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VISITAS

Isaac Souza

Visitas. Poucas coisas são tão odiosas quanto visitas. Pessoas que se alegram com visitas não
podem ser psiquicamente saudáveis. Pessoas na sua casa, sentadas à sua frente, esperando
por um café, tentando pescar referências esparsas de um passado estilhaçado para iniciar
qualquer assunto. Muitas vezes na esperança de reeditar algum bem-sucedido diálogo de
outrora – obviamente irrepetível. Visitas são casamentos em miniatura – você mantem, por
formalidade, uma máscara de civilidade e cortesia e sustenta o vínculo insustentável pela
suposição de que ele tem existência própria (no casamento, o amor, na visita, a amizade). Mas
é tudo um teatro confuso, fantasmagórico, cansativo e insosso.

Ah, como eu odeio essas pessoas que teimam em me roubar de minha solidão, em me fazer
pronunciar em voz alta frases de improviso, me fazer perguntas retóricas. Perguntas de visitas
são, talvez, o motor de todo tédio – perguntas que se faz sem saber para quê, apenas para
quebrar a torturante visceralidade do silêncio, para fugir do silêncio, para fingir que, no fundo
das palavras vazias o silêncio não continuou a gritar, agora ainda mais alto, uma vez que foi
ferido.

- Como você está?

- irritado com a sua presença, mas sente-se, vamos tomar o suco de acerola que eu não faria
se você não viesse.

- E a família?

- A família ainda é a mesma. Eu não me importo com o que cada um está fazendo
individualmente, se alguém precisar de alguma coisa fala, se não falou, é porque não foi
preciso. Mas e a sua? Você prefere que eu sorria enquanto pergunto? E a sua?

- Vai bem, obrigado. Os meninos são danados. O menor se machucou. A mãe fica irritada, mas
a gente entende, família é isso, não é?

- Claro.

- O suco está ótimo.

- Obrigado, em nome do suco.

O sangue do silêncio escorre. Lágrimas pelo ócio desperdiçado.


EVA

Isaac Souza

Uma gata, uma filhote, tricolor. Ela é geralmente silenciosa e alegre – ela tem mesmo uma
alegria no silencio. Em relação aos cães, os gatos têm essa diferença adorável. Pelo menos os
cães pequenos, tendem a manifestar tudo que sentem com latidos, uivos e rosnados.
Excitados, os gatos não emitem, apenas deixam vibrar no corpo a sutileza repleta de vontade
de silêncio do ronronado. O gato só soa no limite. E, se for o miado de manha – é de um agudo
aveludado que se abre rapidamente para logo em seguida se esconder novamente na
respiração assonora que eles podem muito bem chamar de lar.

Eva é assim. Ela salta sobre a cama e apenas me olha, escolhe um lugar para deitar como se eu
não estivesse ali. Normalmente, escolhe um lugar bem perto de mim, encostada em mim, ou
até em cima de mim. Isso não significa que eu esteja ali – nada vale mais para ela do que a
manutenção daquele charme esnobe e inocentemente cínico. Não rejeita meus carinhos,
apenas não os reconhece como presentes – tudo faz parte da respiração da Natureza. Ela, eu,
o silêncio, o ron-ron. Sem gratidão e sem rancor – eu sou abrigo e ela viajante; eu sou viajante
e ela, companhia.

O gato não me segue até o portão, não me espera retornar, não faz sua vida parar na minha
ausência – nada mau para um irresponsável como eu.

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