissociagdo causada dinam-
icamente, ou se terao um desfecho normal. Sustentamos, na psicandlise, que
esses conflitos sempre se dao entre os instintos sexuais (no mais amplo sentido
da palavra) e os desejos e tendéncias do restante do Eu.” Nas neuroses sao os
instintos sexuais que sucumbem a “repressdo” e, assim, constituem o mais im-
portante material para a sintomatologia.” Os sintomas neuréticos sdo, nesse
sentido, disfargadas formagées substitutivas para satisfacdes sexuai207/275
No que toca a predisposigao para a neurose, a psicandlise acrescentou as in-
fluéncias somaticas e hereditdrias até ent&o reconhecidas uma outra, o fator
“infantil”. Vimo-nos obrigados a relacionar a vida psiquica do paciente a sua
primeira infancia e chegamos A conclusao de que inibigdes do desenvolvi-
mento psiquico (“infantilismos”) tém importante papel na predisposic4o para a
neurose. Nossas investigagGes da vida sexual nos ensinaram, sobretudo, que
realmente existe algo como uma “sexualidade infantil”, que o instinto sexual é
constituido de uma série de instintos parciais e atravessa um complicado curso
de desenvolvimento, cujo resultado final, apds muitas restrigdes e transform-
ages, é a sexualidade “normal” dos adultos. As enigmaticas perversdes do in-
stinto sexual que ocorrem nos adultos aparecem como inibigdes do desenvolvi-
mento, fixagdes ou distorgdes. Assim, as neuroses sdo o negativo das
perversdes.
O desenvolvimento cultural que se imp6e 4 humanidade torna necessdrias
as restrigdes e repressdes dos impulsos sexuais, requerendo maior ou menor
sacrificio conforme a constitui¢do individual. E raro que o desenvolvimento
ocorra sem problemas, e os disttirbios que se apresentam — devido a constitu-
igdo individual ow a incidentes sexuais prematuros — deixam alguma predis-
posicao para futuras neuroses. Essas predisposigdes podem nio ter efeito se a
vida adulta transcorrer de modo tranquilo e satisfatério; mas se tornam pato-
génicas se as condigdes impedirem a satisfac’o da libido ou pedirem exagera-
damente a sua supressao.
Nossas pesquisas sobre a atividade sexual das criangas levaram a apro-
fundar a concepgao do instinto sexual, baseando-a nao em suas metas, mas em
suas fontes. O instinto sexual possui em grande medida a capacidade de se des-
viar do objetivo sexual original e se voltar para outros mais elevados, nao mais
sexuais* (“sublimagiio”). Assim, 0 instinto é capaz de fazer importantes con-
tribuigdes para as conquistas sociais e artisticas da humanidade.
O que constitui a principal caracteristica e diferencia a psicandlise de outras
concepgées da vida mental patolégica é 0 reconhecimento da atuagao208/275
simultanea de trés fatores: “infantilismo”, “sexualidade” e “repressao”. A psic-
andlise também mostra que nao ha diferenga fundamental, mas apenas de grau,
entre a vida psiquica das pessoas normais, dos neuréticos e dos psicéticos.
Uma pessoa normal tem de passar pelas mesmas repressdes e lidar com as mes-
mas formag6es substitutivas; a diferenca é que a solugao dos conflitos se realiza
mais facilmente e com melhores resultados. * Assim, o método psicanalitico de
investigacao pode ser aplicado igualmente a explicagdo de fendmenos psiqui-
cos normais e possibilitou descobrir a intima relagao entre produtos patolégi-
cos e processos psiquicos da vida normal, como os sonhos, os pequenos lapsos
cotidianos, e fendmenos valiosos como os chistes, os mitos e as obras de arte.
Destes, 0 que estudamos mais a fundo foram os sonhos, e chegamos a seguinte
formula geral: “O sonho é a realizagao disfargada de um desejo reprimido”. A
interpretagio dos sonhos tem como objetivo a eliminagao do disfarce que so-
freram os pensamentos do sonhador. Além disso, presta valio:
nica psicanalitica, constituindo o melhor método para penetrar na vida
psiquica inconsciente.
