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TESE DO
I CONGRESSO DA
REVOLUÇÃO BRASILEIRA
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1 Camarada
2 Você recebe agora a proposta de tese para nosso primeiro congresso. Há dois anos
3 levantamos a esquecida bandeira da Revolução Brasileira no interior da esquerda e
4 rapidamente nos organizamos em escala nacional. O I Congresso da RB é um momento
5 especial para nossa militância e para o conjunto da esquerda brasileira. Em muitas
6 oportunidades reafirmamos que a Revolução Brasileira está em curso em função da
7 enorme crise que se abate sobre os trabalhadores liquidando ilusões que sustentaram
8 grandes contingentes de militantes e organizações políticas supondo que poderia existir
9 alguma modalidade de “inclusão social” nos marcos do desenvolvimento capitalista na
10 periferia latino-americana. É ilusão tanto antiga quanto perniciosa. Há muitas décadas o
11 marxismo latino-americano afirmou que somente o socialismo poderia indicar um
12 caminho seguro para a superação do subdesenvolvimento e da dependência que,
13 finalmente, se configura com uma força nunca antes vista na América Latina.
14 As contradições e antagonismos inerentes a ordem capitalista revelaram na atual
15 conjuntura limites intransponíveis nos marcos do atual sistema político, razão pela qual,
16 o governo encabeçado pelo proto fascista Jair Bolsonaro abriu as postar de uma contra
17 revolução cujas consequências mais profundas a maior parte da esquerda e a totalidade
18 do progressismo é incapaz de perceber. As teses que aqui animam nosso I Congresso
19 pretendem responder cada uma das questões pendentes na conjuntura e indicar caminhos
20 para sua superação desde uma perspectiva revolucionária. O caminho será longo, sem
21 dúvida. Contudo, carregamos a certeza de que o combate que travamos é indispensável
22 para abrir as grandes alamedas pelas quais marchará nosso povo a caminho da vitória
23 final contra a classe dominante.
24 Alertamos que este texto é uma proposta de tese e não a tese final do nosso congresso. A
25 versão final será produto do debate amplo e aberto dos nossos militantes, que só se encerra
26 na etapa presencial do nosso Congresso, a ser realizada em São Paulo nos dias 17, 18 e
27 19 de abril deste ano. Por enquanto, este documento é interno, ou seja, deve circular
28 apenas entre os membros da Revolução Brasileira, que devem discuti-lo e propor
29 quaisquer alterações que julgarem necessárias, sempre visando melhor compreender a
30 realidade com vistas a transformá-la radicalmente. O esforço militante e organizado é
31 condição fundamental para que os revolucionários brasileiros possam influenciar
32 decisivamente nos rumos da revolução que já está em curso.
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18 O fim do tráfico negreiro decretado pela Inglaterra em 1850 é uma das primeiras
19 medidas que tratarão de avançar no desenvolvimento capitalista na América Latina. Em
20 consequência, no Brasil, o Segundo Império aprovou a lei n. 581 em 4 de setembro de
21 1850 proibindo a entrada de escravos no país visando transformar o mundo à imagem e
22 semelhança da potencia imperialista por meio da qual ocorria o início ao processo de
23 substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre em escala mundial. No entanto,
24 poucos dias depois, também aqui se aprova a lei n. 601 em 18 de setembro de 1850 que,
25 na prática, tornava a terra impossível para os escravos libertos. A economia colonial,
26 desde o início subordinada à totalidade do sistema capitalista mercantil, tinha no tráfico
27 negreiro sua principal atividade econômica de sustentação e, portanto, o fim do comércio
28 de escravos tratou de dar início à transformação das relações de produção no Brasil e em
29 toda a América Latina.
1 instituiu a terra como mercadoria, como objeto de compra e venda. Desta forma, todas as
2 terras que não contassem com um título de propriedade seriam tratadas como terras
3 devolutas do Estado, podendo ser ocupadas somente mediante títulos reconhecidos pelos
4 cartórios, estes últimos completamente subordinados ao poder político e militar das
5 oligarquias agrárias regionais, erigidas sobre as bases do latifúndio exportador colonial.
6 Isso ocorria em um país de dimensões continentais, ainda contando em seu imenso
7 interior com diversas populações indígenas e atravessado por vários processos de
8 adensamentos populacionais, ocorridos em torno dos ciclos econômicos exportadores,
9 populações que tinham posse efetiva das terras, porém sem nenhum título de propriedade.
10 Essa lei resultou na criação das condições para a refundação do Brasil sobre as
11 bases do trabalho assalariado livre, um processo de modernização feito sob a batuta da
12 própria oligarquia advinda da colônia, ou seja, sem qualquer processo de ruptura com as
13 velhas estruturas econômicas, políticas e sociais. Dali em diante, os negros que passavam
14 a ser libertados das fazendas, obviamente sem qualquer patrimônio acumulado, não
15 tinham outra saída que não engrossarem as massas urbanas nos famosos cortiços do final
16 do século XIX e início do século XX, desde o início compondo uma expressiva população
17 excedente, ocupando as piores colocações sociais e submetidos a processos de elevado
18 grau de exploração. Mesmo livres formalmente, aos oriundos da senzala restou a vida nas
19 futuras favelas que acompanharam o processo de urbanização no Brasil.
1 até mesmo a criação de engenhos de açúcar no país, sendo o excedente aqui produzido
2 escoado na quase totalidade para os países centrais. Este fato, adicionado ao latifúndio
3 monocultor baseado na escravidão com ampla disponibilidade de força de trabalho
4 escravo por conta do tráfico negreiro, fez com que o grau de desenvolvimento das forças
5 produtivas nacionais chegasse ao último terço do século XIX com modestíssimos
6 avanços. Todos os aprimoramentostécnicos introduzidos a partir daí, por conta deste
7 processo de “desacumulação primitiva” anterior, foram amplamente dependentes do
8 capital estrangeiro oriundo dos países centrais, majoritariamente conferidos em formato
9 de empréstimos e exigindo elevadas contrapartidas financeiras.
1 do Estado para sua sustentação, trazendo transtornos para a incipiente atividade industrial
2 e greves explosivas como contrapartida. A década de 20 seria , portanto, um período
3 de profunda instabilidade política no país.
18 Por isso mesmo, logo após o final da guerra, os Estados Unidos reforçam suas
19 posições na América Latina, entendendo a região como reserva estratégica na disputa
20 internacional, principalmente no enfrentamento contra a potência tecnológica e militar
21 que, naquele momento, representava o bloco socialista de nações, sob a direção da União
22 Soviética. A grande potência do norte dá início, dessa forma, à Escola das Américas, em
23 1946 no Panamá, com o objetivo de dar treinamento e doutrina militar para os oficiais
24 dos exércitos de todos os países latino-americanos. Ao mesmo tempo, aproveita do
25 enorme salto de produtividade de sua economia durante e após a guerra e começa
26 um intenso processo imperialista de exportações de capitais, parte dos quais era
27 direcionada ao próprio processo de industrialização dos países da América Latina,
28 incluindo aí o Brasil. O objetivo era um só: manter a região sob o seu comando, seja pelo
29 desenvolvimento do subdesenvolvimento ou pela força das cúpulas militares cada vez
30 mais entreguistas.
31 Sob este novo panorama ocorre a deposição de Getúlio Vargas logo ao final da 2ª
32 Guerra Mundial em 1945. Mesmo com Getúlio chamando novas eleições, seus dois
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1 braços direitos dentro das forças armadas, Góes Monteiro e Dutra, tramariam um golpe
2 militar destituindo Vargas do governo, sob a alegação de que havia chegado ao fim a era
3 ditatorial e teríamos início a um novo período liberal e democrático. Se o governo de
4 autonomia relativa de Vargas era feito com base na barganha entre EUA e Alemanha,
5 agora, após o final da guerra, a disputa trataria de ser travada sob os auspícios da Guerra
6 Fria entre EUA e URSS. Diante disso, qualquer governo que buscasse autonomia no seu
7 processo de desenvolvimento, mesmo que sob os limites das relações capitalistas de
8 produção, seria tratado como inimigo do império do norte.
19 Este seria o primeiro ensaio golpista no Brasil, ainda que de curta duração e sem
20 conseguir subverter definitivamente a correlação de forças produzida por um período de
21 intensa expansão da classe trabalhadora brasileira, a qual acompanhava o próprio
22 processo de industrialização. Crescia enormemente o número de entidades sindicais,
23 agora atreladas à razão de Estado desde a lei sindical de 1932, a repressão do Estado Novo
24 e a criação do imposto sindical em 1942 . Sindicatos estes que, mesmo que subsumidos
25 a uma dinâmica de conciliação de classes, passavam a ser influenciados pelas
26 contradições dentro do próprio Estado brasileiro. De um lado, as forças golpistas e
27 entreguistas alinhadasimp ao imperialismo dos EUA e educadas sistematicamente pela
28 Escola das Américas e outras formas de influenciar ideologicamente setores da burocracia
29 estatal e do empresariado do país. De outro, um projeto que se organizava em torno de
30 Getúlio Vargas pelo desenvolvimento de um capitalismo autônomo, de ruptura com a
31 dependência e o subdesenvolvimento, que ganhava contornos anti-imperialistas durante
32 toda a marcha da década de 50 até 1964, ano do golpe militar e da vitória das forças
33 atreladas ao imperialismo.
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12 Para isso é preciso entender que toda revolução nacional, afirmando-se socialista
13 ou não, na atual fase do capitalismo imperialista que se iniciou no fim do século XIX,
14 conduz necessariamente ao enfrentamento radical da organização imperialista do
15 sistema capitalista de nações. Desta forma, independentemente de suas forças de origem
16 (a pactuação de classes de Vargas), o conflito anti-imperialista só poderia prosperar se
17 apontasse para a conquista definitiva do poder e para a construção do socialismo. Rosa
18 Luxemburgo já havia apreendido esta característica histórica ao analisar a Revolução
19 Russa de 1905 e seu caráter de revolução do proletariado, afirmando que ela inaugurava
20 uma nova fase mundial, em que toda revolução necessariamente ganharia caráter
21 socialista em função da consolidação das potências imperialistas. A posterior Revolução
22 vitoriosa de 1917, por sua vez, cindiu o mundo em dois blocos. A Revolução Cubana de
23 1959, como fato emblemático daquela divisão, inaugurou o socialismo na América
24 Latina.
1 revolucionário nacional à derrota. Foi assim na Guatemala de 1954 e também com João
2 Goulart no Brasil em 1964.
18 O segundo governo de Vargas (1951-54), por sua vez, trataria de dar ainda mais
19 relevo ao processo de desenvolvimento das forças produtivas nacionais através do papel
20 central do Estado. Seriam criados instrumentos fundamentais para essa função, para além
21 daqueles do seu primeiro governo. Entre os mais relevantes podemos citar a criação do
22 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, atual BNDES) em 1952, a
23 promulgação de um decreto também em 1952 que limitava as remessas de lucro do capital
24 estrangeiro para os seus países de origem a 8% e a promulgação da lei de monopólio
25 estatal na extração e produção de petróleo e a criação da Petrobras, ambas em 1953.
26 Também assinou tratados de cooperação com os EUA, afirmando mais uma vez as
27 contradições de seu governo.
1 suicídio em 1954, em meio a uma crise política promovida sob a ideia de que seu
2 governo era atravessado pelo “mar de lama” da corrupção e agravada pelo atentado contra
3 Carlos Lacerda, que levaria um conjunto de dezenove generais do exército a escreverem
4 uma carta exigindo sua renúncia. O presidente deixaria sua famosa “Carta Testamento”,
5 onde exporia que a “campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos
6 grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho”, todos articulados
7 contra a soberania do país na criação das estatais e as leis que impediam a livre remessa
8 dos lucros.
9 Entretanto, apesar do suicídio e da comoção popular gerada por sua carta terem
10 impedido o golpe militar que já se armava em 1954, mais uma vez, Vargas não convocava
11 o povo para o confronto definitivo com essas “forças subterrâneas”, preferindo o suicídio
12 e a denúncia ao embate derradeiro. Contudo, se até o final do primeiro governo de Vargas,
13 o desenvolvimento capitalista brasileiro sustentou-se sobre um pacto de cooperação
14 antagônica entre a burguesia industrial nascente e a antiga oligarquia rural, a entrada em
15 cena do capital estrangeiro imperialista, que ocorria em paralelo ao processo de
16 industrialização e ganhava ainda mais relevo após o final da 2ª Guerra Mundial, daria
17 conta de modificar drasticamente o bloco da classe dominante, criando um período de
18 tensão entre o projeto de capitalismo nacional autônomo e o de incorporação definitiva
19 do Brasil na posição dependente em relação aos países centrais, em especial os EUA.
1 que a produção de alimentos fosse pífia, o que gerava picos inflacionários gigantescos
2 nos itens de consumo da classe trabalhadora das cidades.
3 Não por acaso verificamos, a partir de 1954, um novo ciclo grevista nas cidades
4 brasileiras, muito em função da radicalidade trazida por taxas de inflação que atingiam
5 mais de 16.000% ao ano. Ciclo grevista que, ao contrário daquele vivenciado a partir de
6 1917, agora contava com uma classe trabalhadora muito mais significativa tanto em
7 número quanto em acúmulo político e teórico. É nesse contexto que se aprofundam os
8 debates em torno da revolução brasileira, que já estavam presentes desde a década de
9 20, mas, a partir da década de 50, ganham fôlego e maior consistência. Tendo de um lado
10 o PCB e de outro o trabalhismo de esquerda, a influência partidária dentro do movimento
11 sindical e das forças armadas ganhava impulso sólido. Também no campo, em meio à
12 profunda pobreza dos camponeses, organizavam-se as ligas camponesas em combate
13 direto com o latifúndio e os antigos coronéis.
1 seu processo de industrialização, os famosos “50 anos em 5”. Novas cidades nasciam do
2 desenvolvimento industrial com internalização de cadeias produtivas. O setor
3 metalomecânico era o mais impulsionado, para além dos setores já instalados que
4 produziam bens destinados ao consumo das fileiras cada vez maiores da classe
5 trabalhadora. Diante disso, os constrangimentos trazidos pela dependência faziam-se
6 pesar sobre os ombros do projeto nacional burguês de desenvolvimento. Antes da luta
7 pelas reformas, entretanto, teríamos um curto período com Jânio Quadros assumindo a
8 presidência da república no início de 1961, tendo como seu vice João Goulart, candidato
9 do PTB e ex-Ministro do Trabalho de Vargas. Jânio Quadros, em um governo
10 contraditório, que associava uma política interna liberal com uma política externa
11 independente, chegando até mesmo a condecorar Che Guevara com uma medalha de
12 mérito nacional, renunciaria em poucos meses, em uma manobra frustrada na tentativa de
13 retornar ao governo nos braços do povo e com plenos poderes.
1 empregos necessários para as massas que saíam do campo e mudavam-se para as cidades,
2 especialmente através da construção pesada. Também foram criadas centenas de
3 empresas estatais para organizar esse processo de modernização capitalista, o que
4 empregaria com elevados salários os setores das camadas médias que estavam
5 radicalizados nos anos anteriores ao golpe. Sendo assim, o projeto de modernização da
6 ditadura, garantia a estabilidade econômica necessária para consolidar o processo de
7 eliminação dos milhares de elementos radicais que atuavam na política brasileira através
8 do terrorismo de Estado.
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1 Seria a crise global do modo de produção capitalista nos anos 70, somado a essas
2 profundas transformações no padrão de acumulação de capital que promoveriam os
3 condicionantes da crise da ditadura militar e da posterior transição democrática. Não
4 havia mais espaço para as ditaduras de segurança nacional latino americanas. A crise do
5 bloco socialista e as medidas liberalizantes adotadas pela URSS conduziam rapidamente
6 o mundo para o fim da Guerra Fria nos moldes que vigoravam desde o fim da 2ª Guerra
7 Mundial. Os próprios organismos internacionais, como a ONU, adotavam as políticas
8 hipócritas de defesa dos direitos humanos como principais mecanismos de acelerar o
9 desmonte do bloco soviético. A liberalização dos fluxos comerciais e de capital, por sua
10 vez, corroíam o poderio dos Estados nacionais para regularem o capital em seus
11 territórios. Por fim, os dois modelos que comandaram o processo de industrialização
12 brasileiro, o de substituição de importações dos anos 30 e o de internalização de cadeias
13 produtivas dos anos 50, mostravam-se completamente incapazes de competir com o novo
14 cenário global.
15 Por outro lado, a classe trabalhadora nos países avançados, havia sido
16 desarmada materialmente e ideologicamente após os quase 30 anos de vigência da social
17 democracia. Esta havia sido um verdadeiro armistício de guerra, capaz de desarmar os
18 operários dos países centrais da Europa, que haviam participado da guerra como soldados
19 ou estavam organizados nas milícias armadas de resistência ao avanço do nazifascismo.
20 Por sua vez, o Exército Vermelho da URSS havia sido a principal força vitoriosa do
21 conflito, avançando em campanha contra o exército alemão desde o território russo e
22 atingindo a capital francesa, a eterna fonte das luzes europeias. Junto com o exército
23 soviético, avançavam também as ideias revolucionárias, mesmo que, internamente, o
24 bloco já avançasse para a degeneração stalinista da experiência histórica fabulosa que a
25 havia construído. Assim, logo após a guerra, Mao Tsé Tung lideraria o povo
26 chinês no processo da Revolução Chinesa de 1949, evento histórico que se soma a
27 várias experiências revolucionárias de libertação nacional que varreriam a África na luta
28 contra os séculos de colonialismo praticado pelas potências europeias, agora frágeis
29 diante das perdas provocadas pela guerra. Desta forma, o espectro do comunismo mais
30 uma vez rondava a Europa, tal como Marx já havia anunciado em meados do século XIX.
12 Esse foi o pacto necessário para, durante três décadas de funcionamento da social
13 democracia, desarmar os trabalhadores, que trocavam os fuzis e a consciência
14 revolucionária por direitos sociais e trabalhistas, pela ideia vulgar de que era possível
15 viver bem sob a batuta do capitalismo. Ao final dos anos 70, os trabalhadores
16 encontravam-se completamente desarmados, sendo a queda da URSS o fato que apenas
17 consolidava uma trajetória político-ideológica anterior. Por isso, quando da emergência
18 da nova crise cíclica do capital na década de 70, os próprios países centrais avaliam que,
19 diante de uma classe trabalhadora comportada, havia chegado ao fim a experiência social
20 democrata e elegem Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos EUA
21 como os coveiros do antigo modelo e inaugurando a era chamada de “neoliberal”.
22 Nesse novo paradigma global não havia mais espaço para ditaduras na América
23 Latina, que, apesar de serem antinacionais, visavam desenvolver setores estratégicos
24 internos, como petróleo e siderurgia, para manter a estabilidade do regime político. A
25 abertura comercial ampla aos fluxos de capitais e de mercadorias foi o modelo adotado
26 pela reabertura política. Consolidou-se com isso um enorme processo de falências dos
27 capitais produtivos brasileiros de porte médio, principalmente nos setores têxteis,
28 metalomecânicos, calçadista e moveleiro, enfim, nos setores produtores de bens de
29 consumo da classe trabalhadora, que passavam a ser produzidos na China. Desse processo
30 de falência, que colocava em risco a propriedade privada de amplos setores burgueses da
31 sociedade brasileira, emana o Plano Real como pacto necessário entre as frações do
32 capital que operam no Brasil.
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9 O tripé, por sua vez, só se sustentou até recentemente, por outros dois
10 movimentos. Em primeiro lugar, um aprofundamento da exploração da força de trabalho
11 e da criação de riqueza através da reestruturação produtiva dos anos 80 e 90, por meio
12 da qual a incorporação de novas formas de organização do processo de trabalho, advindas
13 dos avanços tecnológicos dos anos 70, permitiram este clássico movimento de extensão
14 e intensificação da jornada de trabalho, além de um novo assalto ao fundo de salários da
15 classe trabalhadora através da hiperinflação. Em segundo lugar e articulado com o
16 primeiro movimento, a consolidação dos grandes monopólios produtivos domésticos,
17 concentrados basicamente no setor da agroindústria, da indústria automobilística, da
18 construção pesada, do latifúndio, da mineração e dos monopólios da comunicação. Mais
19 recentemente, podemos incorporar a esses monopólios a indústria da educação e da saúde
20 privadas. Nesse processo de concentração e centralização de capital em alguns poucos
21 setores, a exigência de um grande volume de recursos para realizar a reestruturação
22 produtiva através da importação de capital fixo, por sua vez, foi garantida pelo próprio
23 sistema financeiro centralizado – hoje concentrado em apenas cinco grandes bancos e
24 com o BNDES ocupando exclusivamente o papel de emprestador de longo prazo – e pela
25 garantia última do Estado através do exponencial crescimento de sua dívida pública. Este
26 sistema financeiro, organizado pelos bancos, garante a propriedade cruzada entre todas
27 as frações do capital produtivo, com participação destacada para os fundos de pensão dos
28 trabalhadores, como Previ, Funcef e Petros.
