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Urgências Traumáticas

Gestão para Educação Permanente dos


Profissionais da Rede de Atenção às Urgências

GEPPRAU

Urgências traumáticas

Módulo 1
Tema 1 - Biomecânica do trauma

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Urgências Traumáticas

Este conteúdo foi elaborado por Thiago Rodrigues Araújo Calderan,


médico, cirurgião geral e do trauma, mestre em ciências da cirurgia, e
seus direitos foram cedidos ao Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC)
que desenvolveu este material em parceria com o Ministério da Saúde
(MS) no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucio-
nal do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS). A parceria entre o Mi-
nistério da Saúde e as entidades de saúde portadoras do Certificado de
Entidade Beneficente de Assistência Social em Saúde (CEBAS-SAÚDE)
e de Reconhecida Excelência, a exemplo do HAOC, é regulamentada
pela Lei Federal nº 12.101, de 27 de novembro de 2009.

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Urgências Traumáticas

URGÊNCIAS
TRAUMÁTICAS
Neste material, serão apresentadas as
principais emergências na área da cirurgia
do trauma. O profissional de saúde que atua
na área terá informações importantes sobre
anatomia, fisiologia, manejo e principais
condutas a serem tomadas no atendimento
ao traumatizado.

Tema 1
Biomecânica do trauma

Objetivos de aprendizagem
• Entender a biomecânica do trauma.

• Diferenciar um trauma aberto de um


trauma fechado.

• Relacionar a biomecânica do trauma com


lesões prováveis. 3
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Sumário
Sumário..............................................................................................4
Biomecânica do trauma................................. 5

1. Conceito..........................................................................................6
2. Importância no trauma......................................................................7
3. Troca de energia...............................................................................7
4. Trauma aberto x trauma fechado......................................................10
5. Trauma contuso..............................................................................10
6. Trauma penetrante..........................................................................15
7. Explosões......................................................................................18

Síntese.............................................................................................20
Referências bibliográficas....................................................................21

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Urgências Traumáticas

Biomecânica
do trauma

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1. Conceito

B iomecânica é o ramo da biologia que estuda as leis da


física aplicadas às estruturas orgânicas vivas.
No atendimento ao traumatizado, o primeiro passo a ser avaliado
é a biomecânica, porque auxilia a pensar quais são as lesões po-
tencialmente graves, e consequentemente fatais, que podem es-
tar presentes, mas que muitas vezes não são evidentes no início.
Dessa forma, pode-se dizer que a biomecânica do trauma irá
avaliar o possível mecanismo das lesões por movimento.
Compare dois cenários: um paciente vítima de queda de própria
altura; e outro paciente vítima de atropelamento. Qual destes
cenários pode ser potencialmente mais grave?
De imediato, é possível pensar no atropelamento. Porém, a bio-
mecânica do trauma auxiliará a avaliar se este pensamento
está correto.
Considere que o atropelamento ocorreu no estacionamento
de um supermercado, em baixa velocidade. O carro atropelan-
te acertou somente o membro inferior da vítima, sem queda. O
membro atingido não apresenta nenhuma lesão visível nem de-
formidades, bem como o para-choque do carro.
Considere, então, que a queda ocorreu após a vítima escorregar
em um papel, tendo caído ao solo, batido a cabeça em uma qui-
na, com deformidade da cabeça, sangramento e inconsciência.
Assim, a biomecânica, ou seja, o mecanismo de lesão, muda
imediatamente o ponto de vista. Desta forma, é possível adquirir
informações sobre as características envolvidas no even-
to traumático e, com isso, pensar em possíveis lesões.

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2. Importância no trauma
Avaliação da cena x lesões
A biomecânica no trauma é extremamente importante, pois, por meio da ava-
liação da cena e da constatação das energias envolvidas, é possível suspeitar
das lesões potenciais presentes no paciente vítima de trauma.

3. Troca de energia
Existem diversas formas de energia: mecânica ou cinética, térmica, química,
elétrica e radioativa.
Na natureza, dizem que as energias não somem, elas se transformam e se
transferem. Nesse contexto, é possível entender melhor a transferência de
energia com base nas explicações das Leis de Newton.
1ª. Lei de Newton: um corpo em repouso permanece em repouso até que so-
bre ele atue uma força externa.
2ª. Lei de Newton: um corpo em movimento permanece em movimento retilí-
neo até que sobre ele atue uma força externa.
Para entender melhor esse conceito, observe a figura abaixo.

