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HISTÓRIA E (OU) LITERATURA (?

)
A REALIDADE HISTÓRICA E A SUA
REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA NA
HISTORIOGRAFIA E NA KRIEGSLITERATUR 1
DE ERNST JÜNGER – ALGUMAS PROPOSTAS
METODOLÓGICAS
Partindo de posições actuais ou relativamente recentes do campo
dos estudos historiográficos, o presente artigo pretende, em primei-
ro lugar, reflectir sobre as similitudes entre a historiografia e alguns
tipos específicos de literatura como a Kriegsliteratur da República
de Weimar, de que algumas obras de Ernst Jünger constituem um
dos mais importantes paradigmas. Em segundo lugar, como conse-
quência dos resultados dessa reflexão, propor novas metodologias
até agora arredadas dos estudos literários, como o tratamento e
análise de dados estatísticos quantitativos, de modo a fundamen-
tar, sempre que necessário, a análise qualitativa de processos.

José António Santos - ESGHT

Partindo de posições actuais ou a abordar a representação discursiva a inclusão da referencialidade e a


relativamente recentes do campo dos da realidade histórica: uma é o facto afirmação constante do realismo e da
estudos historiográficos, o presente de muitas fontes primárias, como por autenticidade do conteúdo, de modo a
artigo pretende, em primeiro lugar, exemplo diários, livros de memórias, criar expectativas e captar o interesse
reflectir sobre as similitudes entre a relatórios, artigos de jornais e revistas, do leitor; uma terceira razão é o facto
historiografia e alguns tipos específicos cartas e muitos outros documentos, de a Kriegsliteratur de Ernst Jünger não
de literatura como a Kriegsliteratur da poderem ser utilizadas por diferen- se tratar propriamente de literatura de
República de Weimar, de que algumas tes áreas do conhecimento como ficção, mas de literatura autobiográfica
obras de Ernst Jünger constituem um a história e a literatura, dado que o sobre personagens e acontecimentos
dos mais importantes paradigmas. conceito de fonte se alargou extra- históricos reais. O próprio público
Em segundo lugar, como consequên- ordinariamente no século XX; outra valorizava a “autenticidade” deste tipo
cia dos resultados dessa reflexão, razão é que o estilo narrativo utiliza- de literatura, normalmente escrita
propor novas metodologias até agora do em alguns sub-géneros literários por autores que tinham participado
arredadas dos estudos literários, como como a Kriegsliteratur de Ernst Jünger directamente nos fenómenos bélicos
o tratamento e análise de dados manifesta estreitas afinidades com o que relatavam, o que, de certa forma,
estatísticos quantitativos, de modo a da historiografia narrativa, pois aborda, funcionava como uma “garantia” de
fundamentar, sempre que necessário, de forma subjectiva, as vivências de autenticidade; uma quarta razão é a
a análise qualitativa de processos. um acontecimento histórico, utilizando existência de uma carga ideológica
determinados artifícios literários como tanto na Kriegsliteratur de Ernst Jünger
A representação discursiva a alternância entre cenas de clímax como, de modo geral, na historiografia
e de descompressão, a multiplicação ao longo dos tempos, relativamente à
São várias as razões que nos levam dos motivos de interesse, assim como qual alguns autores afirmam que toda

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a historiografia até ao presente teve real quando corresponde a factos narrativa tradicional foi, nos anos vinte
pendor ideológico (cf. White 1987: 82); verdadeiros, realmente acontecidos do século passado, posto em causa
por último, a estreita relação entre ou ficcional, 4 quando corresponde a pelo grupo de historiadores franceses
história e literatura, o que leva alguns factos criados pela imaginação e que dos Annales, que não a consideravam
historiadores a afirmar que a fronteira não tiveram lugar na realidade, um científica, propondo a sua erradicação
entre ambas se dilui completamente 2. narrador que «[…] funciona em todos para que os estudos históricos passas-
Esta similaridade entre a historiografia os textos narrativos como a instância sem a ser considerados uma ciência
e a literatura, com especial realce para enunciadora que conta uma “histó- (cf. White 1990: 31), pois consideravam