29 Assim, a economia brasileira na última quadra histórica passou a ser composta por
30 estes poucos grandes setores monopolistas, todos articulados em torno da ampliação
31 permanente da taxa de exploração da força de trabalho, do saque do Estado através do
32 sistema da dívida pública e de outros mecanismos financeiros e dos fluxos de capital
33 globais e do funcionamento dos mercados externos, ou seja, uma atualização da posição
24
1 greves de Contagem e Osasco em 1968 não tivessem, de fato, existido. A história das
2 lutas operárias no Brasil parecia ter começado no ABC paulista e, mais tarde, mesmo essa
3 história seria aviltada ou defenestrada.
4 O PT não era, no entanto, um raio caído de céu azul. Tampouco o foram as greves
5 que lhe deram origem. Na primeira metade da década de setenta, o padrão de acumulação
6 capitalista que sustentara a ditadura militar dava flagrantes sinais de esgotamento e a
7 experiência bonapartista, embora ainda fosse capaz de cometer atrocidades, viu-se na
8 contingência de reformar-se. A crise mundial do capitalismo, que recebe por conta dos
9 conflitos do Oriente Médio o inadequado nome de “Crise do Petróleo”, pusera a nu tal
10 esgotamento e agravara de forma sensível as condições de vida da grande maioria da
11 população e, consequentemente, provocara um desgaste político da ditadura. Já em 1974,
12 com o aparato repressivo ainda a todo vapor, a ditadura sofre um indisfarçável revés
13 eleitoral na escolha dos representantes da Câmara Federal de 1/3 do Senado. Dois anos
14 mais tarde, as urnas mais uma vez demonstrariam a insatisfação popular com o governo
15 militar nas eleições municipais e, em 1978, temendo nova derrota nas eleições para
16 renovação da Câmara federal e de 2/3 do Senado, a ditadura cria a figura do senador
17 biônico, ou seja, 1/3 dos senadores seriam escolhidos diretamente pelo ditador de plantão.
13 Natural, portanto, que as greves do ABC paulista e, mais tarde, o PT, que se punha
14 como seu mais legítimo herdeiro, catalisassem essa insatisfação popular. A contagiante
15 energia que emanava das grandes assembleias da Vila Euclides punha em marcha a luta
16 de outras tantas categorias, dos cortadores de cana de Guariba (SP) ou Pernambuco, aos
17 bancários de todo Brasil, passando pelos trabalhadores da indústria do couro, das
18 siderúrgicas, professores e empresas estatais. Ainda que sem mais a presença dos
19 metalúrgicos, inaugura-se um período de greves por todo país que, de uma forma ou outra,
20 prossegue até o final da década seguinte.
22 A leitura parcial, meramente política, da tragédia soviética tomou a parte pelo todo
23 e atribuiu ao projeto socialista, no qual tudo estaria supostamente atrelado às estruturas
24 estatais, a emergência um Estado hipertrofiado, assegurando por este viés analítico o
25 vigoroso desempenho da dicotomia democracia (capitalismo) versus totalitarismo
26 (nazismo ou comunismo) identificando estas duas últimas formas em oposição ao ideário
27 político liberal. A derrota militar sofrida no Afeganistão no final da década de 70 foi o
28 último ato dessa tragédia, cujo pano cairia melancolicamente ao final da década seguinte.
29 As experiências russa, chinesa, cubana, coreana, analisadas à margem do entendimento
30 da impossibilidade do socialismo em um só país e, de forma ainda mais dramática, em
31 países subdesenvolvidos, corroboram a supervalorização do aspecto político de viés
32 liberal que privilegia a ideia de liberdade como expressão de uma liberdade individual
33 abstrata sempre em contraste com o Estado resultante do contrato entre estas
29
17 Nessa perspectiva, não importa que no seu interior muitas organizações marxistas
18 e valentes revolucionários deram a batalha por outorgar futuro distinto ao PT pois, a
19 historia demonstra, jamais conseguiram dobrar Lula e seu estrito apego à ordem burguesa.
20 Há, por certo, quem assegure que o PT nas suas origens era um partido de massas
21 de nítida orientação socialista ou anticapitalista. Mas, é possível que se diga, que nunca o
22 PT pronunciou-se claramente sobre qual seria o seu projeto socialista, qual o seu
23 entendimento sobre o que seria seu projeto socialista. Isso é válido, também, para as
24 correntes que o PT abriga, mesmo as mais radicais à esquerda. Socialismo, dentro do PT,
25 sempre foi uma palavra de ordem de expressivo conteúdo moralista, um dever ser social,
26 um desejo de uma dose maior de igualdade ou justiça social, dentro do qual cabia desde
27 a definição certa vez dada por Lula de que socialismo seria a empregada doméstica que
28 almoçava à mesa junto com os patrões como, também, os intermináveis debates que
29 promoviam suas frações a partir de experiências externas que, de imediato, pouco ou nada
30 informavam sobre a nossa realidade. A julgar pela discussão que norteou o partido desde
31 sua criação até, pelo menos, a primeira eleição presidencial após o fim da ditadura, o
32 socialismo era mais o mote para definir quais seriam os papéis a serem representados
31
12 Nesse compasso, não surpreende que o PT, no início de 1986, assimilasse sem
13 reservas o Plano Cruzado apresentado por Dilson Funaro, empresário da indústria
14 paulista, ocupando o cargo de ministro da Fazenda de José Sarney. Lançado em fevereiro
15 de 1986, o Plano portava a ambição de realizar o controle da inflação mediante o
16 congelamento de preços e salários. Duas referências entre os economistas que haviam
17 aderido à proposta petista – Maria da Conceição Tavares e Aloysio Mercadante – não
18 economizaram lágrimas e elogios ao plano que prometia finalmente atacar com firmeza
19 o eterno problema da inflação. Ficaram famosas as lágrimas emocionadas da primeira ao
20 comentar o Plano em um programa da TV Globo, assim como o vídeo que o segundo
21 gravou em um supermercado frente a uma pilha de pacotes de Maisena. A eles juntaram-
22 se diversas figuras representantes do grande capital nacional e outros, anônimos, que
23 ganharam alguma notoriedade ao fecharem diante de câmeras de televisão os mercados
24 que supostamente estavam a burlar o congelamento de preços previsto no Plano.
25 Tornaram-se os “fiscais do Sarney”, patéticas figuras subitamente alçadas a um
26 imaginário poder de controle sobre o movimento do capital, assegurado pelos bottons que
27 traziam ao peito identificando sua nova função na construção do Brasil novo.
1 compreender que o prazo de validade do referido plano estava dado pelo dia 15 de
2 novembro, quando se realizariam as eleições para escolha dos governador es dos
3 Estados, Senadores e deputados estaduais e federais. A mais do que provável derrota do
4 PMDB, partido do então presidente José Sarney, transmutou-se em uma esmagadora
5 vitória à exceção de um único estado da federação. O Plano Cruzado que iniciara o
6 “milagre de controlar a inflação” no dia 28 de fevereiro frustrou milhões de brasileiros ao
7 liberar os preços até então controlados precisamente dois dias após a abertura das urnas
8 que concedeu maioria na assembleia constituinte ao PMDB e ao governo Sarney.
9 Na oposição, a única voz que se levantara contra o Plano Cruzado fora a de Leonel
10 de Moura Brizola, então governador do Estado do Rio de Janeiro. Ao retornar do exílio,
11 Brizola buscou reconstruir o PTB, legenda da qual, por sua história, seria o legítimo
12 herdeiro. A Justiça Eleitoral da ditadura militar, já em estertores, decidiu entregar a
13 legenda reivindicada por Brizola para Ivete Vargas, que se apresentava como herdeira de
14 Getúlio Vargas, o criador do partido em questão. Era um golpe que se procurava dar em
15 Brizola, para muitos, o inimigo número um da ditadura. Ao ter o PTB definitivamente
16 perdido, Brizola imediatamente reúne seus correligionários e cria em 1980 o PDT, Partido
17 Democrático Trabalhista, e com ele vence a eleição para governador do Rio de janeiro
18 em 1982 depois de desarticular um esquema de fraude nas apurações com o qual se
19 objetivava dar a vitória a seu oponente.
13 No entanto, nada poderia ilustrar de maneira mais contunde o fosso criado entre a
14 esquerda nacionalista pré-64 e a “nova esquerda” representada pelo PT, do que a completa
15 incapacidade de Brizola em conquistar influência político e/ou eleitoral no coração
16 burguês do país. O combate operário contra a ditadura, por mais vigoroso que tenha sido,
17 não foi suficientemente forte para recuperar a tradição de luta dos trabalhadores anterior
18 a ditadura.
1 legítimo herdeiro daquela quadra histórica que o golpe de abril de 1964 interrompera.
2 Este inevitável recurso à história, sua principal arma na luta política pelo comando do
3 país que já se avizinhava, era também o flanco por onde seus inimigos, à direita e à
4 esquerda, procuravam atingi-lo, estabelecendo uma falsa dicotomia entre o que seriam o
5 velho e moderno, o caudilhismo autoritário e a modernidade democrática liberal.
16 Lula, além da sua trajetória como líder sindical de expressão nacional, que lhe
17 garantia o papel de catalisador de forças sociais dispersas, aventurara-se em duas
18 experiências político partidárias de duvidoso êxito: fora candidato, em 1982, ao governo
19 do estado de São Paulo, tendo sido ultrapassado pelo vencedor Franco Montoro, além de
20 Reynaldo de Barros e Jânio Quadros, terminando a corrida eleitoral em quarto lugar com
21 pouco mais de 10% dos votos. Em 1986, Lula não concorre ao governo do Estado,
22 passando a incumbência a Eduardo Suplicy, que obteve um desempenho um pouco
23 melhor, alcançando pouco mais de 11% dos votos. O PDT de Leonel Brizola não lança
24 nenhum candidato ao governo paulista e tampouco consegue preencher as duas
25 candidaturas para a renovação do Senado, revelando a decisiva fragilidade do partido do
26 estado que fizera a contrarrevolução de 1932 contra Getúlio Vargas.
1 Constituição Cidadã, ainda que boa parte de suas conquistas tivessem permanecido no
2 papel à espera de legislação complementar.
24 Nessas condições, com Lula demonstrando uma talvez sincera inapetência para as
25 contendas político-eleitorais e Brizola, apesar da derrota sofrida por Darcy Ribeiro no Rio
26 de Janeiro em 1986, parecendo reconstituir sua força política, acendia para a direita
27 brasileira o sinal amarelo de que os direitos ao menos no papel assegurados pela
28 Constituição de 1988, aliados à possível vitória de um candidato à esquerda como era
29 Brizola, poderia representar a abertura de um largo processo de mobilizações por
30 transformações mais profundas de consequências imprevisíveis. O temor era real: Brizola
31 aparecia liderando as pesquisas e a demanda popular por mudanças reais era imensa. Que
32 o velho político rio-grandense saberia usar e adensar tais demandas ninguém duvidava.
33 Mais que isso: embora nunca tivesse se apresentado como representante de um
37
1 reduziam-se cada vez mais à insignificância. Leonel Brizola foi o primeiro a perceber o
2 perigo que representava Collor de Melo. Chega a propor a sua própria renúncia em favor
3 de uma chapa conjunta que tivesse Covas como presidente e Lula como vice. O intento
4 foi frustrado. Ao fazer tal proposição é bem provável que escapasse ao velho caudilho o
5 fato de que os dois interlocutores tivessem com o candidato alagoano menos contradições
6 políticas do que com ele, Leonel Brizola.
1 corriqueira prática do mandado coletivo de busca, que permitia à polícia invadir todo e
2 qualquer barraco que julgasse suspeito foi abolida durante o comando de Cerqueira e isso
3 era traduzido nas páginas dos grandes jornais do país como incentivo e cumplicidade com
4 o crime. Comandante da Polícia Militar também no segundo governo de Leonel Brizola,
5 o Coronel Cerqueira acabou assassinado por um sargento da PM em circunstância até
6 hoje não esclarecidas.
1 Brizola. Embora disputassem a mesma faixa do eleitorado, eram projetos muito diferentes
2 em disputa. Lula abandonara, o que já nunca fora consistente na sua vida, o discurso de
3 classe. Falava aos pobres, aos oprimidos ou quando falava aos aos trabalhadores o fazia
4 de forma muito abstrata. Granjeava com isso importante apoio da igreja progressista e se
5 mostrava confiável à igreja conservadora. Ao contrário de Brizola, a questão nacional era
6 completamente ausente no discurso de Lula. Mais que isso, o candidato do PT intuía no
7 nacionalismo de Brizola, na denúncia das perdas internacionais, os ecos do passado, um
8 passado que ele, assim como Collor de Melo, buscavam enterrar. O imediatismo político
9 é a tônica do debate. A empiria de Lula é o ódio à crítica político-social pautada na
10 história, que grassava, já àquele tempo, nos segmentos políticos postos mais à esquerda;
11 a empiria de Collor era a intuição de classe. No fundo, o carioca, que como filho de
12 senador passara boa parte da vida por Brasília, mas fazia sua carreira política no nordeste
13 falava a mesma língua que o nordestino retirante que construíra seu nome como líder
14 sindicalista em São Bernardo do Campo.
1 O confisco da poupança teria sido levado à equipe de governo que Collor formava no
2 início de 1990 por Antônio Kandir, economista que integrara a equipe de campanha de
3 Ulisses Guimarães e que, no segundo turno, aproximara-se da equipe de Lula. É provável
4 que a proposta já tivesse sido apresentada e bem recebida pelos dois candidatos que
5 viriam a ser derrotados, o que justificaria a intensidade dos ataques de Collor a Lula nos
6 debates que antecederam a eleição em segundo turno, acusando-o de estar planejando
7 confiscar a poupança. Em que pesem os reiterados desmentidos de Lula e assessores, é
8 bem possível que Collor possuísse informações que confirmassem que o tema estivesse
9 sobre a mesa da equipe petista. Após apresentar a Collor a proposta do confisco, Antônio
10 Kandir teria sido incorporado à equipe do presidente eleito.
7 Além do confisco da poupança, aposta alta que por certo desagradara boa parte da
8 população, Collor anunciou ataques a direitos trabalhistas no setor privado, como a
9 pretensão de estabelecer a livre negociação entre patrões e trabalhadores; no setor
10 público, efetivou medidas sobre o sistema bancário que causavam transtornos ao
11 cotidiano de quem precisava pagar suas contas, somados à repetição, pelo Plano Collor,
12 dos fracassos dos planos de estabilização anteriores, o que levou o governo à edição de
13 mais dois planos. Essas medidas foram aos poucos corroendo a popularidade daquele que
14 fora o escolhido pelo capital para conter o avanço eleitoral da esquerda. O Caçador de
15 Marajás, em pouco tempo, viraria caça, com seu governo colocado sob os holofotes dos
16 jornalistas que cobriam os mais variados casos de corrupção. Já no início de 1991, a
17 primeira-dama Roseane Collor é acusada de compras superfaturadas de cestas básicas
18 para a LBA (Legião Brasileira de Assistência). Depois, vieram as denúncias que
19 atingiram o ex-presidente da Central Geral dos Trabalhadores, Antônio Rogério Magri,
20 que ocupava a função de ministro do Trabalho e da Previdência Social. Magri, criador do
21 famoso neologismo “imexível” ao se referir aos salários dos trabalhadores, era acusado
22 de receber propina de 30 mil dólares em negociação que envolvia o FGTS.
1 denunciando com detalhes todo o esquema de corrupção que envolvia, além do primeiro
2 mandatário, o empresário Paulo César Farias, que fora o tesoureiro da campanha de
3 Collor, era evidente que a guerra estava declarada. A essa altura, PC Farias, como ficara
4 conhecido, já colecionava uma série de escândalos de corrupção, que foram denunciados
5 a conta gotas como forma de colocar Collor de Melo contra as cordas. Acuado, em rede
6 nacional, Collor faz um apelo desesperado a que o povo lhe desse uma manifestação de
7 confiança saindo às ruas vestido de verde e amarelo. Quase espontaneamente, milhares
8 de pessoas, no dia marcado, saíram às ruas vestindo preto. O resultado oposto ao que
9 Collor pretendia apontou a seus inimigos o caminho das ruas. A grande mídia passa a
10 incensar o movimento estudantil (a UNE, à época, era presidida por Lindbergh Farias),
11 dando ampla cobertura ao que viria a ser conhecido como o movimento dos caras-
12 pintadas, nome, por sinal, herdado de um movimento golpista militar argentino que
13 ocorrera dois anos antes.
14 Mais uma vez, sem temer o isolamento a que estaria submetido, foi Brizola, então
15 governador do Rio de janeiro pela segunda vez , o único a alertar que por trás daquela
16 cruzada moralista patrocinada pelos Civita e Marinho escondiam-se interesses contrários
17 à vontade do povo brasileiro. Convidado pelo programa Roda Viva, Brizola mais uma
18 vez alertou para o caráter golpista até à medula desses dois conglomerados das
19 comunicações. Sem se deixar pautar pela Globo ou pela Veja, não fez a defesa de Collor,
20 mas recusou-se terminantemente a embarcar no irracional entusiasmo que tomava conta
21 das ruas, mostrando que as denúncias e o processo de impeachment que se abria não
22 tinham por objetivo qualquer restauração de moralidade pública, mas apenas retirar do
23 poder um presidente que conduzia um processo de esbulho do patrimônio público, mas
24 não na velocidade nem na direção que interessava a seus detratores.
1 Congresso, renunciou a 29 de dezembro de 1992, sendo sucedidono mesmo dia por seu
2 vice, Itamar Franco.
3 Itamar já estava rompido com Collor há algum tempo. Figura histórica da política
4 mineira e nacional, Itamar começou sua carreira no PTB. Mas, foi no MDB, criado após
5 o golpe militar, que obteve suas principais vitórias eleitorais, primeiro para prefeito de
6 Juiz de Fora e, depois, para Senador pelo seu estado. Como parlamentar constituinte,
7 participou da maioria das comissões de caráter econômico e social nas quais defendeu a
8 reforma agrária, limites para pagamentos de juros e amortizações da dívida externa,
9 jornada semanal de 40 horas, entre outros temas. Mais tarde, ingressou no Partido Liberal
10 e, depois, no PRN de Fernando Collor. Tanto do partido quanto do presidente, Itamar já
11 se afastara no início de 1992 por discordar da política econômica em desenvolvimento.
12 No seu discurso de posse, faz um pequeno inventário para denunciar que “nos quase três
13 anos em que se proclamou a falsa modernidade como programa de Governo, o resultado
14 representou alguns passos atrás na economia do País”: o PIB decrescera 3,7% entre
15 dezembro de 1989 e dezembro de 1992 e a renda per capita declinara quase dez por cento.
16 Para o novo presidente, se a busca da modernidade e o combate à inflação poderiam ser
17 metas governamentais, isso não se faria com base em choques, em privatizações e
18 desnacionalização sem freios da economia, nem tampouco com uma política de juros altos
19 que mantinha o país refém de juros e amortizações da dívida pública. Itamar era um
20 legítimo herdeiro do desenvolvimentismo do pré-64. Punha lado a lado a defesa da
21 soberania nacional e o cumprimento dos compromissos com os credores internacionais,
22 denunciava o capitalismo predador, mas contava com o que considerava bom senso dos
23 empresários brasileiros para a construção de uma sociedade mais justa. A partir do que
24 seria uma mudança de orientação ética, daria continuidade, “sem açodamento e sem
25 interrupções” ao programa de privatizações para, por fim salientar que o Brasil nascera
26 com a vocação para o comércio exterior, que fora sua principal fonte de riqueza nos
27 últimos cem anos, embora feito à custa de graves distorções na renda e na riqueza.
