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Resenhas

SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Convite à Estética. Trad. Gilson


Batista Soares. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
336 p.

José Carlos da Silva


Doutorando em Educação - UNICAMP
Professor da Faculdade de Educação de Jacarezinho - PR
e-mail: Jcarlos60@uol.com.br

Adolfo Sánchez Vázquez é Professor de da Estética”, o autor destaca, com esmerada


Revista de Educação

Estética na Faculdade de Filosofia e Letras da profundidade, o caráter problemático da estética.


Universidade Nacional Autônoma do México. Em três capítulos fala da necessidade e do
A Obra é composta de temas e idéias abordadas objeto da estética, bem como do saber estético.
na sua disciplina, bem como pelos estudos Na segunda parte, “A relação estética do
oriundos de Conferências e Cursos realizados homem com o mundo”, ele trata primeiro sobre
em Universidades e Centros Culturais do México as origens e em seguida a natureza destas
e do exterior. relações tomadas sempre em contato com a
O livro escrito por Sánchez Vázquez não dimensão histórica e social colocando assim o
só pretende dar um enfoque universal ao estético, sujeito e o objeto na sua realidade concreta.
mas de maneira persuasiva, enfatiza um convite E, por fim, na terceira parte do texto
para decifrar e viver, com integridade, os denominada “As categorias estéticas”,
impulsos estéticos dos quais estamos rodeados começando pelo conceito do que venha a ser o
e experimentamos a cada dia, nas nossas estético e, posteriormente passando pelo estudo
atividades comuns, por mais simples que sejam. do que seja o belo, feio, sublime, trágico, cômico
A obra está dividida em três partes e grotesco ele constrói uma teoria baseada em
distintas, mas que se completam, para formar definições historicamente centradas na
um todo coerente e ilustrativo sobre a experiência experiência estética e na prática artística, como
estética e a prática artística. Trata em uma expressão subjetiva e social.
primeira parte da estética em si; logo em seguida Na primeira parte da obra, “Anverso e
reflete sobre a relação da estética do homem Reverso da Estética”, o autor fundamenta a
com o mundo e por fim relaciona e comenta as necessidade da estética, discutindo o objeto dela,
categorias estéticas clássicas. Além de uma rica o seu lugar ao sol, e conclui esta primeira etapa
bibliografia e dos índices onomástico e temático, discorrendo sobre o saber estético.
consta ainda de um sumário, de uma introdução A partir da abalizada definição de estética
e também de 76 ilustrações, em preto e branco, como se encontra no dizer de Sánchez Vázquez,
que são citadas e analisadas pelo autor durante p. 47: “a Estética é a ciência de um modo
a reflexão. específico de apropriação da realidade, vinculado
Na primeira parte, “Anverso e Reverso a outros modos de apropriação humana do
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mundo e com as condições históricas, sociais e obstáculos de ordem epistemológicas e


culturais em que ocorre”, o autor dá ao campo ideológicas. Tendo em vista todos estes
estético o seu significado original de qualidade “detratores”, ocupa-se o autor em todas as suas
sensível. Uma relação que vai além da relação páginas desta obra, deixando para trás os receios
com o belo ou uma obra de arte. e objeções contrárias e minimizantes da estética.
Inicialmente, procurando localizar o âmbito Terminada esta tarefa inicial o autor
próprio da estética, Vázquez promove o que ele ocupa-se no segundo capítulo em especificar o
chamou de “processo contra a estética”. Aí ele objeto da estética. Trata-se de uma tarefa
faz uma investigação, com o objetivo de “árdua” e para tal é necessário, justifica o autor,
especificar o objeto a ser tratado, bem como o em primeiro lugar se esclarecer o significado de
método ou métodos mais eficazes decorrentes termos fundamentais como o “belo”, o “estético”
da natureza do objeto. E por fim consegue e a “arte” que historicamente entram na sua
alcançar a definição já mencionada de estética, definição e quase sempre são confundidos com
que norteia e conduz o fio da meada de toda a o conceito de estética. Partindo para tal
obra. esclarecimento, alerta o autor, da transitoriedade
Nesse processo levantado para investigar desses termos que nas relações humanas com a
a validade ou não, a necessidade e o direito de realidade assumem características específicas.
existência da Estética, o autor parte da afirmação Considerando que a estética, como saber
de alguns filósofos, contrários a sua existência, autônomo e sistemático nasceu com Baumgarten
dos quais citamos apenas o analítico J.A. em sua obra “Aesthetica”, (1750-1758), não se
Passmore, que diz: “Não há estética,” p. 9, e o pode ignorar que desde o alvorecer da filosofia
poeta Paul Valéry afirma “A estética não existe na Grécia encontramos reflexões estéticas.

