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COMARCA DE RIO GRANDE

3ª VARA CÍVEL
Rua Silva Paes, 249
_________________________________________________________________________

Processo nº: 023/1.17.0008065-7 (CNJ:.0014996-79.2017.8.21.0023)


Natureza: Ação Cívil de Improbidade Administrativa
Autor: Ministério Público
Réu: Ana Lucia Avila Perez
Wilson Batista Duarte Silva
Juiz Prolator: Juiz de Direito - Dr. Mauro Peil Martins
Data: 26/02/2020

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ajuizou ação


civil pública em face de ANA LÚCIA ÁVILA PEREZ E WILSON BATISTA DUARTE SILVA. Na inicial,
referiu o autor ter instaurado o Inquérito Civil n.º 00852.00044/2015, em decorrência da
notícia de ilícito apontando que a requerida Ana Lúcia ocuparia o cargo de assessora
parlamentar, de provimento em comissão, sem que prestasse qualquer tipo de trabalho ao
Poder Legislativo. Disse ter solicitado cópia das comprovações da efetividade dos servidores
da casa, tendo obtido informação de que a requerida exercia o cargo apontado desde
20.05.2013, comprovando-se o controle de presença com simples preenchimento de
atestado de efetividade. Referiu ter sido realizado acompanhamento da rotina da investigada,
obtendo-se informação de que essa passava os dias em sua residência, local onde funcionava
um salão de beleza, em que a própria ré realizava atendimento. Mencionou ter sido remetido
pela Câmara Municipal documento assinado pelo réu Wilson, no qual a requerida continuava
como sua assessora. Informou ter sido realizada a intercepção das comunicações telefônicas
dos investigados, constatando-se que a ré exercia a função de cabeleireira. Sustentou que a
requerida Ana Lucia, mesmo lotada como assessora da Câmara de Vereadores de Rio
Grande/RS, muito ocasionalmente se encontrava nas imediações do órgão durante o período
apurado nas interceptações mencionadas. Referiu que, no período compreendido entre
01.10.2013 e 28.04.2016, na Câmara Municipal, o requerido Wilson utilizando-se do cargo de
Vereador e a demandada Ana Lúcia, nomeada sua assessora parlamentar, praticaram ato de
improbidade que importou em enriquecimento ilícito de Ana Lúcia, a qual auferiu vantagem
patrimonial indevida, consistente no recebimento de vencimentos em razão do exercício do
cargo comissionado referido, mesmo sem que tivesse de prestar trabalho correspondente.
Fundamentou o direito alegado. Pediu a condenação dos réus nas sanções tipificadas no
artigo 12, inciso I da Lei n.º 8.429/92, aplicáveis às figuras típicas do artigo 9ª, caput, do
mesmo diploma legal ou, subsidiariamente, nas sanções do artigo 12, inciso II ou inciso III, da
referida Lei, aplicáveis às figuras típicas dos artigos 10 e 11, da Lei n.º 8.429/92. Requereu
ainda a condenação dos réus, solidariamente, a indenizar o erário por todos os valores pagos
à demandada Ana Lúcia, a título de remuneração pelo desempenho de função que jamais
realizou, valores a serem objeto de oportuna liquidação. Pediu a intimação do Município do
Rio Grande/RS e da Câmara de Vereadores do Rio Grande/RS. Juntou documentos.

À fl. 153 foi determinada a notificação dos réus para oferecimento de

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manifestação.

Notificados, os réus apresentaram informações às fls. 157-164.


Inicialmente, referiram a ausência de dolo na conduta tipificada na inicial, o qual é
imprescindível para a configuração das imputações. Mencionaram que no ano de 2013 o
requerido Wilson nomeou a requerida Ana para que exercesse o cargo comissionado símbolo
II, em seu gabinete, na Câmara Municipal de Rio Grande. Discorreram sobre as funções do
referido cargo, listando-as. Informaram que Ana, por determinação do Vereador à época,
prestava serviços externos, atendendo às demandas da comunidade dos bairros Cassino,
Bolacha, Querência e arredores, funcionando como um elo entre os munícipes daquela
região e o Vereador Wilson. Referiram diversas demandas atendidas pela assessora e
oriundas de tais locais. Disseram que nos horários vagos a ré exercia serviços de cabeleireira,
com o objetivo de aumentar sua renda familiar, apenas em sua residência, sem possuir
estabelecimento comercial para tanto. Informaram que havia possibilidade de conciliar as
duas atividades profissionais. Aduziram a ausência de danos à administração pública, uma
vez que Ana Lúcia sempre atendeu todas as determinações impostas a ela. Pediram a rejeição
da inicial de improbidade administrativa, por ausência de justa causa. Juntaram documentos.

