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MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia

ISSN 2318-0811
Volume III, Número 1 (Edição 5) Janeiro-Junho 2015: 55-70

Economia e Conhecimento*
F. A. Hayek**

Resumo: O autor desenvolve argumentos para criticar a visão de que os modelos de


equilíbrio de que trata a teoria econômica convencional são adequados à realidade.
Sua argumentação demonstra a subjetividade inerente aos fenômenos das ciências
sociais e coloca em evidência as limitações da ciência econômica, impostas tanto pela
ausência de conhecimento pleno, quanto pela dispersão do conhecimento na socie-
dade.
Palavras-Chave: Economia, Conhecimento, Dados Objetivos e Subjetivos, Absorção
do Conhecimento.

Economics and Knowledge


Abstract: The author develops arguments to criticize the view that the equilibrium
models mentioned by conventional economic theory are appropriate to reality. His
argument shows the subjectivity inherent in the social science phenomena and shows
the limitations of economic science, imposed both by the lack of complete knowledge
and by its dispersion in society.
Keywords: Economy, Knowledge, Objective and Subjective Data, Absorption of Kno-
wledge.

Classificação JEL: B41, B53

*
Discurso presidencial apresentado no London Economic Club, em 10 de Novembro de 1936. Publicado originalmente
como: HAYEK, F. A. Economics and Knowledge. Economica, Vol. 4 (1937): 33-54. Reimpresso como: HAYEK, F.
A. Economics and Knowledge. In: Individualism and Economic Order. Chicago: Chicago University Press, 1948.
p. 33-56.
Traduzido do inglês para o português por Claudio Andrés Téllez-Zepeda.

**
Friedrich August von Hayek nasceu em Viena, no dia 8 de maio de 1899, na ocasião, ainda Império Austro-
Húngaro. Recebeu os títulos de doutor em Direito (1921) e Ciência Política (1923) pela Universidade de Viena,
onde também estudou Filosofia, Psicologia e Economia. Com a ajuda de Ludwig von Mises (1881-1973), no final
da década de 1920, fundou e dirigiu o Austrian Institute for Business Cycle Research, antes de ingressar na London
School of Economics em 1931. Tornou-se súdito inglês em 1938 e, em março de 1944, lançou seu famoso livro O
Caminho da Servidão (Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010). Viveu na Grã-Bretanha até 1950 e depois mudou-se
para os Estados Unidos, onde permaneceu de 1950 a 1962. Em 1974, recebeu o Prêmio Nobel de Economia pode
sua Teoria da Moeda e flutuações econômicas. Faleceu em 23 de março de 1992, em Freiburg, na Alemanha, onde
vivia desde a década de 1960.
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I co2. O estímulo que foi exercido a este respeito


