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UFU 2020

A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade


Análise da obra

Escrito entre 1943 e 1945 e publicado neste mesmo ano, A Rosa do Povo é
aclamado por inúmeros setores da crítica literária como a melhor obra de
Carlos Drummond de Andrade, o maior poeta da Literatura Brasileira e um dos
três mais importantes de toda a Língua Portuguesa. Antes que se comece a
visão sobre esse livro, necessária se faz, no entanto, uma recapitulação das
características marcantes do estilo do grande escritor mineiro.

Poesia da fase "eu menor que o mundo", toma como tema a política, a guerra e
o sofrimento do homem. Desabrocha o "sentimento do mundo", traduzido pela
solidão e na impotência do homem, diante de um mundo frio e mecânico, que o
reduz a um objeto.

A obra é a mais extensa de todas as obras de Carlos Drummond de Andrade,


composta por 55 poemas. Os versos, geralmente curtos das obras
inaugurais, tornam-se mais longos. Há um predomínio do verso livre (métrica
irregular) e do verso branco (sem rimas). Embora em seu próprio título haja
uma simbologia revolucionária, sem contar o número expressivo de poemas
socialmente engajados, A rosa do povo apresenta grande variedade temática e
técnica.

Quase todos os poemas têm uma dimensão metafórica, apesar da linguagem


aparentemente clara. Com freqüência, também nos surpreendemos com
inesperadas associações de palavras, elipses, imagens surrealistas. Trata-se
de poemas refinados, complexos e acessíveis somente a leitores com
significativa informação poética. Paradoxalmente a obra em que Carlos
Drummnod de Andrade mais se aproxima de uma ideologia popular é, na
verdade, dirigida apenas a uma aristocracia intelectual.

A rosa do povo representa, na poesia de Drummond, uma tensão entre a


participação política e adesão às utopias esquerdistas, de um lado, e a visão
cética e desencantada, de outro lado. Não devemos entender esta duplicidade
(esperança versus pessimismo) como contraditória. Toda a obra do autor
(incluindo-se aí a amplitude de assuntos da mesma) é marcada por uma visão
caleidoscópica, polissêmica.

A realidade, para ele, tem várias faces. Faces descontínuas, irregulares,


opositivas. Tentar captar a essência humana é registrar ambivalências, ângulos
variados. Nunca há em Drummond uma palavra definitiva, uma visão final. O
fluxo desordenado da vida não permite uma única certeza, uma única
convicção.
O poeta vale-se tanto do “estilo sublime” (padrão elevado da língua culta)
quanto do “estilo mesclado” (linguagem elevada e linguagem coloquial).

Para a compreensão dessa obra, bastante útil é lembrar a data de sua


publicação: 1945. Trata-se de uma época marcada por crises fenomenais,
como a Segunda Guerra Mundial e, mais especificamente ao Brasil, a Ditadura
Vargas. Drummond mostra-se uma antena poderosíssima que capta o
sentimento, as dores, a agonia de seu tempo. Basta ler o emblemático A Flor
e a Náusea, uma das jóias mais preciosas da presente obra.

Preso à minha classe e a algumas roupas,

vou de branco pela rua cinzenta.

Melancolias, mercadorias espreitam-me.

Devo seguir até o enjôo?

Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre

fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e códigos.

O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Uma flor nasceu na rua!

Vomitar esse tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema

resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.


Todos os homens voltam para casa.

Estão menos livres mas levam jornais

E soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?

Tomei parte em muitos, outros escondi.

Alguns achei belos, foram publicados.

Crimes suaves, que ajudam a viver.

Ração diária de erro, distribuída em casa.

Os ferozes padeiros do mal.

Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.

Ao menino de 1918 chamavam anarquista.

Porém meu ódio é o melhor de mim.

Com ele me salvo

e dou a poucos uma esperança mínima.

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.


Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Nota-se no poema um eu-lírico mergulhado num mundo sufocante, em que


tudo é igualado a mercadoria, tudo é tratado como matéria de consumo. Em
meio a essa angústia, a existência corre o risco de se mostrar inútil,
insignificante, o que justificaria a náusea, o mal-estar. Tudo se torna baixo, vil,
marcado por “fezes, maus poemas, alucinações”.

No entanto, em meio a essa clausura sócio-existencial (que pode ser


representada pela imagem, na terceira estrofe, do muro), o poeta vislumbra
uma saída. Não se trata de idealismo ou mesmo de alienação – o poeta já deu
sinais claros no texto de que não é capaz disso. Ou seja, não está imaginando,
fantasiando uma mudança – ela de fato está para ocorrer, tanto que já é
vislumbrada na última estrofe, com o anúncio de nuvens avolumando-se e das
galinhas em pânico. É o nascimento da rosa, símbolo do desabrochar de um
mundo novo, o que mantém o poeta vivo em meio a tanto desencanto.

Dois pontos ainda merecem ser observados no presente poema. O primeiro é o


fato de que ele, além de ser o resumo das grandes temáticas da obra, acaba
por explicar o seu título. Basta notar que, conforme dito no parágrafo anterior, a
rosa indica o desabrochar de uma nova realidade, tão esperada pelo poeta. E a
expressão “do povo” pode estar ligada a uma tendência esquerdista, socialista,
muito presente em vários momentos do livro e anunciadas pela crítica ao
universo capitalista na primeira (“Melancolias, mercadorias espreitam-me.”) e
terceira estrofes (“Sob a pele das palavras há cifras e códigos.”). O novo
mundo, portanto, teria características socialistas.

O outro item é visto pelo estreito relacionamento que A Flor e a


Náusea estabelece com o poema a seguir, Áporo, um dos mais estudados,
densos, complexos e enigmáticos da Literatura Brasileira.

Um inseto cava

cava sem alarme

perfurando a terra

sem achar escape.


Que fazer, exausto,

em país bloqueado,

enlace de noite

raiz e minério?

Eis que o labirinto

(oh razão, mistério)

presto se desata:

em verde, sozinha,

antieuclidiana,

uma orquídea forma-se.

Note que a narrativa parece ser tirada de A Flor e a Náusea: um inseto, o


áporo, cava a terra sem achar saída. Assemelha-se ao eu-lírico do outro
poema, que se via diante de um muro e da inutilidade do discurso. No entanto,
Drummond continua discursando, vivendo, assim como o inseto continua
cavando. Então, do impossível surge a transformação: do asfalto surge a flor,
da terra-labirinto-beco surge a orquídea.

Há algo aqui que faz lembrar o poema Elefante, também no mesmo volume. Da
mesma forma como Drummond fabrica seu brinquedo, mandando-o para o
mundo, de onde retorna destruído (mas no dia seguinte o esforço se repete), o
eu-lírico de A Flor e a Náusea sobrevive em seu cotidiano nulo e nauseante e o
áporo perfura a terra. É a temática do “no entanto, continuamos e devemos
continuar vivendo”, tão comum em vários momentos de A Rosa do Povo.

Áporo, portanto, é um poema tão rico que pode ter outras leituras, além dessa
de teor existencial. Há também, por exemplo, a interpretação política, que
enxerga uma referência a Luís Carlos Prestes (“presto se desata”), que
acabara de ser libertado pelo regime ditatorial. A figura histórica pode ser vista,
portanto, como um áporo buscando caminho na pátria sem saída que se tornou
o Brasil na Era Vargas.

Ainda assim, existe quem veja no texto um mero – e inigualável – exercício


lúdico, em que as palavras são contempladas, manipuladas, transformadas.
Basta lembrar, por exemplo, que “áporo”, além de ser a designação do inseto
cavador, é também um termo usado em filosofia e matemática para uma
situação, um problema sem solução, sem saída. Além disso, a essência
etimológica da palavra inseto é justamente as letras “s” e “e”, diluídas no corpo
do texto. Observe como tal pode ser esquematizado:

Um inSEto cava

cava SEm alarme

perfurando a terra

SEm achar EScape.

Que faZEr, ExauSto,

Em paíS bloqueado,

enlaCE de noite

raiZ E minério?

EiS que o labirinto

(oh razão, miStÉrio)

prESto SE dESata:

em verdE, Sozinha,

antieuclidiana,

uma orquídea forma-SE.

Note que a essência do áporo, do inseto, vai se movimentando em todo o


poema, transformando-se, até o ápice do último verso da terceira estrofe. É o
momento da transformação e da iniciação, já anunciadas na segunda estrofe
na aliteração do /s/ e do /t/ e da assonância do /e/ que acabam criando a forma
verbal “encete” (ENlaCE de noiTE), que significa principiar, mas que possui
também uma forte aproximação sonora com “inseto”. A mutação final virá no
último verso: o áporo inseto se transforma em áporo orquídea (“áporo” é
também o nome de um determinado tipo de orquídea), a flor que se
desabrocha para a libertação. Tanto que a raiz SE está prestes a se libertar,
pois virou a forma pronominal “se” (e, portanto, com relativa vida própria) que
encerra o poema.

Tal trabalho com a linguagem é a base de todo texto poético, como é defendido
pelo próprio Drummond em Procura da Poesia, transcrito abaixo:

Não faça versos sobre acontecimentos.


Não há criação nem morte perante a poesia.

Diante dela, a vida é um sol estático,

não aquece nem ilumina.

As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.

Não faças poesia com o corpo,

esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro

são indiferentes.

Nem me reveles teus sentimentos,

que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.

O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.

O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.

Não é a música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto à linha de
espuma.
O canto não é a natureza

nem os homens em sociedade.

Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.

A poesia (não tires poesia das coisas)

elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,

não indagues. Não percas tempo em mentir.

Não te aborreças.

Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,

vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família


desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas

tua sepultada e merencória infância.

Não osciles entre o espelho e a

memória em dissipação.

Que se dissipou, não era poesia.

Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intata.

Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.

Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.

Espera que cada um se realize e consume

com seu poder de palavra

e seu poder de silêncio.

Não forces o poema a desprender-se do limbo.

Não colhas no chão o poema que se perdeu.

Não adules o poema. Aceita-o

Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada

no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?

Repara:

ermas de melodia e conceito

elas se refugiaram na noite, as palavras.

Ainda úmidas e impregnadas de sono,

rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Esse antológico poema é dividido em duas partes. Na primeira apresentam-se


proibições sobre o que não deve ser a preocupação de quem estiver
pretendendo fazer poesia. Sua matéria-prima, de acordo com o raciocínio
exibido, não são as emoções, a memória, o meio social, o corpo. Na segunda
parte explica-se qual é a essência da poesia: o trabalho com a linguagem. O
poema pode até apresentar temática social, existencial, laudatória, emotiva,
mas tem de, acima de tudo, dar atenção à elaboração do texto, ou seja, saber
lidar com a função poética da linguagem.

I - Poesia social

Pelo menos duas dezenas dos cinqüenta e cinco poemas de A rosa do


povo podem ser enquadrados nesta tendência na qual a angústia subjetiva do
poeta transforma-se em engajamento e compromisso com a humanidade.

De certa forma, é possível distinguir neles uma espécie de seqüência lógica


que revela as mudanças de percepção do poeta face ao fenômeno social. Este
processo temática não é unívoco, sendo composto por mais ou menos quatro
movimentos muito próximos e que, na sua totalidade, formam a mais elevada
manifestação de poesia comprometida na história da literatura brasileira.
Vamos encontrar então:

- a culpa e a responsabilidade moral - a repulsa ao egocentrismo e a


abertura em direção à solidariedade estão representadas por dois poemas
totalmente simbólicos e despidos de referências à historicidade e ao
cotidiano: Carrego comigo e Movimento da espada.

- o registro puro e simples de uma ordem política injusta - ainda que toda a
sua poesia social submeta a ordem vigente a um inquérito implacável, há
sempre nestes poemas a indicação do novo, ou pelo menos das lutas que
indivíduos, classes e povos travam para impugnar a injustiça do planeta. A
exemplo de O medo, entretanto, a esperança ou o enfrentamento não se
delineiam e o resultado é um dos textos mais opressivos de toda a obra de
Drummond.

Os versos irregulares, (embora um bom número deles tenha sete sílabas) não
impedem a criação uma cadência grave e soturna, nascida da repetição
exaustiva da palavra medo. No desenrolar das quinze estrofes do poema, essa
palavra e aquilo que ela traduz no contexto da época (ditadura, prisão, tortura,
guerra, massacres, etc.) vão tecendo uma rede de tentáculos sobre os seres,
impedindo-os de pensar, protestar e agir.

Além da impugnação desta era de medo, Drummond deixa transparecer no


poema a sensação de culpa e de responsabilidade – que o acomete com
freqüência.

- a passagem da náusea à perspectiva de uma nova sociedade (em termos


concretos e em termos abstratos) - Neste bloco, encontramos um
significativo número de poemas. Eles refletem a transição de um clima
acabrunhante – no qual um indivíduo em crise e um sistema desolador se
identificam – para uma atmosfera radiosa de esperança e afirmativa do novo.

Dentro desta ótica são escritos dois dos mais importantes poemas de A rosa
do povo: A flor e a náusea e Nosso tempo. São também os mais concretos pois
aludem diretamente ou indiretamente à realidade objetiva. Neles, o sentimento
de culpa é substituído pela noção de náusea: a náusea existencialista, à
maneira de Sartre, que, mais do que uma sensação física de enjôo, é
uma situação de absoluta liberdade de quem a vivencia. Liberdade no sentido
da destruição de todos os valores tradicionais, da morte de todos os deuses e
crenças. A náusea decorre desta liberdade aterradora, próxima do absurdo. O
homem, despojado de suas antigas certezas, vaga num universo de destroços,
porém, ao mesmo tempo que o tédio e o desespero o ameaçam, este mesmo
homem pode, na grande solidão em que se converteu sua vida, encontrar uma
alternativa válida de existência individual e coletiva.

- a celebração da nova ordem - O despojamento do egoísmo burguês e a


superação da situação de náusea induziram Drummond a vários
compromissos: primeiro, o moral; segundo, o humanista; terceiro, o ideológico.
Imerso numa era onde a barbárie ameaçava a civilização, o poeta entende que
a mera solidariedade ou apenas a argüição áspera da sociedade injusta não
bastariam. Seria necessário que o indivíduo sujeitasse seu egocentrismo a um
sistema de idéias em que a organização e os interesses coletivos
prevalecessem.

O marxismo – na sua formulação soviética – surge, então, como a


possibilidade redentora do homem. O heroísmo da URSS, na II Guerra, é o
combustível desta expansão ideológica. Há, em todo o Ocidente, uma
expressiva fraternidade em relação ao povo russo e ao seu regime. Como
centena de intelectuais, Drummond não escapa da sedução comunista. Alguns
poemas vão traduzir esta adesão. Com raras exceções, eles constituem a parte
mais perecível de A rosa do povo.

II - Poesia de reflexão existencial

Entre os múltiplos temas do autor, o único presente em todas as suas obras,


de Alguma poesia a Farewel, com maior ou menor insistência, é o
do questionamento do sentido da vida. Mesmo num livro em que o
engajamento social e político exerce forte hegemonia, como é o caso de A rosa
do povo, sobressaem-se inúmeros poemas de interrogação existencial, alguns
situados entre os momentos culminantes do lirismo de Drummond. Principais
motivos:

Solidão, angústia e incomunicabilidade - Mais centrada na esfera da


subjetividade do poeta, esta tendência desvela a impotência do eu-lírico para
estabelecer vias comunicantes com os demais seres humanos. Trata-se de
uma solidão terrível, pois ela ocorre na grande cidade, cidade antropofágica e
impassível, onde o indivíduo caminha desorientado em meio a uma multidão
indiferente e sem rosto.

O fluir do tempo - Um dos temas nucleares da obra drummondiana,


a percepção da passagem do tempo se estabelece através de interrogações
diretas sobre o sentido deste fluxo que degrada os corpos, a beleza, as coisas
e também as ilusões, os amores e as crenças dos indivíduos. Affonso Romano
de Sant’Anna, em ótima análise estilística, mostra a predominância em A rosa
do povo de vocábulos que indicam mudança e viagem. A vida “flui e reflui,
corre, passa, escorre, espalha-se, desliza, dissipa-se”, num desfile ininterrupto
e cujo destino final é a morte.

A morte - A consciência da progressiva destruição operada pelo tempo –


núcleo principal de todo o amplo espectro temático de CDA – condensa-se na
convicção de que o ser é sempre o ser-para-a-morte.

A “viagem mortal” do indivíduo percorre não apenas toda a poesia de


indagação filosófica, mas igualmente a lírica que expressa o passado, o
cotidiano, o compromisso ético e político e até a que fala do amor. A tragédia
da condição humana é a da certeza da finitude. Desta expectativa da própria
destruição, Drummond elabora poemas de desconcertante lucidez.

III - A poesia sobre a poesia

A reflexão metapoética (ou metalinguagem) constitui uma das vertentes


dominantes da obra de Drummond. A própria poesia é tematizada, na forma
característica do poema sobre o poema, e discute-se o ofício de escrever, a
construção do texto, o âmago da linguagem lírica, etc.

A poética - Consideração do poema e Procura da poesia abrem A rosa do


povo. Isso já revela a importância que Drummond confere ao problema do fazer
literário, porque em ambos estabelece-se a tentativa de fixação de
uma poética, isto é, de um processo de enumeração – direto ou metafórico –
dos princípios técnicos e semânticos e dos valores filosóficos que regem a
escrita do autor.

Uma poética controversa - Os críticos se dividiram a respeito do significado


dos dois principais poemas de metalinguagem de Drummond. Alguns
interpretaram os textos como contraditórios porque afirmariam realidades
antagônicas: um, o domínio do compromisso social; outro, o império da
linguagem. Representariam, portanto, a condensação das tendências
opositivas de A rosa do povo, obra dilacerada entre a esperança no futuro
socialista e a amargura filosófica.

Já outros críticos especulam que Consideração do poema corresponde


ao projeto ideológico do autor, enquanto Procura da poesia traduz o
seu projeto estético, não havendo diferenças estruturais entre ambos, e sim
uma variação de enfoque determinada pela especificidade de cada projeto.

No entanto, para José Guilherme Merquior – o mais importante entre os


estudiosos da obra drummondiana – os dois poemas formam um conjunto
coerente, porque estão alicerçados sobre uma concepção dialética do gênero
lírico, o qual se comporia de duas camadas interligadas:

a) A natureza preponderantemente verbal da poesia. Ou seja, poesia, em


primeiro lugar, é seleção e ordenação de palavras;
b) As palavras – captadas em seu mistério e em algumas de suas “mil faces” –
não são vazias de conteúdo. Ora, se o discurso poético não é um zero
semântico, suas referências obrigatoriamente designam elementos do real.

Em suma, a pesquisa e a invenção de linguagem constituem o cerne da


poesia, mas as palavras trazem consigo uma constelação de significados que o
poeta escolhe. Não se trata – como já frisamos – de privilegiar a mensagem,
exprimindo-a diretamente. Isso não é poesia. Apenas através da penetração
no “reino das palavras”, o autor lírico poderá dar um sentido a seu canto. Ou
seja, aquilo que o poeta diz é também a forma como ele o diz.