28 Para além do folclore político que se fazia em torno de seu topete e de seu suposto
29 anacronismo, ao arcaísmo das posições que defendia, Itamar demonstrava habilidade na
30 condução de seu governo, sabendo das animosidades que provocava nos promotores da
31 derrubada de Fernando Collor e do perigo que representavam figuras como Antônio
32 Carlos Magalhães, eternos defensores daqueles grupos no interior do Congresso.
45
1 de maneira clara seus resultados estratégicos. De fato, para além de seu conhecido brado
2 sobre o “fim da era Vargas” a coesão burguesa que atualmente nos governa tem suas
3 raízes em seu governo e, na realidade, mais do que iniciar as políticas “neoliberais”, seu
4 governo plantou as bases para o aprofundamento da dependência e a consolidação do
5 Brasil na divisão internacional do trabalho como mero exportador de produtos agrícolas
6 e minerais. Nesta perspectiva, se pode observar como existem mais coincidências de
7 propósitos entre FHC e os sucessivos governos do PT do que eventuais descontinuidades
8 que supostamente marcariam diferenças de projetos entre eles. Mais cedo do que tarde a
9 configuração do sistema petucano revelaria sua inevitável força com gravíssimas
10 consequências.
1 elas a a continuidade da dança das cadeiras na presidência do Banco Central, por onde
2 haviam passado Pérsio Arida, Gustavo Loyola, Gustavo Barroso Franco (o criador da
3 famosa expressão “pacote de maldades”) onde passaria a ter assento então, Armínio
4 Fraga.
26 Mas não se limitou a este ato de rebeldia a ação de Itamar Franco. Ele também
27 colocou-se, literalmente, em posição de combate ao governo federal ao impedira
28 privatização da Cemig e de Furnas, fazendo uso da Polícia Militar,. Nos dois casos, Itamar
29 afirmou que o processo de privatização só se concluiria caso o governo federal fizesse
30 uso das forças armadas e realizasse uma intervenção federal no estado e conseguiu,
31 naquele momento, realizar o seu intento, com a reversão do processo de privatização da
32 Cemig, já em andamento e a associação de Furnas à Eletrobrás. Frise-se que, conforme
49
1 declararia oito anos depois, durante a campanha presidencial de 2006 em que apoiava o
2 peessedebista Geraldo Alckmin, Itamar considerava o ex-vice-governador Walfrido
3 Mares Guia como o político que mais se empenhara no processo de privatização da
4 Cemig. Nessa ocasião, o vice de Eduardo Azeredo já era Ministro do Turismo do primeiro
5 governo Lula.
31
51
18 Estes são os aspectos universais das crises capitalistas, seu conteúdo mais
19 profundo e sua potencialidade revolucionária de refundar um novo tipo de sociedade, não
20 mais baseado na propriedade privada dos meios de produção e na exploração dos
21 despossuídos. Concretamente, no entanto, essas crises eclodem de forma muito variada
22 de acordo com o período histórico em que acontecem e também, sobretudo, de acordo
23 com o espaço nacional onde incidem. Como as condições de vida da classe trabalhadora
24 são definidas objetivamente nos marcos nacionais (históricos, culturais, políticos e
25 legais), é nestes marcos que o capital transnacional tem de atuar para conquistar territórios
26 na guerra de classe. Assim, por mais que existam aparelhos militares e de ideologia que
27 atuam em nível global produzindo ideologia e guerras, basicamente sob o controle das
28 potências imperialistas, é em torno das diversas questões nacionais e dos atores políticos
29 nacionais que a guerra de classes se organiza. O teatro de guerra tem seus limites e
30 potencialidades assentados sobre a correlação de forças entre as classes, seus partidos, o
31 estágio da cultura nacional do povo, a forma específica do Estado e outras variáveis, todas
32 elas limitadas concretamente pelo território nacional.
53
3 O pacto estabelecido pelo Plano Real esteve longe de ter um longo período de
4 estabilidade até 2005. De início, durante os governos de FHC, enfrentou oposição
5 parlamentar, popular e sindical das organizações da classe trabalhadora brasileira, como
6 a CUT e, principalmente, o MST. Entretanto, ao estabilizar a inflação – estabelecendo a
7 paridade cambial, multiplicando o endividamento do estado nacional por meio da dívida
8 pública, potencializando a dependência tecnológica e a especialização produtiva
9 agroexportadora, além de ampliar a repressão contra as greves dos anos 90 –, FHC
10 conseguiu constituir um governo de controle da inflação, o que garantiu inclusive a sua
11 reeleição em 1998. A despeito de recorrer ao FMI por duas vezes – aumentando a dívida
12 externa com empréstimos internacionais – a coesão burguesa garantiu a estabilidade
13 política de seus governos.
25 Lula, desta forma, escreve a “Carta aos Brasileiros” no período final do processo
26 eleitoral, tranquilizando o capital monopolista que não teria comprometidos seus
27 contratos de assalto ao Estado via dívida pública. Assim que assume, escolhe Henrique
28 Meirelles como presidente do Banco Central e Antônio Pallocci como Ministro da
29 Fazenda. O primeiro mantém as maiores taxas de juros do mundo sob a desculpa de
30 controlar a inflação Já o segundo promove um severo ajuste sobre as contas públicas, com
31 a célebre frase repetida constantemente em seus pronunciamentos: “faremos o superávit
32 primário que for necessário para reduzir a relação dívida/PIB”. Assim, logo de início,
33 Lula deixava claro que seria um mero operador do padrão de reprodução do capital
55
1 local estruturado por FHC com o Plano Real, mantendo-se fiel à lei de
2 responsabilidade fiscal, à política de superávit primário e também ao
3 aprofundamento do processo de endividamento do estado nacional. O sistema
4 petucano de administração do rentismo se configurava, com identidade total nas políticas
5 estruturantes da relação entre Estado, classes sociais e imperialismo, a despeito de
6 qualquer diferença na política social.
7 O “sucesso” dos governos de Lula, no entanto, não tem qualquer relação com sua
8 bem sucedida tarefa de administrar o rentismo e consolidar o consórcio petucano. O
9 sistema rentista sempre foi frágil e, desde sua criação em 93 vive em permanente
10 instabilidade e incapacidade de dar respostas às demandas mais básicas do povo
11 brasileiro. Entretanto, a partir de 2003, com acentuação evidente depois de 2005, os
12 preços dos produtos básicos de exportação brasileiros, o cerne do novo padrão de
13 acumulação de especialização agroexportadora, verificariam uma das maiores altas de
14 sua história, dando sobrevida ao pacto de classe e a coesão burguesa. O mundo capitalista
15 voltava a crescer e o chão de fábrica chinês passava a demandar fortemente os insumos
16 produzidos no Brasil. Segundo dados da Funcex, o índice de preços dos produtos de
17 exportação que estavam estagnados desde 94, cresceu espantosos 162% entre 2003 e
18 2011, enquanto os preços dos produtos importados apenas 92,8%, ou seja, pouco mais da
19 metade. Assim, durante um largo período, foi possível ao governo Lula continuar
20 operando e multiplicando todos os mecanismos do sistema rentista e, mesmo assim,
21 conseguir uma estabilidade através de gigantescos superávits comerciais baseados
22 majoritariamente na exportação de soja, minério de ferro e petróleo bruto.
1 supostamente tudo sabia e a tudo previa. A ausência de conflitos passou a educar uma
2 geração inteira de “militantes” sem militância, meros burocratas de baixa capacidade
3 política que passaram a habitar as estruturas do movimento sindical, dos partidos e do
4 movimento estudantil. A razão de Estado comandava a práxis política e as supostas
5 lideranças atuavam no sentido de fragilizar drasticamente a capacidade de defesa da
6 classe trabalhadora para a radical guerra de classes que se avizinhava.
1 menos importante, o governo promoveu uma queda persistente da taxa Selic, que chegaria
2 à metade de 2012 ao menor patamar da sua história recente, 7,25%.
24 Não se pode esquecer que desde 2011 os preços dos produtos de exportação
25 passaram a despencar no mercado internacional. Segundo dados da Funcex, a queda dos
26 bens exportados foi de 35,8% entre 2011 e 2016, sendo especialmente vertiginosa a
27 diminuição do preço dos produtos agrominerais (72% no petróleo, 78% no minério de
28 ferro e 46% na soja). Assim, reduziu fortemente os ingressos de capitais trazidos pela
29 balança comercial e pelos investimentos estrangeiros diretos nos setores exportadores.
30 Desta maneira, toda a cadeia produtiva e de consumo brasileira começou a ser afetada,
31 com redução da margem de lucro operacional de amplos setores capitalistas instalados no
32 Brasil e início de diminuição do ritmo da acumulação de capital. A indústria de
33 transformação passa a operar em regime de reprodução simples (andando de lado) desde
60
1 2011 até 2014, despencando 15,6% a partir daí até os dias atuais. Já o setor de máquinas
2 e equipamentos, que já minguava desde os anos 90, caiu 23,1% no mesmo período, sem
3 perspectivas de retomada.
19
1 atualmente percentual superior aos 70%. Este crescimento explosivo do gasto financeiro,
2 por sua vez, promoveria déficits subsequentes nas contas públicas nacionais, fato
3 raríssimo dentro do sistema rentista que sempre se orgulhou da política de superávit
4 primário. A expansão do déficit foi impressionante: R$ 17,2 bilhões em 2014, R$ 111
5 bilhões em 2015 e R$ 155,7 bilhões em 2016!!! Em resumo, o sistema da dívida atrelado
6 à capacidade do Estado honrá-lo religiosamente estava em risco.
21 Por mais que as jornadas de junho de 2013 representase uma massa constituída
22 majoritariamente pelas camadas médias e pela juventude, que se moviam em torno da
23 insatisfação com a crise urbana, o clima de agitação tinha origem no mundo do trabalho
24 e apoio aberto ou tácito das massas operárias. Entretanto, a burocracia organizada em
25 torno do lulismo, buscando garantir a governabilidade e a conciliação de classes, na
26 tentativa de deslegitimar o movimento de massas, “jogaria no colo” da grande mídia
27 burguesa a direção do processo que se iniciava em 2013. Agora, como demonstram as
28 sucessivas declarações de Lula, principalmente após deixar a cadeia, as grandes
29 manifestações daquele ano são consideradas nada mais nada menos do que uma ação
30 orientada pelos... Estados Unidos! Lula – como todo o PT e seus apoiadores – segue
31 negando a natureza da crise do sistema petucano e do colapso produzido pela evolução
32 do Plano Real.
63
13
15 As saídas adotadas por Dilma para lidar com a crise do capitalismo dependente
16 estavam completamente exauridas já no final de 2015. A ideia de um ajuste recessivo
17 para recompor as condições para a acumulação de capital não tinha dado conta do
18 tamanho do colapso do sistema, fazendo aumentar drasticamente a pressão burguesa por
19 profundas mudanças estruturais. Todas as pautas da burguesia, que ou estavam
20 adormecidas em função das benesses trazidas pelo período de elevada renda da terra ou
21 tinham sido realizadas a conta gotas desde 1994, agora precisavam ser desatadas de forma
22 radical e definitiva. Temer articula o apoio da burguesia ao impeachment através do
23 documento “Uma Ponte para o Futuro”, um projeto totalmente orgânico aos interesses da
24 classe dominante na nova conjuntura do modo de produção capitalista desatada pela crise
25 de 2008. Aquele documento deixa claro os quatro pontos que comandariam seu governo:
26 1) adequação do custo da força de trabalho brasileira aos “padrões internacionais”; 2)
27 reformas do Estado para dar sustentabilidade à relação dívida/PIB; 3) ampliação do
28 processo de privatização e aprofundamento da perda de soberania nacional e; 4)
29 facilitação da expansão do latifúndio.
22 Era chegada a hora da campanha eleitoral de 2018. Antes disso, no entanto, Lula
23 seria preso após sua condenação em segunda instância em abril, poucos meses antes da
24 eleição. Mais uma vez, no ato político realizado no Sindicato dos Metalúrgicos de São
25 Bernardo do Campo que antecedeu sua prisão, Lula demonstraria sua fé inabalável em
26 torno da democracia e da justiça burguesas. Entregou-se sem nenhuma proposta de
27 enfrentamento à guerra de classes que já assolava o país. No cálculo da cúpula petista, a
28 prisão seria breve. Tal como repetiu várias vezes, todos seus assessores asseguravam que
29 mesmo preso ele poderia ser candidato e, em caso contrário, sairia da cadeia e figuraria
30 como principal cabo eleitoral de Fernando Haddad na campanha presidencial que se
31 aproximava. Afinal, nas contas alegres e irresponsáveis do ex presidente, o PT se elegeria
32 e voltaria nos braços do povo, sendo beneficiado, inclusive, pelo drástico ajuste
33 econômico de Temer, que na vulgata dos economistas do sistema petucano, era
66
6 O PT, que alimentava a narrativa de que o país havia passado por um golpe,
7 validou o processo eleitoral com a candidatura de Haddad, um notório liberal. Como
8 sempre, as campanhas petistas não são movidas por convicções políticas profundas, mas
9 apenas pelas conveniências do cretinismo parlamentar e pela sanha de administrar
10 novamente o pacto petucano. Entretanto, as placas tectônicas da sociedade brasileira já
11 haviam se movido pelas décadas de gestão do Plano Real e pela aceleração do tempo
12 histórico por conta da guerra de classes. O desgaste social depois de quatro anos de crise
13 econômica, altas taxas de desemprego e destruição de direitos sociais e trabalhistas, a
14 ausência completa de perspectiva de futuro para amplos setores da população e o desgaste
15 profundo do sistema petucano, exigiam a partir das contradições deste processo uma
16 candidatura anti-sistêmica que levaria o voto de milhões nas urnas: o proto-fascista Jair
17 Bolsonaro.
1 No entanto, não foi isso que prosperou. Pelo contrário, a escolha de Guilherme
2 Boulos como candidato aproximou o PSOL de Lula e do PT a tal ponto que o partido hoje
3 é conhecido por muita gente como o “puxadinho do PT”. Desde o trágico “boa noite,
4 presidente Lula” no primeiro debate televisivo até a insistência em não criticar o PT e
5 Lula nas questões centrais e, no limite, funcionar como linha acessória de Haddad na
6 camapanha eleitoral, condenou o PSOL a uma derrota política e eleitoral na campanha
7 presidencial. A renúncia ao protagonismo político não permitiu enraizamento política da
8 campanha e menos ainda o fortalecimento da imagem do partido como crítico de esquerda
9 ao petucanismo, razão pela qual a votação de Boulos foi pífia, com o pior resultado
10 histórico do PSOL em todas as suas campanhas presidenciais. De outro lado, Jair
11 Bolsonaro apresentou-se como a candidatura anti-sistema, acusando abertamente tanto
12 tucanos quanto petistas, com o bordão vencedor “vou mudar tudo que está aí”. A virória
13 do protofascista também consolidou-se sobre as bases da moral popular, denunciando a
14 corrupção dos governos anteriores e recuperando a ideia da família contra a degeneração
15 ideológica pós-moderna que tomou conta da esquerda brasileira nos últimos anos e que
16 hoje encontra-se em profunda crise terminal.
15 Enquanto isso, nas profundezas da vida real do povo, onde a democracia burguesa
16 é apenas uma ficção de mau gosto, a situação se degenera de forma acelerada. Não existe
17 perspectiva alguma de retomada do emprego e da renda sob as condições do ultra
18 liberalismo, ao contrário. Diante da capacidade ociosa na indústria que varia entre 30 e
19 40% e das novas regras trabalhistas, mesmo diante de qualquer aumento de demanda, esta
20 não será revertida em ampliação do emprego ou do investimento produtivo. A tendência
21 é contrária, o que teremos é a ampliação sobremaneira do subemprego em substituição ao
22 pouco que sobrou do antigo emprego formal, mais uma herança do processo de
23 industrialização brasileiro que vem sendo liquidado desde os anos 90. Isso atinge
24 especialmente as camadas da juventude brasileira, até mesmo aquelas formadas nas
25 universidades, que encontrarão basicamente este tipo de emprego quando ingressarem no
26 mercado de força de trabalho. De outro lado, as taxas estruturais de desemprego
27 permanecerão elevadíssimas, trazendo o desespero para amplas parcelas da população, já
28 que não encontram nem ao menos a mínima estrutura de atendimnto do Estado aos dramas
29 sociais. Por isso mesmo, o caminho mais provável dos próximos anos é o das explosões
30 sociais, como já vêm ocorrendo desde junho de 2013 e a despeito da vontade de Lula,
31 Ciro, Bolsonaro ou quaisquer outros administradores da ordem capitalista brasileira.
32 Desta forma, em uma conjuntura que caminha para a lógica das situações
33 extremas, cada vez com mais clareza as forças da Revolução e da Contrarrevolução
69
16
19 Este primeiro estrato foi justamente o que mais perdeu participação relativa na
20 massa proletária brasileira no período dos últimos 40 anos. A chamada reestruturação
21 produtiva dos anos 90, a introdução de máquinas e equipamentos, a automação e a
22 simplificação das tarefas destes trabalhadores e a massificação do ensino básico e médio,
23 fizeram baixar drasticamente seu peso relativo e o poder de barganha destes
24 trabalhadores. Se, entre os anos 30 e os anos 80, o forte crescimento da atividade
25 industrial brasileira exigia trabalhadores com alta especialização e os aglomerava em
26 fábricas altamente centralizadas, a natureza do processo mudou.
17 Aqui se encontra a massa sobre a qual atua com mais força a superexploração da
18 força de trabalho. A maioria recebendo menos de dois salários mínimos, morando em
19 bairros pobres e dependendo dos serviços públicos de saúde, educação, transporte,
20 assistência social, etc., para sobreviver com mínima decência. Com baixa capacidade de
21 organização política em seus locais de trabalho, encontram-se quase sempre vulneráveis,
22 tendo que aceitar completamente as condições de exploração. O contrato formal que
23 caracteriza sua relação de exploração pouco importa, alguns são prestadores de serviço,
24 funcionando como microempreendedores individuais (MEI), outros têm contrato de
25 trabalho com carteira assinada e outros tantos não contam com qualquer vínculo formal.
1 pela internet, pelo GPS, pelo sistema financeiro e pelo consumo mercantilizado, são
2 efetivamente parte do exército industrial de reserva, pressionando sistematicamente os
3 salários para baixo e servindo como massa disponível para os setores centrais da
4 acumulação de capital no momento de expansão do ciclo econômico. Uma totalidade
5 capitalista completamente desenvolvida e que não apresenta qualquer espaço para uma
6 narrativa cristã em torno dos “pobres excluídos”, são todos força de trabalho disponível
7 para exploração capitalista.
1 Por fim, o quinto estrato é composto pela camada média da sociedade brasileira,
2 profissionais liberais, pequenos burgueses e “aristocratas” do servidorismo público. Este
3 setor acaba sendo, juntamente com a base dos servidores públicos e de algumas categorias
4 do primeiro estrato, as de maior remuneração e estabilidade, de onde emergem a grande
5 parte dos quadros políticos que passam a administrar o Estado ou lutar contra ele, seja na
6 sua dimensão restrita ou ampliada, a chamada sociedade civil. São majoritariamente
7 formados pelas universidades públicas brasileiras e também, em menor medida por
8 algumas universidades privadas. Tem maior grau de formação, menores jornadas de
9 trabalho e mais disponibilidade de tempo para o exercício da política. Acaba sendo setor
10 decisivo, já que exerce elevado poder de influência sobre a sociedade em geral.
21 O processo é cíclico, mas tem clara direção histórica para a proletarização desde
22 os anos 80. Geração após geração, é possível notar o menor acesso dess es estratos à
23 propriedade, vivendo quase que exclusivamente de seus salários. Sendo o último ciclo de
24 expansão econômica – 2005 a 2014 – marcado por uma exponencial especulação em torno
25 da terra urbana e bloqueio total para aquisição de propriedade para a nova geração destes
26 estratos, a aceleração da proletarização foi visível, o que hoje coloca em profundo
27 desespero a juventude deste estrato que não consegue nem ao menos reproduzir as
28 condições de vida dos seus pais.