a componente literária desta última, ria”» (Aguiar e Silva 1990: 599) e um que a historiografia narrativa dramati-
deve-se essencialmente a uma repre- público ao qual, ao nível da recepção, zava ou romanceava os acontecimen-
sentação discursiva comum a ambas, através de uma descodificação, cabe tos, sendo, assim, mais literária do que
a narração 3. «o esforço da imaginação criadora científica. Este grupo criado à volta de
Achamos agora importante abor- para recriar uma ambiência, dotá-la Marc Bloch e Lucien Febvre, a que se
dar algumas definições do conceito de uma coerência e produzir significa- juntou mais tarde Fernand Braudel pro-
de narração e identificar as suas dos […]» (Pesavento, 2000: 40). Aos punha uma história explicativa global
variantes, nas quais a Kriegsliteratur três elementos referidos deve ainda baseada em processos impessoais
e a historiografia se inserem. Rela- ser adicionado um quarto elemento, como a análise das tendências de lon-
tivamente ao conceito de narração, presente ao nível da codificação, go prazo na economia e na sociedade,
constatamos, em primeiro lugar, uma que é a forma da narração de acordo ou a articulação dos factos históricos
certa ambiguidade em relação ao com o tipo de linguagem utilizado, económicos com as formas de orga-
mesmo, pois alguns autores atribuem- ou seja, a linguagem do dia a dia ou nização social. Alguns autores situam
-lhe vários significados. Por exemplo a linguagem poética 5. Partindo das esta concepção da historiografia no
Gérard Genette (1998: 15) apresenta antinomias aos níveis do assunto e da âmbito do modernismo, de forma a di-
três acepções diferentes nas quais a linguagem, nomeadamente real vs. ferenciá-la da concepção pós-moderna
palavra narração pode ser utilizada: ficcional e poética vs. não poética, da historiografia:
como discurso oral ou escrito que rela- temos quatro combinações possíveis A concepção moderna acentua a sua
ta um acontecimento ou um conjunto de narração, que são: (assunto) real, relação com a investigação: A histo-
de acontecimentos; como sequência (linguagem) poética; (assunto) real, riografia apresenta um saber histórico
de acontecimentos reais ou fictivos (linguagem) não poética; (assunto) que é conseguido através de processos
que são objecto do discurso; e como o ficcional, (linguagem) poética; e empíricos de investigação metodica-
próprio acto da narração, sempre que (assunto) ficcional, (linguagem) não mente organizados e que, por isso, se
alguém narra algo a alguém. Porém, poética. Destas, verificamos ser a distingue pela qualidade especifica-
na sua acepção mais corrente, a narra- primeira o tipo de narração utilizado mente científica da sua racionalidade
ção é essencialmente uma «forma do quer pela generalidade da historiogra- metódica. A concepção pós-moderna
discurso cujo objectivo principal é o de fia, quer pela Kriegsliteratur de Ernst acentua a força criadora, com a qual os
relatar um evento ou uma sucessão de Jünger, muito especialmente na obra autores formam o seu saber histórico e
eventos» (Shaw 1982: 312). Todas estas In Stahlgewittern. se dirigem ao seu público e que confere
definicões deixam antever algumas à historiografia uma qualidade prima-
características básicas da narração, Historiografia ou Literatura? riamente poética ou retórica 6 . (Rüsen,
tais como as enunciadas por Sandra 1990: 1)
Pesavento: De acordo com o ponto de vista da Verificamos assim, que a principal
Assim, há sempre a presença de um historiografia tradicional, os historia- diferença entre as duas concepções
narrador que mediatiza aquilo que viu, dores, ao contrário dos escritores de reside na acentuação da metodologia
vê ou ouviu falar e que conta e explica a ficção, não inventariam nada, apenas utilizada quer na pesquisa, quer na
terceiros uma situação não presenciada tornariam as suas histórias, conside- produção historiográfica. Ao passo que
por estes. Interpõe-se, assim, um princí- radas naturalmente verdadeiras, atra- a primeira concepção acentua o ca-
pio de inteligibilidade e de proposta do entes para o público (cf. White 1990: rácter impessoal de todo o processo, a
ocorrido, que é representado – re-apre- ix- x). A tarefa do historiador seria segunda concepção acentua exacta-