IV - Poesia sobre o passado

A idéia do passado e de suas infinitas recordações afeta profundamente a


criação poética de Drummond, tanto que alguns de seus mais celebrados
poemas giram em torno deste baú de lembranças que, aberto, deixa entrever
uma formidável multiplicidade de experiências pessoais, familiares e
históricas.Em resumo, o passado é apresentado da seguinte maneira na poesia
de Drummond:

1- O registro realista (mais sugerido do que descrito) do quadro familiar e sócio-


cultural do interior rural mineiro de fins do século XIX e início do século XX;

2- A evocação de um mundo estritamente pessoal, formado por fatos, palavras


e sentimentos que tiveram eco ou atingiram a subjetividade do menino e/ou do
jovem Drummond;

3- A projeção do passado (pessoal, familiar, social) no presente, fazendo com


que toda a indagação daquilo que ficou para trás seja também uma indagação
da identidade atual do poeta e dos outros remanescentes do universo rural /
provinciano, recuperados por uma memória que os interpela incessantemente.

V - Poesia sobre o amor

Drummond talvez seja a voz lírica/amorosa mais rica e complexa da literatura


brasileira. Há em sua poesia uma inesgotável variedade de visões e
abordagens do fenômeno afetivo, tanto nos aspectos espirituais quanto nos
eróticos.

No entanto, em A rosa do povo a questão amorosa ocupa espaço mínimo,


registrando-se apenas um poema de assunto estritamente sentimental: O mito.
Verdade que não seria equivocado enquadrar O caso do vestido nesta
vertente, mas por razões que veremos adiante, preferimos inseri-lo na
categoria dos poemas sobre o cotidiano.

VI - Poesia do cotidiano

Embora vários textos da poesia social de Drummond retratem a vida diária com
grande vigor, a inclinação participante do poeta dão a estes versos uma
dimensão explicitamente engajada. Algo que não encontramos nos poemas
específicos sobre o cotidiano. Neles, Drummond fixa cenas ou narra histórias –
sem a intervenção do eu – quase como um repórter de linguagem apurada.
Com muita propriedade, Merquior define estes poemas como “dramas do
cotidiano”. Em regra geral, são os de leitura mais acessível, o que não lhes
retira a beleza e a complexidade. Todavia, em A rosa do povo só nos
deparamos com dois desses poemas.

VII - Celebração dos amigos

Em vários de seus livros, Drummond faz a louvação de personalidades que, de


alguma maneira, marcaram-lhe a existência, seja pela amizade, seja pela
grandeza artística/humana das obras que produziram. Em A rosa do povo,
duas longas odes expressam a referida tendência. Mário de Andrade e Charlie
Chaplin são os homenageados em textos arrebatadores, enfáticos e, no caso
específico do segundo, até mesmo um pouco palavroso.

Nota

A riqueza de A Rosa do Povo não se restringe, porém, às temáticas


abordadas. Há uma profusão de outros assuntos, como a abordagem da
cidade natal (Nova Canção do Exílio, em que há uma reinterpretação
do Canção do Exílio, de Gonçalves Dias), a observação do problemático
cotidiano social (Morte do Leiteiro, em que o protagonista, que dá nome ao
poema, acaba sendo assassinado em pleno exercício de sua função por ser
confundido com um ladrão, o que possibilita uma crítica às relações sociais
esgarçadas pelo medo), a rememoração dos parentes (Retrato de Família, em
que o eu-lírico percebe a viagem através da carne e do tempo de uma
constante eterna ligada à idéia de família) e o amor como experiência difícil, o
famoso amar amaro (Caso de Vestido, em que o eu-lírico, uma mulher, narra o
sofrimento por que passou quando da perda do seu marido e quando também
da recuperação dele).

A Moratória, de Jorge de Andrade


O texto teatral A Moratória, de Jorge Andrade, aborda a ruína de uma família
proprietária de cafezais no interior do estado de São Paulo, em decorrência da
crise financeira e da produção cafeeira, por volta dos anos de trânsito da
década de 1920 para a 1930. Escrita em 1954, encenada pela primeira vez no
ano seguinte, a peça emerge como um dos “fantasmas” da infância do autor.

A obra constitui um ato de reflexão sobre a realidade paulista em seus


aspectos sociais, morais e psicológicos. O tema da decadência dos latifúndios
cafeeiro representa o fim de toda uma classe patriarcal e semifeudal de
aristocratas sucumbidos à crise econômica de 1929 e a nova ordem social
imposta por Vargas em 1930. Ao mesmo tempo, focaliza em seu interior o
conflito de gerações, o conflito de valores tradicionais em uma sociedade que
vive a rápida mudança provocada pelo êxodo rural, pelo dilatamento das
cidades e pelas mudanças das elites.

Centralizando o conflito está o velho Quim, um coronel à antiga, que vê os


filhos e a mulher minguarem, saudosos dos velhos tempos e sem perspectivas
de futuro. Ambientada em dois momentos - os anos de 1929 e 1932, antes e
depois do desastre econômico, a estrutura dramatúrgica intercala cenas na
casa da fazenda e cenas na pequena casa da cidade, onde a família passa a
viver dos modestos ganhos dos filhos, especialmente de Lucília, que se torna
costureira. Esse recurso permite ao autor apresentar o verso e o reverso das
situações, justificando comportamentos e projetando expectativas. A
alternância entre os dois momentos, mostrados simultaneamente, constitui-se
no trunfo maior da arquitetura cênica de A Moratória.

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Os diálogos são curtos, diretos, ora carregados de tensão, revolta, ora de
ternura. Há poucos monólogos um pouco mais longos. A linguagem simples,
coloquial justifica-se pelas cenas familiares reproduzidas.

ESPAÇO

A peça ocorre em dois planos: em um, uma sala espaçosa de uma antiga e
tradicional fazenda de café; em outro, uma sala modesta mobiliada onde se vê,
em primeiro plano, uma máquina de costura. É através desses dois cenários
que o autor consegue fazer o presente e o passado próximo. O espectador, em
um mesmo instante, através da mudança de planos, entra em contato com
duas realidades distintas, ligada somente pelas personagens. Para efeito do
resultado, a estória será narrada linearmente.

O espaço está associado a um passado heróico, aos antepassados, às famílias


fundadoras. Joaquim rememora:

[...] Era um lugar virgem! Era um sertão virgem! A única maneira de se ganhar
dinheiro era fazer queijos. Imagine, Lucília, enchiam de queijos um carro de
bois e iam vender na cidade mais próxima, a quase duzentos quilômetros! Na
volta traziam sal, ferramentas, tudo que era preciso na fazenda. Foram eles
que, mais tarde, cederam as terras para fundar esta cidade. (1º Ato, p. 124).

Mas é a fazenda que alimenta os sonhos do cafeicultor: Nós vamos voltar para
lá... (1º Ato, p. 130). E, às vezes, de sua filha Lucília: Replantaremos o nosso
jardim! (1º Ato, p. 146). Morando na cidade, o ex-fazendeiro compra sementes
de dálias (aliás, falido, troca um prendedor de gravata pelas sementes), cultiva
um pé de jabuticabeira, a árvore tão presente na obra de Jorge Andrade, em
um forte simbolismo das raízes.

A cidade é o lugar em que fica o banco para o qual Joaquim deve. É o lugar,
também, onde trabalha Marcelo, seu filho, no frigorífico dos ingleses. Matamos
mil e quinhentos bois por dia, dona Helena! (1º Ato, p 133), se exibe o filho
para a mãe, Helena. Mas a mãe estranha esta atividade: [...] já imaginou a
convivência que ele [Marcelo] tem lá no frigorífico? (1º Ato, p. 133). O filho, no
entanto, ama a cidade, que “nunca esteve tão divertida!”

Ante a crise, aflora o temor da perda do lugar pelo que ele significa. Meu
marido, meus filhos nasceram aqui..., se desespera Helena (1ºAto, p. 146). E
aduz:
Sem a fazenda ele [o marido] não será ninguém. Vai se sentir inútil. (2º Ato, p.
151).

Helena tenta achar uma solução, explicando à filha o que a terra representa:

Se seu tio arrematar a fazenda, o Quim poderá continuar, trabalhar, morrer em


suas terras. Há homens que não sabem, não podem viverfora de seu meio.
Seu pai sempre morou na fazenda. Para nós, o mundo se resume nisto. Toda a
nossa vida está aqui. (2º Ato, p. 151).

Mas Joaquim não aceita esta posição humilhante. A propriedade da terra, ser o
dono dela fala tão mais forte que não entende como o seu endividamento
poderia levá-lo à perda:

Meus direitos sobre essas terras não dependem de dívidas. Nasci e fui criado
aqui. Aqui nasceram meus filhos. Aqui viveram meus pais. Isto é muito mais do
que uma simples propriedade. É meu sangue! Não podem me fazer isto! (2º
Ato, p. 166).

Várias leituras podem ser feitas deste trecho. Da manutenção de um status, a


uma percepção de quem se considera com direito adquirido intocável e
imutável até a incapacidade do ex-cafeicultor de compreender como a posição
da sua classe havia sofrido um forte deslocamento, perdendo a posição na
pirâmide social para outros segmentos que estão emergindo no mundo urbano.
Como não compreende, Joaquim desdenha, desqualifica: [...] Uma gentinha,
que não sei de onde veio, tomou conta de tudo! [...] Vivíamos muito bem sem
elas. Gentinha! (2º Ato, p. 177).

TEMPO
Muitas marcas, ao longo do texto, apontam o confronto de tempos. Assim, no
1° Ato, Lucília, a filha do dono das terras de café, costura com pressa porque
“meu serviço está atrasado”, enquanto o pai – Joaquim – responde: “Cada
coisa em sua hora”, logo replicado pela filha: “Para quem tem muito tempo”.
Ritmos de tempo diferenciados, entre a pressa e um tempo mais lento,
encarnado em duas gerações diferentes.