21 Por fim, é uma classe trabalhadora divorciada dos aparelhos sindicais tradicionais,
22 olhando com profunda desconfiança para uma burocracia sindical envelhecida, associada
23 com o cretinismo parlamentar e que enriqueceu e gozou de estabilidade nas últimas
24 décadas, ocupando as diretorias de sindicatos riquíssimos e de conselhos de administração
25 das grandes empresas e dos fundos de pensão. Além disso, foi educada sob a égide do
26 período democrático burguês, onde a política foi resumida ao voto e ao parlamento. Por
27 conta destes dois fatos, é uma classe trabalhadora que tem pouca ou nenhuma formação
28 política, porém, com o senso de verdade e justiça que emana da condição de vida do povo,
29 olha com desprezo para o sistema político tradicional por perceber a hipocrisia e injustiça
30 que dele emerge.
31 Esta classe trabalhadora emerge para a luta política após as greves que renasceram
32 em 2012 e através das manifestações de junho de 2013, grande momento de ruptura com
76
10 É com este povo que devemos construir uma aliança pela Revolução Brasileira.
11 Ele representa a larga maioria da população brasileira e está fortemente concentrado em
12 poucas cidades. Povo que não se encontra apenas no local de trabalho, mas em todos os
13 espaços de socialização, atravessados por uma profunda crise civilizatória promovida
14 pelo capital. A Revolução Brasileira não deve vacilar na adoção de um nacionalismo
15 revolucionário que articule a questão nacional com a conquista do poder e a
16 constituição de uma verdadeira democracia socialista.
17
18 2- CONJUNTURA INTERNACIONAL
19
20 2.1- O fim da ordem liberal como projeto do imperialismo
23 Logo após a Segunda Guerra, esta governança global se notabilizou pela garantia
24 de vultuosos ciclos de acumulação de capital tanto nos países desenvolvidos quanto nos
25 subdesenvolvidos, num processo que se convencionou chamar dos “30 gloriosos”.
26 Beneficiárias máximas do processo, as sociedades dos países imperialistas deparavam-se
27 com um conflito instaurado em seu interior: a experiência socialista soviética com
28 conquistas reais de direitos da classe trabalhadora, aliada à luta dos trabalhadores da
29 própria Europa Ocidental e dos países centrais como um todo, e combinados a um
30 contingente significativo da população armada logo após o Conflito, levou ao
31 estabelecimento de um pacto entre a burguesia e o proletariado, que se convencionou
32 chamar de Estado de Bem-Estar Social. Neste modelo, a garantia de acesso universal a
78
1 uma série de serviços, tais como educação, saúde, transporte, habitação, segurança,
2 previdência e assistência social era negociada entre o conjunto da classe trabalhadora
3 organizada (sindicatos) e os capitalistas, com mediação do Estado burguês.
4 A partir dos anos 70, ocorre uma crise cíclica neste processo de acumulação de
5 capital. Em resposta, as classes dominantes dos países centrais acionam quatro
6 mecanismos principais: em primeiro lugar, de forma sistêmica, passam a deslocar as
7 fábricas em direção às economias subdesenvolvidas, mantendo os centros de produção de
8 inovações tecnológicas sob seu controle e comando; segundo, estabelecem um processo
9 de liberalização financeira, permitindo maior fluxo de capitais entre os países a fim de
10 acelerar a rotatividade do capital, facilitar a captação da mais-valia dos países periféricos
11 industrializados e mitigar a queda das taxas de lucro; terceiro, realizam uma ofensiva
12 contra o Estado de Bem-Estar Social, retirando paulatinamente as conquistas que haviam
13 sido acumuladas pelo conjunto dos trabalhadores nos 30 anos anteriores1; por fim, para
14 garantir a máxima rentabilidade do capital nas periferias do sistema, organizam uma série
15 de golpes militares na América Latina e patrocinam regimes autoritários na África e na
16 Ásia.
17 Durante os anos 80 e 90, três dos quatro mecanismos adotados na década anterior
18 permanecem em pleno vigor, aperfeiçoando-se cada vez mais: antes deslocadas
19 majoritariamente em direção à América Latina, as fábricas dos países imperialistas agora
20 passam a encontrar rentabilidade extraordinária no Sudeste Asiático, notadamente na
21 China; as revoluções nos transportes e na tecnologia da informação e comunicação
22 potencializam de maneira exponencial a liberalização econômica, sobretudo na esfera
23 financeira, permitindo a multiplicação acelerada de grandes conglomerados
24 monopolistas, com altíssimos graus de concentração e centralização de capital; as
25 conquistas sociais de outrora da classe trabalhadora nos países imperialistas passam a ser
1
Este terceiro movimento é também resultado de 30 anos de progresso material que rendeu dividendos
à classe média assalariada e pequeno-proprietária europeia no pós Segunda Guerra Mundial. Deste
processo de acomodação social derivou profunda regressão teórica e política da classe trabalhadora
europeia. Triunfa, após o festejado Maio de 68, uma contrarrevolução burguesa, consubstanciada no
pensamento pós-moderno, retirando o horizonte revolucionário do conjunto dos partidos políticos,
sindicatos e movimentos populares da época, configurando-os como sujeitos autônomos desvinculados
de sua classe social. Não há nada mais fora do mundo do capital e a experiência soviética teria provado a
impraticabilidade do socialismo. Portanto, é preciso questionar, se revoltar, se rebelar contra os exageros
e as injustiças do capitalismo, mas abandonar qualquer perspectiva de luta por um novo modo de
produção e uma nova sociedade.
79
31 A crise internacional de 2008 devastou esta e várias outras ilusões, tanto nos países
32 de capitalismo avançado quanto nos dependentes. A destruição de milhões de empregos
80
15 Por conta disso, as populações mais pauperizadas do centro, neste fim da segunda
16 década do século XX, deparam-se com uma situação peculiar em que, pela primeira vez
17 desde a segunda guerra mundial, as novas gerações não conseguirão sequer repetir o
18 padrão de vida das gerações de seus pais e avós. Atendendo às demandas do processo de
19 acumulação capitalista, a deterioração da qualidade de vida da classe trabalhadora pelo
20 mundo encontrou nos países centrais uma tradução à extrema-direita, cuja expressão
21 máxima é a eleição de Donald Trump nos EUA em novembro de 2016.
1 forjada sobre o Sistema ONU é o que faz os Estados Unidos serem refratários à
2 governança global sobre o clima, por exemplo. Outra questão que ilustra este ponto é a
3 chamada guerra comercial entre China e Estados Unidos. A rigor, o sistema internacional
4 de Estados nacionais sempre foi comandado por guerras comerciais. A novidade do
5 cenário contemporâneo é a de que, esgotados os mecanismos da Organização Mundial do
6 Comércio para balizar as transações comerciais pelo globo, os Estados Unidos lançam
7 mão da estratégia primitiva de elevar tarifas, ao invés do sofisticado mecanismo de
8 barreiras não tarifárias, que orientava a liderança material dos EUA até então.
9 No restante dos países centrais, a Europa atual encontra-se espremida por uma
10 ofensiva estadunidense de um lado e sino-russa de outro. Desde o início deste século, a
11 União Europeia se mostrou incapaz de qualquer posição externa autônoma e tem se
12 comportado conforme a bússola do hegemonismo dos Estados Unidos. Apesar disto, o
13 bloco do velho continente ensaia discursos em busca de mais autonomia na seara
14 internacional. A nova Presidente da Comissão Europeia, a alemã Úrsula von der Leyen,
15 afirma em seus discursos querer posicionar a União Europeia como "potência mundial
16 autônoma entre os Estados Unidos e a China". O presidente francês, Emmanuel Macron,
17 diz que "podemos ser aliados inconseqüentes de um ou de outro ou decidir desempenhar
18 nosso próprio papel". Não obstante, se na França e na Alemanha existem gestos e projetos
19 para a autonomia internacional, a leste do continente e no Oriente Média há uma série de
20 Estados que obtêm influência explorando o fantasma do perigo russo, ou sentem-se muito
21 à vontade como vassalos de Washington para barganhar suas posições perante o concerto
22 de nações europeu.
2
O documento lançado pelo presidente francês está centrado em cinco pilares fundamentais: a) A criação
de uma Agência Europeia de Proteção das Democracias, visando proteger os processos eleitorais
nacionais contra os ciberataques e manipulações. Neste espírito de independência, também devemos
proibir o financiamento dos partidos políticos europeus por potências estrangeiras. b) Repensar o Espaço
Schengen (acordo europeu de livre-circulação de pessoas), mediante a criação de uma polícia de
fronteiras comum e um serviço europeu de asilo, sob a autoridade de um Conselho Europeu de Segurança
Interna; c) Um Tratado de Defesa e de Segurança para definir obrigações comuns, coordenar o aumento
das despesas militares e estabelecer uma cláusula de defesa mútua operacionalizada; d) Reforma da nossa
Política de Concorrência, a fim de repensar a política comercial europeia, visando punir ou proibir as
empresas que prejudicam interesses estratégicos e valores essenciais, tais como as normas ambientais, a
proteção dos dados e o justo pagamento do impostos. Além disso, assumir, nas indústrias estratégicas e
nos concursos públicos, uma preferência europeia, tal como o fazem os EUA e a China; e) Criação de um
Banco Europeu do Clima, para financiar a transição ecológica, além de uma força sanitária europeia para
reforçar o controle da circulação de alimentos, bem como o estabelecimento de uma avaliação científica
82
23 Para além da Europa continental, sua parte insular reserva a maior derrota ao
24 projeto supranacional. O Reino Unido, em geral, e a Inglaterra, em específico, nunca
25 foram grandes entusiastas de um projeto de unificação continental. Ainda que a Inglaterra
26 e a França tenham combatido lado a lado nas duas grandes guerras, a secular disputa pelo
27 comando da Europa entre esses dois países faz com que os anglo-saxões sempre tomem
28 com desconfiança o controle de suas diretrizes políticas internas. O Reino Unido, que
29 jamais aceitou dividir sua moeda com outras potências na Europa, entrou tardiamente na
independente das substâncias perigosas para o ambiente e a saúde, que esteja imune a lobbies de grandes
corporações. Disponível em:
https://www.elysee.fr/emmanuel-macron/2019/03/04/por-um-renascimento-europeu.pt
83
3 Nos anos 80, era o Partido Trabalhista inglês quem mais pautava o tema, que
4 estava relativamente adormecido até a segunda década dos anos 2000, quando em 2013,
5 o então primeiro-ministro David Cameron compromete-se a discutir formalmente o tema.
6 Colocado em votação em 2016, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia
7 foi aprovado pela maioria da população. No cenário de crise, a população do Reino Unido
8 decide pela saída da União Europeia, tomada como uma horda de burocratas incapazes
9 de lidar com os problemas reais da população do velho continente. Comandado
10 atualmente pelo Partido Conservador e sob o comando de Boris Johnson, o processo será
11 concluído e o Reino Unido redefinirá suas relações internacionais: poderá estabelecer
12 conexão ainda mais orgânica com a política estadunidense e buscará posição especial para
13 reconstituir seu poderio no sistema imperialista mundial.
14
7 Para fazer frente a este cenário, Putin planeja trabalhar em um novo programa de
8 rearmamento a partir de 2020, que deve prever a criação e entrega ao Exército de armas
9 com base em "novos princípios físicos"3.
10 Posição incerta nesta quadra ocupa a Índia, pois o país compra armas da Rússia e
11 tem disputas regionais com a China, podendo representar um papel de aliado estratégico
12 dos interesses dos Estados Unidos contra a China na região. A China, por seu turno, pela
13 primeira vez em 20 anos, registrará uma taxa de crescimento abaixo de 6% ao ano,
14 acendendo um sinal de alerta para todas as economias do planeta.
3
Segundo o presidente russo, a principal tarefa deste novo período consiste em "melhorar as
características quantitativas e qualitativas das armas e equipamentos militares".
4
O FED possui, atualmente, mais de USD 4,5 trilhões em ativos, o equivalente a quase ¼ do total do
Produto Interno Bruto do País.
85
8 O peso da economia dos Estados Unidos no PIB mundial, que era de 45% no final
9 da Segunda Guerra Mundial, passou a 25% na década de 1970, e agora é de 17%. Os
10 indicadores de desempenho econômico da indústria são críticos: o índice geral de
11 atividade industrial caiu para 47,8 em 2019, o nível mais baixo desde junho de 2009, que
12 foi o fundo do poço da crise internacional de 2008, quando o indicador ficou em 46,3.
5
Dados do Departamento de Comércio dos Estados Unidos
86
6
Dados do Departamento de Comércio dos Estados Unidos
87
3 Araújo é escolhido porque toca nos grandes temas nacionais e discute as grandes
4 questões: enquanto o petismo queria colocar o Brasil na condição de um global player
5 das instituições, o novo chanceler fala em transformar o Brasil de uma nação grande para
6 uma grande nação, dando de ombros para a ordem liberal. Ernesto Araújo se destaca
7 diante de Bolsonaro e seus ideólogos porque retoma a centralidade do debate acerca do
8 nacionalismo nas ciências sociais. A extrema-direita avança na exata medida em que a
9 esquerda não apresenta alternativas consistentes ao povo no cenário atual.
7
O Iraque, devastado por mais de uma década de intervenção estadunidense, tem sua população nas
ruas contra a corrupção, o desemprego e a decadência dos serviços públicos; o Líbano viveu a renúncia
do governo em 2019 e são muitas as manifestações contra o sistema político atual, até a escolha de um
novo governante; situação semelhante viveu a Argélia no início de 2019, quando o mandatário do País
deixou o poder após 20 anos; o Irã, além de pressionado pelos EUA a não se aproximar ainda mais de
Rússia e China, enfrenta mobilizações de massa contra o aumento dos combustíveis; no Congo, as
manifestações populares direcionam-se sobretudo às forças da ONU que ocupam o território; na Guiné
Bissau eclodem lutas contra o governo articuladas por forças da oposição; no Sudão a população sai às
ruas exigindo o fim de um governo militar e a transferência para civis; na Indonésia são milhões de pessoas
nas ruas protestando contra a reforma do código penal e a corrupção no País, de recorte conservador e
punitivista , além de movimentos separatistas da província de Papua. Na Índia, leis discriminatórias com
relação à concessão de cidadania no País também despertam manifestações de massa.
8
Fazem parte deste cenário de intervenção imperialista organizações como a National Endowment for
Democracy,o Instituto Nacional Democrático de Assuntos Internacionais, a Human Rights Watch, o
Instituto Internacional Republicano, a Freedom House, entre outras.
89
1 deve alimentar a esquerda de que Hong Kong se movimenta por razões humanas em
2 nome da liberdade e da democracia.
12
9
O acordo obriga os migrantes que atravessam o País em busca de asilo nos EUA a requerem-no ali, sem
possibilidade de fazê-lo nos Estados Unidos depois.
90
7 No Equador, a crise fez com que o presidente Lenin Moreno realizasse um acordo
8 com o Fundo Monetário Internacional. A contrapartida, exigida pelo Fundo, foi a de que
9 Moreno realizasse cortes de investimentos públicos e revogasse os subsídios aos
10 combustíveis que vigoravam há mais de 40 anos no país. Subserviente à agenda
11 implementada desde Washington, a revogação da medida feita por Lenin moreno levou a
12 um súbito aumento de mais de 100% nos preços dos hidrocarbonetos no país. O plano do
13 Fundo era desincentivar o consumo interno e favorecer a injeção de Petróleo no mercado
14 internacional, incrementando a oferta e visando reduzir os preços para as potências
15 imperialistas. Em reação, a população equatoriana saiu às ruas em protestos que foram
16 duramente reprimidos pelas forças policiais do País e o presidente decretou Estado de
17 Exceção, transferindo temporariamente a capital do país para o reduto conservador de
18 Guayaquil. O protagonismo das lutas populares no Equador ficou a cargo da
19 Confederação Nacional dos Indígenas do Equador, a CONAIE. Após sucessivos
20 protestos, a população equatoriana conseguiu reverter o aumento e a implementação da
21 agenda recessiva ao País. O grande diferencial da CONAIE foi a não capitulação sob
22 nenhuma circunstância com a tentativa de Rafael Correa, ex-presidente do país, de
23 aproveitar-se do momento de protesto popular e tentar faturar politicamente sobre o
24 desgaste de Moreno, seu ex vice-presidente. A firme posição da CONAIE em não se
25 deixar confundir com a tentativa oportunista de Rafael Correa fortaleceu o movimento
26 contra o aumento dos preços, fazendo com que o apreço popular acumulado radicalizasse
27 a luta e fizesse Lenin Moreno recuar de suas medidas.
24 O Chile atual é uma incógnita. Algumas lideranças sindicais, por fora do modelo
25 tradicional, procuram dar mais ares de radicalidade ao processo. As forças tradicionais do
26 liberalismo de esquerda, sobretudo no Partido Socialista de Michele Bachelet, não gozam
27 de qualquer apreço popular, pois tiveram seu prestígio consumido ao se revelarem meros
28 administradores da caótica ordem burguesa por dois mandatos presidenciais, sem
10
A primeira-dama do país, Cecília Morel, protagonizou duas frases emblemáticas em um áudio vazado
durante o período das manifestações chilenas que expressam a condição contemporânea do País: em
primeiro lugar, disse que se sentia como se um grupo de alienígenas tivesse invadido o país; na sequência,
afirmou: teremos que abrir mão de nossos privilégios. O próprio presidente Piñera traduziu muito bem o
cenário em pronunciamento à televisão: Estamos em guerra com um inimigo poderoso.
92
8 A derrota da Frente Ampla nas eleições do Uruguai revelou os limites das políticas
9 de coalizão de esquerda sem enfrentamento radical das bases que estruturam o
10 capitalismo dependente. Foram 15 anos acumulados de políticas de administração da
11 ordem burguesa, tendo como principais legados a regulamentação do uso da cannabis e a
12 legalização do aborto. São pautas progressistas, mas incapazes de transformar a
13 correlação de forças políticas em favor da classe trabalhadora. José Mujica nunca se
14 declarou favorável à liberalização das drogas e sempre sustentou que esta era uma medida
15 experimental para enfrentar a escalada dos indicadores de violência no Uruguai,
16 sobretudo nesta década. Também o custo de vida e os indicadores econômicos
17 depreciados aceleraram o descrédito sobre o modelo de governo da frente ampla no País,
18 fortemente ancorado em exportações de carnes e laticínios.
22 Esta também é a razão pela qual Andres Manuel Lopez Obrador, no México, não
23 poderá oferecer respostas satisfatórias a todas as urgentes demandas populares de seu
24 povo. Tentará fazer o seu melhor sem revogar a vigência do Acordo de Livre Comércio
25 com os Estados Unidos, sem o qual não há saída possível para a população mexicana. Sua
26 juventude e classe trabalhadora camponesa seguirá refém dos carteis de tráfico de drogas
27 que impõem uma lógica de terror sobre a população mexicana. AMLO esgotará sua
28 reputação diante da impossibilidade de se praticar uma política conciliatória no estágio
29 atual do capitalismo.
26 Toda esta segunda década dos anos 2000 foi de sucessivos ataques ao processo da
27 Revolução Bolivariana na Venezuela. Desde a morte de Hugo Chávez, sobretudo, o país
28 sofre os mais violentos ataques do imperialismo estadunidense. Particularmente o ano de
29 2019 foi o mais acintoso em termos de violência estrangeira contra a Venezuela, pois o
30 ano se iniciou diante da real iminência de um ataque militar ao território venezuelano no
31 sentido de depor o presidente Nicolás Maduro, colocando o processo político venezuelano
32 sob suspeita e buscando inviabilizar a seu novo mandato.
95
12 Como grandes legados, a Venezuela declara à América Latina que, mesmo sob
13 circunstancias dramáticas e com enorme sacríficio de seu povo, é possível resistir às
14 investidas do imperialismo. É inegável que a despeito das limitações mais do que
15 evidentes do governo de Maduro, desde a época em que o presidente Chávez comandava
16 a Revolução Bolivariana, as massas trabalhadoras jogam um papel protagonico sem o
17 qual qualquer regime político na América Latina teria sucumbido ao brutal bloqueio
18 promivido pelo imperialismo estadunidense.