À fl. 175 foi recebida a inicial.

Citados, os réus apresentaram contestação (fls. 180-188). Referiram a


ausência de dolo de obtenção de vantagem ilícita ou dano ao erário, elemento essencial para
a configuração das condutas. Mencionaram que no ano de 2013 o requerido Wilson nomeou
a requerida Ana para que exercesse o cargo comissionado símbolo II, em seu gabinete, na
Câmara Municipal de Rio Grande. Discorreram sobre as funções do referido cargo, listando-
as. Informaram que Ana, por determinação do Vereador à época, prestava serviços externos,
atendendo às demandas da comunidade dos bairros Cassino, Bolacha, Querência e arredores,
funcionando como um elo entre os munícipes daquela região e o Vereador Wilson. Referiram
diversas demandas atendidas pela assessora e oriundas de tais locais. Disseram que nos
horários vagos a ré exercia serviços de cabeleireira, com o objetivo de aumentar sua renda
familiar, apenas em sua residência, sem possuir estabelecimento comercial para tanto.
Informaram que havia possibilidade de conciliar as duas atividades profissionais. Aduziram a
ausência de danos à administração pública, uma vez que Ana Lúcia sempre atendeu todas as
determinações impostas a ela. Mencionaram que as conversas trazidas pelo autor se tratam
apenas de suposições, não havendo provas da imputação apresentada. Pediram a
improcedência da ação.

Houve réplica.

Designada audiência de instrução e julgamento (fl. 192).

Realizada audiência, foi colhido o depoimento pessoal dos réus, bem


como foram ouvidas cinco testemunhas (fls. 206-209 e fls. 234-236 e fls. 239-241).

Expedida carta precatória para oitiva de uma testemunha, foi realizada

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audiência na Comarca de Santa Vitória do Palmar/RS, colhendo-se o depoimento (fls. 255-
257).

Encerrada a instrução, as partes apresentaram memoriais escritos.

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório. Passo a fundamentar.

O processo tramitou normalmente, não há vícios ou nulidades a serem


sanadas. Assim, na ausência de preliminares, passo direto ao exame de mérito da demanda.

Conforme se verifica do relatório, trata-se a presente ação de imputação


de atos de improbidade administrativa, os quais teriam sido, em tese, praticados pelos
requeridos Ana Lúcia e Wilson, esse, à época dos fatos, Vereador nesse Município, e aquela
sua assessora parlamentar.

É matéria uníssona na jurisprudência e na doutrina que para a


caracterização do ato ilícito de improbidade administrativa é necessária a presença do
elemento subjetivo, sendo indispensável a ocorrência de dolo ou culpa na conduta do agente.
No caso em tela, no que se refere à imputação prevista no artigo 9º da LIA exige-se a
comprovação do dolo para a tipificação da conduta imputada aos réus. Sobre o tema leciona
Calil Simão1:

“A vantagem ilícita punida é aquela proveniente de dolo do agente público.


O agente público age desonestamente e deslealmente com a sociedade a
fim de obter aumento patrimonial indevido. É impossível, assim, que o
agente público se enriqueça ilicitamente por imprudência, negligência ou
imperícia. Esse estado anímico não se compatibiliza com o tipo legal do art.
9º da LIA, caput e incisos.”

Ainda, o mesmo autor, enumera os requisitos necessários à


configuração da norma referida2:

“O caput do art. 9º da LIA traz os requisitos gerais para a configuração de


tipo legal, que são: a) auferir vantagem econômica vedada por norma
jurídica; b) vantagem econômica ilícita decorrente ou relacionada com o
exercício de uma função estatal; c) posse de vantagem ilícita; d)
comportamento doloso.”

Por outro lado, para a configuração da conduta prevista no artigo 10


da referida lei, saliento que a legislação autoriza sua configuração tanto com a presença de
dolo, quanto apenas de culpa, como elemento subjetivo. E, no ponto, friso que a conduta
imputada ao Wilson se enquadra na tipificação prevista pelo artigo referido, uma vez que

1
SIMÃO, Calil. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. Leme: J.H.Mizuno, 2012. p. 107.
2
SIMÃO, Calil. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. Leme: J.H.Mizuno, 2012. p. 106.