O pai reafirma o seu tempo, quer prolongá-lo: “Pensa que sou igual a esses
mocinhos de hoje?” “O médico disse que ainda tenho cem anos de vida”.
Distingue-o
do tempo presente, por uma qualidade em detrimento deste: “Quando meus
antepassados vieram de Pedreira das Almas para aqui, ainda não existia nada.
Nem
gente desta espécie”. Mas as mudanças estão acontecendo. E para pior, como
neste trecho representacional, em que os personagens se posicionam de forma
diferente:

HELENA (mulher de Joaquim): Não suporto mais essa incerteza (1º Ato, p.
127), expressando a dificuldade de entender o que se passa;
ELVIRA (a irmã de Joaquim): Você não pode imaginar a situação em que
estamos; [dirigindo-se a Helena (sua cunhada)]: A situação não é boa [...] São
muito graves os acontecimentos. Vamos atravessar uma grande crise (1º Ato,
p. 144), anunciando/enunciando o torvelinho que virá;
LUCÍLIA: Acontece que precisamos encarar a situação de frente, não há outra
saída. [...] Aos poucos a situação melhora (1º Ato, p. 140), expressa o
enfrentamento da crise e a esperança que as coisas mudem;
JOAQUIM: Ainda somos o que fomos (1º Ato, p. 141), manifesta a
permanência, ou a vontade de, não acreditando que as coisas mudem.

As marcas textuais sinalizam, sob a forma de diálogos, um tempo de crise. Na


parte final do 1º Ato, no diálogo entre as quatro personagens acima referidas,
se
explicita a historicidade da crise: a queda dos preços do café, a não
continuidade da política de defesa do produto pelo Governo “do Ditador”, o
endividamento dos cafeicultores junto ao “Banco” (assim mesmo, grafado com
Maiúscula, significativamente).

Presentes diversos tempos e diversos espaços na narrativa, a sua inter-relação


é construída de forma original, não linear, com a predominância de uma
temporalidade ou de outra em cada cena, ora o presente ora o passado,
porém, com o “atravessamento” de um pelo outro. Em quase todas elas, há um
contraponto com a outra temporalidade, não predominante. Em quase todas as
cenas, há um fio que junge os dois tempos e os entrelaça.

O movimento entre os tempos, quando parte do presente como predominante,


recua para um passado bem próximo e vai deslizando para um passado cada
vez mais distante [do mais presente ao mais passado]. Quando o passado é o
predominante, o tempo caminha cada vez mais para o futuro [do mais passado
ao mais presente]. Assim, o binômio presente-passado foi estruturado de forma
vertical e horizontal. A vertical consiste na leitura de um só tempo (presente ou
passado) de cena para cena, apontando esse recuo ou esse avanço, conforme
se enfoque o presente ou o passado. A horizontal consiste na leitura entre
presente-passado e vice-versa no âmbito da mesma cena, apontando como o
intervalo entre os tempos vai se estreitando.

SÍNTESE DO MOVIMENTO DOS TEMPOS

1º ATO - No 1º Ato, Jorge Andrade coloca todos os personagens do drama:


Joaquim, Helena, Lucília, Marcelo, Elvira, e dois ausentes, mas referenciados –
Augusto e Arlindo – que, não casualmente, serão as duas figuras que, de
modos diferenciados, se relacionam com a ruína de Joaquim. Este parte da
trama articula o tempo e o espaço com as seguintes marcas: 1ª cena: o
processo de Joaquim no presente – Helena rezando na fazenda; 2ª cena: a
religiosidade de Helena – a crise e a dívida; 3ª cena: Marcelo e seu trabalho, o
trabalho de Lucília – o recado de Helena a Elvira; 4ª cena: A preguiça de
Marcelo e o recado para Elvira, a indagação por Olímpio; 5ª cena: o casamento
irrealizado de Lucila – a conversa do pai com Marcelo; 6ª cena: a conversa de
Joaquim com Marcelo sobre o trabalho e a notícia do namoro de Lucília –
Joaquim lendo jornais; 7ª cena: crítica à política, ao “Ditador” e ao PRP - Elvira
chega à fazenda; 8ª cena: a crise relatada por Elvira – a moratória.

2º ATO - o 2º Ato, tempo e espaço são marcados por alguns acontecimentos


preponderantes: 1ª cena: a alegria de Joaquim, esperançoso – o desânimo de
Helena, desesperançada; 2ª cena: continua a situação da cena anterior; 3ª
cena: a crise e a situação de Joaquim se perder a fazenda – a situação de
Joaquim diante da irmã; 4ª cena: notícia da perda da fazenda e a relação com
o casamento de Lucília – a expectativa da comemoração e o conflito com
Marcelo; 5ª cena: o duro conflito entre Joaquim e Marcelo, com a ordem para
sair de casa – simultaneamente, a ordem para Olímpio sair da casa de
Joaquim; 6ª cena: a fuga de Arlindo, a briga com Augusto e a esperança de
Joaquim – a desesperança de Lucília; 7ª cena: a sentença do Tribunal
indeferindo o pedido de nulidade – o começo do trabalho de Lucília como
costureira.

3º ATO - No 3º Ato, as marcações entre passado e presente deram relevo a: 1ª


cena: a consumação da perda da fazenda e as evocações do lugar – a
possibilidade de Lucília parar de trabalhar; 2ª cena: a perda do processo por
Joaquim e o conflito com Elvira – Joaquim com o galho da jabuticabeira; 3ª
cena: preparativos para a saída da fazenda – a expectativa de dar a notícia
sobre o processo a Joaquim; 4ª cena: o desfecho da narrativa, deixando a
dúvida se Joaquim sabe – a evocação da fazenda.

PERSONAGENS

Joaquim - Protagonista da peça. Aparentemente autoritário, estúpido,


prepotente, é, na verdadem um personagem lírico, que só mantém suas
atitudes em função do papel que representa - coronel e pai. É capaz de gestos
ternos, como arrumar os figurinos da filha, catar alfinetes e falar com carinho da
terra. Tudo gira em torno dele; os outros são secundários.

Helena - Esposa de Joaquim. Mulher prática, acostumada à materialidade e à


ceitação ou submissão, encara as mudanças da fortuna de forma mais natural.
Compartilha o saudosismo do marido em relação ao passado, mas também
têm consciência de que viveram afastados e não evoluíram.

Marcelo - Nunca se interessara pela fazenda. Não permanece em nenhum


emprego e ainda gasta o dinheiro suado na boemia, explorando a mãe. É o
filho desesperançado, inadaptado, aquele que vive uma outra realidade que
não a do pai, aquele que é capaz de proferir palavras rudes e no entanto,
verdadeiras, apontando a terrível realidade: 'O senhor finge não perceber que
não fazemos mais parte de nada, que nosso mundo está irremediavelmente
destruído... As regras para viver são outras, regras que não compreendemos
nem aceitamos... tudo agora é diferente, tudo mudou. Só nós é que não.
Estamos aqui morrendo lentamente...'

Lucília - Realista diante dos reveses da sorte, trabalha para sustentar a família.
A esta devotada, adia o casamento e ataca a tia por não ter ajudado o pai.
Elvira - Tia de Lucília e Marcelo, irmã de Joaquim. Pouco aparece, mas
representa a aristocracia que faz pequenas caridades humilhantes e se nega a
ajudar o irmão na necessidade.

Olímpio - Noivo de Lucília, é bacharel. Conseguiu cortar o cordão umbilicar da


terra, saiu, viajou, e vê a situação com objetividade e senso crítico.

RESUMO

Quim [Joaquim] é fazendeiro de café, afeiçoado a terra, mas acaba sendo


levado à ruína, por maus negócios. Tem setenta anos e representa o orgulho
de um nome, já sem encontrar respaldo entre os cidadãos de uma cidade que
está transformada com a presença de elementos estranhos à casta tradicional.
Diz Joaquim: 'Não sei como, minha filha, mas de repente, senti como se
estivesse só naquela cidade. Parecia que todas as portas estavam fechadas
para mim. Eu não conhecia mais ninguém. Percebia que atrás das janelas
todos me olhavam e... ninguém... ninguém...' Mergulhado em sua solidão,
nutrido pela esperança de recuperação, só encontra amparo na família. A
mulher Helena é a mais corajosa, soube enfrentar melhor a situação, e a filha
Lucília tornou-se o arrimo da família, agora vivendo dos proventos de sua
costura, uma vez que o irmão, Marcelo, não se adapta a nenhum emprego.

Fora da família estão Olímpio, advogado, filho do rival político de Quim, mas
apaixonado Poe Lucília. Elvira, irmã de Quim, mulher rica e 'caridosa' que
entrega café e outras coisas que vêm da fazenda em troca das costuras 'grátis'
da sobrinha. Não tem filhos e vive envolvida com a assistência dada a um asilo.
Nesse pequeno universo, as personagens vão sendo colocadas à mercê de um
destino cruel. Quim, em torno do qual a história gira, alimenta uma esperança
de retornar à fazenda, que foi à praça, para saldar as dívidas. A crise do café
não permitiu a venda, a florada não foi boa; a chuva tardou, o governo não
fixou um teto mínimo para o café, não há dinheiro. Só resta a esperança de
poder recuperar a fazenda, a esperança de uma moratória que todos sabem
não vir.