14
16
11
Neste aspecto, as experiências de fortalecimento do Mercosul, criação da Unasul, constituição do
Conselho Sul Americano de Defesa e encerramento das negociações com a Alca, por exemplo, só
avançaram na medida em que não contrastaram estruturalmente com os interesses do capital
monopolista dos países centrais. O Mercosul fortalecido, na prática, significa o paraíso das negociações a
baixo custo das multinacionais automobilísticas; a Unasul definhou até seu desaparecimento, esvaziada
pelo próprio Brasil; as Forças Armadas mais aparelhadas, mas sem uma doutrina emancipadora atuavam
e atuam sob o condão de Washington, enquanto a Alca foi substituída pela estratégia dos BRICS. Esta
articulação, na prática, liquidou qualquer chance de avanço da integração latino-americana. A criação do
Banco do Sul, por exemplo, foi preterida em nome do Banco dos BRICS, que não garante a solidez das
moedas da região. Além disso, não há integração logística e de infraestrutura autônoma na região, não
se organizou uma política de comunicação independente - recorde-se que o Brasil, sob os governos
petistas, não quis reproduzir aqui o sinal da Telesur. Em detrimento de uma política externa voltada para
a superação de dependência e subdesenvolvimento, o multilateralismo da estratégia brasileira não teve
como saldo mais do que garantir a abertura de espaço para a entrada dos chineses na cobiça pelo
excedente produzido na região.
97
1 abandono das propostas que demonstraram sua ineficácia por meio da atuação dos
2 partidos de esquerda e/ou experiências socialistas que se apresentaram como
3 revolucionárias, no mínimo, desde o século passado. No momento atual, mais do que
4 nunca, é preciso tomar a radicalidade da revolução socialista como transição, sem
5 tergiversar com quaisquer modalidades de “revoluções populares”, “revoluções
6 democrático-burguesas”, “revoluções nacional-democráticas”, e assim por diante.
7 A pergunta a ser feita, em plena década de 20 do século XXI, continua sendo: qual
8 o caminho e o caráter da revolução brasileira?
3 Isso significaria dizer que nos encontramos diante de uma situação revolucionária
4 ou às vésperas de sua eclosão, na qual as condições para a instalação de um sistema e de
5 um governo socialista já estaria dado? Não. Mas significa constatar que não há mais lugar
6 no país para “governos democráticos”, atuando nos limites da ordem burguesa e de
7 regimes de democracia restringida. Portanto, a natureza da Revolução Brasileira é
8 socialista, isto é, um processo revolucionário que subverta as estruturas do país de forma
9 a reorganizá-la conforme as necessidades históricas da classe trabalhadora.
10 O domínio imperialista mundial não será resolvido dentro das bases da estrutura
11 burguesa capitalista da qual é a própria expressão, como afirma Lenin. Não basta,
12 portanto, atuar em movimentos anticapitalistas. A luta anti-imperialista também é
13 fundamental, mas – ainda assim – sem uma proposta de revolução socialista, fica
14 incompleta. Uma revolução não pode ficar no meio do caminho, produzindo apenas sua
15 própria caricatura: não cabem dúvidas, ou revolução socialista ou caricatura de revolução,
16 conforme advertiu Che Guevara. A história já demonstrou o drama das profundas reações
17 contrarrevolucionárias a que foram levados os países que não radicalizaram seus
18 processos.
20 Por incrível que possa parecer, apesar de seu esgotamento, em alguns setores da
21 esquerda liberal ainda habita um clamor pelo nacional-desenvolvimentismo, como se
22 pudesse existir uma fração industrial da burguesia “nacional” que já desistiu há muito
23 tempo de ser a protagonista de um processo de “industrialização autônoma” no país – se
24 é que um dia o quis. Portanto, a defesa do nacional-desenvolvimentismo significa
25 objetivamente aprofundar a dependência e perpetuar o subdesenvolvimento, tão ao gosto
26 do imperialismo. Desde a chamada “questão agrária” até às “tarefas democráticas”, há
27 uma série de problemas que a sociedade burguesa em decadência não tem como
28 solucionar na América Latina, e, consequentemente, no Brasil. Portanto, a rejeição total
29 da democracia como valor universal é imperativa para a retomada, com força de classe,
30 da estratégia da revolução brasileira.
1 Foi precisamente em função desse revisionismo, bastante forte nos anos 1980 que, no
2 Brasil, alimentou grande parte das ilusões do PT como também do PSDB, os dois
3 principais partidos da ordem que, finalmente, configuraram o sistema petucano que as
4 ultimas eleições canceleram para sempre. No caso do PT, “trabalhador vota em
5 trabalhador”, mas não faz revolução. Apenas “vota”.
18 Na sociedade capitalista – insistiu Lenin mais de uma vez – já não podemos falar
19 de povo genericamente. O povo se divide em classes, que se comportam conforme os
20 interesses sociais criados pela sociedade capitalista. Daí que não podemos escamotear sob
21 a alcunha de “popular” o que tem definição de classe, materialmente configurada, na
22 contraposição inalienável do capitalismo, que é capital versus trabalho.
1 ser revolucionária. Nas condições atuais, quando a crise do sistema político nacional
2 aliado a imensa crise econômica levam o conflito social para a lógica das situações
3 extremas, a luta por constituir governos deve, necessesariamente, supor uma estratégia de
4 tomada do poder político.
11
12 a) Autonomia da classe, vanguarda e papel do partido revolucionário:
16
28 A direita brasileira operou ainda nos marcos do sistema político atual o primeiro
29 nível de ruptura ao enterrar para sempre o sistema petucano mas, na mesma medida,
30 obstaculizou o proletariado de avançar nessa direção. Nesse contexto, para desencadear
31 o processo de efetiva ruptura, o proletariado e seus aliados teriam que enfrentar a coesão
106
1 burguesa que já não podia mais sustentar o sistema político atual, ainda que a revolução
2 socialista não esteja na ordem no dia.
17 Uma vez mais cabe enfatizar que a entrada do país no terreno concreto de uma
18 etapa revolucionária não implica em afirmar que a situação esta madura para que os
19 trabalhadores avancem de imediato para sua concretização mas alerta para o fato de que
20 a luta pelos governos requer desde já uma estratégia para a conquista do poder político.
21 Eis o terreno concreto da transição para o socialismo! É preciso que a esquerda reconheça
22 antes de apontar para as dificuldades inerentes a qualquer correlação de forças que no
23 Brasil – e também em larga medida em outros países latino-americanos – o retrocesso
24 intelectual e político é imenso quando comparado com o grau de consciência da esquerda
25 latino-americana observado na revolução boliviana de 1952, na Cubana de 1959, na
26 Nicaraguense de 1979 e, finalmente, na Revolução Democrática Bolivariana iniciada com
27 o golpe cívico-militar encabeçado por Hugo Chávez em 4 de fevereiro de 1992. A análise
28 desses processos evidencia, de uma maneira ou outra, a relação entre a conquista de
29 governos e seu estreito vinculo com a conquista do poder político e a transição ao
30 socialismo!
1 transição, razão pela qual qualquer governo que não conte com fracasso seguro diante da
2 consciência e tremendas demandas populares, terá que assumir um caráter socialista e
3 disputar a consciência das massas desde uma perspectiva revolucionária.
4 Até agora – com pequenas variações – esta decisiva reflexão foi obstaculizada a
5 partir de considerações conjunturais – especialmente vinculadas a tematização da
6 correlação de forças – e, portanto, mais revelam o raquitismo do diagnóstico da esquerda
7 do que lucidez para enfrentar a disputa política. A cada momento emergia contra a
8 necessidade da ruptura por parte da esquerda o argumento do “acumulo de forças”, das
9 chamadas “condições subjetivas”, do “ descolamento dos partidos de sua base”, do “poder
10 da direita brasileira” como meio de interditar a reflexão que já esta sendo exigida pela
11 crise que condena milhões de trabalhadores ao abismo social. Em cada disputa eleitoral
12 o debate sobre a revolução, a transição ao socialismo, a crítica ao sistema político, a
13 denuncia da corrupção moral e política do liberalismo de esquerda era adiado, deixando
14 o monopólio da crítica para a direita. Ainda hoje, há simulação de da “crítica” à
15 conciliação de classe do representado pelo petismo com o cínico resgate de “seus aspcetos
16 positivos” e a constante e fals alegação que o “anti petismo é uma arma da direita”.
1 das classes dominantes e com decisiva influência dos Estados Unidos. A violência atual
2 da guerra de classes é que nos mata hoje como trabalhadores. E, lembrando Franklin de
3 Oliveira, sanguinária não é a revolução, mas a reação. Sanguinária, violenta, é a
4 contrarrevolução, que não recua ante o emprego da violência e da selvageria para
5 restabelecer privilégios já de si odiosos. É sabido também que, chegada a necessidade
6 desse momento de enfrentamento, existirá um momento militar em que a força dos
7 trabalhadores e seus aliados terá que contar com apoio entre os militares. Embora aqui
8 não seja espaço para uma discussão aprofundada sobre esse processo, é preciso ter clareza
9 sobre sua necessidade futura, principalmente se consideramos que esta constitui um dos
10 meios pelo qual as massas solucionam seus conflitos históricos, como são tantos os
11 exemplos latino-americanos desde a Venezuela de 1992 até o Equador de 2001.
12 Antecipando-se a isso e levando-se em conta a extrema importância que as organizações
13 militares podem desempenhar num processo revolucionário – na qual inscrevemos os
14 militares nacionalistas e revolucionários que aos milhares existiam no período pré-64 –
15 torna-se elemento estratégico da revolução brasileira a construção anterior de uma
16 aproximação com as Forças Armadas e polícias, compreendendo-as como parte
17 integrante da classe trabalhadora.
1 la, apenas deixa em aberto os caminhos para a restauração do poder burguês. Trata-se,
2 nesse sentido, de superar a democracia burguesa vigente.
3 Este período de transição não pode ser desenhado aqui nos seus mínimos detalhes
4 sem incorrer em grande medida tanto em repetições canônicas quanto idealizações inúteis
5 que ignoram a originalidade das revoluções. Contudo, desde a derrubado de Jacob Arbenz
6 na Guatemala em 1954 quanto as lições emandas da Revolução Cubana de 1959 indicam
7 que não devemos ter qualquer consideração em relação ao sistema político corrupto que
8 sofremos e sua completa incapacidade de renovação nos marcos da ordem atual.
1 O governo de transição não representa uma solução social a longo prazo, seu
2 tempo de vida está limitado, de um modo natural: nenhuma classe operária pode governar
3 por muito tempo com base em uma estrutura social burguesa capitalista, ou seja, é
4 necessário acelerar a transição, dando o passo decisivo rumo a um governo com
5 hegemonia dos trabalhadores sob pena de ser vencido pela própria dinâmica econômica,
6 cedendo lugar à reestruturação burguesa e imperialista.
20
22 Uma das contribuições decisivas que o pré-1964 deixou foi a consciência de que a
23 tática e a estratégia da Revolução Brasileira passam necessariamente pela elaboração de
24 uma teoria do Brasil. Isto é, uma teoria que nos guie na compreensão da configuração
25 das classes sociais, do estado, da economia e da cultura num país da periferia capitalista
26 latino-americana com as especificades brasileiras. Afinal, a maneira como ocorre a
27 formação e a reprodução econômica e cultural de um povo é fundamental para apreender
28 suas dinâmicas particulares e reações mais prováveis a processos políticos. Faz-se crucial
29 esclarecer desde o início que a divisão entre “alta cultura” e “baixa cultura”, ou entre o
30 erudito e o popular, tal como a conhecemos hoje, é algo relativamente recente e de certa
31 maneira coincide com os processos nacionais de aburguesamento social. Grosso modo, o
32 regime de assalariamento estabelece um crescente espectro de renda, o que, por sua vez,
111
14 Uma teoria do Brasil implica, portanto, uma atenção teórica especial a todos os
15 elementos constitutivos do espaço nacional, sem negligenciar suas relações com o
16 mercado mundial. Tal imbricamento entre o nacional e o internacional já nos fornece
17 características fundamentais da estrutura de classes por aqui, a saber, se por um lado o
18 proletariado pode ser considerado externo, porque a mais-valia obtida da superexploração
19 local se realiza no mercado externo e é remetida primeiramente aos centros
20 metropolitanos do sistema para só então irrigar a economia brasileira com o que sobra
21 desse repasse, por outro lado, a burguesia que se constitui no Brasil pode ser vista
22 meramente como interna, uma vez que é uma classe dominante dominada e caudatária
23 em relação às burguesias estrangeiras centrais. Já no âmbito da formação cultural, o que
24 se observa é, historicamente, uma constituição mais sólida como que servisse de
25 compensação simbólica e psicológica para a miséria material que o subdesenvolvimento
26 e a dependência geram; isso significa que até muito recentemente, a cultura nacional foi
27 valorizada e vista como meio privilegiado de produção de uma coesão territorial. Porém,
28 já há algum tempo, a agudização do subdesenvolvimento e da dependência tem exercido
29 uma pressão sobre a arte e a cultura nacionais de tal forma que os enlatados importados
30 pela indústria cultural interna têm ganhado cada vez mais proeminência ao ponto de terem
31 comprometido a própria produção e circulação do erudito e do popular nacionais. Há de
32 se dizer, no entanto, que a intervenção na vida nacional por meio da indústria cultural não
33 é um fato que diz respeito apenas ao financiamento por parte de capitais estadunidenses,
112
1 que culminaram na fundação da Rede Globo em 1965. Desde pelo menos a chegada do
2 rádio no Brasil dos anos 1920 e da TV nos anos 1950 pode-se encontrar correias de
3 transmissão do imperialismo cultural que vão desde comportamentos, vestimenta, gostos
4 estéticas até hábitos alimentares, especialmente porque a implementação desses aparelhos
5 de telecomunicações de massa no território nacional não visavam o rompimento com a
6 dependência, o subdesenvolvimento ou tampouco apontavam para a libertação nacional
7 e a conquista de soberania por parte do proletariado brasileiro. Ao contrário, embora a
8 instalação dessas máquinas e equipamentos no Brasil, e não do Brasil, tenha sido
9 fundamental para a cristalização de uma unidade nacional mais abstrata - através de
10 símbolos, imagens, chavões etc. -, elas, seguindo o modelo de universidade consagrado
11 com a fundação da USP em 1934, jamais foram prioritariamente orientadas para auxiliar
12 na formação de uma consciência nacional em relação à urgência do país romper com a
13 posição subalterna na ordem internacional. Por fim, não se pode perder de vista que o
14 imperialismo cultural - cujas manifestações mais evidentes em um país como o Brasil são
15 as universidades e a indústria cultural, que vivem de importar ideologias dos centros
16 metropolitanos e exportar cérebros - parte do desenvolvimento científico e tecnológico
17 da manutenção da atual divisão internacional do trabalho.
28 Foi por ter isso em mente que Antonio Gramsci buscou trabalhar as noções de
29 nacional e popular, principalmente com o intuito de forjar uma hegemonia diante da
30 ofensiva fascista na Itália dos anos 1930. Colocado de modo mais simples, o marxista
31 italiano percebeu que, diferentemente do que acontecia nos países de objetivação pioneira
32 do capitalismo na Europa – a Inglaterra e a França –, na Itália não havia artistas e
33 intelectuais nacionais (que tivessem alcançado um nível de qualidade de modo que
113
22 No Brasil, escritores como Graciliano Ramos, Jorge Amado e Dias Gomes podem ser
23 enxergados como expoentes dessa tentativa, ora mais ora menos consciente, de se
24 construir um nacional-popular à brasileira. Graciliano Ramos encontrou na brutalidade
25 da situação das massas brasileiras a determinação da própria linguagem dos seus escritos,
26 desenvolvendo, desse modo, uma narrativa fortemente reduzida ao necessário e, muitas
27 vezes, até mesmo ao silêncio da desarticulação linguística que a miséria e a fome impõem
28 aos seres humanos. A eloquência do indivíduo embebecido por sua dita autonomia e
29 supostamente dono do seu próprio destino – forma objetiva do romance – no Brasil
30 cederia espaço à desagregação e ao instinto. Jorge Amado, por sua vez, encontrou esse
31 elo com o povo brasileiro de maneiras distintas, notadamente por via da incorporação da
32 informalidade da linguagem, da gíria e do olhar atento para o conhecimento popular
33 acumulado e compartilhado presente na esperteza para viabilizar a sobrevivência,
114
1 sobretudo no contexto urbano. Por fim, Dias Gomes teria se aproximado das camadas
2 populares brasileiras ao incorporar o exame da metafísica religiosa, a qual persiste como
3 elemento praticamente onipresente de norte a sul e de leste a oeste do país. Nos três casos
4 citados, houve igualmente uma aproximação prático-política, já que é notória a militância
5 comunista deles.
6 Já na passagem dos anos 1950 para os anos 1960, o nacional-popular como cultura
7 política alcançaria seu patamar mais radicalizado através da conjunção entre Partido
8 Comunista, movimentos populares (UNE), intelectuais engajados (sociólogos,
9 dramaturgos, etc.) e a linguagem teatral. A mais-valia vai acabar, seu Edgar (1960) com
10 texto de Oduvaldo Vianna Filho (ex-Arena), direção de Chico de Assis (ex-Arena),
11 colaboração de Carlos Estevam Martins (ISEB) e os estudantes do Centro Popular de
12 Cultura ligado à UNE é um bom exemplo de como ocorrera a transição da tematização
13 da situação dos pobres para a tentativa de esclarecimento militante a respeito de aspectos
14 da teoria marxista, notadamente o conceito de mais-valia absoluta. Deve-se mencionar
15 também que todo esse processo teve consequências valorosas para a elaboração estética,
16 já que Revolução na América do Sul (1960) de Augusto Boal conscientemente rompe
17 com os paradigmas formais do drama burguês - abandonando a reprodução da visão de
18 mundo burguesa sedimentada naquelas formas consolidadas de se fazer teatro - e avança
19 rumo a um teatro épico. Em outras palavras, o caldo de cultura que a importação do
20 nacional-popular proporcionou também se traduziu em uma união deveras profícua que
21 deu qualidade política à arte e qualidade artística à militância política. Entretanto, o salto
22 estava sobretudo na percepção de que não era mais suficiente devolver a marginalização
23 do proletariado brasileiro pela via da fruição estética, mas que era necessário explicar de
24 onde brotava e como funcionava aquela superexploração da força de trabalho,
25 instrumentalizando a própria linguagem artística para auxiliar no trabalho de agitação e
26 propaganda políticas. Nesse mesmo período, não por acaso, surgem os Cadernos do povo
27 brasileiro que articulam-se com movimentos populares, intelectuais, artistas e partidos
28 políticos. Por mais ambiciosas e bem-sucedidas que essas experiências tenham sido, o
29 impasse que se produziu foi a questão da agitprop sem a consequência organizativa que
30 ela pressupunha na sua circunstância de origem. Isso significa dizer que o espírito de
31 esclarecimento e de denúncia, que essas iniciativas ensejavam, dificilmente vinha
32 acompanhado de uma perspectiva de organização para a disputa efetiva do poder político
115
1 - por melhor que fossem, em maior ou menor medida, estavam dissociadas da formação
2 de um partido revolucionário que colocasse a questão do poder militar e político em pauta.
3 O programa nacional-popular, ainda assim, tinha e continua a ter uma série de virtudes
4 que devem ser resgatadas. Mencionemos, por exemplo, o fato do nacional-popular atingir
5 o peso desmedido que as discussões mais propriamente acadêmicas têm tido na
6 formulação da política partidária e dos movimentos populares nas últimas décadas. Ao
7 articular a questão da libertação nacional e uma teorização sobre a questão nacional, esse
8 programa tem o potencial inquestionável de atacar certo cosmopolitismo e universalismo
9 alienantes, os quais dinamitam as relações, que devem sempre ser estreitas, entre classe
10 trabalhadora e vanguarda.
13
30
31
117
1 Dilma e Temer chega, finalmente, em seu epílogo: o ultra liberalismo comandado por
2 Paulo Guedes e protagonizado pelo protofascista Bolsonaro. Portanto, antes que
3 evidenciar as diferenças devemos, em primeiro lugar, observar a continuidade das
4 questões centrais e, ademais, identificar com precisão, seu conteúdo de classe. Esta
5 questão decisiva tem sido convenientemente omitida pela interpretação do liberalismo de
6 esquerda que tão somente pretende evidenciar as “diferenças” entre os últimos governos
7 em questões secundárias, particularmente no que denominam generosamente, a “questão
8 social”.
