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ALBERT CAMUS [An

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agora em casa de uma das filhas e passava longos dias na varanda.
Deixou o bairro. Na casa que fora sua, pode-se ver um cartaz: “Aluga-
se”, cujo significado é objeto de constante reflexão.
Um outro manuscrito, com uma caligrafia mais firme, quase
sem emendas, evidentemente posterior, apresenta quase o mesmo
texto, mas começa pela frase seguinte, que Camus parece ter
apreciado por ela mesma (acrescentado ao manuscrito precedente.):
“Por ser bonita, uma mulher julga poder ser coquete, viver bem e
brilhar.” E a seguir: “O marido desta mulher era empresário”, etc.
Note-se também uma modificação da frase final: “... o cartaz ‘Aluga-
se’, que tem sempre um significado maior do que parece.”
h) Apego de Mersault ao quarto:
As folhas manuscritas, após o espaço em branco destinado à
inserção da morte e do enterro, prosseguem:
Mas ele vira-se forçado a abandonar os estudos e as ambições
para começar a trabalhar. Tinha de lutar, ele que desejara viver para
si próprio, trabalhar, escrever, viver a própria vida. Passado algum
tempo, abandonara tudo e esforçara-se para apagar a própria vida.
Acordou, etc. (Mersault no escritório.)
A passagem “Agora, vivia naquele quarto. Podia ter-se instalado
mais confortavelmente, mas.. a sua janela para a vida” existe num
manuscrito à parte.
E, finalmente, o trecho: “Quando se encontravam.., a sua
piedade voltava-se”, que faz lembrar o texto “Entre sim e não”, de O
Avesso e o Direito, só figura no exemplar datilografado.
i) Mersault no escritório:
Este texto aparece na íntegra nas folhas manuscritas.
j) Em casa, à noite:
Idem.
11. Ms.: O Senhor Langlois [que era gordo e viscoso]. O Senhor
Langlois tinha lido Courteline. Das três datilógrafas...
12. Ms.: ou de um personagem de posição destacada.
13. Ms.: se pavoneava e lançava calúnias.
14. Ms.: vegetais. As datilógrafas riam abertamente. A velha
debruçada (duas palavras ilegíveis) levantando os olhos e
continuando a escrever, articulou por fim: “se me permite, Sr.
Langlois, reservar a minha opinião...”
— Um a zero — disse P., calmamente. E ouvia os milhares de
ruídos vindos do porto, através das paredes (três palavras ilegíveis),
com um gosto de sangue e de sal, ao mesmo tempo tão próximos e
tão distantes dele.
Começa, então, um parágrafo: “Voltou a casa às seis da tarde.
Era sábado.”
15. Ms.: que colou minuciosamente num caderno dividido para esse
fim. Feito isto...
16. Ms.: a tarde estava pesada.
17. Ms.: marrom e chapéu mole.

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18. Ms.: as pessoas sérias formavam grupos nas calçadas ou
entravam nos bares. A rua estava...
19. Ms.: os lampiões iluminavam a calçada.
20. D.: o capítulo termina deste modo:
“... com pão. Coçou a cabeça e encaminhou-se para o espelho,
ao encontro de si mesmo. Bocejou e virou-se na direção da cama.
Tirou os sapatos. E disse: “Mais um domingo.”
21. Ms.: as vidraças. Deitou-se e dormiu até o dia seguinte, quando
saiu para o escritório.
Havia vários anos que vivia assim, a não ser em certas tardes
em que recebia a visita de Marthe ou saía com ela, e certos
domingos, mais raros, que compartilhava com Zagreus e com as
amigas de Marthe.
Aqui terminam as folhas manuscritas.