sentado – a um público, ouvinte e leitor. recontar os acontecimentos passados mente o contrário, ou seja, a subjecti-
(Pesavento, 2000: 34) de uma forma narrativa considera- vidade e a criatividade envolvidas na
Os três elementos básicos da da neutra, mas que tornasse esses interpretação da história e o carácter
narração presentes nesta citação acontecimentos vivos e interessantes retórico ou poético da sua represen-
são, pois, um assunto, que pode ser para o leitor. Este tipo de historiografia tação. A concepção pós-moderna da
historiografia põe em causa, a partir discursiva dos factos históricos pois, como ciência e não como arte. Por outro
dos anos sessenta do século vinte, a por um lado, esta é o resultado de um lado, não é possível negar e omitir que
cientificidade da mesma, desfazendo processo subjectivo de interpretação, o produto desta actividade científica
a convicção de que seja possível os dependente naturalmente da época, são textos, que podem ser entendidos e
historiadores fornecerem descrições do local geográfico, de objectivos, interpretados como literatura. (Rüsen,
exactas e objectivas de acontecimen- de critérios, de pontos de vista e de 1990: 1)
tos passados 7. Desde então intensifi- particularidades sociais, culturais e Esta afirmação de Rüsen denota já
cou-se, até ao presente, a discussão mentais do historiador. Por outro lado, uma ligeira influência da concepção
acerca das metodologias da historio- este recorre sempre a fontes que, ou pós-modernista ao considerar que
grafia, da sua cientificidade, da relação são, em si, já o resultado de processos os textos historiográficos poderão
entre historiografia e literatura e acer- subjectivos, como cartas, diários, me- ser interpretados e entendidos como
ca da forma de representação comum mórias, recordações, ou outras formas literatura.
a ambas, a narração. Deste debate, de fixação vivencial que são, quando Também em Portugal as questões
naturalmente proveitoso, embora rea- muito, representativas de uma parte da metodologia, da cientificidade
lizado muito mais por historiadores do da realidade 8. ou da literarização da historiografia
que por teóricos da literatura, resultam Dado o carácter subjectivo da re- têm merecido a atenção de alguns
algumas posições que julgamos conve- presentação discursiva da historiogra- historiadores. José Mattoso considera
niente introduzir nesta reflexão. Sandra fia, coloca-se neste ponto a questão que a história deve aspirar a uma certa
Pesavento, por exemplo, afirma: da consideração da historiografia cientificidade na sua metodologia e
O historiador é obrigado a realizar como ciência ou como arte, subenten- na sua argumentação, fazendo uso de
sempre uma ficção perspectivista da-se literatura, o que naturalmente algumas ciências exactas, especial-
da história, dado que é impossível a remete para a questão da possibilida- mente na reconstituição das estruturas
existência de uma história que recolha de de conciliação entre arte e ciência. gerais e das normas para, a partir daí
simplesmente o passado nos arquivos… Esta problemática não é nova, pois já poder estudar os fenómenos particu-
Não se chega, pura e simplesmente, a no séc. XIX o historiador Leopold von lares:
fa[c]tos aprioristicamente estabelecidos Ranke lhe concede a sua atenção: A determinação do normal, da regra
por fontes. A história é, neste sentido, «A história diferencia-se das outras ou do sistema tem de se basear em
sempre construção de uma experiência, ciências por ser, simultaneamente, numeramentos empíricos completos,
que tanto reconstrói uma temporalidade arte. É ciência, na medida em que quer dizer de contar com todos os
quanto a transpõe em narrativa. (Pesa- recolhe, localiza, penetra; é arte, na dados disponíveis e não apenas com
vento, 2000: 38-39). medida em que reformula e represen- amostragens arbitrária ou impressio-
Uma das ideias principais contidas ta» (apud Rüsen, 1990: 3). Este autor nisticamente escolhidas. Nada disto se
nesta afirmação que encara a historio- separa a História das outras ciências pode fazer sem uma aplicação rigorosa
grafia como «uma ficção perspectivista e divide a produção historiográfica em dos métodos quantitativos e estatísticos.