9 Desde 2016 denunciamos a guerra de classes que Temer deflagrou contra o povo
10 brasileiro sem omitir que o chamado “ajuste” promovido pelo governo petista de Dilma
11 Rousseff iniciou o processo após o estelionato eleitoral que Rousseff cometeu ao nomear
12 Joaquim Levy para o ministério da fazenda no primeiro dia de seu segundo mandato.
13 Durante o período , anunciamos repetidas vezes que a guerra de classes seria declarada,
14 fosse pela via lenta (Dilma) ou pela via rápida (Aécio Neves). A badalada sabedoria
15 petista para conciliar interesses era incapaz de conter as determinações impostas pela luta
16 de classes e a ofensiva burguesa representada pelo programa rebaixado de Dilma durante
17 a campanha eleitoral. Embora apresentados como antídoto contra a crise do capitalismo
18 e as exigências próprias de sua fase rentística, as medidas agressivas do governo Dilma
19 contra o povo eram, de fato, produto das necessidades da coesão burguesa que o petismo
20 supunha-se capaz de dirigir eternamente.
8 A vitória de Bolsonaro nas ultimas eleições presidenciais revelou algo mais grave:
9 o colapso do sistema político e da democracia representativa, ambos severamente
10 ameaçados. No entanto, a vitória da direita poderia ter assinalado algo essencial que a
11 pré candidatura do Camarada Nildo Ouriques anunciava: as ultimas eleições requeriam
12 um candidato anti-sistêmico que o progressismo era incapaz de apresentar e a esquerda
13 se recusou a fazê-lo. O PT e seus aliados – mesmo a candidatura de Ciro Gomes – estavam
14 aos olhos de milhões vinculados ao que tinha de pior do sistema político dominante; e a
15 esquerda, especialmente o PSOL, apresentou uma candidatura que fez absolutamente
16 tudo para apresentar-se como um “puxadinho do PT”, para utilizar o jargão agora popular.
17 O fracasso do progressismo não seria, não obstante, tão completo quanto o da esquerda
18 representada pelo PSOL, afinal o PT saiu com poderosa bancada eleitoral, alguns
19 governadores eleitos e, especialmente, seguiu sendo a força eleitoral que se opunha ao
20 governo eleito; nessas condições o PT mantinha uma polaridade eleitoral contra
21 Bolsonaro que segue rendendo frutos para um partido da ordem que ainda simula defender
22 o povo.
1 Durante e ainda após as prévias que decidiram a candidatura do PSOL nas ultimas
2 eleições presidenciais, em 2018, anunciamos repetidas vezes que o terreno era fértil para
3 uma candidatura anti-sistê mica que obrigasse o partido a assumir a radicalidade da
4 conjuntura. Tal constatação deveria obrigar a esquerda na direção de uma ruptura radical
5 com o petismo, mas a hegemonia no interior do PSOL recusou esse caminho. Foi
6 precisamente esse “espaço” que Bolsonaro ocupou apresentando-se como única
7 candidatura anti-sistê mica nos marcos da disputa eleitoral e razão ú ltima pela qual
8 captou o voto de milhões de trabalhadores castigados tanto pela crise econômica iniciada
9 por Dilma quanto pelo repúdio à podridão das formas burguesas de representação
10 igualmente capturadas pela Lava Jato. O caráter anti-sistêmico da candidatura Bolsonaro
11 segue sendo marca dominante de seu governo, posto que o protofascista semanalmente
12 indica o congresso nacional, os tribunais, a mídia e a esquerda e o comunismo como
13 obstáculos intransponíveis para que seu governo possa atender à s demandas populares
14 crescentes em função do programa ultra liberal que pratica.
31 É fácil constatar tal limitação nos discursos do PT, especialmente de Lula. Este não
32 faz mais do que limitar a esquerda à luta por justiça social eliminando qualquer
33 horizonte socialista que a própria dinâmica da crise exige. Por esta razão, enquanto
122
11 O PSOL é uma frente política que nasceu em função da crise do petismo no governo.
12 Nasceu, portanto, como criação parlamentar, no contexto da hegemonia petista no
13 movimento de massas e as organizações políticas correspondentes. Nesse sentido, não é
14 fruto de uma crise orgânica de um regime de acumulação e menos ainda de uma grave
15 crise política nacional. Ao contrário, o PSOL nasce num período de estabilidade do
16 regime burguês e de profundo pacto que limitou a consciência de classe dos trabalhadores
17 de maneira grave e profunda. O petismo é, em perspectiva histórica, a despeito de sua
18 origem e das funções construtivas que eventualmente cumpriu nos anos iniciais, um
19 partido da ordem cujo destino foi decidido há muitos anos (provavelmente na disputa
20 presidencial de 1989, a última cujo programa expressou algu m vigor político). Na
21 medida em que a coesão burguesa emanada do Plano Real foi ganhando maior definição,
22 o PT não vacilou em afirmar-se com um partido exclusivamente dentro da ordem,
23 arquivando para sempre o combate contra as determinações burguesa. Nesse vácuo, ainda
24 não ocupado por outro partido político de esquerda, o PSOL ensaiou passos na direção
25 da ruptura sem jamais lograr força de massa. No limite, o PSOL oscila entre a promessa
26 de um partido socialista de massas e o limite de figurar como consciência crítica do
27 petismo em decadência. Na prática, o PSOL nasceu para superar o fracasso histórico do
28 petismo como tentativa de superar a dependência e o subdesenvolvimento nos limites da
29 ordem burguesa mas, gradual e de maneira convicta, afasta-se das reformas e do
30 protagonismo político que teria que encabeçar para alimentar o processo da r evolução
31 b rasileira ora em curso. O PSOL recusa sistematicamente essa condição e, portanto,
32 limita-se a marcar diferenças de caráter eleitoral que o impossibilitam de cumprir funções
123
1 revolucionárias na sociedade brasileira nessa imensa crise em curso. Por essa razão,
2 seguirá sendo uma frente eleitoral com alguma influência nos movimento populares, mas
3 sem capacidade de abrir as grandes alamedas por onde passará a Revolução Brasileira. A
4 propósito, nenhum partido reúne as condições para tal projeto! A criação de um partido
5 revolucionário não encontra nesse momento uma tradução em termos legais, mas tal
6 constatação não elimina – ao contrário, exige! – a constituição de uma vanguarda política
7 capaz de formular tanto a teoria da revolução brasileira quanto de forjar uma nova práxis
8 política junto aos trabalhadores.
9 Não temos dúvida de que, no contexto da aceleração da crise que sofremos, centenas
10 e centenas de militantes buscam uma alternativa militante e orientação/formação teórica
11 para enfrentar a turbulência diária. Não por acaso a RB cresceu de maneira rápida neste
12 curto período da vida nacional, reunindo militantes de larga experiência e sangue novo
13 de centenas de jovens militantes que não vacilam em enfrentar a conjuntura e as tarefas
14 imediatas da RB. A despeito do vigor de nosso crescimento, não podemos como corrente
15 figurar com mais força do que os partidos políticos de registro legal. A disputa das prévias
16 para escolha do candidato a presidente da republica pelo PSOL revelou-se um movimento
17 que a vida confirmou correto pois foi a partir do Manifesto pela Revolução Brasileira que
18 recuperamos a discussão estratégica sobre os rumos do socialismo no país e, lentamente,
19 estamos aglutinando muitos movimentos e organizações dispostos a aprofundar a linha
20 teórica e a renovação da práxis política na direção de sedimentar uma corrente capaz de
21 influenciar decisivamente no curso da crise, especialmente quando as circunstancias
22 políticas exigirem.
23 A afirmação do PSOL como um frente política indica que não temos como propósito
24 imediato – especialmente nas condições atuais – a disputa pela hegemonia do partido.
25 Nas condições atuais, a disputa interna como projeto prioritário consumiria forças de
26 maneira inútil ou nos confinaria na luta por protagonismo parlamentar, o terreno mais
27 fértil para o cretinismo parlamentar denunciado por Marx e Engels em 1848. Temos
28 clareza de que a defesa intransigente da RB garante a nosso esforço tal distinção que
29 ninguém até agora nos confundiu com a hegemonia dominante no interior do PSOL: ao
30 contrário, precisamente por nossa destacada atuação na defesa da Revolução Brasileira,
31 temos garantido audiência multiplicada dentro e fora do partido. Esta tendência
32 certamente se fortalecerá no período que se avizinha tanto no terreno eleitoral quanto na
124
1 disputa no interior dos enormes conflitos que se insinuam no próximo ano em função da
2 crise econômica.
1 – candidata a governadora – recebeu mais de 507.236 votos (2,51% dos votos válidos!!!).
2 Em São Bernardo do Campo obteve melhor votação com pífios 4.252 votos, superior a
3 Sorocaba com 3,425 nú mero pífio quando comparado com a grande ocupação dos
4 sem tetos!!! O número de votos destinados a Boulos é inferior ao número de sem tetos
5 existentes nas distintas ocupações no coração burguês do país. A “tese” segundo a qual o
6 PSOL teria como candidato “o dirigente do maior movimento social no país” fracassou
7 por completo e demonstra uma vez mais que a apologia dos acadêmicos uspianos e da
8 esquerda católica à s virtudes dos movimentos sociais como meio de alcançar o
9 poder não passa de uma farsa que paralisa o partido na disputa pelo poder político.
10 No entanto, se o resultado eleitoral foi pífio, pior ainda foi o desempenho político
11 da candidatura: no geral, Boulos não passou de pretensão de “mero espirito crítico do
12 petismo” e apêndice do ausente Lula (o inesquecível “boa noite presidente Lula” do
13 debate televisivo), bloqueando o espaço que poderia ter sido ocupado por uma
14 candidatura radical que atacasse tanto o petucanismo quanto as candidaturas de direita.
15 Aquela renúncia, cuja origem não é mais do que um meio de controle político do partido
16 pela corrente majoritária, cancelou oportunidade de ouro e, mesmo que em menor medida,
17 também contribuiu para que o monopólio da crítica ao petucanismo ficasse nas mãos da
18 direita.
31 Há algo que é de fácil percepção, pois desde que deixou a cadeia em Curitiba,
32 Lula segue aferrado à política que levou ao colapso econômico do país e segue
126
1 mantendo seus eleitores cativos de uma consciência ingênua que já era nociva nos anos
2 anteriores a crise de 2008/2009 e que, nas circunstâ ncias da guerra de classes,
3 converte-se num confortável colchão de segurança para a classe dominante. A
4 aproximação do PSOL com o PT – especialmente na campanha petista Lula Livre – e a
5 orientação para construir frentes eleitorais nas eleições municipais de 2020 contra o
6 “autoritarismo e o governo neoliberal” de Bolsonaro - liquida momentaneamente as
7 possibilidades de o PSOL cumprir funções críticas e segue deixando o monopólio da
8 crítica aos desastrosos governos do PT com a direita. Ademais, para as novas gerações,
9 milhões de jovens que sofrem com baixos salários e política social raquítica – mera
10 digestão moral da pobreza – o PT segue sendo em larga medida o principal representante
11 do sistema político corrupto que nos governa.
12 Neste contexto, se para nós, revolucionários, a redução da política à moral deve ser
13 sempre denunciada (a apologia à Lava Jato é o núcleo racional dessa política), tampouco
14 podemos permanecer calados diante de uma política sem moral praticada em larga escala
15 pelo petismo nos seus longos treze anos de governo. Há, sempre, na disputa política e
16 na guerra de classes, uma disputa pela moral que não podemos desprezar sob a pena de
17 graves prejuízos para a luta socialista da r evolução b rasileira. Ora, o PT operou
18 uma profunda cisão entre política e moral, com a pretensão de conduzir os assuntos de
19 governo com “eficácia” e “realismo político”. Este procedimento não foi casual nem
20 produto do azar; ao contrário, esta escolha é produto direto de sua longa e inexorável
21 conversão a partido da ordem destinado a dirigir a política de conciliação nos marcos
22 estritos da ordem burguesa. O colapso moral do partido e de suas principais lideranças
23 era tão inevitável quanto previsível e, nesse contexto, não faltaram alertas dentro e fora
24 do PT, que anunciavam o desastre inevitável. Portanto, o recurso ao moralismo – a
25 redução da política a moral operada pela direita – somente foi possível diante do assalto
26 ao estado promovido pela burguesia nos governos petistas. Até o mais ingênuo militante
27 sabe que a corrupção é inerente às relações ultra parasitárias da burguesia e suas frações
28 com o estado e, em ú ltima instancia, afetam diretamente os governos que operam as
29 funções de estado.
1 mobilização popular que lhe custaria a liderança caso ativasse as massas no sentido de
2 pressionar por mudanças reais. A destituição de Dilma foi operação fácil para a coesão
3 burguesa posto que a burguesia tinha perdido o medo do petismo e sabia de sua
4 incapacidade de convocar a mobilização popular. A primeira demonstração dessa renú
5 ncia ocorreu nas jornadas de junho quando Dilma poderia ter colocado o protesto popular
6 contra os acordos de cúpula e preferiu precisamente o contrário: fortalecê -lo por meio
7 de um pacto cujo primeiro ponto era precisamente a manutenção da “responsabilidade
8 fiscal”. Aquela extraordinária explosão social iniciada pelo Movimento Passe Livre de
9 SP foi, diante de tal renú ncia, capturada facilmente pela direita e especialmente
10 pela Rede Globo, o principal partido da coesão burguesa.
19
1 cedeu espaço para a visão parlamentar de política também no interior das comunidades.
2 No entanto, até mesmo as eleições são controladas pelas milícias ou o narcotráfico, que
3 não vacilam em assassinar candidaturas que não participam de seus negócios e suas
4 alianças. O “espaço democrático” nas comunidades se reduz agudamente. Nesse
5 contexto, como bradar como solução para a esquerda a “volta às bases”? Pela mesma
6 razão, o discurso da esquerda e do progressismo somente pode tocar parcelas minoritárias
7 da população favelada em sua maioria cativa da trama dos negócios do crime e da
8 evangelização do povo.
17
25 O ultra liberalismo econômico praticado pelo governo tem como objetivo estratégico a
26 drástica redução dos salários, aprofundando a super-exploração da força de trabalho que
27 já é constitutiva do desenvolvimento capitalista dependente. O desemprego crônico, o fim
28 da legislação trabalhista, a desnacionalização da economia já são objetivos conquistados
29 pelo governo em poucos meses. Nesse terreno, o governo Bolsonaro conquistou todas as
30 vitórias possíveis com amplo apoio parlamentar, nos tribunais superiores e igual força no
31 sistema midiático. Não há dúvidas de que sem a rebeldia e o protesto popular Bolsonaro
32 seguirá colhendo vitórias nos próximos meses. Agora, avançará com força redobrada
130
16 Não podemos desprezar o fato de que Bolsonaro organiza seu próprio partido e
17 poderá contar com forças milicianas com as quais já possui estreita colaboração.
18 Tampouco é irrelevante que tenha conquistado a fidelidade de altos oficiais das três armas
19 com a reforma da previdência, ao outorgar salários vultosos para a alta oficialidade,
20 marginalizando a tropa. Ademais, no C ongresso N acional, tramitam projetos de lei
21 destinados à nova configuração jurídica para controle e repressão que não tê m sido
22 objeto de atenção das bancadas de esquerda e progressistas. O PL 2418/2019 (legaliza
23 monitoramento de aplicativos e troca instantânea de mensagens), o PL 1595/2019
24 (estabelece forças anti- terroristas), o PL 443/2019 ( transforma crimes comuns,
25 militância política e ato pú blico/ocupação em ato terrorista), PL 3389/2019 (obriga
26 vinculação de CPF a cada conta em rede social, acabando com o anonimato em rede) e o
27 DL 10.046/2019 (permite o cruzamento de banco de dados contendo biografia, biometria
28 e até dados genéticos), o PL 473/2017 (supostamente soluciona o problema da
29 desinformação – as conhecidas fake news, fortalecendo a concentração de poder e o
30 punitivismo). A lei anti terrorista apresentada e aprovada durante o governo petista de
31 Dilma Rousseff faz parte desse arsenal de que a burguesia poderá dispor para enfrentar a
32 turbulência social que se avizinha, na medida em que não haverá resposta para questões
131
12 É nesse contexto que o espaço político para a criação da referê ncias críticas na
13 sociedade segue sem ser ocupado pelo PSOL, que se limita, na prática, a ser uma espécie
14 de “espírito crítico” da miserável política do liberalismo de esquerda praticado pelo PT.
15 A hegemonia no interior do PSOL cujos os métodos não asseguram, como em
16 outros tempos, vida serena para ninguém. A atuação numa lógica das situações extremas
17 faz com que as deliberações do DN do PSOL geralmente tenham, no máximo, algumas
18 semanas de vigência. A política de alianças esboçada para as eleições de 2020 carregam
19 consigo imenso prejuízo político e eleitoral, a despeito de eventuais vitórias em algumas
20 cidades ou capitais consideradas “estratégicas”. A exigência feita por Lula de
21 futuras alianças é clara: há que defender o legado petista!!! Em termos claros: a
22 hegemonia no terreno do liberalismo de esquerda deve ser do PT! Eis a razão pela qual
23 Ciro Gomes descolou radicalmente de Lula e do PT. No entanto, Ciro e o PDT não
24 conseguiram ainda afirmar um campo próprio, mas já acumulam força para eventual
25 acordo mais adiante, que de nenhuma maneira pode ser descartado. A dócil submissão do
26 PSOL à hegemonia petista é realmente a prova de que o apetite eleitoral dominante
27 em alguns parlamentares é produto de males mais profundos. Nesse contexto, a despeito
28 de resoluções distintas nas reuniões do DN, a verdade é que caminham na mesma
29 direção, sem intenção de romper com a posição que reserva ao PSOL o colapso do espírito
30 crítico do liberalismo de esquerda.
26
12 Essa conjuntura segue operando com mais força a cada dia em toda a América
13 Latina e revela o colapso dos sistemas políticos que são de fato incapazes de representar
14 o protesto popular contra governos de distintas orientações que não obstante praticam o
15 mesmo programa de reformas ultra liberais. A proletarização da pequena burguesia, a
16 crescente monopolização e estrangeirização da economia, o empobrecimento das classes
17 médias, o crônico desemprego e a intensificação da superexploração da força de trabalho
18 criam as bases para a elevação do protesto social. A grande questão segue sendo quem
19 poderá dirigi-lo. Nas condições atuais, como revelam todos os países da América
20 Latina, nenhum partido tem capacidade de fazê-lo e a direita no Brasil tem melhores
21 condições de colocar a crise a serviço de seu projeto de redefinição do regime político do
22 que a esquerda liberal. Ninguém pode ingenuamente supor que a mera declaração de que
23 os “tempos de conciliação de classe” já foram superados e devemos criticar “os erros do
24 PT” sem praticar o “anti-petismo” garantirão um espaço de esquerda no país com
25 suficiente autoridade para enfrentar a ascensão da direita. Ninguém mais pode ignorar
26 que o PT e Lula aparecem para milhões de brasileiros como expressão da podridão do
27 sistema político e que tal fenômeno não pode ser superado no curto prazo e nem mesmo
28 com o aprofundamento da miséria de nosso povo.
29 Na disputa política atual o recurso à moral tem sido grave limitação para o avanço
30 da consciência crítica e alimento para a consolidação da consciência ingênua. O
31 moralismo do liberalismo de esquerda – que recusa a revolução brasileira em nome da
32 luta pela justiça social – pretende amealhar legitimação no discurso católico segundo o
33 qual durante os governos petistas “30 milhões de brasileiros chegaram à classe média
135
21 Há, no ativismo político atual, grave descolamento dos partidos políticos da agenda
22 concreta que afeta a vida do povo. Não se trata de afirmar apenas a crítica ao cretinismo
23 parlamentar, mas de observar que a luta das causas implica efetivo descolamento das
24 questões que afetam o povo concretamente para exibir questões que não são capazes de
25 mobilizar o povo para uma luta frontal contra a dominação burguesa, razão pela qual
26 magnatas das altas finanças e organizações dos Estados Unidos apo iam
27 desinibidamente candidatos em toda a Amé rica Latina. Como expressão dessa luta
28 das causas, a elegia ao favelado que observamos no mundo partidário brasileiro, sem
29 aná lise concreta do conflito de classes que orienta a guerra de classes decretada pela
30 burguesia contra o povo, alimenta o liberalismo de esquerda, nutrindo ilusões sobre a
31 solução dos problemas do povo dentro da ordem burguesa.
