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“Tudo que nós tem é nóis”

Principa, Emicida.

De Novo Esse Papo de Sindicato?


Por João Pedro Cerqueira

Caro companheiro entregador, cara companheira entregadora, tudo certo com vocês?
Venho neste espaço aqui hoje, ter com vocês uma conversa sobre um assunto que muita
gente (patrão) considera polêmico: Sindicato e organização coletiva. É, pois é! Uma hora a
gente ia ter que conversar sobre isso, não é mesmo? Quem nunca pegou trânsito ou teve
mais trabalho para fazer uma entrega por causa de uma manifestação de trabalhadores,
das mais diferentes áreas? Aposto que se você não passou por isso, conhece alguém que
já passou. Essas manifestações geralmente são para conseguir melhores condições de
trabalho, melhores salários ou ter acesso a direitos que o patrão não quer que esses
trabalhadores tenham. Essas manifestações, geralmente, têm a participação de um
sindicato.

Vou falar aqui de mais uma situação do cotidiano que acho que todo entregador já passou,
mas prometo que tem a ver com o assunto de nossa conversa, ok? Pois bem. Acho que
todo entregador ou pessoa que trabalha de moto/bicicleta já viu ou participou de uma
situação onde um companheiro ou companheira da moto/bicicleta sofre um acidente, sendo
socorrido por outros companheiros da moto/bicicleta que nem o(a) acidentado(a). Repare
que muitas vezes essas pessoas não se conhecem, não devem nada uma à outra, nunca
se viram! Mas param suas motos ou “bikes” e o que estão fazendo para prestar socorro a
quem se acidentou. improvisam sinalização, ligam pra SAMU e às vezes até avisam a
parentes da vítima. Coisa linda né? Muita gente(patrão) vai ligar isso a um sentimento de
solidariedade - que também existe, é claro! - pra tentar tirar a atenção de vocês para um
tipo de ideia, de sentimento, que quem é patrão não quer que você, amigo(a) entregadora)
tenha em mente, mas é o segredo que faz um(a) entregador(a) parar sua entrega pra ajudar
o outro sem querer nada em troca: a ideia de que vocês são parte de uma categoria
profissional.

Essa identificação com quem se acidenta, de saber o perrengue que aquela pessoa tá
passando ali, de se preocupar em “salvar” a entrega que caiu no chão, de saber exatamente
a gravidade da situação, só quem é da entrega vai ter. Isso porque, independente de você
conhecer aquela pessoa ali, você sabe que o “corre” dela é o mesmo que o seu, que se
acontecer com você vai ter outro(a) companheiro(a) entregador(a) para fazer o mesmo que
você. Essa identificação entre trabalhadores, de uma mesma cidade, que percorrem os
mesmos caminhos e que sabem os “perrengues” uns dos outros é o que transforma esse
grupo de desconhecidos em uma categoria profissional. E Se identificar como uma
categoria é o primeiro passo para fazer parte de um sindicato. Maluquice? Dá só mais um
tempinho que até o final desse texto, eu vou te convencer.

Eu entendo que muita gente (dessa vez, é gente mesmo viu!?) vire a cara quando vem um
sindicalista e fala da importância de se sindicalizar, afinal, nessa vida corrida de tanta coisa
pra fazer, você não vai querer mais atividades para ocupar seu tempo, né? Acontece que o
meio mais fácil de convencer o patrão a melhorar suas condições de trabalho, sem ser
demitido por isso, ainda é contar com a ajuda de um sindicato. E quando falo de condições
de trabalho, não é só o salário não, é aquele vale-transporte, o ticket refeição, plano de
saúde - pra você nem ter que pegar fila no SUS nem ter que tirar do seu bolso pra ser
socorrido -, seguro contra acidentes - para você não ter que tirar do seu bolso pra dar “um
grau” na moto acidentada, só para ficar em alguns exemplos. Afinal, o patrão não é só
quem paga seu salário não, é também aquele que ganha (e muito) com o suor do seu
trabalho, com o combustível que você gasta, sem ter que pagar nada ou quase nada
quando você toma um prejuízo para fazer dar a ele um retorno financeiro (tô falando de uma
“grana” pesada) muito (muito mesmo!) maior do que o seu. Agora, me diga: É justo isso?