Lucília é filha solteirona que vê seu casamento com Olímpio frustrado pelo
autoritarismo paterno. Não se entrega aos sonhos e às esperanças do pai, que
acha poder reaver a fazenda. É ela que, com força e convicção, recupera a
dignidade da família, costurando furiosamente. É ela que procura lutar pela
realidade bruta, protegendo o pai contra as intempéries:
Se a senhora [Elvira] merecesse respeito, teria tido um pouco de amor por seu
irmão, piedade ao menos. Gostaria que tivesse assistido à chegada deles,
quando vieram da fazenda. Só aí poderia compreender até que ponto sofreram!
Com o relógio, os quadros e esse... esse galho de jabuticabeira nas mãos...
pareciam duas crianças assustadas, com medo de serem repreendidas.
Através de cada gesto, de cada olhar, havia um pedido de perdão, como se
eu... eu pudesse censurá-los em alguma coisa. Egoísta! A senhora é uma
mulher má. Papai é mesmo de boa-fé, tem bom coração, caso contrário teria
posto à senhora daqui para fora. O que eles sofreram, você e tio Augusto hão
de pagar.

Com simplicidade, Jorge Andrade vai chegando ao clímax da peça, a hora da


revelação e, conseqüentemente, a hora em que Joaquim se depara com a
verdade / realidade, que nós, espectadores, conhecemos desde o primeiro
momento. É pujante a dor de homem e a ela estamos irmanados pela
indescritível capacidade da arte de fazer o tempo / espaço identificar-se com
outro espaço / tempo do espectador.

Contos Negreiros, de Marcelino Freire


Na obra Contos Negreiros, Marcelino Freire aborda temas delicados e
polêmicos como racismo, turismo sexual, tráfico de órgãos e homossexualismo.
A paisagem urbana é o cenário principal de seus cantos (contos). Algumas
paisagens de importantes centros urbanos, como Recife e São Paulo, como as
zonas de prostituição, morros, favelas e pontos turísticos, tornam-se palcos
para a exposição de uma realidade complexa e miserável, vivida por
prostitutas, “bichas”, negros, índios, além de abrigar traficantes de órgãos e de
drogas, e turistas sexuais. Marcelino Freire apresenta 16 narrativas (contos e
crônicas) que procuram aproximar-se de uma linguagem coloquial, memorial e,
às vezes, musical, baseada nas influências deixadas pela oralidade das
ladainhas e canções nordestinas. Ele escreve a partir do ponto de vista de
brasileiros miseráveis ou mortos-vivos, que, como “zumbis”, vendem de tudo
para sobreviver: drogas, o corpo, o rim. Sua criação literária passa pela
valorização da memória, oriunda das heranças culturais – a cultura popular
nordestina – e a percepção de um tempo presente. As experiências ocorridas
no dia-a-dia das metrópoles brasileiras apresentam testemunhos de sujeitos
que estão à margem da sociedade contemporânea. Sujeitos sem voz, sem
espaços para o testemunho, vistos quase como objetos ou tratados como
objetos pela mídia e por toda sociedade.

Embora o título do livro e a capa do mesmo, com uma imagem de um homem


negro (possivelmente escravo), indiquem, num primeiro momento, que as
narrativas são dedicadas a histórias sobre o negro, o autor não parte do
preconceito ao negro ou de sua realidade de exclusão para compor sua obra.
Ela é composta pela experiência de exclusão de todos os “mortos-vivos” que
perambulam pelas ruas dos grandes centros do país, independentemente da
cor da pele.

A narração de uma experiência guarda algo da intensidade do vivido, seja por


aqueles que narram sua própria experiência ou por aqueles narradores
observadores que narram a experiência do outro. Nos Contos Negreiros, são
narrados acontecimentos comuns à vida de sujeitos comuns. Fatos do dia-a-dia
narrados por seus protagonistas, aqueles que sempre têm suas vozes
emudecidas pelos próprios acontecimentos dos quais são autores. Para tanto,
Freire utiliza-se, como já citado, da oralidade, da memória, ora do relato
objetivo, ora do relato subjetivo, para desenvolver testemunhos que não visam
formar uma identidade, mas apresentar as condições extremas vividas em
plena contemporaneidade. Tais condições são encontradas no “canto” Nação
Zumbi, que apresenta a história de um personagem sem nome, que estava
prestes a fechar um negócio: a venda do próprio rim para traficantes de órgãos.
O personagem narra com indignação e frustração a interrupção da compra, a
impossibilidade do fechamento do negócio. A polícia descobre a trama e o
desfecho da história é a afirmação: “sei que vão encher meu rim de soco”. Ele
acreditava que a venda do seu órgão era uma forma de mudar de vida, de
“livrar sua barriga da miséria”. O texto mostra a pobreza, o comércio ilegal, o
corpo como moeda, como pode ser lido na seguinte passagem do conto:

“E o rim não é meu? Logo eu que ia ganhar dez mil, ia ganhar. Tinha até
marcado uma feijoada pra quando eu voltar, uma feijoada. E roda de samba
pra gente rodar (..) E o rim não é meu, sarava?
Quem me deu não foi Aquele-lá-de-cima, Meu Deus,
Jesus e Oxalá? (...) O esquema é bacana. Os caras chegam aqui levam a
gente para Luanda ou Pretória. (...) Puta oportunidade só uma vez na vida (...)”.

Na história acima, o protagonista teria que ir a Luanda ou Pretória para fazer


sua cirurgia. As metrópoles, desde o período moderno, surgem como centros
para a formação cultural, intelectual e profissional do homem que, então,
através do trabalho, gera o progresso. No entanto, elas tornaram-se também o
cenário mais comum dos processos ilícitos construídos pela humanidade:
tráfico, seqüestro, violência, roubos. O autor abriga seus personagens dentro
das zonas mais inóspitas da cidade, mas sem deixar de produzir um fascínio
nos próprios personagens (e nele mesmo). O testemunho representa as
experiências de um coletivo que as torna, sobretudo, comunicáveis. Algo que,
embora possa virar notícia, não torna a experiência uma mensagem a ser
legitimada. Segundo Beatriz Sarlo, para existir a experiência é necessário que
a narração esteja unida ao corpo e é exatamente esse tipo de narração que é
feito pelos personagens dos Contos Negreiros, pois suas experiências são
contadas com os próprios corpos e através da memória do seu autor. As
experiências do nordestino que muda para a cidade grande oferecem a
Marcelino Freire uma série de acontecimentos e histórias que são
transformadas em relatos do cotidiano dos personagens excluídos.

Os testemunhos dos personagens apresentam a vida do citadino, em particular


daqueles que habitam no submundo da cidade, vivendo à margem, mas que
ganham voz e corpo nas narrativas do autor pernambucano. Os sujeitos-
testemunhas transmitem suas experiências fatídicas, entretanto, esses
personagens não são mais importantes que os efeitos dos seus testemunhos
ou que as mensagens transmitidas pelos seus relatos. Para Beatriz Sarlo: “Em
suma, não se pode representar tudo o que a experiência foi para o sujeito, pois
se trata de uma matéria prima em que o sujeito-testemunha é menos
importante que os efeitos morais de seu discurso. Não é o sujeito que se
restaura a si mesmo no testemunho do campo, mas é uma dimensão coletiva
que, por ocasião e imperativo moral, se desprende do que o testemunho
transmite”.

O testemunho na obra de Freire nasce de um anseio subjetivo, mas que


expressa situações limites vivenciadas por um coletivo, revelando, portanto, o
cenário que compõe a vida contemporânea nas cidades brasileiras, embora
pareça distante e imperceptível à nossa sociedade. As experiências dos seus
personagens-testemunhas são comunicadas a partir de uma linguagem que
beira a oralidade, vinda das ruas para dentro do texto escrito. O relato
testemunhal dos personagens-excluídos de Marcelino Freire nos permite
enxergar com mais lucidez a realidade vivenciada por eles e que apontam para
uma visão realista e literariamente ligada ao contemporâneo.

Um dos textos mais criativos do livro é "Linha de tiro", diálogo que se repete
indefinidamente, como aquelas figuras dentro de figuras dentro de figuras, com
as quais Magrite brincava com grande habilidade. A conversa é um assalto em
que a mulher acha que o assaltante lhe quer vender chocolates. Serve para
mostrar a infinidade de mal-entendidos que é esta nação, pois nem o
assaltante se consegue fazer entender: diante da ameaça não há pânico,
apenas estranhamento, como se cada um falasse uma língua diversa e nem
mesmo o gestual tivesse um significado: "É um assalto! Não, obrigado, hoje
não vou querer chocolates". É um texto rico para pensarmos a dificuldade
histórica que o Brasil tem de elaborar um discurso constitutivo, em que todos
falem um idioma comum em prol da construção de algo duradouro e
consistente.

"Yamani", trata de um assunto quase ignorado na nossa prosa: o turismo


sexual e a exploração de crianças prostituídas. Um turista, ao viajar pela
Amazônia, deixa claro sua aversão ao Brasil e suas florestas, mas, ao mesmo
tempo, narra seu desejo por uma criança indígena (prostituta), como é possível
observar neste trecho:

“E os índios? O que tem os índios?


O que você achou dos índios do Brasil?
Fodam-se os índios do Brasil. Toquem fogo na floresta. Vão à merda (...) Só
lembro de Yamami. Sempre gostei de crianças. Aqui é proibido. Yamami, meu
tesouro perdido (...) Indiazinha típica dos seus trezes anos. As unhas pintadas,
descalçadas. Tintas extintas na cara.
Coisinha de árvore (...)”.

No conto, o estrangeiro revela seu descaso referente à natureza e ao povo


brasileiro. Seu interesse pela indiazinha Yamami, de treze anos, é puramente
sexual. A crítica à situação dos índios e à exploração de crianças no Brasil é
direta: “Lá posso colocar Yamami no colo e ninguém me enche o saco. E
ninguém fica me policiando. Governo me recriminando”.