CAPÍTULO III

Dedicado às relações entre Marthe e Mersault, este capítulo,


nos primeiros esboços, era previsto para a Parte II do romance e era
subdividido. Assim, no primeiro plano dos Carnets, se substituirmos
Marthe por Lucienne, teremos:
Cap. Bl. Lembrava-se. Ligação com Lucienne.
Cap. B2. Lucienne conta as suas infidelidades...
Cap. B4. Ciúmes sexuais. Salzburgo. Praga.
Notar-se-á que a viagem e a ligação amorosa, através do ciúme
sexual, encontram-se numa relação de causa e efeito.
Pouco depois, Camus prevê, entre essas seis histórias, a do “ciúme
sexual”. Um plano de agosto de 1937 prevê para a Parte II: “Ligação
com Catherine... Apanhado no jogo. Ciúme sexual. Fuga”. Catherine
desempenha, agora, o papel de Lucienne. Mas, nesse mesmo mês de
agosto, um outro plano situa o episódio do ciúme sexual na Parte 1 do
romance, logo no início. Este episódio e o da viagem, que se segue,
formam, então, o essencial do enredo, como o prova a nota seguinte:
“Reduzir e condensar. História do ciúme sexual que conduz ao exílio.
Regresso à vida.” Mais tarde, quando o nome de Marthe se impõe, os
dois episódios encontram-se ainda conjugados, como se destaca num
plano parcial:

1) Ligação com Marthe...


2) Marthe conta as suas infidelidades
3) Innsbruck e Salzburgo a ópera cômica
a carta e o quarto
a partida febril.
A rubrica “ligação com Marthe” é seguida por uma nota onde se
distingue nitidamente, entre vários nomes, o de Otelo. Camus teria
querido evocar o drama shakespeariano do ciúme? Um texto bastante
estranho, que começa por: “Ah, Senhor, dissera Iago a M., temei o

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ciúme. E um monstro de olhos verdes...”, para, em seguida, chorar
por Desdêmona, leva-nos a acreditar nessa possibilidade. Mas Camus
vai sentir que lago, Desdêmona e o Mouro de Veneza nada têm a
fazer em Argel, onde Mersault passeia de braço dado com Marthe. Por
outro lado Camus reduzirá a importância desta ligação, eliminando-a
da viagem à Europa Central. Como único vestígio desta antiga
construção, restará, apenas, no fim da Parte 1, a referência, em duas
palavras, a uma carta de, ruptura.
Existem dois manuscritos deste capítulo III: um para as
primeiras páginas (até “toda a vergonha e toda a humilhação
nascidas do coração mau de Mersault”) e o último parágrafo (até
“voltou [sozinho] à casa de Zagreus”, com o restante formando
primitivamente o início do capítulo consagrado à conversa de Zagreus
e Mersault); e o outro manuscrito para todo o resto (desde “Nesse
dia, Mersault começou...” até “Sentiu o desejo de conhecê-lo, e
naquela mesma noite começaram as suas relações com Zagreus. Via-
o freqüentemente, ia à casa dele quase todas as manhãs de
domingo.”)

1. Ms.: a seu lado, faziam-no sentir-se seu proprietário aos olhos do


mundo.
2. D.: delicadeza natural
3. Ms.: que é isso, diante do esplendor feminino, cristal onde se
espelha roda a beleza e toda a inutilidade do mundo, derradeiro luxo
de uma existência de homem totalmente entregue ao (prazer?] e às
preocupações.
4. Esta troca de palavras não aparece no manuscrito. No texto
datilografado, Marthe trata Mersault de “vous”. “Vous savez bien..
5. Ms.: nas têmporas, latejando intensamente, e a vista escurecer.
6. Ms.: e era como uma cena viscosa em que os farrapos pendiam
sobre o lixo.
7. D.: — Informo-o de que o filme me interessa e que você me
incomoda?
8. D.: já disse. — Sim, querido.
9. Se nos lembrarmos (v. cap. IV) de que Zagreus tem pelo menos 50
anos, não se entende bem como Marthe, um pouco mais nova do que
ele, pode ser ainda suficientemente jovem para Mersault.
10. Ms.: Rose, Claire, Catherine — sobre as três estudantes, V.
Plêiade, vol. II, p.
1318.
“Burrinha” traduz bourrique: termo familiar e afetuoso, de uso
corrente no norte da África.
Convém lembrar que a mãe de Camus se chamava Catherine
Sintês.
11. Ms.: de Orã.
12. Ms.: ficou irritado. Disse-lhe, brutalmente, etc., se o ouvissem. No
entanto, Zagreus...

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