pelo trabalho de Frank H. Knight (1885-1972)
A ambiguidade do título deste artigo pode ainda vir a exercer uma profunda influ-
não é acidental. Seu tema principal é, obvia- ência, para muito além de seu campo especí-
mente, o papel que os pressupostos e as pro- fico. Não foi senão muito mais tarde que os
posições acerca do conhecimento, possuídos pressupostos a serem feitos no que concerne
pelos diferentes membros da sociedade, de- à previsão mostraram-se de fundamental im-
sempenham na análise econômica. Mas isto portância para a solução de enigmas na teoria
não está, de forma alguma, desconectado da da competição imperfeita, as questões sobre
outra questão que poderia ser discutida sob o duopólio e oligopólio. Desde então, tornou-
mesmo título – a questão de em que medida a -se mais e mais óbvio que, no tratamento das
análise econômica formal transmite qualquer questões mais “dinâmicas” da moeda e das
conhecimento a respeito do que ocorre no flutuações industriais, os pressupostos a se-
mundo real. De fato, meu principal argumen- rem feitos sobre previsões e “antecipações”
to será que tautologias, que são do que consis- desempenham um papel igualmente central
te essencialmente a análise formal do equilí- e que, em particular, os conceitos que foram
brio em economia, podem ser transformadas introduzidos nesses campos a partir da pura
em proposições que nos dizem alguma coisa análise do equilíbrio, tal como aqueles de uma
acerca da causação no mundo real somente na taxa de juros de equilíbrio, poderiam ser ade-
medida em que somos capazes de preencher quadamente definidos somente em termos de
essas proposições formais com declarações de- pressupostos relativos à previsão. A situação
finidas sobre como o conhecimento é adquiri- aqui parece ser que, antes de que possamos
do e comunicado. Em resumo, defenderei que explicar por que as pessoas cometem erros,
o elemento empírico na teoria econômica – a devemos primeiramente explicar por que elas
única parte que se preocupa não somente com deveriam estar sempre certas.
as implicações, mas também com as causas e Em geral, parece que chegamos a um
efeitos, e que conduz, portanto, a conclusões ponto no qual todos percebemos que o pró-
que, de qualquer forma, em princípio são ca- prio conceito de equilíbrio pode ser tornado
pazes de verificação1 - consiste de proposições claro e definido somente em termos de pres-
sobre a aquisição do conhecimento. supostos relativos à previsão, embora ainda
Talvez deva começar recordando acerca possamos não concordar exatamente a res-
do fato interessante de que em grande quanti- peito de exatamente quais são esses pressu-
dade das tentativas mais recentes, realizadas postos essenciais. Esta questão irá me ocu-
em diferentes campos, para conduzir a pes- par mais adiante neste ensaio. No momento,
quisa teórica para além dos limites da análise preocupo-me somente em mostrar que, na
de equilíbrio tradicional, a resposta pronta- atual conjuntura, quer queiramos definir as
mente mostrou-se voltar para os pressupostos fronteiras da estática econômica, quer deseje-
que fazemos com respeito a um ponto que, se mos transcendê-la, não podemos escapar do
não é idêntico ao meu, o é ao menos parcial- contestado problema da posição exata que os
mente, a saber, com relação à previsão. Acre- pressupostos sobre a previsão devem ocupar
dito que o campo no qual, conforme espera- em nosso raciocínio. Pode isto ser meramente
ríamos, a discussão dos pressupostos no que acidental?
diz respeito à previsão atraiu primeiramente
a atenção mais abrangente foi a teoria do ris-
2
Uma exposição panorâmica mais completa do processo
por meio do qual a importância das antecipações
foi gradualmente introduzida na análise econômica
1
Ou, mais propriamente, falsificação (cf. POPPER, K. provavelmente teria que começar com FISHER, Irving.
R. Logik der Forschung. Wien: Springer, 1935. Passim). Appreciation and Interest. New Haven, 1896.
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Conforme já sugeri, a razão para isto e para restaurar a investigação dos processos
parece-me ser que precisamos lidar, aqui, so- causais ao seu lugar legítimo, utilizando a te-
mente com um aspecto especial de uma ques- oria econômica formal como uma ferramenta,
tão muito mais vasta e que deveríamos ter en- do mesmo modo como a matemática.
frentado em um estágio muito anterior. Ques-
tões essencialmente similares àquelas mencio-
nadas emergem, de fato, assim que tentamos II
aplicar o sistema de tautologias – aquelas sé-
ries de proposições que são necessariamente Mas antes de poder provar minha as-
verdadeiras por consistirem meramente de serção de que as proposições tautológicas da
transformações dos pressupostos a partir dos análise pura do equilíbrio, como tal, não são
quais começamos, e que constituem o prin- diretamente aplicáveis à explicação das re-
cipal conteúdo da análise de equilíbrio – ao lações sociais, devo primeiramente mostrar
caso de uma sociedade que consiste de diver- que o conceito de equilíbrio tem um signifi-
sas pessoas independentes. Sinto, há muito cado claro se aplicado às ações de um único
tempo, que o próprio conceito de equilíbrio e indivíduo e qual é este significado. Contra
os métodos que empregamos na análise pura minha afirmação, pode ser argumentado que
têm um significado claro somente quando é precisamente aqui que o conceito de equi-
confinados à análise de uma única pessoa e líbrio não possui significado, pois, se deseja-
que realmente estamos passando para uma mos aplicá-lo, tudo o que se poderia dizer é
outra esfera e introduzindo silenciosamente que uma pessoa isolada estaria sempre em
um novo elemento, de caráter totalmente di- equilíbrio. Porém esta última declaração, em-
ferente, quando o aplicamos à explicação das bora seja um truísmo, nada mostra além da
interações de um certo número de indivíduos maneira na qual o conceito de equilíbrio é ti-
diferentes. picamente mal-empregado. O que é relevante
Estou certo de que há muitos que veem não é se uma pessoa como tal está ou não em
com impaciência e desconfiança a tendência, equilíbrio, mas quais de suas ações perma-
inerente a toda análise moderna do equilíbrio, necem em relações de equilíbrio umas para
de transformar a economia em um ramo da ló- com as outras. Todas as proposições da aná-
gica pura, um conjunto de proposições auto- lise de equilíbrio, tal como a proposição de
-evidentes que, assim como a matemática ou a que valores relativos corresponderão a custos
geometria, não estão sujeitas a nenhum outro relativos, ou que uma pessoa igualará os re-
teste que não seja a consistência interna. Mas tornos marginais de qualquer fator em seus
parece que, se ao menos este processo for le- diferentes usos, são proposições sobre as re-
vado o suficientemente longe, carregará con- lações entre ações. Pode ser dito que as ações
sigo seu próprio remédio. Ao destilar, a partir de uma pessoa estão em equilíbrio na medida
de nosso raciocínio sobre os fatos da vida eco- em que podem ser entendidas como parte de
nômica, aquelas partes que são verdadeiras a um plano. Somente se este for o caso, somente
priori, não somente isolamos um elemento de se todas essas ações foram decididas em um
nosso raciocínio como um tipo de Pura Lógica único e mesmo instante, e levando em consi-
da Escolha em toda a sua pureza, mas também deração o mesmo conjunto de circunstâncias,
isolamos, e enfatizamos a importância de um nossas afirmações sobre suas interconexões,
outro elemento que tem sido muito negligen- as quais deduzimos a partir de nossos pres-
ciado. Minha crítica às tendências recentes de supostos sobre o conhecimento e as prefe-
tornar a teoria econômica mais e mais formal rências da pessoa, terão alguma aplicação. É
não é que tenham ido longe demais, mas sim importante recordar que os assim chamados
que ainda não foram longe o suficiente para “dados”, a partir dos quais começamos nes-
completar o isolamento deste ramo da lógica te tipo de análise, são (além de seus gostos)
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todos os fatos dados à pessoa em questão, as lanço entre as ações de diferentes indivíduos.
coisas tais como conhece (ou como acredita) Tudo o que argumentei até agora é que o sen-
que existem, ao invés de, falando estritamen- tido no qual utilizamos o conceito de equilí-
te, fatos objetivos. É somente por causa disto brio para descrever a interdependência entre
que as proposições de deduzimos são neces- as diferentes ações de uma pessoa não admite
sariamente válidas a priori e que preservamos imediatamente a sua aplicação às relações en-
a consistência do argumento3. tre as ações de diferentes pessoas. A questão
As duas principais conclusões a partir realmente é a respeito do uso que dele faze-
dessas considerações são, primeiro, que, des- mos quando falamos acerca do equilíbrio com
de que relações de equilíbrio existem entre relação a um sistema competitivo.
as ações sucessivas de uma pessoa somente A primeira resposta que parece decor-
na medida em que são parte da execução do rer de nossa abordagem é que o equilíbrio
mesmo plano, qualquer mudança no conhe- existe a este respeito se as ações de todos os
cimento relevante da pessoa, isto é, qualquer membros da sociedade durante um período
mudança que a leve a alterar seu plano, per- consistirem das execuções de seus respecti-
turba a relação de equilíbrio existente entre vos planos individuais, decididos por cada
suas ações realizadas antes e aquelas levadas um, no início do período. Contudo, quando
a cabo após a mudança em seu conhecimen- investigamos mais sobre as exatas implica-
to. Em outras palavras, a relação de equilíbrio ções disto, parece que esta resposta cria mais
compreende somente suas ações durante o dificuldades do que resolve. Não há nenhuma
período no qual suas antecipações mostra- dificuldade especial a respeito do conceito de
ram-se corretas. Em segundo lugar, dado que uma pessoa isolada (ou de um grupo de pes-
o equilíbrio é uma relação entre ações, e dado soas dirigidas por uma delas) agindo ao lon-
que as ações de uma pessoa devem necessa- go de um período de tempo, de acordo com
riamente ocorrer sucessivamente no tempo, é um plano preconcebido. Neste caso, o plano
óbvio que a passagem do tempo é essencial não precisa satisfazer nenhum critério espe-
para dar significado ao conceito de equilíbrio. cial para que sua execução seja concebível.
Isto merece menção, dado que muitos econo- Pode, obviamente, basear-se em pressupostos
mistas parecem ser incapazes de encontrar equivocados no que diz respeito aos fatos ex-
lugar para o tempo na análise de equilíbrio ternos e, por causa disto, pode precisar pas-
e, consequentemente, sugerem que o equilí- sar por modificações. Mas sempre haverá um
brio deve ser concebido como atemporal. Isto conjunto concebível de eventos externos que
parece-me ser uma afirmação sem sentido. tornarão possível executar o plano tal como
originalmente imaginado.
A situação é diferente, contudo, com pla-
III nos determinados de maneira simultânea, po-
rém independente, por um dado número de
Agora, a despeito do que disse anterior- pessoas. No primeiro caso, para que todos es-
mente sobre o significado duvidoso da análi- ses planos possam ser realizados, é necessário
se de equilíbrio neste sentido, caso aplicada que estejam baseados na expectativa de um
às condições de uma sociedade competitiva, mesmo conjunto de eventos externos, pois, se
obviamente não desejo negar que o conceito pessoas diferentes basearem seus planos em
foi introduzido originalmente precisamente expectativas conflitantes, nenhum conjunto
para descrever a ideia de algum tipo de ba- de eventos externos poderá tornar possível
a execução de todos esses planos. E, em se-
gundo lugar, em uma sociedade baseada em
3
A este respeito, ver: MISES, Ludwig von.
Grundprobleme der Nationalökonomie. Jena: Fischer,
trocas, seus planos irão, em considerável me-
1933. p. 22ff, 160ff. dida, proporcionar ações que exigirão ações
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correspondentes por parte de outros indiví- que estavam presentes na mente da pessoa
duos. Isto significa que os planos de indiví- atuante, e somente esta interpretação subjeti-
duos diferentes devem, em um sentido espe- va do termo “dado” tornou essas proposições
cial, ser compatíveis, para que possa ser ainda necessariamente verdadeiras. “Dado” signi-
concebível que sejam capazes de realizá-los fica algo que é dado, conhecido, pela pessoa
