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BOLETIM

Cebrim
Centro Brasileiro de Informação
sobre Medicamentos
Farmacoterapêutica ISSN: 1413-9626
Ano XXIV - Números 01 e 02 ‑ Jan‑Jun/2020
Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos / Conselho Federal de Farmácia

Medicamentos Isentos de Prescrição


Expediente

Diretoria:

Walter da Silva Jorge João (Presidente)


Lenira da Silva Costa (Vice-Presidente)
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João Samuel de Morais Meira (Tesoureiro)

Conselheiros Federais:

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Carlos André Oeiras Sena (AP) José Ricardo Arnaut Amadio (MT) Erlandson Uchôa Lacerda (RR)
Altamiro José dos Santos (BA) Walter da Silva Jorge João (PA) Josué Schostack (RS)
Egberto Feitosa Filho (CE) João Samuel de Morais Meira (PB) Hortência Salett Muller Tierling (SC)
Forland Oliveira Silva (DF) José de Arimatea Rocha Filho (PE) Maria de Fátima Cardoso Aragão (SE)
Gedayas Medeiros Pedro (ES) Ítalo Sávio Mendes Rodrigues (PI) Antônio Geraldo Ribeiro dos Santos Júnior (SP)
Ernestina Rocha de Sousa e Silva (GO) Luiz Gustavo de Freitas Pires (PR) Marttha de Aguiar Franco Ramos (TO)

Coordenador Técnico-Científico do CFF e Editora:


Subcoordenador interino da Subcoordenação de Letícia Nogueira Leite
Informação sobre Medicamentos (Cebrim):
Rogério Hoefler Editores Associados:
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Farmacêuticos do Cebrim: Marcus Tolentino
Carolina Maria Xaubet Olivera Rosângela Caetano
Letícia Nogueira Leite
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Rogério Hoefler Airton Stein, Arnaldo Zubioli, Carla Penido
Serra, Claudia Garcia Serpa Osorio-de-Castro,
Apoio administrativo: Elaine Lazzaroni Moraes, Gabriela Bittencourt
Ilana Socolik Gonzalez Mosegui, Guacira Corrêa de Matos,
Fernanda Inês Ribeiro Vaz, Joice Zuckermann,
Conselho Editorial: José Ruben Ferreira de Alcântara Bonfim,
Carolina Maria Xaubet Olivera Luciane Cruz Lopes, Luiz Carlos Costa Ferreira,
Jardel Corrêa de Oliveira Maely Peçanha Fávero Retto, Marta Maria de
Letícia Nogueira Leite França Fonteles, Mirian Parente Monteiro,
Marcus Tolentino Silva Noemia Liege Maria da Cunha Bernardo,
Rogério Hoefler Selma Rodrigues de Castilho, Sílvio Barberato
Rosângela Caetano Filho, Taís Freire Galvão, Tarcisio José Palhano,
Teófilo Fernando Mazon Cardoso, Teresa
Editor-Chefe: Leonardo Alves, Vera Lúcia Edais Pepe.
Rogério Hoefler

FARMACOTERAPÊUTICA
Informativo do Centro Brasileiro de Informação sobre
Medicamentos, do Conselho Federal de Farmácia
SHIS QI 15 Lote L - Lago Sul
Brasília – DF - Brasil
CEP: 71635-615
Fone: +55 (61) 3878-8757/3878-8756
E-mail: boletimfarmacoterapeutica@cff.org.br Cebrim
Home page: http://www.cff.org.br
Centro Brasileiro de
Informação sobre Medicamentos
Sumário
BOLETIM

Cebrim
Centro Brasileiro de Informação
sobre Medicamentos
Farmacoterapêutica ISSN: 1413-9626
Ano XIV - Número 01/02 - Jan-Fev-Mar-Abr-Mai-Jun/2020

Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos / Conselho Federal de Farmácia


Pag.
Editorial 04 Medicamentos Isentos de Prescrição

Artigo principal Pag.


Automedicação responsável
e os medicamentos isentos
05
de prescrição

Segurança de medicamentos Pag.


Segurança no uso de Inibidores da 12
Bomba de Prótons

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O Cebrim responde 20
Cebrim Centro Brasileiro de
Informação sobre Medicamentos

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Informe-se 21

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BOLETIM
Farmacoterapêutica Ano XXIV - Números 01 e 02 ‑ Jan‑Jun/2020
Editorial

Caro leitor,
s medicamentos isentos de prescrição Na sequência, traremos uma discussão
(MIPs), também chamados de medicamen- sobre a segurança no uso de inibidores da
tos de venda livre, são aqueles cuja dispen- bomba de prótons, num contexto em que se
sação não requer prescrição de profissional observa um movimento para que o status re-
habilitado. O fácil acesso aos MIPs os tornam gulatório desses medicamentos seja altera-
diretamente atrelados à automedicação, práti- do de venda sob prescrição para isentos de
ca comum, devido ao difícil acesso a serviços prescrição.
de saúde, a limitações financeiras e à “falta
Aproveitamos a oportunidade para di­
de tempo”. A automedicação, condenada por
vulgar o livro “A escola de farmácia de Ouro
muitos, quando bem orientada, pode ser de-
Preto - a memória sublimada”, o livro infantil
sejável, trazendo benefício ao usuário de for-
“SOS, O Corona Chegou”, e a página do Minis-
ma ágil e com baixo custo. No entanto, é válido
tério da Saúde que disponibiliza publi­cações
ressaltar que o conceito da automedicação
técnicas para profissionais e gestores de saú-
responsável não deve ser confundido com o
de sobre o SARS-CoV-2 e a COVID-19.
de autoprescrição (uso de medicamentos tar-
jados, sem prescrição). Por isso, nesta primeira Boa leitura!
edição do Boletim Farmacoterapêutica 2020,
apresentaremos no artigo principal os concei-
tos básicos relativos à automedicação e ao uso Leticia Nogueira Leite
de medicamentos isentos de prescrição. Editora do Boletim Farmacoterapêutica

Agradecimentos
Jardel Corrêa de Oliveira, Mirian Parente Monteiro, Noemia Liege Maria da Cunha Bernardo
e Tarcisio José Palhano.

Prezado leitor,
Informamos que os editores do boletim Farmacoterapêutica assinam uma declaração pessoal
de isenção de conflito de interesses, a qual é atualizada periodicamente. O contato com o Conselho
Editorial poderá ser feito por meio do endereço eletrônico: boletimfarmacoterapeutica@cff.org.br

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Farmacoterapêutica Ano XXIV - Números 01 e 02 ‑ Jan‑Jun/2020
Artigo Principal

Automedicação responsável e os
medicamentos isentos de prescrição

Rogério Hoefler, MSc


Letícia Nogueira Leite, MSc, PhD
Farmacêuticos do Centro Brasileiro de Informação sobre
Medicamentos/Conselho Federal de Farmácia