da história» é a da reconstrução da his- duas fases completamente diferen- [...] Todos estes processos servem, em
tória através das fontes e a subjectivi- tes. A primeira fase prende-se com a última análise, para distinguir o geral do
dade que essa reconstrução natural- investigação que, segundo ele, utiliza individual, o modelo das suas variantes,
mente envolve, a qual leva um outro metodologia científica e que, por esse o normal do excepcional, a regra da
historiador, José Barrera a afirmar que motivo confere à História o estatuto de excepção, o mesmo do outro. Trata-
«[…] la posibilidad de interpretaciones ciência. A segunda fase tem a ver com se, portanto de um processo baseado
permanece constantemente abierta. a representação discursiva do resulta- fundamentalmente na matemática ou na
Cada texto puede leerse de diferentes do da investigação, a qual é, claramen- geometria. [...] Os computadores vêm,
maneras, no existe una única herme- te, uma recriação da responsabilidade então, em nosso auxílio para execu-
neútica para su lectura, y partiendo do historiador. tarem uma parte da tarefa, porque a
de esas lecturas caben diferentes Ao tentar demonstrar a actualida- quantidade de dados a examinar excede,
reconstrucciones racionales del de desta posição de Ranke, o historia- cada vez mais, a capacidade individual.
pasado» (Barrera in: História das Ideias dor Jörn Rüsen manifesta uma opinião (Mattoso 1997: 36-37)
2000: 22). Seguindo esta perspectiva pessoal acerca da historiografia que A adaptação das novas tecnolo-
dinâmica da história como um conjun- tenta igualmente conciliar na produção gias e do rigor numérico baseado nas
to de reconstruções possíveis e não historiográfica a ciência e a arte: metodologias das ciências exactas
definitivas do passado, pensamos que Os historiadores a as historiadoras ao estudo da história é, pois, «[…] a
a exactidão e a objectividade absolutas consideram-se cientistas e não literatos base da argumentação em História, e
não são possíveis na representação e consideram a sua actividade produtiva portanto o critério fundamental da sua

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eficácia, ou seja, da sua comunicabi- the theoretical rationale for consi- deste tipo de literatura. Uma segunda
lidade» (Mattoso 1997: 38). Contudo, dering historical studies as a special diferença, apontada por Jürgen Kocka,
segundo este autor, a História está kind of discipline and for resisting the é: «A recepção dos trabalhos dos
sujeita a determinadas condicionantes demand (made by positivists and Mar- colegas e a sua consequente discus-
que não lhe permitem aspirar ao esta- xists) for the transformation of histori- são pertencem necessariamente ao
tuto de ciência: cal studies into a science» (White 1990: trabalho do historiador. Pelo con-
A busca da positividade em História não 60). Para além dos motivos enuncia- trário, parece-me que o escritor de
deve, porém, fazer esquecer que ela só dos, White considera que esta questão romances, se preocupa muito menos
alcança o passado por intermédio de tem implicações ideológicas, pois acha com o discurso dos seus colegas»
sinais e representações mediadoras da que o propósito de transformação da (Kocka 1990: 25-26). Esta parece-nos
realidade e não por um exame directo história numa ciência promove um ser uma diferença importante, pois o
da própria realidade. Esses sinais são as pensamento político progressivo, ao historiador não deve ter em conside-
marcas da passagem do Homem, mas passo que a resistência a esse propósi- ração apenas a sua investigação, mas
são também as próprias representações to pode ser considerada conservadora também outros trabalhos importantes
verbais ou mentais que permitem esco- (White 1990: 60). Rejeitando, assim, a já existentes acerca do objecto da
lher entre eles os que são considerados classificação da história como ciência, sua pesquisa, devendo referir-se-lhes
representativos. A História é, portanto, este autor considera a relação entre ou mesmo tomar posição em relação
uma representação de representações. historiografia e literatura ténue e difícil a eles, confirmando, delimitando,
É um saber, e não propriamente uma de definir (White 1990: 44). contradizendo ou desenvolvendo as
ciência. (Mattoso 1997: 38) Abordando a problemática da teses neles contidas. Já em relação
Nesta citação está implícita a relação entre história e literatura à literatura, embora seja normal a
impossibilidade do acesso ao passa- Jürgen Kocka aponta as que considera ocorrência de uma maior ou menor
do, considerado como algo único e serem as principais diferenças entre o intertextualidade em relação a outros
irrepetível, sendo unicamente através trabalho de um historiador e o trabalho autores, e embora por vezes ocorram
das fontes, que Mattoso considera de um escritor de romances, mesmo citações e referências explícitas a
representações, logo naturalmente de romances históricos, afirmando que outros escritores 8, não é normal o
subjectivas, que é possível interpretar essas diferenças constituem a cienti- comentário frequente do resultado
e representar o passado. Luís Torgal ficidade da historiografia. Em primeiro do trabalho de outros autores nem a
manifesta, numa crítica a José Mat- lugar este autor refere as regras a que utilização de notas de rodapé para se
toso, a convicção de que a história é, o historiador se deve sujeitar: lhes referir.