136
1 Da mesma forma, o brado para “voltar as bases”, que também motiva amplos setores
2 petistas e alimenta consciência ingênua dominante no liberalismo de esquerda – inclusive
3 o PSOL, obviamente – ignora algo essencial: as profundas mudanças no regime das
4 classes sociais produzidas sobre as transformações do capitalismo contemporâneo e
5 aquelas produzidas pela administração petucana do Plano Real. A análise das classes
6 sociais que anunciamos na primeira parte dessa tese indica claramente que ocorreu uma
7 profunda transformação no capitalismo dependente no Brasil, pois país com maior
8 desenvolvimento capitalista relativo na America Latina sofreu acelerado processo de
9 aprofundamento da dependência. Dependência que o liberalismo de esquerda
10 denomina “desindustrialização”, captando apenas a aparência do fenômeno. Na prá
11 tica, a coesão burguesa que verificamos no apoio a Bolsonaro é precisamente expressão
12 do enfraquecimento da fração da burguesia industrial que outrora tanta controvérsia
13 causou na esquerda. Na atualidade, não resta dú vida que o orgulho burguês da fração
14 industrial hoje não passa de uma reminiscência histórica incapaz de liderar ou sequer
15 sugerir um “projeto de nação”. Em conseqüência, não é possível explicar o avanço do
16 narcotráfico, a incidência cada vez maior das igrejas evangélicas na política, a
17 corrupção e a violência dos órgãos policiais, sem fazer referê ncia à quela nova
18 configuração econômica produzida pela administração petucana do Plano Real, embora
19 os dados a esse respeito sejam proposital e cinicamente apresentados de modo eloquente
20 e laudatório.
21
22 5- MOVIMENTO SINDICAL
23
24 5.1- Guerra de classes e organização dos trabalhadores: as greves no Brasil
25 O Brasil viveu um poderoso ciclo grevista entre 2012 e 2018 que ainda não se
26 encerrou. O auge deste processo foi a grande greve geral de abril de 2017 e a marcha
27 sobre Brasília em junho do mesmo ano. Os trabalhadores romperam com o imobilismo
28 das décadas anteriores e colocaram em xeque todas as velhas estruturas políticas que os
29 paralisavam. Os partidos da ordem do sistema petucano foram rejeitados. As direções
30 sindicais burocratizadas foram ultrapassadas. De um lado, a massa proletária, a velha
31 toupeira, emerge ao centro da cena política, de outro, a democracia parlamentar liberal,
32 com suas fraseologias vulgares típicas dos salões da burguesia, entra em ocaso acelerado.
137
1 A liquidação das velhas ilusões com a democracia burguesa, com suas instituições, seus
2 partidos e seus sindicatos da ordem é o produto mais genuíno desse processo.
3 Depois de longos 15 anos (1997-2011) de reduzido número de greves, a
4 conjuntura mudou de maneira acentuada a partir de 2012. Não apenas voltamos aos
5 patamares do último ciclo de expansão grevista (1979-1996), mas ultrapassamos o auge
6 do período anterior (1.962 greves em 1989) durante longos quatro anos consecutivos
7 (2.057, 2.085, 1.964 e 2.114 greves em 2013, 2014, 2015 e 2016, respectivamente).
8 O liberalismo de esquerda se apressou em caracterizar o período como expressão
9 de uma onda conservadora, vivenciamos nos últimos seis anos o significado profundo da
10 centralidade do trabalho na sociedade capitalista e o poder operário de parar a produção.
11 Não apenas greves do funcionalismo público, mas também um grande crescimento das
12 greves na esfera privada e nas empresas estatais. Em resumo, a classe trabalhadora
13 emergiu de um longo período de pouca atividade política e passou a se movimentar
14 largamente nos últimos anos, gravando na própria experiência o processo de desalienação
15 trazido pela participação nos movimentos paredistas.
Número de greves
Brasil, 1983 a 2018
2500
2000
1500
1000
500
12
PINTO, Álvaro Vieira. Por que os ricos não fazem greve?
13
LENIN, Vladimir Ilich. Sobre as greves. Disponível em
https://www.marxists.org/portugues/lenin/1899/mes/greves.htm.
14
LUXEMBURGO, Rosa. Greve de massas, partido e sindicatos.
15
Uma época revolucionária não necessariamente pressupõe que estejamos em meio a um momento
revolucionário, onde a conquista do poder transforma-se em uma questão técnica. Pelo contrário,
momentos contrarrevolucionários podem atravessar essa conjuntura de greves de massas, onde os
trabalhadores, destituídos de um partido revolucionário como vanguarda, podem inclusive apoiar saídas
reacionárias.
139
16
Vide a expansão gigantesca dos fundos de previdência complementar privados (Funcef, Previ, Petros,
etc.), as reformas da previdência contra o funcionalismo público tocadas tanto por FHC quanto por Lula e
a manutenção intocável da austeridade contra o serviço público para fazer frente aos encargos da dívida
pública.
141
1 persiste em crescer desde os anos 90. Por outro lado, ficou inacessível a compra da casa
2 própria e esta, quando de fato adquirida, localizava-se em regiões distantes dos locais de
3 trabalho. Assim, o custo financeiro da aquisição passava a ser um peso enorme no
4 orçamento doméstico, ou seja, uma forma do sistema financeiro apropriar-se de parcela
5 ainda maior do fundo de salário dos trabalhadores – o que aconteceu no consumo de bens
6 duráveis (automóveis) e semiduráveis (geladeiras, máquinas de lavar, etc.).
7 Também o desenvolvimento do sistema da dívida pública, com seu
8 estrangulamento estrutural sobre as finanças do Estado brasileiro, promoveu a sistemática
9 reestruturação das condições de trabalho do funcionalismo público e a perda continuada
10 de direitos sociais por parte dos trabalhadores. Em geral, desde os anos 90 a classe sofre
11 a deterioração da proteção e regulação trabalhista, das condições previdenciárias, da
12 saúde, educação e segurança públicas, etc. Tanto tucanos quanto petistas foram
13 extremamente disciplinados na administração intocável da Lei de Responsabilidade
14 Fiscal e da Desvinculação das Receitas da União - DRU, as regras de ouro que
15 impuseram a austeridade permanente contra o povo.
16 Por fim, a centralização de recursos financeiros permitiu a setores chave da
17 acumulação de capital (indústria automobilística, setor bancário, cadeias integradas de
18 produção agrícola centralizadas nas agroindústrias, indústria têxtil, setor petroleiro, etc.)
19 a promoção de larga reestruturação produtiva nos anos 1990 até 2000. Estes setores
20 importaram tecnologia de ponta do mercado mundial visando à ampliação do grau de
21 exploração da força de trabalho empregada por meio do maior controle e intensidade da
22 jornada de trabalho, da expansão da terceirização e da rotatividade da força de trabalho.
23 Desta forma, não apenas se reconfigurou o modelo de acumulação de capital
24 dependente brasileiro, mas também transformaram-se profundamente as relações
25 materiais que criam e recriam a própria classe trabalhadora. Isto aparece claramente na
26 comparação das condições de reprodução entre as gerações dos trabalhadores. Enquanto
27 o que configurava um “trabalhador padrão” (metalúrgico, bancário, trabalhador rural,
28 servidor público, etc.) até os anos 80 era sua relativa estabilidade, garantida pela maior
29 permanência no emprego e pela capacidade de transformar renda salarial em imóveis,
30 veículos e até mesmo uma pequena poupança, os novos trabalhadores produzidos pelo
31 sistema petucano inserem-se atualmente no mercado de trabalho sob a égide da completa
32 instabilidade, permanecendo pouquíssimo tempo nos empregos e sem qualquer
33 possibilidade de adquirir propriedade dos meios de consumo duráveis. Nos termos de
34 Marx, o processo de reprodução capitalista não produz apenas valor e mais-valia, mas
142
1 dá início à preparação para a guerra de classes que viveríamos a partir de 2015, com o
2 ajuste fiscal de Dilma.
3 Portanto, a preparação da guerra de classes aberta começa em 2012, quando as
4 greves começam a crscer. Metade delas de caráter ofensivo (basicamente por reajustes
5 salariais acima da inflação) e a outra metade já de caráter defensivo (contra
6 descumprimento de direitos ou pela manutenção de condições de trabalho). Com o
7 desenrolar dos anos, ampliaram-se as greves defensivas e diminuíram as greves ofensivas,
8 em movimento contrário ao verificado no ciclo grevista dos 80/90.
9 Anunciava-se assim que a guerra de classes era inexorável. O capital avançava
10 sobre as condições de remuneração e trabalho da classe trabalhadora para ampliar a taxa
11 de exploração e recompor as taxas de lucro. A esta dinâmica soma-se a chamada “crise
12 do setor externo”, particularmente aguda porque a partir de 2014 a indústria
13 automobilística entra em crise de superprodução de capital, com sua faceta mais visível
14 nos pátios abarrotados das montadoras de veículos não vendidos. Alguns anos de arrocho
15 sobre a classe trabalhadora e de estrangulamento da renda da terra que impulsionara o
16 sistema de crédito, foram suficientes para transformar a ideologia do país de classe média
17 consumidora na realidade das famílias fortemente endividadas e sem capacidade de
18 pagamento e nova expansão do consumo.
19 O primeiro evento decorrente dessa nova conjuntura de greve de massas foi
20 justamente o forte protesto popular de junho de 2013. A crise já em curso encontrava a
21 nova juventude brasileira sem propriedade e sem perspectiva de futuro. Filhos da classe
22 trabalhadora tradicional dos anos 80, dos pequenos empresários que quebraram na
23 abertura comercial dos anos 90 e dos profissionais liberais que já não encontravam as
24 mesmas oportunidades de antigamente, a juventude proletarizada, em meio a um processo
25 histórico de profunda decadência material, sai às ruas contra as condições deploráveis de
26 vida nas cidades, tendo o Movimento Passe Livre como catalisador desta insatisfação
27 latente. Apresentava-se, aos olhos de todos, o novo radicalismo político que emergia das
28 entranhas da crise capitalista, das novas condições de vida da classe trabalhadora e da
29 completa exaustão do sistema petucano de gestão do capitalismo dependente brasileiro.
30 A insistência de Lula e o PT em negar a legitimidade popular das chamadas jornadas de
31 junho deve-se exclusivamente ao fato de que não podem reconhecer a natureza específica
32 da crise que ajudaram a criar!
33 Ademais, Dilma e o petismo fizeram mais uma vez a opção pela classe dominante
34 naquela crise. A juventude estava nas ruas, contando com a adesão passiva da classe
144
17
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/09/1678317-dilma-deu-r-458-bilhoes-em-
desoneracoes.shtml.
145
1 Dilma durante o período eleitoral de que não faria o ajuste – por meio de medidas
2 provisórias, a presidente retirou direitos da classe trabalhadora ao rever as regras para o
3 abono indenizatório e o seguro desemprego. Além disso, também já estava sendo
4 desenhada a reforma da previdência e um novo ciclo de privatizações, apresentado na
5 bancada do Jornal Nacional pelo ministro Levy com o belo nome de “plano de
6 concessões”. Findava-se definitivamente qualquer resquício de união entre a classe
7 trabalhadora e os governos petistas.
8 O ajuste de Dilma foi, essencialmente, uma forma de elevar a taxa de desemprego
9 no Brasil. A reclamação recorrente dos setores empresariais era justamente esta: o
10 desemprego em torno dos 5% dificultava o processo de redução do valor da força de
11 trabalho que o capital tentava colocar em prática desde 2012. Os ajustes dos capitalistas
12 na tentativa de rebaixar salários provocaram greves em profusão, já que o desemprego
13 estrutural não debilitava a classe trabalhadora. Assim sendo, a política adotada por Dilma
14 foi uma forma de ampliar o exército industrial de reserva no país, posto que,
15 historicamente, sempre foi a principal arma dos capitalistas para enfrentar o movimento
16 grevista.
17 Em paralelo também foram adotadas mudanças legais nas formas de contratação
18 da força de trabalho, flexibilizando os contratos de trabalho tradicionais celetistas e
19 fortalecendo a ideologia do empreendedorismo e do empoderamento individuais. Isso era
20 fundamental, já que o país verificou, justamente nesse período, a invasão das plataformas
21 de exploração de força de trabalho em massa por meio de aplicativos de celular, a famosa
22 “uberização”. Também com as gigantescas fusões entre multinacionais, um conjunto de
23 demissões foi realizado nos cargos intermediários – basicamente de gestão e controle –,
24 implementando as novas tecnologias de exploração remota da força de trabalho. Com
25 isso, o capital montou o cenário completo da guerra de classes: ajuste fiscal e
26 aumento do desemprego; importação de tecnologia de ponta desenvolvida
27 anteriormente no centro capitalista e aumento das taxas de exploração da força de
28 trabalho; e ataque aos direitos trabalhistas e sociais.
29 Entretanto, a classe trabalhadora já vivia quatro anos de movimento grevista e não
30 estava disposta a aceitar passivamente as novas condições implementadas pelo governo
31 do PT. Dilma viu a si mesma sem nenhum apoio popular pois o PT se limitou a justificar
32 o estelionato eleitoral enquanto a Lava Jato rapidamente se colocou como direção moral
33 das massas revoltadas com a guerra de classes. A presidente perdeu rapidamente qualquer
34 capacidade de implementar as medidas de ajuste que anunciou, tornando-se um governo
146
18
https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2017/04/29/internas_economia,866028/greve-
provocou-rombo-de-r-5-bi-no-comercio-brasileiro-diz-fecomercio.shtml.
148
19
http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2017/05/1880384-reforma-da-previdencia-e-
rejeitada-por-71-dos-brasileiros.shtml.
149
1 as candidaturas petistas nas eleições municipais do final de 2016 (as cidades onde o
2 petismo foi mais rechaçado foram justamente aquelas de maior presença operária).
3 O ímpeto da sociedade já não era mais afeito a mudanças bruscas de rota no
4 sentido da conciliação de classes e da defesa do sistema democrático burguês. Era, de
5 fato, uma posição em busca de uma ruptura e não de reconstituição da velha forma de
6 governo, que já havia sido testada e reprovada na dura prova da História. O sentimento
7 generalizado era “contra tudo e contra todos”, contra o sistema político em sua totalidade,
8 contra petistas e tucanos, os representantes do governo nos 25 anos anteriores. Para uma
9 geração inteira da classe trabalhadora, que cresceu e se acostumou a sentir na pele a
10 persistente deterioração das condições de vida, resultado direto da própria administração
11 do sistema petucano, a tentativa de reconstituir um de seus polos como horizonte político
12 é justamente jogar água fria na ascensão das mobilizações populares.
13 Por outro lado, como estratégia complementar a mudança da pauta, as maiores
14 centrais trataram de postergar a nova data de mobilização nacional. Nova greve geral seria
15 proposta apenas para o tardio dia 30 de junho de 2017. A data, no entanto, foi apenas
16 formal. Na prática as grandes centrais trataram de não movimentar suas bases e seus
17 recursos como haviam feito desde o início do ano. As direções mostraram seus
18 verdadeiros interesses e seus limites históricos: a ausência de perspectiva revolucionária
19 e a adequação à ordem democrática burguesa. Assim chegava melancolicamente ao fim,
20 por insuficiência política das direções do movimento sindical, o maior processo de
21 agitação grevista dos últimos anos.
22 A energia acumulada desde o início do ano, ao não mudar de forma e adquirir
23 conteúdo efetivamente revolucionário, tratou de se dissipar nas massas. A partir de então,
24 um sentimento de profunda frustração comandou o segundo semestre de 2017. Nas
25 massas trabalhadoras venceu a ideia de que nada poderia ser mudado, impondo um
26 momentâneo clima de desmobilização. As direções do movimento sindical, por sua vez,
27 trataram de criar as condições para seu próprio fim. Ao desmobilizarem a luta política
28 dos trabalhadores abriram o flanco necessário para a classe dominante retomar a ofensiva.
29 As mobilizações realizadas durante todo o primeiro semestre de 2017 paralisaram
30 o governo Temer mediante o protagonismo dos trabalhadores que ganhavam as ruas e
31 colocavam em xeque a reforma da previdência; no entanto, assim que as centrais puxaram
32 o freio na mobilização o governo tratou de reconstituir a ofensiva em outro front de
33 batalha. Aprovou, sem qualquer resistência, a reforma trabalhista em julho de 2017, que
34 passou a vigorar na sequência, logo em novembro. Entre um conjunto brutal de leis
150
1 profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar sem ilusões a sua posição
2 social e as suas relações com outros homens.”20
3 É nesse sentido que as burocracias sindicais, arraigadas às formas passadas de
4 condução da atividade política, desmoronaram diante da intensificação da guerra de
5 classes. A crise sindical não é produto da mera “atuação da direita ou do golpe”, como se
6 fosse um deus ex machina que surge ao final do terceiro ato para explicar esotericamente
7 as origens da falência de uma estrutura sindical completamente conformada à ordem
8 burguesa. A crise é fruto da história das lutas sindicais no país, de seu ressurgimento
9 original no final da década de 70, do limite de sua direção petista e cutista e de sua
10 sistemática decadência a partir dos anos 90.
11 Esta crise que veio à tona na ofensiva da classe dominante e na impotência das
12 direções sindicais lhe fazerem frente não é de agora. Ocorre que, desde o final dos anos
13 80, vigora uma trajetória política dentro da principal central sindical brasileira, a CUT,
14 que tratou de eliminar todos os elementos revolucionários de sua fundação. A central,
15 comandada pela sua direção vinculada ao projeto lulista, adequou-se à ordem democrática
16 burguesa brasileira. De movimento e organização de ruptura com o sistema no final dos
17 anos 70 e início dos anos 80 (período de sua fundação), passou a consolidar-se como
18 instituição operacional dentro da razão de Estado, como parte do sistema petucano.
19 O final dos anos 70 e o início dos anos 80 foram de emergência do protagonismo
20 operário. A velha toupeira, que estava nas profundezas da sociedade brasileira após a
21 violenta repressão às greves de 1968, ressurgiu dez anos depois. As greves dos
22 metalúrgicos do ABC paulista do final dos anos 70, o vitorioso movimento de oposição
23 bancária (MOB) nos anos 80, a criação do sindicalismo do setor público após o fim da
24 ditadura, a organização dos trabalhadores rurais em torno da CONTAG e do MST e outras
25 significativas vitórias políticas da classe trabalhadora contra o capital foram as fontes
26 vitais da criação do PT (1980) e da CUT (1983).
27 Aquela explosão política revolucionária que emergia da crise mundial do capital
28 dos anos 70, que colocou em xeque a ditadura militar e tencionou pelo seu fim, tratou de
29 ser canalizada para a criação dos poderosos instrumentos organizativos da classe: o
30 partido e a central sindical. Novos dirigentes sindicais sem experiência de luta anterior,
31 católicos radicais inspirados pela teologia da libertação, intelectuais que voltavam do
20
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista.
152
1 estendendo-se até 2014. A natureza deste emprego, no entanto, não era de caráter
2 industrial nos moldes dos empregos dos anos 80. Esses setores já haviam passado pela
3 reestruturação produtiva, necessitando de menos trabalhadores em seus processos de
4 produção. Preponderou o emprego terceirizado no setor de serviços, o que, em uma
5 estrutura de financiamento baseada no imposto sindical recolhido sobre um dia do salário
6 de cada trabalhador, iria enriquecer brutalmente os sindicatos que representavam estas
7 categorias. Sindicatos que, majoritariamente, são meros cartórios de registro, com
8 práticas de domínio da estrutura sindical que em alguns casos assemelham-se ao
9 “gangsterismo”, sem qualquer tipo de trabalho de mobilização e politização das
10 categorias.
11 Estava criada assim a hegemonia completa do neopeleguismo, já que estes
12 sindicatos, federações e confederações, com seu enorme poder financeiro e de liberação
13 de dirigentes, passava a ser central na estratégia parlamentar, diminuindo a expressão
14 política e isolando os poucos sindicatos que mantiveram uma posição combativa mesmo
15 diante do governo de Lula e Dilma. Por fim, em 2008, através da lei nº 11.648/2018
16 promulgada por Lula, as centrais sindicais, que até então nunca haviam tido acesso ao
17 imposto sindical, também passavam a receber este recurso. Sem projeto político de
18 ruptura com a ordem capitalista, o dinheiro passava a ser utilizado única e exclusivamente
19 para ampliar os quadros burocráticos, multiplicar o número de centrais sindicais e dar boa
20 vida aos ditos dirigentes. Esta estrutura, apodrecida por anos de estratégia social liberal
21 inspirada na decadência da social democracia dos países centrais, trataria de se mostrar
22 completamente podre apenas no momento de ressurgimento da velha toupeira.