Introdução

O progressivo desenvolvimento de novos Independentemente de limitações na ca-


medicamentos está associado a benefícios bem pacidade de atendimento nos sistemas de
estabelecidos para a saúde individual e coleti- saúde, a automedicação pode ser considerada
va, com evidências consistentes de redução da uma legítima alternativa para as pessoas re-
mortalidade, redução da carga de doença e me- solverem de forma proativa seus problemas de
lhora da qualidade de vida1. saúde, com agilidade e baixo custo. Todavia, há
Além disso, o uso de medicamentos de for- aspectos que podem comprometer a segurança
ma apropriada reduz custos à sociedade, espe- e a efetividade desta prática, como a deficien-
cialmente, por reduzir hospitalizações e perda te educação em saúde de parcela significativa
de produtividade devidas a efeitos adversos e da população; as propagandas impróprias que
a insucesso terapêutico1. Este aspecto ganha valorizam os benefícios de medicamentos, por
maior importância quando consideramos o vezes inexistentes, e omitem seus efeitos ad-
grande desafio de alcançar a sustentabilidade versos e contraindicações; e a negligência à im-
dos sistemas de saúde, em contexto de aumen- portância da orientação e do acompanhamento
to progressivo da longevidade das populações, de profissional habilitado.
de limitados recursos disponíveis e de crescen- Neste artigo, são discutidos conceitos bási-
tes custos das tecnologias para a saúde. cos relativos à automedicação e ao uso de me-
Apesar disso, nem sempre o medicamento dicamentos isentos de prescrição (MIPs), como
certo chega ao paciente que dele necessita. Cerca introdução a uma série de artigos que serão
de 50% de todos os pacientes não utilizam seus publicados nas próximas edições do Boletim
medicamentos de forma correta2 e, em muitos Farmacoterapêutica, abordando as evidências
casos, os sistemas de saúde não oferecem ade- de potenciais benefícios e danos associados a
quado suporte ao uso racional desses produtos1. essas práticas.

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Farmacoterapêutica Ano XXIV - Números 01 e 02 ‑ Jan‑Jun/2020
Artigo Principal

Uso responsável e racional de medicamentos intuito de estabelecer e manter a própria saú-


de, bem como prevenir e lidar com as doenças.
O uso responsável de medicamentos pres- Este conceito é amplo e inclui cuidados de hi-
supõe que as atividades, as capacidades e os giene, de nutrição, de estilo de vida, de fatores
recursos dos profissionais da saúde estão ali- ambientais, de fatores socioeconômicos, e au-
nhados para garantir que os pacientes recebam tomedicação5.
os medicamentos corretos, em tempo oportu-
Seguindo esse raciocínio, automedicação
no, que os usem de forma apropriada e, por fim,
é o ato de selecionar e usar medicamentos
sejam de fato beneficiados1.
para tratar sinais, sintomas ou doenças re-
Este conceito é complementar e não conhecidas pelas próprias pessoas afetadas5.
substitui a definição de “uso racional de me- Este conceito abrange, por exemplo, novo uso
dicamento”, proposta pela Organização Mun- de um medicamento que consta em antiga
dial da Saúde (OMS):“O uso de medicamentos prescrição, aquisição de medicamento sem
é racional [apropriado, adequado, correto] prescrição, uso por indicação de amigos ou
quando os pacientes recebem os medica- parentes, ou compartilhamento de medica-
mentos apropriados, em doses que atendem mento em grupo social6.
suas necessidades individuais, por um perío-
A prática da automedicação é crescente en-
do adequado de tempo, ao mais baixo custo
tre pessoas com bom nível educacional e está
para eles e para a comunidade. O uso irracio-
associada ao melhor perfil socioeconômico,
nal [impróprio, inadequado, incorreto] de me-
mudanças do estilo de vida, “falta de tempo”,
dicamentos é quando ao menos uma destas
facilidade de acesso ao medicamento, casais
condições não é atendida.”1,3.
em que ambos trabalham, conhecimento sobre
Nota-se, nesses conceitos, a responsabili- a doença e capacidade de se tratar, e acesso à
dade dos profissionais envolvidos em garantir informação midiática4,6.
que os pacientes sejam beneficiados pelo tra-
Para as doenças de menor gravidade, ge-
tamento farmacológico, com o mínimo possível
ralmente autolimitadas, a automedicação é a
de danos, além do reconhecimento de que os
primeira opção de tratamento e pode ser mais
recursos são limitados.
acessível às pessoas com limitações financei-
ras para pagar por serviços clínicos e medica-
Autocuidado, automedicação e automedicação
mentos. Pode ser útil para reduzir os custos
responsável
dos cuidados em saúde e permitir aos profis-
sionais da saúde que se concentrem nos ca-
A escassez de médicos para atender às de-
sos de emergência6, pois reduz a demanda por
mandas das pessoas é um problema que aflige
serviços de saúde. Para as pessoas que vivem
muitas populações, em quase todo o mundo.
em áreas rurais ou remotas, com difícil aces-
Com isso, principalmente para os pacientes que
so a serviços de saúde, os pacientes são mais
não consideram sua condição suficientemente
capazes de controlar suas próprias condições4.
grave, o custo e o tempo de espera para conse-
Em geral, a automedicação é segura quando
guir uma consulta médica podem ser conside-
o problema de saúde tratado é de baixa gra-
rados insuportáveis 4.
vidade, todavia, não é isenta de desencadear
O conceito de autocuidado aplica-se às reações adversas e intoxicações em prejuízo
ações e comportamentos de uma pessoa com o do paciente (Quadro 1)6.

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Artigo Principal

Um aspecto importante do fenômeno da do, constipação, hiperacidez gástrica, fra-


automedicação é que muitas pessoas a prati- queza generalizada, insônia, febre, infecções
cam com medicamentos que requerem pres- na pele, artralgias, queimaduras, dismenor-
crição, expondo-se, potencialmente, a maiores reia e picadas de insetos 6.
riscos de reações adversas. O conceito de automedicação responsável
Usualmente, as pessoas se automedicam aplica-se à prática em que uma pessoa trata si-
com analgésicos, antipiréticos, antiácidos, nais, sintomas, e doenças que não necessitam
antidiarreicos, antidepressivos, ansiolíticos de consulta ou supervisão médica, com medi-
(sedativos), antialérgicos, antieméticos, pro- camentos isentos de prescrição (MIPs)4,5, a se-
dutos para a pele, antibióticos, esteroides, guir discutidos.
vitaminas, tônicos e preparações de proteí- Se a condição tratada com um MIP não for
nas. Entre as principais condições clínicas resolvida, com persistência ou agravamento do
tratadas por automedicação citam-se cefa- quadro, o paciente deve ser orientado a buscar
leia, dor no corpo, tosse associada a resfria- auxílio médico4.

Quadro 1. Potenciais benefícios e problemas da automedicação

Benefícios

• Ajuda a prevenir e a tratar sinais, sintomas e doenças que não exigem intervenção médica;
• Reduz a demanda por serviços de saúde, o que é especialmente importante onde estes estão
indisponíveis ou insuficientes;
• É opção de cuidado à saúde em áreas rurais ou remotas;
• Ajuda os pacientes a melhorar o controle sobre doenças crônicas;
• Melhora o bem-estar e a produtividade das pessoas;
• Beneficia economicamente o empregador;
• Economiza tempo e recursos das pessoas nos cuidados de saúde.

Problemas

• Muitas pessoas usam analgésicos por longo prazo para tratar cefaleia, por exemplo, sem sa-
ber a causa e sem buscar orientação de um médico;
• O paracetamol pode causar graves danos hepáticos quando usado em doses elevadas, por
longo prazo, ou associado ao consumo de bebida alcoólica;
• Surgimento de resistência microbiana, particularmente em países em desenvolvimento, onde
os antimicrobianos são frequentemente usados sem prescrição;
• Seu uso irracional aumenta o risco de reações adversas, pode desenvolver resistência micro-
biana, além de hipersensibilidade, sinais/sintomas de abstinência e mascaramento temporá-
rio de doença, protelando o adequado diagnóstico.