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narra flagrante caso de prejuízo ao erário – e não de enriquecimento ilícito.

Partindo de tais premissas, como se observa do conjunto probatório


produzido no feito, as condutas ímprobas praticadas pelos demandados consistem em
enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário decorrentes da contratação, pelo réu Wilson, à
época Vereador neste Município, da requerida Ana Lúcia para exercer o cargo em comissão
de assessora parlamentar, junto ao gabinete no Poder Legislativo. Essa, no entanto, conforme
apontado pelo autor da presente ação, não executava suas funções, configurando situação
conhecida como “funcionária fantasma”, já que percebia o salário do cargo em questão, sem,
no entanto, realizar a devida contraprestação, tudo com a anuência e conhecimento do
requerido.

Dessa forma, a fim de apurar os atos narrados, passo a examinar as


provas produzidas nos autos, especialmente a prova oral.

A ré ANA LÚCIA, em depoimento pessoal prestado em juízo, confirmou


ter exercido o cargo de assessora parlamentar do requerido Wilson, referindo, no entanto,
não ter como precisar o período exato em que atuou, formalmente, como funcionária da
Câmara de Vereadores, uma vez que já realizava serviços para o Vereador anteriormente,
desde o primeiro mandato dele, de forma informal. Questionada, referiu acreditar que nos
anos de 2013 ou 2014 esteve vinculada ao poder legislativo, na qualidade de assessora do
Vereador, o que perdurou pelo período de dois anos. Disse, ainda, que durante o exercício do
cargo, participava de reuniões com o réu Wilson, além de realizar diligências fora da Câmara
de Vereadores, motivo pelo qual não comparecia, pessoal e diariamente, no local. Afirmou
que como trabalhava muitas vezes nos finais de semana, acabava compensando nos dias de
semana, com folgas. Acrescentou que sempre que tinha trabalhos para entregar para o
Vereador dirigia-se até a Câmara, sendo que, em semanas normais, comparecia no local dois
dias. Mencionou que exercia suas funções junto aos cidadãos, no interior dos Bairros da
cidade, buscando informações e pautas para o parlamentar.

O réu WILSON, por sua vez, quando ouvido em juízo, confirmou que a
corré Ana Lúcia trabalhou junto ao seu gabinete, não sabendo precisar, no entanto, o período
certo em que isso ocorreu. Informou que na época em que Ana Lúcia exerceu formalmente
as atribuições de assessora junto à Câmara de Vereadores, a servidora buscava demandas
junto à população, realizando trabalho “de rua”, nos Bairros Parque Marinha, Cassino, dentre
outros. Afirmou que, por esse motivo, a assessora não comparecia na Câmara de Vereadores
com frequência, não possuindo jornada de trabalho fixa. Informou que Ana Lúcia, muitas
vezes, trabalhava aos sábados, domingos e feriados. Disse que as atividades da assessora não
geravam documento formal, sendo que o controle de efetividade era exercido pelo próprio
Vereador, não existindo controle por meio de ponto eletrônico. Acrescentou, por fim, que
não realizava controle formal das atividades de seus assessores.

Ainda, a testemunha MIGUEL DA SILVEIRA PERES, irmão da requerida


Ana Lúcia, ouvido na condição de informante, afirmou que não sabia que sua irmã era
servidora da Câmara de Vereadores, somente tendo tomado conhecimento dos fatos quando
também foi convidado para exercer o cargo de assessor parlamentar, junto ao gabinete do

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vereador Nando Ribeiro. Referiu que, pelo que sabia, Ana Lúcia exercia a profissão de
cabeleireira. Mencionou que não mantinha convívio familiar com a irmã.

Por sua vez, a testemunha CRISTINA GONÇALVES LUCAS, Policial Civil,


em seu depoimento em juízo, confirmou os fatos narrados na inicial. Informou ter exercido a
profissão de Policial Militar, pelo período de 15 (quinze) anos, sendo que, na época dos fatos,
foi uma das responsáveis pela realização da averiguação policial do exercício profissional da
demandada Ana Lúcia. Mencionou que, após requerimento do Ministério Público, participou
da investigação em um salão de beleza, localizado no bairro Bolacha, nesta Cidade, o qual
seria, em tese, de propriedade de Ana Lúcia e no qual a ré exercia atividade profissional.
Referiu que, durante uma semana, em conjunto com outros colegas, realizou campana na
frente do estabelecimento, tendo encontrado a demandada uma vez no local, ocasião em
que realizaram algumas perguntas, obtendo informação, com ela própria, de que estaria no
local em qualquer horário e qualquer dia para atendimentos.