simultaneamente ciência e literatura: Ao contrário dos autores de romances, Um outro paralelo que pensamos
[...] será necessário desprezar o termo os historiadores têm de se preocupar ser possível fazer é entre os diários
«ciência» quando se fala da história, com a comprobabilidade empírica e com de Ernst Jünger e as crónicas da Idade
para a relegar para a categoria de a verificação de todas as suas afirma- Média 10. Em primeiro lugar o discurso
«saber»? Julgamos que não e que ções. Pelo contrário, parece-me que o segue a ordem cronológica, apresen-
entendê-la como arte não implica que escritor de romances tem, se desejar, tando os acontecimentos pela ordem
não a devamos incluir na categoria de muito mais liberdade no tratamento do da sua ocorrência. Em segundo lugar
ciência, depois de nos termos libertado seu assunto e não se encontra ligado a os factos narrados não são interliga-
já da concepção positivista e «moderna» tais regras de comprobabilidade. (Kocka dos de forma a produzir conclusões,
de ciência [...]. A história será ciência 1990: 25) deixando para o leitor a tarefa de, re-
e arte, será uma «literatura científica», Concordamos absolutamente trospectivamente reflectir acerca dos
conforme lhe chamámos. (Torgal 1996: com esta afirmação relativamen- factos apresentados, relacionando-os
368-369) te à questão da comprobabilidade e interligando-os com o seu início e o
Será interessante notar que esta das fontes na historiografia e nos seu final, retirando daí as suas próprias
posição de Torgal tem alguma seme- romances. No entanto, tal afirmação conclusões.
lhança com a de Leopold von Ranke, já seria questionável se a compara-
um século antes, tal como referimos. ção fosse feita entre historiografia e A Ideologia na historiografia e na
Já o historiador Hayden White é contrá- literatura, muito especialmente entre Kriegsliteratur de Ernst Jünger
rio à consideração dos estudos históri- a historiografia e a Kriegsliteratur de
cos como ciência, devido aos factores Ernst Jünger, pois consideramos que a A American Academic Encyclopedia
subjectivos neles envolvidos: «The referencialidade e a sua consequente define ideologia como «[…] a system
connection between interpretation, comprobabilidade se encontram entre of beliefs that aspires to explain and
narration, and understanding provides as características mais marcantes to change the world» (1991, volume 11:
30) e dá como exemplos de ideologia Guerra (naturalmente com o seu ficado do seu conteúdo. Deste modo,
o conservadorismo, o liberalismo, o desfecho, a derrota militar e todas as segundo White, «The form of the poetic
socialismo democrático, o comunismo, consequências políticas, económicas, text produces a meaning quite other
o fascismo, o anarquismo e o nacio- morais e sociais a ela associadas) foi than whatever might be represented
nalismo (cf. 1991, volume 11: 30-31). o ponto de partida para a criação de in any prose paraphrase of its literal
Abrangendo o conceito de ideologia uma nova ideologia com expressão verbal content» (White 1990: 43). Da
formas tão diferenciadas de convic- literária, da qual Ernst Jünger foi um mesma forma, Gerhard Kurz advoga
ções, é natural que um modo de repre- dos fundadores e um dos mais activos que, relativamente a uma expressão
sentação como a narração, ao qual se representantes, tal como afirma Kurt metafórica, esta nunca poderá, sem
reconhecem enormes potencialidades Sontheimer: perda do seu significado original, ser
na transmissão de ideias e convicções, Na formulação desta profunda substituída pelo seu significado literal:
tenha sido, ao longo do tempo, o para- relação entre o Novo Nacionalismo «A expressão metafórica não pode ser
digma do discurso ideológico. e o local e a data do seu nascimen- substituida sem perda de significação»
A prática discursiva da historiogra- to, a Grande Guerra, a obra de Ernst (Kurz 1997: 8). A ideia subjacente a
fia nos últimos dois séculos confirma Jünger ocupa excepcionalmente estas duas afirmações, que subscre-
exactamente que o discurso histo- um lugar de destaque. Ele foi, sem vemos inteiramente, e seguindo a
riográfico tem sido profundamente dúvida, entre todos os intérpretes linha de argumentação de White, é
influenciado por correntes como o das vivências da guerra, o mais que um texto artístico contém, em si,
romantismo, o positivismo, ou o pós- terrível e o mais eficaz. Na sua obra um maior conteúdo significativo do
modernismo e por ideologias como a ideologia da vivência da guerra que um texto científico ou informativo
as acima mencionadas. Verificamos, experimentou a sua maior conden- porque o primeiro contém muito mais
assim, tanto em termos sincrónicos sação e a sua expressão plástica. códigos e níveis de codificação do que
como diacrónicos, uma grande hete- (Sontheimer 1994: 102) os segundos. Assim, segundo White,
rogeneidade quer na forma quer no Esta «Ideologia da vivência da «It follows that to change the form of
conteúdo do discurso historiográfico, guerra», também chamada «Novo the discourse might not be to chan-
o qual tem sido um reflexo dessas cor- Nacionalismo», de modo a demarcá-lo ge the information about its implicit
rentes e ideologias. Por esse motivo em relação ao nacionalismo anterior referent, but it would certainly change
José Mattoso afirma que, por exemplo à guerra e ao patriotismo de 1914, the meaning produced by it» (White
relativamente a Portugal «[...] se verifi- tinha como principais objectivos a 1990: 42), ou seja, existe um conteúdo
ca a quase completa ausência de uma luta contra a República de Weimar e o informativo na forma do discurso, que
tradição historiográfica não ideológica» liberalismo e o estabelecimento de um deve ser sempre tido em consideração
(Mattoso 1997: 32). Hayden White con- estado ditatorial regido pelos ideais e que este autor resume da seguinte
sidera que a historiografia não é uma dos soldados que tinham combatido forma: «Thus envisaged, the content of
forma discursiva neutra ou ideologi- na linha da frente. Na obra literária de the discourse consists as much of its
camente inocente 11, mas sim baseada Jünger esta ideologia ainda é muito form as it does of whatever informa-
em escolhas ontológicas e epistémicas incipiente nos diários de 1914-18, já tion might be extracted from a reading
com diferentes implicações ideológicas é bastante perceptível na primeira of it» (White 1990: 42). A forma tem,
ou políticas (Cf. White 1990: ix). Assim, versão de In Stahlgewittern (1920) e em assim, segundo este autor, e com es-
qualquer representação discursiva em Der Kampf als inneres Erlebnis (1922), pecial incidência no discurso artístico,
historiografia basear-se-á em escolhas torna-se muito acentuada na terceira um conteúdo próprio, que é absoluta-
que determinam o conteúdo ideológico versão de In Stahlgewittern (1924), em mente indispensável para a decifração
ou político do discurso. Também neste Feuer und Blut (1925) e Das Wäldchen e entendimento da sua mensagem
aspecto existe semelhança entre o dis- 125, atingindo a sua máxima expressão informativa.