todos4. Ou, para colocar a mesma coisa em pa- sob consideração. Entretanto, na transição
lavras diferentes, dado que alguns dos dados a partir da análise da ação de um indivíduo
sobre os quais uma dada pessoa baseia seus para a análise da situação em uma sociedade,
planos serão a expectativa de que outra pes- o conceito passou por uma insidiosa mudan-
soa agirá de um modo particular, é essencial, ça de significado.
para a compatibilidade dos planos diferentes,
que os planos de um contenham exatamente
aquelas ações que formam os dados para os IV
planos do outro.
No tratamento tradicional da análise de A confusão sobre o conceito de dado está
equilíbrio, parte desta dificuldade aparente- na base de muitas de nossas dificuldades nes-
mente é evitada pelo pressuposto de que os te campo e é necessário considerá-la com um
dados, na forma de tabelas de demanda re- pouco mais de atenção. Dado significa, obvia-
presentando os gostos individuais e os fatos mente, algo que é dado, porém a questão que
técnicos, são fornecidos de forma igual para permanece aberta, e a qual é capaz de receber,
todos os indivíduos e que suas ações, com nas ciências sociais, duas respostas diferentes,
base nas mesmas premissas, farão, de alguma é para quem supõe-se que os fatos são dados.
forma, com que seus planos se tornem adap- Os economistas parecem estar, inconsciente-
tados uns aos outros. Tem sido frequentemen- mente, sempre de certo modo desconfortáveis
te observado que isto realmente não supera a a respeito deste ponto, e reafirmam-se contra
dificuldade criada pelo fato de que as ações a sensação de que não sabem de todo para
de uma pessoa correspondem aos dados de quem os dados foram dados, sublinhando
outra pessoa, e que isso envolve algum grau o fato de que foram dados – mesmo que seja
de raciocínio circular. O que, entretanto, pare- utilizando expressões pleonásticas tal como
ce estar longe de ter escapado à atenção é que “dados dados”. Porém, isto não responde à
todo este procedimento envolve uma confu- questão de se os fatos aos quais supostamente
são de caráter muito mais geral, a respeito se referem são dados ao economista observa-
do qual o ponto mencionado é meramente dor ou às pessoas cujas ações deseja explicar
um caso especial, que se deve a um equívo- e, caso seja para estas últimas, se é assumido
co a respeito do termo “dado”. Os dados, que que os mesmos fatos são conhecidos por to-
aqui são supostos como sendo fatos objeti- das as diferentes pessoas no sistema ou se os
vos e também que são os mesmos para todas “dados” podem ser diferentes para pessoas
as pessoas, evidentemente não são a mesma distintas.
cosa que os dados que constituíram o ponto Parece não haver dúvida possível de
de partida para as transformações tautológi- que esses dois conceitos de “dados”, por um
cas da Pura Lógica da Escolha. Lá, “dados” lado, no sentido de fatos reais objetivos, como
significam os fatos, e somente aqueles fatos, supõe-se que o economista observador os co-
nhece, e, por outro lado, no sentido subjetivo,
4
Estou há muito tempo surpreso a respeito de por como coisas que são conhecidas pelas pessoas
que, ao menos no que é de meu conhecimento, não cujos comportamentos tentamos explicar, são,
têm havido tentativas sistemáticas na Sociologia para
analisar relações sociais em termos de correspondência
na realidade, fundamentalmente diferentes e
e não correspondência, ou compatibilidade e não precisam ser distinguidos cuidadosamente.
compatibilidade de objetivos e desejos individuais. E, conforme veremos, a questão de por que
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os dados no sentido subjetivo do termo deve- atribuir qualquer sentido definido ao concei-
riam corresponder aos dados objetivos é um to bastante utilizado de mudança nos dados
dos principais problemas que precisamos res- (objetivos), a menos que diferenciemos entre
ponder. os desenvolvimentos externos, em conformi-
A utilidade da distinção torna-se ime- dade com, e aqueles diferentes de, aquilo que
diatamente aparente quando aplicada à ques- tinha sido esperado, e definir como uma “mu-
tão do que podemos querer dizer através do dança” qualquer divergência entre o desen-
conceito de uma sociedade na qual pode ser volvimento atual e o esperado, independen-
dito que os dados subjetivos, dados às dife- temente de tratar-se de uma “mudança” em
rentes pessoas, e os planos individuais, que algum sentido absoluto. Se, por exemplo, as
necessariamente deles decorrem, encontram- alternâncias entre as estações cessassem subi-
-se em concordância. Podemos querer dizer tamente e o clima permanecesse constante a
meramente que esses planos são mutuamen- partir de um determinado dia, isto certamen-
te compatíveis e que há, consequentemente, te representaria uma mudança dos dados no
um conjunto concebível de eventos externos nosso sentido, isto é, uma mudança relativa
capaz de permitir a todas as pessoas que reali- às expectativas, embora em um sentido ab-
zem seus planos e que não causem quaisquer soluto isto não representaria uma mudança,
desapontamentos. Se esta compatibilidade mas sim a ausência de mudança. Mas tudo
mútua de intenções não fosse dada, e se, em isto quer dizer que podemos falar de uma
consequência, nenhum conjunto de eventos mudança nos dados somente se o equilíbrio,
externos puder satisfazer a todas as expecta- no primeiro sentido, existe, isto é, se as expec-
tivas, poderíamos claramente dizer que este tativas coincidem. Se estão em conflito, qual-
não é um estado de equilíbrio. Temos uma si- quer desenvolvimento desses fatos externos
tuação na qual uma revisão dos planos, por poderia suportar as expectativas de alguém e
parte de ao menos uma pessoa, é inevitável, decepcionar aquelas dos outros, e não haveria
ou, para usar uma frase que, no passado, ti- possibilidade de decidir qual correspondeu a
nha um significado um tanto vago, mas que uma mudança nos dados objetivos5.
parece adequar-se perfeitamente a esta situa-
ção, tem-se uma situação na qual as perturba-
ções “endógenas” são inevitáveis. V
Ainda resta, contudo, a outra questão,
de se os conjuntos individuais de dados sub- Para uma sociedade, então, podemos falar
jetivos correspondem aos dados objetivos e em um estado de equilíbrio em um momento
se, em consequência, as expectativas sobre as do tempo – mas isto significa somente que os
quais os planos estavam baseados são corro- diferentes planos que os indivíduos elabora-
boradas pelos fatos. Se a correspondência en- ram para a ação nesse momento são mutua-
tre os dados, neste sentido, fosse necessária mente compatíveis. E o equilíbrio continuará,
para o equilíbrio, nunca seria possível decidir uma vez que existe, enquanto os dados exter-
de outra maneira senão em retrospecto, no fi- nos corresponderem às expectativas comuns
nal do período para o qual as pessoas tivessem de todos os membros da sociedade. O pros-
planejado, se a sociedade estava em equilíbrio seguimento de um estado de equilíbrio, neste
no início. Parece estar em mais conformidade sentido, não é, então, dependente dos dados
com o uso estabelecido dizer, em tal caso, que
o equilíbrio, tal como definido no primeiro 5
Ver o artigo do autor: HAYEK, F. A. The Maintenance
sentido, pode ser perturbado por um desen- of Capital. Economica (New Series), Vol. 2, No. 7 (Aug.
volvimento não antecipado dos dados (obje- 1935): 241-276. p. 265. Reimpresso em: HAYEK, F. A.
Profits, Interest, and Investment, and Other Essays
tivos) e descrever isto como uma perturbação on the Theory of Industrial Fluctuations. London:
exógena. De fato, dificilmente parece possível Routledge, 1939.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
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objetivos serem constantes em um sentido ab- Parece que o conceito de equilíbrio signifi-
soluto, e não está necessariamente confinado ca meramente que a previsão dos diferentes
a um processo estacionário. A análise do equi- membros da sociedade está, em um sentido
líbrio torna-se, em princípio, aplicável a uma especial, correta. Deve estar correta no sen-
sociedade progressiva e àquelas relações de tido de que o plano de qualquer pessoa se
preços intertemporais que têm nos dado tanto baseia na expectativa exatamente daquelas
trabalho nos últimos tempos6. ações das demais pessoas que aquelas outras
Tais considerações parecem iluminar pessoas pretendem realizar, e que todos es-
consideravelmente a relação entre o equi- ses planos estão baseados na expectativa do
líbrio e a previsão, a qual tem sido, de certa mesmo conjunto de fatos externos, de manei-
forma, calorosamente debatida ultimamente7. ra que, sob certas condições, ninguém terá
nenhum motivo para modificar seus planos.
Assim, a previsão correta não é, como algu-
6
Esta separação entre o conceito de equilíbrio e o
de estado estacionário parece-me não ser mais que mas vezes foi interpretada, uma pré-condição
o resultado necessário de um processo que está em que deve existir para que o equilíbrio possa
andamento há bastante tempo. Na atualidade, é ser atingido. É, mais propriamente, a caracte-
sentimento geral que essa associação entre os dois rística definidora de um estado de equilíbrio.
conceitos não é essencial, mas sim deve-se unicamente A previsão, para este propósito, tampouco
a razões históricas. Se a separação completa ainda não
foi levada a cabo, isso aparentemente ocorre só porque precisa ser perfeita no sentido de que precisa
ainda não foi sugerida nenhuma definição alternativa estender-se ao futuro indefinido ou que todos
de estado de equilíbrio que possibilite exprimir, em uma devem antever tudo corretamente. Devemos,
forma geral, aquelas proposições da análise de equilíbrio mais propriamente, dizer que o equilíbrio du-
que são essencialmente independentes do conceito de um rará enquanto as antecipações se mostrarem
estado estacionário. Contudo, é evidente que a maioria
das proposições da análise de equilíbrio não deveriam corretas, e que precisam ser corretas somente
ser aplicáveis somente àquele estado estacionário que naqueles pontos relevantes para as decisões
provavelmente jamais será alcançado. O processo de dos indivíduos. Porém desenvolverei mais
separação parece ter começado com Marshall e sua tarde esta questão, acerca do que é previsão
distinção entre equilíbrios de longo e curto prazo. Ver, ou conhecimento relevante.
por exemplo, declarações tais como esta: “Pois a natureza
do próprio equilíbrio, e a das causas pelas quais é determinado, Antes de seguir adiante, provavelmen-
dependem da duração do período sobre o qual considera-se que te devo parar por um momento para ilustrar,
o mercado se estende” (MARSHALL, Alfred. Principles of por meio de um exemplo concreto, o que aca-
Economics: An Introductory Volume. 7th ed. London: bei de dizer sobre o significado de um esta-
Macmillan, 1916. I, 330). A ideia de um estado de equilíbrio do de equilíbrio e como pode ser perturbado.
que não era um estado estacionário já estava inerente
em meu trabalho: HAYEK, F. A. Das intertemporale Considere os preparativos que ocorrem em
Gleichgewichtssystem der Preise und die Bewegungen um momento qualquer para a fabricação de
des “Geldwertes”. Weltwirtschaftliches Archiv, Vol. casas. Oleiros, encanadores e outros estarão
28 (1928): 33-76; e é, claramente, essencial, se desejamos todos produzindo materiais que, em cada
utilizar o aparato do equilíbrio para explicar qualquer caso, corresponderão a uma certa quantidade
um dos fenômenos relacionados ao “investimento”. A
respeito da totalidade do assunto, bastante informação de casas para a qual exatamente esta quanti-
histórica pode ser encontrada em SCHAMS, Ewald. dade do material em particular será requeri-
Komparative-Statik. Zeitschrift fur Nationalokonomie, da. Podemos pensar de maneira semelhante
Vol. 2, No. 1 (1931): 27-61. Ver também KNIGHT, Frank acerca dos potenciais compradores que acu-
H. The Ethics of Competition. London: G. Allen & mulam as poupanças que lhes possibilitarão,
Unwin, 1935. p. 175n.; e, para mais desenvolvimentos
desde a primeira publicação deste ensaio, ver o Capítulo em determinadas datas, adquirir um certo
2 de HAYEK, F. A. The Pure Theory of Capital. London: número de casas. Se todas essas atividades
Routledge & K. Paul, 1941.
7
Ver, em particular, MORGENSTERN, Oskar. Gleichgewicht. Zeitschrift für Nationalökonomie,
Vollkommene Voraussicht und wirtschaftliches Vol. 6, No. 3 (1935): 337-357, cit. p. 3.
62 Economia e Conhecimento