Nota-se que o texto nos oferece a experiência vivida por um estrangeiro no


Brasil, que viaja pela Amazônia e se encontra com “uma indiazinha”. O
testemunho aqui se dá de duas formas: a primeira é a visão desinteressada e
alienada que esse estrangeiro tem sobre o país, nada disposto a conhecer a
cultura, as tradições, a floresta ou os problemas sociais da Amazônia. Por outro
lado, esse mesmo personagem nos apresenta à realidade: o turismo sexual e a
prostituição infantil que tomam conta das capitais do país e a marginalização
dos nossos índios. A história, em princípio, surge como um simples relato de
mais um turista vindo ao país, interessado nas “belezas tupiniquins”, mas que
ganha uma dimensão maior ao denunciar uma situação-limite.

"Solar dos príncipes" traz um grupo de moradores de uma favela que resolve
filmar o dia-a-dia dos moradores de um condomínio de luxo, um toque
sarcástico para comentar a onda que tem sido engomadinhos com uma câmera
na mão entrando nas favelas para registrar o ‘inusitado’ e ganhar prêmios
internacionais em cima da miséria alheia. Aqui os papéis se invertem,
mostrando a situação num avesso cheio de pequenas sutilezas. Já se inicia
anunciando a que vem: “Quatro negros e uma negra pararam na frente deste
prédio”. Trata-se de um grupo de amigos do Morro do Pavão que quer filmar
um apartamento e fazer uma entrevista com um morador. Quando o porteiro,
também negro, impede a entrada do grupo, o narrador desabafa: “A idéia foi
minha, confesso. O pessoal vive subindo no morro para fazer filme. A gente
abre as nossas portas, mostra as nossas panelas, merda”. O incômodo com o
fato de permitir a entrada aos de fora, mas não ser recebido quando se desloca
ao bairro rico, é manifestado pelo narrador. Ainda, denuncia-se a visão
distorcida dos que documentam a periferia: “A gente não só ouve samba. Não
só ouve bala”. Ao fim, o porteiro chama a polícia e, assim, a estréia dos quatro
aspirantes cai na mesmice: novamente o filme tem tiro e sirene da viatura
policial.

"Nação Zumbi", como já citado acima, é um dos pontos altos do livro conta a
história de um homem preso por tentar vender o próprio rim, que afinal, era
dele, podia fazer com o órgão o que lhe desse na telha. Há um diálogo com o
personagem andarilho de "Cronicamente inviável", filme pouco visto e que
tirante alguns exageros, poderia colocar na pauta do dia assuntos que urgem
ser discutidos - e sem hipocrisia - pela nossa sociedade. O preconceito racial é
retomado. O narrador tenta provar de que maneira a venda de seu rim o tiraria
da situação de pobreza em que se encontra. No entanto, o tom de decepção de
sua fala e a chegada dos policiais no fim da narrativa prenunciam o seu
destino: “A polícia em minha porta, vindo pra cima de mim. Puta que pariu, que
sufoco! De inveja, sei que vão encher meu pobre rim de soco”.

"Coração" é um texto mais longo, em que salta a veia narrativa de Freire. Seu
tema é a homossexualidade.
Em “Totonha”, uma senhora discursa sobre os motivos de não querer aprender
a escrever: não é mais moça, não tem importância alguma, não quer baixar a
cabeça para imprimir seu nome em um pedaço de papel. Totonha
argumenta: “O pobre só precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa eu, aqui
no meu canto. Na boca do fogão é que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de
sílaba?”.

Em“Trabalhadores do Brasil”, o autor refere-se aos homens e mulheres que se


esforçam todos os dias em subempregos para sobreviver. As personagens
desse canto recebem os nomes de alguns Orixás e de referências africanas e
afro-brasileiras: Olorô-quê, Zumbi, Tição, Obatalá, Olorum, Ossonhe, Rainha
Quelé, Sambongo. O narrador interpela diretamente o leitor com a pergunta ao
final de cada parágrafo: “(...) tá me ouvindo bem?”. Sem nenhuma pontuação, o
texto explode em uma crítica indignada aos “pré-conceitos” relacionados aos
negros, mais direta no primeiro e nos últimos parágrafos: “(...) ninguém
vive aqui com a bunda preta pra cima tá me ouvindo bem?” e “Hein seu branco
safado? Ninguém aqui é escravo de ninguém”.

“Esquece” define o que é violência aos olhos de um excluído social, que


representa tantos outros. Também marcado pela falta de pontuação, o conto é
um “desafogo” diante das notícias freqüentes sobre o tema, veiculadas
intensamente nos jornais e na televisão, através da lente das classes média e
alta. Nesse conto, a vítima está do outro lado, quase sempre
esquecida: “Violência é a gente receber tapa na cara e na bunda quando
socam a gente naquela cela
imunda cheia de gente e mais gente e mais gente e mais gente pensando
como seria bom ter um carrão do ano e aquele relógio rolex mas isso fica para
depois uma outra hora. Esquece”.

A visão estrangeira da personagem alemã em “Alemães vão à guerra”


representa o senso comum: “Nosso dinheiro salvarria, porr exemplo, as
negrrinhas do Haiti”. A personagem olha para o Haiti e para Salvador como
lugares quentes e cheios de amor. Porém, é possível afirmar que a noção de
“estrangeiro” ultrapassa a questão da fronteira e instala-se nas diferenças entre
as classes sociais, o que aponta alguns olhares estrangeiros dentro de um país
tão desigual como o Brasil.

Vaniclélia, personagem do conto homônimo, apanha do homem com quem vive


e a quem chama de belzebu. Seu parâmetro de comparação são os “gringos”,
que escolhem as mulheres no Calçadão de Boa Viagem: “Casar tinha futuro.
Mesmo sabendo de umas que quebravam a cara. O gringo era covarde, levava
pra ser escrava. Mas valia. Menos pior que essa vida de bosta arrependida”.

No conto "Curso Superior" um jovem expõe à mãe seu medo de entrar na


faculdade e não conseguir concluir o curso, por diversos motivos: porque
possui deficiência nas disciplinas, tem medo do preconceito, pode engravidar a
loira gostosa da turma e não conseguir nenhum tipo de emprego, porque o
policial vai olhá-lo de cara feia e ele vai fazer uma besteira. Seu fim seria a
prisão, sem o privilégio da cela especial. Por meio desse discurso profético, o
círculo vicioso do preconceito racial e social é tratado com ironia pelo autor.
O conto “Caderno de turismo” foge um pouco da temática do livro, mas não
deixa de ser polêmico: “Zé, olhe bem defronte: que horizonte você vê, que
horizonte? Pensa que é fácil colocar nossos pés em Orlando?” (p.69).

“Nossa rainha” e “Meu negro de estimação” tratam, essencialmente, do


embranquecimento do negro. O conflito entre o desejo da menina do morro de
ser a Xuxa e a situação de pobreza em que se encontra faz com que sua mãe
reflita sobre as diferenças sociais entre sua filha e a Rainha dos Baixinhos. A
mídia, novamente, constrói um modelo que reforça o preconceito racial e
social. A menina pode vir a ser a Rainha da Bateria, sonho mais próximo à sua
realidade. Xico Sá questiona se o conto “Meu negro de estimação” não seria
uma fábula a Michael Jackson. O narrador refere-se a seu negro de estimação
como um homem melhor do que era: “Meu homem agora é um homem melhor.
Mora nos jardins, veste calça. Causa inveja por onde passa. Meu homem não
tem para ninguém, só para mim. Meu homem se chama Benjamin”. É
importante lembrar que, na gravação em CD que Marcelino Freire fez de seus
Contos Negreiros, há uma mudança significativa nesse conto: substitui-se
“homem” por “negro”.

‘A COR PÚRPURA’, DE ALICE WALKER


“Querido Deus, Ele me bateu hoje porque disse queu pisquei prum rapaz na
igreja. Eu pudia tá com uma coisa no olho, mas eu num pisquei. Eu num olho
pros homem. Essa é que é a verdade. Eu olho pras mulher, sim, porque num
tenho medo delas. Talvez porque minha mãe me botou maldição o senhor acha
queu fiquei com raiva dela. Mas não. Eu sentia pena da mamãe”. Esse trecho
faz parte do livro A cor púrpura, escrito por Alice Walker em 1983 e reeditado
neste ano pela José Olympio. O livro, que foi adaptado para o cinema em 1985
e dirigido por Steven Spielberg, conta a história de Celie, que escreve cartas
para Deus e, mais tarde, para sua irmã, para contar sobre a sua vida.

O livro de Alice Walker é um dos mais conhecidos da literatura norte-americana


recente, tendo ganhado o prêmio Pulitzer quando foi publicado no país. Sua
protagonista Celie conquistou uma legião de fãs e é fácil entender o porquê. A
história se passa no período entre os anos 1900 e 1940. Celie é uma mulher
negra, semianalfabeta, que mora no sul dos Estados Unidos. Desde sua
infância, ela é estuprada pelo padrasto e depois forçada a se casar com Albert,
um viúvo violento que bate nela cotidianamente e a trata como uma pessoa
inferior que está ali para fazer suas vontades e cuidar dos serviços da casa e
de seus filhos. Na narrativa, Celie chama o marido de Sinhô _ o que evidencia
a natureza da relação dos dois que não é de amor e de parceria, mas sim de
poder e opressão.

Este livro é estruturado de forma epistolar, ou seja, durante toda a obra os


acontecimentos são mostrados nas cartas escritas por Celie e depois por sua
irmã Nettie. Mesmo que o leitor não se sinta atraído pela leitura de cartas ou
não tenha tido boas experiências com livros epistolares, deveria dar uma
chance para esse livro. A cor púrpura apresenta personagens cativantes
inseridos em um enredo comovente e dramático. Embora existam momentos
extremamente dolorosos, trata-se de um livro que provoca dor, mas também
consegue arrancar sorrisos.