No mesmo sentido está o depoimento da testemunha SANDRO


GOMES VIEIRA, Policial Militar aposentado. Ao ser ouvido em juízo, o depoente referiu que,
quando na ativa, estava lotado no setor de inteligência da Brigada Militar, tendo sido
solicitado, pelo Ministério Público, a verificação da situação da assessora parlamentar Ana
Lúcia, a qual, em tese, trabalhava também em um salão de beleza, localizado no bairro
Bolacha, nesta Cidade. Referiu que foi realizado monitoramento no local, durante uma
semana, sempre no período da tarde. Afirmou que a requerida Ana foi vista no
estabelecimento, sendo que, contatada, afirmou que atendida em qualquer dia e qualquer
horário. Informou que havia uma placa na frente do imóvel, a qual identificava o local como
“São de Beleza Ana”. Referiu ter visto a requerida duas vezes no local.

Somado a isso, a testemunha PEDRO ÁLVARES CABRAL BORGES,


Policial Militar aposentado, quando ouvido em juízo, confirmou os fatos narrados por seus
colegas de profissão. Informou lembrar do caso da funcionária “fantasma”, a qual atuava
também como cabeleireira, em salão localizado no Bairro Cassino, nesta Cidade. Afirmou que
foi procurador pelo Promotor responsável pela investigação do caso, o qual solicitou que a
Brigada Militar fosse até o local onde funcionava o estabelecimento comercial, a fim de
averiguar a situação. Relatou que foram nomeados dois soldados para a função, tendo um
deles encontrado com a requerida no salão de beleza em questão, a qual, indagada pelos
policiais, teria confirmado que estaria no local em todos os horários e a qualquer dia.

Friso, ainda, que a testemunha CÁTIA CILENTE SAN MARTIN,


funcionária da Câmara de Vereadores desde o ano de 2011, em seu depoimento em juízo,
mencionou que tinha conhecimento de que Ana Lúcia trabalhava junto ao gabinete do
Vereador Canelão. Acrescentou que, no entanto, não via a assessora com frequência no local.
Somado a isso, o depoente John Westhead Madsen, em juízo, mencionou apenas que sabia
que a ré intermediava as necessidades da comunidade junto ao Vereador, bem como que já
ouviu falar que ela “cortava cabelo”.

A corroborar os depoimentos prestados pelas testemunhas do autor

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da ação, estão os documentos juntados aos autos pelo Ministério Público, os quais tratam de
informações oriundas de interceptação telefônica dos requeridos (fls. 107-117) e que
demonstram o exercício da atividade de cabeleireira por Ana Lúcia, em diversos horários,
inclusive durante o expediente prestado na Câmara de Vereadores.

Quanto às atribuições do cargo ocupado pela ré Ana Lúcia, Assessor


Parlamentar – CCII, a Lei Municipal n.º 7.342/2013, em seu Anexo I estabelece que:

SÍNTESE DOS DEVERES: Coordenar as ações político-parlamentares do


Vereador, interna e externamente.

EXEMPLOS DE ATRIBUIÇÕES: Atender, pessoalmente ou por qualquer outro


meio, a comunidade, Manter atualizado o cadastro de atendimento do
gabinete; Auxiliar na elaboração de documentos de interesse do Vereador (ex.:
redigir Projetos de Lei, Indicações, Requerimentos e outros); Participar de
reuniões, externa e internamente, sempre que determinado pelo Vereador
para tal.

CONDIÇÕES DE TRABALHO:

a) -Horário: A efetividade do servidor será atestada, junto ao setor


competente da Câmara pelo Vereador até o dia 20 de cada mês.
b) -Outras: O exercício da função poderá exigir a prestação de serviços em
horários diferenciados, como à noite, aos sábados, domingos ou feriados, bem
como a necessidade de deslocamentos a outras cidades.