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nem pode existir”. E continua o autor, nesse Dentre estas reflexões, uma das concepções
mesmo processo contra a estética relacionando mais veneráveis esta naquela que coloca o belo
as acusações do espectador “ingênuo” e do como a própria estética em si mesma. É
conhecedor “culto”. Desde as questões mais conhecida a teoria platônica de que o belo é o
simples do espectador “ingênuo”, por exemplo: belo em si, perfeito, absoluto, atemporal, beleza
“O que posso ganhar com a estética?” (p. 11), como idéia. Aí então a beleza está no objeto.
até ao questionamento do conhecedor Nos tempos modernos, a determinada
supostamente “culto” que não perde nenhuma concepção do belo como eixo de reflexão
exposição importante da cidade, visita os museus, estética se desloca do objeto para o sujeito.
lê as obras mais recentes, segue as produções Sendo assim acentuada a dimensão subjetiva do
literárias e artísticas, fazem parte desse processo belo. Depois de várias considerações, conclui o
contra a estética, que mais tarde será elucidada nosso autor que a reflexão não pode se fechar
pelo autor. Ainda são elencadas queixas do no belo, mas no estético, pois “todo belo é
artista e do crítico da arte, e até mesmo do estético, mas nem todo estético é belo,” (p. 39).
filósofo. Diante dessas “acusações” o autor O estético é mais abrangente que a concepção
argumenta a cada uma, e mesmo reconhecendo do belo, que não deve ser confundido com
a dificuldade de pontuar todas as acusações sem estética, que durante muito tempo determinou
assumir os erros contidos no passado em nome as reflexões que foram chamadas de “estética”.
da estética, e até mesmo no presente pelas E defende a posição de que o objeto da estética
estéticas de inspiração eurocêntrica, está na relação peculiar entre o sujeito e o objeto
especulativas, metafísicas e classicistas. E afirma estabelecida no tempo, em uma determinada
que hoje, mais do que uma ciência constituída, é circunstância cultural e social, compondo assim
a estética um “projeto de ciência que avança lenta uma realidade concreta.
e penosamente em sua realização, a partir de Analisando ao longo da história das
certas suposições filosóficas (sobre o reflexões estéticas, relata o autor, um predomínio
conhecimento) e com a ajuda de diversas, de caráter filosófico, e predominantemente como
ciências sociais”. E ainda mencionar que surgem manifestações de um principio supremo. Afirma

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ainda que é preciso abandonar o marco estéticos e artísticos no tempo, em relação ao