Fonte: Vidyavati et al6.

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Artigo Principal

Autoprescrição casos, o medicamento deve ter sido desen-


volvido especificamente para o propósito
As agências reguladoras da maioria dos para o qual será usado, em dosagem e forma
países dividem os medicamentos em duas farmacêutica apropriadas5.
grandes categorias: os de venda sob pres-
Os MIPs podem representar economia de
crição e os de venda isenta de prescrição
tempo e dinheiro, além do potencial benefício
(MIPs). Contudo, várias pesquisas indicam
clínico rápido, especialmente para condições
que medicamentos que deveriam ser ven-
clínicas de baixa gravidade e de experiência
didos somente mediante a apresentação de
prévia de bons resultados5,6,8.
uma prescrição podem ser adquiridos em al-
guns contextos mesmo sem o requerido do- Todavia, para potencializar o uso responsá-
cumento, fenômeno denominado autopres- vel e racional dos MIPs, os usuários devem re-
crição4. Em países como o Brasil, é prática ceber informação apropriada sobre os mesmos
possivelmente tão comum quanto a autome- (Quadro 2)5.
dicação responsável. Portanto, há muitas questões críticas que
A carência de programas de educação devem ser exploradas como contrapontos aos
em saúde à população e de fiscalização sa- potenciais benefícios da automedicação. Qual-
nitária, bem como as limitações do acesso quer produto destinado à automedicação deve
ao sistema de saúde, aliadas a atitudes ir- ter boa margem de segurança para o usuário,
responsáveis de alguns profissionais, cor- ou seja, além de oferecer baixo risco de da-
roboram para o hábito da autoprescrição. A nos, deve ser acompanhado de informação
grande oferta de sítios na internet que pro- apropriada e não pode ser usado para protelar
movem o comércio virtual de medicamentos diagnóstico e tratamento de doenças que re-
também favorece a ocorrência deste fenô- queiram intervenção especializada. Além disso,
meno. Em muitos deles, são promovidos me- deve-se considerar que os MIPs podem intera-
dicamentos sem qualquer garantia de eficá- gir com muitos medicamentos prescritos, álcool
cia, segurança e qualidade4,7. ou alimentos, com potenciais danos ao usuário.
Infelizmente, antes de prescrever um medica-
Medicamentos isentos de prescrição (MIPs) mento, muitos médicos não verificam se o pa-
ciente faz uso de algum MIP e muitos pacientes
Os MIPs são aqueles que não requerem adquirem tais produtos servindo-se diretamen-
prescrição médica, pois são produzidos es- te nas gôndolas das farmácias, sem orientação
pecificamente para uso por automedicação 4. farmacêutica. Somado a isso, as mensagens
Assim como ocorre com os medicamentos promocionais na mídia e na internet tendem a
que requerem prescrição, os MIPs devem ter transmitir confiança sobre a segurança do pro-
segurança, eficácia e qualidade comprova- duto e, frequentemente, dão a impressão de
das. O uso é indicado para condições que que os MIPs são meros artigos de consumo. Em
permitem autodiagnóstico, e para algumas outros casos, a utilização de MIPs para fins não
condições crônicas ou recorrentes, depois terapêuticos pode ser um problema4, como no
do diagnóstico médico inicial. Em todos os uso por adictos4,9.

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Quadro 2. Informações que devem acompanhar os medicamentos isentos de prescrição para pro-
mover o uso apropriado

• Modo correto de uso do medicamento;


• Efeitos esperados e possíveis efeitos colaterais;
• Como monitorar os efeitos do medicamento;
• Possíveis interações com outros medicamentos, alimentos, álcool e tabaco;
• Precauções e alertas;
• Duração de uso; e
• Situações nas quais se recomenda a busca de orientação profissional.

Fonte: World Health Organization5.

Regulação dos MIPs no Brasil mativa (IN) n° 11, que instituiu a lista de medi-
camentos isentos de prescrição - LMIP. A lista
O enquadramento de um medicamento apresenta os grupos terapêuticos e respectivas
como isento de prescrição está previsto na Re- indicações terapêuticas que se enquadram na
solução da Diretoria Colegiada (RDC) no 98/2016, definição de MIP12.
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (An-
Há algumas questões relativas ao en-
visa)10. A avaliação do enquadramento de um
quadramento de medicamentos como MIP,
MIP é feita com base na documentação sub-
pelo órgão regulador, que merecem consi-
metida pelo detentor do registro, a qual deve
deração, especialmente, o princípio de que
comprovar os critérios estabelecidos na referi-
nenhum medicamento é absolutamente se-
da norma. As principais características de um
guro e o fato de que, na maioria dos casos,
MIP são 10,11:
a automedicação ocorre sem supervisão de
• Ser indicado para o tratamento de doen- profissional habilitado. Somado a isso, em
ças não graves e com evolução inexisten- certa medida, são pouco conhecidas as inte-
te ou muito lenta; rações e as consequências do uso dos MIPs
• Desencadear reações adversas com cau- em situações especiais como gravidez, lacta-
salidades conhecidas, baixo potencial de ção, pediatria e geriatria, condução veicular,
toxicidade e de interações com medica- condições de trabalho, uso concomitante de
mentos e alimentos; álcool ou alimento, diferentemente do con-
texto mais controlado dos medicamentos de
• Ser utilizado por curto período de tempo
prescrição 4.
ou por tempo previsto em bula;
• Ser de fácil manejo pelo paciente, cuida- Países com sistema de vigilância sanitá-
dor ou mediante orientação do farma- ria bem estabelecido recebem notificações de
cêutico; suspeitas de reações adversas a medicamentos
(RAMs) diretamente de pacientes e consumi-
• Apresentar baixo potencial de dano ao
dores, além das enviadas por profissionais da
paciente;
saúde. Todavia, muitos países ainda não pos-
• Não possuir potencial de gerar depen-
suem um canal para receber notificações que
dência química ou psíquica.
incluam os MIPs, pois seus programas de far-
Em 2016, a Anvisa editou a Instrução Nor- macovigilância operam apenas com profissio-