representam preparações para a produção parte de um único plano individual, formu-


(e aquisição) da mesma quantidade de ca- lado desde o início9.
sas, podemos dizer que há um equilíbrio,
no sentido de que todas as pessoas envolvi-
das nessas atividades podem descobrir que VI
serão capazes de realizar seus planos8. Isto
não precisa ser assim, porque outras circuns- Quando, em tudo isto, enfatizo a dis-
tâncias, que não fazem parte de seus planos tinção entre a mera intercompatibilidade dos
de ação, podem vir a ser diferentes daquilo planos individuais10 e a correspondência entre
que esperavam. Parte dos materiais podem eles e os fatos externos atuais ou os dados ob-
ser destruídos por um acidente, condições jetivos, obviamente não pretendo sugerir que
climáticas podem tornar a construção impos- a interconcordância subjetiva não seja, de al-
sível, ou uma invenção pode alterar as pro- guma forma, produzida pelos fatos externos.
porções nas quais os diferentes fatores são Não haveria, claramente, razão alguma para
demandados. Isto é o que chamamos de uma que os dados subjetivos de diferentes pessoas
mudança nos dados (externos), que perturba devesse sempre corresponder, a menos que
o equilíbrio que existia. Mas, se os diferentes fossem devidos à experiência dos mesmos
planos fossem incompatíveis desde o início, fatos objetivos. Mas o ponto é que a análise
é inevitável, o que quer que aconteça, que os pura do equilíbrio não está preocupada com
planos de alguém sejam prejudicados e que a maneira na qual esta correspondência é pro-
tenham que ser alterados. Em consequência, duzida. Na descrição que proporciona, de
todo o complexo de ações sobre o período um estado existente de equilíbrio, assume-se
em questão não mostraria as características simplesmente que os dados subjetivos coin-
que se aplicariam se todas as ações de cada cidem com os fatos objetivos. As relações de
indivíduo pudessem ser entendidas como equilíbrio não podem ser deduzidas mera-
mente a partir dos fatos objetivos, dado que a
8
Um outro exemplo, de importância mais geral, seria,
obviamente, a correspondência entre “investimento” 9
É uma questão interessante, porém que não posso
e “poupança” no sentido da proporção (em discutir aqui, se, para que possamos falar de equilíbrio,
termos do custo relativo) na qual empreendedores cada indivíduo único precise estar certo, ou se não seria
proporcionam os bens dos produtores e os bens dos suficiente que, em consequência de uma compensação
consumidores em uma data específica, e a proporção dos erros em diferentes direções, as quantidades
na qual os consumidores em gerão irão, nessa data, das diferentes mercadorias que entram no mercado
distribuir seus recursos entre os bens dos produtores seriam as mesmas do caso em que todos os indivíduos
e os bens dos consumidores (ver meus ensaios Price estivessem certos. Parece-me que o equilíbrio, em um
Expectations, Monetary Disturbances, and Malinvestment sentido estrito, exigiria que a primeira condição fosse
[1933], reimpresso em: HAYEK. Profits, Interest, satisfeita, porém consigo imaginar que um conceito
and Investment, p. 135-56, e The Maintenance of mais amplo, que exigisse somente a segunda condição,
Capital, no mesmo volume, p. 83-134). A este respeito, poderia ocasionalmente ser útil. Uma discussão mais
pode ser pertinente mencionar que, no transcurso completa deste problema deve necessariamente
de investigações no mesmo campo, que levaram considerar inteiramente a questão da importância que
o presente autor a realizar essas especulações, as alguns economistas (inclusive Pareto) dão à lei dos
da teoria das crises, o grande sociólogo francês G. grandes números a este respeito. Sobre o ponto geral,
Tarde enfatizou a “contradiction de croyances” ou a ver ROSENSTEIN-RODAN, P. N. The Coordination of
“contradiction de jugements” ou “contradictions de the General Theories of Money and Price. Economica,
esperances” como a causa principal desses fenômenos Vol. 3 (1936): 257-80.
(TARDE, Gabriel de. Psychologie Économique.
Paris: F. Alcan, 1902. II, 128-29; ver também PINKUS, 10
Ou a concordância entre os dados subjetivos dos
Norbert Naphtali. Das Problem des Normalen in diferentes indivíduos, tendo em conta que, dado o
der Nationalökonomie: Beitrag zur Erforschung der caráter tautológico da Pura Lógica da Escolha, os
Störungen im Wirtschaftsleben. Leipzig: Duncker & “planos individuais” e os “dados subjetivos” podem
Humblot, 1906. p. 252 e p. 275). ser utilizados de forma intercambiável.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
F. A. Hayek 63