especulativo da estética filosófica, sem contudo que precede e ao seu próprio tempo.
prescindir de certos princípios ou suposições O método sistêmico ou estrutural
filosóficas. E a estética, que defende, se nutre considera o fenômeno estético como um sistema
de uma concepção de homem, da história e da de relações. As partes, os elementos, as funções
sociedade, que é o próprio marxismo, como acorrem fundidas num todo orgânico. Assim os
filosofia da práxis. Assim a Estética, aspira ser dois princípios histórico e sistêmico se
uma ciência que por seu objeto e métodos se complementam e trazem sentido histórico e de
inscreve no espaço do conhecimento que ocupam totalidade à construção teórica do estético e do
as ciências humanas e sociais. Assim não é um artístico. Assim conclui Sánchez Vázquez:
objetivo em si mesmo, mas social e pode ser
assim definida como “Ciência das experiências O enfoque teórico sem conteúdo
estéticas e das práticas artísticas”, (p. 54). Ao histórico é vazio, ou seja, essencialista,
considerá-la como ciência, atribui-lhe um especulativo; o enfoque histórico sem
conteúdo teórico ou sistêmico é cego
atestado de conhecimento, significando, então,
ante os acontecimentos, já que não
que existe um conjunto de objetos aos quais
permite ver como manifestações
atribuímos qualidades que chamamos de empíricas de um sistema de relações
“universo estético”. Mas não se trata somente e dependências. (SÁNCHEZ
de um universo composto somente de seres VÁZQUEZ, 1999, p.67/68).
humanos, mas também de seres naturais, de
objetos artificiais produzidos pelo trabalho A partir de então, o autor passa para a
humano, podendo ai se destacar: objetos comuns segunda e mais importante parte da obra “a
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da vida cotidiana, produtos industriais, relação estética do homem com o mundo”. Ele
artesanais, mecânicos e técnicos, e finalmente dos classifica em três campos as diversas relações
produtos do homem que ele chama de “obra de do homem com o mundo. Primeiramente
arte”. O importante que o comportamento estabelece a relação teórico-cognoscitiva;
humano e a realidade em que ele se realiza não depois uma relação prático-produtiva e por fim
podem estar separados do todo em que se uma relação prático-utilitária. Enquanto na
integram com outras realidades e primeira figura, o homem se aproxima da
comportamentos. O estético e o artístico se realidade para compreendê-la. Na segunda faz
desenvolvem historicamente, e tanto em sua sua intervenção materialmente na natureza para
natureza quanto em sua gênese se encontram transformá-la e assim satisfazer as necessidades
condicionados socialmente. Tanto a experiência humanas pelo produto do seu trabalho. E na
estética quanto a prática artística levam em conta terceira, realiza uma relação de consumo desses
as contribuições das ciências sociais. A origem objetos produzidos. Além dessas relações, diz
da relação estética do homem com o mundo e a o autor, em determinadas épocas, os homens
prática artística pode ser constatada em todos estabelecem outras formas de relações com a
os tempos, até mesmo nas sociedades pré- natureza, entre elas estão: as mágicas, as míticas
históricas. e as religiosas. Há ainda um conjunto de relações
Quanto ao método, a estética, por ser que os homens executam entre si, como relações
objetiva e subjetiva se vale dos métodos de outras políticas, econômicas, jurídicas e morais. E
ciências para construir o seu universo. Portanto dentro destes sistemas de relações estabelece
ela se justifica na atenção ao desenvolvimento o lugar da relação estética, que mesmo estando
histórico e sua existência efetiva, mediante a vinculada às demais, de modo diferente ao longo
construção teórica que dá sentido a sua da história tem seus aspectos peculiares. Uma
existência. Assim sendo se utiliza do método característica importante, frisa o autor, é a
histórico e estrutural como princípios de precedência desta às outras relações, afirmando
condução para a realização do seu intento como que a “relação estética, embrionária e difusa em
ciência. O Histórico permite situar os fenômenos seus primórdios, é uma das formas mais antigas

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de relação do homem com o mundo”, (p. 75). com o objeto teórico que é construído para
Sendo anterior até mesmo à magia, ao mito conhecê-lo. Mesmo sendo historicamente,
e à religião. Para Marx (em O Capital) a relação muitas vezes, associado com o mal e o belo com
estética surge e se desenvolve no seio da relação o bem, o feio tem uma dimensão estética que
de produção material. “A relação estética se não se identifica com outras dimensões ou valores
apresenta, em primeiro lugar, como produção negativos, tais como falso, inútil e mau. Assim
de certos objetos”, (p. 77). Então, de certo diz o autor na página 212: “O feio ocorre em um
modo, a produção requer consumo ou uso do objeto que por sua forma é percebido
produzido. Mais uma vez é Marx que diz “o esteticamente, ainda que se note – sobretudo
produto só conhece seu objetivo final no quando se trata de objetos reais – a ausência ou
consumo”, (p. 77). Assim o estético é produzido negação da beleza”.
para ser compartilhado ou consumido pelos O território do feio não é só a natureza,
outros aquilo que expressa. É melhor ainda, se mas também, na realidade dos produtos criados
esse consumo for adequado, como requer pelo homem, quer sejam produtos técnicos ou
qualquer produção no sentido marxista. industriais, quer sejam objetos artísticos ou
Na terceira parte o autor trabalhas as objetos usuais da vida cotidiana. E após fazer
categorias estéticas. Inicialmente revê o conceito uma referência às concepções do feio na história,
de categoria evocando o significado original de termina por concluir que o feio estético pode
“acusação” ou “censura” conforme José Ferrater existir tanto na realidade como na arte. Pode ser
Mora no Dicionário de Filosofia, que acabou por feio tanto um objeto com aqueles representados
significar “enunciação” ou “declaração”. Assim pelos pintores, porém, ao serem contemplados
as categorias estéticas são determinações gerais, produzem efeitos diferentes e até mesmo