23 Dessa forma, as greves de massas a partir de 2013 e o seu apogeu em 2017 tiveram
24 como principal produto a superação histórica destas burocracias sindicais por parte dos
25 trabalhadores. Os aparelhos já não controlam as massas proletárias e várias greves foram
26 tocadas pelas bases, muitas vezes contra as direções sindicais21. Diante desta
27 incapacidade histórica de operarem como conciliadores, como o “algodão entre os
28 cristais”, não restou qualquer dúvida ao Estado burguês: era hora de dar fim ao próprio
29 imposto sindical que sustentava uma casta impotente para enfrentar os novos tempos.
30
31
21
Dois exemplos claros disso são a greve dos garis do Rio de janeiro em 2013 e a greve dos caminhoneiros
de 2018.
155
22
Dados do IBGE.
156
23
Para análise mais profunda da greve dos caminhoneiros de 2018, a Coordenação Nacional da
Revolução Brasileira escreveu texto no momento dos acontecimentos. Disponível em:
https://revolucaobrasileira.org/25/05/2018/nota-do-programa-da-revolucao-brasileira-sobre-a-greve-
dos-caminhoneiros/.
158
1 encontraria em Jair Bolsonaro sua superação. Um sujeito tosco e, exatamente por isso,
2 mais preparado para conduzir a guerra de classes do que os acadêmicos tucanos de alta
3 plumagem.
4 De outro lado, a esquerda ainda não encontrou a sua expressão de radicalismo. A
5 crença nas ilusões do petismo permanece como um impeditivo para esse necessário
6 avanço. Enquanto força organizada, a esquerda liberal tem perdido aceleradamente o
7 apoio dos sindicatos oficiais. A queda de receita verificada nas centrais sindicais oscilou
8 e encontra-se em mais de 90%, uma drástica redução do principal pilar de sustentação do
9 poderio da burocracia sindical: a disponibilidade de recursos e de militantes liberados
10 para a política.
11 Por isso mesmo, durante o ano de 2019, várias centrais sindicais (como a UGT, a
12 Força e até mesmo a CUT) fizeram reuniões de aproximação com o governo de
13 Bolsonaro, sendo que do conteúdo destas reuniões muito pouco foi divulgado. A
14 burocracia sindical, defrontando-se com o fato de que não tem vigor e disposição para o
15 tamanho da luta exigida em meio à guerra de classes, busca desesperadamente reeditar
16 um passado negocial que não existe mais. O mesmo ocorre diante dos processos de
17 radicalização das campanhas salariais, em que parte expressiva dos sindicatos insiste em
18 buscar o diálogo com a classe dominante e desmobilizar os enfrentamentos políticos
19 radicais.
20 Entretanto, se a guerra de classes encontrou eleitoralmente em Bolsonaro um
21 tradutor do sentimento antissistema, agora ela entra em nova fase. O governo do capitão,
22 dos generais, dos pastores e do juiz passa a ser a ponta de lança do ultraliberalismo:
23 radicalização da lógica da austeridade sobre o povo brasileiro, das privatizações e da
24 incapacidade de recuperar as mínimas condições de emprego e salário. Por isso mesmo o
25 governo já começa a entrar em contradições, apresentando um conjunto de medidas
26 altamente impopulares em meio aos resultados regressivos da economia brasileira. Por
27 isso mesmo, a popularidade do governo caiu entre os trabalhadores durante todo o ano de
28 2019.
29 O sindicalismo, diante desse contexto, pode ressurgir. Pode cumprir um papel de
30 vanguarda na organização e direcionamento da luta dos trabalhadores urbanos e rurais
31 nas greves que certamente irão permanecer diante de condições de vida cada vez mais
32 precárias. Sinais de que as velhas direções apodrecidas têm cada vez menos capacidade
33 de barrar as greves foram dados pela última pesquisa de greves do Dieese, que mostrou
34 que, de cada dez greves no setor privado, sete ocorrem em categorias e empresas
159
1 terceirizadas, com baixíssima organização sindical tradicional. Outro sinal são os ensaios
2 para grandes greves nacionais que ocorreram em várias categorias estratégicas em 2019,
3 como caminhoneiros, servidores públicos, petroleiros, trabalhadores dos Correios, etc.
4 Diante disso, o papel dos revolucionários, antes de atuar desesperadamente na
5 tentativa de disputar estruturas sindicais burocratizadas e ineficazes para a guerra de
6 classes, é reconstituir uma vanguarda política revolucionária no Brasil. Nas lutas
7 concretas dos trabalhadores, especialmente nas greves que certamente continuarão a dar
8 a tônica da luta dos trabalhadores nos próximos anos, devemos orientar nossa atuação
9 pela crítica sistemática e radical à experiência democrática liberal recente. Assim, é
10 preciso avançar na formação desta vanguarda que compreenda e formule sobre esta época
11 histórica onde revolução e contrarrevolução medem forças. Se Bolsonaro foi a superação
12 do liberalismo de direita por meio do avanço da contrarrevolução, precisamos
13 urgentemente construir a expressão política da revolução brasileira, que só pode ocorrer
14 em meio às lutas concretas da classe trabalhadora.
15 E assim sendo, no interior da luta sindical, é preciso não ceder um milímetro
16 sequer para a decadente burocracia sindical e partidária, que procura desesperadamente
17 reconstituir o passado idealizado de benesses dos governos petistas. Os exemplos se
18 sucedem desde 2013 e comprovam a tese de que a classe está divorciada do PT enquanto
19 partido da ordem e de Lula, sua principal expressão pública. Se essa burocracia ainda tem
20 força para definir os rumos da esquerda institucionalmente, não apresenta mais qualquer
21 capacidade de ler os acontecimentos vindouros. Com isso, conjunturalmente, é
22 preciso ter a clareza e coragem necessárias para defender publicamente que a campanha
23 “Lula livre”, assim como as “Diretas já” em 2017, concorreram para a desmobilização da
24 classe trabalhadora em 2019.
25 A classe efetivamente não acredita mais nas lideranças que se forjaram no
26 processo de redemocratização. Muito menos em sua crença em torno da institucionalidade
27 e da ordem democrática burguesa. A crise da democracia parlamentar é completa e tende
28 a apenas deteriorar as condições sociais e ampliar o radicalismo da luta política. Por isso
29 mesmo, campanhas como a de que “ninguém solta a mão de ninguém”, “em defesa da
30 democracia” e outras tantas ilusões em torno da ordem burguesa, apenas servem para criar
31 repúdio da classe trabalhadora, que não aguenta mais os já seis anos acumulados de crise
32 e as quatro décadas de depredação das suas condições de vida e trabalho.
33 A ideia de uma unidade abstrata em defesa da democracia, envolvendo todos os
34 partidos progressistas e absorvendo suas pautas, é um verdadeiro suicídio político. Os
160
1 da Lei de Responsabilidade Fiscal alguns anos depois, tomam a forma de apropriação dos
2 capitais e de garantia de rentabilidade, uma vez que os ganhos advindos do processo
3 hiperinflacionário já tornavam-se inviáveis dada a instabilidade social por ele gerada.
30 Nesse contexto de crise do capital, desde os anos 1970 e marcado, em 1990, pelo
31 Consenso de Washington, o aprofundamento de nossa dependência em todos os setores
32 traduziu-se, particularmente na esfera educacional, pela incorporação de uma série de
162
23 Deste modo, o projeto de universidade desde a ditadura militar não teve qualquer
24 modificação, pelo contrário, seguiu as demandas e necessidades do capital, mantendo a
25 mesma tendência de dar o suporte através do Estado à ampliação da educação superior
26 privada e de estruturar as universidades federais com os polos da indústria de exportação,
27 ou seja, se estabelecem dentro do próprio movimento de desenvolvimento do
28 subdesenvolvimento. O sistema de graduação e pós-graduação brasileiros têm ligação
29 umbilical com a dependência do país, sendo submetidos através da CAPES e CNPq a
30 uma estrutura de produção de conhecimento que sujeita as pesquisas e publicações
24
O mapeamento desses documentos foi realizado pelo Sindicato Nacional de Docentes das Instituições
de Ensino Superior (ANDES-SN)
163
1 nacionais às grandes revistas dos países imperialistas, ou seja submete o grosso de nossa
2 produção científicas aos países troncais do capitalismo bem como os nossos
3 pesquisadores. Expressão máxima desta estrutura alienante do povo brasileiro, que é a
4 universidade, foi o programa petista Ciência Sem Fronteiras, que institucionalizou o
5 colonialismo cultural e a fuga de cérebros.
27
29 A guerra de classes aberta com o grande aperto fiscal de Dilma Rousseff em 2015
30 marca o ponto de não retorno do projeto estruturado por petistas e tucanos na
31 administração econômica através do Plano Real do capitalismo rentístico brasileiro. O
32 espaço fiscal que o “boom das commodities” abriu e que deu ao PT a possibilidade de
164
1 colocar os pobres no orçamento, vinha desde 2008 - com a eclosão da crise financeira
2 capitalista - apertando. Em 2011, o número de greves visando à manutenção de direitos
3 antes estabelecidos já tem aumento expressivo e, em 2013, estouram as grandes
4 mobilizações que põem em xeque a ideologia petista do Brasil como um país de classe
5 média e espelho do “país do futuro”. Neste escopo, temos, em 2015, o maior corte no
6 orçamento para a educação implantado pelo governo que se identificava pela alcunha de
7 “Pátria Educadora”, escancarando um dos primeiros passos para o que se consolidaria
8 mais tarde como o novo projeto da burguesia para a educação.
1 grande medida, a base do programa “Future-se” já vinha sendo aplicada pelas próprias
2 Universidades. O rechaço em um primeiro momento de grande partes dos reitores deveu-
3 se ao fato deque a administração dos recursos da abertura de capital que o programa
4 possibilitaria ficaria para uma empresa OS, e não na mão dos atuais gestores. Não houve,
5 portanto, em si, real disputa no essencial por um projeto de universidade nesta atual
6 “cruzada” de muitas universidades contra o “Future-se”, apenas uma briga pela
7 administração dos recursos dentro do mesmo projeto.
15
24
25 Hoje, 80% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos estão fora da Universidade
26 euma porcentagem ainda maior está fora das universidades federais. Grande parte dessa
27 massa que está fora da universidade nunca teve nem terá possibilidade do acesso à
28 universidade, seja por não ter nem mesmo completado o ciclo básico e médio de ensino,
29 seja porque são cortados já de forma precoce nos exames vestibulares. A universidade é
30 portanto uma instituição exclusiva, seja pelo próprio projeto de educação brasileira como
31 um todo, ou pela estruturação da seleção universitária. Nesse sentido o ponto inicial da
167
1 pauta do movimento estudantil não pode ser os problemas internos da universidade, mas
2 o seu início é por fora da instituição, pois é a exclusão de grande parte da massa da
3 população jovem do país a primeira relação desta instituição com o povo. Torna-se,
4 portanto, de primeira necessidade colocar em pauta o projeto de Universidade que tem
5 como base a exclusão e como seu instrumento primário o vestibular. A pauta sobre o fim
6 do vestibular e a exclamação do porquê o ensino superior público é restritivo a menos de
7 20% da população jovem do país deve ser o ponto de partida para o movimento estudantil
8 se reorientar para a crítica ao projeto universitário atualmente em vigor.
16 Frente a isso, o movimento estudantil nada tem a dizer. Em um ano como 2019,
17 em que houve diversas manifestações frente aos ataques, nada se conseguiu fazer além
18 de reiterar o mesmo projeto de universidade completamente falho. Após a crise estourar,
19 vimos o drástico aumento do desemprego no país, que jogou grande parte daquela massa
20 que se formava nas universidades no desalento ou na informalidade, mesmo aqueles
21 formados para profissões qualificadas. Hoje, apenas cerca de 30% dos formados
22 trabalham na área em que de fato se formaram. A compressão do mercado de trabalho
23 demonstrou que, na prática, os programas de expansão universitária, ao simplesmente
24 colocar estudantes em instituições que reproduzem o desenvolvimento do
25 subdesenvolvimento, serviu, na verdade, para rebaixar o salário dos trabalhadores
26 qualificados com o aumento da concorrência através da expansão do exército industrial
27 de reserva que a crise gerou.
1 estudantes. A luta pela bolsa aparece mutatis mutandis como a luta por manter um salário
2 e determinadas condições de vida. De um lado o desemprego e, de outro, o corte nas
3 bolsas e a precarização dos auxílios socio-econômicos impõe ao estudante uma ausência
4 de futuro impulsionando - como vimos no ano de 2019, a letárgica pós-graduação
5 brasileira através de seus estudantes que mobilizaram-se nacionalmente frente ao corte de
6 bolsas - muitos estudantes voltaram-se à política o que abre a possibilidade de um amplo
7 movimento de massas estudantil. O sonho da universidade como fator de ascensão social
8 foi solapado com a crise e coloca então a própria universidade em crise. A ideologia da
9 “abertura da universidade” a partir de políticas como as cotas sociais e raciais se depara
10 hoje com uma universidade onde mais de 50% dos estudantes matriculados são negros e
11 grande parte de baixa renda, porém estes estudantes se deparam com um mercado de
12 trabalho ultra-ocioso, onde o subemprego comanda a vida de grande parte da juventude
13 recém-formada e em vias de formação com salários baixíssimos e sem qualquer tipo de
14 segurança formal trabalhista ou previdenciária futura. É aqui então que se demonstram os
15 limites próprios das políticas de inclusão social gestadas no último período que
16 sustentaram o discurso de “democratização da universidade”, pois é onde a universidade
17 se encontra com a realidade brasileira.
1 de massas do movimento estudantil. Cabe a nós entender o seu papel histórico nos últimos
2 anos e os seus limites na atual conjuntura para se ter a capacidade, se necessário, de
3 disputá-las a fim de conseguir consolidar dentro do movimento estudantil uma vanguarda
4 que dê sentido totalizante à luta do movimento estudantil dentro do projeto da revolução
5 brasileira.
17 Devemos saber, portanto, que hoje a UNE não representa os anseios nem as
18 possibilidades da massa estudantil, pelo contrário, os limita e é, portanto, uma entidade
19 que renegaa sua história. Não devemos portanto tentar salvar a UNE, mas sim apontar
20 todas as suas capitulações, sabendo que a construção de uma entidade nacional se dará
21 fora dos marcos dessa hoje estabelecida e completamente degenerada. Porém, devemos
22 nos apresentar na disputa interna e nos seus processos de eleição, pois estes são
23 imprescindíveis hoje para conseguirmos e apontar a necessidade da construção de um
24 novo projeto de universidade, a Universidade Necessária, e, levantando as bandeiras
25 históricas do movimento estudantil confrontar a política medíocre e rebaixada que hoje
26 circunda tanto a direção da entidade como também a sua oposição unificada.
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12
32
172
12 Por esta razão, nossas alianças dentro das entidades nacionais e centrais devem
13 ser muito bem construídas, demodo a não rebaixar o programa para iludir os estudantes e
14 apagar os conflitos postos, mas sim se pautar a partir do programa máximo, pois para nós
15 não adianta a aliança com outros organizações se essa não representar de fato para os
16 estudantes um salto de qualidade político e organizativo. A aliança deve ser portanto com
17 a massa estudantil em primeira ordem, sem medo de apresentar as críticas e divergências
18 e sem cair em apoios críticos que de fato nada representam para a política estudantil como
19 um todo. Portanto, nossa política não deve ser pautada nas outras organizações.
20 Dentro dos CAs e DAs também se deve ter o máximo de cuidado possível na
21 política de alianças e na proposta programática. No contexto próprio da forma de disputa
22 nos cursos às vezes, há apenas um militante nosso em determinado curso, solicitando que
23 avaliemos cuidadosamente a possibilidade de inserção de nosso debate de modo a elevar
24 a qualidade política e teórica dentro do centro acadêmico.
25 Em qualquer dos momentos não se negam, como princípio, as alianças, mas sim
26 o rebaixamento da política para fazê-las, pois isso blinda tanto os nossos militantes como
27 o restante dos estudantes dos conflitos reais postos, das diferentes perspectivas em disputa
28 e acaba fazendo com que a política universitária se torne uma massa amorfa deslegitimada
29 pela grande massa estudantil, que se torna, então, indiferente à política.
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10 Organizar-se não é algo novo nem estranho para a humanidade. Pelo contrário, é
11 uma condição mais que necessária para a vida humana em sociedade, seja ela qual for.
12 Entretanto, em contraste com os demais animais que também se organizam, há algo
13 singular na organização humana, algo que emana da própria natureza específica do
14 trabalho humano. Enquanto espécie, somos capazes de produzir um efeito de acordo com
15 um plano previamente elaborado em nossas mentes. Assim, o ser humano pode,
16 permanentemente, alterar o meio em que vive de acordo com seus interesses, com seus
17 desígnios ou com suas vontades. A natureza do trabalho humano, desta forma, só pode
18 ser entendida como práxis revolucionária, práxis que rompe constantemente com as
19 formas de organização anteriormente constituídas e, por consequência, pressiona pela
20 criação de novas relações sociais. Assim, o específico no ser humano não é a sua
21 organização estática, o status quo, mas sim, o desenvolvimento permanente de suas
22 formas organizativas e a maneira como uma forma se transforma em outra: o seu
23 desenvolvimento.
1 ultrapassada, em um novo regime social, que seja, enfim, adequado às novas formas de
2 produção.
3 Esta transformação revolucionária, por sua vez, só pode ser conduzida pela classe
4 que não se beneficia da estrutura social anterior, ou seja, pela classe que traz em si o
5 embrião de uma nova organização social e a negação da velha; traz em seu devir
6 histórico as novas relações sociais. A revolução, entretanto, somente pode ser vitoriosa
7 mediante duas condições fundamentais: 1) a classe antes dominada passa a deter o
8 exercício do poder político, tomando para si os instrumentos de execução deste poder,
9 basicamente o Estado e a propriedade dos meios de produção; e 2) a classe vitoriosa é
10 investida de legitimidade para representar os interesses da maioria do povo.
11
1 desta maneira, passou a ser referência fundamental da luta dos trabalhadores em todas as
2 nações onde já havia um movimento operário.
24 Organizar este povo brasileiro é o que estrutura a definição das linhas de atuação
25 que abaixo seguem:
26
14 Também orientamos que devemos criar frentes de ação nacionais nos diversos
15 ramos específicos da acumulação de capital, com coordenações próprias e subordinadas
16 diretamente ao Comitê Central. Estes grupos de ação devem ser organizados como tarefa
17 do Comitê Central em parceria com os Comitês Estaduais para o próximo mandato, tendo
18 como exemplo o trabalho embrionariamente feito no grupo de petroleiros e de
19 trabalhadores da educação.
20
27
28 Também fazem parte desta linha os militantes que exerçam o papel de professores
29 nestas instituições, formando através da sua referência política, novos quadros estudantis.
9 Vencida esta primeira etapa, é perceptível que o partido não apresenta uma
10 hegemonia intelectual firme que unifique os inúmeros militantes que atuam em suas
11 bases. É possível realizar atividades de formação política, identificar quadros
12 revolucionários e projetar novas lideranças sem qualquer impedimento por parte das
13 burocracias parlamentares.
25
18 Nos locais onde existirem militantes interessados na organização, mas que ainda
19 não tenham a convicção nas nossas linhas políticas e teóricas, devem ser criados núcleos
20 de recrutamento de potenciais novos militantes. Estes núcleos precisam funcionar
21 sempre em torno de alguma tarefa concreta, auxiliando na realização de atividades das
22 células ou até mesmo tocando atividades próprias do núcleo. Algum camarada da célula
23 deve ser destacado para acompanhar as ações do grupo, identificando militantes
24 destacados que podem ser recrutados para a estrutura regular da organização ou, até
25 mesmo, a transformação do próprio núcleo em célula orgânica da RB.
26 Além desses núcleos, as células precisam organizar listas com nomes de pessoas,
27 sejam elas militantes ou não, que sejam parte da nossa zona de influência. Nessa zona
28 de influência é sempre preciso fidelizar estas pessoas, seja distribuindo material teórico
29 da organização, chamando-os para participarem de atividades políticas ou, especialmente,
30 contribuindo financeiramente com a RB.
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