Eu imagino que nesse ponto, você, parceiro(a) entregador(a) já esteja confuso pensando:
mas e daí? eu não tenho patrão...Bom, patrão (ou empregador) na lei brasileira é aquela
pessoa (jurídica) que providência a estrutura (dinheiro, basicamente) e organiza a força de
trabalho (quem tá no “corre” da entrega, por exemplo) em busca de lucro(ninguém aqui tá
dizendo que é pecado, né?). Então, me diga, meu amigo e minha amiga, você realmente
não tem patrão? Quem arranja as entregas pra você fazer? Quem direciona a taxa por
entrega que você vai receber? É o restaurante? É quem recebe a entrega? O fato de você
só conhecer a empresa pelo “app” do celular, não quer dizer que ela não exista - isso,
inclusive faz com que ele (o patrão) economize muito em manutenção, aluguel, energia,
pois não tem filiais físicas (não tem um prédio do if**d, por exemplo) onde opera seus
serviços.

Por outro lado, o patrão não tem só glória do lucro, mas em retribuição a todos(as) os
trabalhadores que contribuem para seu lucro, ele também tem obrigação de dar a esses
trabalhadores condições mínimas de trabalhar com tranquilidade: pagamentos dignos (em
que o(a) trabalhador(a) não tenha que trabalhar 12 horas por dia para ter o suficiente para
alimentar sua família, por exemplo), condições de trabalho que não prejudiquem a saúde do
trabalhador e ter uma estrutura mínima garantida para prestar socorro quando este se
acidentar. Estes são só alguns exemplos. Sabendo disso, muitas empresas não querem se
assumir como “patrão”, para não ter essas obrigações com o trabalhador, mas os lucros
continuam lá no alto, com o suor de seu trabalho, meu amigo e minha amiga.

O sindicato entra em cena, por exemplo, para organizar você que é do “corre” da entrega
com outros trabalhadores que fazem a mesma coisa - independente de pra qual “app” cada
um faz sua entrega - para poder exigir que o patrão se assuma como patrão e cumpra com
suas obrigações, sem que isso gere algum prejuízo (como desligamento da plataforma, por
exemplo) pra você. Ou seja, ao contrário do que muita gente (patrão) diz, sindicato não é
coisa de vagabundo, mas de quem quer trabalhar, só que para isso, exige ter boas
condições para fazer seu trabalho. Um exemplo de organização coletiva de entregadores
por melhores condições de trabalho, foi o “breque dos apps”. Um movimento que uniu
vários entregadores pelo Brasil para exigir das plataformas para as quais faziam entregas,
melhores condições de trabalho. As plataformas insistem em não se assumirem como
“patrões”, mas, mesmo assim, depois do “breque dos apps”, algumas se comprometeram a
tomar medidas para melhorar a segurança dos entregadores. Coisa muito pouca, muito
longe do ideal,mas vejam como a união de um dia dessa galera, já trouxe resultados.

Esse movimento, porém, não teve participação de sindicato, porque, por conta desse ramo
de entrega “por app” ser muito novo e também porque as empresas insistem em dizer para
os entregadores que elas não são “seus patrões”, não existe ainda, no Brasil, sindicato de
entregadores que trabalham para “apps”. Não existe, é claro, não porque não pode, mas
porque não criaram ainda, mas já tem uma galera boa se organizando pra isso. Como
aquela ideia de categoria profissional que eu falei lá atrás, tem a ver também com as
pessoas que exercem as mesmas atividades na mesma cidade ou estado, se alguém cria
um sindicato de entregadores por app em São Paulo,por exemplo, não cria problema
nenhum para você, companheiro(a) de “Salcity” criar o seu. Muito pelo contrário, é um
motivo a mais, para seguir o exemplo.

Sei que já falei bastante, mas já tá acabando. Prometo! Espero que tenha conseguido te
convencer nessa nossa conversa, da importância dos sindicatos e que, “na real”, não é
nada de outro mundo ou fora de sua realidade se organizar coletivamente, afinal você já faz
isso quando para pra socorrer o(a) parceiro(o) acidentado. No fundo, você faz isso porque
sabe que o “app” não vai fazer nada por aquela pessoa caída no meio da pista. Se
sindicalizar, dessa forma, é garantir uma estrutura que permita que você possa ser
socorrido e socorrer seu parceiro ou sua parceira entregadores em várias outras situações,
sem ter nenhum prejuízo depois. Não dá para confiar na empresa para fazer isso, por que
no fim das contas, meu amigo, “tudo que nós tem é nóis”.

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