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atribuídas ao campo estético, não separadas da opostos. A fealdade está na relação de
realidade histórica em que surgiram. Identificado apropriação do homem pelo objeto que é
muitas vezes, ao estético em si, o belo contemplado.
resplandece como a maior e mais abrangente Do feio ele passa par o sublime como
categoria, embora, tendo por muito tempo categoria estética. Identificando o termo sublimis
imperado nesse significado. Assim o belo constitui do latim significando levantar, erguer do solo,
uma categoria particular do estético. Conforme para designar “algo excelso, eminente ou
nosso autor, “não existe o belo ideal, como uma sumamente elevado, e se aplica tanto a certos
essência imutável, através de configurações fenômenos naturais quanto a determinadas ações
concretas, mas sim o belo que ocorre humanas”, (p. 231). E fazendo uma detalhada
historicamente”, (p. 203). Equivale dizer que o reflexão sobre as concepções do sublime desde
belo não existe por si mesmo, como antigamente Longino no século I, passando por Burke, Kant,
se pensava. O belo só existe em relação com o Hegel e Hartmann até Adorno em nossos dias,
homem que vê e sente o que é belo como objeto conclui o autor, que todas as concepções que
concreto, singular, empírico nas mesmas ele analisa ajudam à caracterização do sublime
situações estéticas das outras categorias como como categoria estética. E assim se expressa:
o feio, o sublime, o trágico, o cômico e o
grotesco. o sentimento do sublime surge na
Logo em seguida o autor faz uma longa relação entre a grandiosidade e a
abordagem sobre o feio. Em primeiro lugar infinitude de um fenômeno e as
limitadas forças humanas, ou quando
justifica o caráter estético da fealdade
essas alcançam um poder que
esclarecendo o lugar estético do feio e a
ultrapassa desmesuradamente o
experiência singular e concreta que o sujeito vive cotidiano ou o normal. (Ibid., p. 239)
nesta situação estética, ou seja, nas relações
básicas do homem com o mundo. Nesta análise, Assim o sublime é desmedido e provoca
afirma o autor, que o feio não tem lugar na relação no homem, diante do fenômeno da grandiosidade
teórico cognoscitiva, nem com o objeto real, nem e do desafio, uma grande confiança em si
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próprio. Além do lado social que tal atitude Estéticas de Marx” (1965); Filosofia da Práxis
implica, conforme expressa o autor: (1967); Ética (1969) Estética e Marxismo 2 vols.
(1970)”.
o sublime natural é, por um lado, “Convite à Estética” é uma obra que
expressão de um poder que o homem mostra a sensibilidade que as experiências do
não conseguiu dominar ainda, mas que homem com o mundo está para além do belo e
ao mesmo tempo lhe dá consciência
da arte, mas deve ser exercitada numa relação
do seu próprio. Em suma, o
adequada do homem com o mundo, com a
sentimento do sublime desperta no
homem, diante das forças naturais e natureza e com seus pares. Só assim o homem
sociais, sua confiança nas próprias será feliz e o mundo será melhor.
forças. (Ibid., p. 240)

Nas palavras e nas entrelinhas do texto,


descobrimos um filósofo que mostra com distinta
clareza um manejo coerente de categorias
materialistas, renovando os conceitos de estética
como um relacionamento humano de forma
específica na práxis das experiências estéticas
e teorias artísticas. Confirmando assim, com sua
obra, a arte de transformação de conhecimento
e consequentemente de comportamento e visão
de mundo.
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A obra é muito consistente, de um estilo


muito agradável e revela uma sensibilidade, muito
bem fundamentada na história, na superação de
antigos conceitos estéticos para a nova e
convincente teoria da apropriação do mundo
pelo homem através das situações estéticas que
nos convidam diariamente a tais experiências.
Com ele relembramos a definição central da obra
quando se refere ao conceito atual dessas
relações: é a Estética a ciência de um modo
específico de apropriação da realidade, vinculado
a outros modos de apropriação humana do
mundo e com as condições históricas, sociais e
culturais em que ocorre, que ao nosso viso está
refletida em toda a obra.
Recomendamos, portanto, a todos os
leitores, sejam iniciados ou iniciantes,
professores, estudantes ou interessados pela
estética, como uma obra basilar e de
profundidade expressa com clareza e
simplicidade que longe de torná-la vulgar,
enaltece a capacidade pedagógica de
comunicação e de fazer-se compreensivo do
professor Sánchez Vázquez. Motivados pelo
“Convite à Estética” escrito em 1992 e traduzido
para o português em 1999, nos defrontamos com
outras obras do autor tais como: “As Idéias

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