Ao levantar a bolinha da direita e a soltá-la, ela terá uma velocidade, uma


energia cinética.

Ao colidir na outra bolinha, haverá uma transferência de energia cinética,


que será passada de uma bolinha a outra, até que a última bolinha a receba.
Essa última bolinha se movimentará, subindo. Ou seja, houve transferência
de energias.

Essa mesma transferência de energia


acontece nos traumas.

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Neste outro exemplo, o automóvel estava em alta velocidade, cerca de


100 km/h, e colidiu com um poste. Toda a energia cinética foi absor-
vida pelo poste, pelo carro e por seus passageiros, além de uma parte
ter se transformado em energia térmica (calor).

A absorção dessa energia cinética gerou a deformidade no veículo


e poderia ter deslocado o poste (estrutura fixa e parada que se mo-
vimentaria com a aplicação de uma força externa) e gerado lesões
nas vítimas.

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Outra lei da física que avalia a energia do movimento, conhecida como


energia cinética (EC), é expressa pela fórmula:

EC = ½ m.v2
EC = energia cinética m = massa v = velocidade

Ao analisar essa fórmula, observa-se que a velocidade, por estar elevada ao


quadrado, tem maior relevância na origem da energia.

Mas qual a importância disso em contextos de trauma?


Compare duas situações de disparo de arma de fogo:

A) Uma pistola 45, com projétil de B) Um rifle com projétil de 55 gramas,


230 gramas, disparado a 270 m/s disparado a 1.100m/s

A energia obtida de um disparo com maior velocidade, mesmo com projétil


de menor massa, é maior. Com isso, ao chegar ao seu destino, que pode ser
uma vítima, a transferência de energia será maior, gerando mais lesões.

Em toda lesão por movimento, há uma


desaceleração repentina.
Ao se reduzir abruptamente a ve- Após o corpo ser desacelerado, os ór-
locidade, primeiramente há a desa- gãos internos também manterão seu
celeração do veículo, porém o corpo movimento e serão parados pelas es-
da pessoa continuará em movimento truturas do corpo. Com isso, ocorrem
até ser parado por alguma estrutura muitas lesões internas, devido ao
de contenção ou dispositivo de segu- rompimento de estruturas e ligamen-
rança. tos de sustentação dos órgãos.

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4. Trauma aberto x trauma fechado


Quanto ao mecanismo de trauma, o trauma pode ser fechado/contuso ou
aberto/penetrante.
• No trauma contuso, o impacto se distribui externamente ao corpo. Ocor-
rem os movimentos de aceleração e desaceleração.
Exemplos: colisão de carros, atropelamentos, quedas etc.
• No trauma penetrante, há a penetração de objetos no corpo da vítima.
Exemplos: ferimentos por arma branca (FAB) e ferimentos por projéteis de
arma de fogo (FPAF).
Importante:
Na situação envolvendo armas de fogo, temos que nos familiarizar com a no-
menclatura correta. É incorreto utilizar a sigla “FAF” (Ferimento por arma de
fogo), no lugar de “FPAF”(Ferimento por projétil de arma de fogo), quando
houver penetração do projétil na vítima. O objeto que gera lesões na vítima,
penetrando na mesma, é o projétil. Dessa forma a sigla a ser usada é FPAF.
Lembramos que a arma de fogo pode originar ferimento contuso, no caso de
coronhadas.

5. Trauma contuso
No trauma contuso, deve-se avaliar tanto o mecanismo de trauma que
gerou a transferência de energia cinética como o uso de equipamentos
de segurança.
Os equipamentos de segurança são:
• cinto de segurança;
• air bag;
• encosto de cabeça no banco;
• uso de capacete;
• cadeirinhas para crianças;
• e outros dispositivos.
Como usar corretamente as cadeirinhas de segurança para crianças

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Confira os tipos e as posições de assento adequados


por idade ou peso:
Idade ou 0 meses 1 a 4 anos 4 a 8 anos Mais de 8 anos
peso a 1 ano 13 a 18 kg 18 a 36 kg Mais 36 kg
0 a 13 kg Mais de 1,45 m

Tipo de Bebê conforto Cadeirinha Assento de Banco do veículo


assento reversível elevação com cinto de
segurança

Posição Voltado Voltado para Voltado para


do assento para trás frente frente

Exemplo

Os equipamentos de segurança devem ser usados adequadamente para evitar


danos adicionais pelo mau uso.