É muito fácil sentir empatia por vários personagens e as cartas não são
entediantes, burocráticas ou sequer formais. A forma com que Celie escreve
sobre si mesma e sua vida é delicada e natural. Alice Walker expõe a lacuna
deixada pela falta de educação formal por meio de erros, principalmente de
ortografia, cometidos por Celie ao escrever. Como fazem parte do contexto
proposto pela história, as inadequações não devem incomodar, mas aproximar
o público de Celie.

Ainda na própria estrutura, o livro não aposta na alternância de interlocutores a


cada carta ou quase isso. Pelo contrário: durante a parte inicial, Celie dirige
suas cartas a Deus de maneira contínua e somente depois há uma troca de
cartas com a irmã Nettie, que também não é cansativa. Essa escolha da autora
é atraente; as cartas não se sobressaem ao conteúdo e fica a sensação de que
é Celie que nos conta sua história.

Na primeira parte de A cor púrpura, as cartas que Celie direciona a Deus


mostram desde os maus-tratos que ela sofria na infância até a vida adulta,
desta vez como uma mulher casada com um homem autoritário e violento.
Com todo esse histórico, a autoimagem de Celie é bastante abalada e
distorcida e ela se vê como uma mulher descartável e não enxerga a própria
resiliência. A chegada de Shug Avery, uma cantora ousada e sensual que tem
um caso com seu marido, irá provocar uma reviravolta em Celie e despertá-la
para novas possibilidades.

Celie se sente fascinada por Shug Avery antes mesmo de conhecê-la e,


quando as duas se aproximam, a personalidade de Shug, sua espontaneidade
e recusa em seguir papéis pré-definidos para as mulheres abrem os olhos de
Celie para a opressão a que ela está submetida. Outra personagem que
cumpre esse papel na vida de Celie é Sofia, que se casa com Harpo, filho de
Sinhô. Sofia é uma mulher destemida que se recusa a obedecer Harpo, o que
gera vários problemas entre o casal.Já Celie e Shug Avery constroem uma
amizade muito singela e bonita, o que ajuda Celie a lidar até mesmo com sua
sexualidade. Aos poucos, a personagem traça um percurso de (des)construção
e acompanhá-lo é encantador.
Em determinado momento da história, Celie começa a trocar cartas com sua
irmã mais nova Nettie. Celie acreditava que a irmã havia morrido, mas depois
descobre que Nettie tornou-se uma missionária e vive na África. Além de
aproximarem as duas irmãs, as cartas de Nettie são bem escritas e deixam
clara a diferença do grau de instrução entre as duas. Enquanto Celie é
semianalfabeta, Nettie teve a chance de aprender a ler e escrever
corretamente.

O título da obra não é acidental e a cor púrpura surge em contextos variados


durante a história. Percebe-se como a presença da palavra/cor púrpura é uma
alegoria de todo o processo de autoconhecimento e de (des)construção por
que passa Celie. A cor púrpura apresenta uma história sobre racismo,
subserviência e violência contra as mulheres e até hoje essas questões
permanecem atuais e urgentes.

Retratos de Carolina - Lygia Bojunga


Retratos de Carolina foi o primeiro livro a ser publicado pela Editora Casa Lygia
Bojunga, em 2002. No mesmo ano, ganhou o prêmio Altamente recomendável
para o jovem, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ, maior
instituição do setor de literatura infantil no país. Dividido em duas partes, cada
capítulo do livro traça um retrato de uma fase (idade) na vida de Carolina.
Assim, acompanhamos seu crescimento dos seis aos 29 anos, passando pelos
momentos mais marcantes de sua vida até então. O primeiro retrato mostra
Carolina aos seis anos vivendo seu primeiro encantamento: Priscilla. As duas
se conhecem na escola e Carolina fica fascinada com seu sorriso, seus olhos
verdes, seu cabelo avermelhado e sua ousadia. É uma admiração pueril, mas
intensa e exclusivista. Priscilla, por outro lado, vê Carolina como mais uma
amiga entre tantas. Vale destacar essa diferença entre as duas, pois revela
como Carolina lida com seus afetos desde cedo, levantando algumas questões:
em que medida devemos nos doar dentro de um relacionamento? Até que
ponto uma entrega absoluta nos afasta de nós mesmos? É na festa de
aniversário de Priscilla que Carolina sofre sua primeira decepção. Chega à
festa louca para confidenciar à amiga uma cena terrível acontecida em casa.
Mas Priscilla, ao invés de compartilhar da dor de Carolina, só está interessada
na festa e nos prêmios que serão sorteados na hora de fatiar o bolo. Carolina
sente o baque da desatenção, mas o que a faz se sentir realmente traída é ver
Priscilla trapaceando no resultado do prêmio que seria dela: em vez da
belíssima boneca a que tinha direito, Carolina ganha um pássaro preso numa
gaiola. A passagem é uma ótima oportunidade para refletir sobre expectativas
não alcançadas, frustrações e traições. Que sentimentos a decepção traz
consigo? Como trabalhar essas questões internamente? Seria a Arte uma
forma de lidar com elas? Esse primeiro retrato também revela as diferentes
relações que Carolina tem com o Pai e a Mãe. Com o Pai, Carolina tem um
relacionamento próximo e afetuoso, cheio de confiança, amizade e admiração
mútua. Com a Mãe, a relação é mais difícil, já que esta é apegada a princípios
rígidos, interesses diferentes e não entende a personalidade da filha. Essas
duas relações são muito interessantes para serem debatidas. Ao longo da
narrativa, irão influenciar as decisões de Carolina em momentos chaves de sua
vida. Aos 15 anos Carolina vive mais dois fascínios: um por Londres, que
conhece numa viagem à Europa com os pais, e outro por um vestido que vê
numa vitrine naquela cidade. Aos 20 anos, Carolina está na faculdade de
Arquitetura. Gosta de estudar, é aplicada e se interessa imensamente por
espaços e móveis. É importante reparar nessa imagem de Carolina, porque
vemos aqui um componente importante de sua personalidade que, mais
adiante, sofrerá um golpe. Alunos do Ensino Médio já estão pensando em seu
futuro profissional. Aproveite essa passagem do livro e reflita com eles sobre a
importância de transformar sonhos em objetivos. É válido levantar também
questões sobre autoconhecimento e sobre buscar dentro de si aquilo que os
faz feliz. Em um jantar, Carolina conhece o Homem Certo (denominação que
reflete a ironia da autora), namorado de uma amiga sua. O interesse dele por
Carolina é imediato e os dois acabam se envolvendo e entrando num tipo de
relacionamento que trará aos leitores as mais diferentes reflexões. Antes de
falarmos sobre isso, no entanto, vamos falar de uma personagem importante: a
escrivaninha do Pai de Carolina. O móvel faz parte da forte ligação que existe
entre pai e filha. É diante da escrivaninha que acontecem as principais
conversas entre Carolina e o Pai. Num desses diálogos Carolina conta o que
sente pele Homem Certo e percebemos, então, pela intensidade com que narra
seus novos sentimentos, o quanto se deixou envolver emocionalmente por ele.
Nesse momento, Lygia faz um pequeno retrato do personagem: perdulário,
excessivamente sedutor e manipulador de emoções; Adicto em cocaína e
bebida; Tinha sido casado com uma mulher chamada Eduarda, que o largou
por não suportar seu estilo de vida. Intimamente, ele continua obcecado por ela
e, em sua relação com Carolina, pretende “reeditar” nela essa mulher. (p.100)
“E quando ele disse, vamos casar! não quero mais esperar pra você ser minha,
exclusivamente minha, a Carolina (sem achar esquisito nem nada de passar a
ser de alguém depois de vinte e um anos sendo dela) só perguntou: - E a
Eduarda?”(p.102) Os retratos da Carolina casada são curtos, mas muito
significativos. Todos mostram conversas dela com o Pai diante da
escrivaninha. Vamos acompanhando, então, um “apagamento” gradual na
personalidade da personagem. No primeiro retrato, ela conta que, mesmo
contrariada, trancou a matrícula na faculdade a pedido do Homem Certo. No
segundo, ela não esconde a depressão que anda se apossando dela.
Sintomaticamente relembra o Pet (nome do pássaro preso na gaiola que
ganhou no aniversário de Priscilla) e tenta recordar se deixou a porta da gaiola
aberta ao abandonálo no jardim, quando saiu da festa – numa clara referência
à prisão e liberdade. A passagem suscita uma série de reflexões sobre
relacionamentos tóxicos. Veja como Carolina foi abrindo mão de tudo que lhe é
importante só para não contrariar nem brigar com o marido. Mesmo as
conversas com seu Pai, que ela adora, vão se tornando soturnas, misteriosas.
Ele sabe que ela não está feliz, mas Carolina tenta disfarçar suas decepções.
O terceiro retrato, no entanto, traz um sopro de esperança à heroína da
história. Numa conversa sincera e muito triste, em que o Pai de Carolina revela
que está na fase terminal de uma doença, finalmente os dois abrem o jogo. Ele
fala o quanto se frustrou no casamento que mantém com a Mãe de Carolina, e
o quanto sempre se alegrou de ver que as tendências, ideias e desejos da filha
eram tão diferentes dos da mãe. Daí ter se entristecido tanto com a escolha de
Carolina pelo Homem Certo. Acolhida, Carolina se sente segura para
desabafar tudo que está acontecendo em sua vida. Conta que foi estuprada
pelo marido, que sofreu ameaças de morte ao tentar deixá-lo e que fez um
aborto ao descobrir que estava grávida. Revela ainda que sua Mãe a acusa
pelo aborto feito e concorda com o Homem Certo não querer que ela se livre
dos laços matrimoniais. O desabafo de Carolina é de extrema importância, pois
levanta abordagens muito relevantes presentes na sociedade atual em que os
debates sobre feminismo, sororidade (apoio entre mulheres), empoderamento
feminino, violência contra a mulher e legalização do aborto ganham cada vez
mais força e espaço. Trazer esses assuntos para sala de aula é um serviço
importantíssimo. A conversa com o Pai acaba fazendo com que Carolina
decida mudar os rumos de sua vida. Podemos levantar aqui a importância do
apoio familiar, as consequências dolorosas da falta dele, e o acolhimento
trazido por uma orientação amorosa, sem autoritarismo. Um ano depois,
encontramos Carolina morando sozinha. Seu desafio agora é enfrentar os
julgamentos da Mãe. Neste retrato, Carolina tem um sonho cheio de metáforas
e simbolismos: nele, após enfrentar a travessia de um túnel escuro e
amedrontador, a jovem encontra a gaiola do Pet vazia, a porta escancarada.
Vemos novamente uma forte referência à liberdade: agora Carolina está livre
para ser dona de sua própria vida. Chance bastante oportuna para se falar com
os adolescentes sobre autonomia, escolhas e protagonismo. Nesse momento a
narrativa é interrompida pelo espaço Pra você que me lê, criado por Lygia
Bojunga para falar diretamente ao leitor. Aqui, especificamente, encontramos
Carolina insatisfeita com os retratos criados e pedindo à autora que escreva um
novo retrato em que a perspectiva sobre ela seja mais otimista. Atendendo ao
pedido, a segunda parte de Retratos de Carolina traz um único quadro: ela tem
agora 29 anos e se sente desmotivada com o trabalho que executa em um
escritório de arquitetura. Claramente vive presa a uma rotina em que a paixão,
seja pelo que for (característica tão sua), não faz mais parte. A caminho do
escritório, acaba encontrando Priscilla e as duas vão almoçar juntas para
conversar sobre o que aconteceu nesses mais de 20 anos sem contato.
Priscilla demonstra que passou todo esse tempo achando que o afastamento
da amiga tinha sido porque, impaciente com o desabafo de Carolina na festa
de aniversário, acabou chamando a mãe da amiga de puta. Quando Carolina
fala sobre a trapaça no sorteio, Priscilla silencia, deixando a personagem e os
leitores na dúvida: será que ela achava mesmo que o motivo era aquele? A
resposta, Lygia deixa para cada um chegar à sua, recurso fundamental para
um texto literário. Priscilla, então, convida Carolina para trabalhar com seu
marido num excelente projeto arquitetônico, onde poderá exercer livremente
seus dotes criativos, trazendo assim uma perspectiva otimista para o futuro da
personagem.
Fonte: http://www.casalygiabojunga.com.br/pt/paginas-conteudo/manualRetratos.pdf