curso historiográfico e a Kriegsliteratur e radicalismo na chamada politische Partindo desta base argumentativa
da República de Weimar que, em maior Publizistik entre 1925 e 1927. acerca do conteúdo da forma, de Hay-
ou menor grau, denota sempre uma den White, pretendemos testar, num
ideologia, pois a sua temática, a Guer- O Conteúdo da Forma outro local12, a validade da sua teoria,
ra de 1914-18 foi um acontecimento defendendo a tese de que, no caso
político com implicações ideológicas, No seu conjunto de ensaios intitu- específico da Kriegsliteratur de Ernst
cuja representação implicou sempre lado The Content of the Form, Hayden Jünger, de que a obra In Stahlgewittern
escolhas aos níveis do conteúdo e da White tenta demonstrar que a forma nas suas diferentes versões é o melhor
forma, que marcaram o seu conteúdo de um texto, especialmente de um exemplo, a parte mais substancial do
ideológico. Na Alemanha, a Grande texto artístico, é essencial para o signi- seu conteúdo ideológico, heróico e

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mítico reside na sua forma, especial- da obra em 1920 e, numa fase poste- autenticidade aos seus autores. Mais tarde
mente na sua metaforização. Com rior, o resultado de cada processo de evoluiu para géneros mais complexos como
esse objectivo, tentaremos demonstrar literarização das versões posteriores, a autobiografia e o romance. No pós-guerra
que foi através da reescrita dos diários, cada um deles tendo como ponto de a Kriegsliteratur ficou marcada especial-
a qual envolveu um complexo proces- partida a versão anterior da obra e o mente pelas suas posições ideológicas
so de literarização, que a informação recurso às fontes proporcionadas pelo militaristas e nacionalistas, por um lado,
neles contida recebeu o seu conteúdo diário original. ou pacifistas, por outro, o que em si era um
ideológico, heróico e mítico. Desse Provada que está a existência reflexo da profunda divisão politico-ideo-
modo, ao mudar a forma de uma base de semelhanças e características lógica da Alemanha. Neste contexto, Ernst
informativa comum, Ernst Jünger alte- formais e de conteúdo comuns entre Jünger com a sua Kriegsliteratur ocupa um
rou profundamente o seu conteúdo na a historiografia e a Kriegsliteratur de lugar de especial destaque como principal
primeira versão de In Stahlgewittern, Ernst Jünger, achamos conveniente a representante do Novo Nacionalismo. Ten-
na qual predomina o cunho heróico. adopção, para o estudo desta última, do-se tornado famoso como um dos oficiais
Este processo mutativo continuou de metodologias já há muito utilizadas subalternos mais condecorados, Ernst
através da frequente reescrita da obra, nos estudos historiográficos, mas até Jünger escreveu várias obras autobiográfi-
de que resultaram uma versão onde agora negligenciadas pelos estudos cas, das quais In Stahlgewittern foi a mais
predomina um cunho profundamente literários. Pelo exposto e devido ao importante e a qual reescreveu oito vezes,
ideológico (versão de 1924) e versões facto de que a análise de processos dando origem a oito versões diferentes, a
onde é mais realçado o cunho mítico envolve naturalmente o contacto com partir da literarização dos seus diários es-
da vivência da guerra (versões de dados possíveis de quantificar e de critos durante a guerra. A Kriegsliteratur de
1934, 1961 e 1978). tratar estatisticamente, propomos Ernst Jünger, na qual se fundem literatura,
a introdução, no estudo de análise filosofia e ideologia é hoje importante para o
Conclusão e Propostas comparativa dos processos de literari- estudo da Grande Guerra e dos conturbados
Metodológicas zação da Kriegsliteratur, do tratamen- anos vinte na Alemanha e, sobretudo para
to e análise dos dados estatísticos o estudo de um autor que, tendo vivido até
Pensamos que, nesta reflexão referentes a esses processos, através 1998, se tornou um dos mais conhecidos
ficaram claramente demonstradas da interpretação de gráficos, com o e mais polémicos escritores alemães do
algumas afinidades entre a historiogra- objectivo de obter dados quantitativos último século.
fia e a literatura e muito especialmente que permitam sustentar os resultados 2 Por exemplo Jürgen Kocka afirma: «A
entre a historiografia e a Kriegsliteratur da análise qualitativa. Seguimos, nesta diferença entre textos historiográficos e
de Ernst Jünger, cujo exemplo mais proposta metodológica, a observação textos literários, de certa forma, deixou de
relevante é a obra In Stahlgewittern. Tal de José Mattoso, de que na análise de se fazer sentir» (Kocka 1990: 24). Nesse sen-
verifica-se ao nível da subjectividade processos, nomeadamente nos estu- tido vai também a opinião da historiadora
na apreensão e interpretação dos fac- dos historiográficos, se deve fazer uma brasileira Sandra Jatahay Pesavento: «Textos
tos históricos e respectivas vivências, «[…] aplicação rigorosa dos métodos históricos comportam recursos ficcionais e
do tipo de narração resultante da quantitativos e estatísticos» (Mattoso textos literários cercam-se de estratégias
combinação de um assunto real com 1997: 36-37). Desta forma estaremos a documentais de veracidade […] as frontei-
linguagem poética, da referencialidade dar alguma contribuição para o diálogo ras em parte se diluem quando entrecru-
e comprobabilidade das fontes, das interdisciplinar, nomeadamente ao zamos história e literatura» (Pesavento in:
estratégias discursivas e do conteú- nível de algumas formulações metodo- História das Ideias 2000: 56).