O P

Não uso de capacete ao conduzir uma Air bag


motocicleta.

O P
Uso do capacete, mas sem afivelar o ti- Uso do cinto de segurança de forma
rante abaixo do queixo. Na queda, esse correta.
capacete poderá sair da cabeça e não fun-
cionará para a proteção a que se destina.

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Colisões automobilísticas
Ao avaliar os mecanismos de colisões automobilísticas, devem ser considerados
alguns tipos de impacto:
• impacto frontal;
• impacto posterior;
• impacto lateral;
• impacto angular.
O capotamento é um mecanismo de trauma em que pode haver a associação
de mais de um dos mecanismos de impacto.
Na colisão frontal, soma-se a velocidade dos dois veículos que colidiram, de
forma que a energia produzida será maior, com maior chance de lesões.

Ejeção
O passageiro que é ejetado de um veí- Além disso, a massa do atropelante
culo pode apresentar qualquer lesão. é maior que a do atropelado, havendo
Isso porque é difícil predizer qual o maior transferência de energia. Quan-
movimento que seu corpo fez dentro to maior a energia, maior a chance
do carro até sair dele. de lesões graves.
16_IMAGEM

Considere três fases do atropela-


Uma vítima ejetada tem 25 vezes mais mento, que originam um padrão
chance de morrer. próprio de lesão:
Fase 1
Atropelamento Impacto inicial – ocorre nas pernas ou
Em uma situação de atropelamento, a quadril
energia cinética do objeto atrope- Fase 2
lante é transferida para a vítima atro- Tronco rola sobre o carro
pelada, sem a distribuição para outra Fase 3
estrutura, como a carroceria do carro. Queda ao solo – geralmente de cabeça

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Em um adulto, o impacto inicial ocorrerá nos membros inferiores; nas crianças,


ocorrerá no tronco ou cabeça.
Atropelamento Atropelamento
de um adulto de uma criança

No atropelamento de uma criança, pode ocorrer mudança desse padrão, sendo


que a criança tem o impacto inicial no tronco e pode ser levada para baixo do
veículo que a atropelou.

Traumas de motocicleta
O trauma de motocicleta tem aumentado cada vez mais nas cidades. Em uma
pesquisa realizada no ano de 2012, ficou evidente que em cidades grandes,
como Campinas, os motociclistas estiveram envolvidos em 22% dos traumas e
em 55% das mortes no trânsito. Um slogan de Campanha de Prevenção na cida-
de deixou bem claro o motivo pelo qual há grande impacto: “Cuide-se! Na moto,
o para-choque é você!”.

Campanha de prevenção na cidade

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Quedas
Ao pensar em quedas, é comum vir em mente mecanismos de baixa ener-
gia. Porém, vale lembrar que quedas de grandes alturas promovem grande
transferência de energia, com grande desaceleração.

Altura da queda Velocidade de impacto


10 metros 50 km/h
22 metros 75 km/h
40 metros 100 km/h

Ao considerar alturas maiores que três


vezes a altura da vítima, aumentam as
chances de haver lesões críticas.

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6. Trauma penetrante
No trauma penetrante, há a entrada de um objeto dentro da vítima. Os prin-
cipais tipos de trauma penetrante a considerar são o FAB (ferimento por arma
branca) e o FPAF (ferimento por projétil de arma de fogo).
Os dois tipos de trauma penetrante são divididos quanto à sua energia e à for-
ma de lesões que originam:
Arma branca (FAB) Projétil de arma de fogo (FPAF)
Baixa energia Alta energia
- Transferência de energia cinética
Cavitação
Lacerações
Fragmentação

Ferimento por arma branca (FAB)


O nome arma branca se refere a qualquer objeto que
possa ser utilizado para atacar ou se defender de al-
guém ou alguma coisa, mas que, a princípio, não tem
essa finalidade. Dessa forma, os ferimentos podem ser
originados por facas, estiletes, espetos, garrafas que-
bradas, entre outros.
A maioria dos agressores é do sexo masculino e segura
o instrumento (geralmente faca ou canivete) de forma
que as agressões ocorrem de baixo para cima.

A maioria da população é destra. Desta forma, a


maioria dos ferimentos ocorrem do lado direito
da vítima, já que esta tentará se defender.
Ao penetrar dentro da vítima, o instrumento for-
ma um cone de lesão, ampliando a área da le-
são que pode originar.