O Cortiço
O Cortiço é um romance do escritor brasileiro Aluísio de Azevedo. Foi
publicado em 1890 e faz parte do movimento naturalista do Brasil.

A obra retrata a vida das pessoas simples em um cortiço (habitação coletiva)


do Rio de Janeiro.

Com um teor crítico, trata-se de uma exímia representação da realidade


brasileira do século XIX.

Estrutura da Obra
Composta de 23 capítulos, O Cortiço apresenta um narrador onisciente (aquele
que sabe de todo a história), sendo narrado em terceira pessoa.

O tempo da narrativa é linear (começo, meio e fim), seguindo o tempo


cronológico dos acontecimentos.

O local em que se desenvolve a trama representa o coletivo, tema explorado


pela escola naturalista.

Na obra, o cortiço torna-se o personagem principal, espaço personificado em


diversas passagens do livro.

Além do cortiço, há momentos em que a história se passa na pedreira e na


taverna de João Romão. Nalguns momentos é citado o sobrado da classe
burguesa, no bairro do Botafogo.

De tal modo, personagens burgueses se misturam com a vida simples dos


habitantes do cortiço.

Repleto de descrições, o romance explora as características físicas e o


comportamento de seus personagens, marcados pela degradação (moral,
espiritual e física) e ambição.

Um exemplo é animalização dos personagens, revelada sobretudo, pelos


instintos sexuais.

Saiba mais sobre o autor da obra: Aluísio de Azevedo.

Personagens e Características
Confira abaixo os personagens que fazem parte da trama:

 João Romão: português dono do cortiço, da venda e da pedreira.


 Bertoleza: escrava amante de João Romão que trabalha para ele.
 Miranda: português burguês casado com Estela e que vive ao lado do cortiço.
 Estela: esposa infiel do português Miranda.
 Zulmira: filha de Estela e de Miranda, além de esposa de João Romão.
 Jerônimo: português que administra a pedreira de João Romão. Tem um caso
com Rita Baiana.
 Rita Baiana: mulata sedutora que vive no cortiço. Teve um caso com Firmo, e
mais tarde se envolveu com o português Jerônimo.
 Piedade: esposa de Jerônimo que ao descobrir sua traição com Rita Baiana,
entrega-se ao alcoolismo.
 Firmo: amante de Rita Baiana, ele foi morto pelo português Jerônimo.
 Pombinha: moça bonita, discreta e educada que se prostitui por influência da
prostituta Léonie.
 Libório: habitante miserável e solitário do cortiço, vivia como um mendigo.
Resumo da Obra
Dono do Cortiço, João Romão é um português ambicioso que explora seus
empregados. Além de proprietário da habitação coletiva, ele é dono de uma
pedreira e uma taverna.

Ainda que não seja o personagem principal da trama, muitas passagens do


romance revelam sua ascensão social.

Ao mesmo tempo, é demostrada a degradação social dos menos favorecidos


que vivem no cortiço.

Ao lado do cortiço aparece o sobrado aristocrático, em que vive o burguês


Miranda, comerciante de tecidos, casado com Estela. Eles vivem um
casamento infeliz, e Estela o trai sempre.

Miranda demostra-se incomodado com o crescimento do cortiço e por esse


motivo, entra em rivalidade com João Romão.

No entanto, com o intuito de ter um status social parecido com de seu rival,
João Romão casa-se com a filha de Miranda e Estela: Zulmira. A partir daí, ele
consegue alcançar melhores condições sociais.

João Romão, tem uma escrava chamada Bertoleza. Ele forjou uma carta de
alforria para ela, que por fim, torna-se sua amante e passa a trabalhar para ele.

Entretanto, após seu casamento Romão entrega sua escrava fugitiva.


Desiludida com essa ação, Bertoleza se mata.

No cortiço, a vida é simples e dura. Grande parte do enredo retrata a vida de


seus moradores e de seus envolvimentos. Rita baiana é uma mulata de grande
carisma e que conhece todos os moradores da habitação coletiva.

De natureza sedutora, teve um envolvimento com Firmo e mais tarde, com o


português Jerônimo. Esse envolvimento, levou ao assassinato de Firmo.

Jerônimo é um homem honesto que trabalha na pedreira de João Romão. É


casado com a portuguesa Piedade e juntos tem uma filha.

Após se envolver com a sedutora Rita Baiana, sua esposa descobre a relação
e começa a beber.
Enciumado pelo envolvimento anterior que Rita teve com Firmo, Jerônimo
resolve assassinar seu rival. Por fim, Jerônimo abandona sua família para ficar
com Rita.

O incêndio no cortiço foi um dos fatores principais para que muitos moradores
se transferissem para outro cortiço, o “cabeça-de-gato”. Com isso, o local foi
reformado e a avenida recebeu o nome de “Avenida São Romão”.

Confira a obra na íntegra, fazendo o download do PDF aqui: O Cortiço.

Trechos da Obra
Segue abaixo alguns trechos da obra O Cortiço:

“João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro
que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos
refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhara
nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em
pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro,
como ainda um conto e quinhentos em dinheiro.” (Capítulo I)

“E durante dois anos o cortiço prosperou de dia para dia, ganhando forças,
socando-se de gente. E ao lado o Miranda assustava-se, inquieto com aquela
exuberância brutal de vida, aterrado defronte daquela floresta implacável que
lhe crescia junto da casa, por debaixo das janelas, e cujas raízes, piores e
mais grossas do que serpentes, minavam por toda a parte, ameaçando
rebentar o chão em torno dela, rachando o solo e abalando tudo.” (Capítulo II)

“Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas
a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.

Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de


chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras
notas da ultima guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e
tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.”
(Capítulo III)

“Agora, na mesma rua, germinava outro cortiço ali perto, o “Cabeça-de-Gato”.


Figurava como seu dono um português que também tinha venda, mas o
legitimo proprietário era um abastado conselheiro, homem de gravata lavada, a
quem não convinha, por decoro social, aparecer em semelhante gênero de
especulações.” (Capítulo XIII)

“Ao mesmo tempo, João Romão, em chinelas e camisola, passeava de um


para outro lado no seu quarto novo. Um aposento largo e forrado de azul e
branco com florinhas amarelas fingindo ouro; havia um tapete aos pés da
cama, e sobre a peniqueira um despertador de níquel, e a mobília toda era já
de casados, porque o esperto não estava para comprar móveis duas vezes.”
(Capítulo XXI)
Análise da Obra
A obra O Cortiço é a mais emblemática do movimento naturalista no Brasil. A
grande questão levantada pelo escritor esteve relacionada como o meio, a raça
e a história.

Assim, a degradação e a decadência do ser humano pode ser explicada pela


mistura de raças, que, segundo Aluísio, levam à promiscuidade. Ademais, o
meio influencia diretamente o comportamento de seus personagens.

A desigualdade social é um tema muito explorado, o qual é reforçado por meio


das diferenças sociais e históricas dos indivíduos envolvidos. Trata-se,
portanto, de um retrato revelador da sociedade brasileira em meados do século
XIX.

A busca pela ascensão dos personagens demostra a ambição deles,


envolvidas em questões superficiais. Ainda que tenha sido escrita em fins do
século XIX, até os dias de hoje podemos notar essa postura de busca de
ascensão social na sociedade brasileira.

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