análise do que as pessoas farão pode começar meio do qual o conhecimento individual é
somente a partir daquilo que conhecem. Tam- modificado.
pouco a análise do equilíbrio pode começar
meramente a partir de um dado conjunto de
dados subjetivos, pois os dados subjetivos de VII
diferentes pessoas serão ou compatíveis, ou
incompatíveis, isto é, determinarão desde o As apresentações usuais da análise
início se o equilíbrio existia ou não. de equilíbrio são geralmente elaboradas de
Não conseguiremos ir muito mais lon- modo a parecer que as questões a respeito de
ge, aqui, a menos que perguntemos pelas ra- como o equilíbrio acontece foram resolvidas.
zões da nossa preocupação com o reconheci- Mas, se olhamos mais de perto, torna-se logo
damente fictício estado de equilíbrio. O que evidente que essas aparentes demonstrações
quer que possa ter sido dito ocasionalmente equivalem a não mais do que a prova aparen-
por economistas que são puristas ao extremo, te do que já é assumido11. O dispositivo geral-
parece não haver dúvida possível de que a mente adotado para este propósito é o pres-
única justificativa para isto é a suposta exis- suposto de um mercado perfeito, onde cada
tência de uma tendência para o equilíbrio. É evento torna-se instantaneamente conhecido
somente por meio desta asserção, de que uma para todos os membros. É necessário recor-
tal tendência existe, que a economia deixa de dar, aqui, que o mercado perfeito necessário
ser um exercício de pura lógica e torna-se uma para satisfazer aos pressupostos da análise de
ciência empírica; e é para a economia como equilíbrio não deve estar confinado aos mer-
uma ciência empírica que devemos voltar-nos cados particulares de todas as mercadorias
agora. individuais; deve-se assumir que a totalidade
À luz de nossa análise sobre o signifi- do sistema econômico é um mercado perfeito
cado de um estado de equilíbrio, deveria ser no qual todos conhecem tudo. O pressuposto
fácil dizer qual é o verdadeiro conteúdo da de um mercado perfeito, portanto, não signi-
afirmação de que existe uma tendência para fica nada menos de que todos os membros da
o equilíbrio. Dificilmente pode significar algo comunidade, mesmo que não seja necessário
além de que, sob certas condições, supõe-se supor que sejam estritamente oniscientes, de-
que o conhecimento e as intenções dos di- vam ao menos saber automaticamente tudo o
ferentes membros da sociedade entram em que é relevante para suas decisões. Parece que
acordo cada vez mais ou, para dizer a mesma esse esqueleto em nosso armário, o “homem
coisa em termos menos gerais e menos exa- econômico”, o qual temos exorcizado com je-
tos, porém mais concretos, que as expectati- jum e orações, retornou pela porta dos fundos
vas das pessoas e particularmente dos empre- na forma de um indivíduo quase-onisciente.
endedores tornar-se-ão mais e mais corretas. A declaração de que, se as pessoas co-
Nesta forma, a afirmação da existência de nhecem tudo, então estão em equilíbrio, é
uma tendência para o equilíbrio é claramente verdadeira simplesmente porque é asim que
uma proposição empírica, isto é, uma asser- definimos equilíbrio. O pressuposto de um
ção sobre o que acontece no mundo real e que mercado perfeito neste sentido é apenas uma
deveria, ao menos em princípio, ser capaz de
verificação. E isto confere um significado de 11
Isto parece estar implicitamente admitido, embora
senso comum mais propriamente plausível dificilmente reconhecido de maneira consciente,
para nossa afirmação um tanto abstrata. O quando em tempos recentes é frequentemente
único problema é que ainda estamos pratica- enfatizado que a análise de equilíbrio descreve
mente no escuro com respeito a: (a) as condi- somente as condições do equilíbrio, sem tentar derivar
a posição do equilíbrio a partir dos dados. A análise de
ções sob as quais supõe-se que esta tendência equilíbrio neste sentido seria, obviamente, pura lógica,
possa existir; e (b) a natureza do processo por e não conteria asserções sobre o mundo real.
64 Economia e Conhecimento

outra maneira de dizer que o equilíbrio exis- tender ou de reconstruir mentalmente os pro-
te, mas não nos coloca nem sequer perto de cessos de pensamento de outras pessoas. São,
uma explicação acerca de quando e como portanto, universalmente aplicáveis ao cam-
um tal estado ocorrerá. Está claro que, se de- po sobre o qual estamos interessados – embo-
sejamos fazer a afirmação de que, sob certas ra, obviamente, o lugar onde encontram-se in
condições, as pessoas irão se aproximar desse concreto os limites deste campo seja uma ques-
estado, precisamos explicar por meio de qual tão empírica. Referem-se mais a um tipo de
processo adquirirão o conhecimento necessá- ação humana (que geralmente chamamos de
rio. Obviamente, qualquer pressuposto sobre “racional”, ou mesmo de meramente “cons-
a verdadeira aquisição de conhecimento, no ciente”, distintamente da ação “instintiva”)
decorrer desse processo, também terá um ca- do que às condições particulares sob as quais
ráter hipotético. Contudo, isto não significa esta ação é realizada. Porém os pressupos-
que todos esses pressupostos justificam-se da tos ou hipóteses que precisamos introduzir
mesma maneira. Precisamos lidar, aqui, com quando desejamos explicar os processos so-
pressupostos sobre causação, de maneira que ciais, referem-se à relação do pensamento de
o que assumimos deve ser considerado não um indivíduo para com o mundo exterior, à
somente como possível (o que certamente não questão de em que medida e como este conhe-
é o caso se simplemente consideramos as pes- cimento corresponde aos fatos externos. E as
soas como oniscientes), mas também como hipóteses devem necessariamente funcionar
provável que seja verdadeiro; e deve ser pos- em termos de afirmações a respeito de cone-
sível, pelo menos em princípio, demonstrar xões causais, sobre como a experiência cria o
que é verdadeiro para casos particulares. conhecimento.
O ponto importante, aqui, é que são es- Em segundo lugar, enquanto no campo
sas hipóteses aparentemente subsidiárias ou da Pura Lógica da Escolha nossa análise pode
pressupostos de que as pessoas aprendem a ser feita exaustivamente, isto é, enquanto po-
partir da experiência, e a respeito de como demos, aqui, desenvolver um aparato formal
adquirem conhecimento, que constituem o que abrange todas as situações concebíveis, as
conteúdo empírico de nossas proposições hipóteses suplementares devem, por força de
sobre o que acontece no mundo real. Geral- necessidade, ser seletivas, isto é, devemos se-
mente, aparecem disfarçadas e incompletas lecionar, a partir da variedade infinita de situ-
como uma descrição do tipo de mercado ao ações possíveis, aqueles tipos ideais que, por
qual nossa proposição se refere; porém este alguma razão, consideramos especialmente
é somente um aspecto, embora talvez o mais relevantes para as condições no mundo real12.
importante, do problema mais geral de como Obviamente, poderíamos também desenvol-
o conhecimento é adquirido e comunicado. O
ponto importante, a respeito do qual os eco- 12
A distinção desenvolvida aqui pode ajudar a resolver
nomistas frequentemente não parecem estar a antiga disputa entre economistas e sociólogos sobre o
consicentes, é que a natureza dessas hipóte- papel que os “tipos ideais” desempenham na forma de
ses é, em diversos aspectos, bastante diferen- pensar da teoria econômica. Sociólogos costumavam
te dos pressupostos mais gerais a partir dos enfatizar que o procedimento usual da teoria econômica
quais começa a Pura Lógica da Escola. Parece- envolvia o pressuposto de tipos ideais específicos,
enquanto os teóricos da economia apontavam que seu
-me que as principais diferenças são duas: raciocínio era de tal generalidade que não precisavam
Primeiro, os pressupostos a partir dos utilizar quaisquer “tipos ideais”. A verdade parece ser
quais a Pura Lógica da Escolha começa são fa- que, dentro do campo da Pura Lógica da Escolha, no
tos que sabemos serem comuns a todo o pen- qual o economista estava grandemente interessado,
samento humano. Podem ser considerados estava correto em sua afirmação mas que, tão logo
quanto quisesse utilizá-la para explicar um processo
como axiomas que definem ou delimitam o social, precisaria utilizar “tipos ideais” de uma espécie
campo dentro do qual somos capazes de en- ou outra.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
F. A. Hayek 65