No ponto, ainda que a legislação em comento permitisse a realização


de trabalhos externos pela assessora, destaco que os requeridos nada trouxeram aos autos
para comprovar, de forma efetiva, o exercício das referidas atividades por Ana junto ao
gabinete, não existindo nenhum documento a indicar sua participação em reuniões ou outras
atividades envolvendo o serviço supostamente prestado junto à Câmara de Vereadores.
Somente o fato de não ter obrigatoriedade de ir à Assembleia Legislativa todos os dias, ou de
não precisar cumprir horário fixo, não justifica a situação de não terem os requeridos
produzido prova que pudesse comprovar as atividades supostamente exercidas. Não parece
crível que se, de fato, tivesse a ré Ana Lúcia exercido as funções alegadas, por no mínimo dois
anos, não teria nenhum tipo de documento para comprovar suas alegações.

Assim, diante do contexto apresentado, entendo que evidenciada está


a conduta ímproba dos requeridos, vez que a demandada Ana Lúcia recebeu verba pública
sem realizar a devida contraprestação, tudo sob a supervisão do corréu Wilson, então
Vereador, enriquecendo-se ilicitamente. Portanto, conclui-se que a ré Ana Lúcia OSCAR
incidiu no artigo 9º, caput da Lei nº 8.429/92, enquanto o requerido Wilson incidiu no art.
10, caput do mesmo diploma legal, vez que seus atos causaram lesão ao erário, facilitando a
incorporação de valores públicos ao patrimônio de particular.

Saliento que a conduta dos requeridos se mostra extremamente

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reprovável, uma vez que ocasionou prejuízo ao erário, ou seja, à coletividade, tendo eles se
aproveitando dos privilégios inerentes à função pública que exerciam à época, agindo
totalmente de encontro aos princípios basilares que regem as condutas da administração
pública, em flagrante deslealdade institucional e imoralidade.

Quanto às penalidades a serem aplicadas, prevê o artigo 12 da Lei n.º


8.429/92 que:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na


legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes
cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a
gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até
três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores
acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil
de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda
que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de
cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil
de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a
extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Nos termos do entendimento sedimentado pela jurisprudência do


Superior Tribunal de Justiça, bem como da doutrina majoritária, as penalidades previstas pela
Lei de Improbidade devem ser aplicadas com base nos princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade em relação ao conjunto fático apurado nos autos. Além disso, conforme
expressa previsão da referida legislação, deve-se levar em conta a extensão do dano causado
e o proveito patrimonial obtido pelo agente. Sobre o tema:

ADMINISTRATIVO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 12


DA LEI N. 8.429/92 – RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – REVISÃO DE
PREMISSAS FÁTICAS – SÚMULA 7/STJ. É sabido que, no campo sancionatório, esta
Corte entende que a interpretação deve conduzir à dosimetria relacionada à
exemplariedade e à correlação da sanção, critérios que compõem a razoabilidade da
punição, sempre prestigiada pela jurisprudência da Casa. (REsp 1.113.200/SP,
Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 8.9.2009, DJe 6.10.2009.) 2. A partir
de elementos convincentes da postura desprestigiosa do recorrente em relação à
moralidade, ao senso comum de honestidade, à boa-fé, ao trabalho à ética das

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instituições, as sanções impostas, primus ictus oculi, evidenciam-se coerentes,
inclusive, com os postulados da proporcionalidade e razoabilidade: elementos
integrativos da extensão da legalidade do ato sancionatório. 3. Sendo assim, não se
observando, no caso concreto, desarrazoabilidade nas sanções aplicadas ao
agravante, a análise aprofundada da dosimetria importa em ponderar sobre premissas
de natureza fática, o que esbarra no óbice imposto pelo enunciado da Súmula 7 do STJ.
Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1189357/SP, Rel. Ministro HUMBERTO
MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 03/09/2010) (grifei)

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.


AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DOSIMETRIA DA PENA.
DECISÃO FUNDAMENTADA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO
E PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS. INVIABILIDADE NA VIA RECURSAL ELEITA.
SÚMULA 7/STJ. 1. O art. 12 da Lei n. 8.429/1992, em seu parágrafo único, estabelece
que na fixação das penas relativas à prática de atos de improbidade administrativa,
devem ser levados em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito
patrimonial obtido pelo agente. 2. A esse respeito, a jurisprudência deste Sodalício
prescreve que é preciso analisar a razoabilidade e a proporcionalidade em relação à
gravidade do ato ímprobo e à cominação das penalidades, as quais podem ocorrer
de maneira cumulativa ou não. Precedentes do STJ. 3. No caso em concreto, com base
no conjunto fático e probatório constante dos autos, o Tribunal a quo consignou que
não se comprovou nos autos, de modo satisfatório, proveito patrimonial auferido
diretamente pelo recorrido ou tenha agido com o propósito de obter vantagem
indevida ou beneficiar diretamente pessoas a ele vinculadas. Esta conclusão não pode
ser revista sem nova análise das provas constantes nos autos, o que é inviável na via
recursal eleita a teor da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no
REsp 1319480/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA,
julgado em 15/08/2013, DJe 22/08/2013) (grifei)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO


DO MUNICÍPIO DE SÃO PEDRO DAS MISSÕES. RETROESCAVADEIRA. UTILIZAÇÃO EM
BENEFÍCIO PARTICULAR. 1. Os agentes públicos encontram-se sujeitos a ações de
improbidade administrativa, tendo por escopo a apuração de infração civil causadora
de enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário ou, simplesmente, que atentam contra os
princípios da Administração Pública (arts. 9, 10 e 11 da Lei 8.429/92), englobando,
obviamente, aqueles agentes detentores de mandato eletivo, tais como os Chefes do
Poder Executivo. 2. Configuração do ato de improbidade estampada pelo conjunto
probatório, consistente na utilização da retroescavadeira de propriedade do Município
de São Pedro das Missões para o fim de terraplenagem em imóvel de propriedade da
filha do Prefeito Municipal. 3. A prova coligida nos autos suficientes para demonstrar
que os atos de improbidade administrativa se enquadram não só na tipificação do art.
11, I, da Lei nº 8.429/92, por violação dos Princípios da Administração Pública -
legalidade, moralidade, eficiência e impessoalidade-, mas também nos arts. 9º, IV, e
10, XIII, da referida Lei, ensejando condenação às sanções do art. 12. 4. Quanto ao
pedido de afastamento da sanção de suspensão dos direitos políticos, é cediço que na
fixação das penas nos casos de condenação por prática de ato de improbidade
administrativa o juiz deverá deixar pautar-se pelos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade. Assim, tem-se que as sanções foram bem graduadas pelo Juízo a
quo, razão pela qual devem ser mantidos em sua integralidade. APELAÇÃO
IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70061407953, Quarta Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 26/11/2014) (grifei)

APELAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LICITAÇÃO E CONTRATO


ADMINISTRATIVO. AGENTE POLITICO. LEI Nº 8.666/93. APLICAÇÃO DA LEI DE
IMPROBIDADE AOS AGENTES POLÍTICOS. POSSIBILIDADE. Aplicabilidade da Lei n.º
8.429/92 aos agentes políticos. Interpretação jurisprudencial. Inexistência de efeito

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vinculante ou erga omnes na decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na
Reclamação n.º 2.138 sobre a aplicabilidade da Lei nº 8.429/1992. PRESIDENTE DA
CÂMARA MUNICIPAL DE NOVO HAMBURGO. REFORMA DOS SANITÁRIOS. PROCESSO
LICITATÓRIO EIVADO DE NULIDADES. SUPERFATURAMENTO MANIFESTO.
IMPROBIDADE CONFIGURADA. Provado que o agente político realizou licitação eivada
de inúmeros vícios, dentre eles inconteste superfaturamento, caracteriza-se o ato de
improbidade previsto no art. 10, incisos V e VIII, e 11, caput , da LIA. PENALIDADES.
PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. Para atender à proporcionalidade, a
cumulação das sanções previstas no art. 12 da LIA deve atender à gravidade do fato,
e a graduação deve atender à extensão do dano e ao proveito patrimonial do agente.
Suspensa a execução da obra superfaturada, evitou-se o dano ao erário. Penas de
suspensão de direitos e de multa civil arbitradas adequadamente. APELAÇÕES
DESPROVIDAS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70054277041, Vigésima Segunda
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em
13/11/2014) (grifei)

As sanções poderão, ainda, serem aplicadas isolada ou


cumulativamente. Ainda, quanto à pena de multa se trata de uma sanção imposta em razão
da violação de uma norma jurídica, a ser cumprida mediante pagamento de bens. Ela tem
natureza eminentemente punitiva e pessoal. Não é, desse modo, sanção reparatória nem
pode assumir tal feição, sob pena de inconstitucionalidade (CF, art. 5º, XLXI, “c”)5. Ainda, o
magistrado, para fixar o seu valor, deve analisar o patrimônio do agente infrator, o seu ganho
financeiro mensal, o dano gerado por sua conduta e o grau de sua culpa.6

Assim, considerando o valor acrescido ao patrimônio da requerida,


bem como o dano gerado aos cofres públicos e, ainda, a configuração do dolo e a evidente
reprovação social da conduta praticada, entendo por razoável o valor aplicado nas penas de
multa a seguir descritas.