Importante:
Em situação de atendimento de vítima com ob-
jetos encravados, não se deve retirar o objeto.
A retirada poderá destamponar (desbloquear) ferimen-
tos que a presença do objeto evitava que sangrassem
continuamente.
A vítima deve ser imobilizada da melhor forma, para
evitar movimentação durante o transporte, e o objeto
será retirado em ambiente controlado para tratar as
lesões que a vítima possa apresentar – ou seja, no
centro cirúrgico, por equipe capacitada.

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Ferimento por projétil


de arma de fogo (FPAF)

São os projéteis que geram lesão em ferimentos penetrantes secundários à


arma de fogo. Sendo assim, a sigla correta a ser usada é FPAF (ferimento por
projétil de arma de fogo).
O projétil apresenta uma velocidade determinação do trajeto provável
de saída do cano da arma de fogo e que fez o projétil, para a investiga-
essa energia cinética originada, ao ção da suspeita de lesões que po-
penetrar na vítima, se transforma- dem estar nele, e mesmo para veri-
rá em outras energias. Haverá uma ficar se há mais de um projétil no
deformação dos tecidos da vítima, corpo.
formando uma cavidade pelo percur-
so do projétil (cavitação). Além disso, Por exemplo, se uma vítima apresenta
ao redor da área cavitada há uma dis- três orifícios no corpo, dificilmente foi
sipação de calor (energia cinética se acometida de um único projétil. Exis-
transforma em energia térmica), o que tem algumas possibilidades principais:
pode originar outras lesões. A - Três projéteis entraram e não
saíram.
O projétil também pode apresentar B - Um projétil entrou e saiu e outro
fragmentação, principalmente ao ba- entrou e não saiu.
ter em alguma estrutura em seu ca-
minho, tanto externamente à vítima Nesse caso, a avaliação dos orifícios
quanto internamente, como ossos, ge- nos auxilia a definir quais orifícios
rando mais de um caminho de lesão. foram de entrada e quais foram de
Avaliar os orifícios presentes na ví- saída e a inferir a distância aproxima-
tima é imprescindível para auxiliar na da do disparo.

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Ao entrar, o projétil deforma o tecido da vítima para dentro dele mesmo, de


forma que as bordas ficam arredondadas. Na saída, o projétil deforma o
tecido da vítima para fora, de forma que as bordas ficam evertidas, com fe-
rimento mais alargado.

Ferimentos de
entrada e saída

Rompimento

Entrada Saída

Escoriação

Queimadura
Cisão
Mancha

Ao observar a área de queimadura ao redor do orifício e a presença de rasti-


lhos (fragmento de pólvora), inferimos que o disparo ocorreu mais próximo
da vítima.

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7. Explosões

As lesões por explosão ocorrem em quatro fases: lesões


primárias, lesões secundárias, lesões terciárias e lesões
quaternárias.
Lesões primárias: decorrem da onda de pressão originada
pela explosão, que nesse caso afeta diretamente o organismo.
Lesões secundárias: decorrem da lesão por fragmentos e ob-
jetos que são projetados pela explosão e atingem a vítima.
Lesões terciárias: decorrem da projeção do corpo da vítima
em objetos, ou seja, da queda do organismo ou da colisão con-
tra alguma estrutura.
Lesões quaternárias: decorrem da queimadura e lesões tér-
micas causadas pela elevada temperatura dos gases e pelo calor
proveniente da explosão.

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Anotações:

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Síntese
Abordamos o conceito de biomecânica do trauma, buscamos propiciar ao leitor
o entendimento deste conceito e o introduzir na discussão da avaliação dos
achados do mecanismo do trauma, considerando tais mecanismos como ele-
mentos imprescindíveis para a suspeita de potenciais lesões apresentadas pelo
paciente traumatizado.
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Referências bibliográficas
American College of Surgeons. Committee on Trauma. ATLS, advanced trauma
life support program for doctors. Chicago: American College of Surgeons; 2004.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Protocolos de Inter-


venção para o SAMU 192 - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Brasília:
Ministério da Saúde; 2014.

National Association of Emergency Medical Technicians. Pre-Hospital Trauma


Life Support Committee. American College of Surgeons. Committee on Trauma.
PHTLS--Pre-Hospital Trauma Life Support. Chicago: Emergency Training; 1986.

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