ver uma ciência separada, cujo objeto estaria avancei muito mais sobre este ponto. Con-
per definitionem confinado a um “mercado sequentemente, tudo o que posso fazer é le-
perfeito” ou a algum objeto definido de ma- vantar um número de questões para as quais
neira similar, assim como a Lógica da Escolha teremos que encontrar respostas se desejamos
aplica-se somente a pessoas que precisam dis- ser claros sobre a importância do nosso argu-
tribuir meios limitados entre uma variedade mento.
de fins. Para o campo assim definido, nossas A única condição sobre cuja necessida-
proposições tornam-se novamente verdadei- de para o estabelecimento de um equilíbrio
ras a priori, porém para um tal procedimento os economistas parecem estar razoavelmente
devemos carecer da justificativa que consiste de acordo é a “constância dos dados”. Mas,
do pressuposto de que a situação no mundo depois do que vimos sobre a imprecisão do
real é semelhante ao que assumimos que seja. conceito de “dado”, devemos suspeitar, cor-
retamente, que isto não nos leva muito longe.
Mesmo se assumirmos – como provavelmen-
VIII te devemos – que aqui o termo é empregado
em seu sentido objetivo (o qual inclui, deve-
Devo, agora, voltar-me para a questão mos recordar, as preferências dos diferentes
de quais são as hipóteses concretas concer- indivíduos), não está de forma alguma claro
nentes às condições sob as quais supõe-se que que isto é ou necessário, ou suficiente para
as pessoas adquirem o conhecimento rele- que as pessoas possam realmente adquirir o
vante e o processo por meio do qual supõe-se conhecimento necessário, ou que foi concebi-
que o adquirem. Se fosse de todo claro quais do como uma declaração das condições sob as
foram as hipóteses geralmente empregadas a quais o farão. É bastante significativo que, de
este respeito, teríamos de analisá-las em dois qualquer modo, alguns autores consideram
aspectos: precisaríamos investigar se eram necessário acrescentar “conhecimento perfei-
necessárias e suficientes para explicar um mo- to” como uma condição adicional e separada14.
vimento na direção do equilíbrio e teríamos De fato, veremos que a constância dos dados
que mostrar em que medida seriam confir- objetivos não é uma condição nem necessária,
madas pela realidade. No entanto, temo estar nem suficiente. Que não pode ser uma con-
atingindo um estágio no qual torna-se extre- dição necessária segue-se a partir dos fatos,
mamente difícil dizer exatamente quais são primeiro, que ninguém desejaria interpretá-la
os pressupostos em cuja base afirmamos que no sentido absoluto de que nada jamais deve
haverá uma tendência para o equilíbrio, bem acontecer no mundo e, segundo, que, confor-
como afirmar que nossa análise tem uma apli- me temos visto, assim que desejarmos incluir
cação ao mundo real13. Não posso fingir que mudanças que ocorrem periodicamente, ou
talvez mesmo mudanças que avançam a uma
13
Os economistas mais antigos eram frequentemente
taxa constante, a única maneira na qual pode-
mais explícitos a respeito deste ponto do que seus mos definir constância é com relação às expec-
sucessores. Ver, por exemplo, Adam Smith: “Entretanto, tativas. Tudo ao que esta condição equivale,
para que esta igualdade [de salários] possa ocorrer com a então, é que deve haver alguma regularidade
totalidade de suas vantagens e desvantagens, três coisas são
necessárias mesmo onde há perfeita liberdade. Primeiro, o
emprego deve ser bem conhecido e a vizinhança estabelecida utilizada como argumento contrário a quase toda proposição
há muito tempo [...]” (SMITH, Adam. An Inquiry into na Economia Política” (RICARDO, David. Letters of
the Nature and Causes of the Wealth of Nations. David Ricardo to Thomas Robert Malthus, 1810-1823.
New York: The Modern Library, 1937. I, p. 116). Ou Oxford: Clarendon Press, 1887. October 22, 1811, p. 18).
David Ricardo: “Não seria resposta, para mim, dizer que os
homens são ignorantes a respeito das melhores e mais baratas 14
Ver KALDOR, N. A Classificatory Note on the
formas de conduzir seus negócios e pagar suas dívidas, pois Determinateness of Equilibrium. Review of Economic
isto é uma questão de fato, não de ciência, e poderia ser Studies, Vol. I, No. 2 (1934): 122-36. p. 123.
66 Economia e Conhecimento

discernível no mundo, que torna possível pre- atenção, e trata-se de quanto conhecimento e
ver eventos corretamente. Contudo, enquanto de que tipo de conhecimento os diferentes in-
isto claramente não é suficiente para provar divíduos devem possuir para que possamos
que pessoas aprenderão a prever eventos cor- ser capazes de falar em equilíbrio. Está claro
retamente, o mesmo é verdade em um grau que, se o conceito deve ter qualquer impor-
dificilmente menor mesmo sobre a constância tância empírica, não pode pressupor que to-
dos dados em um sentido absoluto. Para um dos conhecem tudo. Já precisei utilizar o ter-
indivíduo qualquer, a constância dos dados mo indefinido “conhecimento relevante”, isto
não significa de forma alguma constância de é, o conhecimento que é pertinente para uma
todos os fatos independentes dele, dado que, pessoa em particular. Mas qual é este conhe-
obviamente, somente os gostos e não as ações cimento relevante? Dificilmente pode referir-
das outras pessoas podem, neste sentido, ser -se meramente ao cohecimento que realmen-
assumidos como constantes. Dado que todas te influenciou suas ações, pois suas decisões
as demais pessoas modificarão suas decisões poderiam ter sido diferentes não somente se,
à medida em que ganham experiência sobre por exempo, o conhecimento que possuía fos-
os fatos externos e sobre as ações das outras se correto ao invés de incorreto mas, também,
pessoas, não há razão para que esses proces- caso tivesse possuído conhecimento sobre
sos de mudanças sucessivas devam eventual- campos totalmente diferentes.
mente terminar. Essas dificuldades são bem Claramente, existe aqui um problema
conhecidas15, e menciono-as aqui somente de divisão do conhecimento16, o qual é comple-
para recordar do quão pouco realmente co- tamente análogo, e ao menos tão importante
nhecemos acerca das condições sob as quais quanto o problema da divisão do trabalho.
um equilíbrio será alguma vez alcançado. En- Contudo, enquanto este último tem sido um
tretanto, não sugiro continuar nesta linha de dos principais temas de investigação mesmo
abordagem, embora não porque esta questão desde o início de nossa ciência, o primeiro têm
da probabilidade empírica de que as pessoas sido completamente negligenciado, embora
aprenderão (isto é, que seus dados subjetivos pareça-me ser o problema verdadeiramente
virão a corresponder entre si e com os fatos central da economia como uma ciência social.
objetivos) esteja faltando em problemas não O problema que pretendemos resolver é como
resolvidos e altamente interessantes. A razão, a interação espontânea entre uma quantida-
em vez disso, é que parece-me que há outra de de pessoas, cada qual possuindo somente
forma de abordagem, mais proveitosa, para o porções de conhecimento, produz um estado
problema central. de coisas no qual os preços correspondem aos
custos, etc., e que poderia ser gerado através
de controle deliberado somente por alguém
IX que possuísse o conhecimento combinado
de todos esses indivíduos. A experiência nos
As questões que acabei de discutir a mostra que algo deste tipo acontece, dado
respeito das condições sob as quais torna-se que a observação empírica de que os preços
provável que as pessoas adquiram o conhe- de fato tendem a corresponder aos custos foi
cimento necessário, e o processo por meio do o início de nossa ciência. Entretanto, em nos-
qual elas o adquirem, têm ao menos recebido
alguma atenção em discussões passadas. Po- 16
Cf. MISES, Ludwig von. Die Gemeinwirtschaft:
rém ainda há uma questão adicional que pa- Untersuchungen über den Sozialismus. Jena: G.
rece-me ser ao menos igualmente importante, Fischer, 1932. p. 96: “Die Verteilung der Verfügungsgewalt
über die wirtschaftlichen Güter der arbeitsteilig
mas que parece não ter recebido nenhuma wirtschaftenden Sozialwirtschaft auf viele Individuen
bewirkt eine Art geistige Arbeitsteilung, ohne die
15
Idem. Passim. Produktionsrechnung und Wirtschaft nicht möglich wäre”.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
F. A. Hayek 67