do ideológico. Nestas circunstâncias lógicas, entre história e literatura. 3 «A forma de narração aparece-nos
consideramos pertinente a comprova- na história, nas notícias dos jornais, na
ção prática, na obra In Stahlgewittern e biografia e autobiografia, e noutros escritos
suas diferentes versões, da formulação 1 A Kriegsliteratur (literatura sobre a de índole análoga, mas é sobretudo carac-
teórica de Hayden White, de que o Primeira Guerra Mundial na Alemanha) terística de géneros tais como a anedota, o
conteúdo reside na forma. Por conteú- foi um tipo específico de literatura que se conto de fadas, a fábula, a lenda, o conto, a
do entendemos a carga ideológica, he- iniciou durante a guerra e se prolongou novela e o romance» (Shaw 1982: 312).
róica e mítica transmitida pela obra e até ao início dos anos trinta. Inicialmente 4 Tal como afirmam Martinez/Scheffel:
passível de ser apreendida pelo leitor. a Kriegsliteratur era constituída por cartas «A narração pode incidir sobre aconteci-
E por forma entendemos, numa primei- dos combatentes, por crónicas, relatos e mentos reais ou imaginários» (Martinez/
ra fase, o resultado do processo de diários e correspondiam a uma necessidade Scheffel 2003: 10)
literarização dos diários de guerra de do público acerca de notícias da frente de 5 Também de acordo com Martinez/
Jünger, que resultou na primeira versão batalha. Por isso eram exigidas verdade e Scheffel: «A narração pode utilizar a lingua-
gem do dia a dia ou a linguagem poética» 8 Neste contexto fundamentamos the kind of meaning that a narratologically
(Martinez/Scheffel 2003: 10). também a nossa posição na perspectiva de governed account can be said to provide.
6 Neste trabalho todas as traduções de Jürgen Kocka: «As ideias dominantes dos Second, probably owing to the “annalistic”
textos alemães para o português são de historiadores e dos seus tempos estruturam order of the discourse, the account does
nossa responsabilidade. muito mais cada interpretação abrangente not so much conclude as simply terminate»
7 Veja-se Polkinghorne: «As teorias do que o fazem as próprias fontes» (Kocka (White 1990: 17).
Pós-Modernas enterraram completamente a 1990: 25). 11 «And one of the things one learns
concepção, segundo a qual os historiadores 9 Em In Stahlgewittern Ernst Jünger faz from the study of history is that such study
podiam fornecer descrições objectivas e por vezes referências a outros escritores, is never innocent, ideologically or otherwi-
exactas de acontecimentos passados. Elas ou obras como Don Quixote (Sta I: 57), Le se, whether launched from the political
antes sugerem que a descoberta da verdade vautour de la Sierra (Sta I: 101), Grimmel- perspective of the Left, the Right, or the
factual acerca de acontecimentos históricos shausens Simplicissimus (Sta I: 168), citando Centre» (White 1990: 82)
é uma questão altamente problemática, mesmo Nietzsche (Sta I: 87), Ariosto (Sta I: 12 Tese de Doutoramento a apresentar
pois a construção do conhecimento está 101) e Mephisto (Sta I: 109). à FCSH da Universidade Nova de Lisboa,
sempre dependente dos valores e das 10 Tomamos em consideração as ca- intitulada “Vivência Biográfica, Escrita Dia-
intenções do investigador» (Polkinghorne racterísticas atribuídas por Hayden White às rística e Representação Estética. A Grande
in: Straub 1998: 12). Veja-se também White crónicas medievais: «First the order of the Guerra e o Processo de Literarização em
(1990: 33), que afirma que as correntes discourse follows the order of chronolo- Ernst Jünger.
pós-modernas consideravam a narrativa um gy; it presents events in the order of their
instrumento ideológico. occurrence and cannot, therefore, offer

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