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nais de serviços hospitalaresa. Outro aspecto e de estudantes, e com normas rígidas para li-
relevante é que os resultados de ensaios clí- mitar a compra de medicamentos que não se-
nicos para medicamentos de prescrição não jam MIPs, sem apresentar prescrição 6.
necessariamente são válidos em contexto de
automedicação4,13. Atuação dos farmacêuticos
Além disso, os usuários podem desconhe-
O farmacêutico tem competência para
cer que muitos produtos com diferentes nomes
atuar na promoção, proteção e recuperação da
de marca e para diferentes indicações podem
saúde, bem como na prevenção de doenças e
conter ingredientes ativos comuns 4.
de seus agravos, com potencial para agregar
Por fim, os usuários precisam receber infor- resultados positivos aos sistemas de saúde, es-
mação apropriada que favoreça o uso seguro, pecialmente no que se refere à morbimortali-
efetivo e racional de medicamentos por auto- dade associada à farmacoterapia14. Em 2013, o
medicação. As orientações ao usuário/paciente Conselho Federal de Farmácia (CFF) editou as
devem incluir uma descrição de como usar o resoluções n° 58515 e n° 58616, que regulamen-
produto sem supervisão de profissional habi- tam as atribuições clínicas do farmacêutico e
litado e as circunstâncias que exigem a busca a prescrição farmacêutica no Brasil, respectiva-
por orientação profissional (v. Quadro 2). Em mente. No ano seguinte, a Lei no 13.02117 mudou
muitos casos, os MIPs são confundidos com o conceito de farmácia no Brasil e reconheceu
medicamentos alternativos, suplementos ali- a autoridade técnica do farmacêutico nesses
mentares, vitaminas, plantas ou outras subs- estabelecimentos, ao instituir obrigações legais
tâncias contidas em produtos disponíveis no voltadas à prestação de cuidado direto ao pa-
comércio. Muitos produtos comercializados em ciente.
farmácias ou em lojas de suplementos nutricio- Os farmacêuticos devem estar atentos à
nais não foram submetidos a testes clínicos e legislação sanitária, à legalidade das matérias
não há base científica para sua recomendação midiáticas, à lei de defesa do consumidor e aos
para fim terapêutico. Alguns desses produtos direitos humanos relativos à automedicação.
podem até causar graves problemas à saúde do Além disso, devem melhorar a comunicação e
usuário. Por isso, os farmacêuticos e outros pro- melhorar o processo de encaminhamento de
fissionais da saúde que indicam medicamentos pacientes aos serviços de saúde6.
alternativos podem cometer atos impróprios e
Na esteira das novas regulamentações, e
passíveis de sanções de responsabilidade, caso
tendo em vista a necessidade de atualizar os
um paciente sofra algum dano ou protele de
farmacêuticos no Brasil quanto às condutas clí-
forma inadequada um tratamento como resul-
nicas apropriadas nos atendimentos a usuários
tado das indicações recebidas4.
com queixas de problemas de saúde autolimi-
É importante que as autoridades regulado- tados, o CFF lançou, em 2016, o Programa de
ras busquem, avaliem [e apliquem] meios para Suporte ao Cuidado Farmacêutico na Atenção
sensibilizar a população sobre os prós e contras à Saúde (PROFAR). Este incluiu a realização do
da automedicação responsável, para que me- curso de ensino a distância “Prescrição Farma-
lhorem suas atitudes em relação a essa prática. cêutica no Manejo de Problemas de Saúde Au-
Isso pode ser feito pela inclusão do tema nos tolimitados”, sob coordenação de Josélia Pena
currículos escolares, envolvendo farmacêuticos Frade, e a publicação de material de suporte
na educação em saúde da população em geral e de uma coleção de guias de prática clínica.

“a”: No Brasil, existe o sistema VigiMed, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que recebe notificações de suspeitas de rea-
ções adversas a medicamentos de leigos e de profissionais da saúde.

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Além de especialistas em cuidado farmacêuti- A automedicação, quando bem orientada, pode


co, o processo de revisão dos guias tem o apoio trazer benefício ao usuário, de forma ágil e com
da Sociedade Brasileira de Medicina de Família baixo custo. Quando os medicamentos são uti-
e Comunidade e da Organização Pan-America- lizados de forma apropriada, sob prescrição ou
na da Saúde (OPAS)14. orientação de profissional habilitado, é maior a
chance de sucesso terapêutico e menor a chan-
Esses guias fornecem as bases para que
ce de dano ao usuário, com obtenção de me-
o farmacêutico selecione a melhor conduta
lhores resultados clínicos. O farmacêutico tem
quando apoia o paciente no manejo de pro-
papel importante no processo de uso racional
blemas de saúde autolimitados. Entre os temas
de medicamentos, orientando adequadamente
propostos, estão: espirro e congestão nasal,
os pacientes em uso de medicamento prescrito
azia e dispepsia, febre e dismenorreia.
e aqueles que se automedicam, inibindo a au-
Os guias podem ser acessados, gratuita- toprescrição.
mente, em: https://bit.ly/2StwR2w. Nas próximas edições do boletim serão
analisadas as evidências científicas relativas
Considerações finais à segurança e efetividade dos tratamentos de
sinais e sintomas de problemas de saúde au-
O uso de medicamentos, quando neces- tolimitados, na perspectiva de subsidiar os far-
sário, tem o potencial para melhorar o estado macêuticos no atendimento aos pacientes que
de saúde e a qualidade de vida das pessoas. buscam seus serviços.

Referências

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BOLETIM
Farmacoterapêutica Ano XXIV - Números 01 e 02 ‑ Jan‑Jun/2020
Segurança de Medicamentos

Segurança no uso de Inibidores


da Bomba de Prótons
Letícia Nogueira Leite, MSc, PhD
Rogério Hoefler, MSc
Farmacêuticos do Centro Brasileiro de Informação sobre
Medicamentos/Conselho Federal de Farmácia

Introdução K+ATPase) na superfície secretora das células pa-


rietais gástricas e, assim, suprimem a secreção
Há 10 anos, publicamos um artigo neste bole-
de ácido clorídrico no estômago. Os represen-
tim sobre questões de segurança do uso prolon-
tantes dessa classe têm eficácia similar quando
gado de inibidores da bomba de prótons (IBPs)2.
usados em doses equipotentes. Em dose única
Naquela ocasião, já eram apontados alguns po-
diária, cerca de 70% das bombas de prótons são
tenciais problemas, como hipergastrinemia, cân-
inibidas em dois a cinco dias, por isso não se jus-
cer gástrico, enterite bacteriana, pneumonia e
tifica o uso de IBPs para tratar sinais/sintomas,
deficiência de minerais e de vitamina B12. Nesta situação em que são indicados um antiácido ou
edição, fazemos uma rediscussão sobre o tema, um antagonista dos receptores H2 da histamina
com novas evidências científicas, num contexto (ARH2). Os IBPs são especialmente indicados em
em que se observa um movimento de laborató- pacientes com hipergastrinemia, síndrome de
rios farmacêuticos para que a Agência Nacional Zollinger-Ellison, úlceras pépticas duodenais re-
de Vigilância Sanitária (Anvisa) altere o status fratárias a ARH2 e no tratamento prolongado de
regulatório desses medicamentos, de venda sob Esôfago de Barrett1.
prescrição para isentos de prescrição.
Automedicação e autoprescrição
Inibidores da Bomba de Prótons
Um estudo transversal, de base populacio-
Os IBPs - omeprazol, pantoprazol, lansopra- nal, realizado a partir da Pesquisa Nacional de
zol, esomeprazol, etc. - inibem específica e irre- Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional
versivelmente a bomba de prótons (enzima H+/ de Medicamentos (PNAUM)3, com dados colhi-

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dos de setembro de 2013 a fevereiro de 2014, Problemas associados ao uso de inibidores da