sa análise, ao invés de mostrar quais porções rentes pessoas correspondem aos fatos objeti-
de informação as diferentes pessoas devem vos. Nosso problema do conhecimento, aqui,
possuir para produzir esse resultado, efetiva- é exatamente a existência desta correspondên-
mente caímos de volta no pressuposto de que cia que, em grande parte da análise de equi-
todos conhecem tudo e, assim, contornamos líbrio atual, é simplesmente assumida como
qualquer solução real para o problema. algo que existe, mas que precisamos explicar
Antes, contudo, de poder avançar para se desejamos mostrar por que as proposições,
considerar esta divisão do conhecimento en- as quais são necessariamente verdadeiras
tre pessoas diferentes, é necessário ser mais sobre a atitude de uma pessoa para com as
específico a respeito do tipo de conhecimen- coisas que acredita que possuem certas pro-
to que é relevante nesta conexão. Tornou-se priedades, deveriam ser também verdadeiras
usual entre economistas enfatizar somente sobre as ações da sociedade com respeito às
a necessidade do conhecimento dos preços, coisas que, ou possuem essas propriedades,
aparentemente porque – como uma conse- ou sobre as quais, por alguma razão que de-
quência das confusões entre dados objetivos vemos explicar, os membros da sociedade
e subjetivos – o conhecimento completo dos normalmente acreditam que possuam-nas18.
fatos objetivos era dado como certo. Em tem- Mas, para voltar ao problema específico
pos recentes, mesmo o conhecimento dos pre- que venho discutindo, sobre a quantidade de
ços correntes tem sido tão considerado como conhecimento que indivíduos diferentes de-
dado que a única conexão na qual a questão vem possuir para que o equilíbrio possa pre-
do conhecimento tem sido considerada como valecer (ou o conhecimento “relevante” que
problemática é a antecipação dos preços fu- precisam possuir): chegaremos mais perto de
turos. Contudo, conforme já indiquei no co- uma resposta se recordarmos como pode ser
meço deste ensaio, expectativas de preços, e compreensível ou que o equilíbrio não existia,
mesmo o conhecimento dos preços correntes, ou que está sendo perturbado. Vimos que as
são apenas uma parte muito pequena do pro- conexões de equilíbrio serão interrompidas se
blema do conhecimento tal como o entendo. qualquer pessoa modificar seus planos, seja
O aspecto mais amplo do problema do co- porque seus gostos mudaram (o que não nos
nhecimento, com o qual preocupo-me, é o co-
nhecimento do fato básico a respeito de como
as diferentes mercadorias podem ser obtidas
18
Que todas as proposições da teoria econômica
refiram-se a coisas que são definidas em termos das
e utilizadas17, e sob quais condições são real- atitudes humanas com respeito a elas, isto é, que o
mente obtidas e utilizadas, isto é, a questão “açúcar” sobre o qual a teoria econômica pode falar
geral de por que os dados subjetivos das dife- ocasionalmente seja definido não por suas qualidades
“objetivas”, mas sim pelo fato de que as pessoas
acreditam que servirá a algumas de suas necessidades é,
17
Conhecimento, neste sentido, é mais do que de certo modo, a origem de toda sorte de dificuldades e
costuma descrever-se como habilidade, e a divisão de confusões, particularmente em relação com o problema
conhecimento sobre a qual estamos falando refere-se a da “verificação”. É também, claramente, a este respeito,
mais do que se entende por divisão do trabalho. Para que o contraste entre a ciência social interpretativa
colocar brevemente, “habilidade” refere-se somente ao (Verstehen) e a abordagem behaviorista torna-se tão
conhecimento que uma pessoa utiliza em seu ofício, evidente. Não estou certo de que os behavioristas nas
enquanto o outro conhecimento, a respeito do qual ciências sociais estejam completamente cientes do
devemos saber alguma coisa para sermos capazes quanto da abordagem tradicional teriam que abandonar
de dizer qualquer coisa que seja sobre os processos se quisessem ser consistentes, ou de se desejariam
na sociedade, é o conhecimento das possibilidades consistentemente aderir a ela caso estivessem cientes
alternativas de ação das quais essa pessoa não faz uso disto. Isto, por exemplo, implicaria que proposições da
direto. Pode ser acrescentado que o conhecimento, teoria da moeda teriam que referir-se exclusivamente
no sentido no qual o termo é empregado aqui, é a, digamos, “discos de metal que possuem uma
idêntico à previsão somente no sentido em que todo certa estampa”, ou algum objeto ou grupo de objetos
conhecimento é capacidade de prever. definido fisicamente de forma similar.
68 Economia e Conhecimento