Nos circulos médicos, especialmente nos psiquiatricos, existe a tendéncia de
se opor as teorias da psicandlise sem um verdadeiro estudo ou aplicagao pratica
ajuda na téc-
delas. Isto se deve nao apenas a espantosa novidade dessas teorias e ao contras-
te que elas apresentam as concepgGes até agora mantidas pelos psiquiatras, mas
também ao fato de os pressupostos e a técnica da psicandlise serem muito mais
ligados ao campo da psicologia do que ao da medicina. Nao se pode contestar,
porém, que os ensinamentos puramente médicos e nao psicolégicos con-
tribuiram muito pouco, até aqui, para um entendimento da vida psiquica. O
progresso da psicandlise é também retardado pelo medo que sente o obser-
vador médio de enxergar-se em seu proprio espelho. Os homens de ciéncia
tendem a confrontar resisténcias emocionais com argumentos, convencendo-
se, assim, do que desejam ser convencidos! Quem nao quiser ignorar uma ver-
dade fara bem em desconfiar de su:
s antipatias, e analisar primeiramente a si
mesmo, se pretende submeter ao exame critico a teoria da psicanilise.209/275
Nao creio que nessas poucas frases eu tenha conseguido dar uma imagem
clara dos principios basicos e das intengGes da psicandlise. Acrescentarei uma
lista das principais publicagdes sobre o tema, cujo estudo proporcionaré mais
amplo esclarecimento aqueles cujo interesse eu tenha despertado.
1. Breuer e Freud, Studien iiber Hysterie [Estudos sobre a histeria]. Viena:
Franz Deuticke, 1895. Parte desse livro foi vertida para o inglés pelo dr. A. A.
Brill, em Selected papers on hysteria and other psycho-neuroses, Nova York,
1909.
2. Freud, Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie [Trés ensaios de uma teoria da
sexualidade]. Viena, 1905. Tradugio inglesa do dr. Brill, “Three contributions
to the sexual theory”, Nova York, 1910.
3. Freud, Zur Psychopathologie des Alltagslebens [Psicopatologia da vida co-
tidiana]. Berlim: S. Karger, 32 ed., 1910.
4. Freud, Die Traumdeutung [A interpretagdo dos sonhos]. Viena, 1900, 34 ed.,
IgII.
5. Freud, “The origin and development of psycho-analysis”, American
Journal of Psychology, abril de 1910. Também em alemiao: Uber Psychoanalyse
[Sobre a psicandlise]. Cinco conferéncias proferidas na Clark University,
Worcester, Massachusetts, 1909.
6. Freud, Der Witz und seine Beziehung zum Unbewufsten [O chiste e sus re-
Lago com o inconsciente]. Viena, 1905.
7. Freud, Sammlung kleiner Schrifien zur Neurosenlehre [Colegio de
pequenos textos sobre a teoria das neuroses]. Viena, 1883-1906.
8. Idem, segunda colegao. Viena, 1909.
9. Hitschmann, Freuds Neurosenlehre [A teoria freudiana das neuroses]. Vi-
ena, 1911.
10. C. G. Jung, Diagnostische Assoziationsstudien [Estudos diagnésticos de
associagao], 2 vols., 1906-10.210/275
11. C. G. Jung, Uber die Psychologie der Dementia Praecox [Sobre a psicolo-
gia da dementia praecox], 1907.
12. Jahrbuch fiir psychoanalytische und psychopathologische Forschungen
[Anudrio de Pesquisas Psicanaliticas e Psicopatolégicas], publicado por E.
Bleuler e S. Freud, editado por Jung. Desde 1909.
13. Schriften zur angewandten Seelenkunde [Escritos de psicologia aplicada].
Viena: Franz Deuticke. Desde 1907, 11 partes, por Freud, Jung, Abraham,
Pfister, Rank, Jones, Riklin, Graf, Sadger.
14. Zentralblatt fiir Psychoanalyse [Folha Central de Psicandlise], editado
por A. Adler e W. Stekel. Wiesbaden: J. Bergmann. Desde setembro de 1910.
* Em vez de “as dissociagdes psiquicas” se acha, na versio de Anna Freud, “o fendmeno da
cisdo da consciéncia”.
* No lugar de “os desejos e tendéncias do restante do Eu” se acha, na verso de Anna Freud, “e
as outras partes da personalidade”.
~ “Sintomatologia”: adotamos aqui 0 termo da tradugao de Anna Freud; a versio inglesa diz
“a génese dos sintomas”, seguido de virgula e desta oragao, substituindo a que se lé na presente
versio: “que podem ser vistos, consequentemente, como substitutos para satisfagdes sexuais”.
* Na verso de Anna Freud foram acrescentadas nesse ponto as seguintes palavras: “isto é, para
satisfagdes que reconhecemos como nao sexuais, inibidas na meta”.
~ Na versio inglesa se acha “a tinica diferenga é que lida com esses eventos com menor di-
ficuldade e maior sucesso”.