estimou a prevalência de 16,1% (IC95%: 15,0-17,5) bomba de prótons
para a automedicação no Brasil. Neste estudo,
Os inibidores da bomba de prótons costu-
cerca de 35% dos medicamentos usados por au-
mam ser bem tolerados e causam efeitos adver-
tomedicação não eram medicamentos isentos
sos moderados e transitórios, quando usados
de prescrição (MIPs), ou seja, requeriam pres-
por curto prazo2. Porém, diversos estudos recen-
crição (medicamentos tarjados)3. Em 2019, uma
tes rediscutem a segurança do uso desses me-
pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, por
dicamentos, especialmente por longo prazo. O
encomenda do Conselho Federal de Farmácia,
Quadro 1 apresenta um sumário das evidências
estimou que 77% dos brasileiros que utilizaram
científicas encontradas acerca de problemas as-
medicamentos nos seis meses anteriores à en-
sociados ao uso de IBPs.
trevista tinham como hábito fazê-lo por conta
própria, sem prescrição4.
Malformações congênitas
Os MIPs são indicados para aliviar sinais e
sintomas de doenças não graves e com evolu- Uma revisão sistemática com meta-análise9
ção muito lenta ou inexistente, apresentando avaliou o risco de desfechos adversos a neona-
baixo potencial de causar danos à saúde e bai- tos associado ao uso de IBPs pelas respectivas
xo risco de dano ao paciente em condições de mães durante a gravidez. A busca incluiu as ba-
abuso, intoxicação ou mau uso5,6. Não é bom ses de dados Medline, Web of Science, Cochrane
que esses medicamentos sejam percebidos Database e Embase, com artigos publicados até
pelos usuários como produtos triviais, despro- junho de 2019. Foram incluídos todos os estudos
vidos de risco de efeitos adversos ou isentos que relataram ao menos um desfecho adverso
de contraindicações. Porém, em razão da libe- à gravidez, comparando usuárias de IBPs a não
ralidade com que os MIPs são comercializados, usuárias, e usuárias de antagonistas dos recep-
as pessoas conseguem adquirir e utilizar tais tores H2 da histamina (ARH2) a não usuárias e
medicamentos sem qualquer orientação pro- a usuárias de IBPs. Os desfechos incluíram mal-
fissional. Para agravar o cenário, alguns medi- formações congênitas, aborto, natimorto, morte
camentos tarjados são adquiridos, em muitas neonatal, nascimento prematuro, pouco cresci-
farmácias brasileiras, sem a apresentação de mento em relação à idade gestacional e baixo
uma prescrição de profissional habilitado. Am- peso ao nascer. Foram identificados 26 estudos
bas as práticas, a automedicação e a autopres- observacionais (20 estudos de coorte e 6 estu-
crição, oferecem algum perigo aos usuários, dos de caso-controle), dos quais 19 avaliaram
ser conivente com a autoprescrição implica in- IBPs e 12 avaliaram ARH2. O aumento do risco de
fração sanitária da parte do estabelecimento7. malformações congênitas associou-se ao uso de
IBPs [OR:1,28 (IC95%:1,09-1,52)], especialmente em
Entre os medicamentos frequentemente
usados por autoprescrição destacam-se antiul- estudos de caso-controle [OR: 2,04 (1,46-2,86)],
cerosos, anti-inflamatórios não-esteroides (AI- mas não ao uso de ARH2.
NEs), antieméticos e contraceptivos hormonais. Por outro lado, não foi encontrada associa-
Atualmente, alguns desses são objeto de petição ção significante entre o uso de IBP e ocorrência
junto à Anvisa para reenquadramento como MIP. de aborto, natimorto, morte neonatal, nascimen-
Em 15 de janeiro de 2020, no portal da Anvisa, to prematuro e baixo peso ao nascer, embora o
havia 26 fármacos com pedido de alteração no uso de ARH2 possa estar associado a um aumen-
enquadramento regulatório, do status de venda to do risco de nascimento prematuro (OR: 1,25;
sob prescrição para MIP, entre os quais, consta- IC95%:1,02-1,56). A heterogeneidade estatística
vam: ondansetrona, ácido mefenâmico, cetopro- (I2=29,4%; P=0,123) e o risco global de vieses foram
feno e esomeprazol8. baixos, mas a heterogeneidade clínica e os vieses

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de informação e de seleção podem estar presen- visão sistemática, dos quais 66 integraram a me-
tes nos estudos individuais. Esta meta-análise ta-análise.
sugere uma associação entre o uso de IBPs por
Entre os pacientes com doença renal em
mulheres grávidas e a incidência de malforma-
estágio terminal, o grupo exposto a IBPs apre-
ções congênitas de seus filhos, mas não houve
sentou maior risco para o desfecho morte por
suficiente poder estatístico para avaliar malfor-
todas as causas [RR=1,31(IC95%: 1,13-1,51)], com
mações e fármacos específicos9.
elevada homogeneidade estatística entre os
estudos agregados na meta-análise (I2=0%). O
Interações farmacológicas
risco também foi maior, e estatisticamente sig-
Há diversos artigos de revisão publicados nificante, entre os pacientes frágeis que necessi-
acerca das interações entre medicamentos por tam de suporte de vida [RR=1,36(IC95%:1,02-1,82)]
alterações na acidez gástrica, mediadas pela e entre aqueles com cirrose hepática [RR=1,74
coadministração de um antiácido, ARH2 ou IBP. (IC95%:1,05-2,90)]; todavia, para estes grupos, os
Uma revisão sistemática10 identificou os medi- estudos agregados apresentaram elevada hete-
camentos de uso oral que apresentam intera- rogeneidade (I2=56% e I2=79%, respectivamente).
ções clinicamente relevantes (perda de eficácia Para os pacientes com infarto do miocárdio ou
e efeitos adversos), com fármacos que reduzem insuficiência cardíaca, o resultado da meta-a-
a acidez gástrica, categorizando-os segundo o nálise não foi estatisticamente significante e os
mecanismo da interação. Foram identificados 121 estudos apresentaram elevada heterogeneidade
fármacos com potencial interação clinicamente [RR=1,25 (IC95%: 0,77-2,03); I2=99%]11.
relevante com redutores da acidez gástrica. Para
38 dos fármacos, o mecanismo da interação é de- Entre os pacientes com síndrome coronaria-
pendente do pH gástrico e, para 83 deles, ocorre na aguda, o grupo exposto a IBP também apre-
por interferência com enzimas e transportadores sentou maior risco para os desfechos acidente
metabólicos, quelação e alcalinização da urina. vascular cerebral [RR=1,36 (IC95%: 1,19-1,56); I2=0%]
Além disso, foram identificados nessa revisão e infarto do miocárdio [RR=1,37(IC95%: 1,05-1,80)].
109 fármacos que não apresentaram interação Todavia, para este último desfecho, os estudos
clinicamente relevante com fármacos que redu- agregados apresentaram elevada heterogenei-
zem a acidez gástrica. Recomendamos consulta dade (I2=93%). Para a população em geral, os re-
ao artigo original (acesso livre em: https://bit. sultados da meta-análise não foram estatistica-
ly/2Q2nPId) para verificação das interações clini- mente significantes para os desfechos acidente
camente relevantes. vascular cerebral e infarto do miocárdio11.
Outra revisão sistemática12 investigou asso-
Eventos cardiovasculares ciações entre IBPs e morbidade e mortalidade.
Há pouco mais de uma década, é discutida Foram buscados estudos nas bases de dados
a associação entre o uso concomitante de IBP e Medline e Cochrane Review Database, indepen-
clopidogrel, e a incidência de eventos adversos dentemente da metodologia. Além de limitar-se
cardiovasculares importantes (major adverse à busca em duas bases de dados, a revisão res-
cardiovascular events - MACE). Uma revisão sis- tringiu-se a estudos publicados em inglês, do
temática com meta-análise11 avaliou os estudos período de janeiro de 1990 a outubro de 2016.
relevantes que analisaram a associação entre o Foram considerados 37 estudos, dos quais 5
uso de IBP, isolado ou combinado a um agente compararam diretamente o efeito do uso de IBPs
antiplaquetário, e o risco de MACE. As buscas sobre a mortalidade e/ou morbidade cardiovas-
envolveram as bases de dados Medline, Embase cular (22.427 pacientes para análise sobre mor-
e Cochrane Central Register of Controlled Trials. talidade e 354.446 pacientes sobre morbidade).
Cento e dezoito estudos foram incluídos na re- Para os usuários de IBPs, houve aumento esta-