preocupa aqui), ou porque passou a conhecer rentemente mais condições devem ser intro-
novos fatos. Porém há, evidentemente, duas duzidas19. Embora possa ser possível definir
maneiras diferentes por meio das quais pode a quantidade de conhecimento que os indi-
aprender sobre novos fatos e que a levam a víduos deveriam possuir para que o seu re-
mudar seus planos, as quais, para nossos pro- sultado possa ser atingido, não tenho conhe-
pósitos, apresentam significados totalmente cimento a respeito de alguma tentativa real
diferentes. Pode aprender sobre os novos fa- nesta direção. Uma condição seria, provavel-
tos como se fosse por acidente, isto é, de uma mente, que cada um dos usos alternativos de
maneira que não é consequência necessária de qualquer tipo de recursos seja conhecido pelo
sua tentativa de executar o plano original, ou proprietário de alguns desses recursos que re-
pode ser inevitável que, no transcurso de sua almente são utilizados para um outro propó-
tentativa, tenha descoberto que os fatos são sito e que, desta maneira, todos os diferentes
diferentes do que esperava. É óbvio que, para usos desses recursos estejam conectados, seja
que possa continuar de acordo com o plano, direta ou indiretamente20. Contudo, menciono
seu conhecimento precisa ser correto somen- esta condição somente como um exemplo de
te a respeito dos pontos sobre os quais será
necessariamente confirmado ou corrigido no
transcurso da execução do plano. Porém essa
19
Essas condições são geralmente descritas como
ausência de “atritos”. Em um artigo publicado
pessoa pode não ter, a respeito das coisas, co- recentemente (KNIGHT, Frank H. Quantity of Capital
nhecimento que, se possuísse, certamente afe- and the Rate of Interest, II. Journal of Political
taria seu plano. Economy, Vol. 44, No.5 (1936): 612-42, cit. p. 638),
A conclusão, portanto, que devemos ti- Frank H. Knight observa corretamente que “erro” é o
rar, é que o conhecimento relevante que a pes- significado usual de atrito nas discussões econômicas.
soa deve possuir para que o equilíbrio possa 20
Esta seria uma condição, porém provavelmente
prevalecer é o conhecimento que é obrigado ainda não uma condição suficiente, para assegurar
a adquirir levando em conta a posição na que, em um dado estado da demanda, a produtividade
marginal dos diferentes fatores de produção em seus
qual encontra-se originalmente, e os planos diferentes usos deveria ser equalizado e que, neste
que então formula. Certamente, não é todo sentido, um equilíbrio da produção deveria surgir.
o conhecimento que, caso o adquirisse por Que não seja necessário, como poderíamos pensar, que
acidente, seria-lhe útil e a levaria a modificar toda utilização alternativa possivel de qualquer tipo de
seu plano. Podemos, portanto, ter muito bem recursos deva ser conhecida por pelo menos um entre
os proprietários de cada grupo de tais recursos que são
uma posição de equilíbrio somente porque al- utilizados para um propósito particular, deve-se ao fato
gumas pessoas não têm chance de aprender de que as alternativas conhecidas pelos proprietários
sobre fatos que, se conhecessem, teriam feito dos recursos em uma utilização particular refletem-
com o fato de que alterassem seus planos. Ou, se nos preços desses recursos. Desta maneira, poderia
em outras palavras, é provável que um equi- haver uma distribuição suficiente do conhecimento dos
usos alternativos, m, n, o, ..., y, z de uma mercadoria,
líbrio seja atingido somente com respeito ao se A, que utiliza a quantidade desses recursos que
conhecimento que uma pessoa é obrigada a estão em sua posse para m, conhece a respeito de n, e
adquirir no transcurso de sua tentativa de re- B, que utiliza os seus para n, conhece m, enquanto C,
alizar seu plano original. que utiliza os seus para o, conhece os de n e assim por
Enquanto uma tal posição representa, diante, até chegarmos a L, que utiliza os seus para z,
mas conhece somente a respeito de y. Para mim, não é
em um certo sentido, uma posição de equi- claro em que medida, para além disto, uma distribuição
líbrio, está claro que não é um equilíbrio no particular do conhecimento das diferentes proporções
sentido especial, no qual é considerado como seja necessária e na qual fatores diferentes podem ser
um tipo de posição ótima. Para que os resulta- combinados para produção da mercadoria de qualquer
dos da combinação de fragmentos de conhe- um. Para o equilíbrio completo, serão exigidos
pressupostos adicionais a respeito do conhecimento
cimento sejam comparáveis aos resultados que os consumidores possuem sobre a utilidade das
da direção por um ditador onisciente, apa- mercadorias para a satisfação de seus desejos.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
F. A. Hayek 69

como poderá, na maior parte dos casos, ser da análise de equilíbrio, isto significaria que
suficiente que, em cada campo, exista uma a análise de equilíbrio realmente não pode
certa margem de pessoas que posssuem, entre nos dizer nada acerca do significado de tais
si, todo o conhecimento relevante. Elaborar mudanças no conhecimento, e também esta-
isto ainda mais seria uma tarefa interessante ria longe de poder explicar o fato de que a
e muito importante, porém seria uma tarefa pura análise parece ter extraordinariamente
que excederia os limites deste artigo. tão pouco a dizer sobre as instituições, tais
Embora minhas colocações sobre este como a imprensa, cujo propósito é comunicar
ponto tenham assumido, grandemente, a conhecimento. Isso poderia mesmo explicar
forma de uma crítica, não desejo parecer por que a preocupação com a análise pura
inadequadamente desanimado a respeito cria, com tanta frequência, uma cegueira pe-
do que já conseguimos realizar. Mesmo que culiar com respeito ao papel desempenhado,
tenhamos saltado por cima de um ponto es- na vida real, por instituições tais como a pro-
sencial em nosso argumento, ainda acredito paganda.
que, pelo que está implícito em seu raciocí-
nio, a economia chegou mais perto do que
qualquer outra ciência social de uma respos- X
ta para a questão central de todas as ciências
sociais: como é possível que a combinação de Com tais observações bastante erradias
fragmentos de conhecimento existentes nas sobre tópicos que mereceriam um exame
diferentes mentes possa produzir resultados muito mais cuidadoso, devo concluir minha
que, para serem provocados de forma deli- visão geral desses problemas. Há somente
berada, exigiriam um conhecimento da parte mais uma ou duas observações que desejo
da mente dirigente que nenhum indivíduo acrescentar.
pode possuir? Mostrar que, neste sentido, Uma é que, ao enfatizar a natureza das
as ações espontâneas dos indivíduos irão, proposições empíricas que devemos utilizar
sob condições que podemos definir, produ- para que o aparato formal da análise de equi-
zir uma distribuição de recursos que pode líbrio possa servir para explicar o mundo real,
ser entendida como se estivesse seguindo e ao acentuar que as proposições a respeito de
um único plano, embora ninguém o tenha como as pessoas aprendem, que são relevan-
planejado, parece-me de fato uma resposta tes a este respeito, são de uma natureza fun-
ao problema que tem sido metaforicamente damentalmente diferente daquela que existe
descrito, algumas vezes, como o problema na análise formal, não tenho a intenção de
da “mente social”. Porém não devemos nos sugerir que abre-se, aqui e agora, um amplo
surpreender com que tais afirmações tenham campo para a pesquisa empírica. Tenho sérias
sido geralmente rejeitadas, dado que não as dúvidas sobre se uma tal investigação seria ca-
baseamos nos fundamentos corretos. paz de ensinar-nos algo de novo. O ponto im-
Ainda há mais um ponto, nesta cone- portante é, mais propriamente, que devemos
xão, que desejo mencionar. Trata-se de que, estar conscientes sobre quais são as questões
se a tendência para o equilíbrio, a qual, com das quais de fato depende a aplicabilidade do
embasamento empírico, temos razões para nosso argumento para o mundo real, ou, para
acreditar que existe, for somente em direção dizer o mesmo em outras palavras, em qual
a um equilíbrio relativo ao conhecimento que ponto nosso argumento, quando aplicado aos
as pessoas adquirem no transcurso de sua ati- fenômenos do mundo real, torna-se sujeito a
vidade econômica, e se qualquer outra mu- verificação.
dança no conhecimento deve ser considerada O segundo ponto é que, obviamente,
como uma “mudança nos dados” no sentido não desejo sugerir que os tipos de problemas
usual do termo, o qual fica de fora da esfera que venho discutindo eram estranhos aos ar-
70 Economia e Conhecimento

gumentos dos economistas das gerações ante- nossa análise, o qual, temo, estamos propen-
riores. A única objeção que pode ser feita con- sos a perder de vista à medida em que nos-
tra eles é que têm misturado de tal maneira sa análise tornar-se mais elaborada. O leitor
os dois tipos de proposições, as a priori e as pode mesmo ter a sensação de que a maior
empíricas, que todo economista realista uti- parte de minhas colocações são lugar-comum.
liza constantemente, que é, com frequência, Mas, de tempos em tempos, é provavelmente
totalmente impossível verificar que tipo de necessário distanciar-se das tecnicalidades do
validade reivindicaram para alguma afirma- argumento e perguntar, ingenuamente, a res-
ção particular. Trabalhos mais recentes têm peito do que se trata, no fim das contas. Se ti-
estado livres deste problema – porém somen- ver conseguido mostrar não somente que, em
te ao preço de tornar mais e mais obscuro que alguns aspectos, a resposta para esta questão
tipo de relevância seus argumentos apresen- não é óbvia, porém também que, ocasional-
tam para os fenômenos do mundo real. Tudo mente, nem mesmo sabemos muito bem qual
o que tentei fazer foi encontrar o caminho de é, então obtive sucesso em meu propósito.
volta para o significado de senso comum de

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