A fim de facilitar a compreensão dos fatos, passo à análise das penas a


serem aplicadas a cada um dos réus de forma individual:

a) ANA LÚCIA ÁVILA PEREZ:

Necessária a condenação da ré à perda dos valores acrescidos


indevidamente ao seu patrimônio, com o ressarcimento integral do prejuízo causado ao
erário, mediante a devolução de todos os vencimentos percebidos na época em que
permaneceu nomeada como assessora parlamentar junto à Câmara de Vereadores do
Município de Rio Grande – período compreendido entre 01 de outubro de 2013 até 01 de
junho de 2014. Ainda, condeno a demandada ao pagamento de multa civil no valor
equivalente a uma vez o valor do acréscimo patrimonial obtido, a ser apurado em liquidação
de sentença, bem como decreto a suspensão dos seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos
e a proíbo de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja
sócio majoritário, pelo prazo de dez anos

5
SIMÃO, Calil. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. Leme: J.H.Mizuno, 2012. p. 194.
6
SIMÃO, Calil. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. Leme: J.H.Mizuno, 2012. p. 194.

9
64-1-023/2020/16526 - 023/1.17.0008065-7 (CNJ:.0014996-79.2017.8.21.0023)
b) WILSON BATISTA DUARTE SILVA:

Quanto ao réu Wilson, deve ser condenado ao pagamento de multa


civil no valor equivalente ao acréscimo patrimonial indevidamente percebido pela
codemandada Ana Lúcia, além de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 05 (cinco)
anos e, ainda, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos.

Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pelo


MINISTÉRIO PÚBLICO para:

i. reconhecer a prática de ato de improbidade administrativa previsto


no artigo 9º, caput da Lei 8.429/92 pela ré ANA LÚCIA ÁVILA PEREZ, para, nos termos do art.
12, incisos I, do mesmo diploma legal: a) determinar a perda dos valores acrescidos
indevidamente ao seu patrimônio, com o ressarcimento integral do prejuízo causado ao
erário, mediante a devolução de todos os vencimentos percebidos na época em que
permaneceu nomeada como assessora parlamentar junto à Câmara de Vereadores do
Município de Rio Grande – período compreendido entre 01 de outubro de 2013 até 01 de
junho de 2014 -, a ser apurado em liquidação de sentença. Os valores deverão ser corrigidos
pelo IGP-M desde os respectivos pagamentos e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês
a contar da citação, b) condenar a demandada ao pagamento de multa civil no valor
equivalente a uma vez o valor do acréscimo patrimonial obtido, em valor a ser apurado em
liquidação de sentença, devidamente corrigido monetariamente pelo IGP-M, bem como
acrescido de juros de mora, ambos a contar do trânsito em julgado da presente, c) decretar
a suspensão dos seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e d) proibir que contrate com
o Poder Público ou receba benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário,
pelo prazo de dez anos.

ii. reconhecer a prática de atos de improbidade administrativa


previstos no artigo 10, caput e inciso I da Lei 8.429/92 pelo réu WILSON BATISTA DUARTE
SILVA, para, nos termos do art. 12, incisos II, do mesmo diploma legal a) condená-lo ao
pagamento de multa civil no valor equivalente ao acréscimo patrimonial indevidamente
percebido pela codemandada Ana Lúcia, devidamente corrigido monetariamente pelo IGP-
M, bem como acrescido de juros de mora, ambos a contar do trânsito em julgado da presente,
b) decretar a suspensão dos seus direitos políticos pelo prazo de 05 (cinco) anos, c)
determinar a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos.

Custas pelos réus.

Incabível a condenação em honorários, já que a demanda foi movida

10
64-1-023/2020/16526 - 023/1.17.0008065-7 (CNJ:.0014996-79.2017.8.21.0023)
pelo Ministério Público.

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Rio Grande, 26 de fevereiro de 2020.

Mauro Peil Martins,


Juiz de Direito

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64-1-023/2020/16526 - 023/1.17.0008065-7 (CNJ:.0014996-79.2017.8.21.0023)

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