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tisticamente significante da mortalidade de to- meta-análise14 quantificou as associações apre-


das as causas [OR=1,68(IC95%: 1,53-1,84); p<0,001] sentadas na literatura. Em julho de 2016, foram
e da taxa de eventos cardiovasculares maiores pesquisados estudos nas bases de dados Medli-
[OR=1,54(IC95%: 1,11-2,13); p=0,01]. ne, Embase e Cochrane Library. Foram incluídos
os estudos observacionais que estimaram riscos
Mortalidade de efeitos adversos associados ao uso de IBP
Um estudo de coorte13, realizado a partir da por longo prazo. Foram incluídos 43 estudos, dos
base de dados do Departamento de Assuntos de quais 28 integraram a meta-análise. As chances
Veteranos dos EUA (US Department of Veterans de ocorrer pneumonia adquirida na comunida-
Affairs), envolveu pacientes internados e de de e fratura de quadril foram, respectivamente,
ambulatório, cuja coorte principal incluiu novos 67% [odds ratio (OR)=1,67(IC95%: 1,04-2,67)] e 42%
usuários de IBP ou ARH2 (n=349.312) e as coor- [(OR=1,42(IC95%: 1,33-1,53)] mais elevadas em pa-
tes adicionais incluíram usuários de IBP versus cientes em uso de IBP por longo prazo versus não
não usuários de IBP (n=3.288.092) e usuários usuários de IBP. Não houve diferença estatística
de IBP versus não usuários de IBP nem ARH2 na chance de câncer colorretal [(OR= 1,55(IC95%:
(n=2.887.030). O principal desfecho avaliado foi 0,88-2,73)]. Embora os IBPs ofereçam benefícios
risco de morte. O tempo de seguimento dos pa- de curto prazo à saúde, seu uso prolongado está
cientes teve uma mediana de 5,71 anos (inter- associado a desfechos adversos potenciais para
valo interquartil - IQR=5,11-6,37). O uso de IBP a saúde dos usuários. Os autores recomendam
associou-se a maior risco de morte comparado enfaticamente que a prescrição de IBP seja feita
com o uso de ARH2 [razão de riscos (HR)=1,25 com parcimônia para melhorar a efetividade e a
(IC95%: 1,23-1,28)]. Observou-se aumento do ris- segurança da terapia aos pacientes.
co de morte quando considerado o uso de IBP
versus não uso de IBP (HR=1,15; IC95%: 1,14-1,15), Infecção por Clostridium difficile
e uso de IBP versus não uso de IBP nem ARH2 Infecção por Clostridium difficile é uma
(HR=1,23; IC95%:1,22-1,24). O risco de morte as- causa de aumento de morbidade e de custos
sociado ao uso de IBPs aumentou entre parti- dos cuidados em saúde entre pacientes hos-
cipantes sem problemas gastrintestinais: IBPs pitalizados. Uma revisão sistemática15 avaliou
versus ARH2 (HR=1,24; IC95%: 1,21-1,27); uso de os riscos de infecção inicial e recorrente por
IBPs versus não uso de IBPs (HR=1,19; IC95%: 1,18- Clostridium difficile em crianças e adultos
1,20); e uso de IBP versus não uso de IBP nem tratados com IBP. Foram realizadas buscas
ARH2 (HR=1,22; IC95%:1,21-1,23). Entre os novos nas bases de dados Medline, Embase e Web
usuários de IBP houve uma associação entre a of Science e selecionados 67 estudos. O uso
duração de exposição e o risco de morte. Os re- de IBP associou-se com risco de infecção por
sultados sugerem excesso de risco de morte en- Clostridium difficile (OR=2,34; IC95%: 1,94-2,82;
tre usuários de IBP, com especial aumento entre P<0,00001), porém, os estudos agregados ti-
aqueles sem problemas gastrintestinais e com nham elevada heterogeneidade (I 2=93%). Doze
uso por longo prazo. Estes resultados sugerem estudos agrupados em meta-análise demons-
que o uso dos IBPs seja reservado aos casos em traram significante associação entre o uso
que é clinicamente justificável e que se evite o de IBP e infecção recorrente por Clostridium
uso prolongado. difficile (OR=1,73; IC95%: 1,39-2,15; P=0,02), com
moderada heterogeneidade (I 2=52%). Aná-
Efeitos do uso prolongado
lises de subgrupos revelaram associações
A associação entre o uso prolongado de IBP entre o uso de IBP e aumento da incidência
e os riscos de variados eventos adversos perma- de infecção por Clostridium difficile entre
nece controversa. Uma revisão sistemática com pacientes adultos (OR=2,30; IC95%: 1,89-2,80;

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P<0,00001) e pediátricos (OR=3,00; IC95%: Efeito rebote


1,44-6,23; P<0,00001), porém, as elevadas he-
A secreção ácida das células parietais do
terogeneidades entre os estudos (I2=94% e
estômago resulta de uma complexa interação
I2=86%, respectivamente) sugerem cautela na
entre diferentes mediadores estimuladores e ini-
interpretação desses resultados. O uso de IBP
bidores. Um dos mediadores mais importantes é
associou-se com infecção inicial e recorrente a gastrina, a qual estimula a secreção do ácido
por Clostridium difficile em adultos e crian- gástrico a partir das células parietais, principal-
ças. Embora outros fatores de risco também mente de forma indireta, por meio da liberação
estejam associados à ocorrência e recorrência de histamina das células tipo enterocromafins
dessa infecção, recomenda-se evitar o uso in- (ECL). A terapia com agentes anti-secretores leva
justificado de IBP em qualquer idade15. à hipergastrinemia, hiperplasia da mucosa e au-
Outra revisão sistemática16 com meta-aná- mento da massa de células ECL, o que resulta
lise avaliou o risco de infecção por Clostridium em aumento da capacidade de secreção gástrica.
difficile em pacientes tratados com IBP. Foram Este aumento da capacidade de secreção se ma-
realizadas buscas no PubMed e em outras sete nifesta espontaneamente depois da interrupção
bases de dados, compreendendo o período de da terapia anti-secretora, como hipersecreção
1990 a 2017. Foram incluídos estudos de caso- ácida rebote. Diversos estudos quantificaram a
-controle e de coorte, que avaliaram a asso- hipersecreção ácida depois da cessação da tera-
ciação entre o uso de IBP e o desenvolvimento pia com ARH2 e IBPs. Embora as evidências dis-
de infecção por Clostridium difficile em adul- poníveis sejam relativamente limitadas, em geral,
tos. Foram analisados 56 estudos (40 casos- os dados demonstram que a hipersecreção ácida
-controles e 16 coortes), envolvendo 356.683 rebote depois da terapia com ARH2 é de baixa
pacientes. Estimativas globais agregadas e magnitude, tem curta duração e questionável sig-
análises de subgrupos mostraram aumento do nificância clínica. Por outro lado, a hipersecreção
risco de infecção por Clostridium difficile, ape- ácida associada à terapia com IBPs é mais pro-
sar da substancial heterogeneidade estatística nunciada, mais duradoura e, possivelmente, po-
entre os estudos. A meta-análise de todos os deria ser a causa de sinais/sintomas relaciona-
estudos combinados mostrou uma significante dos à acidez. O potencial para causar tais sinais/
associação entre o uso de IBP e a ocorrência sintomas foi recentemente confirmado por meio
de infecção por Clostridium difficile (OR=1,99; de dois ensaios clínicos controlados com place-
IC95%: 1,73-2,30; P<0,001) quando comparado a bo e pela observação do uso crescente de IBPs.
não uso. A associação manteve-se significante A hipersecreção ácida rebote poderia ser uma
em análises de subgrupos: estudos de caso- comprovação de falha na retirada da terapia em
-controle (OR=2,00; IC95%: 1,68-2,38; P<0,0001) parte dos pacientes com sinais/sintomas de re-
e de coorte (OR=1,98; IC95%: 1,51-2,59; P<0,0001); fluxo ou de dispepsia17. O risco de hipersecreção
idade ≥ 65 anos (OR=1,93; IC95%: 1,40-2,68; ácida rebote com uso de IBPs é mais significativo
P<0,0001) e < 65 anos (OR=2,06; IC95%: 1,11-3,81; em tratamentos com duração superior a 25 dias18.
P<0,01). Houve significante heterogeneidade Embora a hipersecreção ácida rebote após
entre os estudos (I2=85,4%, P < 0,001) e evidên- a interrupção de tratamento com IBPs já esteja
cia de viés de publicação (teste de assimetria estabelecida, ainda são desconhecidas suas im-
do funnel plot, P = 0,002). O uso de IBP está plicações clínicas. Sugere-se que um fenômeno
associado a aumento do risco de desenvolvi- rebote clinicamente relevante possa dificultar a
mento de infecção por Clostridium difficile, po- retirada de medicamentos supressores ácidos e
rém, são necessários estudos prospectivos de explicar, em parte, o aumento do uso prolonga-
alta qualidade para avaliar se esta associação do de IBPs. Uma revisão sistemática19, cuja busca
é causal16. por estudos limitou-se à base de dados Medline,

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avaliou evidências sobre os sinais/sintomas cli- literatura cita outros problemas, embora as evi-
nicamente relevantes causados pela hiperaci- dências sejam mais frágeis20:
dez rebote após tratamento com IBPs. Dos cinco
− infecções como pneumonia e listeriose;
estudos incluídos, dois que envolviam voluntá-
− fraturas de vértebra e punho, possivelmente,
rios assintomáticos encontraram incidência de
por uma redução na absorção de cálcio devi-
44% de sinais/sintomas relacionados a acidez
da ao aumento do pH gástrico;
gástrica, até 4 semanas depois da retirada do
tratamento. Em geral, os sinais/sintomas (prin- − distúrbios musculares, como mialgia, poli-
cipalmente, azia e regurgitação) foram leves a miosite e rabdomiólise, supostamente, por
moderados. Três estudos que envolviam pa- um ataque muscular autoimune;
cientes com doença de refluxo não encontraram − artralgia;
sinais ou sintomas causados pela acidez rebo- − interferência na absorção da vitamina B12
te. Os autores concluíram que a hipersecreção (cianocobalamina), cuja principal consequên-
rebote de ácido gástrico induz sinais/sintomas cia é a anemia;
tipo refluxo depois da terapia com IBPs em vo- − hiponatremia, hipomagnesemia sintomática
luntários inicialmente assintomáticos, mas a (convulsões, arritmias cardíacas, tetania, vô-
relevância clínica desse fenômeno não é clara mitos graves e distúrbios mentais) associada
entre os pacientes com sinais/sintomas pré- a hipocalcemia e hipopotassemia. Alterações
-tratamento. Os estudos em pacientes com a longo prazo na mucosa digestiva podem al-
doença de refluxo não encontraram evidência terar a absorção de magnésio;
de hipersecreção ácida rebote sintomática, mas − doença renal intersticial, cujo mecanismo
os estudos apresentavam importantes limita- proposto é imunoalérgico. Também são rela-
ções metodológicas. tadas lesões musculares, hepáticas, hemato-
lógicas e cutâneas;
Outros problemas
− tumor da mucosa gástrica, associado à dimi-
Além dos efeitos adversos já mencionados, a nuição da acidez gástrica por longo prazo.

Quadro 1. Sumário das evidências científicas de problemas associados ao uso de IBPs

Desfechos adversos associados ao uso de IBPs* Referências


Malformações congênitas 9
Interações farmacológicas 10
− Aumento do risco de morte por todas as causas em pacientes com
doença renal em estágio terminal, frágeis, que necessitam de su-
porte de vida e naqueles com cirrose hepática. 11
Eventos cardiovasculares − Aumento do risco de acidente vascular cerebral e infarto do miocár-
dio em pacientes com síndrome coronariana aguda.
− Aumento do risco de morte por todas as causas e aumento do risco
12
de eventos cardiovasculares maiores.
− Aumento do risco de morte em pessoas com ou sem problema gas-
Mortalidade geral 13
trointestinal.
− Aumento do risco de pneumonia adquirida na comunidade e de
Efeitos do uso prolongado 14
fratura de quadril.
Infecção por C. difficile − Aumento do risco de infecção por C. difficile e de sua recorrência. 15,16
Efeito rebote 17,18,19
*em algumas das meta-análises consideradas, houve elevada heterogeneidade entre os estudos agregados (consultar descrição no
texto ou estudos citados).

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Conscientização dos profissionais da saúde caso, e promover o uso racional do medica-


mento 6,22.
Os IBPs representam uma das classes de
medicamentos mais prescritas no mundo,
Considerações finais
com crescente número de publicações rela-
tivas às consequências de sua utilização. O De um modo geral, os IBPs oferecem reais
nível de conhecimento dos profissionais da benefícios aos pacientes, com bom perfil de
saúde sobre os IBPs é essencial para melho- segurança, no tratamento e prevenção de di-
rar sua utilização. Um estudo transversal21, versos transtornos gastrointestinais. Mas há
com aplicação de questionário a 900 profis- evidências científicas, provenientes de ensaios
sionais da saúde (300 médicos, 300 enfer- clínicos e estudos observacionais, que sugerem
meiros e 300 farmacêuticos), investigou a riscos de relevantes problemas associados ao
conscientização, a atitude e o comportamen- uso desses medicamentos. Portanto, seria sen-
to desses profissionais em relação ao uso sato recomendar que o uso de IBPs seja parci-
de IBPs, no sudoeste da China. O estudo foi monioso, sob prescrição e supervisão de profis-
conduzido em 22 hospitais, em Luzhou, entre sional habilitado.
fevereiro e junho de 2018. Em uma escala de
À vista disso, quando medidas não farma-
0 a 100, o escore obtido pelos profissionais
cológicas forem insuficientes para aliviar sinto-
quanto à conscientização sobre IBPs foi baixo
mas gastrointestinais, recorre-se inicialmente
(59,47±15,75). Porém, o nível de conscientiza-
ao uso de um antiácido, como aqueles à base
ção dos farmacêuticos foi significativamente
de hidróxido de alumínio e hidróxido de mag-
mais elevado do que o dos médicos e o dos
nésio. Se necessário, mediante diagnóstico e
enfermeiros (66,70±14,59 versus 61,78±12,90
prescrição de médico, pode-se lançar mão de
versus 49,14± 14,40, respectivamente; P<0,01).
um ARH2 e, dependendo da condição, pode ser
O escore relativo ao conhecimento sobre IBPs
justificado o uso de um IBP.
apresentou associação estatisticamente sig-
nificante (P<0,05) para os fatores sexo, idade, Por fim, o maior benefício social do aces-
ocupação, nível educacional, título profissio- so aos MIPs é garantir às pessoas o direito ao
nal, natureza do hospital e grau do hospital. autocuidado, para o alívio de sinais e sintomas
Enfim, este estudo demonstrou a limitada de condições clínicas de baixa gravidade, so-
conscientização dos profissionais da saúde bretudo onde o acesso aos serviços de saúde é
em uma região da China, especialmente en- limitado e demasiado oneroso. Nesse contexto,
fermeiros, com relação ao uso racional de torna-se evidente a responsabilidade social do
IBPs. Isso reforça a necessidade de melhorar farmacêutico, como provedor de serviços que
a conscientização sobre o comportamento de favoreçam o uso seguro e racional dos medica-
uso desses medicamentos para reduzir a uti- mentos, isentos de prescrição ou não.
lização excessiva e promover o uso racional.
O farmacêutico é indispensável para
orientar as pessoas quanto ao autocuidado
e à automedicação responsável, sendo ca-
paz de perceber situações que requerem en-
caminhamento do paciente ao médico. Ele
deve auxiliar o paciente na escolha da op-
ção terapêutica, farmacológica ou não, que
seja eficaz, segura e apropriada para o seu

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Referências

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inhibitors used alone or in combination with antiplatelet Health Services Research 2019; 19(1): 880. doi: 10.1186/
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19
BOLETIM
Farmacoterapêutica Ano XXIV - Números 01 e 02 ‑ Jan‑Jun/2020
O Cebrim responde

Pergunta em jejum na hora de dormir), ou concomitante-


mente com outros agentes anti-secretores. Os
Farmacêutico comunitário questiona
fabricantes recomendam que formulações de
acerca de paciente que utiliza omeprazol
omeprazol de liberação retardada sejam admi-
e levotiroxina com orientação de que am-
nistradas pelo menos uma hora antes da refei-
bos sejam tomados em jejum. Esses medi-
ção2.
camentos podem ser administrados juntos,
pela manhã? Há alguma interação ou pre-
Levotiroxina
juízo na absorção deles? Se não puderem
ser utilizados concomitantemente, como or- Levotiroxina é um hormônio da tireoide
ganizar a prescrição? Qual deve ser tomado utilizado no tratamento de hipotiroidismo e na
primeiro e de que forma? supressão de hormônio tireoestimulante (TSH)
hipofisário, e em situações específicas, como
nos carcinomas diferenciados da tireoide2. A le-
Resposta votiroxina deve ser administrada pela manhã,
em jejum, com cerca de 250 mL de água, ao me-
Omeprazol nos 30 minutos antes ou duas horas depois do
Omeprazol é um inibidor da bomba de café da manhã. A absorção da levotiroxina é di-
prótons (IBP), que suprime a secreção de áci- minuída se tomada com alimentos.
do gástrico por meio da inibição de enzimas do
sistema adenosina trifosfatase de hidrogênio e Potencial interação farmacológica
potássio (H+/K+ ATPase) das células parietais O uso de IBPs, como o omeprazol ou panto-
gástricas. É utilizado em condições onde a ini- prazol, pode diminuir a absorção e, consequen-
bição da secreção de ácido gástrico pode ser temente, a eficácia da levotiroxina3, por redução
benéfica, incluindo síndromes de aspiração, da acidez gástrica. Em estudo que analisou pa-
dispepsia, doença do refluxo gastroesofágico, cientes com secreção gástrica reduzida, a dose
úlcera péptica e na síndrome de Zollinger-El- necessária de levotiroxina foi 22% a 34% maior
lison1. O uso de omeprazol, juntamente com do que em pacientes sem distúrbios gástricos.
alimentos, reduz a velocidade de absorção gás- Entretanto, esse efeito pode estar mais relacio-
trica, por isso, deve ser administrado antes das nado ao distúrbio gástrico do que à redução da
refeições. O Colégio Americano de Gastroente- acidez gástrica3. Como precaução, recomenda-
rologia sugere que inibidores da bomba de pró- -se que sejam monitorados os níveis de TSH e
tons são mais efetivos quando administrados 30 ajustadas as doses de levotiroxina, conforme
minutos antes das refeições2. A eficácia desses necessidade, visto que o uso concomitante de
medicamentos pode ser reduzida se forem ad- levotiroxina e IBP pode causar aumento signifi-
ministrados durante o período basal (pacientes cante nos níveis de TSH4.

20
BOLETIM
Farmacoterapêutica Ano XXIV - Números 01 e 02 ‑ Jan‑Jun/2020
O Cebrim responde

Considerações finais
Com base no exposto, sugere-se que a A levotiroxina e o omeprazol devem ser in-
levotiroxina seja administrada pelo menos geridos com auxílio de um copo de água (cerca
30 minutos antes do café da manhã (em je- de 250 mL) e devem ser monitorados os níveis
jum) e o omeprazol cerca de uma hora antes de TSH, para orientar possível necessidade de
do almoço. ajuste da dose de levotiroxina.

Referências

1. Martindale: The Complete Drug Reference [Internet]. Lon- 3. Baxter K, Preston CL. Stockley’s drug interactions. 10th ed.
don: The Royal Pharmaceutical Society of Great Britain. London: Pharmaceutical Press; 2013.
Electronic version, Truven Health Analytics, Greenwood
4. DRUGDEX® System [Internet]. Colorado: Truven Health
Village, Colorado, USA; 2020. Disponível em: http://www.
Analytics, Greenwood Village, 2020. Disponível em: http://
micromedexsolutions.com/
www.micromedexsolutions.com/
2. McEvoy GK. AHFS: Drug Information 2015. Bethesda: Ame-
rican Society of Healthy-System Pharmacists; 2015.

Informe-se

A Escola de Farmácia de Ouro Preto: A


memória sublimada. Autor: Victor Vieira de
Godoy. Editora: Metalivros. Ano de publicação:
2019. ISBN978-8582200285.

A obra apresenta a trajetória desta insti-


tuição existente há 180 anos. No livro, o autor
relata aspectos pouco conhecidos da Escola,
referindo a complexidade do processo histó-
rico, político, socioeconômico e cultural em
que se enredou a instituição.

21
BOLETIM
Farmacoterapêutica Ano XXIV - Números 01 e 02 ‑ Jan‑Jun/2020
Informe-se

O Conselho Federal de Farmácia, atra-


vés do Centro Brasileiro de Informação so-
bre Medicamentos (Cebrim/CFF), publicou
recentemente o livro infantil “SOS, O Corona
Chegou”. O livro conta com ilustrações e lin-
guagem adequada ao público infantil, com
informações relacionadas principalmente às
medidas de prevenção do contágio pelo co-
ronavírus e dicas para se manter saudável.
Esta publicação é um dos produtos do
Projeto “Educação em Saúde em Pediatria
(Cacilda, saúde e Cia), coordenado pela Dra.
Carolina Maria Xaubet Olivera, MSc, PhD, far-
macêutica do Cebrim/CFF. Informações sobre
o projeto estão disponíveis em: https://bit.
ly/2It7603.

Informações técnicas oficiais acerca da COVID-19

O Ministério da Saúde divulga publicações técnicas relevantes para atualização de profissionais


e gestores de saúde em questões acerca da COVID-19, incluindo documentos oficiais, notas técnicas,
sumários baseados em evidências, planos de contingência e pesquisas em andamento.
Acesse o portal em: https://coronavirus.saude.gov.br/profissional-gestor

22
BOLETIM

Cebrim
Centro Brasileiro de Informação
sobre Medicamentos
Farmacoterapêutica ISSN: 1413-9626
Ano XXIV - Números 01 e 02 ‑ Jan‑Jun/2020

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